Museu da Pessoa

Um mineiro cheio de histórias

autoria: Museu da Pessoa personagem: José Luiz Dias

P/1 – Senhor José, o senhor pode falar o seu nome completo?

R – Meu nome é José Luiz Dias!

P/1 – A data do seu nascimento?

R – Eu vou retocar aqui. Na verdade, eu nasci dia 5 de junho de 1935, mas como é de hábito os funcionários públicos errarem, quando eu tirei a profissional, em vez dela por junho, ela pôs julho. Quando eu fui pegar a minha aposentadoria por idade é que achamos aquela diferença. Então, no documento está 5 de julho de 35, mas no nascimento mesmo é 5 de junho.

P/1 – Seu José, qual é o local de nascimento?

R – Eu nasci lá no Córrego Seco, no Distrito de Centenário, município de Mutum.

P/1 – Que estado que é?

R – Minas Gerais. Fica lá na zona de Governador Valadares, já divisando com o Espírito Santo. Fica assim, à esquerda, na Vitória-Minas, que é a estrada lá, fica à direita subindo, a minha cidade, Mutum.

P/1 – Seus pais são dessa região?

R – Não, meus pais são de Santa Isabel do Rio Preto, estado do Rio. A mamãe e o papai. Já morreram tudo, né?

P/1 – Como é o nome do seu pai?

R – Manuel Luiz Dias.

P/1 – E os pais dele são dessa região? De onde são seus avós?

R – Aí minha filha é muito longe (risos), não alembrei, não.

P/1 – Você não lembra dos pais do seu pai?

R – Dos pais do... Deve ter algum documento lá que cita, né?

P/1 – E o nome da sua mãe como é?

R – É Maria Neves Dias.

P/1 – E os pais dela?

R – Pais dela é...

P/1 – Você lembra deles?

R – Avó eu alembro, Amélia Neves da Silva. O outro é José Tavares da Silva.

P/1 – Eles eram dessa região do Rio de Janeiro?

R – Tudo lá do Córrego Seco, Mutum. Esse pessoal que veio da zona norte do Rio pra zona nossa lá. Porque quando eles começaram lá, minha filha, era tudo mata, mata, mata. O meu pai e mais outros abriram lá as matas e formaram suas lavouras, né?

P/1 – O que seu pai fazia lá?

R – Como jovem, solteiro?

P/1 – É.

R – Como lá era mato, não existia estrada, não tinha condução. Ele trabalhou lá pra um fazendeiro de tropeiro. Você sabe o que é ser tropeiro?

P/1 – O que é tropeiro?

R – Nem ele não sabe?

P/1 – Não, a gente quer saber.

R – Antigamente, de onde a gente estava até o Aimorés, onde tem a estrada Vitória-Minas dá mais ou menos uns 70, 80 quilômetros. Se precisasse de comprar sal, querosene, arame de cerca, coisa assim, tinha que ir buscar no carro de boi ou nas costas de burro. Então, dez burros era uma tropa, encangava aqui, punha a saca e descia, ia lá embaixo buscar, depois trazia, sabe?

P/1 – E a sua mãe? Você sabe como o seu pai e a sua mãe se conheceram?

R – Nas rezinhas da roça lá, né filha. Tudo católico, (risos), católico conhece seus namorados lá na igreja, na reza. Porque rezava lá, mês de Maria, a novena de Santa Luzia, São Sebastião, São José. Catolicismo naquela época era muito forte, né?

P/1 – E o senhor nasceu nessa região?

R – Nasci lá no Córrego Seco.

P/1 – Como era a casa do senhor?

R – A casa onde eu nasci?

P/1 – É.

R – Ihhh, você está querendo muito, hein filha? Eles já desmontaram ela lá (risos). Você conhece casa do interior?

P/1 – Como que era?

R – Casa no interior, eles sempre faziam dez metros por 20 ou 25 assim. Aí subia o centro da casa, subia, eles punham aqueles pau a pique que era cumeeira que falava. Então ficava um telhado pra cá e outro pra lá. Aquelas casonas compridas, e aí eles dividiam. Era a casa da roça. Era a casa que meu pai fez pra gente morar, né? E até nesta casa, minha filha, tem uma história muito triste. Eu me alembro dela até hoje.

P/1 – Como que era?

R – Eu devia ter... Eu sou de 35; 40, 42, uns sete, oito anos. Não sabia porque, alguém estava lá brigando com o meu pai. E quando eu vi, eu não sei porque, o cara tinha enfrentado o meu pai. Porque nessas casas no interior tem alpendre, sabe? Aquele corredor que faz por fora da casa, passa assim, pega uma janela, duas janelas, aqui fala vitrô, lá é janela (risos). E depois que tinha a escada que saía pro terreiro, entendeu? Resultado, não sei como, quando eu vi o papai estava lá no cantinho do corredor e aquele homem com uma garrucha e uma faca na mão. E xingando o papai, falando palavrão, aquele negócio. Eu era menino quando eu vivi aquilo. Porque ele tinha que sair de lá e passar pertinho da porta onde estava nós ali. Então, ele estava marcando uma hora que ele fazia o bote dele e eu e a outra minha irmã não estava próxima porque viu que o cara podia dar tiro e disparar. Até nisso ele teve uma noção muito ótima, né? Quando ele viu que a gente não estava perto ele agiu. Ele pôs a mão assim no patamar, levantou o corpo pra cima e bateu os dois pés no peito do indivíduo e o cara caiu no chão, caiu a garrucha e a faca prum lado e papai passou por cima dele. Só sei que saiu de dentro de casa e chegava dentro da lavoura de café. Essa é uma história que está gravada na minha memória.

P/1 – E por que ele estava brigando?

R – Eu tinha oito anos, por aí, minha filha, eu não sei por que aconteceu isso.

P/1 – Quantos irmãos o senhor tem?

R – Eu tenho oito irmãos, comigo nove.

P/1 – E moravam os nove nessa casa?

R – O que escapou, que eu cresci, que antes desses nove acho que morreu três filhos da minha mãe mais meu pai. Era Gumercindo, Angelina (risos), isso foi em 1935, foi em 1920, 25, por aí.

P/1 – Como é que era o seu pai, fala um pouco dele?

R – Igual eu assim, sabe? Baixinho, pequeninho, brabinho.

P/1 – E sua mãe?

R – A minha mãe também, calculo mais ou menos, acho que ela era da mesma altura do meu pai, um pouquinho mais alta. Mas nenhum deles era gordão. Como meu pai nasceu na roça, mexendo com burro, ele era pequeno, mas era forte, sabe? Virou atleta. Indivíduo jovem, lá na roça. Depois que ele namorou e casou com a minha mãe foi lá pra esses cantos lá da roça, comprou esse pedaço de terra, derrubou mato, plantou café, fez casa. Ele chegou a fazer acho que seis casas de colônia. Sabe o que é colônia?

P/1 – Não.

R – Aquelas casinhas que os homens faziam pros empregados morarem ali e trabalharem de meio ou de terça pros fazenderinhos. Ele chegou a ter, acho que seis casas de colônia nessa propriedadezinha. Depois de formada só produzia café e vendia. Esses cafés nossos, nessa época, quando começava lá, colhia ele, limpava e ia levar lá no Aimorés. Aí, depois mudou, melhorou, surgiram alguns proprietários, caras mais ricos, começou a aparecer o caminhão. Aí já vinha pro lado de Ipanema, Manhuaçu. Manhuaçu tinha estrada de ferro que pegava e ia pro Rio, mas já mudou. Naquela época não tinha ainda produção pra cá.

P/1 – Mas seu pai tinha um sítio, era isso?

