Museu da Pessoa

Um mapa afetivo de São Paulo

autoria: Museu da Pessoa personagem: Domingos Sérgio Barone

Conte sua história
20 anos do Museu da Pessoa no Brasil
Entrevistado por: Gustavo Ribeiro Sanchez
Depoimento de Domingos Sérgio Barone
São Paulo, 15 de Março de 2012.
Realização Museu da Pessoa
Depoimento PCSH_HV328
Transcrito por Cristiana Sousa / MW Transcrições (Mariana Wolff)
Revisado por Paula Bonfatti e Teresa de Carvalho Magalhães




P/1 – Senhor Domingos, para começar eu preciso que o senhor me fale o seu nome completo, a data e o local do seu nascimento.

R – Eu nasci no dia 28 de outubro de 1933, na Pró Matre e depois de três dias já estava na Rua Fortunato, número 39 (risos), onde estou até hoje, no número 31.

P/1 – Está certo (risos). E o seu nome completo senhor Domingos, fala para gente.
R – Domingos Sérgio Barone.
P/1 – Senhor Domingos, o senhor chegou a ter contato com os seus avós? O senhor conheceu os seus avós?
R – Eu fui o primeiro neto dos dois avós, então eu fui, durante uns quatro anos, o neto mais paparicado né (risos). É por isso que eu sou meio chato, é em consequência das minhas tias me levarem para todo lado, tudo isso e com um mês de idade eu já estava em Campinas.
P/1 – Entendi.
R – Fiquei lá para ser apresentado para a família do meu outro avô, que é o pai da minha mãe.
P/1 – Mas quando você pensa nas suas primeiras lembranças dos seus avós... quais são suas primeiras lembranças, assim, como eles eram?
R – A primeira lembrança é do meu avô Barone e da minha avó Maria que são pais do meu pai. Primeiro que a minha avó Maria... todos os meus tios... Principalmente tinha um que era muito chato né, porque eu ia lá na casa da minha avó e falava: “Vó, dá mil réis?”, “Dou” e todo domingo eu ia tomar a benção do meu avô, que morava vizinho da minha casa, e ele me dava cinco mil réis. Com esses cinco mil réis eu ia no Cine Coliseu e assistia cinco filmes e me divertia bastante, a semana inteira. Esse cinema também era um negócio completamente diferente de tudo, lá no Largo do Arouche tinha uns cinco filmes, tinha até filme de ________, tinha seriado, a gente batia o pé, batia palma, tudo isso. Eram dois filmes normais, seriado e jornal.
P/1 – Você falou agora dos seus avós do Barone e da Maria, e eles vieram de onde?
R – O meu avô Barone era de uma cidade da Itália, do sul da Itália. Era uma cidade chamada Caprilia, que é o comando de Pelezano em Nápoles e minha avó era de Ambruso que é uma cidade que fica mais no meio da Itália. Esse Ambruso é aquela cidade que teve terremoto, morreu um monte de gente. E os meus avós de Campinas, meu avô era um camarada completamente diferente, completamente liberal, não é, e minha avó era (risos)... você chegava na casa dela tinha que comer, qualquer hora e tal, você tinha que ir lá e fazer a comida. Eles deixavam juntar homem com mulher o que na casa dos pais dos meus pais, aqui em São Paulo, do meu avô Domingos e da avó Marera, era impossível. Tanto que o meu pai e outros iam buscar as irmãs que estavam namorando, não podia nem namorar. Lá em Campinas já era diferente e tal (risos).
P/1 – Então em Campinas era o lugar das férias...
R – As Barones tinham...
P/1 – Para onde vocês iam...
R –

Qualquer coisinha. Quando as Gargantinis, que são as de Campinas, vinham para São Paulo para fazer compras (risos) saíam imediatamente, queriam ir embora porque as Barones instigavam para ir embora porque umas quatro ou cinco iam juntas, passavam o Carnaval, tudo isso né?! E eles tinham uma coisa muito interessante: quando elas vinham para cá, elas acordavam cinco horas da manhã e iam a pé para Igreja da Penha pagar promessa e elas diziam que quando atravessavam a Praça da República, a luz apagava. Iam a pé até a Igreja da Penha e chegavam lá mais ou menos entre oito e nove horas. Eu gostaria de fazer isso hoje (risos).
P/1 – Senhor Domingos, o senhor comentou que... na Rua Fortunato, desde que o senhor nasceu, qual é a primeira lembrança que o senhor tem da casa?
R – Dessa casa? É que eu tinha uma amiga que chamava Maria (risos) e ela era minha irmã de leite né?! Então são essas que estão no jornal, eu dando beijinho, essa história toda né (risos)?! Então tinha a Maria, depois já tinha os brinquedos e bicicleta porque haviam muitos moleques na rua, até ficar um pouco mais velho, porque aí eu começava a jogar futebol na rua porque tinham uns vinte moleques e a gente fazia um jogo de futebol pela manhã. Só que esse jogo era sempre depois das dez horas, porque de manhã o pessoal estudava, fazia lição, tudo isso. Aí ficava até onze horas porque as mães apareciam na janela e falavam: “Vem para casa para tomar banho, não sei o que...” (risos), então você ia né?!

Aí o pessoal ia para a escola e quando voltava da escola, o pessoal que ia de manhã sempre tinha um jogo de futebol que começava às quatro horas e o resto, como eu, que chegava às cinco, sempre continuava esse jogo que ia até às cinco e meia, seis horas da tarde. Ia para casa tomar banho e não sei o que, aí tinha a brincadeira de noite, uma era o “mocinho bandido” e a gente brincava também à noite muito com as meninas de roda, caracol, tinha pula corda, todas essas brincadeiras e era normal, tudo isso aí. E tinha a brincadeira bandido e mocinho, tinha um japonês que era sempre o bandido né (risos) e era o Nagayassu e assim, a gente ia brincar de unha na mula, bolinha de gude, abafa quando era época de figurinha, da bala futebol ou uma cacheta também que a gente fazia.
P/1 – O senhor tá falando um pouco das brincadeiras...
R – Cachuleta também, que você não podia atravessar a rua que vinha um cara que estava de castigo, para dar cachuleta em você, então você pulava em um pé só e baixava os dois, você que ficava de castigo.
P/1 – Deixe eu te perguntar uma coisa, antes da gente falar das brincadeiras, que eu quero saber um pouco mais. A casa do senhor, como é que era?
R – A minha casa era pequena, era uma casa que tinha sido construída pelo meu avô, tinha a casa dele do lado. Na minha casa tinha uma escada, aí no andar de cima tinha o quarto do meu pai, o meu, uma sala de jantar, quintalzinho, que tem aí nas fotografias, o banheiro, uma mutrarinha, onde a minha mãe que costurava, ela foi uma das melhores bordadeiras de São Paulo, para fazer o que vestia na época que era um vestido, a camisola do dia (risos), então ia muita gente importante lá minha casa, tudo isso né?
P/1 – Então, o senhor vinha falando das brincadeiras, uma sequência de brincadeiras. Então tinha um horário né, cada brincadeira tinha um horário certo?
R – Tinha um horário mais ou menos certo né… Depois dos jogos de futebol que tinham as janelas que eram de vidro para o lado de fora, às vezes a gente quebrava os vidros né e no número sessenta e dois tinha uma velha chata para chuchu, horrorosa, que toda a hora chamava a rádio patrulha. Rádio patrulha é um Ford 1946 pintado de preto e branco. Quando chegava a rádio patrulha todo mundo desaparecia, a gente pulava por dentro da casa do dono das lojas Perc Man ou senão em uma outra casa vizinha né e saia na Rua Canuto do Val, passando por dentro de um prédio lá, quer dizer, eles acham que a gente fugia né? Uma vez um amigo nosso bateu com a mão na bola e eu peguei a bola e saí correndo e os guardas ficaram lá porque eles tinham pego a bola, ficaram lá esperando, até hoje eles estão lá esperando (risos) nós aparecermos.
P/1 – Está certo. (risos)
R – Mas era uma vida muito feliz porque as brigas eram umas briguinhas assim, um dava um soco na cara do outro e quem levava o soco chorava e acabava a briga (risos).
P/1 – O senhor começou a falar um pouco, então sua mãe era bordadeira...me conta um pouco sobre seus pais, o que faziam?
R – Meu pai trabalhava na fábrica do meu avô, junto com o meu avô, e minha mãe fazia esses bordados né e era muito requisitada em São Paulo porque ela devia ser muito boa bordadeira. E a vida a gente ia levando, a gente ia para Campinas, ia para Santos e fazia piquenique na Praia Grande, levava marmita, marmita não, levava frango assado, tudo isso, ia fazer piquenique na Praia Grande na serra antiga e também ia para Enseada junto com meu outro tio que levava a família de carro ou a gente ia de ônibus, não sei o que, e ia fazer um na Praia da Enseada. Nesse piquenique as minhas tias, a minha família, umas dez pessoas, iam em um barzinho que tinha na frente, perto de uma capelinha que tem até hoje, ia lá, pedia água porque comprava cerveja, guaraná, tudo isso e levava a espiriteira, macarrão e o molho pronto e chegava a fazer macarronada na praia (risos) e ia para lá. Mas era muito gostoso, quer dizer, porque você não tinha, quer dizer o problema era bem menor não é?
P/1 – Entendi.
R – E às vezes também, eu já fui para Santos com um amigo meu de trem, tudo isso, ia e voltava no mesmo dia.
P/1 – E ainda falando um pouco sobre seus pais, você falou um pouco o que eles fazem. Como que eles eram, o senhor lembra dos seus pais? Como é que eles eram de infância?
R – (risos) Meu pai era o cuca fresca, era muito calmo e todo mundo gostava dele. Minha mãe não (risos), era brava para chuchu, até hoje eu gosto de falar “Lidia, Lidia”, era muito brava, mas ela que organizava as festas, tudo né?!
P/1 – O senhor falou dessa fábrica, essa grande fábrica, me conta como começou? A primeira lembrança que o senhor tem da fábrica.
R – A primeira lembrança? Que ia lá pegar prego e madeira para ficar batendo no prego né e guardava a patinete lá, guardava a bicicleta ou ia lá para pedir dinheiro pro meu avô (risos), “Dá um mil réis”. Mil réis, na época, de bala de futebol, eu comprava bala de futebol, ou senão, eu pegava esse um mil réis a tarde né, aí eu subia na casa da minha avó e ela me dava um mil réis. Porque havia uma preta chamada Maria Mole que ia numa venda que tinha embaixo e tomava um copo de leite com pão de mel, e eu ficava com vontade e ia lá e pedia porque eu queria tomar o copo de leite com pão de mel, aí minha avó falava assim: “Então leve o copo” e eu levava o copo na venda do seu Antenor e tomava (risos).
P/1 – Legal, e aí a fábrica, o que essa fábrica fazia, era uma fábrica do que?
R – A fábrica sempre fez bastidor né, o foco da fábrica foi fazer bastidor, mas fazia agulha, agulha de tricô, agulha de crochê, fazia abajur, pé de abajur. Então o foco da fábrica era esse aí e mandava pro Brasil inteiro. Antes a compra das coisas era diferente, ainda estava começando, sempre teve a 25 de Março, agora, os grandes compradores, os grandes atacadistas se localizavam no Rio de Janeiro. Faz tempo que uma série deles fecharam porque o pessoal do norte vinha todo para o Rio de Janeiro para fazer compra, as grandes lojas de lá, porque era bonito ir pro Rio de Janeiro, saía do norte ia pro Rio de Janeiro, ficava lá, hospedado, então a coisa era assim. Outra coisa é que o Rio de Janeiro era a capital e a coisa também funcionava de outro jeito. O deputado eleito lá, em qualquer cidade fora do Rio de Janeiro, ele locava ou comprava um apartamento ou uma casa no Rio de Janeiro e ficava nessa casa até perder a eleição, ou deixar de deputar e tudo isso. Então não havia esse ônus que tem em Brasília. Bom não vou dar...(risos) porque não tenho nada a ver com política porque senão...
P/1 – E o senhor fala muito dessa Rua Fortunato, assim, o senhor falou de uma vendinha, me conta como era a Rua Fortunato, me conta como era essa dinâmica do centro?
R – A Rua Fortunato, ela é dividida em duas partes: a Rua Fortunato de cima, que não tinha nada a ver com a Fortunato de baixo, inclusive os amigos da gente eram da Fortunato de baixo, os da Fortunato de cima eram amigos dos caras da Fortunato de cima. Então, havia também um jogo de futebol que era contra, jogo contra, e esse jogo ele juntava seis, sete, oito meninos iam jogar contra no campeonato que era na Canuto do Val, que é uma travessa da rua, ia lá e jogava futebol mas não havia briga, nada disso, quer dizer, era muito mais fácil viver. Quando tinha baile, quando começamos a ir a baile eu descia a Avenida Angélica a pé.
P/1 –

