Museu da Pessoa

Um cordelista com histórias para contar

autoria: Museu da Pessoa personagem: Garcilazio Machado Brilhante

Correios – 350 anos
Depoimento de Garcilázio Machado Brilhante
Entrevistado por Rosana Miziara
Monte Dourado, 29/07/2013
HVC071_Garcilázio Machado Brilhante
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Claudia Lucena
MW Transcrições

História de vida:
P/1 – Garcilázio, você pode começar falando o seu nome completo, o local e data de nascimento.

R – Sou Garcilázio Machado Brilhante, nasci no Alto Paru, localidade Paquirá, 14 de setembro de 1959.

P/1 – Seus pais são dessa região?

R – Essa região foi ocupada pelo nordestino, essa era a época da borracha. O meu pai era balateiro, trabalhava com ouro, minha mãe doméstica, tudo da região mesmo.

P/1 – Eles nasceram na mesma cidade?

R – Não. Meu pai veio de Monte Alegre, aliás, a família dele veio pra região das ilhas, que é a região próximo de Breves, a minha mãe é de Monte Alegre.

P/1 – E seus avós paternos?

R – De Monte alegre e os avós por parte do meu pai, foi o povo que veio do nordeste.

P/1 – E seus avós maternos?

R –

Da região de Monte Alegre, fica no baixo Amazonas.

P/1 – Então a gente vai falar um pouquinho pra entender a sua origem até chegar em você, dos seus avós paternos, ou bisavós, assim, até onde você lembrar e

dos maternos. Vamos começar dos paternos? O que é que seus avós faziam?

R – Pois é, meus avós, eles são retirantes da seca, tem um pessoal também que teve que sair lá do Nordeste, por parte do meu pai, que foi envolvido naquele movimento lá de lampião, Jesuíno.

P/1 – O seu avô participou?

R – Não, era avô do meu pai.

P/1 – Avô do seu pai?

R – É.

P/1 – Quer dizer, seu bisavô?

R – Depois vieram pra essa região aqui da Amazônia. Também o que trouxe lá foi a seca, a busca da borracha e o meu pai foi um dos irmãos que subiu o rio, subiu o Rio Amazonas. Andou por Trombetas, a região de Monte Alegre e depois, se fixou em Almeirim. Chagas Brilhante, meu pai, foi um dos pioneiros na região do Paru com extração da balata.

P/1 – Seu pai. Mas vamos voltar um pouquinho para o seu avô. O que é que ele fazia?

R –

Agricultor.

P/1 – Ele ficou lá?

R – Era agricultor, extrativista, mexia com borracha, seringa. E nessa região de Almeirim, se produziu mais balata, que é um látex também.

P/1 – Mas não entendi, o seu avô chegou a vir?

R – Meu avô, para essa região, não. eles ficaram na região das ilhas, que é a região que chama aqui, que fica entre Breves, Melgaço, Ilha de Marajó, uma parte da Ilha de Marajó.

P/1 – E lá, ele era agricultor?

R – Agricultor.

P/1 – E você chegou a conhecer ele?

R – Não, não.

P/1 – E seu pai, ele veio com quantos anos?

R – Meu pai veio novo. Depois, vieram outros irmãos dele, o Estandico Brilhante, José Brilhante, primeiro pioneiro que veio foi o meu pai, depois veio uma irmã dele também, a Alice, que é chamada de Guita e parte ficou aqui. A outra parte da família mora em Belém, nessa região de Belém. A gente tem outros parentes também na região de Monte Alegre e Oriximiná.

P/1 – E o seu pai chegou em que ano, mais ou menos?

R – Acho que 1940 e… exatamente, eu não… foi na década de 40.

P/1 – Ai, ele chegou…

R – Isso. Até o registro dele é como faiscador, que hoje chamam de garimpeiro, era a profissão dele. Ai depois, se envolveu no processo da extração do látex, extrativista, balateiro, trabalhou com balata.

P/1 – Pode falar um pouquinho o quê que é balata?