R – É. Esse pedaço de terra, lugar que era isso aí, dava 12 alqueires e meio de terra. Embaixo, tinha umas várzeas, depois subia um morro assim, aquela pradaria, depois dava uma descida, aí outra planicezinha, aí ele fez a nossa casa. E a lavoura ele fez por cima assim, fez a volta lá, fez aqui e do outro lado, tudo ele plantou café e foi um começo. Mas o que eu quero deixar bem claro, filha, nessas alturas o papai ficou um homem de destaque, ele ficou conhecido. Como ele era tropeiro, estava sempre indo numa fazendinha buscar café da pessoa, levar cereais pra eles, ia na outra fazenda, então ele ficou conhecido. Na Revolução de 32, pode ler na história que o Governo de São Paulo é que quis encrencar com o Getúlio. E o Governo de São Paulo pediu ao Governo de Minas pra ajudar eles e o Governo de Minas, então, juntou todos os soldados que ele tinha na capital. Aí as cidadezinhas do interior ficaram tudo sem autoridade, sem soldado, sem nada. Como papai era conhecido na cidade, e de lá as autoridades lá conheciam ele, sabiam que ele era uma pessoa de destaque, de representação lá, chamaram ele lá e disseram: “Olha, seu Manuel, o senhor vai ser o bate pau daquela região ali. Se precisar prender alguém você vai prender e traz pra cá. Você vai ser uma autoridade ali”, no período da revolução. Aí, terminou a revolução, ele foi tocando a vida, mas o nome dele ficou lá na delegacia. Quando mudava os policiais daquela cidade, às vezes, tinha que prender um cara lá no Santa Elisa, lá no Alto do Tesouro, o papai conhecia aquilo tudo. Então, havia uma denúncia policial e prendeu um cara na região, eles olhavam lá e já vinham, né? Já vinham direto lá em casa, eles vinham a cavalo. O papai então, chega lá, dormia lá, descansava o cavalo, no outro dia o papai dava o cavalo dele pra levar ele nas outras grotas pra fazer a diligência que tinha que ser feita. Então papai ficou conhecido.

P/1 – Mas o seu pai que ajudava a prender?

R – Ele recebeu a autoridade lá da cidade como representante da lei. Será que eu fui claro?

P/1 – Foi.

R – E quando terminou lá a revolução e normalizou tudo, todos os policiais, cada um tomou seus postos. E nessas alturas o papai ficou conhecido. Mas a nossa casinha lá na roça, no Córrego Seco, ficou alembrada pra esses policiais. E uma coisa que se for fazer documento certo precisa até recordar. Foi em 46, 47, por aí, o papai fez um aniversário dele, minha filha. Então, aniversário da roça, é muita broa, é muito biscoito, aquele farturão danado, né? Convidou todo mundo, tinha a sala, o terreiro, a tuia, aquilo estava todo mundo dançando lá, chega um cabo lá. Era de praxe, todos os policiais virem procurar o papai para ajudar ele lá. Este cabo chegou, papai recebeu ele, o papai apresentou ele pros amigos, tudo lá, a casa lotada de gente, tudo. Mas apareceu lá um indivíduo bêbado lá, ficou afrontando o cabo, o cabo foi aconselhar, explicar, tem coisa aí, eu não sabia porque isso aconteceu. O papai saiu, o cabo saiu com o cara, né? “Ah, vai embora, não estou aqui pra prender ninguém, não vou fazer nada. Meu trabalho aqui é outro”. E o cabo saiu aconselhando aquele indivíduo e o papai saiu perto. O velho é vivo, meu pai. Acompanhando o cabo. Nisso saem outros amigos e quando sai fora da casa, o fundo da casa vê a casa aqui assim, que desceu na frente tinha a descida que era, aí passava por uma tronqueira e o cara estava lá. Quando ele viu que o cabo estava em frente à tronqueira o cara atirou no cabo. Atirou, o papai avançou no cara pra pegar. O cabo não estava armado, nem nada, porque ele não tava... O papai avançou pra pegar o cara, segurou, tem alguma foto lá em casa. Pegou o revólver, pegou bem por baixo do olho assim que arregaçou as vistas dele. Ainda me lembro muito bem. Então passou essa história. Essa é uma história muito triste da vida do meu pai. Nisso eu fui crescendo, mais tarde me deu uma história...

P/1 – Pera só um pouquinho, vamos voltar lá pra sua casa. Quem que exercia a autoridade dentro a sua casa? Seu pai ou sua mãe?

R – Papai. Ele que dava as ordens. “Ó, vamos fazer”, e fazia aquilo. Então, nessas alturas, aí passou anos e anos, mas nós ficamos visitados, todos policiais que iam pra cidade no Mutum lá, eles queriam conhecer onde esse cabo foi morto lá nessa casa nossa. Nessa época é que entra uma outra história. Nessa época, dessa nossa casa até a cidade deve dar uns 70 quilômetros, mais ou menos. Morria gente cá, punha num banguê lá, não era nem nesse caixão que faz assim, levado na mão. Não tinha condição nem nada, levado na mão lá pra cidade. Então, houve a necessidade de fazer um cemitério lá. O papai e os outros amigos dele fizeram uma igrejinha lá. Então papai, nossa propriedade ligada nesse pedacinho de terra lá, que estava a igreja, aí já vamos fazer o cemitério. Papai pegou o cemitério de empreitada da prefeitura pra fazer. Mandou derrubar uma sapucaia lá, rachou e trouxe. Deve estar até hoje lá. E o papai fez o cemitério. Estava pronto o cemitério, morreu uma velha lá na cabeceira de Santa Elisa. Então, os homens logo: “Vem cá, morreu” “Traz pra cá”. Mas não tinha oficializado o cemitério, papai tinha terminado, mas as autoridades da prefeitura não vieram pra oficiar o cemitério, né? “Não, mas não vamos enterrar aí, não vamos levar essa velha pra Mutum, não”. E o meu tio, irmão da mamãe, ele era juiz de paz, né? “Não, não pode enterrar, o cemitério não está oficializado ainda”. O papai ficou bravo, já brigou com meu tio: “Não, vai ter que enterrar aí”. Mas aí, o papai teve o apoio porque o negócio de 80, 100 homens pra carregar um defunto de 50 a 60 quilômetros, 80, mais ou menos, calculando assim. Sabe o que é isso, minha filha? Não é brincadeira. Então todo mundo ficou de acordo com papai, aí conversou lá com meu tio: “Não, não tem problema. Nós vamos enterrar aí e amanhã nós vamos dar baixa lá”. Assim ficou, fez o enterro. Essa história, quando passou aquela novela aí, essa é uma história verdadeira, minha filha. Então, o papai fez esse cemitério lá. A primeira pessoa que foi enterrada lá foi uma senhora de idade, a mãe do Chico Espanhola, dona Antonieta, outra família lá. Resultado, daí uns tempos a vida seguiu, o papai comprou outra propriedade lá no município de Pocrane, vindo pro lado de Aimorés e de Assaraí. E foi com essa idade pra lá. Então, ele pôs uma outra fazendinha lá. Era uma fazenda que tinha máquina de limpar café, máquina de limpar arroz, tudo nas rodas d’água, sabe? Tinha também a eletricidade pra iluminar a fazenda. Mas como os donos que fizeram morreram ficou no nome de herdeiro, aí herdeiro também quer parar tudo, ninguém conserta nada e ficou aquilo. Quando papai comprou essa fazenda estava toda atrapalhada. E tem tanta tragédia pra contar aí, minha filha.

P/1 – Vamos voltar. E vocês ajudavam seu pai na fazenda? O que vocês faziam? Quais eram as brincadeiras de vocês?

R – Brincar (risos).

P/1 – Quais eram as brincadeiras?

R – A minha brincadeira, minha juventude, quando eu ia na escola...