O senhor falou que nessa Rua Fortunato tinha fábrica, tinha vendinha...
R – Não, aí na Rua Fortunato tinha. Na esquina do lado esquerdo da Rua Fortunato tinha a venda, que era do seu Antenor e tinha essa venda ali. Aí subindo, um pouco mais do número cinquenta e um, tinha a fábrica do meu pai e do lado da fábrica, não era do meu avô na época, tinha uma coisa muito importante que era a casa paroquial e inclusive lá eu conheci todos os padres. A gente nessa época pedia benção do padre e o padre dava santinho para gente. Eu fui batizado na igreja de Santa Cecília pelo padre Luiz, depois fiquei muito amigo de um outro padre, que eu fui congregado também, o monsenhor Lino que eu gostava muito dele e a gente era muito amigo, mas mesmo eu não indo na congregação, nada disso, eu sempre era amigo dele, tanto que quando ele se aposentou… Ele é um padre espetacular… Uma coisa que é muito importante é que ele não usava roupa de grife e eu sou amigo agora do outro padre que tem lá. Quando ele se aposentou ele foi para uma casa que eles têm lá no Ipiranga e ele precisava ir para lá e a gente trocava experiência e quando ele morreu, quando ele fez cinquenta anos de padre, foi no fim do ano, eu estava em Campinas, onde eu passava o natal. Mas na missa do sétimo dia o padre Alfredo, que agora é o padre da igreja, que é meu amigo também, eu fui a missa, eu estava sabendo, está a igreja cheia e ele falou lá no meu nome, fez um retrospecto da minha vida junto com o outro padre, que era muito meu amigo. Mas eu não sou carola não, eu vou à missa, tudo isso, ia na Congregação mas ia porque jogava futebol também, domingo né?
P/1 – (risos) Você falou de vários lugares onde vocês iam, então me conta um pouco de Campinas, ali.
R – Espera aí, eu estou em um pedaço da Fortunato...
P/1 – ...da igreja? Então conta do...
R – Passando ali do lado tinha a casa onde morava um amigo meu, o Muriel. Do outro lado era o Nemi, depois mais para cima tinha uma casa muito grande que era de um dono de uma loja da Rua das Palmeiras, uma loja de móveis, era um judeu muito legal. Mais para cima tinha a fábrica Trussardi que fazia cinto, uma porção de coisas e empregava muita gente da Rua Fortunato. Eles faziam um cinto também que tinha que passar um cordão nesse cinto e ele dava pro pessoal fazer isso aí. Aí subindo mais uma rua tinha umas casas que têm até hoje que são altas. Lá em uma dessas casas morou o Zequinha de Abreu e o Zequinha de Abreu, quando passava pela fábrica, conversava com o meu pai, porque ele é de Santa Rita de Passa Quatro e meu pai tinha um amigo em Santa Rita de Passa Quatro, o Mussuline, que tinha uma venda lá. Quando esse Mussuline casou, a minha mãe, que era parente desse Mussuline, (risos) foi para lá e meu pai também. Aí no trem meu tio Isidro, que era o amigo do Mussuline também, e meio parente, saiu para ir até o banheiro e quando ele voltou meu pai estava sentado ao lado da minha mãe (risos). Esse Isidro era meio bravo, “O que você está fazendo aqui?”, segundo ele me contou, “Olha eu estou sentado perto da moça para ela não ficar sozinha”. Aí no domingo meu pai foi junto pro casamento. Aí um ou dois dias depois meu pai aparece na casa do meu avô com um garrafão de vinho e estava conversando com o meu avô. Esse Isidro não estava, então meu pai disse que foi procurar o Isidro, que era amigo dele. Aí esse Isidro chegou e falou pro meu pai: “Ô você é um cara de pau, o que você está fazendo aqui?”, aí meu avô falou: “Ah ele disse que te conhece”, “Que conhece nada, ele foi lá pro casamento do Mussulini e ficou dançando com a Lídia a noite inteira, ele veio aqui atrás da Lidia”, meu avô falou: “Ué, chama a Lídia” (risos) e aí foi embora.
P/1 – Que barato! E agora eu vou falar um pouco de Campinas…
R – Não, vamos voltar para a Rua Fortunato. Aí chegando na Rua Fortunato, acabando na casa onde o Zequinha de Abreu estava lá, aí ele parava na oficina para conversar com o meu pai. Aí tinha um terreno baldio e de vez em quando a gente jogava futebol, mas o terreno era meio sujo e a gente jogava na rua mesmo. Aí atravessando a rua tinha um barbeiro lá, depois descendo mais um pouquinho tinha alguns casarões altos, onde tinha o Rubão, que era o goleiro do jogo de futebol depois do juvenil que nós fazíamos. Aí descendo mais um pouco tinha uma casa onde tinha o Toninho, que foi muito meu amigo. Ele era muito meu amigo e ele tinha uma irmã, a Margarida, ela era bonita para chuchu aliás. (risos) Uma vez essa Margarida, o pai dela não queria deixar ela assistir um cantor, o Gregório Barros, que estava na Record, lá na Benjamim Constant, aí ela falou para mim: “Você me leva?”, “Ô”. Até assustei né, quer dizer, não era usual na época você ir, mas eu falei: “Ô, eu levo né?”. Então nós fomos assistir na Benjamim Constant, Gregório Barros. Eu era o único homem que estava lá, mas foi interessante que fomos lá, voltamos e tal e depois eu fui muito bem acompanhado, todo mundo olhava né? Aí descia mais um pouco tinha a casa da Suzana, que eram três irmãs, aí descia mais um pouco tinha a casa do Luizinho e da irmã dele que eu esqueci o nome, depois tinha a casa do Valter, do Valdemar e da Jandira. Esse Valter também jogava futebol com a gente, o Valdemar também já morreu, o Toninho também já morreu. Aí descia mais um pouco tinha a casa dos outros amigos nossos que eram o Joaquim, a Clara e a Gema. A Clara eu lembro que morreu, a Gema não, a Gema ficou viva, ela é amiga da gente, tudo isso né? Porque amiga nessa época, era amiga, você nem na mão segurava, nem para namorar segurava na mão (risos). Aí descendo a casa da Gema, lá do seu Jacinto, do seu Jacinto não, do seu Justino que era o pai deles, tinha a casa daquela velha chata para burro, que ficava...
P/1 – Chamando a rádio patrulha.
R

– ...chamando a rádio patrulha. Depois tinha a casa do Arnaldo, que era meu amigo e da mãe dele, que agora me fugiu o nome da mãe dele. Então no fundo da casa dele, que era uma casa com outra, tinha a casa do Pedrinho, que era meu amigo que também trabalhou na fábrica do meu pai. A casa da dona dessa da frente, chamava Santinha, da dona Santinha. Quando a gente entrava na casa dos outros, sempre eles ofereciam alguma coisa, na casa da dona Santinha. Ela fritava ovo (risos), punha no meio do pão e dava para gente comer. Pegado da casa dela tinha a casa da dona Chiquinha que era casada mas estava lá, era o que a gente conhecia.
P/1 – O senhor falou que tinham bailes, os bailes eram nas casas das pessoas mesmo, todo mundo se reunia?
R – O Baile?
P/1 – É, quando tinha.
R – O Baile começou depois dessa época quando a gente já tinha uns dezesseis, dezessete, dezoito anos.
P/1 – Entendi.
R – Aí o que tinha, tinham os bailinhos. Os bailinhos eram assim, quer dizer, o cara tinha uma vitrola, a gente levava disco e fazia os bailinhos lá. Mas eram bailinho assim, você ficava dançando, tal, dançava longe, era difícil dançar tudo agarradinho. Então, tinham esses bailinhos e domingo também tinha muito desses bailinhos, você ia para cá e para lá dançar e depois tinha baile também. Eu ia dançar muito ali perto da... ai agora escapou, mas pode deixar que isso aí depois eu conto porque eu esqueci o nome da...
P/1 – Tudo bem.
R – ...Ah, já lembrei, Maison du France que a gente ia dançar, mas aí eu já estava
P/1 – Mais velho?
R – Já estava no ginásio.
P/1 – E essas pessoas todas vocês se conheciam pela Congregação, pelo futebol?
R – A Congregação eram os amigos da Congregação, os amigos da rua no geral estavam na Congregação, então você conhecia todo mundo. A gente vivia em um grupo grande. A Congregação dava baile, depois que ela foi pro Lago Santa Cecília porque antes tinha campo de futebol, na Conceição, na rua ali perto. Depois apareceu um padre lá que dava baile lá, todo sábado tinha baile. Depois tinha também o senhor Orlando, que era um diretor da Congregação. Ele alugava ônibus pela Congregação e a gente ia para um lugar que eu não me lembro direito, mas eu sei que a gente do alto, era um convento, qualquer coisa assim, você via o Rio Tietê. Acho que era para o lado de Osasco, mas eu procurei isso quando estava em Osasco eu nunca consegui ver, mas era interessante porque ia lá para dançar, em um salão lá, dançava. A bebida mais forte que tinha era soda limonada (risos).
P/1 – Quando você fala que dançava, quais eram as músicas, como é que era o baile em si?
R – A música era aquele negócio de bolero, um samba, mas não tinha esse negócio dessas músicas barulhentas, não existia nada disso, a coisa era diferente, é completamente diferente. Hoje você dança e já sai abraçado, naquele tempo você não abraçava nem para dançar (risos), quer dizer, a coisa era bem diferente. E a história do capiau hein, será que vale à pena contar (risos)?
P/1 – Vamos contar mais para frente, vamos guardar a história do capiau …
R – Bom, da Rua Fortunato, acho que o número de pessoas da Rua Fortunato acabou, o que tinha era uma porção de brincadeiras. Na Rua Fortunato nós montamos um time de futebol que chamava Juvenil Brasil e a gente jogava futebol na várzea. A várzea começava no Bom Retiro, onde tem a Avenida Rudge, ali acabava a Avenida Rudge, ali tinha um campo de futebol onde é aquele negócio de papel velho que existia naquela época, ali tinha um clube de futebol. Inclusive tinha um time que ninguém gostava de jogar contra esse time porque ia jogar lá e se os caras ganhassem no jogo, ganhava no pau, quer dizer, eram um dos poucos caras que brigavam né? Então, até chegou uma época que ninguém queria mais jogar… e como a gente não tinha campo, a gente contratava o jogo através da Gazeta Esportiva. Quem tinha campo punha “aceito jogo”, tem campo, e você ia jogar longe na época. Disputava taça porque se fazia, ia de bonde e para ir para várzea. Tinha a várzea da Barra Funda, depois tinha a várzea da Água Branca, várzea da Lapa, isso era tudo. Onde tem a Avenida Pacaembu hoje, acabava a avenida, ali tinha um muro e para ir para lá você tinha que ir por umas porteiras. Tinha umas porteiras do Bom Retiro, a porteira da Água Branca, para você ir para Freguesia do Ó, porteira também na Lapa. Não tinham essas pontes, tinha só uma ponte na Freguesia do Ó, que era lá pro lado da Lapa. Outra coisa que a gente fazia muito era andar de bicicleta, ia de bicicleta até o aeroporto, eu e esse Toninho íamos muito para lá de bicicleta, pro aeroporto. Jogar futebol era contratar, ia lá e jogava. Cada time tinha sua camisa, tinha gol e você tirava a roupa no próprio campo, então você fazia um bolinho, deixava lá do lado e quando acabava o jogo você punha a mesma roupa e ia embora para casa. Às vezes tinha campo que tinha sede, aí o jogo era mais importante, disputava medalha.
P/1 – O senhor falou várias coisas do centro. O senhor falou do cinema, falou das várzeas. Como é que era esse centro de São Paulo que hoje é tão diferente assim, as lembranças que o senhor tem, lugar...
R – Tão diferente? De manhã chegava o padeiro, dali a pouco chegava o homem das cabras. Era um cara que vinha atrás das cabras de sininho e quem podia tomar leite de cabra, porque eu não podia nem ver o leite que já me dava uma desistiria danada, aí os caras iam lá e ele tirava leite na hora das cabras e os caras tomavam.
P/1 – Isso no centro de São Paulo?
R – Isso tudo em de São Paulo, já estamos tudo na Rua Fortunato. Aí chegava o peixeiro: “Olha o peixe” e vinha com um pau nas costas, com um peixe na frente, com peixe atrás, acho que ele pescava no Tietê, eu remei no Tietê. Então ele passava e bastante gente comprava. À tarde tinha o homem do biju, não sei se vocês já viram isso, que eles vinham com um negócio de lata e em cima na tampa tinha uma hélice, um ferrinho que você virava e no número que ele caía, era uma roleta, no número que ele caía era o número de biju que você ganhava, mas nunca ganhava os seis, era sempre dois, um (risos). Aí ele abria aquilo e você comia o biju. Depois disso passava o sorveteiro, o sorveteiro era um homem que vinha com uma carroça sentado de lado e ali ele tinha um tonel, qualquer coisa assim, que tinha o sorvete e ele tocava uma corneta e passava mais ou menos três, quatro horas da tarde e aí eu ia lá e tomava sorvete de limão. Era sempre sorvete de limão e era um negócio formidável, até a minha filha tomou o sorvete do cara (risos), mas era o filho dele e assim você ia levando as coisas. E tinha...
P/1 – Aí os lugares o senhor falou do cinema, que outros lugares?
R – Lá a gente ia muito em dois cinemas, quer dizer, tinha o cinema da cidade né? A cidade é outra história. Aí lá na Rua das Palmeiras, que era uma rua muito chique, já falei das lojas que tinham na Rua das Palmeiras? Tinha confeitaria Erme, tinha pizza, tudo isso. Até aquele meu amigo que vive até hoje, ele e um outro, na mesa que ele sentava tinha uma placa assim, vou falar o nome dele: “Roberto e Felipe”, eram os dois caras que iam lá comer pizza, de tantas pizzas que eles comiam, porque senão os caras não iam convidar eles para comer pizza porque... só se dividir, viu?! Mesmo assim sai caro. Depois da Erme tinham umas outras lojas, chegando mais perto da Martins Francisco, aí tinha a Rendeira que era uma loja muito chique, que para ir para Rua das Palmeiras as mulheres usavam até chapéu. Depois da Rendeira você passava e tinham as lojas Perc Man, Perc é aquele cara que a gente atravessava a casa na Rua Fortunato. As lojas Perc, depois tinha o Cine Royal, depois tinha a loja de sapato do Nicolelis...
P/1 – Isso tudo na Rua das Palmeiras?
R – Não, agora nós estamos na Rua Sebastião Pereira, já passamos para Sebastião Pereira, é uma continuação da outra. A loja Perc Man, a Nicolelis, que é uma fábrica de sapato e tinha a Mazuca que tinha um sorvete que era uma delícia, um sorvete muito bom. Depois tinha a confeitaria Elite, que era a confeitaria mais chique de São Paulo e quando eu estava estudando na Caetano de Campos, que eu voltava lá para cinco horas, quando eu não jogava futebol, não dava umas boladas lá no Largo do Arouche (risos), ficava olhando as madames que vinham de carro. Então paravam aqueles carros e descia o chofer, roupa azul marinho, boné, luva branca, ele dava a volta assim no carro, abria a porta e dava a mão para madame. Ela descia de chapéu e com aquele vestido comprido, todo chique, e a gente ficava olhando. Quando tinha dinheiro, algum dinheiro, dava para comprar ali na confeitaria Elite. Passando a confeitaria Elite depois tinha uma loja, a loja do Arouche, que ficava na esquina, que era de um cara gordão e ele punha lá: “Não deixe uma tia chorar, compre aqui” (risos), a propaganda. Atravessando o lado tinha uma floricultura, até um dos filhos do dono foi juiz de direito, era muito meu amigo e esse cara que fornecia as coisas, as flores para igreja, enfeitava a igreja, não sei se o padre ganhava alguma coisa (risos) mas em todo caso, naquela época não ganhava. Aí na Rua das Palmeiras, que esse é o lado contrário, tinha uma doceria, a Doceira Paulista que tinha um pão doce que era uma delícia, uma empada (risos), uma coxinha que já não existe mais, quando tinha aniversário que você ia: “essa coxinha é da Doceira Paulista né, cara?”. Mais para frente na Barão de Tatuí, ali no meio da quadra, teve o primeiro negócio muito importante que foi a primeira lanchonete de São Paulo, chamava Iaiá. Vinha pessoal de todo lugar para tomar lanche lá, que era a primeira que tinha aqueles banquinhos, que o cara servia sanduíche, cerveja, refresco, aqueles troços todos lá que serviam.
P/1 – Está certo. O senhor me falou um pouco da coisa do transporte, falou um pouco dos carros, dos bondes. Me conta um pouco, porque São Paulo é famosa hoje por causa do trânsito né, como é que era?
R – O ônibus era assim, por exemplo, quando passava na Rua das Palmeiras, ah e tinha Clip! Esqueci da Clip que era na esquina do Largo Santa Cecília. A Clip já era coisa chique, no final tinha ônibus para levar até a cidade, como eu trabalhava na cidade eu ia no ônibus da Clip porque não pagava nada, mas antes da Clip tinham os ônibus azuis, que o apelido era bulldog porque o motor dele saía um pouco para frente. Você tomava o ônibus ali na esquina da Rua Martim Francisco para ir para cidade, do outro lado ia para Lapa, aí vinha o cobrador que punha o dinheiro no meio do “coiso” e dava uma fichinha para você, então você ia até onde devia ir, na Avenida São João, que é a rua de baixo. Aí tinha o bonde, aí tinha o bonde Lapa, o bonde Perdizes, o bonde Pompéia, eles saiam da Praça do Correio e iam até lá. Tinha um bonde, o bonde das Perdizes, era interessante porque nessa época morava muito advogado e juiz de direito nas Perdizes, mas juiz de direito era fácil saber porque andava de preto e de chapéu (risos). Esse bonde descia a Cardoso de Almeida, saindo um pouco lá da Santa Cecília, quando o motorneiro via alguém andando que ele sabia que era advogado, ele parava o bonde (risos), o cara subia, ia embora e parava lá na Praça do Correio e o pessoal ia a pé, quer dizer, não tinha esse negócio de carro para buscar aqui, para levar processo para lá, não havia nada dessas histórias não é?! Ia até a Lapa esse bonde e chegando na Lapa onde hoje é o mercado da Lapa, aí tinha o Vila Hamburguesa. O Vila Hamburguesa é um bom que subia a Rua 12, por ali, e ia para essa Vila Hamburguesa e ele tinha o Cara Dura. O Cara Dura é um bonde que ia sendo puxado por um outro bonde maior, aí esse bonde maior, o bonde grande era duzentos réis, o Cara Dura era cem réis. Também na São João tinha um bonde que subia a Avenida Angélica, esse era mais chique porque muitos eram camarão, camarão eram os bondes fechados. Subia a Avenida Angélica e a gente punha areia no trilho do bonde e o cara quando ia brecar dava uma escorregada (risos), punha também moeda para alguém escutar fazer cleck. E na Avenida Angélica, para subir a Angélica, que era um bonde avenida, que ele dava a volta, subia pela Avenida São João. São João era duas mãos, a Rua das Palmeiras era duas mãos. Subia a Avenida Angélica todinha, subia a Avenida Paulista, descia a Rua da Consolação e ele dava uma volta. Tinha um que dava volta de um lado e outro que dava volta do outro, eram os ônibus prateados, ingleses e o motor dele era reto, não era nem compridinho como era o bulldog, esse era o cara chata, ele era prateado. Perto da Praça Buenos Aires uma vez um capotou, pegou fogo, morreu uma moça do Mackenzie e pagava acho que trezentos réis cada bonde.
P/1 – O senhor mostrou para gente várias fotos na rua, então tinha uma coisa que era o carnaval de rua também.
R – Ah, o carnaval de rua era uma delícia, primeiro que a gente saía fantasiado, no começo quando eu era pequeno, como tem naquela na fotografia de pierrô, essas coisas (risos), eu ia com o meu pai e com a minha mãe. Meu pai ia de paletó, ele ia cheio de gravata (risos). Aí esse pessoal da frente da minha casa, tinha o senhor Rodão, que era o pai do Dão, do Dino, do Careca, tinha um carro de praça, então o pessoal da rua que tinha mais de dezoito anos alugava o carro para ir fazer um cocho. Esse senhor Rodão era um português, então ia todo mundo vestido de mulher, ficava tudo pendurado nos estribos, no pára-choque do carro porque os carros eram fortes, aí iam passar no cocho da Avenida São João. Ficava cheio de gente e a outra coisa que tinha nesse cocho era muita serpentina. Então a molecada fazia o que, pegava a serpentina, juntava, falava que estava fazendo ninho para sentar e era sempre no verão, então o que acontecia, as lâmpadas da rua ficavam cheias de borboleta, era aquela borboleta preta, meia nojenta e batia na cara da gente (pá, pá, pá) (risos). Depois dos quinze anos a gente ia em baile de carnaval que era no Cine Odeon, tinha um monte de cinema que fazia o baile, transformava o cinema. No Coliseu, no Royal eles não transformavam em baile.

