Museu da Pessoa

Um futuro perfumado

autoria: Museu da Pessoa personagem: Giovanna Kupfer

Depoimento de Giovanna Kupfer
Entrevistada por Márcia Ruiz e Cláudia Leonor
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 05 de novembro de 1994
Transcrita por Marina D'Andréa

P - Bom dia, Giovanna, eu gostaria que você dissesse seu nome, local e data de nascimento.

R - Bom dia. Meu nome, de casada, é Giovanna Kupfer, nasci em Roma, Itália, no dia 17 de setembro de 1946.

P - Nome dos pais.

R - Meu pai, Nathanael Mello Falber, e minha mãe, Helen Wainfeld Falber.

P - Eles nasceram em que local?

R - Na Polônia.

P - Eu queria que você falasse o nome dos avós e local do nascimento.

R - Eu não sei o nome dos meus avós. E também eram da Polônia.

P - E me diz qual era a atividade do seu pai e da sua mãe?

R - Meu pai era bioquímico e professor catedrático, tanto na Polônia como na Universidade de Praga, na Checoslováquia. E depois ele imigrou pra Itália e se envolveu em movimentos, nós somos de origem israelita, sou judia, e se envolveu em movimentos com o governo italiano pra ajudar os judeus saírem via Itália pra Palestina, que não era ainda o Estado de Israel. A minha mãe naquela época não trabalhava, ela começou a trabalhar com estilo, com moda feminina, nos Estados Unidos.

P - E a saída deles da Polônia pra Itália foi em que ano? Você sabe?

R - Olha, não saíram juntos. Meu pai, na verdade, salvou a minha mãe durante a guerra e a família dela, e no meio do caminho casaram em Bucareste na Romênia. E meu pai ia e vinha pela Europa inteira, ao longo dos anos que eram 40, 39 a 46, quer dizer na Itália, né, e numa dessas incursões, que foi aproximadamente em 44, ele conheceu a minha mãe, salvando-a, e no caminho, indo pra Itália, casaram.

P - E você tem irmãos?

R - Eu tenho um irmão.

P - Mais novo? Mais velho?

R - Mais novo. Dois anos e meio mais novo do que eu.

P - E ele também nasceu na Itália?

R - Nasceu na Itália.

P - Eu queria que você... você morou na Itália, em Roma até que idade?

R - Eu saí da Itália com seis anos, pra imigrar pros Estados Unidos.

R - E você lembra desse período que você morou na Itália? Parece que você viveu em Roma, né?

P - Vivi em Roma, e nasci e vivi em Roma, sim.

P - E você lembra da, você pode contar alguma coisa desse período que você esteve lá, nesse período de seis anos, a casa em que você morava, você consegue se recordar?

R - Me recordo da casa que a gente morava, e era uma casa que sempre tinha muito movimento, ou seja, tanto movimento a nível político, né, quer dizer, dos amigos do meu pai, o primeiro ministro da Itália, que era o De Gasperi, da Democracia Cristã, e foi uma das pessoas que ajudou, tremendamente nesse trabalho que meu pai fazia, que era tirar justamente sobreviventes, desses campos de concentração, os refugiados, depois inclusive após a guerra e durante, né? O próprio Vaticano ajudou muito nesse pedaço, então era um entra e sai constante de gente. E era muito rico a nível dos eventos que aconteciam dentro da minha casa, né ? E teve um evento que eu não me lembro em detalhes, mas que me foi contado da minha infância, que, durante um jantar em casa, a minha mãe tinha uma governanta, ela e o marido, que viviam nos fundos da casa deles eu lembro, e ela deu uma garrafa de Chianti para eles. E tinha o filho único, que era o meu primo, puseram a gente, pra não ouvir barulho, na casinha deles, e eles jantaram antes e minha mãe deu essa garrafa de Chianti, e algumas horas depois encontraram os dois caídos no chão, tinha dois anos e meio, e ele tinha um pouco mais, e tive uma coma alcoólica, nessa idade, e nunca mais toquei uma bebida na minha vida. Quer dizer, nunca mais bebi, não bebo absolutamente nada alcoólico, né, e diz que ele deve ter tomado menos, porque a cena era hilária. Porque a garrafa estava vazia, os dois esparramados no chão, levaram a gente para um hospital imediatamente, eu fiquei quatro dias desacordada, ou seja, em coma, coma alcoólica. Ele acordou no dia seguinte. Quer dizer, presumiram que eu bebi muito mais do que ele (risos). Tem lembranças, assim, da vizinhança, de jardim, do meu triciclo, isso me lembro perfeitamente, né? E também tinha uma outra coisa. Naquela época era muito, muito raro ter comidas especiais, digamos. Estava tudo ainda racionado, né, e então meu pai, de vez em quando, quer uma festa, eu lembro que ele trazia tipos de queijo, ou algum tipo de carne, então, nem existia. Era uma coisa que nem tinha, era super, supercontido, tudo isso, frutas, então me lembro que de sexta-feira, na nossa religião, na sexta-feira, há o que se chama de Shabat, que é onde se acendem as velas, se descansa, né? Então minha mãe acendia as velas e punha o pão, fazia, aquele cheiro da cozinha, do pão de sexta-feira, do acender das velas, se acende, a mulher acende quando escurece, e vinha cunhados, irmã, né, do meu pai, dela, e era aquela festa. E como era difícil, quer dizer, o pão não, por causa da farinha, mas também não era fácil de conseguir. E todo mundo ia se lavar, se preparar, e eu me lembro que eu me escondia embaixo da mesa, sem ninguém ver, e como era um pedaço pra cada um, eu pegava dois sem ninguém saber. Achava que ninguém sabia porque eles chegavam na mesa, e eu tinha essa mania de ir pegando, que nem criança. Aí eles me procuravam e me achavam embaixo da mesa. E eu tenho lembrança disso. E contando uma história que eu acho incrível, que só soube muito tempo depois do meu pai, nessas que eu falava que tinha esse movimento, a organização pelo qual eles trabalhavam distribuíam remédios, comida para os refugiados, chamava Joint, era a organização da qual meu pai fazia parte. E uma das histórias que eu acho mais inacreditável, acho que isso merece registro, é que justamente os Estados Unidos, quando fizeram o Tratado de Paz e tudo, começaram a mandar desde medicamentos até comida e iam mandar pra Itália, justamente pros campos, e tudo isso, carne, pra própria população italiana. E esse reunião foi na casa dos meus pais, e era um dilema. Porque como vocês sabem, e isso é muito parecido com a gente, a Itália tem essa personalidade, essa coisa de muita corrupção. Coisas muito parecidas com o Brasil, né? E eles estavam preocupadíssimos com o sumiço dessa carne. Como iam distribuir pros locais, pras pessoas, as quantidades? E diz que foi meu pai que colocou isso através de pessoas ligadas politicamente, né, os partidos, como que iriam fazer isso sem sumir a carne? E chegaram à conclusão, e foi lá em casa, o pessoal da Máfia. E quem distribuiu sem sumir com uma grama da carne, de uma forma ordenado, foi a Máfia, na Itália, que distribuiu toda a carne, logo após a guerra. Então foi uma coisa que eu achei inacreditável, porque eles mantiveram, apesar de ser o que é a Máfia, mantiveram a palavra e foram os únicos capazes de ter organização, de fazer isso nessa época. Que foi em 45 pra 46. Achei uma história incrível.

P - Interessante. Giovanna você citou o Shabat, né?

R - Shabat, sexta-feira.

P - Exatamente. Eu queria que você falasse o que significa a nível religioso. O que é que ele significa?

R - Bom na minha família do lado do meu pai, nós somos, quer dizer, toda a família descende, quer dizer, temos todos descendência do judaísmo, judeus. Nós não somos judeus ortodoxos, porque tem as duas coisas. Ortodoxo, que é extremamente religioso, nós somos judeus que ao longo de anos e até hoje eu mantenho essa tradição e minhas filhas subseqüentemente mantêm, que na sexta-feira se acende, antes de escurecer, as velas. Porque Deus diz que tem que ter um dia de descanso e não se pensa em coisas materiais, se descansa a mente, e o corpo e faz coisas com a família, junto com a família, que é muito importante. Então é todos, os religiosos sequer na sexta-feira não acendem luz, não cozinham, não fazem nenhum esforço físico. Seja tudo. Não andam de carro, o sapato não pode ter couro animal, né, então eles andam com, alguma coisa que não seja do animal. Você vai ver religioso andando, não vai estar andando com sapato de couro. Eu não sou ortodoxa. Sou, respeito muito a minha religião, levo muito a sério minha religião, mas não sou ortodoxa. Então até hoje, toda a sexta-feira, acendo velas, tem uma reza especial que só a mulher pode fazer, né, porque, sinagoga vocês sabem: brinco sempre que nossa religião é uma religião machista, né, onde a mulher não pode subir, que a gente chama no altar, não pode carregar o Torá aqui no Brasil, que nos Estados Unidos, hoje, isso já mudou, pode, né, o que eles chamam de judeus mais modernos, né? Aqui, ainda mulher senta de um lado, homem do outro, mulher não pode participar das atividades religiosas, né, assim a nível de ser rabina ou rabino, né, e a gente, quer dizer, eu respeito todas essas datas judaicas, inclusive toda a sexta-feira o Shabat, isso é um hábito que vem, vi minha mãe fazendo, quando você faz, a menina quando faz 12 anos fazem Bat Mitsvá e o menino com 13, quando faz 13, fazem Bar Mitsvá, né? E aí, a partir dessa data, você está apta a acender as velas, né?