P/1 – Quando o senhor era criança, não jovem, criança.

R – Meu lazer foi esse. Eu tinha lá meus aninhos de escola, a gente descascava milho, debulhava e levava pra moer no moinho. Prendia bezerro, tirava leite, prendia os porcos, tratava dos porcos e terminava a obrigaçãozinha e ia pra escola. E chegava na escola a gente ia, a meninada ia bem antes de começar a escola pra jogar bola na frente da escola. A escola era na fazendinha de um fazendeirinho lá, até na frente assim da escola era cheio de esterco, bosta de boi, esse negócio. E nós jogava bola lá, era gostoso, viu! As primeiras bolas que nós brincava lá era de bola feito de meia. Você sabe o que é isso?

P/1 – Sei.

R – Sabe mesmo? Bola de meia (risos). Botava meia e enchia de pano velho ali. As mamães sempre costuravam aquela bolinha, era o meu lazer aquilo.

P/1 – Do que você mais gostava na escola? Gostava de estudar o quê?

R – Ah, minha filha, eu fui sempre bom na Matemática. Português ihhh, foi difícil pra mim (risos), foi difícil.

P/1 – Você lembra de alguma professora?

R – Ah, você quer que eu fale elas todas? A primeira noção, o papai tinha um empregadinho lá, um senhorzinho que chamava Antônio de Mel, Zezé de Mel, um negócio de Mel. Ele sabia ler, então o pai mandou ele ensinar nós lá. Começamos lá na propriedade nossa lendo o ABC, comecei as letras todas. Depois das letras aprender a sílaba, então era c-a, ca; c-e, ce; c-i-, ci, ce-cu não falo não (risos), então menino tinha essas brincadeiras, né? A professora mandou um menino ler lá, né? Então ele ia lá, b-a, bá; b-e, bé; b-i bi; b-o bo, b-u, bu. Quando ia no c-a, cá (risos), o menino não queria, de respeito à professora. Hoje eu posso falar tranquilo, mas naquela época, menina, era um palavraço (risos). O menino, a professora mandou ele ler: “Lê aí! A, b, c, aí chegava no c, vai soletrar, né? C-a, cá; c-e, ce; c-i, ci; c-o, co”. Aí o menino fala: “C-u cu eu não falo, não, professora” (risos). Hoje ficou tão simples, né, essas coisas, né? Mas deixa eu ver outra história. Resultado, minha filha, o meu pai fez uma tragédia, ele se suicidou, ele tomou formicida Tatu. E ele está enterrado lá em Assaraí, no município de Pocrane. O meu sonho, meu desejo, se eu pudesse, se tivesse financeiro, eu pegar, ir lá conversar com os prefeitos de lá, fazer uma sepultura pro meu pai lá no cemitério que ele fez. De acordo com as autoridades lá precisa montar, aquele túmulo que nós fizemos pra ele lá em Assaraí, que é no município de Pocrane, está lá a foto dele, tudo, tirar os restos mortais dele e trazer pro Córrego Seco, pro cemitério que ele fez. E aí, guarda a família também, né? Porque é no Córrego Sego, no Distrito Centenário, no município de Mutum, no Estado de Minas Gerais. Esse é um dos meus sonhos dessa história.

P/1 – Quantos anos você tinha quando ele se matou?

R – Quando ele se matou eu tinha 18 anos, foi em 52.

P/1 – Mas ele era triste? Você sabe por que ele se matou?

R – Tem outra história pra trás. O meu pai é um homem muito legal, bacana, muita amizade, muita força, mas ele bebia, ele gostava de beber. Mas ele não bebia lá nas vendas, ele comprava 200, 300 litros de pinga. E ele comprou uma pinga pertinho lá, um lugar lá e mandou um dos filhos ir com um burro pra trazer cachaça, lá num morro, num negócio lá: “Você vai lá e passa lá no outro fazendeiro lá que comprava café que ele mandou dinheiro pra mim”, recado que ele deu prum filho, né? Aí o filho dele deixou o burro pra pegar a cachaça e o outro fazendeiro que comprava café ficava mais pra cima, foi pra lá. Chegou o homem, dono da fazenda que ele comprava café estava por Ipanema, não estava em casa. Aí, pra não ir embora o meu irmão ficou esperando o homem chegar pra dar o dinheiro. Ele chegou já estava noite e disse: “Amanhã você vai”. Resultado, ele ficou. Ainda nesse dia tinha lá uma rezinha lá nessa fazendinha e o pessoal ficava lá, tinha esse negócio, depois da reza tinha baile. E nos bailinhos ali o meu irmão montou um negócio de jogo, toda vida todo mundo foi viciado em jogo. Então, tinha um joguinho num canto lá no quarto, ficou meu irmão lá jogando com uns caras, naquela época era Marimbo, sabe? Um joguinho meio violento. E o meu irmão jogando, tinha um cara lá que eles falam soldado foragido, o cara fugiu da polícia. Naquela região ele batia em todo mundo, ele dominava todo mundo. E o meu irmão encrencou com esse cara, né? Aí encrencou, meu irmão disse: “Não vai acontecer nada porque eu estou na casa de um amigo do meu pai e não vou fazer nada aqui, não”. Aí o meu irmão foi pra fora, quando ele saiu, como eram essas fazendas, que saía da sala, do quarto, entrava na sala e chegava pro lado de fora tinha um alpendre. Ali o dia já tinha amanhecido e tinha um cara cortando o cabelo e de lado a escada que descia. Quando aquele barbeiro viu meu irmão sair, tirando a garrucha, saindo pra fora e o outro vinha com uma faca e um chicote na mão, o barbeiro foi tentar segurar o cara. O cara era perigoso, tudo. Por infelicidade do indivíduo, ele foi tentar salvar, fazer paz, ali, né? Quando ele foi, minha filha... Como naquela época não tinha esse negócio de perícia, nem nada, todo mundo escutou um tiro. Era 380, a garruchinha. Tinha bastante gente já acordada, era umas seis, sete horas da manhã. Todo mundo escutou um tiro e caiu dois homens morto no chão. Você vê que destino? Isso está escrito nos anais da delegacia lá do Ipanema, viu? Então, saiu correndo, tal, papai com muita pretensãozinha lá, chamou o advogado, escondeu ele. Quando foi ter o júri, aí o advogado falou pro papai: “Pode trazer o menino, a gente tem que por ele porque o juiz já decretou o júri”. Levou, faltavam três meses pro júri, papai apresentou ele lá, prendeu, ficou três meses preso, entrou no júri e saiu livre, livre. Então essa história, como é que pode, um tiro matar dois homens? Porque era uma 380, às vezes ele armou as duas. Não sei como aconteceu isso aí, pode ter armado os dois canos, deu o tiro e as duas balas que mataram os caras lá. Mas essa história ficou, aconteceu isso. Aí esse meu irmão ficou bravo, ficou valente, criava problema com todo mundo e o papai acudindo daqui, acudindo dali, e ele não foi morto porque papai era uma pessoa de nome, de respeito, consideração, então, muitas vezes as pessoas toleravam. E o papai mudou desse lugar pra outra, no município de Assaraí, no distrito de Pocrane, onde ele está nesse túmulo lá em Assaraí. E esse meu irmão lá fez muito aborrecimento pro meu pai, aborreceu muito. A minha irmã, mais velha do que eu, até morreu há pouco tempo, chegou lá, tinha um fazendeirinho da roça, chegaram num lugar diferente, todo mundo queria conhecer o novo vizinho ali, né? E logo a minha irmã fez conhecimento com o rapaz, namorando, tal, se noivou. E esse cara, um caipira da roça muito bacana, ele gostava de amansar boi, boi de carro, pra andar no carro. E era um cara que tinha uma amizade danada, uma família grande, tudo, e o papai gostava daquele cara. Então aquele cara noivou com a minha irmã. E como esse meu irmão era um cara valentão, azarado, né, encrencou com o noivo da minha irmã. Então a outra família, quando ele comunicou lá pra família dele que estava encrencado com o Joaquim, que é irmão da Neli, aí esse rapaz chamou a minha irmã e terminou o noivado com ela: “Eu não vou casar, o seu irmão não gosta de mim, do jeito que ele é”. Uma briguinha, ficou escondido, não foi a conhecimento do papai esse desentendimento. Quando o papai ficou sabendo já tinha acabado o casamento, aquilo foi uma tragédia na cabeça do meu pai, que ele gostava muito da minha irmã e gostava muito desse rapaz. Por causa dessa trajetória de vida surgiu aquela tragédia na cabeça dele, que a minha irmã, ela era deusa, a rainha do meu pai. Quando acabou o casamento, passou pouco tempo, poucos meses, aí ele só bebia, só bebia, saía, bebia. E aconteceu dele suicidar. E lá então nós enterramos nesse lugar lá. Essa é uma das partes da história.