TROCA DE FITA

P/1 – O senhor fala então do carnaval ali na São João?
R – Na São João a gente ia nos bailes, no Cine Odeon que eles transformavam o cinema e também tinha baile em clube, mas eu não ia muito a baile. O carnaval não tinha briga também, não é?! Então tinha cocho e depois tinha muita gente, as fantasias era tudo homem vestido de mulher, então aparecia muito homem vestido de mulher, viviam fazendo farra, tocando pandeiro. Todos os clubes davam um baile e esse seu Rodão… Que lá na Fortunato tinham dois chofer, o senhor Rodão e o Ivo. Esse Ivo tinha um Lincoln Continental, acho que 1946, que era uma beleza, compridão, caidão atrás. O senhor Rodão tinha um outro carro que eu não lembro o nome e na época do gasogênio, que é a época da guerra, o que tinha? Os carros tinham gasogênio, o cara punha carvão em uma parte, ele esquentava a água, a água formava um vapor e fazia o carro andar. E esse seu Rodão uma vez, ele estava pondo a coisa, ele pôs as duas mãos no, que eram tambores altos, no tambor do gasogênio, ficou mais de um mês sem guiar porque queimou toda a mão. Não falei nada que ele era português (risos). Ele era bom sujeito. O Cine Coliseu fazia baile de carnaval também… E também uma outra coisa do campeonato de 1950, quando o Brasil apanhou lá, então estávamos eu e o Toninho lá na minha casa ouvindo o jogo do campeonato, aí perdeu e eu tinha uma bandeira, eu juntava bandeirinha, tinha bandeirinha do Uruguai, peguei pus a bandeirinha no lugar que tinha na bicicleta, no pé da roda tinha um ferrinho que era para gente por bandeirinha, usava isso aí ou senão no guidão e fui passear de bandeirinha do Uruguai (risos). Antes quando no campeonato do mundo, quando acabava o jogo, saíamos eu e o Toninho porque a gente ia até a Cásper Líbero porque a Gazeta soltava um jornal do jogo da tarde, ela soltava o jornal uma oito e meia, nove horas da noite, foi a primeira vez que aconteceu isso. A gente ia lá comprar a Gazeta Esportiva para ficar lendo o que a gente já tinha ouvido no rádio. No campeonato de 1950, eu assisti ao jogo de futebol aqui em São Paulo, que foi contra a Suécia, o Brasil empatou de dois a dois com um gol do maior centroavante que já passou pelo Brasil, que era o Baltazar, que era o cabecinha de ouro e jogava no Corinthians, eu não sou corintiano (risos). Esse Baltazar, na época fizeram uma eleição para ver qual era o jogador mais querido de São Paulo e o prêmio era um Cadillac. O Baltazar ganhou o Cadillac, mas ele deu uma trombada na Via Dutra (risos)
P/1 – Perdeu o carro.
R – Pôs fogo no carro, era jogador de futebol né?
P/1 – Senhor Domingos deixe eu retomar uma coisa. O senhor falou que rapidamente da guerra e o senhor tinha falado da coisa dos irmãos japoneses que moravam lá na rua e daquele capítulo, conta para gente.
R – Quando aconteceu a guerra eles costumavam empastelar, bater, quebrar todos os caras que serviam os caras do eixo que eram italiano, alemão e japonês, mais era alemão e japonês do que italiano. Italiano ficava mais ou menos parecido com cara daqui, então não tinha muita diferença. E eles empastelavam mesmo, quebrava as coisas dos caras do eixo e na guerra também, a noite havia um blackout, o blackout era isso, quer dizer, apagavam as luzes da rua, elas foram pintadas de azul, muitas. Então o que acontecia, determinada hora da noite tocavam todas as sirenes da fábrica, punham os escoteiros para sair na rua apitando, eu também saí apitando mas não era escoteiro, para apitar se tinha uma janela acesa. Então, ia todo mundo para casa da minha avó porque tinham colocado umas cortinas pretas, então você podia ficar de luz acesa, porque se não ficasse com a luz apagada passava a polícia e multava, mas eu nunca vi multar ninguém não, até acabar a guerra. Quando acabou a guerra chegaram os pracinhas, eu fui ver um pracinha que chegou e eu fui ver a chegada dos pracinhas, que eles chegaram e andaram não sei como. A gente ia ver na São João, lá perto do Correio e eu fui lá, então vinha um monte de gente e eu caí no chão, aí um cara me levantou senão acho que eu teria sido pisado...
P/1 – (risos)
R –... mas tinha gente: “Ah”, gritando que acabou a guerra.
P/1 – Agora, o empastelamento aconteceu com dois...
R – Não, não aconteceu com eles porque eles foram escondidos, mas aconteceu muito empastelamento de coisa, de japonês. Eles iam lá e quebravam tudo e não só aqui, no interior também acontecia isso. Nesse meio tempo em, ai esqueci o nome da cidade, que tem...
P/1 – Tudo bem.
R – Getulina, ali nessa região tinham japoneses que depois da guerra não acreditavam que a guerra tinha terminado e eles matavam japonês que falava… que morreu lá, que tinha toda essa guerra. Também esqueci o nome disso aí cara.
P/1 – E aí o senhor falou do desfile. O senhor falou que tinha outros desfiles, tinham desfiles constantes, desfile militar...
R – E todo sete de setembro tinha a parada, então a parada era assim, tinha escolas, no geral ginásio, a parada era ou no Anhangabaú, primeiro era na Avenida São João, depois era no Anhangabaú. Então era a parada de sete de setembro, eram estudantes de ginásio e também tinha a parada militar, que aí vinha tanque de guerra, soldado, todo esse pessoal.
P/1 – Entendi.
R – Eles ficavam às vezes quando era na São João, eles ficavam na Rua das Palmeiras também que é paralela. Então, a gente ia assistir essas paradas militares porque eram todas no centro da cidade e tudo se resolvia no centro da cidade, por exemplo, eu ia receber, fazer pagamento pro meu pai, isso em 1942, 1944, então, o que você fazia? Os bancos não eram banco que faz tudo, banco disso, tinha um banco só. Eu começava a fazer pagamento ou receber no Banco Mercantil porque ele tinha um sofá que era uma delícia (risos), então era bom para você sentar. Então, deixava as coisas lá, por exemplo, se eu tinha um pagamento, eu deixava o papel que eu ia pagar lá no banco e o caixa me dava uma fichinha, aí você ia no outro, você deixava o cheque lá e ele dava uma fichinha. Então, você fazia a volta, chegava no Banco Mercantil outra vez, aí no Banco Mercantil você chegava no caixa e falava, não tinha gente treinada: “Fichinha catorze”, o cara falava: “Não está pronta” ou senão: “Ah, catorze está aqui” e pegava e dava a coisa para você. Se ele desse dinheiro para você, a porta do banco era escancarada né, parecia uma loja e você saía contando o dinheiro, lá, assim, na rua, quer dizer, não tinha problema, contava. O único problema que você tinha é que você tinha que andar com um paletó, que se usava muito paletó. Paletó com botão porque você punha o dinheiro no bolso de dentro ou no bolso de trás e tinha tudo botão, então você fechava com botão por causa do batedor de carteira. O batedor de carteira, você entrava no bonde, ele não sabia. Uma vez, eu vinha vindo em um bonde e pegaram um batedor de carteira e o batedor de carteira pulou do bonde, pulou e foram atrás dele e ali na Alameda Glete, que é uma travessa da Avenida São João, tinha a garagem dos bondes, quando estava chegando perto garagem dos bondes, alguém passou o pé no cara e o cara caiu. Aí, pisaram no pescoço dele, arrancaram o dinheiro dele, levantaram ele e puseram as duas mãos do cara aqui, tiraram o sapato e bateram na mão do cara, até a mão do cara inchar e cada um batia bastante lá. Eu era pequeno, estava só olhando né (risos)? Aí pegaram e jogaram o sapato dele longe e deram um empurrão nele, um pé no traseiro dele: “Vai embora seu vagabundo”, porque diziam que quando os batedores de carteira eram presos, tinha uma palmatória furada que batiam na mão deles, então o cara já fazia todo o processo antes e era a única coisa de roubo. Esse negócio de roubar armado não existia, nem se pensava nisso e carro, se você deixasse o carro na época que já é mais para frente, que eu tinha um amigo que ele tinha carro e ele dormia na minha casa porque ele morava longe. A gente às vezes acordava no dia seguinte: “Ih, que bom que não choveu essa noite, os vidros do carro estão abertos” (risos), “Ó lá, a chave está dentro do carro por isso que nós não achamos” (risos). O carro ficava lá, quer dizer, não tinha isso. Hoje nesta Rua Fortunato, bem ontem eu tive uma multa porque parei dois minutos ali para pegar um papel, cheguei já estava multado lá e a rua está toda esburacada.
P/1 – Seu Domingos eu queria falar um pouco de escola mas antes de entrar na escola...
R – Escola?
P/1 – É, mas antes eu queria perguntar, tem mais algum evento público, grande, que aconteceu na rua? Como carnaval, esses desfiles, tem algum que o senhor lembra?
R – Carnaval, sete de setembro, aquelas paradas...
P/1 – São os principais mesmo?
R – É, esses eram os principais.
P/1 – Está certo. Então me conta um pouco da escola, qual a primeira lembrança que o senhor tem de escola?
R – Da Caetano de Campos, no jardim da infância, em 1940 ou 1939, que a professora era a dona Corina e a gente ia lá e as carteiras eram grandes, sentava um do lado do outro. Tinha uma menina bonitinha lá, eu não vou falar o nome dela (risos) porque é chato né? Então, ali se você fazia desenho, eu fazia muito desenho, daquele Lincoln que eu contei aqui porque eu achava uma beleza aquilo lá. Chegava na hora do lanche, a gente tomava o lanche que levava de casa e aí depois a gente tinha que ir dormir, então a gente tinha que pôr o braço cruzado e abaixar a cabeça. Na Caetano de Campos a gente brincava só, fazia desenho, não fazia nada e tinha inclusive uns cubos, quadrados, como um tijolo e a gente ficava fazendo barco, casinha, essas coisas. No recreio brincava todo mundo de roda, caracol, que era um negócio que fazia assim no chão. Depois daí, eu fui pro primeiro ano primário, segundo ano primário…e sempre, esse Roberto, conheci aí em 1939 hein? Estudei na Caetano de Campos até o quarto ano primário e sempre a classe era classe mista. É gozado porque eu sempre estudei em classe mista e ali a Caetano de Campos foi formidável para mim. Eu conheço algumas, ainda lembro da dona Corina que era brava para burro (risos), ê mulher brava para burro, e morava em uma vila ali perto da Rua das Palmeiras, era amigo do neto dela e uma vez ela falou para o neto dela: “É, vou falar pro seu pai te esganar!”, falei: “E agora, eu não vou mais na casa dele” (risos). Tinha ele, tinha a dona Carlota, será que era a diretora? Eu não me lembro mais o nome da diretora da Caetano de Campos e ela morava perto da minha casa, na Alameda Barros, ela não era fraca não.
P/1 – Entendi. E no Caetano de Campos, como era a escola nessa época?
R – A Caetano de Campos era linda, primeiro porque eu tomava o ônibus ali na Rua das Palmeiras para descer na Caetano de Campos. Lá tinha um guarda, o senhor Luiz, que era um guarda de trânsito dali, aí o ônibus parava, ele ia até lá e dava a mão para gente descer, punha a gente na calçada e a gente entrava na Caetano de Campos e ele ficava olhando. Eu sempre estudei à tarde, entrava acho que uma e meia, uma hora e saía cinco horas da tarde e às vezes minha mãe ia me buscar, às vezes ia a mãe do Roberto e às vezes eu vinha com a mãe do Érlon Chaves (risos). Dos meus colegas de classe, um deles foi o Érlon Chaves, já cantava naquela época, ele cantava lá na escola e eu não cantava nada, tanto que eu estava no primeiro ano da Caetano de Campos e lá tem uma parte do balcão, em cima, e a gente cantava lá em cima nas festas, e quando eu estava ensaiando a professora de canto falou assim: “Domingos, shhh”, de tão desafinado que eu sou, até hoje, eu nunca mais cantei nada na vida (risos). Eu era amigo do Érlon Chaves, depois fui encontrar ele mas daí, fiz o quarto primário e como eu não era muito aceito a ficar prestando a atenção (risos), aí eu fui fazer na Dona Maria José, fazer o quinto ano, que era um preparatório para o ginásio. Daí eu entrei no Mackenzie, foi formidável o Mackenzie para mim, até hoje eu tenho… terça-feira... Ah não, não vou contar essa história (risos)! Terça-feira eles vão comigo para Valinhos, uns quatro ou cinco amigos para ir almoçar lá, é que eu tenho uma chácara. Mas foi muito bom para mim, depois do segundo ano do Científico, aí puseram na cabeça que eu tinha que fazer Direito.
P/1 – Mas o senhor optou por fazer o Científico, então e não...
R – É, aí falaram para mim: “Ah, sai daí! Vai para lá” porque eu tinha uns amigos que na época não eram tão importantes, hoje são importantíssimos e um deles me levou pro PUCA, o PUCA era aquele colégio mais ou menos fácil de você fazer. Então como tinha que fazer cursinho, eu fui. O Mackenzie iria ser o primeiro ano de Direito, aí esse camarada: “Não, não vai aí! Vamos para Bauru”, peguei e fui com eles para Bauru, eram dois caras né? Hoje são uns caras importantíssimos (risos), não queira saber quem são os caras porque eu não vou falar o nome (risos), é chato. Fui para Bauru, também para mim foi uma experiência espetacular, que eu viajei muito, fiz política. Aí entrei em política universitária...
P/1 – Então, antes de a gente entrar, me conta um pouco da sua fase de adolescência porque aí foi quando o senhor falou que começou a ir nos bares de verdade...
R – Bom, agora eu já me formei, então vamos voltar para trás (risos). A adolescência era isso, era cinema e dançar no Maison du France, viajava bastante com meus amigos, fazia piquenique, a gente fazia muito piquenique. Fazia no Pico do Jaraguá, no Horto Florestal mas todos esses lugares que você ia para fazer piquenique, para jogar futebol, não tinha problema nenhum, ninguém roubava nada. Íamos muito também aos domingos, eu e o Toninho, para o aeroporto de Congonhas de bicicleta. Inclusive o Gualicho, em 1954, ganhou o grande prêmio Brasil e estava começando o negócio do Ibirapuera, acho que ainda não estava inaugurado. Por ali tinha um carro com o rádio ligado, nós ficamos ouvindo lá e o Gualicho ganhou, Gualicho era o apelido do Corinthians (risos), e saía por esse mundo afora, quer dizer, fazia viagem...