P - Eu queria que você falasse agora um pouquinho de como era o seu cotidiano? Você, já naquela época, você ficava em casa em Roma, ou você já freqüentava escola? Como é que era o seu cotidiano?

R - Tinha, eu ia prum tipo de jardim da infância, onde tinha evidentemente atividades, né, e participava dessas atividades, e eu lembro que eu sempre fui uma pessoa, isso eu tenho dentro de mim até hoje, de muita curiosidade. Então o tempo inteiro eu questionava e perguntava. Então meu pai, às vezes, dizia: "Mas você não pode, não pode criança." "Mas por quê?" Quer dizer, sempre era: "Por que não pode ir?" E eu comecei a falar muito cedo, e andar muito cedo, e me desenvolver muito cedo, e eu sei que eu acabava indo em todos os locais com meu pai, quer dizer, né, ou com meus pais ou meu pai, e que eu menos gostava na minha vida era de ficar dentro de casa. Eu não conseguia ficar dentro de casa. Eu tinha que ter sempre aquela coisa de sair pra fora, de ir pra fora, brincar, e eu não era uma criança, tranqüilamente eu não era calma. Quer dizer não calma no sentido de fazer tudo que eu queria, mas eu tinha que estar sempre ativa. Eu era muito ativa sempre, isso tenho uma lembrança que eu não parava quieta, mesmo. E sempre dormi muito pouco. Isso é um hábito que eu tenho até hoje, mesmo de menina eu não tinha aquele sono, assim, é uma coisa que, dormia supertarde mas sempre escondido dos meus pais. (risos) Lia com lanterninha, esse tipo de coisa. (risos)

P - Vocês acabaram imigrando da Itália pros Estados Unidos. Eu queria que você falasse um pouco do motivo pela saída de vocês de Roma, e como é que foi essa viagem e porque a escolha dos Estados Unidos?

R - Meu pai por todo esse trabalho que fez recebeu um convite, formal, né, que era em Unesco, ou seja, nas Nações Unidas, e ele deu vários depoimentos e falou e imediatamente eles deram a cidadania americana pra gente. E meu pai por tudo que tinha passado, por família e tal, achava que os Estados Unidos era, vamos dizer entre aspas a terra prometida, porque a Europa já tinha sofrido duas guerras, né? E porque, nessa época, começou-se a emigrar muito, fora da Europa. Tanto é que do lado da minha mãe imigraram pro Brasil , já naquela época, né, e nós fomos pros Estados... do lado do meu pai foi pros Estados Unidos. A única irmã que ele tinha e do lado da minha mãe foram pro Brasil. E a gente ficou em Nova York, e até eu lembro de coisas muito curiosas que eu fiz em Nova York. Com essa curiosidade minha, que me era peculiar, eu resolvi que eu, aos seis anos de idade, ia conhecer sozinha Nova York pra me localizar. E sumi o dia inteiro. O que deixou meus pais enlouquecidos, que tinha bombeiro, polícia, todo o mundo me procurando. Mas não foi só a história de eu ter sumido o dia inteiro. Como na Itália tinha essa coisa do racionamento, tudo nos Estados Unidos era absolutamente ao contrário. E tinha uma coisa, de uma abundância, de uma quantitativo e comida, e tudo, e eu na minha, no meu sumiço do bairro onde a gente morava, eu ia de casa em casa, e contava uma história que não tinha comida na minha casa, as pessoas ficavam extremamente penalizados, eu sei que eu cheguei, depois, no fim do dia, com dois sacos de comida, de biscoito, e de queijos, tudo o que você possa imaginar, porque todo o mundo foi dando comida. E quando eu cheguei, além de ter me encontrado, que eu achava que eu ia apanhar, mas não apanhei, meu pai falou, e minha mãe: "Ma de dove sei?", "de onde é essa comida?" Falei: "Uai, eu pedi, não tem racionamento? Tô pedindo comida pra não faltar na nossa casa." (risos) Meu pai queria morrer. E a minha, eu peguei logo o inglês nos Estados Unidos. Que minha mãe não pegou tão rápido, né, que eles falavam outras línguas mas não o inglês. E eu ia traduzindo as coisas pra minha mãe. E minha queria carota, carota, minha mãe tinha uma mania de comer cenoura. E naquele dia não tinha. Então eu fiz a mesma coisa. Eu batia de porta em porta pra achar carrots, seja cenoura, que ela queria carota. Aí ela falou: "Como é que você conseguiu?" Eu falei: "Uai, eu fui pedir." E ela queria morrer. Os dois queriam morrer o tempo inteiro, porque eu ia à vizinhança e ia fazendo pedidos de comida. (risos) Até eles falarem: "Minha filha, não vai faltar comida aqui." Não faça isso, né? Mas ao longo de alguns meses eu tinha essa mania. Porque eu tinha visto aquela coisa de racionamento, de só comer um, de uma série de coisas não ter. Então, uma coisa que demorou, pra perder esse hábito de pedir comida, né?

P - Voltando um pouquinho antes, vocês foram, de Roma pros Estados Unidos, você estava falando que vocês foram de navio, né?

R - De navio.

P - Eu queria que você falasse, parece que foi uma viagem assim que te marcou muito, né?

R - Me marcou muito porque não tinha, o navio estava absolutamente lotado, e era uma viagem longa. Não me lembro exatamente quantos dias, mas eu lembro que dentro da minha percepção, não de impaciência, porém eu acho que foi uma viagem que, foi parando em alguns lugares também. Saiu de Gênova. E não tinha criança da minha idade. Ou tinha bebê, bebê, bebezinho, ou tinha criança mais adolescente velha, e tinha ou casais, ou gente de bem mais idade. E evidentemente me ocupava o dia inteiro, entrando na cozinha, querendo ser ajudante de cozinha, eu queria ser ajudante de alguma coisa. Então entrava na cozinha, queria ajudar, preparar, e meio que fui adotada pela tripulação, né? E à noite, evidentemente a gente jantava mais cedo, estava meu irmão que era menor, era de colo, né, e a gente jantava, antes dos meus pais, daí tinha que ir pra cabine, e tinha que dormir. Também não tinha mais o que fazer, né? E, minha mãe apagava a luz, deixava uma luzinha, eles iam, que à noite tinha atividades pros adultos, que era assim um jantar, depois tinha dança e tinha orquestra e tal. E me lembro que durante o jantar tinha um quinteto, com senhores, lembro a roupa, a cara, muito elegantes, e que tocavam muito bem música clássica, e eu saía do cabine escondida, e ficava atrás, tinha um, uma cortina num dos lugares, um palquinho montado com uma cortina, e ficava horas escutando. E meio que fui adotada, pelo pessoal. E tinha um que tocava violoncelo, que virou meio meu cúmplice, que ele, me lembro que me perguntava, como é que eu estava nessa idade fora do quarto. Falei: "Olha, meus pais não sabem. Por favor não falam, porque eu não consigo dormir, eu não vou, eu morro de medo de ficar no quarto, então estou aqui muito bem, mas meus pais vão ficar muito chateados se souberem que eu estou aqui, então." E ele virou meu cúmplice. Quer dizer, seja, toda noite eu fazia isso, né? Eu vi o quinteto da orquestra, e me fascinava ver os casais dançando, enfim, essa coisa que eu não podia viver.

P - Eu queria que você falasse um pouquinho da sua estada em Nova York. Como é, da casa. Queria que você falasse um pouco desse período, como é que foi a sua entrada na escola, e você falou que sua mãe começou a trabalhar nessa época que estava em Nova York, então queria que você falasse um pouquinho a respeito disso.