P/1 – Nessa casa, ainda quando seu pai era vivo, sua mãe, vocês comemoravam festa? Natal, Páscoa? Que festa vocês comemoravam?

R – Lá na roça, nessa época lá rezava todo mês, né? Mês de maio, como a nossa casinha era perto da igreja, nós rezava mês de Maria, os 12 meses, Santa Luzia, São José, São Sebastião, nós ia rezar na igreja, né?

P/1 – Mas comemorava Natal, fazia almoço, tinha festa?

R – Olha, aí deixa eu ver. Isso aí aconteceu já depois da morte do meu pai, né, filha. Porque morreu lá em Assaraí e voltamos pra Córrego Seco. Nós voltamos pra cá, aí eu estava com 18 anos.

P/1 – Aí você veio pra São Paulo?

R – Não, não. Lá no Córrego Seco. Mamãe gostava, fazia o Natal, presépio. Ela tinha o presépio assim, fazia. Mas ficava escuro. Eu me alembro naquela época, minha filha, eu já tinha uma vendinha lá em frente à igreja, perto do cemitério, tinha uma igreja. Então, eu peguei umas pilhas lá, fiz uma instalaçãozinha e acendi uma lâmpada pra alumiar lá o presépio. Mas foi um sucesso aquilo lá (risos), que era tudo com vela, não tinha eletricidade. E com aquela velinha clareava lá o presépio, foi uma das festinhas que nós tinha lá. Agora, Mutum...

P/1 – Até quanto tempo o senhor ficou morando nessa região?

R – Lá foi 51, 52, 53, 55, 58... Eu casei em 1960, com 25 anos.

P/1 – Onde o senhor conheceu a sua esposa?

R – Na escola (risos).

P/1 – Você namorou muito tempo ela?

R – Pensa bem, eu casei errado porque a minha esposa é muito simples. Aquelas meninas antigas, né, que naquela época a gente falava. Antiga, aquele respeito dos pais, da mãe. Então, eu não pude conhecer a minha mulher, não sabia bem quem ela era. Casei com ela por amor, por paixão. Depois eu vivi 53 anos, vivi apaixonado por ela. Fui honesto com ela. Mas agora depois de velho eu estou vendo, poxa, ela não viveu comigo porque ela teve amor por mim, eu que forcei que ela vivesse aquele amor. Ela é muito simples. Lá na roça eu gostava de... Nessas alturas, antes de eu casar, eu tomei conta da igreja, do cemitério. Às vezes, quando tinha missa lá os padres vinham e se hospedavam na minha casa. Antes de eu casar, sabe? Depois eu casei, tudo. Os padres até se hospedavam na minha casa.

P/1 – Deixa eu voltar um pouco. Quando o senhor estava lá na roça, ajudava o seu pai, né? Você tinha um desejo assim: “Quando eu crescer eu quero continuar aqui, ou quero fazer alguma outra coisa”. O que você pensava?

R – Ô menina, como é o seu nome mesmo?

P/1 – Rosana.

R – Rosana, essa história, se for contar detalhadamente é muito tempo (risos).

P/1 – Conta.

R – Você imagina, meu pai morreu em 52, eu tinha 18 anos. Aí depois passou aquela tragédia, eu fui casar em 1960. Antes de eu casar, minha filha, menina, eu não sei porque eu fui marcado, tanta coisa difícil pra mim (risos). Eu tinha muita namorada, sabe? É o filho do Manuel Mestre, minha filha. Ele já tinha morrido. Muito conhecido. Naquela época, tinha aqueles bailezinhos, vamos supor um baile distante daqui a São Bernardo, tudo pasto a fora. Chegava lá e estava o baile. Nós não ia metendo a cara, ia chegando, chegava no terreno da fazendinha e mandava chamar: “Eu ouvi falar que tinha esse baile aí, nós viemos aí e nós queríamos brincar aí” “Você quer?” “Sou filho do Manuel Mestre”. O cara já metia a mão no pescoço da gente e jogava pra dentro. “Seu filho [da mãe], você é o dono da casa! O filho de Mané Mestre, a casa é dele”. Então recebia a gente com muito amor, aquela vibração, né? O quanto a gente era respeitado por consideração ao meu pai, né? Porque hoje, minha filha, estragaram nossa sociedade. Papai, filha, papai é uma palavra séria, filha. Acabou com o nome do papai, acabou. Mamãe, ah meu Deus. Ah, nome tão bacana. Mas essas mamães têm que saber que elas não podem negar de dar um pai pro seu filho! Eu não estou louco não, minha filha. Essas mamães.

P/1 – Mas o senhor estava falando que o senhor ia no baile e aí arranjava um monte de namorada?

R – Ah, eu tinha muita namorada. Mas namorar, namorar de longe, fazendo frete. Eu abracei minha mulher, minha filha, na semana que nós fomos casar. Porque eu dei um abraço e tinha uma porção de menina perto, tudo vigiando. Sabe como a gente era antigamente, esse negócio de como era antigamente, né? Eu fui saber dessas, até hoje não sei falar, essa regra de mulher, mulher ter menstruação, eu já estava com 18 anos, com uma rapariga lá. Eu não sabia. Morava lá na roça, ia lá, ficava com as meninas lá, antigamente falava rapariga. E um dia chega uma mulher que já tinha conhecimento com ela: “Ah, hoje eu não posso porque estou com isso” “O que foi?”. Aí que ela me explicou, sei lá, eu não sabia disso. “Então não pode”. Você imagina como era antigamente, né?

O tabu que tinha de respeito, de consideração.

P/1 – Aí o senhor casou com a sua mulher e vocês foram morar onde?

R – Quando eu casei eu tinha uma venda na casa. A história vai lá e vem cá, sabe como é? Eu casei na casa perto da igreja. A gente era colega de escola, eu comprei uma vendinha que era do pai dela lá na propriedade deles lá, do meu sogro. Eu já tava solteirão morando naquela casa. Ih, minha filha, você me pegou. Tem a história do meu tio, irmão da minha mãe, foi assassinado estupidamente dentro da igreja, rezando. Ele que acabou de fazer a igreja lá. O covarde que matou meu tio, ele veio por cima de mim e pegou ele na frente lá. São histórias da minha vida.

P/1 – Mas aí o senhor casou e ficou morando na cidade, em Mutum.

R – Eu casei lá no Córrego Seco, fiquei dono daquela vendinha ali. Depois nós fizemos inventário lá, separou, comprei um outro pedaço de terra. E daquela terra peguei, vendi e fui pra dentro da cidade, Mutum. Lá eu pus venda e tal, depois comprei caminhão, uma vidona. E gozado, não sei porque, acho que estou fazendo isso porque eu fiquei cego, sabe?