R – Balata é um polímero natural, é uma borracha. É natural, que era produto de exportação, principal produto de exportação do município de Almeirim, que foi extraído até 1977, por questão de mercado que parou. Mas a balata foi o nosso ouro branco, a terra prometida foi justamente a balata.

P/1 – E o seu pai veio por causa disso?

R – Por causa disso, é!

P/1 – Fala um pouco como o seu pai era, a atividade dele, um pouco da história dele.

R – Pois é, o meu pai é um cidadão que assim, ele era analfabeto, mas de uma inteligência acima do normal. Como extrativista, ele conseguiu marcar posição, trabalhar com muita gente. Até falo: “A nova ordem”. Os meus filhos, hoje tem possibilidade de estudar, apesar do meu pai ser analfabeto, mas ele constituiu assim, patrimônios, trabalhou com muita gente, era uma liderança muito forte dentro do município. Meu pai conseguiu ter avião, conseguiu ter carro, conseguiu ter barco, fazenda, trabalhar com mais de 300 pessoas e se soubesse ler, talvez teria facilitado mais alguma coisa pra ele.

P/1 – Ele teria virado Presidente da Republica (risos).

R – Que a minha mãe era a metade dele porque ela que acompanhava todo esse processo de registo de acompanhamento.

P/1 – Fala então um pouco, como é que começou essa história dele, ele veio pra cá, pra balata

R – É, ele trabalhou na região de Trombetas e depois…

P/1 – Começou como extrativista?

R –

É, extrativista

P/1 – E como é que ele foi crescendo, com quem que ele trabalhou, como que ele se associou e foi crescendo?

R – É o balateiro e o patrão, ele se tornou patrão. Foi um dos balateiros…

P/1 – Como é que ele se tornou? Ele chegou como balateiro?

R – Exatamente! Chegou como balateiro, foi explorando essa região do Paru e conseguindo as coisas e se tornou patão, trabalhava com muita gente, com muita turma. E o processo era dentro do sistema de extrativismo na Amazônia. Então, até nessa região, que é uma região remota, onde ele se fixou, que se chama Alto Paru, localidade de Paquirá, ele conseguiu constituir fazendas lá, mexia com castanhas…

P/1 – Eu queria entender assim, como é que foi possível, ele chegou sem nada aqui…

R – Isso!

P/1 – E como é que ele foi crescendo, como é que ele foi adquirindo?

R – O extrativista, eles chamam também de aventureiro. O aventureiro é o cara que entra na mata, na época, a balata era seis meses o fabrico, passava seis meses na mata e seis na cidade. Como o produto começou a ter valor, ser valorizado a procura, que o pessoal na época era conhecido como “soldado da borracha”, esse povo veio pra Amazônia pra atender a demanda por borracha na Segunda Guerra Mundial, teve já nessa última fase. Então foi quando o produto deu dinheiro e eles conseguiram se fixar, ganhar dinheiro trabalhando, produzindo.

P/1 – E você, você não tinha nascido, ainda?

R – Não. Nós somos dez irmãos. Primeiro nasceu em Monte Alegre, a minha irmã, outro irmão nasceu em Almeirim. Ai, na terceira gestação dele, foi de gêmeos, morreram, morreu após o parto. E no ano seguinte, quem nasceu fui eu no mesmo local lá pra ver se conseguia sobreviver e continuar. Mas com isso, ele foi crescendo depois, a gente não conseguiu ficar morando lá dentro do mato, porque a minha mãe botou na cabeça que ela não ia criar os filhos burros, como ela dizia assim, tinha que ser alfabetizado. E isso, a gente começou a ter essa relação, retornar no período de férias. No período de férias que a gente retornava…

P/1 – Mas quando você nasceu, por exemplo, seu pai ele continuava como extrativista… porque ele veio pra balata?

R – Isso!

P/1 – Quando você nasceu, ainda era a balata?

R – Era. O meu pai foi até…

P/1 – Mas ele já tinha posse? Como é que?