R - Ela ... Bom, a escola tinha duas coisas. A gente, eu ficava entre Nova York e o estado do Texas, né? Então férias, ou às vezes ficava os três meses no estado do Texas e depois voltava pra Nova York. Da escola eu me lembro de alguns colegas que me foram marcantes, principalmente de outros etnias, que não americano, que não europeu. Tive conhecimento de hábitos, até isso me lembro, via Nova York, e depois até curiosamente via Novo México. De uma amiga minha japonesa, que não era bem vista nos Estados Unidos, e que eu sentia essa dificuldade, né, por quê? Por causa da guerra, que era logo em seguida, tal, e fiquei muito amiga, e comecei a freqüentar a casa dela. Então a minha mãe, fazia e convidava ela, a comida judaica, e eu aprendi a saber o que era cultura japonesa né? Aprender, não só comida tipo sushi, sashimi, e origamis, enfim, mas as comidas que são caseiras mesmo japonesas. Que era uma coisa que naquela época não estava como hoje na moda, né? E eu me lembro que eu ficava muito com essa menina, e ela me ensinou e isso é uma coisa que me marca muito porque ela me ensinou muito uma coisa, naquela época evidentemente não tinha essa percepção. Mas ela me ensinou muito uma coisa de estética, muito uma coisa de humildade, que ela tinha uma enorme dificuldade de se relacionar, que nem queria se relacionar com ela e criança é cruel quando quer ser, né? E eu tinha uma coisa que eu logo me identifiquei com ela e ela me ensinava muito essa coisa de paciência, a coisa do origami, que ela tinha uma habilidade, bom toda a família tinha essa habilidade, e lhes é peculiar em todos eles, de muita ordem, né, de obedecer, e ela era totalmente ao contrário de mim, que eu era capeta, mesmo, no sentido de não parar quieta, irriquieta, né, sendo chamada atenção, porque era falante, enfim. E ela era completamente ao contrário, educadíssima. Não que ela não tivesse também na frente dos pais. E eu fazia na frente dos meus pais, por desespero deles, né, e eu acho que ela me ensinou, isso é uma coisa que me marca muito, essa coisa da estética, da paciência, do costume completamente ao contrário de um costume europeu, ou americano, né, uma cultura, né, e que isso me marcou muito. E a gente até pouco tempo atrás mantinha contato. Hoje eu não sei onde ela tá. Por algum motivo, se perdeu esse elo. E era, a escola americana é, aliás todo o modo de vida americano, é completamente diferente do modo de vida, enfim, européia, e, claramente da brasileira, né? Quer dizer, então tinha muito uma coisa, primeiro, a escola era o dia inteiro, né? Cê não tem, como aqui, meio período de escola. Você entrava de manhã e depois tinha as atividades mesmo a partir dos cinco, seis anos, extra-escolares, e eu gostava muito, exatamente essa coisa minha de não parar, então praticava vários esportes, e depois de Nova York, que nós fomos pro Texas e Novo México, que entrei na fase musical da minha vida, ou seja, aprendi a tocar violino, com professor que era europeu, no Novo México, alemão, né, e que montou uma orquestra, né, uma faixa etária, né, e ensinamos essa coisa de instrumento que era uma coisa que eu gostava muito, né? E esporte, né, isso me lembro claramente, né, e colegas de diferentes etnias, né, quer dizer, no Novo México tinha crianças mexicanas, tinha a criança japonesa, tinha a criança americana, curiosamente por ser uma região que você não imaginava. Você imaginaria mais mexicano e americano, e não era isso. Quer dizer, era uma mistura incrível, né? E lembro dos hábitos, das coisas, e tem uma coisa que acho muito importante, que eu acho que o americano tem de bom, é que cê tem que se virar sozinho. Você tem que ir pra escola sozinho, você tem que fazer sua lição sozinho porque os pais trabalham, enfim, foi toda uma coisa que eu acho que foi muito importante pra mim, pra meu futuro, sabe, né, essa coisa mais rígida e mais independente, você ter que se virar sozinho, né?

P - Eu queria que você falasse um pouquinho da, você havia dito que foi aí que sua mãe começou a trabalhar. Ela começou a trabalhar por uma opção? E por que ela foi pra coisa da moda e tal? Eu queria que você falasse um pouquinho a respeito disse.

R - Bom. Ela sempre foi uma pessoa, assim a nível estético, incrível a minha mãe. Assim a nível de percepção de forma, a maneira que ela se vestia, a maneira que ela se apresentava, a maneira, a mania que ela tinha de me arrumar, também, na moda, e eu querendo me desarrumar, né? E ela conheceu uma pessoa, americana, porém que tinha morado na Europa e que queria montar um negócio. E minha mãe também não era das pessoas, diria, mais de ficar em casa que eu conheci. Ou seja, uma pessoa também superativa, né, superagitada, não no sentido de ser nervosa, mas no sentido de não parar quieta. Se não estava cozinhando, estava fazendo e quem ensinou ela a cozinhar foi meu pai. Meu pai cozinhava divinamente bem, porque ela sequer sabia estalar um ovo, quando o conheceu. Por causa da guerra, por causa de tudo que ela passou, e também por causa da idade. Ela tinha, quando conheceu, meu pai tinha 2O anos a mais, apesar que não parecia da minha mãe, né? E quando ele conheceu ela, ela tinha 16 pra 17 anos, quer dizer não tinha nem como ela saber. E como meu pai cozinhava, assim divinamente, né, ele ensinou, e ela foi pegando o gosto e também começou a cozinhar divinamente. Quer dizer, podia até ter aberto um negócio sobre comida. Porque era incrível os pães, os doces, o requinte, o refinamento. Me lembro até das formas que minha mãe fazia das coisas, muita coisa até judaica, outras polonesas e tal. E aí ela percebeu que, a gente estava na escola, meu irmão, né, ela sozinha, meu pai trabalhando, enfim, e ela queria fazer algo, e ela realmente também se dirigiu, não que ela tivesse, minha mãe não teve curso superior por causa dos eventos da vida dela, mas ela tinha um talento nato. Muito de comerciante e um lado também estético. E montaram essa loja, tipo a mão-de-obra era muito fácil porque tinha muito esse lado imigração que queria ser, às vezes até escondido, os mexicanos que queriam ir pros Estados Unidos, então eles tinham um talento até nato pra essa coisa de costura, e ela montou e fez roupas, eu me lembro até da loja, assim, era mais nem bem uma loja, era mais um atelier, né, e até uma coisa, adiantada, pela época. Voltando, pra pensar agora, na época eu não tinha nem idéia disso. Mas a maneira que expunha, a quantidade de peças, a maneira que era, e acessórios, e tudo isso, eu lembro que ela daí pra Nova York, pra buscar acessórios dela e tocavam, aquela loja, até a gente vir pro Brasil.

P - Eram roupas femininas ou era pra criança?

R - Não não. Só adulto. Feminino mesmo. Mais assim na faixa etária dela, que era jovem naquela época enfim, mas pruma faixa. Me lembro de mulheres, imagino de 25, 3O, 35, não era pra adolescente, muito menos pra criança. É moda feminina mesmo, né?

R - E a loja que se lembra, era uma espécie de atelier, ficava onde? Ficava ...

P - Ficava, a cidade era muito pequena, e tinha um centrocomercial e tinha uma rua que tinha já lojas melhores, mais direcionadas a determinados, tipo boutiques mesmo, não se chamava naquela época boutique, né, mas enfim era mais ou seja, um de presente, outro de, enfim, coisas de casa, roupa de cama, aí tinha coisa masculina, mas sempre em escala melhor, não o que tem típico nos Estados Unidos que eles chamam Old Dry Goods, que não tem eletrodomésticos, lojas que tenha tudo pra família inteira, ou os Departments Stores, né, que tinha lá também. Aquilo era uma ruazinha muito simpática, tinha, eu lembro um café também, típico, vamos dizer, e essas coisa que você em Santa Fé com a Coradobe que era do lado, e minha mãe tomava café, eu lembro que eu tenho essa lembrança. O que ela tomava de café o tempo inteiro, acho que europeu, né, porque americano, eu lembro que ela não tomava café americano. Ela fazia careta, né? Porque era água pra ela. Então eles tinham, ela levava lá e nesse restaurante, a moça fazia como ela gostava do café, né?

P - Você disse assim, que você percebeu, hoje, que era uma coisa muito, vamos dizer assim, avançada pra época assim, em termos de ...

R - Nós estamos falando de 35, 37 anos atrás.

P - Ë, exatamente, a nível de, a própria concepção. Que é que te marcou assim. Como eram expostas as mercadorias, os produtos?

R - Eram expostos de uma maneira muito elegante, a própria loja era muito, eu diria clean, que naquela época nem sei se existia essa palavra. Então era assim, muito elegante, né, mas sem intimidar, muito claro, eu me lembro muito claramente. Não me lembro das roupas, se pedir pra descrever não lembro. Eram de bom gosto. Mas assim: era muito claro, as coisas, quer dizer, era uma maneira muito fácil, já via o sapato que tinha e isso tenho dentro de mim até hoje. Quer dizer, era tudo muito claro a exposição, pouca coisa, porque americano é típico aquela coisa de juntar muita coisa, você tem que fuçar. De uns anos pra cá, dez, 15, que começou essa coisa de setorizar, mesmo assim é muita coisa, é uma abundância, como tudo nos Estados Unidos, né? E naquela época me chamava muita atenção. Tinha um sofá, né, e me lembro que iam senhoras, iam fazer prova, provavam a roupa, e isso me marcou muito, essa estética em si. Era clarinho, clarinho, bege, né? Me lembro muito disso.

P - E você, depois da tua estada nos Estados Unidos, vocês vieram para São Paulo. E eu queria que você falasse porque que vocês saíram de lá, ainda mais que vocês já tinham a cidadania americana, né, e como é que foi essa imigração para o Brasil?