P/1 – Vamos voltar. Aí o senhor comprou mais terra. As terras do seu pai foram divididas?

R – Aquela propriedade, aí meu irmão mais velho vendeu lá e comprou em um outro lugar que era muito menos terra. Naquela época o café estava de muito preço, mas por um preço muito mais caro que a outra terra, sendo que depois acabou até aquela propriedade, golpe sujo danado tem isso daí.

P/1 – Aí o senhor comprou mais terra e plantou o que nessa terra?

R – Não. Da venda eu vendi e comprei uma propriedade. Depois eu vendi e fui pra cidade. Da cidade é que eu vim pra São Paulo.

P/1 – E por que o senhor resolveu vir pra São Paulo?

R – Pergunta boa, né? Na verdade, minha filha, antes de eu vir pra São Paulo eu queria ir pro Paraná. Eu já estava casado, estava no Mutum, tinha um caminhão, trabalhava.

P/1 – Tinha filho?

R – Eu tinha meu menino, o mais velho meu. Mas acho que eu preciso é de um profeta pra explicar porque as coisas acontecem comigo assim. A minha esposa estava grávida do primeiro filho nosso, chama José Luiz Dias Filho. Antes de eu vender lá, do filho, eu tocando a venda ela foi na casa de outro irmão em uma outra propriedade pra baixo, foi de charrete. Ela estava barrigudona, foi junto com ela uma prima dela que era casada com meu irmão. Antes de chegar lá os arreios desarrumaram, foi em cima da égua, o animal que puxava a charrete e ela disparou morro abaixo, uma descida assim. O meu irmão e a minha cunhada pularam fora da charrete. A minha mulher, barriguda, agarrou o pé no estribo da charrete e foi arrastada na descida até que escapou o pé dela. Aí menina, estava na venda lá, chamou, peguei um jipe e fui levar pra Mutum. Morava no Córrego Seco. A mulher estava grávida, um barrigão danado, a égua disparou morro abaixo, sai meu irmão e minha cunhada, saem livre, livre sem machucar, nem nada e minha esposa agarrou. Não sei. Aí arrumei uma condução e levei pra Mutum. Mutum não tinha médico. Aí levamos pra Aimorés. Chegou lá tinha uma clínica lá do doutor Pedro, lá é paga, não tem esse negócio de INPS. Tinha sim, uma Santa Casa. Aí, a gente morava na roça, longe, na nossa cidade não tinha esse negócio de Santa Casa nem nada, naquela época não tinha nada daquilo. Aí, passei no médico, ele tirou a chapa, olhou, disse: “Ó, você vai ficar aqui na clínica vai ficar caro, vocês ficam na pensão”. Ele não sabia se dava alta e falou: “Você fica lá na pensão em observação”. Aí na cidade de Mutum tinha esse Ford 29, que era esses taxis. Aí peguei um taxinho daquele e fui lá na Santa Casa, que já é no município de Baixo Gundu, que já pertencia ao Espírito Santo. Uma pessoa falou: “Tem a Santa Casa”. Aí descemos lá. Quando cheguei lá, já vi as irmãs, parecia que elas estavam me esperando mesmo. Expliquei: “A minha mulher está esperando ganhar neném e, vamos conversar”. Aí mostrou: “Esse quarto aqui custa tanto, esse custa tanto”. Pra nós, naquela roça lá caipira é aquele luxo, né? Aquele quartão grande com três camas. Aí disse: “Isso aqui vai pagar 200

esse outro é 400”. Pra mim o de 200 era um luxo. “Mas tem uma coisa. Ela não vai ficar sozinha aqui no quarto, vai ter uma irmã dormindo junto com ela aqui. Fique tranquilo, essa diária é sua, agora os médicos que vão atender ela aqui são os mesmos médicos da clínica lá. Eles que prestam serviço aqui na Santa Casa”. Lembro até hoje, esse médico chamava doutor Debaldio. Aí, deixaram ela internada lá, ficou tudo combinado, só quando nascesse... Aí voltei pra Mutum, pra minha cidade lá. Fui trabalhar com a minha vendinha, meus negócios. Quando nasceu, fui lá buscar, fui pagar. Quando eu fui encontrei com o doutor, queria pagar ele, gratificar, porque fiquei muito contente, né? Eu sou mole pra dinheiro. Se pegar dinheiro eu dou dinheiro pra todo mundo (risos), por isso que eu sou pobre, eu não amo dinheiro. Estava com salário mínimo, eu ria com meu salário mínimo. Eu fico tão contente com aquele dinheirinho, sabe? Eu não quero muito dinheiro, eu fico pensando que muito dinheiro é perigoso.

P/1 – Mas aí o senhor encontrou o médico.

R – Eu queria dar uma gratificação, ele não quis de jeito nenhum, disse: “Não, não posso receber”. Aí, fui lá na Santa Casa, paguei as despesas todas, pus ela no ônibus e viemos pra nossa casa. Esse é o primeiro filho, José Luiz Dias. Mas então toda essa história, minha filha, o meu pai...

P/1 – Mas aí a sua mulher ficou boa, o que aconteceu com ela?

R – Ela ficou boa, não quebrou o pé nem nada, tudo bem. Não aconteceu nada com o menino, foi tudo bem, tudo normal. Não teve tragédia nenhuma.

P/1 – Aí seu filho nasceu lá.

R – Nasceu lá.

P/1 – Quantos filhos o senhor teve?

R – Nove filhos.

P/1 – Você teve nove filhos?

R – É.

P/1 – Os nove nasceram lá em Mutum?

R – Não. Lá no Mutum nasceu esse, José, e quando eu vim pra São Paulo nós trouxemos o menino com um ano e seis meses, chamado Geraldo, e ela trouxe na barriga a Marisa, a outra filha mais velha. Nós viemos em 65.

P/1 – Por que você escolheu vir pra São Paulo? O senhor disse que ia pro Paraná, mas veio pra São Paulo?

R – A história vai lá e vem cá, né? Aconteceu o seguinte, vou chegar aí, vou contar um pedaço da história e depois volta lá. Então, a Marisa nasceu aqui nas Clínicas, nós estávamos lá em Diadema, naquela época não tinha hospital por aqui, tinha o do Ipiranga. Em São Bernardo acho que não tinha hospital nessa época. Em Diadema tinha um Pronto Socorro, mas não tinha mais nada. Agora faltou a memória.

P/1 – Por que o senhor escolheu vir pra São Paulo?

R – Ah! Quando eu estava no Mutum menino, o caminhão fazendo carreto e tudo, eu peguei uma mudança de uns caras lá pra levar pra Campo Mourão, no Paraná. E os outros companheiros, amigos da onça: “Ah, não vai com esse caminhão, esse caminhão vai quebrar com isso, vai encravar esse povão tudo aí, não faz isso, não”. Vendi o caminhão e passei a mudança pra outros caras fazerem, né? Então eu fiquei mais uns seis meses, um ano, lá no Mutum e de lá que eu vim pra São Paulo.

P/1 – Mas por que você escolheu São Paulo?

R – Eu vou te dar uma resposta, minha filha. Pode dar?

P/1 – Pode.

R – Seu pai é filho daqui da capital?

P/1 – É.

R – É mesmo?

P/1 – Mas por que o senhor escolheu São Paulo?

R – Porque aquela época, uma base de atração de todo povo brasileira, toda sociedade, foi São Paulo, né? Você entendeu? Agora, por isso que eu falo com você, que São Paulo, ele estava querendo se revoltar contra o Getúlio, né?

P/1 – E onde que o senhor foi morar em São Paulo?