R – Tinha! Até 1977. E o meu pai, mesmo terminando a balata, ele continuou no ramo de extrativismo, que foi a castanha. Então, nós tivemos um período que a balata dominou, que foi o principal produto…

P/1 – Mas quando você nasceu, seu pai já era próspero?

R – Já! Já!

P/1 – Qual foi o grande gancho que ele passou a enfim, ter mudado e ter feito essa transformação na vida dele?

R – Pois é, a balata, aqui na Amazônia, ela dava da região do Jari até o Maicuru de Alenquer, na margem esquerda. O outro lado, lá pro Xingu não deu balata, já é seringa, é outro produto. É outro polímero natural. Então, esse processo foi, assim, desenvolvendo pelo próprio sistema de produção. Sistema de produção que ele foi adquirindo e se estabelecendo. Tem um registro de um pesquisador do Museu Emilio Goeldi, em 1948 ele já registrava mais de três mil homens nessa região do Paru trabalhando nesse processo de produção de borracha.

P/1 – Mas os outros homens, quer dizer, não foi todo mundo que se sobressaiu?

R – Não. Patrão é contado, quem são os patrões…

P/1 – Como é que ele virou patrão?

R – Acho que por ele ser mais esperto do que os outros, trabalhar mais também, muito trabalhador! E foi adquirindo esse processo. Existia a casa de aviamento que era o patrão lá fora, que a gente nunca trabalhou com exportação e movimentando. E ele conseguiu montar uma base lá dentro do mato, com produção de farinha, de frutas, de gado, de porco, que também abastecia o outro pessoal, mesmo que não fosse freguês dele, mas tinha. E isso também foi uma forma de ganhar dinheiro.

P/1 – Quem que era o grande, quem que mandava na região naquela época?

R – O extrativismo tem mais de 200 anos aqui nessa região. Então, nunca também um patrão conseguiu dominar toda a região. Porque toda base do projeto Jari foi solidificada aqui foi através do Coronel Júlio de Andrade. Então, José Júlio foi o maior extrativista, ele ficou até 1948.

P/1 – Então seu pai já é dessa época?

R – Não, meu pai foi daí em seguida também, que já estava nessa época, mas o forte mesmo, que dominava a região tinha…

P/1 – Mas o seu pai chegou a conviver com ele?

R – Conviveu sim. Tinha José Júlio de Andrade, Raimundo Breves, esses foram os grandes produtores.

P/1 – Fala um pouco a história do José Júlio

R – Ah, o José Júlio também veio nessa mesma situação, do nordeste, a Amazônia toda, ela foi ocupada mais por nordestinos. E a história do José Júlio é muito interessante também aqui na região, porque o Projeto Jari, hoje aqui, tem mais de cem anos, na cadeia sucessória. Durante 50 anos, quem dominou essa região aqui foi José Júlio de Andrade, mas ele foi retirante da seca, ele morou lá numa região próximo de Belém, que é Benevides, foi roceiro, trabalhou de roceiro. Ele foi seringueiro aqui no baixo Jari, aí depois ele fixou residência numa comunidade próxima aqui que se chama Padaria. E pela visão que ele teve, em 20 anos, ele constituiu um império, que hoje, no registro, pode-se dizer que se tornou o maior latifundiário do mundo, José Júlio chegou a dominar nessa região mais de três milhões e seiscentos mil hectares e também pela própria formação dele, ele teve ascensão, se meteu na politica, politicamente, ele foi intendente, que hoje é prefeito, intendente do município, foi deputado estadual, deputado federal, foi senador. Aí também sofreu as consequências políticas, ele foi exilado, morou na Ilha do Funchal, que hoje é Ilha da Madeira, então ele foi exilado politico por divergências politicas na época e constituiu todo um processo aqui. Então a base do município de Almeirim é extrativismo pelos recursos naturais, pelas oportunidades que tem de produção e aproveitamento dos recursos da floresta. Nossa base econômica e tradicional do povo da região é extrativismo.