P/1 – O senhor falou de alguns lugares, Campinas era um lugar recorrente na sua infância...
R – Eu ia muito para Campinas, já fui a baile de carnaval em Campinas, ia jogar bola ao cesto no tênis. Passava as festas de fim de ano em Campinas, na casa dos meus avós e na Páscoa, o meu avô fazia Pasquela, Pasquela é a segunda-feira porque a Páscoa sempre cai no domingo (risos). Na Pasquela meu avô alugava um ônibus e a gente ia fazer um piquenique no Arraial de Sousas, é um lugar que tem bastante restaurante no Clube de Regatas. Então ia lá na segunda-feira, levava o resto de comida e passava o dia ali em Sousas porque meus tios eram sócios. Quando estava em Campinas, eu tinha bastante amigos, quer dizer, eram mais parentes das minhas primas que eram de Campinas. Então, tinha um lugar lá em Campinas que era chique para chuchu, que era tomar lanche nas Lojas Americanas (risos). Agora é uma época que é difícil de você situar uma porção de coisas porque falar: “Ai ia tomar lanche nas Lojas Americanas”, “E depois o que você fazia?”, “Ai para casa do seu Pizzani”, que era o avô da minha prima, “ficar lá com as primas dela, aquelas meninas bonitas para brincar de passa anel”, brincar de passa anel eu brincava sempre porque passava a minha mão na mão das meninas (risos).
P/1 – Que barato! (risos)
R – Quer dizer, as brincadeiras eram isso. Aí o cara fala: “Pô, você ia lá, saía com a menina” e eu: “É” (risos), era assim, eu vou fazer o que?
P/1 – E o senhor falou um pouco do litoral também.
R – Litoral é um negócio muito interessante porque o meu avô, fora as idas para Praia Grande, o meu avô Barone, ele gostava de ir para Santos e para São Vicente, então ele alugava uma pensão, era sempre a mesma pensão. Íamos eu, ele e a minha avó. Aí meu avô, minha avó, não punham maiô, iam na praia comigo e falavam: “Não passa daquele negócio. Não passa dali”, então você não passava né, você não desobedecia, senão você chegava lá tomava uns tapas, mesmo que você não tomasse tapa falava: “Você não vem mais!”, acabou, morreu o assunto! Então eu ia com o meu avô e com a minha avó, ia lá, passava uns dias, e meu avô gostava de ir na Ponte Pênsil, que era perto de onde ele ficava, ali na Ponte Pênsil tinha um bar. Ele gostava de ir lá para comer camarão e tomar uma cervejinha, tomava uma cervejinha pequena e eu ia lá com ele, eu e minha avó, e tomávamos um guaraná e a gente ficava a tarde passeando por ali. Então o que fazia nesses passeios? Ficava lá passeando, depois a noite ia dormir, ouvia um pouco de rádio, a gente saía, ia para a biquinha, tomava bonde até Santos, voltava, ia ver saída de navio mas não pense que saía navio toda hora... isso aí eu era pequeninho. Ia também muito para lá quando o meu avô, esse meu avô pai da minha mãe, o Gargantini, ia para Santos. Eles alugavam casa lá, então ia bastante gente na casa e o pior é que minha tia… Minha avó que fazia comida para todo mundo, sei lá como é que ela se virava (risos). Meu

