Museu da Pessoa

Um goleiro de gerações

autoria: Museu da Pessoa personagem: Zetti (Armelino Donizete Quagliato)

Projeto: História em Multimídia do São Paulo Futebol Clube
Depoente: Armelindo Donizete Quagliato
Entrevistado por
São Paulo, três de dezembro de 1993.
Entrevista nº 019

P - Três de dezembro de 1993, nós estamos aqui no CT da Barra Funda fazendo entrevista com o Zetti para o Projeto do Memorial do São Paulo.

R – Dia três é hoje?

P – Sim, é dia 3.

R - Meu relógio parou. Não, meus autógrafos foram todos do dia dois mesmo. (risos) É...

P – Aliás, você dá bastante autógrafos. Né?

R - Hoje eu fui ao Shopping, lá no Morumbi. Precisava comprar um monte de coisa né? Pra leva pro Japão... Uns parentes que tenho tudo, aí inventei de ir ao Shopping com a minha esposa e meu filho.

P - Você conseguiu passar da entrada ou não?

R - Não, eu fui de manhã e ainda tava calmo, né? O pessoal ficou meio assim, tal, aí quando eu sentei, era tipo onze e meia, pra dar comida pro meu filho. Né? Lá na... Arrumei ali uma mesa, chegou uma excursão de crianças e eu escondido assim. (risos) Eu falei: “Não vão ver, não vão ver”. Nossa, teve um que gritou: “Ó, o Zetti!” aí eu saí rapidinho, fui embora. Eu acho que era uma excursão, tinha um monte de criança, um monte, aí eu não tive paciência, não, e fui embora. Aí não dava, sabe? Fica um negócio, invade muito, aqui não, aqui é gostoso, tá assim esse monte de gente acaba o treino...

P - Você tem um espaço determinado...

R - Aqui já faz parte, né? Faz parte, é a nossa profissão dá continuidade ao que a gente está fazendo... Sair assim às vezes não tem... Eu, às vezes, quero ser um ser normal, quero ir com a minha família pra tudo quanto é lugar.

























P - Está OK, tudo bem, com vocês.

P2 - Zetti, como era a sua infância, onde você morava, em que cidade, seus pais, sua convivência...

R - Bom, eu nasci em Porto Feliz, dormi uns três dias em Porto Feliz e voltei pro sítio. Meus pais tinham um sítio no interior de São Paulo, né? E minha infância até 8 anos foi sabe... É difícil né, principalmente pela dificuldade que existia, com o que meus pais faziam, meus pais trabalhavam com cana, então a minha infância foi assim meio, meio difícil né, não teve nada de... De diferente a não ser brincar, sempre sozinho né, por não ter amigos por perto, nunca pude ter um brinquedo importado, uma bicicleta, principalmente pela dificuldade que existia naquela época, né? Morar dentro de um sítio. Quando eu vim pra cidade, pra Capivari, onde meus pais moram até hoje. Já fazem 23 anos que os meus pais estão morando lá. Foi ali que eu aprendi a conviver, quer dizer, com televisão, com cidade, com movimento de gente, né? Aprendi a estudar aqui, então foi... O que me marcou muito na minha infância foi esse lado de... De nascer no sítio, de nunca ter uma oportunidade, né? De... De conhecer uma cidade grande, e eu fui sair de Capivari com 14 anos de idade, vim pra Campinas, que pra mim Campinas era uma das maiores cidades do mundo, né? Pra quem saiu do sítio, e foi praticamente em Capivari que eu comecei a... Comecei a dar valor a todas as coisas que tenho até hoje. Dar valor ao futebol né. Eu comecei a jogar futebol no Guarani de Campinas, uma... Essa minha infância foi um pouco difícil, né? De... De trabalhar com ela, eu não, eu era muito tímido né, e eu tinha muita dificuldade de me expressar, muita dificuldade de... De sei lá, ter contato, né, com as pessoas, de transmitir alguma coisa, ou conversar profundamente com as pessoas, né? Eu fui aprendendo tudo isso mais com a escola da vida né, foi com o futebol. Comecei a estudar com sete anos... Terminei o segundo grau, eu consegui terminar... Juntando né, com futebol e... Acho que deu certo né, pra estudar, podendo estudar, terminar o terceiro ano e fui jogar futebol também, acho que foi uma coisa que foi difícil o início, né, de conciliar o futebol com o estudo, mas deu pra terminar o estudo.

P - A timidez, da sua infância sozinho lá, que tipo de brinca... Que tipo de lembranças você tem, que você acha solitária?