R - A minha mãe, como eu havia dito, ela já havia estado no Brasil, nós não. A minha mãe já tinha vindo algumas vezes pro Brasil para visitar uma irmã e dois irmãos, que estão até hoje aqui, estão vivos, né, e minha mãe tinha uma saúde muito, muito, muito frágil e ela tinha uma segurança, a razão pelo qual nós viemos pro Brasil, foi que o estado de saúde da minha mãe piorou muito, e a preocupação dela e meu pai já tinha tido também problemas de saúde, infelizmente a nível cardíacos, e o grande medo da minha mãe era eu e meu irmão ficarmos, entre aspas, sem uma família. Seja. E ela sentia muito segura que a gente estivesse aqui, com os irmãos e tal, não foi por nenhum outro motivo a não ser esse, né? E nós saímos em janeiro, 60 e chegamos... aliás em janeiro, dia quatro de janeiro de 61 e minha mãe faleceu em julho, dia 31 de julho de 61, seja, seis meses depois da nossa chegada. E a nossa viagem, nós saímos de Nova York, né, do porto de Nova York, né, e nós paramos em algumas ilhas, Caribe, enfim, no caminho, uma viagem que levou 20 e tantos dias pra chegar. E o primeiro lugar que nós aportamos foi o Rio de Janeiro. Que eu fiquei absolutamente deslumbrada. Porque minha mãe tinha me descrito por fotografia, depois meu pai trouxe toda uma leitura que tinha do Brasil, sobre a história do Brasil, enfim, da colonização, como foi, quem foi, e a minha impressão, porque daí o navio ia ficar atracado três dias no Rio, né? Era impressionante a beleza da cidade e uma coisa com uma cultura completamente diferente até então visto por mim. Porque: Europa, Nova York, Novo México são culturas, quer dizer, bem diferentes. Uma cidade lindíssima, limpíssima. A primeira visão que eu tinha quando eu saía do porto que foi o pessoal da família nos buscar pra ficar com a gente, né, os homens todos de chapéu Panamá, ternos de linho, né, assim as mulheres chiquérrimas. Eu me lembro que era uma coisa, né, que não é todo o americano que é chiquérrimo, né, (risos) então tem uma estética assim, completamente diferente. E uma coisa que me marcou muito foi a cor do Brasil, quer dizer, a luz, né, e a coisa do verde, das areias e a própria luz mesmo, sim, que eu sempre reparei muito nisso, assim o sol, a cor, a cor das pessoas, quer dizer isso me marcou muito quando cheguei no Rio de ser menina, né? E eu não tive nenhuma dificuldade de me comunicar porque eu tinha italiano e falava perfeitamente espanhol. Então, quer dizer, tinha palavras que, óbvio, eu não entendia, mas que, né, não era difícil de assimilar o que estavam falando, né? Do Rio, depois atracamos, fomos pra Santos. E lá foi uma coisa que eu não entendia, e que perguntava pro meu pai: "Pai, como que o Rio de Janeiro que é tão bonito, e aqui é onde nós vamos morar?" Porque, Santos era São Paulo, né, falava: São Paulo, Santos, São Paulo. "Pai que lugar mais estranho, com umas figuras estranhas, com uma gente estranha." Aí, depois, muitos anos depois, que aquilo era todo, além das docas, tudo, era todo um lugar, já, de prostituição, já naquela época, era uma barra pesada Quer dizer, o tipo de figura que você via lá era completamente o contrário do cartão postal que tinha sido o Rio de Janeiro naquela época, que eu não vou esquecer nunca dessa imagem do Rio quando desci. Uma das coisas mais bonitas que eu... era e ainda é, quer dizer, não é o que é, em termos políticos ou sociais, o que fizeram depois que mudaram o Rio para Brasília, infelizmente, que nunca devia ter acontecido. Mas era uma visão deslumbrante. Pra chegar em Santos. Bom, chegamos em Santos, descemos, aí tinha carro, desceu, mala, baú, enfim todas aquelas coisas que a gente estava trazendo uma mudança pra cá, pelo menos pessoal. E o caminho de Santos para a cidade de São Paulo, né, quer dizer, aí sim, quer dizer, saindo daquela zona toda, né, e aí pegando a serra, aí eu achei deslumbrante de novo. Porque mar, e é muito bonito, né, a paisagem, que era a estrada antiga, evidentemente não tinha a Imigrantes, nada disso, né, e aí chegamos em São Paulo. E que aí também foi algo que me chocou, quando cheguei, isso eu lembro. Porque primeiro: eu só via tudo cinza. E naquela época que eu cheguei tinha até uma música que chamava "São Paulo da Garoa", porque só garoava em São Paulo. Eu me lembro de sol, seja, era dia após dia de de garoa bem fininha, o tempo inteiro, e sempre cinza Quer dizer, não lembrava de São Paulo de outro jeito. Claro que era diferente de hoje. Mas já era aquela coisa espigão de cinza, né, isso foi a minha chegada, minha impressão primeira do Brasil, né?

P - E vocês vieram pra São Paulo e vocês foram morar em que bairro?

R - Nós primeiro ficamos alguns dias aqui no Bom Retiro mesmo, né, e depois eu fui em seguida que estava aprontando pra Jardim América na Rua Estados Unidos.

P - E seu pai veio fazer, que tipo de atividade ele começou aqui no Brasil?

R - É, os meus tios tinham, fizeram uma sociedade, eles tinham uma confecção, e meu pai, sempre, como era mais técnico, por causa da formação dele, ele fez uma fábrica que existe até hoje que chama Elanew, que o meu irmão toca, era meu pai e meu irmão que tocavam, de panos feitos com um tipo de máquina que chama quetinstul que é uma máquina alemã, que faz panos tipos nylon e jérsei, em grande produção. Para, desde para camisolas, enfim, lingerie que não são feitos em 100% algodão e seda, então esse tipo de coisa mais popular, e ele montou essa fábrica e até hoje existe essa fábrica, só mudou de local, mas existe, e também aqui no Bom Retiro.

P - E nesse período você, aqui no Brasil, você freqüentou a escola também?

R - Eu fui imediatamente pra escola, Escola Americana, que era o Graded School, né, que quando eu cheguei fiquei pouco tempo, e hoje é onde está a União Cultural Brasil-Estados Unidos, na Coronel Oscar Porto, né? E que foi o Graded School, né? E depois se mudou que parecia uma aventura sem fim naquela época, que mudou pro Morumbi onde é hoje, na Giovanni Gronchi, né? Tá lá até hoje. E era como eu estivesse indo pras outro país, outro estado, porque de onde eu morava, e naquela época realmente, 30 anos atrás não tinha nada Não era, era completamente nada. Não tinha shopping, não tinha nada. Era uma aventura, tanto é que eu tinha que sair, o ônibus passava na minha casa 20 pras seis da manhã, pra poder chegar no colégio um pouco antes das oito. Que ia buscando, também no caminho outras crianças. Então, foi, essa parte até 12º ano que eu complementei na escola americana. Porque meus pais, na verdade até queriam que eu fosse pruma escola brasileira. Primeiro: não era válida nenhuma documentação americana naquela época, como não era naquela época reconhecida a escola americana pra estudos brasileiros, né, então você tinha que fazer toda uma ... então eu perderia um ano de colégio, de ano de colégio, voltaria pra trás pra fazer toda uma readaptação, então acharam melhor e também foi uma fase difícil, porque quando começou as aulas eu já tinha perdido minha mãe, e meu pai também achava que isso ia ficar muita coisa, toda essa readaptação, saindo muita coisa do meu normal. Então continuei na escola americana, que por sinal era, tinha uma excelente qualidade.

P - E depois desse curso que você fez do Graded, você fez alguma outra?

R - Fiz artes plásticas na Fundação Armando Álvares Penteado, não a de hoje. Era uma escola somente direcionada, na verdade uma fundação, que dona Ani Álvares Penteado que a casa dela era na frente, e o marido deixaram como uma fundação pras artes, e daí se mudou completamente aquilo e acabou virando o que é hoje, sem comentários, né, mas naquela época era uma escola direcionada só artes plásticas, à arte, e, depois, se dava aula. Então me formei lá, e dava aula pra criança, que é uma coisa que, sempre falo, que eu só me via e me vejo, trabalhando com criança. Tenho grande paixão com criança e tenho grande prazer de estar e trabalhar com criança, e fazer pela criança, né, e já naquela época dava aula, e depois parei, casei nesse ínterim, né, tive minhas filhas, as primeiras duas filhas, parei de dar aula, né, e aí eu sabia que eu queria fazer algo ligado à criança mas não dar aula, e aí onde comecei meu projeto Giovanna Baby, fazer roupa e um conceito pra criança.

P - Eu queria que você falasse um pouco disso, eu queria que você falasse um pouco dessa fase exatamente que você deixou de dar aula, né, da sua constituição de família, eu queria que você falasse um pouco do seu marido, como foi que você o conheceu, e eu queria que aí você entrasse exatamente no conceito Giovanna, Giovanna Fábrica, Giovanna Baby, que eu acho que é muito importante, a gente ver isso.