P/1 – Que relação que o seu pai tinha com o José Júlio?

R – Com o José Júlio, diretamente, não. Foi no processo de extrativismo da balata, quem descobriu a balata na nossa região foi Vicentino, que foi um escravo que fugiu daqui da região do Cajari, varando por Maicuru de Alenquer e encontrou essa balata, essa árvore e viu que produzia muito leite, que tinha um látex e o primeiro processo de exploração começou aqui na região através do José Júlio. Então, ele abriu o mercado, ele abriu o caminho, descobriu produtos, essa relação teve com ele e com outros balateiros.

P/1 – Mas ele foi o grande que fez isso, qual que era o processo? Você tinha extração, como é que era comercializado?

R – A balata, todo o processo é diferente da seringa, porque na seringa, você vai todo dia e corta, dá um risquinho, tira naquela tijelinha aquele pouquinho. A balata, o balateiro tem que se equipar, ele tem que subir na arvore cortando. E fica um embutidor, que é um saco de pano encaixado, que aquele leite escorre. Uma balateira pode dar 15 litros, 20 litros de leite, mas você só volta a cortar depois de cinco ou sete anos, volta a explorar aquela mesma árvore, aquela mesma região. Então, o balateiro foi ocupando essas áreas, como o município de Almeirim é um município muito grande, aí os balateiros foram entrando. Foi justamente que o produto deu tanto dinheiro, que na época parte do escoamento dessa produção era feito com avião. Hoje, na região do Paru, onde tem as pistas de pouso que o meu pai fez foi em Paquirá, tem outro pessoal que explorou também no Anatum. Hoje onde é a Aldeia Bona, que são pistas de pouso que davam base tanto para levar mercadoria, para os balateiros levarem suprimento, como o escoamento da produção.

P/1 –

Naquele momento, quer dizer, que se construiu, tinha essa logística?

R – Tinha! Quando o produto dá dinheiro, tudo se facilita, arruma solução para todos os problemas. Agora, quando o produto não é valorizado, que não tem comércio, é o que existe na maioria dos casos aqui, Amazônia rica, tem potencial, mas você não consegue transformar o potencial em produto. Não consegue transformar produto em dinheiro e não consegue transformar dinheiro em qualidade de vida. Por isso que ainda vê a questão de miséria por aqui em comunidades tradicionais, dependendo de muita coisa.

P/1 – Voltar um pouquinho lá para suas origens. Ai, seu pai, quando você nasceu, ele estava em que momento da vida?

R – Balateiro!

P/1 – Balateiro? Mas aí, ele já era empresário?

R – Já, já! Já empresário.

P/1 – Quantas pessoas trabalhavam com ele?

R – Acho que o meu pai chegou a trabalhar com 200 a 300 homens. E…

P/1 – Ele comprava a produção deles? Como é que era o sistema?

R – Comprava. Chama de “Aviamento”, aviamento é quando você fornece dinheiro, fornece mercadoria e dá assistência pro balateiro, pra uma pessoa trabalhar e produzir aquele produto. Então, arrecadava a produção porque tinha um outro patrão, que são as casas de aviamento. Na região de Belém, pra lá que era entregue.

P/1 – Quem que era o outro patrão? Quer dizer, acima do seu pai?

R – Acima, é! Essa cadeia…

P/1 – Seu pai comprava…

R – Essa cadeia de produção, ela é toda organizada.

P/1 – Mas seu pai continuava como extrativista, ou ele só fazia… ele gerenciava?

R – Não, ele tanto cortava a balata, como extraia a balata, como comercializava, comprava, vendia…

P/1 – E tinham os outros que eram ligados a ele?

R – Exatamente!

P/1 – E você, você participava dessas atividades com ele?