R - Olha, eu lembro muito pouco assim, acho que eu tinha cinco anos de idade, meus brinquedos eram todos de madeira né? Meu pai fazia mesmo ali pra gente brincar, as rodinhas era de carretel de linha, né, que sobrava. Minha mãe também costurava nessa época, e... Era mais estilo brincadeira, que eu lembro, a gente ia pescar muito né, eu e meu irmão, meu irmão era mais velho, quatro anos é... Mais velho que eu e... Então eu aprendi muito com ele, né? Eu tenho o meu irmão como um ídolo de infância, justamente porque tudo que ele fazia pra mim era uma coisa maravilhosa, então tentava seguir, e eu tive uma educação muito boa né, eu acho que com isso eu aprendi muito né, com os meus pais, meu irmão, e as brincadeiras de infância, eram pequenas e pobres né, justamente pela dificuldade que a gente tinha por morar no sítio, mas eu... Sei lá, na cidade que eu aprendi a brincar, aprendi a produzir, passei a ter brinquedos mais sofisticados, a brincar com bola, eu fui começar a jogar bola com dez anos de idade, brincar na rua, né? Terreno baldio e tudo... Minha infância, eu sei lá, nunca falei muito, nunca pude me expressar muito, mas teve coisas boas, né? Eu acho que eu aprendi muito com o campo, né? Aprendi muito com as coisas da natureza, isso eu tenho até hoje, guardado comigo.

P - Quando você começou a brincar com bola, você já pensava em ser goleiro?

R - Não, eu nunca cheguei a ser goleiro, eu gostava de jogar na linha, eu era ponta direita, né? Só que eu era gordo, eu era meio gordinho, e tinha dificuldade em dominar a bola, eu tinha dificuldade, é... De praticar o futebol né, com os pés, eu sempre tive mais habilidade com a mão, mão direita e mão esquerda, então acho que talvez isso que me deu uma boa coordenação pra chegar hoje a ser goleiro, eu sempre joguei basquete, joguei vôlei, eu pratiquei muito atletismo na época de escola, ganhei muitas medalhas, né, com o atletismo, o basquete, o vôlei, e isso também acho que foi uma base pra... Pra hoje eu ser goleiro, talvez o vôlei eu acho que foi uma grande... Tem uma grande influência né, a posição de goleiro, dá pra citar outros jogadores que trabalharam com vôlei e hoje estão atuando muito bem, né?

R - Na escola, você era um aluno aplicado? Como é que era o seu relacionamento com os colegas?

P - Na escola eu procurava ser aplicado, né? Mas eu nunca fui de estudar muito não, eu era um aluno regular né, conseguia passar de ano, mas sempre precisando da última nota pra fechar o ano, então eu encontrava muita dificuldade pra, pra estudar, pra decorar um texto, eu sempre fui bom em matemática, física, química, né, coisas que tinham fórmulas e contas, né, mais pra decorar coisas de história e de geografia eu, eu não era...

P - Seria o quê?

R - Não, eu nunca gostei muito de... Eu lembro na escola, eu tava me formando, né, no primeiro grau, eu era o orador da minha turma, e foi a maior decepção pra mim, isso foi uma coisa que me decepcionou muito porque eu não consegui ler aquela partitura, né?

P - Foi pegar o mais tímido pra ser o orador?

R – É, que foi um concurso meio de surpresa, né? o professor de português ele tinha que escolher um aluno, que tinha voz grossa, voz alta pra ler na frente junto com a missa, né? Com o padre e tudo, mas todos nós, como estávamos vendo, não sabíamos o que é que era, e depois eu fiquei sabendo que eu fui escolhido pra ser o orador da turma, né? Mas foi uma decepção minha né, tremi bastante, quer dizer, hoje talvez eu... Acho que seria mais fácil pra eu me comunicar e me expressar, mas na época eu tinha muita dificuldade.

P - O que que o seu pai queria que você fosse?

R - Não sei, meu pai... Meus pais sempre procuraram incentivar os estudos, né? Para me formar e tal, conseguir uma carreira profissional e eu tive muito apoio deles dentro do futebol, os maiores incentivadores de eu estar hoje jogando futebol foram meus pais e os meus irmãos. Como eu sai de casa com 14 anos né, eu tava já no primeiro ano de colegial e... Então eu não tive muita escolha do que é que eu queria ser, eu não tinha muito objetivo a não ser jo... A fazer alguma coisa dentro do futebol, eu tentei jogar vôlei em Campinas antes de começar com o futebol. Eu tive um mês de experiência em um clube de Campinas, que na época estava muito bem, estava muito bem no ranking brasileiro né, como time de vôlei, só que eu... Não era uma coisa que me preenchia, então eu parei não quis saber do vôlei, voltei novamente pra casa, né? Pra estudar, e tive essa oportunidade no Guarani né, foi aí que surgiu minha profissão: atleta profissional. E o meu pai sempre incentivou, nunca contestou nada em relação ao futebol, nunca falou não, você não pode ser isso, principalmente porque o futebol antes tinha um pouco de preconceito né, do que era futebol, hoje os jogadores já são mais profissionais, já transmite mais o lado bom do que é ser jogador de futebol, e os meus pais sempre apoiaram esse lado...