R - Tá. Bom eu conheci meu marido, foi até engraçada a história, numa sinagoga, num dia de Iom kipur, que é o Dia do Perdão, nosso na religião judaica. E saí de uma das rezas, né, estava já em jejum, né, porque você jejua 24 horas assim que tem o por do sol, até o dia seguinte, e eu havia sido apresentada pro irmão dele. E estava num intervalo de uma das rezas, saímos e estava um calor infernal, eu lembro disso, era em setembro, e me apresentaram, aí ele virou pra mim e falou assim: "Você gostaria de ir no cinema?" Falei: "Iom Kipur?" "Vamos no cinema." Eu falei: "Bom, vou perguntar pro meu pai." Aí falei: "Pai, posso ir no cinema?" "Minha filha, você está ficando louca?" (risos) Aí eu insisti e falei: "Não, mas deixa eu ir no cinema, nunca fiz isso em Iom Kipur." E lá fomos assistir um filme brasileiro, que era do Person, o filme São Paulo S/A, são 30 anos atrás. E aí fomos no cinema, saímos do cinema, e aí, tinha horário, coisa bem rígida, e eu cheguei em casa, e a partir daí entre noivado e casamento foi praticamente nove meses, né? Então casei com 18 anos. E meu marido nessa época era arquiteto de formação, a formação dele é pela FAU, né, e além disso ele, eles tinham um escritório, quer dizer, de arquitetura, pessoal que era da FAU, ele dava aulas, e me fascinava muito, de história da arte, aliás, deslumbrante a maneira que ele dava aula, né, e sobre urbanismo também, e fazia também cenografia, né, foi época do teatro de Arena, e também fizeram várias cenografias no Teatro Municipal e ele continuou esse trabalho, e também se ligou à família, que mexe com fios industriais, né, que até hoje existe, né, que foi meu sogro que fundou, e os dois irmãos trabalham então, até hoje, com fios industriais. Quer dizer, outras coisas do ramo, e outros ramos de atividade como armazém, que ele construiu, também como parte da atividade, eu tive, exatamente um ano depois que eu casei, minha primeira filha, a Helen e 11 meses depois a segunda filha, né, Karen, e foi nessa época que eu decidi também parar de, foi a época que eu parei de dar aula, né, quer dizer, continuei ainda dando no Graded e tal, e continuei fazendo um trabalho na Pérola Byngton, com criança, etc., mas aí decidi parar para cuidar das minhas filhas. Eu acho que isso era uma coisa importante, porque, como eu havia perdido minha mãe muito cedo, eu queria estar próxima delas, né? E eu tinha uma coisa na minha cabeça. Eu achava que eu também ia morrer aos 33 anos. Então, no dia que eu fiz 33 anos e um dia, eu falei puxa, acho que eu ficar, viver até um pouco mais velha Mas eu tinha, eu conversei com outra gente também que perdeu a mãe muito cedo e elas tinham a mesma impressão também. Você tem a impressão que você também, né? Falei, bom, já tô chegando perto, quer dizer, perto entre aspas, preciso aproveitar esse tempo. Mas aí passou, também. (risos) E com minhas filhas, que na verdade, começou isso, porque eu procurava roupa pra elas, e nessa época, São Paulo na verdade tinha basicamente duas lojas. Uma na cidade, que era muito tradicional, na Xavier de Toledo, e uma na Rua Augusta. Eram as únicas duas coisas mais direcionadas pra criança. E tinha um pessoal em casa que fazia enxovais, que ficou até famoso, a Cida, que era famosa pelos seus enxovais etc., mas eu não gostava de nada. Eu não achava que tinha nada que tinha a ver com elas, e eu comecei a achar gente que fazia as coisas pra mim. E nesse ínterim também aprendi a cortar e costurar, começou a me dar desespero que eu não poderia ter as coisas que eu queria. Eu me lembro até, eu saía com elas, né, as pessoas me paravam na rua: "Mas que roupa maravilhosa. De onde é essa roupa?" Falei que era eu que fazia, "Ah, tá bom." "Não, mas é verdade." "Então faz um pra mim." "Mas eu não posso fazer um pra você." Fazia pras minhas filhas (risos) , quer dizer... (risos) E assim era com tricô, com coisas planas, fazia brinquedinhos pra elas, né, quer dizer, e onde ia com elas, paravam e perguntavam da roupa, né, mas ainda não estava na minha cabeça, o que é que, não estava formada, acho que ainda não tinha maturidade pra saber exatamente ainda, não estava amadurecido o que eu queria fazer. Quando fiquei grávida, seis anos depois, da Mariana, ao longo da gravidez, na minha cabeça, que eu percebia. Primeiro: que eu não tinha nem personalidade para ficar em casa, só. Dois pontos: que não era só isso que poderia esperar, né? E começou a se formar muito essa coisa de como eu via a coisa pra criança, e ai estava, na minha cabeça, que eu queria fazer roupa de criança mas não meramente roupa. Eu queria fazer todo um conceito pra criança, né? E a Mariana nasceu em junho, e em dezembro inaugurei a primeira loja, quer dizer, fiz primeiro em cima, uma oficina, né, pequena, no prédio da Alameda Franca, que é perto da Rua Augusta, né, em cima fiz uma oficininha mínima, com uma mesa, uma contramestre, sem nenhuma experiência empresarial, né, nenhuma noção, né, assim, empresarial, tinha sim, o sentido que eu queria fazer uma roupa, ou isso, que precisava de tanto e assim ia indo, devagarzinho, fazendo. E enquanto isso aluguei a loja de baixo, fui reformando a loja, né, e aconteceu de tudo. Achei um arquiteto francês, porque eu não queria algo comum. Eu queria uma coisa lúdica, uma coisa onde as crianças pudessem mexer, onde as pessoas pudessem mexer. Que não fosse uma coisa estática, né? Então seria na verdade um cenário, né? E, dei o sinal, e o arquiteto, fugiu. Com o sinal, e que já num tinha muito, né, e aí fui descobrir que veio a polícia, tal, e que era procurado pelo Interpool , não sei o que ele tinha feito. Mas em resumo, né, atrasou um pouco, né, enquanto isso em cima fazia as roupas pra loja, e nunca que eu consegui inaugurar a loja, porque as pessoas iam subindo, eu ia vendendo as roupas e nunca conseguia juntar roupas pra abrir a loja, né? (risos) Falei: bastou, nós vamos ter que, né, preparar as coisas, não pode subir mais ninguém. E foi assim que começou, a Giovanna. E a Mariana, muito pequenininha, bebê, né, e ela ia aonde eu fosse. Carregava ela junto, ela dormia lá, porque as outras já estavam na escola, né, e onde eu ia ela ia junto. Em baixo do braço, ou em carrinho ou em cestinho, eu me lembro que um dia a gente esqueceu no meio dos panos, até esqueci dela, né, que foi traumático, nós fomos puxar os panos e aí puxa um bebê junto. Mas ela estava lá tão quieta, dormindo, né, mas ela ficou nesse ambiente assim, de costureira, de contramestre, da gente o tempo inteiro. Porque era tudo no mesmo lugar, né? E no dia quatro de dezembro de 74 , nasceu a loja e o conceito Giovanna Baby, né, Alameda Franca e era... eu lembro até os comentários. E era assim: "Isso não vai durar seis meses, né, imagina." Assim, as coisas mais indelicadas, né? Falava na minha cabeça: "Ah tá." E assim parece ser uma coisa, como a cor da minha loja e uma história dela, que é cor- de-rosa, né, que eu achava que era, tinha todo um estudo de cor, e rosa pra mim era uma cor de alto astral, de uma coisa boa. Ou seja e mesmo a cor rosa, contra a pele da gente de bebê dá uma luminosidade, uma coisa muito bonita na pele, né? Então, estou contando isso, mas a história não é cor-de-rosa. É uma história de toda a luta e transpiração que foi formar e fazer Giovanna Baby ou Giovanna Fábrica, o que quer que seja, quer dizer, foi uma luta que não me arrependo em nenhum momento, se tivesse que começar tudo absolutamente de novo começaria, evidentemente, com isso se aprendeu muita coisa. Acho que errar você deve errar, porque sem errar, você não vai conseguir acertar. A primeira coisa que você não pode fazer, é fazer o mesmo erro duas vezes. Mas, faria tudo absolutamente de novo. Eu não me arrependo em nenhum momento, e vejo nisso uma coisa muito gratificante e muito rico a nível de aprendizado, ainda estou aprendendo, e as equipes que foram formadas ao longo desses anos, que são muito importantes né, no contexto, e tem esse espírito de equipe, né, de trabalho. Mas foi, na época, uma coisa completamente nova, em termos de visual. Quer dizer, porque as vitrines eram feitas como histórias, né, quer dizer, tinha toda uma história, tinha todo aquele passado que eu tinha do meu marido, que era teatro, esse tipo de coisa, né, então eram cenários, e contavam várias histórias, e já tinha os brinquedos, já tinha boneca, e um ano e pouco depois, que eu já comecei a desenvolver, que eu sabia que gostaria de ter, seria a lavanda Giovanna Baby, né, e esse também tem uma história. Quer dizer, cada uma dessas coisa tem uma história muito gratificante e muito bonita atrás deles. Não é meramente um fato, que aconteceu por acaso. Quer dizer, não foi fácil também. E aí saiu a lavanda em, também perto do Natal, né, e depois disso, em alguns anos depois, viemos parar aqui na Barra Funda. Eu sabia que queria Barra Funda ou Bom Retiro. Eu não quereria ir pra nenhum outro local, a não ser, este né? Que é um bairro que eu tenho um enorme carinho. Quer dizer, acho que tem uma coisa carismática, quer dizer, vários bairros tem, mas esse pra mim, especial, tinha uma coisa muito carismática. Bom Retiro, Barra Funda, o próprio, ambientação dele né, e aí vim parar na Barra Funda, né, me lembro que fiquei procurando, procurando, e não era uma coisa fácil. E quando achei o prédio, parecia não só a terceira guerra mundial, mas a quarta. Estava em absoluta ruína o prédio, mas eu gostava muito do espaço dele, né? E naquela época foi uma coisa que chocou todo o mundo, quer dizer, chocou. Chamava muito a atenção, porque imediatamente, quando ficou pronto, foi inteiro pintado de cor-de-rosa. Então na Barra Funda, um prédio de três andares, na Avenida Rudge, onde parava ônibus, inteiro em tons de rosa, e chamando Giovanna Fábrica, quer dizer, já, foi algo que chamava atenção, né? E depois começou a se ampliar também as lojas, quer dizer que, dessa loja da Alameda Franca, começou a história de shopping centers em São Paulo, então teve o Eldorado, Morumbi, Shopping Center Morumbi, Iguatemi, e começou também a história de franquias, né, com a marca, e chegou um período também onde a gente também foi pro exterior, o que também foi muito gratificante, porque parece que tudo o que vem de fora é bom e invertemos um pouco o processo, e mostramos também, e sempre acreditei nisso, e eu continuo achando isso, o Brasil nem começou ainda a fazer, porque eu acho as pessoas extremamente criativas, não só do meu ramo, mas muitos, né, que tem a coisa nata, né? E fomos pros Estados Unidos. Quer dizer, foi um episódio também gratificante, né?