R – Lá em Diadema. Eu estava no bairro do Jardim Portinari.

P/1 – Por que o senhor foi pra Diadema? Conhecia alguém lá?

R – Ah sim, vieram uns primos meus que começaram a trabalhar na Padaria Santa Teresa, na Praça da Liberdade. Eles moravam lá na Piraporinha, então por intermédio desse primo meu que eu vim pra Diadema. Quando eu vim pra Piraporinha já tinha outros conterrâneos por ali. De um outro conterrâneo meu eu comprei esse terreno no Portinari, com casa e tudo. Uma luta aí.

P/1 – E como é que foi chegar em São Paulo? Qual a impressão que o senhor teve da cidade?

R – Menina, você sabe... São Paulo começou de 60 pra cá, minha filha. Quando eu vim de Minas aí no Parque Dom Pedro era depósito de lixo, minha filha. Perto do Mercado, por ali. A gente vinha, a gente novo, caipira, a referência pra vir São Paulo pra pegar condução pra voltar era na Avenida São João, no ponto final, aquele prédio. Antigamente era do Banespa, tem até hoje, né? Ele tem aquela placona Banespa.

P/1 – Agora lá é a Prefeitura.

R – Estragaram, né? Pra contar um pouco da história tem que falar em política também, né? E a outra ali, na Rangel Pestana, descendo, o prédio da Fazenda de São Paulo, ali é um ponto de referência; saía ônibus do Parque Dom Pedro ali, ia pro lado do Ipiranga e pro lado de São Bernardo. E saía ônibus nosso da Liberdade que ia, passava em Diadema, na Piraporinha e ia pra São Bernardo. Era a condução que tinha daqui do centro de São Paulo pra lá, né? Que era até da empresa de Diadema, sabe? Mas, minha filha...

P/1 – E aí aqui em São Paulo o senhor foi fazer o quê?

R – Eu comprei uma barraquinha de fruta em frente a Forjaria São Bernardo e trabalhei uns quatro, cinco meses ali. E de lá de São Bernardo nós vinhamos fazer compra aqui no mercado.

P/1 – O que você tinha lá em São Bernardo?

R – Uma barraquinha de frutas, sabe?

P/1 – Na feira?

R – Em frente à firma, só uma barraca. Tinha um bar perto, o cara tinha uma barraca de frutas, tinha um barraco de tábua lá perto e eu comprei do cara a barraca pra ir trabalhar. Aí achei que aquilo não era futuro, peguei, fiz conhecimento com o pessoal da firma lá, na Forjaria São Bernardo, era Metalúrgica Rochedo. O homem veio saindo assim, um cara do Departamento Pessoal, conversando com ele, não lembro o nome dele: “Seu Zé, eu vendi o barraco, preciso trabalhar, tenho meus filhos lá, preciso dar um futuro pra eles”. Ele olhou em mim assim, tal: “Você quer trabalhar?” “Quero” “Então, entra, fala com o guarda, vai trabalhar agora”. Quando eu falei com o chefe do Departamento Pessoal ele mandou eu ir trabalhar: “Vai agora”, já fui. No outro dia ele falou: “Vai tirar os documentos”. E nesses documentos, por isso que eu falo com você, tem um fenômeno pro meu lado. Aí fui tirar a chapa do pulmão, o dia que eu fui pegar a chapa: “Deu mancha aqui, mandaram o doutor”. Que, eu tirei com poucos dias pra tirar a carteira profissional e deu normal, agora você vem? Eu não vim aqui mandado de ninguém, não. Isso foi em 66, 67, por aí, né? Tá na profissional, lá. E, “vamos tirar outra”. Vai tirar a outra, aí no dia fui lá pegar e, tive que pagar, né? Tirou a chapa, tudo normal e trabalhei na Forjaria São Bernardo até eu ser demitido no dia primeiro de abril de 70. A profissional tá ali, é olhar lá. Aquela época tinha negócio de lei velha e lei nova, né? Tá pela lei velha.

P/1 – Sim, mas e a chapa do pulmão?

R – Foi só engano lá no laboratório, não tinha erro nenhum, estava boa. Eu trabalhei quatro anos lá. Da Metalúrgica Rochedo foi passar pra Forjaria São Bernardo, a firma foi vendida né? Então, fui pra passar da lei velha pra lei nova, a troca de lei ali. A firma fez o projeto, pagava 70%, registrava a turma de novo. Eu não quis fazer isso, não. Eu acho que eu era o bom lá dentro da firma, porque eu era mesmo, hein? Lá na Forja São Bernardo. Fui um dos bons. O meu chefe, do meu setor, foi lá na minha máquina: “Zé, não faça isso, rapaz! Você tem um futuro nessa firma, tem muita gente desempregada aí. A firma paga 70% e você é registrado de novo, você vai crescer”. Por burrice não fiz, viu? O meu chefe, do meu setor, o cara chefe de 40, 50 homens ficar na minha máquina, conversar comigo, explicar pra mim. Aquela liberdade de consideração, né, filha. Ele explicou, tudo. Quando eu era mais novo eu tinha aquele rompante de resolver as coisas, né?

P/1 – Aí desse trabalho?

R – Desse trabalho, eu saí, fui trabalhar na Mercedes-Benz, filha.

P/1 – O que o senhor fazia lá?

R – Na profissão que eu aprendi na Forjaria, Operador de Máquina, entrei na Mercedes trabalhando de Operador de Máquina. Aí tem um trecho aí, é muito triste, mas é bom por na história. Eu sou bão, filha, mas não sei porque a vingança vem no lado errado. O meu irmão mais velho, eu trabalhava na Forjaria, vem um parente daqui, outro dali, dali. A maior parte dos parentes que vieram de Minas veio pra dentro da minha casa, meu irmão, meus primos, sobrinhos. Quando eu trabalhava na Forjaria São Bernardo, na Mercedes-Benz, na Volkswagen, vinha tudo. Aí esse meu irmão, eles quebraram lá e vieram pra São Paulo. Ele compra um terreno de um pernambucano lá em Diadema e deu uma parte em dinheiro e ficou devendo. Depois ele não arrumava o dinheiro, voltou lá em Minas e não teve um parente que emprestasse dinheiro pra ele. Aí veio, estava lá, deu uma parte e ficou devendo a outra parte, tinha acabado de pagar pro homem entregar o barraco e receber o resto. Ele não arrumava o dinheiro, bebia pinga e queria que o homem saísse na marra. Aí chegou pra mim: “Ó, seu Zé, esse seu irmão não arranja dinheiro pra me dar e quer que eu saia na marra. E eu não vou sair porque do mesmo jeito que eu fiz com ele, eu fiz na outra na frente também, eu tenho que dar o resto do dinheiro pra tomar posse do outro terreno lá. Ele que tá errado comigo. Ele fica me atentando, me xingando, vou cobrir ele na peixeira aí. Aí pedi ao chefe da Forjaria da Mercedes-Benz me mandar embora. Peguei o dinheiro, emprestei lá pra eles, pra eles pagarem. Eu podia ter pegado o dinheiro, ter pegado o documento na minha mão, né? Se eu não fizesse isso aquele cara ia matar ele lá. Eu disse: “Ó, eu não vou te emprestar o dinheiro, eu vou ficar sócio aqui e eu te compro a sua parte”, pagava. Dizia que aquele terreno ficasse meu, não tive essa ambição, emprestei pra ele lá. Depois pagaram, mas sabe como é. E hoje, na verdade, os parentes desse meu irmão, hoje são meus inimigos.

P/1 – Aí da Mercedes o que o senhor fez?