R – A gente ficou diretamente assim, depois convivendo lá nessa região até os 14, 15 anos. Mas hoje, essa mesma localidade onde eu nasci, que o meu pai viveu, a gente continua, o meu irmão mora lá, trabalha lá com extração de castanha, mas continuamos na mesma linha de extrativismo. Hoje, a gente não explora a balata, mas a gente trabalha com castanha, castanha do Pará que hoje é o principal produto do extrativismo aqui na região.

P/1 – Como que era essa atividade de extrativismo? Como é que ela era feita, na hora, assim, em termos de extração mesmo, como que é o processo? Quer dizer, você contou que você sobe, você tem que subir, depois de cinco anos, quanto tempo dura, quer dizer, uma…

R – A safra?

P/1 – Uma safra

R – Na época, balateiro passava quase dois meses pra chegar num balatal, no local de trabalho, subindo cachoeira de canoa, empurrando de vara. Hoje, está mais moderno, se retornasse essa atividade, hoje está muito mais prático, já tem mais motor, já tem mais facilidade. Então, pra baixar com esse produto também era uma dificuldade muito grande, que vinha nas cachoeiras com rio. Esse produto, apesar de ser uma borracha, um látex, mas ela vai pro fundo, ela vem boiada, vinha numa parte de madeira que flutua, um bloco, uma parte de madeira. Mas, a história do balateiro é muito interessante, hoje, existe um saudosismo do pessoal da época, que aprendeu a ganhar dinheiro, que o balateiro era respeitado, tudinho isso aí e acabou o mercado, quando acabou esse mercado, o pessoal ficou a mercê, ficou numa situação difícil.

P/1 – Qual que era a cultura do balateiro, assim, tipo modo de viver? Tinha alguma tradição?

R – Pessoal dizia que era perdulário, apesar de ter que se sacrificar, muito sacrificoso, que ele passava seis meses lá dentro do mato e seis meses, ele passava na cidade. Então, o período que ele passava na cidade era lazer, farra, tudo! Eu faço alguns poemas, não é poemas, é cordel. Eu conto histórias assim, através de rimas.

P/1 – Você sabe algum? Você pode…

R – A do balateiro, a gente sabe…

P/1 – Falar pra gente?

R – Inclusive, essa aí, o Cristóvão Lins que escreveu: “Jari: setenta anos de história”, que Monte Alegre foi município também que produziu muita balata, ele colocou isso aí, esse cordel, ele conta a história que ele se resumiu, como se conseguisse fazer num cordel assim, o que eu tentei escrever muita coisa.

P/1 – Fala!

R – Então é mais ou menos assim:

“Paru Jari tudo eu conheço
Por todas as aldeias, andei
Com índios, fiz amizades
Muito caxiri tomei.

Já andei rabo de Guari
Na pedra bati bordão
Balata, castanha e ouro
Era a minha produção.

Meu facão era afamado
Minha espingarda também
Meu paiol era cheio
Meu tanque nunca ficava no meio
E nunca devia ao patrão

Na polpa da minha canoa
A balata era avistada
Fora o bloco do santo
Eram duas toneladas

Chegava do mês de janeiro
Até a colocação
Na mata, o rei era eu
E na cidade, era o patrão

Atracava com a leiteira
E acabava a desilusão.
O rabo de galo cantava
No gomo, o leite jorrava
No rumo do embutidor

Chegando o final do dia
Com o jamanxim atrelado
O produto atracado
Dentro do carregador

Companheiro, a lida é grande
Eu não posso amofinar
O meu tanque já está cheio
Vou o leite cozinhar
Quatro latas na bacia
Com o fogo brando, eu toco
Depois do espichador
Está pronto o meu bloco

Sou soldado da borracha
Ganho muito dinheiro
O produto é de primeira
E vai embora pro estrangeiro

Mês de junho está chegando
Da família tenho saudades
Depois de seis meses na mata
Vou voltar para a cidade

O meu bloco já está feito
Vou formar meu matulão
Balateiro afamado
É muito respeitado
Na Festa da Conceição.

Chegando na cidade
São seis meses de orgia
Preaca pobre não tem
O patrão tem que abonar
Só uso o linho engomado da marca JK
Uísque é cavalo branco
Pendurado no pescoço
Eu mostro para vocês.