P - Eu queria que você falasse um pouco dos produtos, porque me parece assim, é como você disse, a questão do conceito, parece que você tem ... como você tinha dito, parece que cada boneca, cada personagem, você tem parece que vários personagens. Eu queria que você falasse, você disse pra gente, anteriormente, parece que, na última contagem, tem, não sei quantos personagens tinha. Queria que você falasse um pouco a respeito disso.

R - É. Personagem que a gente fala, cada um tem um nome, pra nós toma vida, né, a última contagem que tá, assim, deve ter sido feito muito mais do que isso, porque não é tão simples, também, como tá colocado aqui. Às vezes fica coisas, dois, três, anos, até sair, a nível de testar, a nível de fazer, porque é manual. Chamam de industrianato. E nós temos um mascote, que eu tenho imenso carinho, porque eu acho que tem uma coisa de muita vida, e que chama Gugu. Ele é inteiro feito, isso também na verdade, como meu marido trabalhava com fios industriais e meu sogro, foi um pouco também uma homenagem a meu sogro que, apesar de a gente estar num país bastante machista, e que naquela época era mais ainda, sempre me deu o maior apoio. Quer dizer, ele tinha uma visão, apesar de não ter estudos, não tinha universidade, era um homem muito simples e lutador, né, e eu acho que essa foi a minha forma de homenageá-lo com o que ele mexia, que eram os fios. E foi feito inteiro de fio, e é o nosso mascote. E todos os outros personagens, que são inúmeros, e são feitos manualmente, quer dizer, com o maior carinho e, cada um tem um nome, conta uma história, isso depois passa pras estampas, que vão na roupa, dentro de uma camiseta localizada, ou, enfim, uma série de coisas que sai disso. Que pode ser, desde um acessório de cabelo, até uma mochila, até uma sacola, até um chapéu, até enfim. Outros tipos de brinquedos também.

P - No começo foi só você que criou isso? Ou esses mascotes, essas coisas, hoje ainda continuam, como é que é?

R - É. No início, tinha uma organização muito pequena. À medida que a coisa foi crescendo, expandindo pra outras lojas, montamos uma equipe de criação, a qual a gente trabalha sempre em conjunto. Na fábrica não tem: "Eu fiz, ela fez", "nós fizemos." Quer dizer, esse é o espírito que a gente gosta de manter dentro da fábrica, então a equipe trabalha muito muito unido, né, e temos toda uma, porque a gente desenvolve, desde o tecido que a gente vai usar, nós não compramos estampa pronta. Então, se desenvolve, com às vezes, um ano, seis meses de antecedência, o tópico, o que é que nós vamos contar pras crianças. Ou seja: qual é o personagem? Qual vai ser a estampa? Quer dizer, qual o tema? Então, cada tema tem uma história, que tem um nome, que às vezes, entre aspas, tem ou não tem um personagem, e nesse universo que daí segue pra diferentes lugares, e enfim, desde a arte final, até chegar em fotolito, até ir pro tipo da estamparia, até às vezes é manual, que é o silk-screen, como pode ser industrial, né, e chegar nas matérias-primas. Quer dizer, sempre tive uma preocupação muito grande com o conforto da criança, com movimentação da criança, né, e, com a própria identificação da criança em relação à roupa. E criança mesmo sem saber ler ou escrever, ela identifica um objeto seja uma coisa Giovanna Baby. Quer dizer: tem uma identificação visual muito forte com a criança, né? E isso pra nós sempre foi muito importante. E a partir daí a equipe, em cima dessas idéias, então se desenvolve, se faz lá mesmo, como laboratório, com todos os protótipos, até a gente ver que aquilo é legal, não é nocivo à criança, e aí sai, todos os personagens.

P - E, me diz uma coisa. E com relação à embalagens. Existe uma preocupação, também com relação à embalagem. Como é que vai esse produto? Na verdade, a embalagem passa a ser também um produto Giovanna, né?

R - É verdade. Eu acho que é tudo, né? É todo um respeito e por que não, eu acho que isso é importante também toda essa programação visual, né? Porque é um respeito que você tem primeiro com o seu cliente, primeiro com a criança, e com você mesmo, sabe? Acho que isso é uma coisa fundamental, né? Mesma coisa que você dizer: bom, temos aqui uma linda casa. A sala é maravilhosa. Você saiu da sala, só está a sala. O resto está em ruína. Eu sinto a mesma coisa em relação a produto. Então acho que tem que ter uma preocupação, uma pesquisa constante, eterna, uma coisa, uma modificação, não ficar parada, também, um tempo. Uma pesquisa, uma pesquisa mundo, uma pesquisa universo, uma pesquisa criança, né, e a gente tem a preocupação, sim. Acho que isso é importantíssimo, né? E não só uma coisa pra ser jogado fora, descartado. Quer dizer é uma coisa pra você até guardar e ter prazer de receber, ter prazer de dar, quer dizer, eu acho que é importante.

P - Você havia nos dito que, me parece que no Nordeste, os produtos Giovanna Baby têm um maior impacto, né? Eu queria que você falasse um pouquinho disso, parece que a Giovanna no Nordeste, tem um impacto maior, né?

R - Não é que tem impacto maior. Acho que é impressionante por toda uma... é Brasil. Brasil, estamos num enorme, uma coisa continental, gigantesco. As distâncias, a cultura, clima, tipo de vida, né? Eles têm uma identificação muito forte com a Giovanna. E tem uma outra coisa também. Nas coleções da Giovanna, nós sabemos perfeitamente que aqui não tem inverno. Seja, e muito menos no Nordeste. E sempre foi feito coleções respeitando as coisas, não só climática como, essa coisa, que é muito rica na gente, de cor. Acho que o Brasil nisso é impecável. Quer dizer, essa coisa primeiro natural das cores. Seja pela vegetação, seja pela cor do céu, pela, enfim essa coisa, e brasileiro, de modo geral, mesmo vindo de camadas mais pobres, ele adora essa coisa de profusão de cores, e de alegria, né, é como se fosse, desde a escola de samba até a própria música, até enfim, essa coisa, e a cor. A cor em si. Quer dizer, é uma coisa meio natural, né? E a gente usa muita cor. A gente faz muita cor, que eu vejo essa coisa muito colorida, né, e eles têm uma identificação não só com essa coisa da cor, mas com o produto em si, né, e principalmente com a lavanda. Que numa inauguração que eu fui fazer de uma franquia, fiquei sabendo, não só por um, que todos os pediatras do Nordeste recomendam que usa a lavanda Giovanna Baby. Então, a coisa curiosa nesse sentido. E a gente tem um grande afeto pra esse lado. Nordeste, só lamento tempo e distâncias, porque eu gostaria até de passar um período pra desenvolver, sabe, matérias-primas, que eu acho que tão aí mas que precisaria ficar lá pra insistir e não modernizar no sentido de mudar, mas de poder tornar um processo mais, não digo industrial, mas um processo menos artesanal um a um, né? E eu lamento muito isso, porque eu acho muito rico, essa coisa, né, dos produtos deles, mal, às vezes mal desenvolvidos, né? Quer dizer no sentido que poderia ter uma produtividade melhor, né?

P - Eu queria que você falasse assim, a principal cliente da loja são as crianças, né, qual é a reação delas quando elas chegam na loja, qual o impacto?