R – Aí já vai eu para outra burrice, minha filha (risos). Vai eu fazer outra burrice. Eu não sei se eu fiquei parado um pouco, aí comecei de Volks. Eu comecei na forjaria, a forjaria foi vendida pro cara chefe lá da Volkswagen. Aí, preenchi ficha na Volks, documento, tudo certinho, aprovado, o senhor aguarda quando vier vaga a gente te chama. Mas eu não pude esperar, consegui na Mercedes e comecei a trabalhar. Quando passou a experiência houve um problema lá com um colega de serviço, não vou falar a raça não que é ruim, né? Toda raça tem gente boa e gente ruim, não é mesmo? Isso é natural. Aí eu encrenquei lá com um outro colega lá, eu disse: “Ó rapaz, a Volks mandou me chamar e eu vou embora pra lá”. Aí ele falou: “Não, Zezinho, ninguém gosta desse cara, não. Você já passou pela experiência, fica quieto aí”. Aí fiquei lá. E depois que aconteceu esse negócio de pedir a conta lá na Mercedes pra emprestar o dinheiro pro meu irmão, pra ele fazer o negócio do terreno lá, logo em seguida eu já entrei na Volks. Trabalhei sete meses e pedi a conta. Fui trabalhar por conta, pô, quebrei a cara. Deu tudo errado.

P/1 – Foi fazer o quê?

R – Minha intenção era comprar uma máquina de raspar taco. Como é que o mundo muda, né? É o que estava na moda naquela época, o taco, punha assim, a gente raspava, punha cascolac, sinteco, ficava o piso bonito, aquele negócio. Hoje ninguém quer isso mais, é outra coisa bem diferente, né? O tempo vai mudando. Aí comprei a máquina pra raspar, quando eu entrei no negócio, não explorei, nem nada, tinha raspador de taco pra tudo quanto é lado. Você dava um preço, o outro ia lá e dava o outro e dava o outro. A gente que trabalhasse mais barato que fazia alguma coisa. E me ferrei. Aí passou, passou o tempo, parei de raspar taco e fui trabalhar de pedreiro. Fui trabalhar de pedreiro, trabalhei, trabalhei, trabalhei. Mas naquela época não tinha progresso em São Paulo. Só, 60, 65, 70, não tinha progresso, não tinha esse negócio de construir casa, prédio, não, estava parado São Paulo. A maior parte das coisas tudo parado. Começou mesmo em 70, 80. Os militares começou a fazer alguma coisa por aí e que começou o movimento mesmo, foi de 60 pra cá. Então, quem ia trabalhar por conta era difícil, não tinha serviço. Fui trabalhar de pedreiro. Naquela época, no tempo que terminou a ditadura e entrou o democrático aí, que é uma democracia mentirosa, né? Parece que tá dormindo, filha! (risos)

P/1 – Não, estou te escutando. Aí você foi procurar trabalho de pedreiro...

R – Trabalhei de pedreiro e não progredi, né, filha. Não progredi. Tudo parado os negócios, né? Não progredi, passei, passei. Aí vinha a Forjaria São Bernardo, a Forjaria foi pro interior, a Volskwagen todo fim de ano dava férias coletivas, o comércio estava parado, não tinha aquele progresso. Essa é uma das minhas histórias.

P/1 – E o senhor ficou sempre morando lá em Diadema?

R – Sempre morando.

P/1 – E a sua esposa? Trabalhava fora, ficava em casa?

R – Ela nunca ganhou um tostão pra varrer uma calçada de ninguém. Não deixei faltar o leite e o pão pra ela, nem pros meus filhos. Eu acho que foi um erro que eu fiz também. Foi um erro porque eu devia ter recuado e tinha que ter deixado ela trabalhar para ver como é que era. E também os meninos iam trabalhar pra eles aprender o que é viver a vida. Fiquei fazendo tudo. Hoje, está tudo folgado, não se apertaram, né? Eu me apertei, viu? Teve um dia que eu passei um choque, minha filha, era de manhã e tal: “Ó Zezinho, o que os meninos vai comer hoje? Não tem nada pra comer, não” (risos). Você pensou?

P/1 – E aí?

R – Não roubei, não, minha filha. Saí na rua, lutei, lutei. Tem uma tragédia no meio que eu não vou contar ela não. Uma burrice que eu fiz, uma tragédia, tenho raiva de mim até hoje.

P/1 – O que foi?

R – Não vim de Minas, lá de Mutum pra cá, eu fiz a pior das burrices que pode ter feito, cujo tal de caminhão eu vendi e recebi em fumo. Eu vim pra São Paulo, trouxe a mudança e fumo tudo junto. Fui enganado, não entendia de fumo, nem nada. Não valia nada. Então, quando ela falou, quando não vendia aquele negócio, não tinha nada, eu saí com aquele pacotão de fumo, chegava em cima de um comercinho daquele lá, jogava em cima e dizia: “Ó, vamos trocar esse tanto de arroz, feijão. Quanto você dá aí?”, qualquer negócio que o cara desse estava bom. Mas eu levava o arroz e feijão pros meus filhos comerem. Foi um erro que eu fiz, sabe? Às vezes escuta aí, né? A pessoa está bem, acontece uma coisa e perde tudo. E eu também tive isso aí. Já tive bem. Você imagina, em 1960 eu tinha um caminhão, 62, 63. Eu tinha a venda lá no Córrego Seco, lá no Santa Elisa, que era uma venda. Eu vinha em Manhumirim, Manhuaçu, lotava o caminhão de mercadoria, um Chevrolet 58. Eu já estive bem na vida, né?

P/1 – Seu Zé, e como é que o senhor teve esse problema de visão?

R – Não sei, veio acontecendo.

P/1 – Quando começou?

R – Eu acho que, eu queixo disso aí, viu? As pessoas dizem: “Tem a Fundação ABC, tem médico aí”. Comecei a tratar lá na Fundação ABC. Aí surgiu a propaganda das Clínicas, né? Mutirão da Catarata. Parei lá e vim pras Clínicas. Entrei aí, era uns dois mil velhos na portaria das Clínicas. Vim pra aí, mas eles não fizeram o mutirão da catarata, não era pra fazer, pra curar ninguém, não. É pra levar bastante velho pra servir de cobaia praqueles médicos estudar. Direção do Hospital das Clínicas de São Paulo, filha! Fizeram a propaganda, veio muito velho, muita gente, pra servir de cobaia. Mas eles não queriam curar ninguém não. E eu fui um desses azarados que ele não me curou, me deixou jogado lá pro estudante e não passou médico especialista pra olhar minha vista e deixou o glaucoma acabar com a minha vista.

P/1 – Quando começou?

R – Foi em 2008, por aí. Quando fez o mutirão da catarata, acho que foi em 2008, por aí. Eu falo, a minha mágoa, eu quero fazer essa história... A minha história, se eu pudesse, se alguém quiser fazer isso pra mim, me ajudar, eu fazer essa história de voltar lá atrás, conseguir tirar o túmulo lá de Assaraí, trazer e botar no município lá no cemitério que meu pai mandou fazer. E lá depois, quando eu morrer quero fazer, ficar ao lado dele, né, a minha foto: “Manuel Luiz Dias, José Luiz Dias”. O papai tinha o título de Manuel Mestre, sabe? Sabe que antigamente quem era professor tinha o título de mestre, lá, bem lá atrás na história, né? Tinha muitos caras que eram capitão, coronel, ganhava esse título só porque ele era bravo, valentão e ganhava esse título (risos), Capitão, Coronel. Assim também o professor ganhava título de mestre.

P/1 – Agora o senhor trabalha, está aposentado?

R – Agora só estou comendo, bebendo e dormindo. E como eu não posso ver televisão porque eu não enxergo eu fico ouvindo rádio.

P/1 – O que o senhor escuta no rádio?