avô gostava também de ir ver navio, então eu tomava bonde com ele, bonde fechado, o camarão. Era um bonde branco, bonito e ia até a ponta da praia e via passar o navio. Depois à tardinha também, eu ia com ele, meu primo acho que não gostava muito de ir com ele, ia com ele lá para comprar peixe porque os peixes que os pescadores pescavam, eles vendiam ali na ponta da praia, então a gente comprava para fazer no dia seguinte, fazer à noite. Uma vez eu fui com o meu tio Zalu, que era nadador, ele ganhou uma travessia de São Paulo pelo Rio Tietê, ele era de Campinas e aí quando eu fui com ele lá nós ficamos lá na praia onde tem depois da divisa, esqueci o nome dessa praia, onde tem uma ilha e a gente ia nadando até a ilha e depois a gente voltava. Uma vez, quase nós demos a volta na ilha (risos), depois ele disse que tínhamos que voltar por causa da correnteza. Em Campinas todo mundo ia com ele no Rio Atibaia até um lugar onde tem uma corredeira, aí a gente pulava na água da corredeira (risos) e ia descendo a favor do rio. Aqui em São Paulo eu era sócio do Tietê, então a gente ia lá. Fui sócio do Espéria, mas fiquei mais no Tietê porque tinha mais amigos lá. O Tietê não era do jeito que era, era um clube legal, para você chegar do lugar onde estavam os barcos, a garagem dos barcos até o Tietê, era uma distância grande, mas não tinha avenida, não tinha nada, aí você carregava o barco. Quando não tinha barco para você andar, pegava na garagem dos barcos, levava para andar e punha na água, eram umas catraias e a gente ia. Às vezes, ao invés da gente subir o rio, a gente descia o rio até a Lapa. Chegando lá você parava, porque para voltar, você não voltava contra a correnteza (risos), aí nós parávamos no Auto Posto Rumam, que era um cara lutador de luta livre e ele tinha um negócio de pneu de caminhão lá, então você descia porque lá tinha telefone, você telefonava para o Rio Tietê, eles mandavam uma lancha ir te buscar e você tinha quinze dias de suspensão. Você recolhia a ficha que estava lá na piscina para você não entrar e era avisado na portaria que você não poderia entrar (risos). Não sei como fazia porque eu nunca tentei entrar depois de suspenso porque eu entrava pela marginal, que não era marginal.
P/1 – Vocês eram suspensos por ir no lado do rio?
R – Eu estava suspenso. A gente ia de bicicleta lá, a Avenida Tiradentes era estreita, então quando a gente estava suspenso não ia de bicicleta, ia de bonde. Aí você vinha pela marginal, pela margem do rio, que era um espaço grande e entrava pela garagem de barco. Como eu tinha a caixa onde trocava roupa, porque tinham dois tipos de vestiário, tinha o mais baratinho e o outro mais caro que era o de tênis e tinha também o de cabide. Você ia no vestiário, eles davam um cabide, você punha a roupa e guardava a roupa lá, mas como eu tinha a caixa, o que acontecia? O pessoal ia, eu, o Toninho, o Muriel, esse aí era fogo viu (risos), o cara era muito esperto, mas não é esperto de hoje, era um cara esperto no bom sentido, fazia as coisas para ele tirar proveito mas não era roubar não, nada disso, nem fazer coisa ruim. Então, o que acontecia, eu ia lá e todo mundo trocava de roupa no meu caixa. Aí a gente queria ir na piscina, então, quando o exame médico havia terminado, tinha que fazer outro, você ia lá na piscina, o cara dava a sua ficha, você levava a ficha no médico para ele fazer o exame médico em você. Ele fazia o exame médico e te dava uma fichinha para você então poder entrar na piscina, aí você entregava a fichinha. No mesmo dia você saía do lugar, mas estava sem a fichinha, então você voltava e falava pro cara que tomava conta: “Fichinha” (risos), quer dizer que você já tinha feito o exame e já estava voltando. Então, você ia lá depois de três, quatro dias, tirava a roupa e passava na piscina: “Fichinha” (risos) e nadava tudo outra vez.
P/1 – Está certo (risos). Deixa eu te perguntar uma outra coisa. Você falou um pouco do jornal, da Gazeta e do rádio. Como é que era essa relação porque...
R – A gente ouvia rádio, primeiro, jogo de futebol a gente escutava no rádio, às vezes reunia dois, três. Na Avenida São João tinha a Rádio Cultura, era onde tinha Nhô Totico, era um fulano que tinha nascido em Descalvado, que é a terra da minha mãe e por sinal meu cunhado mora na casa que ele morou (risos). Então, ele fazia uma imitação de uns cinco camaradas, ele fazia imitação de tudo, cavalo ele batia uns troços, quer dizer se você não estivesse olhando para ele... Tinha a Dona Olinda, que era professora, depois tinha o Mingau, o Mingote, o Sebastião, tinha uma menina, tinham seis, sete crianças e era uma escolinha da Dona Olinda. Então ele fazia essa escolinha perguntando, você assistindo ele, ele fazia todas as vozes...
P/1 – Todos os personagens né?
R –... fazia cavalo, fazia automóvel, fazia tudo e estivesse de costas você via tudo (risos), se você tivesse de costas, tudo isso né e essa eu queria assistir. Antes disso, havia um programa de chocolate, que dava chocolate. Então você ia lá e ele ficava fazendo perguntas, não era ele, era um outro: “Quais são os estados do Brasil que não são banhados pelo mar?”, e você: “Eu sei”, ia lá e respondia e ganhava chocolate e fazia uma porção de coisa assim e ganhava chocolate. Depois vinha o Nhô Totico e a noite tinha um outro programa dele, da Dona Achiropita, mas eu não entendia direito e tinha os seriados do Zorro, o amigo do Zorro, o cavalo do Zorro e tudo isso você escutava no rádio os caras fazendo o papel do cavalo...
P/1 – Quando vocês iam juntos no rádio, ficava todo mundo junto, tinha um momento em que todo mundo parava?
R – Era sempre perto do jantar, então a molecada que ficava ouvindo isso.
P/1 – E aí os pais ficavam juntos?
R – Não, os pais estavam lá na hora da janta, aí depois tinha a Hora do Brasil. (pausa) Espera só um pouquinho que vou dar uma lida aqui, que tinha uma coisa que eu não podia esquecer. Ah, tem uma outra do jornaleiro, mas não era jornaleiro assim de banca, jornaleiro que fazia entrega de jornal e tinha o Jaraguá. O Jaraguá era um cara que ficava na Martim Francisco com a Rua das Palmeiras, tudo ali perto. Era uma padaria do pai do Pirro, conheceu o Pirro (risos)?
P/1 – Não.
R – Era um moleque que brincava com a gente (risos) e ele ficava lá, então a gente ia comprar gibi, senão falava para ele entregar em casa e ficava lendo lá o gibi e também tinha troca de você emprestar o gibi para outro, não tinha muita coisa para você comprar não.
P/1 – No gibi vinha o que, que estórias vinham no gibi?
R – Era tudo estória de Zorro, bandido e mocinho...
P/1 – Tarzan?
R – É.
P/1 – Mas eram grandãos os quadrinhos, não eram? Os gibis eram grandes né, como é que eles eram?
R – Não, os gibis eram pequeninhos. Ah e tinha o Tico -Tico!
P/1 – O Tico -Tico, é verdade.
R – O Tico-Tico e por sinal eu tenho um almanaque do Tico-Tico de 1948 acho, um almanaque grandão do Tico-Tico, que eu vi que era importante ver o Tico-Tico. Era importante também ler a Gazeta, porque a Gazeta em cima tinha um negócio do Pinduca, que era uma historinha do Pinduca, sem letreiro, nem nada, então você tinha que descobrir a historinha do Pinduca (risos).
P/1 – De revista te atraiu o Cruzeiro, a Manchete? O que você lia?
R – Não, só tinha o Cruzeiro. Lá na Rua Fortunato, que eu esqueci de falar, existia uma casa, a cento e oitenta e seis, que era uma casa legal para chuchu (risos). Uma vez nessa casa eu ia descendo do Mackenzie, passei por lá, estava um reboliço na rua (risos) e tinha cara enrolado na toalha, correndo, mulher enrolada na toalha porque um cara descobriu que ali naquela casa, que a mulher dele estava lá e ele foi lá com um revólver e ali ele espalhou todo mundo (risos).
P/1 – Que barato! (risos)
R – As moças lá compravam bebidas, essas coisas lá na casa do Toninho e eu sempre ia lá fazer entrega junto com ele, ficava vendo as moças lá.
P/1 – Que legal!
P/1 – Você voltou a falar agora da...
R – E a gente saía correndo (risos)
P/1 –... E essa fase do Mackenzie, fala um pouco dessa fase porque você ficou um pouco no Mackenzie e depois você foi para Bauru, não é?!
R – É. Bom, fiquei lá no Mackenzie cinco anos porque eu repeti também um ano.
P/1 – Entendi.
R – No Mackenzie para mim foi formidável porque primeiro eu saí de um colégio que era mais liberal que os outros e eu gostava muito do Mackenzie, eu passava o dia no Mackenzie porque naquele tempo do Mackenzie você tinha aula e você podia ir lá para jogar vôlei, tinha campo de futebol para você jogar.
P/1 – Quando o senhor fala que o colégio era mais liberal, era um tempo muito conservador? Por quê que o colégio era mais liberal que os outros? Os outros eram muito...
R – Quando eu estava na Caetano de Campos, era um colégio rígido, um colégio de Estado. Agora, o Mackenzie já não era tão rígido, tinha uma série de esquemas, você tinha que cumprir a determinação dele, mas a determinação não era, assim, tão forte. Por exemplo, tinha um negócio de ler a bíblia, não sei como é que chamava, eles chamavam de culto. Então, o cara ia lá, um professor entrava na classe, lá ele lia a bíblia para você, mas se você quisesse assistir, você assistia, se você não quisesse você ia embora, ali não tinha essa coisa. Agora, por exemplo, é Mackenzie Escola Presbiteriana, no meu tempo não, era Mackenzie College e acabou. Lá tinha um grande amigo meu, Fausto Antão Fernandes, era um maestro com nome de rua, esse era muito meu amigo. Quando juntava a classe de menino com menina, ele falava, que lá me chamavam de “Domingos, você vai solfejar”, “Não solfejo nada” (risos), saía tudo errado ou senão ele falava assim: “Domingos, por favor, pode ir tomar lanche” (risos), mas ele ficou muito amigo esse Fausto Antão Fernandes, que era um maestro que a gente tinha aula de orpheon no Mackenzie, duas vezes por semana. Tinha também um professor de francês, que era um cara grandão, ele falava assim: (recitando uma poesia em Francês), que era uma poesia que ele ensinava para gente, esse camarada era rígido (risos).
P/1 – Senhor Domingos, nessa idade o senhor já trabalhava ou só estudava, como é que era?
R – Não, não, era filhinho de papai (risos), eu não trabalhava não, eu tinha muitos amigos, mas passeava muito. O passeio da gente era...
P/1 – Era saudável?
R –... era diferente, eu no segundo ano de ginásio jogava futebol, uma outra coisa ginástica do Mackenzie, era você jogar futebol duas vezes por semana. Depois fazia ginástica com o sargento, ai como é que ele chamava? Eu esqueci, foi uma pena. Ele fazia ginástica, levantava o braço assim porque esse braço dele não levantava (risos). Às vezes havia comemoração também que a gente ia, fui no Pacaembu para fazer ginástica...
P/1 – Legal!
R – ...iam todas as escolas de São Paulo, acho que foi Sete de Setembro. Fazia desfile e o Mackenzie é um “M”, aquele “M” que tem até hoje e os caras passavam: “Ô mulherzinha” (risos), aí você respondia: “Oi estou aqui ó” (risos).
P/1 – Agora me conte, em um determinado tempo o senhor decidiu ir para Bauru, como é que foi essa decisão, esse período?
R – Ah, eu fui para lá porque eu estava cansado de ficar em São Paulo… Uma coisa também, é que eu era filho único e lá em Bauru, por exemplo, tinha um amigo meu, que por sinal morreu, era muito meu amigo, o Clóvis, tem os outros.
P/1 – Lá o senhor morou sozinho, foi para lá estudar?
R – Fui para lá estudar, morava em pensão mas vinha muito para São Paulo também. Lá eu jogava futebol no time da cidade, ia jogar fora, em outras cidades e comecei a fazer política universitária. Ia para congresso, aí eu fiz bastante amigos, não sei se posso falar, não vou falar nome dele porque senão o cara vai falar: “Pô, você foi falar meu nome lá”, só falo dos que morreram porque eles não podem falar nada (risos).
P/1 – Quando o senhor diz desse período que o senhor foi fazer política universitária, como é que era esse período, isso aí?
R – A política universitária eram dois grupos, o que dominava era o Grupão, era um grupo de Esquerda e o outro que eu pertencia, era o grupo de Direita. Então, o grupo de Direita só ganhou a eleição da UEE, aqui em São Paulo, uma vez, que quem ganhou foi o Tabajara. Tinha o Haroldo, que hoje é muito meu amigo, eles ficaram fazendo parte da diretoria. Depois tinha o Uriel também, que foi meu colega de escritório, então fizeram isso. A sede da UEE que nós conseguimos era na Rua Santo Antônio, aí no centro da cidade, em uma casa em que o dono era de Esquerda e ele alugou pro da Direita (risos), quer dizer, então você vê que quando chega a hora do dinheiro todo mundo aceita (risos). A partir daí eu comecei a fazer política universitária.
P/1 – Entendi e o que se debatia, quais eram as questões que de discutiam?
R – Ah, fazia uns esquemas lá, debatia um monte de coisas, um monte de abobrinha né (risos). Mudava o país, mudava tudo isso né (risos), mas no final da história tinha uns congressos que a gente ia passear, tudo quanto tem fora de São Paulo, quando era da UNE. A UNE nunca se conseguiu ganhar e da UEE se conseguiu. UEE era no estado de São Paulo, da UNE era fora, em outro estado, mas valeu à pena porque você conheceu bastante gente, via uma porção de coisas.
P/1 – O senhor se formou e voltou para São Paulo?
R – Aí eu me formei e voltei para São Paulo, aí eu já estava fazendo política, me engajei com um político que foi deputado, depois ele foi secretário da Saúde e nesse meio tempo eu fiquei conhecendo o Doutor Mário Machado de Lemos, infelizmente faleceu, que era um grande amigo meu. Era membro da OMS, era representante da OPAS (Organização Panamericana de Saúde) e ficou muito meu amigo, de eu ir toda hora na casa dele. Ele virou secretário da Saúde e eu já estava na Secretaria, junto com o secretário anterior, e fiquei lá com ele. Ele falava para mim: “Você tem espírito solidarista”. Chegou um belo dia ele falou assim para mim: “Vamos para a Faculdade de Saúde Pública que você vai fazer o curso de Saúde Pública”. Nessa época eu já estava fazendo um pouco de coisa em Osasco...
P/1 – Entendi
R – Como eu estava na Secretaria da Saúde, eu fazia parte da Saúde de Osasco.
TROCA DE FITA
P/1 – Então, o senhor falou aqui que tinha um potencial, então o senhor trabalhava na área de saúde?
R – É, aí o Doutor Mário, falou: “Não, você vai! Vamos para lá hoje”, nós fomos. Eu conhecia a Faculdade de Saúde Pública porque alguns parentes meus que moravam na rua paralela ali e quando a gente saía, que lá era um jardim muito bonito e não tinha grade como tem hoje, então a gente ia lá. A única coisa que eu conhecia da Faculdade de Saúde Pública era aquela lá, mas eu nem sabia que chamava Faculdade de Saúde Pública. Aí o Doutor Mário me levou no Doutor Mascarenhas que era o diretor da Faculdade de Saúde Pública e falou assim: “Aqui está o doutor Barone que é meu amigo e precisa fazer o curso de saúde pública...”
P/1 – Isso em que período mais ou menos, o senhor lembra?
R – 1970
P/1 – 1970?
R – 1970. “... que precisa fazer o curso de Saúde Pública”. Aí o Doutor Mascarenhas: “Mas Doutor Mário, as inscrições encerraram ontem, antes de ontem...”, o Doutor Mário falou para ele: “Não, mas ele precisa fazer”. Bom, na segunda-feira eu já estava lá (risos) para o início do curso. Então fui lá né e bom, como é que eu vou me virar? Sou advogado, esses caras vão me podar, aí começou qualquer e eu falava: “Mas em Osasco...”, então eu fiquei com o apelido de Osasco (risos) e fiz uma porção de amigos lá, tanto é que eu tenho três afilhadas (risos). Outra coisa é que veio muita gente, gente da Bolívia, do Paraguai, para fazer o curso, então como eu tinha condições de auxiliar esse pessoal… Por exemplo, teve um paraguaio que a mulher dele estava grávida, ia ter filho, aí eu falei: “Não, espera aí”, aí eu falei com o relações públicas do Hospital das Clínicas, falei: “Olha, tem um negócio assim”, que o cara era muito meu amigo e ele reservou para mulher desse que era médico também, reservou um quarto onde ela deu à luz lá. Tinha o outro lá, o Zé Carlos, que eu sou padrinho da Cíntia que é a filha dele (risos), eu sei que depois eu fui para o Rio, ele é um cara formidável, é um baiano, já viu, né? Baiano é formidável.
P/1 – Você queria falar do futebol, pode falar.
R – Bom, aí eu fiz o curso, fiz um monte de amizades, que até hoje eu tenho essas amizades e fiz tantas coisas e eu fui o cara que fez os estatutos da Faculdade de Saúde Pública, fui sempre secretário da Faculdade de Saúde Pública (risos). Depois era para eu ser presidente do conselho, mas o presidente do conselho tinham sete pessoas, eu e um outro candidato, aí falei: “Não vou votar em mim mesmo não é?!”, eu votei no outro candidato e ele votou nele mesmo, eu perdi por um voto (risos) e o doutor Pacheco: “Mas como? Você votou em mim, muito obrigado!” (risos). De jogo de futebol, eu e o meu pai éramos corintianos, então o que a gente fazia? Almoço de domingo a gente almoçava um pouco tarde. Aí a gente tomava o bonde na Angélica, descia em uma determinada rua do Pacaembu que iria cair direitinho na geral, em umas três quadras e aí a gente comprava entrada, tudo isso na hora. Naquela época, cabiam no Pacaembu sessenta mil pessoas, mas não tinha esse limite, aí a gente entrava na geral. Quando estávamos lá para sentar, o pessoal falava assim: “Dá licença pro menino” e todo mundo apertava para eu sentar. Aí ao lado do meu pai estava um palmeirense e a gente não gostava do Palmeiras porque o Palmeiras é adversário do Corinthians, o São Paulo é inimigo (risos). O que acontece, aconteceu alguma coisa pro Palmeiras aí o cara lá do lado: “Olha lá, está vendo? Hoje vai de seis”, aí meu pai falou: “Espera...” ou então: “Olha, marcou gol”, e ficava aquele negócio. Agora, você sabe por que a curva do Pacaembu se chama curva do Corinthians? Porque ali ficava a bandinha do Corinthians (risos) e a do Palmeiras ficava na geral embaixo de onde hoje é a cabine de “coisa”, fica bem no meio da geral. Imagina uma banda aqui, outra ali, hoje o que aconteceria? (risos) E a torcida toda misturada e a do São Paulo ficava na frente e já era mais granfininha. A coisa funcionava assim, o bêbado entrava em uma delegacia embaixo da geral, até acabar o jogo e o portão monumental que era aquele, ficava fechado. Então, quando faltavam uns quinze minutos para acabar o jogo, abriam o portão monumental, aí os duros entravam, então o pessoal fazia: “Ô vagabundo, vai trabalhar. Ô duro sem vergonha (risos), vai trabalhar para comprar entrada e ver desde o começo!”. Aí abriam a porta aqui de baixo: “Ô bebum, pagou e não viu o jogo?”, e era uma bruta farra isso. Aí saía todo mundo junto, comentando o jogo e aí a gente voltava a pé.