P - Como que surgiu essa oportunidade do Guarani?

R - Bom, isso foi através de amigos né, essa oportunidade eu acho que foi a única que eu pude ter na vida que eu soube aproveitar, é... Através de conhe... De amigos, né, que conheciam os diretores do Guarani arrumaram pra eu fazer um teste com o Guarani, aonde tinha cerca de 200 garotos né, fazendo teste, e a gente chama de peneira né, no futebol. Os garotos que estão começando, e eu sempre fui alto, eu já tinha 1,83, né, com 14 anos de idade, a única dificuldade minha é que eu era gordo, eu pesava 96Kilos... O que aconteceu é que jogava bem, eu tinha um bom domínio com as mãos, né, então as pessoas que estavam na época, que eram Roberto Lazareti, o Ladeira né, que eram os treinadores, o próprio Zé Duarte, que era o técnico do Guarani, eles sentiram que eu tinha boas condições de crescer dentro do futebol, desde que eu emagrecesse, então começou minha luta né, tinha que perder peso, não podia engordar, mas isso foi uma coisa que acontecu em um mês e eu acabei perdendo quase oito quilos né, de tanto treino, eu me esforçava muito, porque eu morava em Capivari, eu estudava de manhã, eu estudava das sete da manhã até as onze horas. Eu pegava um ônibus de Capivari a Campinas que da uma hora de... Uma hora de ônibus e sem almoçar já ia pro treino, voltava às sete horas da noite pra minha cidade, e eu ia me alimentar quase nove horas da noite, isso foi um sacrifício, quase seis meses assim. Sabe, a única coisa que eu queria fazer era jogar futebol, estudava, mas eu nem dava muita atenção pro estudo nessa época porque era minha fantasia né, eu era... Deixei sabe profissionalmente, nem tanto profissionalmente, porque eu era... Muito cedo, eu tinha 14 anos, mas eu era... Era o jeito de estar jogando futebol, era o que eu gostava, o que eu sabia fazer então a dedicação era profunda sabe, dentro do futebol.

P - Teve goleiro que te influenciou? Alguém que você imaginava acompanhar assim... Seguir a carreira...

R - Olha, na minha época quem se destacava muito era o Leão e... Na época de 76 a 84 o Leão teve muita evidência no futebol brasileiro, sempre indo pra seleção, jogando no Palmeiras, no Grêmio, no Corinthians, isso é... Levou, chamava a atenção e eu sempre tive o Leão como um ídolo, né, dentro do futebol. Por coincidência acabamos jogando junto, acabei sendo reserva do Leão. Trabalhei com o Leão, ele como treinador, acabou não dando certo, mas eu aprendi muito com ele quando estava trabalhando com o Leão, as coisas boas a gente podia absorver, com todo aquele trabalho... Nós trabalhamos quase três anos juntos, e o Leão foi pra mim, na época de 76 o melhor jogador do Brasil.

P - E o seu relacionamento, Zetti, com o Leão, as relações pessoais com ele?



















R - É, eu peguei as três fases do Leão. O Leão como um ídolo, como um profissional né, como um companheiro de clube, a gente necessitava do dia a dia e... Necessitava do companheiro ali, de um estar ajudando o outro e... Foi muito bom, essa parte foi maravilhosa porque ele me ensinou muito, eu tinha muitos defeitos na, na minha carreira, é... Na minha profissão, né? Eu tinha muitos defeitos, eu procurei corrigir, tirar esses defeitos é... Não que hoje não tenha, mas eu melhorei bastante nessa época, e o terceiro lado foi ele como treinador né, pra mim foi uma decepção como treinador porque eu tive uma fratura na perna, época do Palmeiras, num jogo contra o Flamengo, aconteceu um lance de... Com o Bebeto, uma dividida e... A partir dali o Leão assumiu o Palmeiras como treinador e eu acabei ficando um ano só treinando, sem poder jogar depois que eu voltei dessa recuperação, então eu não tive essa oportunidade de... De trabalhar assim como titular mostrando assim meu trabalho dentro de campo e tendo esse apoio dele fora de campo, então pra mim foi um pouco... Foi uma decepção, porque eu fiquei como terceiro goleiro, não podendo nem sair do clube, ser emprestado e acabei comprando meu passe em 90 e acabei vindo pro São Paulo.