R – Eu escuto CBN, o Estadão e a Jovem Pan, esporte, né? A Bandeirantes pega também.

P/1 – E música?

R – Música? Só a Inezita Barroso.

P/1 – O que o senhor gosta dela? O senhor gosta da Inezita Barroso?

R – (risos) Eu sou caipira, filha! Sou brasileiro, sou caipira. E ser caipira é ser gente. Ainda está gravando?

P/2 – EsTá gravando.

R – Ser caipira é ter a amor no coração! Uma honra! Porque, às vezes, pensa que o caipira é bobo. Caipira não é bobo, ele é simples, respeitador, não é? Ah caipira, caipira. Mas como é bonito um homem caipira! Ele é simples. Mas na verdade ele é muito sabido porque ele tem amor e respeito e dignação ao próximo, não é? Ah, como eu conheço São Paulo, né? Eu vinha pra São Paulo, eu falei pra você, né? Ali no Parque Dom Pedro era depósito de lixo. Então, eu tinha que vir do lado da Estação da Luz tinha a Rua Santa Ifigênia, né? Comércio de peça de rádio, televisão. Televisão não existia essa época (risos). Santa Ifigênia. Depois ir lá pra Estação do Brás, desce a Rangel Pestana, embaixo. Eu tinha uns parentes lá em Mogi das Cruzes, lá em Biriti do Sul, aí eu saía de lá, passava no centro daqui e ia pra lá. Nossa, era um sucesso pegar o trem aí e ir pra Mogi das Cruzes. Nossa... Tinha bastante gente, mas era tão gostoso, né? Menina, eu fico escutando esse troço aí, em vez do nosso povo virar gente, estão virando selvagem.

P/1 – Seu Zé, se o senhor tivesse que mudar alguma coisa na sua vida, o senhor mudaria?

R – A minha vida?

P/1 – Alguma coisa da sua vida. O senhor faria diferente?

R – Deixa eu ver... Ah, minha filha. Eu estou cego, pô. Eu gostaria que as pessoas tivessem mais amor.

P/1 – Eu não perguntei isso, eu perguntei se o senhor, olhando a sua vida, tudo o que o senhor contou aqui, se o senhor tivesse que mudar alguma coisa na sua vida o senhor mudaria alguma coisa?

R – Ah, pra trabalhar, pra ganhar a vida?

P/1 – Não, o senhor faria alguma coisa na sua vida diferente do que o senhor fez?

R – Eu queria ser um pregador. Sabe, minha filha, eu estou pobre porque eu pensei no bem geral, não pensei em mim, não pensei na minha família. Se for partir pra parte de religião tem parábolas na bíblia muito errada, viu? Larga tudo e vem. Pô, que filosofia é essa? Vou largar minha mãe, meu pai, meus irmãos, largar tudo e salvar? Estou falando asneira, né (risos)

P/1 – Qual o seu maior sonho hoje?

R – Meu maior sonho. Olha filha, é muito amor, meus filhos, mulher, esposa, os filhos. Eu gostaria de passear. Agora, por exemplo, eu quero voltar na minha terra natal, visitar lá os velhos amigos, esse é um dos sonhos meus. Mesmo que eu não vejo, mas eu converso com as pessoas, né? Eles ajudam eu a lembrar. Esse é outro sonho que eu tenho. Você vê, menina. Ah, eu ia falar, né, nesse interesse, se alguém quiser me patrocinar pra eu fazer essa honra pro meu pai, que aí tem que tirar o túmulo lá de Assaraí, trazer pro Córrego Seco, no cemitério que ele fez. Esse é o meu sonho. E lá no Córrego Seco, na cidade lá, ainda pensa até hoje, se eu ganhasse na Mega Sena eu queria contratar gente, queria mandar cercar lá um lugar lá, onde está essa igreja, tá esse cemitério, tudo, vai ficar numa ilha. Quero represar uma água lá pra fazer um vasto lago. Esse é o meu sonho, meu ideal. E sabe, eu fui assim, eu fui sempre bom, ser bom em tudo, sabe? Tem pessoas que é bom separado, né, só pra eles. O meu sonho é ser bom pra todos.

P/1 – Seu Zé Luiz, o que o senhor achou de contar a sua história aqui no Museu da Pessoa?

R – Ah, não é você que esteve numa entrevista lá no Estadão, não?

P/1 – Já tive.

R – Alguém que teve lá no Estadão conversando, você falou que vocês trabalham em uns 30, 40 funcionários, tal, e conforme a história, se possível. O meu ideal, se possível, é até escrever um livro. Sabe o que tem? Eu não quero escrever não, eu quero escrever uma profecia. Falar em profeta, não sei o quê, acho que eu sou profeta. Um dia, uma menina, nem conheço ela direito, já passou direito e falou profeta, não sei de quê ela vira pra mim. Mas é tão complicado, né? Eu queria ser isso aí. Escrever uma forma pra todo mundo ser bom. Sobre religião principalmente, minha filha. Estragaram tudo. Deus...

P/1 – Mas foi bom pro senhor? O que o senhor achou de contar sua história?

R – De eu contar a história aqui?

P/1 – É.

R – Não, do jeito que foi falado, que eu ia ficar dentro de uma cabine, ficar ali falando e tal. Então eu achei bom o sistema, né? Agora nós estamos aqui conversando, falando, né? Eu achei uma maneira boa da gente relatar. Se possível, nesse trabalho meu aí tudo bem, se vão fazer vão ter que escrever mais, né? Ele aí tem que gravar. Eu vejo tanta história boba que eles vão longe pra fazer uma história que não... Tem festa. Você quer ver uma coisa que eu acho errado? Voltar pra minha terra tem uma parte até boa, né? Tem a outra também que é fazer, eu não quero fazer bem pra uma pessoa. Ah, vou ajudar uma pessoa a voltar pra terra dele, ou dar uma casa pro cara. Arrumar uma forma, fazer um negócio que todos sejam beneficiados. Lembrar, que seja bom pra todos, isso que eu gostaria que fosse. Tenho um domínio nesse pensamento. Ah, uma coisa que eu vou falar pra você. Quando eu era menino, apesar dessa vida que houve lá do meu pai, tragédia, eu não sei como é que muda a minha cabeça, eu ficava pensando. Eu achava, quando eu via lá na roça aquelas meninas gordinhas, perninha gorda, a turma falava inchava aquelas meninas da perna gorda, aquelas meninas gordas. Achava que era vantagem e parece que mudou aquelas coisas, né? Estragou tudo (risos). E outra coisa que passava pela minha cabeça, eu era revoltado. Igual meu tio, por exemplo, meu tio Alentino, um bruto homão danado e ele é casado com uma mulher pequeninha, baixinha, chamava Gercina. E eu achava aquele negócio errado: Poxa, por que isso aí? Então, se eu pudesse, eu quero escrever uma história, eu quero escrever uma profecia, uma reforma política, sabe? Uma reforma. Mas não uma reforma pra ser empurrada na garganta de todo mundo, não. Escrever, explicar: “Vai ser assim, assim, assim”, todo mundo saber. Você quer ver um abuso que você vê?

P/1 – Seu Zé, tá dando o nosso tempo. Eu queria agradecer a presença do senhor.

R – Não, deixa eu completar minha frase aqui.

P/1 – Pode completar.

R – O abuso que povoa a nossa sociedade, bandeira nacional, palavra, ordem e progresso. Quem é que respeita aquela palavra que está na bandeira? Progresso é o bem estar de tudo. Porque ordem é respeitar todos os direitos uns dos outros, a lei. E o progresso é o bem estar de todos.

P/1 – Obrigada, seu Zé!

R – Por nada! (risos).


FINAL DA ENTREVISTA