R - Ah, tem diversos tipos de impacto. Quer dizer, tem toda uma coisa até de criança que se dirige aos personagens e começa a conversar, se identifica, menino e menina, e aí já pergunta o nome, e aí já começa a contar uma história, já começa num gestual, a fazer até um teatro com a criança, com a personagem. Criança assim, essa coisa, quer dizer, interativo com a gente já é há 20 anos, ou seja, agora tá na moda, né, essa coisa "interatividade." Criança já tinha isso com vitrine, eu recebo correspondência de criança, muito, tanto é que a fábrica, pra vocês terem idéia, se só puser Giovanna Baby, de onde estiver, chega. Não precisa nem por CEP, nem endereço, o carteiro já traz toda a correspondência, desde que esteja escrito Giovanna Baby. Já sabe. Então a gente recebe do Brasil inteiro, quer dizer, comentários. Temos diversos tipos de correspondência. A correspondência sugerindo, ou seja: a criança perguntando ou dizendo que teve um sonho, ou contando uma história da maneira dela, na letra dela, e no punho dela mesmo, e você vê que é a cabeça dela. Você percebe a carta quando o pai mandou escrever. Porque num perde toda a sua inocência e coisa infantil. Então eles sugerem E a gente, um período até abriu a fábrica para visitação, porque criança não tem a mínima idéia de como é feito, o processo, e almoçavam comigo, faziam perguntas, quer dizer, teve toda uma coisa interativa até. E as sugestões que são importantíssimas, os desenhos das crianças que a gente usa em camiseta, né, também. E eles tinham uma coisa assim de sugerir, de criticar, de achar menino: "Isso, faltava isso pra ser realmente masculino." Ou a menina dizendo que gostaria de mais saiote. Quer dizer, tinha toda uma coisa participativa mesmo. As vitrines são muito participativa das crianças também, a maneira que a gente fazia a vitrine, né? O próprio cheiro, quer dizer, eles pedem pra pôr num brinquedo, até hoje qualquer brinquedo, qualquer personagem sai, a gente pergunta antes se gostaria que fosse perfumada, 95% é perfumado, que sai da loja com a lavanda Giovanna Baby, né, e tem uma coisa até da roupa, da identificação na roupa. E não tem o pai dizendo que a criança vai dizer há muito tempo. Se criança não quiser vestir ela não veste, a mãe, às vezes até, faz aquela chantagem tipo: "Mas eu não vou comprar." "Então não compre, porque esta roupa eu não ponho. Eu não gosto de vestido, eu só gosto de calça, e assim, eu vestirei a calça. E não quer me comprar a calça, eu não vou comprar roupa." Quer dizer, uma personalidade, muito forte. E tem centenas de histórias. Tem uma menina que sai com o pai, que era separado, e o pai, desligado, tudo, de que é que é o que, e foi entrando no shopping, levando pra uma loja. A menina nem ia: "Aqui eu não entro." "Mas como minha filha, tem coisas ótimas." "Aqui eu não entro." "Mas onde você quer ir, minha filha?" "Quero ir na Giovanna." "Mas qual é a diferença?" "Eu só quero presente se for da Giovanna, mesmo que você não me comprar, eu quero ir na Giovanna." Então tem coisas, quer dizer, tem uma ligação muito forte. Eu tenho centenas de histórias de criança, né? Que eu quero até resgatar isso um dia e fazer um livro dessas coisas dos comentários das crianças em relação. E tem pedidos, também, de camadas menos favorecidas, que pedem roupa, mas que conhecem profundamente a marca. Quer dizer, já tive caso de até funcionárias do shopping, de filha, e com o que tinha de dinheiro, que é óbvio que não dava, que o sonho da mãe era ter uma lavanda, se esse valor dava, que ela queria dar pra mãe e ela mesmo usar a lavanda. Então, sabe tem histórias muito gratificantes, muito bonitas, em relação a essa relação criança-Giovanna Baby, né, a marca e, às vezes até a pessoa. Porque eles me chamam, eles acham que meu nome é Giovanna Baby. Eles acham que eu sou a Baby. Então que eu tenho a ver com isso, né? Aí eu explico pra eles que não, explico a razão, né, e que eu não sou Giovanna Baby, sou Giovanna Kupfer. Pra separar, porque eu viro às vezes uma entidade que se funde muito até com a coisa da loja, como uma personagem. Um dos personagens sou eu, né Quer dizer, mas é muito gratificante.

P - Você nos falou um pouquinho a respeito da sua entrada no mercado americano, né, que foi um convite e tal, e você falou que foi uma coisa muito bonita que foi a entrada na ...

R - Bergdorf

P - Exato. Eu queria que você falasse um pouquinho a respeito.

R - A Bergdorf é uma loja na 5ª Avenida de Nova York, única, é uma loja de sete andares, tem mais de 50 anos essa loja, e não é um departments stores, que eles chamam nos Estados Unidos de speciality stores. E é muito seleto o que tem lá dentro. Tem todas as grandes marcas mundiais, tipo Chanel, Saint Laurent, as novas revelações, né, do mundo inteiro, as marcas americanas, tem todo um setor de perfumaria, e eles não tinham criança lá dentro. Porque nunca tinham achado nada que tivesse a ver com toda a imagem da loja. E um pessoal esteve aqui no Brasil, pediu um contato comigo, e eu não estava pronta, em hipótese alguma, isso foi em 84. Em 85 voltamos a conversar, e pedi que me dessem um ano pra poder entrar com muita seriedade no mercado americano e principalmente na loja deles. E, em abril de 86 inauguramos, um espaço de 300 metros com o conceito Giovanna Baby Brasil, com as cores Brasil, arquitetura, na época, das nossas lojas, né, interior das nossas lojas, logotipia, sacola, enfim, maneira de expor, parecia que estava transportando uma loja daqui pra lá. E se juntou, que é raríssimo pra eles darem, né, deram seis vitrines, entre 5ª Avenida e a 57, 56, perdão, sete que é do lado do Plazza, em Nova York, ali perto do Central Park, né, que tiraram pela primeira vez as fantasias do Ballet Nutcracker porque o American Ballet participou da inauguração da loja, e pela primeira vez saiu do Metropolitan Museum de Nova York, as fantasias do Nutcracker, que é Quebra Nozes, né, o Ballet, mas dos adultos, não das crianças, né, e fizeram as seis vitrines com a própria roupa, do museu, né, do Nutcracker, e as roupas Giovanna Baby encarando essas roupas e com a placa, tudo. Então a inauguração em si foi emocionante, teve uma aceitação maravilhosa por parte do público americano, e aí, a partir daí, estendemos também a abertura dentro do mesmo grupo no (Nimann?) nas Lojas (Nimann Markas?) em várias cidades. Chegou a entrar em 21 cidades americanas. Tivemos lojas em 21 cidades americanas, fora Nova York.

P - E você acabou, saindo do mercado estrangeiro, na verdade porque você me disse também que entrou no mercado europeu através de Portugal. Eu queria que você falasse um pouco do por que da sua saída. Eu acho que isso é uma coisa importante, porque eu acho que isso é uma filosofia, inclusive.