P - E pro São Paulo foi uma opção sua?

R - Foi uma opção minha, mas foram três meses de ansiedade e de dificuldades também, porque a partir do momento que eu comprei meu passe eu fiquei sem clube né, eu tinha uma necessidade de estar vinculado a um clube e apareceram muitos clubes pequenos né, que a gente considera pequeno por ser do interior, mas não era isso que eu queria, eu queria algo mais, um clube grande pra poder dar continuidade do que eu estava fazendo no Palmeiras, então foram três meses de ansiedade e expectativa né, eu estive quase dois meses na Suíça, fui pra Madrid, e foi uma... Uma coisa meio frustrada né, não deu certo, mas ao mesmo tempo, me fortaleceu muito mais, porque quando eu voltei, em 90, isso foi em março de 90 é... Em 15 dias eu acabei acertando com o São Paulo. O São Paulo me procurou e... Eu queria, o que eu mais queria era jogar no São Paulo porque aqui o clube... Sem dúvida, até hoje, eu me entreguei ao clube, eu faço qualquer coisa pelo clube justamente porque o retorno que eu tive todo esse tempo no São Paulo, e as informações que a gente tinha do São Paulo eram as melhores, na época já era o melhor time do Brasil, e continua sendo até hoje, né?

P - Qual que é o seu time de infância?

R – Olha, eu nunca tive um time assim é... Que eu brigava pela... Com os amigos né, eu nunca fui... Justamente talvez por ser do sítio, né, não ter essa participação né, de torcida, de influência de garoto, né... “Ó, cê tem que torcer pro time...” Eu sempre gostei... Sempre gostei do São Paulo, do Palmeiras e... No estado do Rio de Janeiro, eu gostava do Fluminense, o Fluminense tava numa fase muito boa lá no Rio, mas nunca fui de me expressar muito a respeito de que time eu torcia. Eu torcia, acho que pelo bom futebol.

P - A sua chegada no São Paulo como é que foi? A sua disputa pela posição, o Gilmar goleiro, como é que vocês resolveram essa...

R – É, quando eu vim pro São Paulo eu já sabia dessa dificuldade. Muitos amigos me alertaram da... Do que eu ia enfrentar no São Paulo, a dificuldade de ter que disputar a posição com o Gilmar, um grande goleiro, que hoje tá no Flamengo, né? Sabe, a nível de seleção, então eu já vim né pro São Paulo preparado, né? Sabendo que poderia acontecer, tanto nos treinamentos como nos jogos e... Eu sempre procurei me dedicar ao máximo, né, ao que eu fazia, treinar e... Até ter uma oportunidade pra poder entrar e... E foi difícil né, o Gilmar se trata de um grande goleiro, o nosso relacionamento não foi dos melhores justamente por essa rivalidade que existia fora do futebol né, é... Fora do campo também é... Mas acho que isso acabou dando certo, eu tive uma oportunidade de jogar, não dependia de mim, dependia do treinador que estava aqui na época. Ele acabou me escalando como titular, eu entrei no gol do São Paulo, fui vice-campeão brasileiro de 90, perdendo a final pro Corinthians, quer dizer, a partir dali que começou todo esse processo, né, de... De ter que segurar a posição no São Paulo sabendo que tinha um reserva muito bom, que era nível de seleção, então eu tinha que... Sabe, sempre treinar, mas sempre me entregar, mas era o que eu estava fazendo pra não perder posição.

P - No Palmeiras, Zetti?

R - (Riso) Ah, pode ser uma coincidência, né? Mas eu sempre procuro, nos jogos importantes ou mais difíceis, fazer um trabalho um pouco mais especial, no sentido de concentração, é... De estudo emocional, a gente tem que ter um equilíbrio muito grande durante os 90 minutos e talvez, os jogos mais importantes, as finais, eu já participei de várias né, e o meu futebol cresce né, acho que talvez por isso né, por ter uma concentração muito... Saber dominar essa minha concentração nos noventa minutos sabe, estar muito calmo, tranqüilo e frio, e ao mesmo tempo explosivo dentro de campo, né? Mas os 90 minutos pensando no futebol, eu não consigo, não consigo desviar a minha atenção do futebol, então isso me dá um controle muito grande durante os 90 minutos, e... Talvez seja uma coincidência eu ter que jogar com o Palmeiras, como eu já fiz grandes partidas com outros times como Flamengo, Corinthians, e as finais da Libertadores, quer dizer o Palmeiras, por a gente ter jogado muitos jogos já contra... Dentro do futebol, como fora do futebol e... Nesse ponto a imprensa foi fundamental pra provar essa inocência, e muitos amigos, né, tentando fazer a prova desse chá que tomei na Bolívia, da folha de coca, e dizer que realmente o chá, consta no exame antidoping, vestígios de cocaína e... Acho que isso foi a maior decepção no sentido de ter que provar no Brasil a minha inocência perante o futebol.