P/1 – Mas o jogo em si, como é que era ver o jogo no estádio nessa época?
R – Bom, você ficava vendo o jogo e era como hoje: “Ô ladrão, ô filho disso, sua mãe, juiz sua mãe!” (risos), xingava bastante né, mas só xingava sentado, não ficava jogando nada, jogando pedra, um dos dois ganhava. Quando um dos dois ganhava, quando marcava o gol, todo mundo: “Ôôôô”, aquela algazarra danada. Mas era muito mais confortável você assistir o jogo apertado do que hoje, porque a grade do Pacaembu ficava com três fileiras, todo mundo assim envolta da grade do Pacaembu olhando o jogo, mas ninguém pulava, não derrubava, nada disso.
P/1 – Entendi.
R – Havia uma vez… Ah, e vendia bebida. O que havia era mais respeito, não só pelo camarada que estava junto com você, como havia respeito e medo da polícia.
P/1 – Entendi.
R – Havia medo da polícia. Na Rua Fortunato quando aparecia uma rádio patrulha, que eram aqueles Fordes 1942, 1946, pintados de preto e branco, todo mundo desaparecia e como ali na Higienópolis, ali naquela esquina da Higienópolis com a Rua São Vicente de Paula, ali havia uma casa que era a sede da guarda civil, muitos guardas desciam pela Fortunato. Então, quando aparecia um guarda civil, todo mundo ficava sentadinho, quieto. Hoje o cara joga pedra.
P/1 – Entendi.
R – Esse problema é um problema de escola também, porque na Santa Cecília há um grupo escolar que eu conheço desde que eu nasci, era em uma casa estilo francês, que havia bastante, aí derrubaram essa casa para fazer um prédio e construíram do lado um grupo escolar. Acontece que esse grupo escolar, acho que ele foi feito em 1950 e tem o mesmo número de salas hoje, do que havia em 1950, só que na Rua Fortunato, naquela região não haviam prédios, hoje há um monte de prédios e um monte de criança. As crianças que estavam no grupo escolar, que eram meus amigos, eles iam a pé, a mãe não ia buscar. Hoje, você passa lá na hora da entrada, da saída, é um montueiro de gente porque não fizeram outro grupo. Então, você tem ali na Santa Cecília o grupo escolar e lá na Barra Funda, na Vitorino Carmilo, tem um outro grupo escolar, mas eu não sei se aumentou. Na igreja Coração de Maria havia um colégio que tinha ginásio, primário, que era o Claretiano, depois eles fecharam esse colégio e fizeram uma faculdade, porque a faculdade rende muito mais do que o colégio, então, aí não tem mais nada! Na São Vicente de Paula fizeram um colégio, que é um colégio já de elite, mas é um colégio de gente que não vai ao grupo escolar.
P/1 – Senhor Domingos, deixe eu te perguntar uma coisa que até agora a gente não tinha falado, e as namoradas? Como é que eram as namoradas, os namoros?
R – Ah, as namoradas, você andava com as namoradas. Quando você ia no Cine Royal, então você via onde a namorada sentava, aí você sentava atrás. Aí você saía do cinema e falava: “Ah, a minha namorada” (risos), era isso, quer dizer, não tinha namorada. Eu também não fui muito de ficar namorando. Lá tinha uma menina linda, desde que ela mudou para lá ainda ela morava na casa mais bonita, o meu amigo Toninho era apaixonado por essa menina (risos). Bom, depois foi indo, aí eu morava em um prédio, eu morava no oitavo andar e ela morava no sexto andar, no fim a gente foi ficando amigo e saía sempre junto, mas isso aí não era namorar. Saía porque não tinha com quem sair, eu também não tinha com quem sair. Esse Toninho tinha um bar ali na Pompéia, Alfonso Bovero, ele tinha um bar ali, então o que eu fazia, se ela ouvir isso, o marido dela... (risos). Bom, eu tinha carro e eu ia lá no bar do cara, ia lá e ficava conversando com ele e levava a moça junto (risos) e aí quando estava lá, eu punha a mão no ombro dela e ele ficava assim (risos), mas eu ia por farra né, nunca tinha nada e depois voltava, saía junto, passeava de vez em quando, mas era amiga, amiga de verdade.
P/1 – Está certo. Depois que o senhor voltou de Bauru, o senhor casou, como é que foi?
R – Aí, eu voltei de Bauru e no final da história tinha um filho de um primo da minha mãe que morava em Descalvado. Acabei ficando amigo dele, muito amigo, ele acabou me levando para Descalvado e aí eu casei.
P/1 – Em Descalvado?
R – Casei lá em Descalvado.
P/1 – Então, antes de ir para Descalvado, deixe eu te perguntar algumas coisas, aí a gente já chega em Descalvado. O senhor falou um pouco da política em 1970, eu queria te perguntar, 1964 foi um ano de muita mudança?
R – Eu sempre fui da Arena, mas sem espalhar o fato, eu não ia falando para todo mundo. Eu tinha um amigo que era diretor do DOPS, quando alguém pedia alguma coisa, eu telefonava para ele: “Ô deixe eu ver”, aí ele ligava para mim e falava: “Fala para esperar em tal e tal lugar, assim, assim, assim”, e conseguia, depois conseguia tirar algumas pessoas do DOPS, quer dizer, o que eu fazia era isso, ajudar os outros.
P/1 – Mas foi um período difícil, um período tenso? Como que o senhor via?
R – Olha, para mim foi um período muito bom, primeiro que eu fazia o que eu gostava bastante que era fazer política universitária e estava na saúde, quer dizer, então eu tive muita coisa. Eu ajudei muito, aí nesses retratos que eu mostrei, falei aqui no Rotary, foi porque estava sendo construída a Maternidade de Campinas e ela estava mudando, ela estava sendo construída perto ali da Luizinho Maia. Então, naquela época eu, através de um deputado, será que eu posso falar o nome dele? Acho que pode né? Ele era muito meu amigo também, ele que me levou para Secretaria...
P/1 – Pode, não tem problema.
R – ...eu que fiz a campanha política dele, o Júlio Aneli. Através dele eu conseguia arrumar dinheiro, nessa época eu consegui arrumar para construir a maternidade, cinquenta mil reais, era dinheiro para caramba na época e como eu consegui através do Rotary, quer dizer, como o deputado era rotariano, falou para ele: “Vamos dar através do Rotary”, eu dei aquele jantar que estava tendo, foi quando nós demos o dinheiro para ele. Como eu tinha um amigo campineiro, aquele que está ao meu lado, depois ele foi juiz de direito, eu fui lá, dei esse dinheiro, consegui arrumar dinheiro para maternidade, arrumava um monte de coisas, prédio da Santa Casa de Descalvado, arrumava bandinha de música para curso primário, leite. Todas as coisas você consegue fazer através de você dar… E quando entrei em Osasco, que eu fui ver o depósito onde tinha toda comida para creche e escolas, olha, tinha mais de três toneladas de comida, de macarrão, tudo carunchado, que primeiro eu resolvi dar pro Parque da Água Branca, você sabe que os caras foram olhar e não quiseram a comida? Nem para dar para bicho. Aí, falei com o Zoológico e ele não quis. Sabe o que eu tive que fazer com o que estava lá, mais de três toneladas? Enterrar, enterrou-se três toneladas de comida em uma cidade que não tinha banco, não tinha hospital, não tinha escola, já eram todos pobres, quer dizer, alguém deixou isso e quem é que pagou? É que não toma conta, eu acho que não toma conta, o cara precisa ficar em cima porque não adianta.
P/1 – Entendi. E senhor Domingos, trabalhavam seu avô e seu pai na fábrica?
R – Assumiu, depois meu pai comprou da família e a gente ficou lá. Voltando à Praça Buenos Aires, a gente ia muito lá na praça e outra coisa, você conhece a Praça Vilaboim?
P/1 – Sim, sim.
R – Na Praça Vilaboim tinha bonde, não era isso aí, era tudo cheio de casa. Tinha um bonde, Vila Buarque que passava pela Avenida Higienópolis, não sei direito como ia e depois ia na Praça Vilaboim. Se você olha a Praça Vilaboim, sabe onde tem o jornaleiro?
P/1 – Sei.
R – Você atravessa a rua ali no jornaleiro, você vai ver que tem um portão de ferro e dois pedaços de ferro no chão, dá uma reparada, é que o bonde vinha e…
P/1 – E passava...
R – Ele dava marcha ré para voltar, ali é onde ele fazia a manobra. É uma praça muito simples. Agora é que ficou um point né?
P/1 – E aí o senhor foi para Descalvado e o que te levou para Descalvado, o que te fez...
R – Quem levou para Descalvado foi o Zézinho.
P/1 – Mas pro senhor, o que te fez sair de São Paulo, além dele convidar? O senhor estava insatisfeito, o senhor queria...
R – Não, para ir para lá? Eu ia para lá porque tinha baile (risos), eu dançava, essas coisas e aí eu acabei casando. O Zézinho é um sujeito formidável, um cara espetacular, no que ele fez, ele é o melhor, na profissão dele, ele é o melhor de todos, ganhou todos os prêmios...
P/1 –