Chegou o mês de janeiro
O balatal me espera
E começa
Tudo outra vez”

Essa era a vida do balateiro (risos)

P/1 – Você falou o nome da santa, Santa…?

R – Nossa Senhora da Conceição

P/1 – Nossa Senhora da Conceição

R – É que na história de Almeirim, nesses cordéis se resume a parte da história religiosa que é a padroeira. Então, em junho é São Benedito, e a padroeira da cidade é Nossa Senhora da Conceição, 8 de dezembro é o dia da festa.

P/1 – Por que é que ela é a padroeira?

R – Padroeira é aquele santo que o povo tem devoção, pede as bençãos…

P/1 – Mas por que é que é ela?

R – É por uma questão de religião mesmo, assim, da igreja católica.

P/1 – Mas tem alguma coisa especial que ela representa, como que começou o culto dela, você sabe?

R – Tem, digamos, até pelos padres que eram franciscanos, na época que se cultuou isso aí, que vinham da região de Santarém e cada município tem: Gurupá é São Benedito, Porto de Moz já é São José, aí vai outro, cada município tem o seu padroeiro, que pode ser o mesmo também, em outro município. Mas essa afinidade religiosa aí é que levou…

P/1 – Eu fico trazendo toda hora pra história, porque como eu sei que você tem um vasto conhecimento, mas eu quero puxar pra sua história pessoal. Aí, quando você nasceu, você era o quinto filho?

R – Sim, morreram dois, eu era o quinto, mas vivos mesmo, nós somos oito.

P/1 – Oito?

R – Oito.

P/1 – E como é que era dentro da sua casa? Como que era a sua casa?

R – Assim, ela era meio misturada, porque o meu pai tinha um diferencial dos outros patrões, porque quando vinha pra cidade, a nossa casa toda era cheia, cheia de peão, cheia de gente. Então, comida sempre foi assim…

P/1 – Mas até os 12 anos, você morou dentro da mata?

R – É, a gente morava e vinha depois era o período de férias, todas as férias e período assim, a gente ia…

P/1 – Não, mas teve um período que você morou na mata direto?

R – Acho que até uns sete, oito anos.

P/1 – Vamos falar um pouco desse período? Como é que era a sua casa na mata?

R – Olha, casa é casa de madeira, tipo palafita aqui nessa região, tem uma praia muito bonita assim, paradisíaco o local e a região do Alto Paru sempre foi uma região de fartura, muito peixe. Era uma casa coberta com palha de ubim, que era uma cobertura especial, e a vida lá sempre foi muito farta assim, apesar do meu pai criar muita galinha, criar muito porco, criar gado, mas peixe no Paru sempre teve, muita caça também. Foi criado assim, sempre teve lá, meio de peão, então essas histórias todas assim, a base mesmo dessa cultura nossa é convivência mesmo com peão.

P/1 – Você escutava muita história?

R – Escutava história. É que as histórias são de casos verídicos, de casos assim, até essa relação com cordel, acho que o primeiro livro que eu li foi um cordel: “Pavão Misterioso”, foi que o cara me deu pra ler, ai eu fui aprendendo a ler.

P/1 – Quantos anos você tinha?

R – Tinha uns oito anos, nove anos.

P/1 – Aí você já estava morando aqui?

R – Não, mas a gente sempre estava nesse vai e vem pra lá, essa convivência toda.

P/1 – E você ia pro seringal?

R – Olha, o balatal…

P/1 – Balatal!

R – As balatas são próximas lá da região, e sempre essa extração de castanha, a gente ficava mais na base mesmo da casa, porque chamam de colocação, o local onde o balateiro fica. Então, determinado período, tinha que o pessoal levar suprimento, mas mais a base nossa mesmo era lá onde era a casa do meu pai.

P/1 – Quais eram as suas brincadeiras de infância?