P - Como foram esses quatro dias na intimidade? O que é que você... Como você suportou isso com sua família, com os seus amigos.

R - Olha foi muito difícil, eu só pensava na família, quando eu fiquei sabendo da notícia na Venezuela, nós tínhamos ainda doze horas de vôo pra chegar ao Brasil, eu já sabia que a notícia... Já estava espalhado no mundo todo, e que a notícia veio da Itália, e quando chegou no Brasil, o mundo já estava sabendo o que se passava, o que estava acontecendo. A FIFA sempre foi muito rigorosa nesse ponto, eu no primeiro momento que fiquei sabendo da notícia na Venezuela, eu procurei comunicar a minha família, a minha esposa, principalmente, dizendo a verdade né, que eu jamais experimentei qualquer tipo de droga e pra ela segurar as pontas ali, que ia ser difícil e, e quando eu cheguei junto com a família, foi difícil segurar a pressão de toda a imprensa, e ter que dar explicação sobre o que aconteceu, foi... Mas eu não tinha medo de ter minha cara na televisão, e falar realmente o que aconteceu, justamente pela minha inocência, e... Eu sabia que ia ser punido, a única coisa que eu conseguia falar com a minha esposa é que eu ia ser punido eu ia tomar de seis meses a um ano, seria pesado, era o que poderia acontecer, porque a FIFA sempre agiu rigorosamente na parte disciplinar dentro do futebol, mas eu acho que a CBF trabalhou muito rápido, usou os recursos necessários, provas exatas para fazer com que a FIFA voltasse atrás, principalmente na decisão que já tinha tomado, e a partir daquele momento, na Venezuela, eu estava suspenso do futebol, não poderia praticar futebol em lugar nenhum do mundo... Depois de quatro dias eu fiquei sabendo, isso foi uma angústia muito grande né, ficar torcendo pra que essa pena seja a mínima possível pra poder voltar a jogar futebol, porque é a coisa que eu sei fazer, e faço com amor, eu gosto de fazer, então, esse era meu pensamento, eu sabia que eu ia ter uma punição, mas não sabia quanto tempo eu ia ficar afastado do futebol.

P - Vamos falar de um momento oposto, o que é que sente uma pessoa assim que defende um pênalti, e 100 mil pessoas gritam o seu nome, seu time é campeão sul americano, o que é que você sente num momento desses?

R - Olha, é... É o máximo, né? Que a gente pode sentir, dentro do ego né, a vibração, você coloca assim tudo pra fora, sem saber como comemorar essa defesa, ou como comemorar esse título. Eu, não sei, eu acho que é a mesma coisa que você fazer um gol, principalmente numa final né, acho que o atacante, quando faz esse gol, ele nem sabe como comemorar, principalmente pela... Pela glória né, dele conseguir aquele gol e dar um título e o goleiro também tem esse lado, porque às vezes a gente até extravasa, né, porque nunca comemora. Quando a gente faz uma defesa, não dá pra comemorar, tem que estar sempre atento pra fazer outra defesa né, e... A torcida gritando, chamando, é uma coisa que arrepia, e o ego vai lá em cima é o... Acho que é... Sei lá, é o maior orgasmo que a gente sente naquele momento... Aí vem a torcida comemorando, cantando o Hino, é uma coisa sensacional.

P - Quando é que você conheceu a sua esposa?

R - Eu conheci em Londrina, jogando no Londrina Esporte Clube, no Paraná. Eu joguei oito meses e no interior do Paraná, no futebol profissional né, e, ela estava estudando, prestando vestibular, ela fez um ano de Psicologia, lá em Londrina, e aconteceu, foi acontecendo, a gente se cruzou num barzinho, coincidiu ser de perto, ela é de Piracicaba e eu de Capivari. Foi uma coisa que foi se envolvendo e deu certo, até hoje a gente tá junto, já faz cinco anos que somos casados e oito anos já que a gente se conhece.

R - Ela tem ciúmes de você com as fãs?

R - Olha, não tem ciúmes, por incrível que pareça. Só que tem limite, acho que às vezes as fãs invadem muito a privacidade, porque nós estamos sempre é... Levando nossa mensagem a nossa profissão, e a nossa imagem né? A gente invade a casa de 35 milhões de brasileiros aí, e todas as fãs conhecem a nossa vida, sabem o que a gente faz, sabem do nosso gosto, né, dentro e fora de campo. Então, quando vem fã pedir autógrafo, elas já vêm achando que é um amigo, que é um... Uma pessoa íntima, né? E são pessoas que eu nunca vi, esse lado, acho que invade essa privacidade e irrita, não é que seja ciúmes, que às vezes a gente tem que ter um pouco de paciência para contornar algumas situações mas... Ciúmes sempre tem um pouquinho né? Mas não com as fãs, aí já foge um pouquinho do futebol.