O que ele fazia, o Zezinho?
R – Ah, não vou falar o que ele faz (risos).
P/1 – Aí o você foi para Descalvado então e como era Descalvado? Conta um pouco sobre essa ida para lá.
R – Descalvado, era uma cidade pequena, ela foi a segunda cidade do Brasil, em produção de café, até uma determinada ocasião, acho que 1904, 1916, 1918 porque na cidade começou a acabar o café. Então, foi quando o pessoal saiu de Descalvado meu avô, uma porção de gente, senhor Magali, eles saíram de lá, muitos foram para Campinas porque a cidade estava sem dinheiro e a cidade era uma cidade em que todos os senadores, fazendeiros, eram ricos, tinham fazenda em Descalvado. Outra coisa, eles fizeram o seguinte, que o trem da Paulista terminasse o percurso dele em Descalvado, não foi até São Carlos porque São Carlos tem uns trinta quilômetros depois. Se fosse mais para lá, em São Carlos, não tinha outra linha da Paulista, então ficou uma cidade de fim de linha e a cidade de fim de linha, ela vai perecendo… E esses caras de fazenda, esses brasileiros, de quatrocentos anos, a carruagem parava do lado contrário da estação, ele não descia do lado da cidade, descia do outro lado e nem passava pela cidade (risos). Depois foi uma cidade de tecidos.
P/1 – E lá o senhor fazia o que?
R – Eu não fazia nada, só ia namorar (risos)
P/1 – Só foi para namorar (risos)? Você chegou a viver lá?
R – Não, não.
P/1 – Morou lá há algum tempo? Ah, você foi passar um tempo lá?
R – Não, nem passei um tempo. Eu ia para lá no sábado com esse camarada, ficava na casa.
P/1 – Ah, agora entendi!
R – E ainda explorava ele porque eu ficava na casa dele já, do seu Edebrando e da dona Lurcilinha, que são uns caras espetaculares. Essa dona Lurcilinha então, ela ajudava todo mundo, era formidável. Eu ia para lá, ela fazia pimentão recheado porque era o que eu gostava, tratava de uma forma espetacular. Olha, se fosse eu Pô, o cara ia às vezes, até sozinho lá, eu não aceitava mais o cara lá, (risos). Mas ia o pai, o marido dela, que era o primo da minha mãe e a minha mãe ia muito também para lá, porque o pai dele era irmão do meu avô de Campinas, era Gargantini, a dona Gina e o senhor Quiqui que era o marido dela, que era padrinho também da minha mãe, ele era da banda, ele era o maestro da cidade. Todos os filhos dele, netos, todos eles tocavam, era legal porque todo mundo tocava.
P/1 – E aí me conta então o principal, como é que o senhor conheceu sua esposa?
R – É, eu conheci a minha esposa porque eu fui no baile, ela era bonitinha, aí vai conversar daqui e ó, puseram a corda no meu pescoço, casei né? (risos)
P/1 – Como é que foi esse período, até o casamento?
R – Ah, eu ia lá namorar de mão dada e até que foi bom (risos).
P/1 – E aí casou aqui na Santa Cecília?
R – Casei lá em Descalvado.
P/1 – Casou em Descalvado.
R – Aí em Descalvado foi uma festa espetacular, ainda um primo da minha mãe que era diretor da cooperativa de frango, que lá era a terra do frango, cedeu a sede da cooperativa, eu não paguei nada. Tinha tanta gente na cidade que teve gente que foi dormir em Pirassununga (risos), porque todos os hotéis estavam lotados, mas foi interessante lá.
P/1 – E aí vocês vieram morar aqui em São Paulo?
R – É, aí já casei e fui morar aqui em São Paulo, foi a primeira vez que eu saí da Rua Fortunato porque fui morar na Veridiana, mas só quatro anos, depois eu já mudei para lá.
P/1 – Aí o senhor voltou a morar na Fortunato depois?
R – Aí eu morei na Fortunato e estou até hoje lá (risos).
P/1 – E nesses quatro primeiros anos que você saiu de lá, do que sentia falta, como é que foi esse começo de vida de casado?
R – Ah, os primeiros dias de casado eram bons (risos) porque nenhum dos dois conhecia os defeitos do outros, mas a vida de casado é divertida. Depois eu tive uma filha, só tive uma filha porque a minha mulher teve alguns abortos, talvez tenha tido esses abortos porque eu fumava quatro maços de cigarro por dia, inclusive dormia fumando e acordava fumando. Fazendo curso de saúde pública e todo mundo falando, falando e mostraram tudo, que até pulmão de cara que fumava, não sei o quê, e no fim eu parei de fumar. Sabe como eu parei de fumar, quer que eu conte?
P/1 – Conta!
R – Eu ia descendo do escritório e encontrei o Clóvis, que era muito meu amigo e já estava com problema de perna, às vezes fazíamos muitas coisas juntos e ele estava passando em frente ao meu escritório com um amigo dele e eu falei: “Onde você vai, Clóvis?”, “Ah, eu vou dar um ponto na orelha que é para parar de fumar”, “Quanto custa?”, “Ah, custa tanto”, “ Pô, é caro hein?!”, mas eu fiz as contas davam vinte dias de cigarro se eu parasse de fumar e era caro, eu fumava quatro maços de cigarro por dia. Aí saí de lá e fomos no dito médico, aí tinha que jogar o isqueiro e o maço de cigarro fora. Olha, eu estava com um ou dois cigarros e estava com um e joguei tudo, quase que eu abaixei e peguei, porque na época o que valia era isqueiro Rolt, lá tinha uns dois ou três, quase que eu peguei (risos). Aí, você vai para uma sala, o cara fala, fala, fala, um monte de coisas e eu falei: “Eu já sei tudo isso e o cara repetiu tudo”, aí vai para outra sala e aí ele fala, fala, fala e dá um ponto na orelha com aquela linha que dissolve e cai sozinha. Aí falou você não pode beber, não pode fumar, não pode comer pimenta, não pode comer isso, não pode tomar cerveja, café, um monte de coisa. Aí descemos eu, meu amigo e o filho dele, descemos, ele passou em um bar e tomou um copo de água e eu tomei um café, ele falou: “Ah, você vai tomar café, ele não disse que faz mal?”, “Vou tomar para ver se faz”. Tomei o café. Aí a gente costumava comer ali na Liberdade, uma ou duas vezes por mês, aí ele falou: “Vamos comer na Liberdade?”, que era uma quarta-feira, “Vamos amanhã?”, “Vamos”. Ele tomou água e eu tomei cerveja, não podia nem tomar guaraná, hein?! E eu tomei cerveja e de repente, eu não fumei mais, eu parei de fumar, quer dizer, desde aquele dia em que eu dei o ponto, eu parei de fumar. Ah não tinha vontade de fumar, não fumava, eu olhava pro cigarro mas não comprei, parei de fumar, ele morreu. Um ano e meio mais ou menos, esse meu amigo morreu porque ele não parou de fumar e ele já tinha alguns problemas, mas eu parei de fumar. Agora, se você me perguntar: “Como é que o senhor não fumava?”, eu vou de falar: “Ah, sei lá como é que eu parei de fumar” (risos). Parei, não comprei mais cigarro, quer dizer, parei por sorte porque senão já estava morto.
P/1 – E esse período, então, do começo do casamento, o senhor continuou trabalhando com política, o que o senhor fazia?
R – Não, agora?
P/1 – O começo do casamento, aqueles quatro primeiros anos que você mudou para outra rua e depois voltou?
R – É, quando eu mudei para outra rua eu estava em Osasco, na Secretaria da Saúde e tinha um escritório de advocacia. Trabalhava bastante e depois que trabalhava, ia para Descalvado que era longe, ia para cinema, ia muita gente na minha casa. Eu tinha amigo e a gente fazia jogo de baralho, depois tinha uns outros amigos que a gente tinha conhecido quando nasceu a criança, que era o mesmo médico, essas coisas. Tinha o pessoal que achava que conhecia whisky para chuchu, então pegava Drury’s, botava licor dentro do whisky, “Hum, que whisky bom”, é claro que fica melhor, é docinho né? O cara acha que é ótimo (risos).
P/1 – E seu Domingos, agora eu lembrei que o senhor foi para a Bolívia, isso foi antes, foi depois essa viagem para...
R – Não, para Bolívia fui eu, eu arrumei tudo desde a passagem de São Paulo.
P/1 – Como que surgiu a ideia, primeiro de ir para a Bolívia?
R –