R – Tomar banho no rio era a principal. Lá a gente chama de beira: tomar banho na beira. Jogar bola, de manhã cedo, tem a época do inverno, que a gente já ia para a beira do rio. Depois, jogava uma bola, voltava e ia até a noite mesmo, brincando, nadando mesmo, a bola e beira de rio era o principal.

P/1 – E você brincava com quem? Com seus irmãos? Com outras crianças?

R – Com irmãos. Muito menino, em casa, oito! Tinha menino pra todo canto e tinha também primos…

P/1 – Todos homens?

R – Não, quatro homens e quatro mulheres, mas a minha mãe sempre criou muita gente, tinha muito menino de comadre, afilhados, que sempre viveram junto com a gente, nossa casa, todo tempo era muito cheio.

P/1 – E lá dentro, quem que exercia a autoridade, seu pai ou sua mãe?

R – Meu pai, acho que ele era meio autoritário, mas quem mandava era a minha mãe (risos). É o ritmo de criação de menino, que até dizia assim: “Pia não é santo, mas faz milagre”. Então tinha que aprender a respeitar e só de olhar, já sabia qual era a ordem do comando. Mas existia muito amor também, muito carinho, não era só isso, não.

P/1 – E eles se davam bem?

R – Se davam. Se não chamasse ele de dono… tinha que dar senhoria pra ele (risos). E ela dizia o seguinte: que era ruim com ele, pior sem ele (risos). Viveram até morrer. Até ela morrer, minha mãe morreu nova, 40 e poucos anos.

P/1 – E assim, tinha festas que se comemorava na sua casa, Natal, aniversário? O que é que se comemorava, lá?

R – Aniversário mesmo, assim, das minhas irmãs, sempre tinha. E festa de recepção, acho que a nossa casa, todo dia era festa, porque era muita gente, muita comida, todo tempo era cheio e a minha mãe tinha um…

P/1 – Você teve uma infância de fartura?

R – Tive. Fartura. A mamãe tinha um dizer com ela, o seguinte: se não sobrasse comida na mesa, alguém estava com fome. E o meu pai lá, tinha essa base, diz que obrigação da casa, qualquer pessoa que chegasse, tinha que comer, durante três dias, tinha comida à vontade. Aí, depois de três dias, o cara tinha que procurar fazer alguma coisa, ou ia pra roça, ou ia cortar lenha, que a casa dava durante três dias, qualquer pessoa que passasse lá. E sempre foi de fartura com leite, muita fruta, um pomar muito grande. E o meu pai sempre fez roça grande, a roça que ele fazia tinha que dar pra ele, tinha que dar pro veado, pro catitu, pro vizinho e sobrar ainda. Eles chamam “barriga cheia” (risos). A gente conviveu com…

P/1 – Você falou que período que foi que você disse que ele construiu uma pista de voo?

R – É o campo de pouso, foi na década de 50, década de 50.

P/1 – Você não era nascido ainda?

R – Já! E inclusive, o meu pai, ele construiu o que naquela época se chamava sobrado, a primeira casa de alvenaria, no município de Almeirim, foi essa casa, que até hoje é nossa, a gente preserva lá.

P/1 – Ele que construiu?

R – Foi! Em 1960.

P/1 – Você tinha um ano?

R – Isso! Já foi 60 que foi a primeira casa construída de alvenaria em Almeirim foi…

P/1 – Foi onde vocês foram morar?

R – É, onde que é a nossa casa.

P/1 – Onde que é a sua casa, até hoje?

R – De família lá, é, nossa. Preserva lá a casa.

P/1 – E essa pista?

R – A pista, até uns dois ou três anos atrás estava em funcionamento, que tem um parceiro nosso aí, ele construiu uma pousada e pra base, assim, pessoal que vai pescar, pesca esportiva, que a região mais lá é castanha, trabalha lá nesse processo de exploração de castanha, mas ainda tem a pista.

P/1 – E que histórias você escutava? Você disse que escutava muita história, você ganhou com oito anos o livro “Pavão Misterioso”. Quem te deu esse livro?