P - Mas conta uma, uma situação que você se sentiu assim invadido, que teve uma sensação... Uma confusão, o que é que uma já pode fazer...

R - Olha... Nunca aconteceu (Risos)... Graças a Deus, mas...

P - A gente não vai contar pra ela (Risos).

R - Não, mas realmente nunca... Comigo nunca aconteceu de passar dos limites, eu sei impor e... Impor um limite tem tudo, existe sempre uma barreira de fã e profissional Zetti e a gente tem que tá sempre administrando isso, eu recebi muitas cartas, falando em muitas coisas né, bonitas e muitas coisas feias também...

P - O que é bonito e o que feio que você recebe?

R - Não, olha eu já recebi muitas cantadas né, por carta...

P - Você acha isso bonito ou feio?

R - Eu acho feio, eu acho ousado. Eu acho que jamais escreveria isso pra uma fã, ou pra alguém que eu admiro... São coisas que acho que eu não queria ouvir.

P - Você tá sempre viajando, sempre né... Fica muito tempo fora de casa, como é a sua relação com o Pedro?

R - Olha...

P - Ele tem nove meses né?

R - É, ele tem nove meses... Olha eu sinto muita falta, né... Eu adoro criança, eu sou apaixonado por criança, e em toda minha carreira tanto no Palmeiras, e agora no São Paulo, eu sempre fui assediado por muitas, muitas crianças, né? E isso é ótimo, porque eu sei que o meu trabalho está sendo reconhecido, e as crianças estão podendo assimilar o que o Zetti faz no meio de campo e a mensagem que eu posso passar pra eles. Eu acho que tem essa mensagem do chá e o que aconteceu. Eu tenho um grande exemplo pra poder transmitir. Eu posso ser um grande exemplo pra poder transmitir as coisas boas dentro do futebol, isso acontece com muitos pais que vem me agradecer pelos filhos serem apaixonados pelo Zetti, porque o Zetti é uma pessoa que pode transmitir uma coisa boa pros filhos, então ele deixa o filho livre pra torcer, pra gostar do Zetti e... Eu acho que é, é por aí.

P - Tem algum episódio, assim, alguma coisa corriqueira ou importante que mudou sua vida? Que você se sente que deu novo rumo pra você ser uma pessoa, agora de sucesso, enfim, pra ser o que você é hoje?

R - É... Eu sinto que sim. O São Paulo foi uma das principais coisas porque... Foi um casamento que deu certo tanto da parte do São Paulo. A partir do momento que eu comecei a jogar, eu consegui títulos e mais títulos e a fama foi crescendo, né? Eu pude me relacionar muito mais com a torcida, com o povo em geral e o título de campeão mundial pra mim, é uma coisa que eu jamais vou esquecer. Isso fez com que o Brasil parasse naquele momento e... E prestasse atenção no São Paulo. E ali, todo mundo era brasileiro, ninguém era são-paulino, era brasileiro, e acho que isso... Divulgou muito, né? Foi uma coisa maravilhosa que aconteceu, e também nesse episódio do chá, eu acho que fortaleceu mais ainda o profissional Zetti.

R - Eu tenho uma sobrinha de oito anos que tá sendo praticamente criada por ela né, que ela que cuida quase da menina e está com o mesmo problema assim de... De...

P - De fala?

R - Assim... De fala, ela não consegue terminar uma frase sabe, assim... Está sempre pela metade, se ela tá falando tá dando risada.

P - Mas você já passou por isso, porque você coordena muito bem o seu discurso...

R - Telê me arrumou na semana passada uma palestra pra dar (risos).

P - Você não consegue trazer ele aqui, retribui, você está me devendo, vai fazer uma entrevista.

R - Não, é muito difícil.

P - Se ele se sentir relaxado ele até fala né, Zetti?





















R - É difícil mesmo.

P - Eu acho que é a situação também.

R – Não, ele...

P - Odeia...

R - Mas ele é difícil de... Se você arrancar cinco minutos dele de conversa.

P - Depois de tantas glórias, Zetti, ainda há espaço para um sonho ainda não realizado?

R - Há, acho que há espaço, não é? Tenho bastante sonho, profissionalmente, seria ir para a Copa do mundo e um pouco mais ousado, é conquistar a Copa do mundo agora de 94, e ser titular, né? Isso é um sonho que eu acho que todo jogador de futebol gostaria de... De concluir na sua carreira... Acho que sonho pessoal... Acho que eu não tenho muitas ambições assim, das coisas que eu consegui, acho que eu estou satisfeito. Eu tenho uma família maravilhosa, talvez mais um filho, isso seria minha realização total.