R - Bom. Nós moramos num país que, eu acho que desde que foi fundado é muito difícil você fazer um planejamento. E por vários motivos, exatamente, porque meu ramo exige uma preparação de um ano, pelo menos, pra eu poder lançar todo um conceito, uma coleção, que são lançadas duas por ano. Requer primeiro: um capital de giro gigantesco. Porque você tem que estar muitos meses adiantado, investindo no seu estoque, até chegar na sua ponta final. E com todos esses planos, né, inflação, um dia é assim, outro dia congela, no terceiro dia ágio, no quarto dia não sei que, no quinto dia não sei quanto, era muito difícil você fazer um planejamento, até financeiro e que te permitisse sobreviver sem você entrar num banco, né, que é a pior coisa que você... é suicídio, né, que no Brasil nunca teve nada a longo prazo pra investimento. Tudo aqui era curtíssimo prazo, e se possível antes de ontem de manhã cedo, antes de vencer. Quer dizer. Então quando comecei a ver Plano Sarney, que vieram os americanos pra cá, pra pedir uma coleção, e não se sabia nem quanto valia o dólar, nem quanto valia a moeda, e nem que moeda era, e nem como era, e começou a sumir matérias-primas, e eu tinha compromissos tanto morais como profissionais com eles, começou a me dar desespero. Consegui por muito custo, na verdade, subsidiei, ao longo de todo esse tempo, que estava nos Estados Unidos minha roupa, só que isso tem um limite, né? Porque eu não sou estatal e nem tenho um enorme capital de giro disponível. E eu comecei a perceber que, tudo bem, é muito gratificante, mas tem o lado, primeiro, profissional, moral, e também que tinha também muita coisa por ser feito no Brasil pra pôr em ordem, porque desordenaram absolutamente tudo. Paramos de fazer franquia, sabe, tivemos que reestruturar, e eu também cheguei num amadurecimento, dentro da empresa, que não poderia ser meramente uma empresa familiar. Teria que ser uma estrutura empresarial, profissionalizado, né, e entre todo esse pensamento e filosofia, foi um pouco antes de entrar Collor, comecei a ficar um pouco preocupada qual seria o próximo moeda, o próximo que a gente não sabia ainda, né? Eu fui até Nova York, convoquei uma reunião, expus todos os fatos muito cristalinamente pra eles, pedi desculpas inclusive, mas que eu não sentia que eu tinha uma possibilidade de dar continuidade ao trabalho sério, e que só imaginava dessa forma com eles. Eles foram maravilhoso comigo, inclusive me ofereceram dinheiro adiantado, não queriam parar, mas eu expliquei pra eles que, realmente, seria muito, muito difícil, sabe?, continuar, com isso. Porém, tanto um lado como o outro deixou muito claro que as portas pra mim, e eu em relação a eles, estariam sempre abertas, e que no dia que as coisas aqui se acalmassem, que eu poderia voltar ao mercado americano. Isso foi uma sorte, porque isso foi um pouco antes do Collor tomar posse onde, você sabe muito bem o que aconteceu, tomaram todo o dinheiro, ficou todo o mundo sem nada, né, com uma mão na frente outra atrás e, só Deus sabe o que foi aquele primeiro ano, e até aconteceu um episódio que pra mim foi muito gratificante, que acho que vai ser lembrado por muita gente. Com toda essa dificuldade, tanto financeiro, como de matérias, como tudo, eu fiz uma coleção que pra mim foi memorável, como lição de vida, que foi a Coleção Recessão. Porque foi um dos piores Natais da história brasileira de comércio, estava um desespero, tinha uma concordata depois da outra no ramo e em outros ramos, aquele desespero de todo o mundo, e eu juntei absolutamente tudo que eu tinha na minha fábrica, né, pra... Porque, primeiro, porque ninguém tinha dinheiro no bolso. Começo de conversa. E todo o mundo, prum lado é Natal. Então que é que eu fiz? Juntei absolutamente tudo que eu tinha, meus fornecedores, baratearam custo, falei: não vai ter uma sacola, não vai ser caro, quem quiser, eu me lembro que os produtos eram, na época, equivalente a 135, e o produto mais caro era 15 dólares, né? Bom, foi a única loja que tinha fila na porta, e foi tudo reciclado. Ou seja, não comprei nada. E pra ir da loja era em saco de lixo que ia pra loja pra não gastar em cartonagem, e era a única loja, e resgatei assim os brinquedos, usando o que eu tinha em casa. Foi uma lição de vida isso pra mim. Em todos os sentidos literais. A solidariedade dos funcionários, porque assim consegui pagar 13º, consegui pagar meus compromissos, e toda a recepção e receptividade, as cartas que eu recebia do público, agradecendo, que graças a essa coleção todos os filhos puderam ganhar presentes e roupa, e era uma festa, porque você, pensa bem, uma roupa que seja hoje a três reais, cinco reais, e maravilhosa, com estampas mesmo que tenham sido de outras coleções, né, era uma coisa impressionante isso como movimento, como lição de vida pra mim, sabe, assim de... Aliás é como se tivesse tido uma guerra e voltou um pouco essa imagem da infância, onde eu ia pedir a comida, e que não era essa a solução, enfim pra mim foi muito importante aquele momento, né? E gratificante, e me emocionei muito, assim, com a reação das pessoas, filas intermináveis dentro das lojas, quer dizer, foi uma coisa que, até foi capa do Estado, foi capa disso, foi matéria de muitos jornais, foi comentário de vários jornalistas, uma coisa muito gratificante. E foi emocionante ver isso também ao mesmo tempo. E como, na época, entre aspas, de guerra, dá pra você, né, continuar girando, e que tudo é possível, sim, né? Uma coisa nesse sentido.

P- Giovanna, eu queria que você me falasse um pouco das suas filhas, porque me parece que elas também estão indo pra esse lado, né, e é uma coisa que eu achei muito interessante, pelo teu histórico de vida, né, que a tua mãe tinha esse lado estético muito valorizado, que passou pra você, e que pelo jeito tuas filhas também acabaram absorvendo, né, acho que é uma questão.

R -É. O que eu quero deixar claro é que eu nunca em nenhum momento, nesse sentido, tanto profissional como, até, lógico, só a parte evidentemente de escola primária, enfim, científico, essas coisas, mas eu nunca pedi pra que, como tem pai e mãe fala: "Gostaria que você fosse médico, ou gostaria que você fosse isso." Nunca, em nenhum momento pedi isso. Foi uma coisa, um curso natural delas, quer dizer, a vontade delas, tanto é que eu não permiti a entrada delas na fábrica durante um longo período, até não crescer e tal e ser profissional dentro da empresa. Então todas elas, a minha filha mais velha, com 17 anos resolveu fazer uma aventura da vida dela no sentido assim: só Deus sabe, né? Ela foi sozinha, quer dizer, pediu pra fazer essa viagem, foi primeiro pra Suíça, da Suíça foi pra França, sem saber o que ela ia fazer depois de formada. E acabou entrando no Estúdio (Berçeau?) da (Marie Ruquin?) em Paris, fez o curso, sozinha, pela própria talento e força de vontade, que é dificílimo na França um estrangeiro ter uma boa colocação. Ela se apresentou, sem nenhum currículo assim de família nem nada, num grande estilista francês que é o Tierry Mugler, conseguiu começar a trabalhar no departamento de imprensa Mugler internacional, ou seja, montando os desfiles, sendo toda a parte, ela escreve divinamente bem, e fazia todas as pastas de imprensa, recebia todas as personalidade e organizava toda essa parte e até hoje tem um vínculo muito forte com ele. E voltou e veio trabalhar aqui. A minha filha do meio a mesma coisa, estudou fora, voltou, quis entrar nesse lado de parte, ela tem paixão por computador. Coisa que eu não tenho. Eu acho necessário, mas eu tenho grande aflição de perder um pouco essa coisa manual, e de pensar, e de tal, quer dizer, não que eu não acho útil, mas eu tenho e ela não. Ela é viciada, toda essa coisa de computação gráfica, então ela pendeu pra esse lado, né, e a Mariana, que é a mais comunicativa, que também estudou fora, também fez curso fora, e que também agora quer entrar na fábrica.

P - Pra encerrar, pra gente ir terminando, eu queria te fazer duas perguntas. Eu queria saber qual o seu sonho ainda, né, o que você gostaria de estar realizando ainda?

R - Meu sonho é: poder ver todos os centenas de milhões de brasileiras vestidas com roupas dignas, adoraria fazer uma linha popular, tenho uma grande admiração e respeito pela classe D, E, F e abaixo disso, e gostaria de poder fazer todo um trabalho direcionado a isso e ver, e quando falo isso é mais geral. Gostaria de ver toda a criança brasileira com um teto, com uma escola, com saúde, e portanto subseqüentemente, vestido. Isso é meu grande sonho há muitos anos, tá? Só que eu realmente gostaria de ver, sem nenhuma demagogia, e que é muito importante isso pra mim, né? E isso pra mim seria, assim, um Brasil maravilhoso, porque a partir daí, tem uma série de coisas que acontece, né, e ainda acredito que isso um dia vai ser possível. Talvez eu não veja. Mas acho que tá caminhando. Tá melhorando.

P - E, pra encerrar, eu queria te fazer uma última pergunta que é: qual a importância de você ter dado esse depoimento enquanto Giovanna Kupfer pro Museu da Pessoa?

R - Bom. Eu acho que isso também faz parte do que eu falei antes. Primeiro: Infelizmente, e culturalmente no Brasil se mantém, se resgata muito pouco da sua história. Acho que deve ter alguns que a gente sabe, né, porque vai fuçar e descobre, mas acho isso importantíssimo, não na minha pessoa (riso) evidentemente, mas como um trabalho, acho importante resgatar isso, e trazer pras pessoas terem conhecimento, o que foi feito, e eu acho que nada disso é fácil, eu acho que todas as histórias que devem estar sendo contados, não é que caiu do céu, e as pessoas, de repente, um de repente sobreviveu, um chegou, um lutou, um fez, mesmo que eu seja de pai, acho que teve uma luta individual de cada ser humano. Eu acho que essas histórias são muito ricas, eu acho que tem uma geração aí que tem que saber, infelizmente talvez seja mais recente, desse século, mas deve ter coisa tão impressionante, eu acho isso de uma importância, e que deve continuar fazendo, eu acho, esse trabalho, que eu tô vendo, assim, louvável Ou seja que não pode parar, mesmo sabendo todas as dificuldades e verbas e isso não pode, entra um governo, e sai, mas acho que tem que ser uma coisa apolítica, completamente, né, e eu acho que tem que ainda enriquecer mais isso, porque pouca gente aqui, ainda mais Brasil que é um, e São Paulo, que é uma coisa que, não é?, todos somos no fundo brasileiros, mas que nenhum, são pouquíssimos, talvez essa geração, mas tudo que fundou, todo esse pólo, a própria cidade tudo, não é? Então acho que tem coisas incríveis, né, que a gente poderia sentar dias e dias e contar histórias e saber histórias. Acho esse trabalho importantíssimo. Qualquer memória é importante, né? Acho que isso uma memória importante, acho que vai ser útil à nova geração, essa geração que tá lutando aí, né, e o novo Brasil que a gente espera, né?

P - A gente queria agradecer sua presença e você ter nos dado o seu depoimento.

R - Imagine, foi um prazer, tá?