Eu estava junto com o pessoal do segundo ano da faculdade de direito. No terceiro ano eles haviam ido para a Bolívia, aí quando eu saí de lá eu falei: “Eu vou para a Bolívia e vou com tudo de graça”, aí falei: “Quem quer ir, quem não quer ir?”. Todo mundo queria ir e aí eu comecei a procurar as coisas em São Paulo. Aí eu fui na Secretaria da Educação, arrumei uma porção de coisas, depois eu fui na Companhia Paulista de Estrada de Ferro, aí eu arrumei para mim e para um outro, um passe para ir de graça de São Paulo para lá (risos). Aí, fui na Noroeste que ia até Corumbá, então arrumei um leito lá, mas no final da história fui eu, o Bento e outro cara chato pra chuchu, nem sei se está vivo ou se está morto. Eu estava passando ali no Viaduto do Chá e encontrei um amigo meu, José Sérgio Rodrigues Alves, que é meu amigo até hoje e falei: “Ô Zé Sérgio, eu vou para a Bolívia”, “Como é que você vai para a Bolívia?”, “Quer ir? É tudo de graça”, “Ah, então eu vou. Quando é que vai?”, “Vai tal dia”, “Então, vamos embora!”, já vai de trem daqui de graça, depois nós pegamos o trem e fomos para lá. Quando foi para pegar a Noroeste, nós pegamos a Noroeste, só que nós compramos umas garrafas de pinga e a gente ia lá pro maquinista e dava pinga para ele. Quando nós chegamos em Corumbá, a estação estava às escuras porque o trem chegou duas horas atrasado, teve que ir todo mundo para lá. Aí saímos de lá e fomos para um hotel, até conseguir o trem, que chamava Trem da Morte, que é um trem que saia de Corumbá e ia até Santa Cruz de La Sierra. Aí eu consegui, junto à companhia de trem, que eles fornecessem para gente um vagão, para não ir junto porque havia uma feira, não sei se ainda tem, dos bolivianos, eles traziam mercadoria para Corumbá e ali eles vendiam as coisas e depois iam, mas era uma bagunça danada no trem, então a gente conseguiu esse vagão. Quando nós fomos na Noroeste até Corumbá, a gente conheceu umas meninas que estudavam no Rio, que estavam lá e que eram de Corumbá. A gente fez amizade e depois quando nós chegamos em Corumbá, elas convidaram a gente para ir almoçar na casa delas. Então, um pessoal que não devia ser muito pobre, não é?! (risos) Tinha uma vez que tinha um senhor que era parente delas, que estava montando uma fábrica de cimentos em Corumbá, eu só sei que nós ficamos quase uma semana lá vendo essas coisas e também estávamos numa moleza danada, era tudo de graça, quer dizer, estava bom né? Até o hotel eles pagaram para gente. Agora, a cidade é muito bonita, mas é um calor porque acho que não está nem a oitenta metros do nível do mar e tem um riozão lá, é um calor danado, a cidade é um inferno, mas é muito bonita a cidade. Ali é um povo bem agradável e um povo rico também, porque eles não fazem questão de não convidar você, de não pagar tudo. Dali nós fomos para Santa Cruz de La Sierra, quando chegamos eu fui a prefeitura, já consegui hotel de graça e fomos indo. Eu tinha levado um monte de coisas para dar pro prefeito, para ir distribuindo né, coisa do Brasil, bandeira, coisa do São Paulo, um monte de bandeiras para não fazer muito volume e aí fui distribuindo e aí cheguei a tudo de graça. Então, depois de Santa Cruz de La Sierra, aí já havia aquele cara que é chato, aí já briguei com ele porque ele queria que eu desse as coisas para ele ir lá na prefeitura para falar: “Não vai nada, pois fui eu que fiz tudo”, aí ele e o Zé Sérgio, porque ficou eu e o Bento, esse cara e o Zé Sérgio, tomaram outro rumo e eu tomei o rumo com o Bento. Aí nós fomos de Santa Cruz de La Sierra de trem para Cochabamba, pela Transandino, que é um trem que vinha de Buenos Aires e é tudo argentino lá, trem, tudo e ele ia até La Paz, aí paramos em Cochabamba que é uma cidade muito bonita. De Cochabamba nós pegamos o avião do Correio Nacional, fomos para La Paz, puxa é uma dureza para andar lá, viu?! Rapaz, senti mal, não sei o que eu tinha, não foi problema de altura, foi problema de estômago, estava lá no hotel e: “Não estou bem”, “Ah, espera aí que eu vou fazer chá de coca”. Na hora passou porque a coca naquela época, quando eu fui, há cinquenta anos, não era usada como usam agora, você não ouvia falar nisso “coca, coca”, se tinha era muito escondido. O que o inca usa é mascar a coca...
P/1 – É, mas ainda usa.
R – Você já foi para lá?
P/1 – Já
R – Ah, você já foi? Ah, então...
P/1 – Mas eles ainda mascam, é o mesmo procedimento.
R – Eles mascam aquilo lá por causa de andar. Aí, lá em La Paz, ficamos indo para Portosi, onde tem as minas de carvão, e na época estavam alguns americanos lá para estudar porque que aquele líquido que sai da mina não corrói uma madeira que tem na Bolívia, mas ninguém descobriu porque aquilo lá foram os incas que fizeram. Dali nós fizemos uma porção de viagens, fomos para Titicaca, fiquei andando bastante por lá.
P/1 – Que legal!
R – Acho que ficamos uns quarenta dias viajando, aí na volta nós tomamos o avião da CAN (Correio Nacional) e viemos para São Paulo.
P/1 – Deixe eu dar um salto cronológico aí, voltar no tempo do casamento. Agora, o senhor já estava casado, já estava em Osasco, eu quero saber agora o período que o você saiu de Osasco e voltou a morar na Fortunato.
R – Não, eu nunca morei em Osasco.
P/1 –Você trabalhava em Osasco? Você morou na, como é o nome da rua?
R – Eu trabalhava em Osasco, eu ia de carro. Eu morei só quatro anos na Rua Dona Veridiana.
P/1 – Isso, na Rua Veridiana.
R – Depois mudei para Rua Fortunato, nasceu a minha filha, depois que nasceu a minha filha eu fiquei morando bastante tempo lá, em um prédio, um prédio até muito legal e depois dali eu fui pra, aí já fiquei rico, aí mudei para Santa Cecília porque a Veiga Filho, não é Higienópolis, é Santa Cecília. Higienópolis é da Higienópolis para cima, e eu estou para baixo, não fiquei rico.
P/1 – (risos) Entendi. O senhor falou agora da filha, como é ser pai? A experiência de ser pai?
R – Minha filha agora mora na Inglaterra porque ela foi contratada, ela trabalhava na Comgás. E quando ela trabalhava na Bolsa, ela fez um leilão da Bolsa, daí ela foi para Comgás e da Comgás ela foi para G.O., quer dizer, a G.O. é o grupo da Comgás, de perfurar lá o mar, aqueles troços todos e ela recebeu um convite para ir para Inglaterra e ela foi. Ela mora em Hemingway, não sei como é que chama mas não é cidade, fica a setenta quilômetros de Londres, oitenta, mas não é cidade porque não tem catedral. Na Inglaterra eu não sabia que precisava ter catedral para virar cidade (risos). É uma cidade pequena, é uma cidade de universidade, ela mora em uma cidade espetacular, mora em uma rua que tem uma faculdade na frente. Você não escuta um barulho, a rua é estreita e tem um lugar que pode parar carro, não cabem dois carros cruzando, quando um vê o outro, um acende o farol para primeiro passar um e depois passar o outro. Eu nunca vi portão fechado, eu vi flor nascer e morrer, não tiraram, caiu (risos). Aquelas velhinhas cuidando da flor, quer dizer, quem fazia a maior farra lá era eu, porque eu pegava maçã na rua e ensinei a minha neta a pôr na rua pro carro passar em cima e tinha inglês que parava (risos), é outro mundo. Meu neto não fazia isso porque ele não é dessas coisas, ele tem medo (risos).
P/1 – Aí o senhor falou que aí mudou um pouco a sua situação financeira, o senhor mudou de lugar aqui em São Paulo? Aqui em São Paulo, você morava em um predinho que você falou, teve a filha, como é que era essa vida?
R – A minha vida sempre foi muito boa, primeiro porque eu nunca tive problema: “Esse aí não tem dinheiro”. Outra coisa, sempre me habituei a gastar o que eu tinha não o que eu não tinha, quer dizer, eu tive uma vida muito boa, só pelos carros (risos): Chevette, eu tive Puma, Pumão, não Puminha né (risos)? Mas uns carros mais do ano. Eu sempre tive uma vida boa, eu viajava bastante, tenho uma casa lá em Valinhos...
P/1 – Mas foi quando o senhor era casado que o senhor assumiu a fábrica ou continuava trabalhando na Secretaria da Saúde?
R – Não, eu assumi a fábrica, quer dizer, meu pai morreu e eu tinha um empregado, um tal de Nicola, tinha dois empregados, quer dizer, antes eu tinha alguns empregados na oficina que se eu não aparecesse era melhor do que eu aparecer. Aí depois foi piorando, quer dizer, agora é uma porcaria (risos), mas tinha alguns empregados formidáveis, uns caras formidáveis.
P/1 – Eles tocavam a fábrica?
R – Aí, ficava lá na fábrica, passava a noite, tinha um contador muito bom, passava a noite lá para ver o que tinha acontecido, para ver se tinha compra para fazer ou mesmo esse Nicola fazia conta e depois falava: “Você precisa me pagar tanto!” (risos). Era outro mundo, né? Eu tinha vinte e dois empregados, fazia mais ou menos oitenta, cem mil bastidores por mês e entregava depois de vinte dias, mas hoje caiu muito, quer dizer, o país está se acabando porque com essa importação que tem de China, tudo isso, o que falam que nós ultrapassamos a Inglaterra né? Olha o lucro de economia, eu não sei se é ou não, né?
P/1 – É, eu não sei também. Mas o senhor diz isso porque até hoje a fábrica continua funcionando, não é?
R – É, hoje está funcionando, mas madeira já está difícil de você conseguir, a coisa está ficando meia apertada, quer dizer, eu estou com quanto? Acho que eu estou com onze, doze empregados, fabrico trinta, quarenta mil bastidores por mês. A 25 de Março está murchando e outra coisa, essa parte que está chegando de coreano, eles estão murchando com a 25 de Março, porque lá o que existe é o seguinte, o cara importa a mercadoria, coloca nos galpões da rua, a rua que vendia queijo, ali no Brás. Depois, quando chega a noite, para na 25, encosta o caminhão, porque eu tenho também ali uma pequena administração, encosta lá no coreano, o coreano paga cem mil reais por um ponto e acabou.
TROCA DE FITA
P/1 – A gente falou um pouco do casamento, falou da fábrica agora. Eu queria que o senhor contasse um pouco da infância da sua filha, como foi esse período.
R – Ah, para mim foi espetacular (risos), primeiro que ela era muito boa, eu levava na escola, ia buscar, mas ela é completamente diferente de mim e também da mãe dela porque ela é muito boa. Eu nunca falei para ela: “Ô vai estudar”, eu sempre sabia das coisas depois, eu falava para ela: “Faz direito, se você fizer direito você vai passar no exame do que você quiser! Você vira em um instantinho desembargadora”, “Ah, eu? Não quero nem saber de advogado!” Porque no fim ela foi trabalhar sem eu saber também, né? “Olha, eu não, não posso nem conversar com advogado porque uma hora ele fala que um é dois e depois ele fala que o dois é um! Não vou!” (risos). Aí ela foi fazer Economia, fez Economia na USP. Também nunca perguntei para ela, só fui na formatura, nem pagar eu pagava porque ela estudava na USP né? Eu tinha uma Caravan, então dei a Caravan para ela (risos) e ela reclamava da Caravan e eu estava passando com ela na Duque de Caxias, aí tinha uma Caltabiano, aí na Caltabiano tinha um Jipe Gurgel, falei: “Você quer aquele carro?”, acho que ela pensou: “Entre a Caravan e esse pequeninho, eu quero!”, “É barulhento!”, “Ah mas eu quero!”, eu falei: “Quer? Está bom, então dê uma volta”. Foi lá, o carro tinha uns dois mil quilômetros, ela entrou no carro, deu uma volta e aquilo lá: “Vruuum”, um barulhão danado, é de plástico puxa! “Ai eu quero”, “Então você quer, quanto custa?” Tal, paguei (risos). Ela viajou para todo lugar porque ela ia muito para praia, aquilo lá era uma delícia para ela para ir de jipe até as praias do litoral norte, agora tá lá em Valinhos. Mas ela nunca deu trabalho, ela foi sensacional e tudo o que ela foi ela passava, tanto que ela virou para Comgás porque ela estava na Bolsa de valores e fez o primeiro leilão da Bolsa de Valores, acho que ela tinha trinta e oito anos? Acho que nem isso, porque acho que ela ainda era solteira e é aí que ela foi para Comgás. A Comgás foi comprada pela G.O., por esse grupo, e fez uma oferta para ela ir lá para Londres, quer dizer, o marido dela também não tem muita importância porque a família dele tem alguns imóveis e ele toma conta e ele escreve peça de teatro. Inclusive, ele tem até um teatro e agora ele está escrevendo uma ópera e vai sair porque ele já entrou em contato com o tenor. Ele vira e mexe vai para Nova Iorque porque a coisa vai ser lá em Nova Iorque, então ele vai lá conversar com o tenor, quer dizer, está o maior cuca fresca (risos).
P/1 – Hoje a gente falou bastante do Centro, de tudo que mudou. Do que você sente falta, o que você olha que dá saudade?
R – No Centro?
P/1 – Mesmo na Fortunato.
R – Ah, na Fortunato eu sinto saudade de tudo. Cada vez que eu olho eu olho pro asfalto, cada vez que eu olho eu olho para prédio, não tem mais amigo, não tem nada, quer dizer, só tem um amigo que tem um negócio na Fortunato de cima, que é um cara que se você precisar consertar qualquer rádio, vai lá que ele conserta, ele conserta para essas multinacionais. Bom, mas é o único amigo que eu tenho, quer dizer, o resto eu não tenho mais nenhum amigo né, nada, não tem mais nenhum, não mora mais nenhum. A dificuldade maior que eu acho é andar a pé, por exemplo, eu com oito anos de idade, ia eu, um amigo meu, que o pai dele era médico de criança, e por sinal esse camarada ficou catedrático de médico de criança da USP, e eu ia a pé com ele para escola, para Caetano de Campos, da Fortunato para Caetano de Campos. Atravessa o Largo do Arouche, a Rua do Arouche que é a rua da Chica, Rua do Arouche também né, ia lá para a escola, voltava à pé com a mãe de um, a mãe de outro, quer dizer, não havia esse problema. Quando eu estava no jardim da infância, na Caetano de Campos, quando chegava a páscoa, a Avenida São Luís, não era assim desse jeito, era Rua São Luís. Onde tem a Biblioteca era a casa do bispo, e a Caetano de Campos, passava aquela metade da, a rua tem duas metades, é separada, aquela metade quando você vai do lado esquerdo, ali ainda era o jardim da Caetano de Campos. Ali quando chegava a páscoa, eles distribuíam pro pessoal do jardim da infância um ovinho e você ia pegar o ovinho ali (risos). O mundo era outra coisa, por exemplo, posso falar da Praça da Sé?
P/1 – Pode.
R – A Praça da Sé era tudo diferente, a Praça da Sé era chique, tinha casa fachada, tinha exposição, tinha a Casa São Nicolau, que vinha presidente, tinha o meu dentista, que era parente da minha mãe, e tinha exposição. A Rua Direita, a Casa Color, você já ouviu falar em colarinho turbenizado, já conheceu isso? Ah você conheceu?
P/1 – Conheci pelo meu pai, só de ouvir também.
R – É? Então, é um colarinho que não deformava, tinha a Ducal que era uma que vendia calças, tinha o Cine Alhambra, tinha um cinema na Rua Direita, tinha a Rua São Bento, tinha o Fotoleo, tinha umas casas boas. Uma outra coisa, havia uma época em que a Rua Direita era a rua do footing dos pretos. É, sabe o que é footing?
P/1 – Sei, fazer footing...
R – Era a rua dos pretos e a Badaró, São Bento, era a rua dos brancos. Na Sebastião Pereira, em frente ao Cine Royal, havia aos domingos um footing. As mulheres ficavam paradas e os homens ficavam andando. Em Campinas também, posso falar de Campinas?
P/1 – Pode.
R – Em Campinas também havia o footing na Rua Conceição, em frente à sorveteria Sônia. Então, eu ia com as minhas tias e elas ficavam paradas lá e os homens ficavam passando. Ali também, encostado na parede, ficava o Carlito Maia, já ouviu falar no Carlito Maia? Só se desligar, aí eu conto (risos). É meio chata viu, mas era muito para Campinas, quando Campinas era boa porque depois ficou uma cidade grande e as avenidas que abriram, elas terminam sempre em um paredão. Só tem duas que continuam que é a Orosimbo Maia e uma outra que passa lá pelo shopping.
P/1 – Senhor Domingos, deixe eu te perguntar uma coisa, eu vou começar a caminhar um pouco pro final. Eu notei um pouco que o senhor falou sobre a experiência de ser avô, você contou as histórias avô, as brincadeiras com os netos. Qual a diferença de ser avô para ser pai?
R – (risos) Ah, o neto é o filho doce, porque os meu netos são muito doces.
P/1 – Está certo.
R – Só que eles estão longe né?!
P/1 – Você contou um pouco da brincadeira da maçã, que você ensinou essas coisas para sua neta...
R – A minha neta, ela é fofoqueira (risos), brava, então lá na Inglaterra ela não estava se dando bem porque primeiro no colégio que eles estão, ela não está em classe só de inglês, ela está numa classe dos que estão se adaptando e ela é muito levada, reclamava: “Ah, as meninas falam depressa para eu não entender o que elas falam”. Então foi nadar, a professora ficou brava com ela,

“Por que a professora ficou brava com você?”, “Ah porque ela queria por bóia em mim e eu não queria e pulei dentro da água e saí nadando”, porque ela nada bem, ganhou bastante prêmio aqui, e lá ela está ganhando. Agora, meu neto não, o André ele é calmo, sossegado, estudioso e muito agradável, minha neta já é brava (risos). Aqui eu passeava sempre com eles, que dizer, fiquei sem neto! Eu fiquei sem neto e não tem ninguém para mim, porque eu sempre cuidei dos meus primos, “Você lembra quando eu fiz isso?”, agora não tem né, então fica meio chato. Fica só eu e a minha mulher, aí é complicado.


P/1 – E senhor Domingos, a gente falou de várias coisas da sua vida, lógico que não de tudo, mas o que te fez vir no Museu, o que te levou a contar sua história?
R – Porque o meu neto fala assim: “Ô vô quanta história!” (risos) e meu sobrinhos também, essas histórias eles conhecem todas. Tenho um sobrinho que ficava assim, primo, eu contava história para primo, eu levava primo para passear de bonde por lá em Campinas. Todos eles, quer dizer, não tinha exceção, nada, as minhas sobrinhas, minhas três irmãs que tiveram que ficar na minha casa, essas histórias todas, ficava sempre junto com elas, né?


P/1 – E como é que foi para você a entrevista, como é que você se sentiu? Foi bom, você gostou...
R – Ah, achei muito legal. Se você quiser mais coisas da cidade inteira, aí eu começo a contar da cidade, nós vamos parar até na Avenida Palhoca, vocês vão ficar sabendo como é que assaltaram a São João, como é que tinham as ilhas da Avenida São João, quando passavam os bondes paravam na ilhas...
P/1 – Está certo (risos).
R – Mercadão, Mercado da Lapa. Puxa, uma história do Mercado da Lapa, posso contar?
P/1 – Pode, pode sim.
R – Logo que eu casei, eu ia aos sábados fazer compra no Mercado da Lapa, aí eu já estava na Secretaria da Saúde e então, em um determinado sábado, eu fui lá. Podia parar carro, não era essa confusão de carro, parei lá o carro. Eu desci e tinha uma pastelaria. Entrei direto e falei: “Me dá um pastel”, comi o pastel, fomos lá e fizemos a compra. Fomos pra casa, almoçamos e tudo isso. “E agora, o que eu vou fazer sábado? Não tem nada para fazer!”, aí eu telefonei para Secretaria da Saúde, fui… Comando Sanitário… E não é que os caras pararam na porta da pastelaria? E eu fui abrir a porta da geladeira, na hora, eu vomitei tudo! Fala alguma coisa ruim, de bicho, barata? Tinha. Uma sujeira desgraçada, um bolo assim que era a carne que o cara...

FINAL DA ENTREVISTA