P - As crianças na rua gritam o seu nome, sonham em ser um Zetti, tem algo aí das crianças, alguma coisa que você acha importante que elas passam pra você, que possam ter feito de certo, ou possam ter feito de errado, que você não queira que elas façam?

R - Eu acho que é uma coisa que eu aprendi a separar dentro do futebol, ou melhor, antes de jogar futebol e depois que comecei a jogar futebol, aprendi a encarar essa profissão mesmo a sério, e saber que tenho um futuro pela frente e já justamente a me dedicar, dedicar ao máximo na profissão, né? Acho que eu pude sair das drogas, sair da rua, ou sair de... Talvez de uma criança, de um adolescente que poderia seguir outro caminho, porque o futebol toma tanto espaço, tanto tempo, né? Acho que qualquer esporte, e que não dá tempo da pessoa pensar em outra coisa, a não ser praticar e tentar ser o melhor, e pra você ser o melhor, você tem que ser super sadio, se alimentar bem, estar de bem com a vida, justamente pra conseguir este objetivo que é jogar futebol, então seria isso que eu queria passar pras crianças, que pratique o futebol com saúde, com boa alimentação e com muita dedicação pra ser talvez não o primeiro, mas tentar pelo o menos chegar à condição de ser o primeiro.

P - Você acha importante ter dado esse depoimento pra gente, ter registrado a sua trajetória de vida...

R - Eu acho importante, porque fica registrado, né? É um pouco do Zetti como criança, uma coisa que eu não contei pra ninguém, minha infância como foi, às vezes as pessoas só vêem o Zetti das glórias e títulos, coisas boas, né, que é conquistar títulos, e eu acho que esse depoimento serve pra isso também pra... Pra mostrar um pouco desse outro lado, que as pessoas possam imaginar também que o atleta ele não é um cara, um Deus, né, um super-homem, ele tem dificuldades, e passou dificuldades pra chegar onde está?

P - Faltou comentar assim grandes tristezas na sua vida, que é importante que as pessoas saibam.

R - Olha, eu acho que sim. (Risos) Acho que deve ter esquecido bastante, né? Teve até o caso que... Eu lembrei agora, né? É talvez essa dificuldade que eu tive quando criança, de me expressar, de ser tímido, ou de ter essa dificuldade de me comunicar com as pessoas, até pelo fato de ser criado né, por uma tia, ela não escuta direito, e eu também não aprendi direito as palavras e acho que isso foi uma dificuldade, não que tem algum remorso disso, magoa, não sei, pelo contrário eu adoro essa minha tia, gosto demais, ela vive até hoje com a gente, mas que eu acho que isso aí teve uma influência muito grande, morar no sítio, viver sozinho sem criança da minha idade pra brincar e... Acho que fui aprender a conviver mesmo com a sociedade depois que eu fui pra cidade grande, Capivari tem 40 mil habitantes, pra mim era uma cidade enorme, eu fui pra estudar, isso foi a maior dificuldade, mas não guardo nada desse passado não.

P - Como que é viver em São Paulo com 14 milhões de habitantes?

R - São Paulo está ficando pequeno pra mim, né? (Risos) É maravilhoso, eu amo São Paulo, aprendi a gostar de São Paulo, as oportunidades que São Paulo oferece as opções de... De diversão a sociedade, de tudo, né? Que a gente gosta de fazer, como se alimentar bem, também, em todos os níveis... Olha, eu adoro o São Paulo. Quando eu vim pra cá eu me assustei muito com o fato de ter medo de sair nas ruas, as notícias que a gente recebe é... As informações de São Paulo, que sempre é uma cidade perigosa em violência... Mas depende muito do local, e eu acredito que com o tempo em dividir São Paulo é... São Paulo é alegre das tristezas que existem em São Paulo.

P - Você já pensou o que vai fazer quando você parar de jogar futebol?

R - Não, eu ainda não pensei, eu tenho vários projetos, né, que podem acontecer. Não sei quando, mas eu nunca parei pra pensar. Eu tenho um bom tempo pela frente pra me dedicar ao futebol, e poder servir ao futebol no momento em que eu sentir que eu não estou produzindo mais, eu vou parar de jogar, eu acho que eu tenho que passar as coisas boas e no momento que eu sentir eu não estou mais rendendo ao futebol, eu encerro a minha carreira e vou procurar fazer outra coisa paralela ou talvez fora do futebol.

P - Você tem medo de sair um dia na rua e ninguém te reconhecer, virar um anônimo?

R - Não, eu acho que seria ótimo se isso acontecesse (risos). Um dia, mas eu sei que não vai acontecer agora... Futuramente vai diminuir muito o assédio, né, isso acontecesse com todos os ídolos que param de exercer sua profissão. É justamente pela ausência da mídia é que faz com que fique um pouco anônimo.

P - Mas isso é uma coisa que você acha boa, você gostaria de...

R - Não que eu gostaria. Eu não sei o que vai acontecer depois que eu parar de jogar futebol, né? Porque se eu tivesse exercendo alguma atividade paralela ao futebol ou... Ou junto do futebol, eu talvez estivesse em evidência e continuasse o assédio, não como um ídolo né, e sim como, acho que um funcionário do futebol, que pode passar experiência do que eu... Do que eu aprendi na minha carreira, e jogar dentro do futebol, quer dizer, eu sei que vai ser apenas um funcionário do futebol né, e não um atleta que leva a emoção. E o assédio vai acabar sem dúvida, mas eu... Eu já aprendi a assimilar esse lado de... De ídolo, e acho que talvez não ídolo, não sei se vou saber assimilar, hoje eu respondo que não sei, mas acho que com o tempo eu vou saber dominar.

P - Só pra terminar, o que você acha, assim, que é ser ídolo de alguém? Que você acha, por exemplo, que passaria na cabeça das pessoas como elas...

R - Eu acho que é esse lado de você transmitir coisas boas e tanto profissionalmente como fora do futebol. De estar com a sua imagem sempre positiva e isso você conquista as pessoas... Com o tempo né, não é que você vai conquistar forçando as fãs a gostarem de você, não. Os fãs aprendem a gostar de você com o tempo justamente pelo que você faz e sabendo que estão gostando do seu trabalho, é porque ele está sendo bem feito, e bem representado, tanto na parte da imagem quanto na parte profissional.

P - É o que eu queria te perguntar: por que o seu nome é... Por que você chama Zetti?

R - Bom, Armelino do meu avô, né, que já faleceu, é italiano e um dos netos teria que levar o nome do avô, né, mas eu não me queixo do meu nome. Donizetti vem do padre Donizzeti, de Tambaú, isso por escolha da minha mãe, o Zetti vem de Donizetti. No interior, quando eu estudava, todo mundo me conhecia como Zete com T e E, e no futebol eu fiquei conhecido como Zetti né, com 2 Ts e I, e até hoje. Acho que esse marcou, né, no futebol e eu tô satisfeito com o meu nome (risos).

P - Acho tá bom, você que tem mais alguma coisa que acha importante dizer?

R - Não, se vocês quiserem perguntar.

P - Você está preocupado, você está muito cansado.

R - Não, é que está quente.

P - Está muito quente aqui...

R - Fiquem à vontade.

P - Vamos fazer uma corrente positiva né...

P - Agora eu tô aqui parado, eu começo a lembrar das coisas

P - Se quando você... Deixa eu te perguntar uma coisa, teoricamente (Pausa).

R - Eu não peguei essa fase. Acho que mais difícil, meu irmão já trabalhava, meu irmão já tinha dez, onze anos, né? Eu lembro que eu ia na roça, tal, comia de marmitinha na sombra, cheio de formigas que subiam, mas era... Assim eu peguei uma fase difícil, assim... Meus pais, eles não tinham condições né, que era fazenda, longe da cidade, e a gente vivia ali né, com as coisas do sítio. Depois meu pai, meu pai e o meu tio né, que trabalhavam juntos, venderam o sítio. Meu pai comprou um bar, meu tio comprou outro bar e aí mudou né, hoje eles vivem bem.

P - E eles eram de origem italiana? Todos eles de origem italiana... Mas tinha na sua casa essa herança italiana...

R - Italiana, tinha bastante comida, comida de domingo. Domingo era macarrão, feijão, arroz, frango, ovo, né? Carne de porco... Tinha de tudo né, italiano gosta de...

P - Encher...

P - E pizza? Lá no sítio você comia pizza?

P - Italiano não come pizza...

R - Eu tinha um avô, meu avô espanhol, vive até hoje no sítio.

P - A origem da sua mãe era espanhola e do seu pai italiano?

R - Italiano.

P - Mas eles não eram brasileiros?











R – Brasileiros. O meu avô, pai da minha mãe, mora no sítio até hoje... Mora até hoje no sítio, 86 anos, ele fala espanhol, ele fala... Minha mãe fala um pouco espanhol, fala italiano... Influência do meu avô e do meu bisavô. Minha mãe conviveu com todos eles e... Tem... Tem um pouco dessa autoridade italiana...