R – Foi o Gorgo, nesse período também, a gente começou a trabalhar na região de Almeirim. Eles chamavam fantasia, que era caca de onça, tirar pele de onça, lidar com maracajá, lontra, catitu, era queixada, veado, era pele, produção de pele, quando a balata fracassou, depois veio a proibição, quando foi proibido, tem uma atividade também que foi encerrada, mas a gente passou um período convivendo com essa exploração de pele de animal.

P/1 – Seu pai fazia isso, também?

R – Meu pai fazia isso.

P/1 – Quer dizer, ele diversificou a atividade da balata?

R – Exatamente. O período que abriu conta… quando tem mercado pra determinado produto, quando facilita as coisas.

P/1 – Quem, que deu esse livro “Pavão Misterioso”?

R – Esse livro era do Gorgo, era um gateiro, que chamavam de gateiro, o caçador de pele, caçador de gato, o nome era gateiro. Balateiro era o balateiro, garimpeiro…

P/1 – E ele te deu por quê?

R – Não, sempre esses folhetos lá, chamavam de folheto, esses cordéis, ia passando lá e eu achei interessante o cara conseguir decorar aquilo. Ele sabia e eu comecei a ler uma arte assim, achei interessante a história contada em versos, cordéis. Era isso.

P/1 – Com oito anos, foi o seu primeiro?

R – É, a gente via muito assim, essa convivência.

P/1 – Com quantos anos você entrou na escola?

R – Olha, geralmente a gente ia pra escola, a minha mãe dizia que já tinha que ir desemburrado, já tinha que saber escrever o nome quando ia pra escola, que ela ensinava. Era período de férias e tudo, mas foi com sete anos.

P/1 – Onde que era a sua escola?

R – Almeirim.

P/1 – Como que vocês iam pra escola?

R – Era próximo de casa, era só subir a rampa e chegava na escola.

P/1 – Tinha uniforme? Como é que era?

R – Tinha uniforme. Era, uniforme…

P/1 – Como que era o uniforme?

R – Começou na época que era caqui, que era uma roupa meio marrom. Uma bermuda, uma camisinha. Escola pública, a gente começou a estudar…

P/1 – Você ia a pé com seus irmãos?

R – Eu ia a pé. Aí depois, a gente estudou numa escola que era o Colégio Nossa Senhora da Conceição, que é um colégio de freiras, de padres. Lá que a gente concluiu o primeiro grau, na época era ginásio, ginasial.

P/1 – E tem alguma professora que tenha te marcado, que você lembra até hoje o nome?

R – As professoras, a gente sempre conviveu bem com elas. O pessoal lá… recentemente, faleceu uma professora Altamira. Professora Altamira, Professora Bete e depois, teve muitas freiras também que eram professoras. Viveu com esse povo lá. esse lado religioso, lembro que tinha que rezar muito, ir pra igreja, aprendi a convivendo assim. (risos)

P/1 – Do que você mais gostava na escola?

R – Da escola, a relação de amizade que hoje tem, e também conhecimento. Uma oportunidade que você vai adquirindo conhecimento, cada dia. Aí, quando eu terminei o primeiro grau, eu fui estudar já pra Castanhal, tem um ano em Belém depois, eu estudei em colégio interno. Escola agrícola. Então, eu fiz um curso técnico em agropecuária no colégio interno.

P/1 – Deixa eu voltar um pouco pro período do ginásio. Ai você teve essa educação religiosa?

R – Exatamente! Tinha que ir pra igreja…

P/1 – Primeira Comunhão?

R – Primeira Comunhão, padrinho, até hoje, ainda toma benção, do padrinho (risos)

P/1 – E vocês rezavam muito na sua casa? Como é que era?

R – Rezava! Tinha que aprender! Eu tinha que saber o “Pai Nosso”, “Ave Maria”, tudo tinha que saber rezar.

P/1 – Em que momento você rezava?

R – Antes de dormir, era obrigatório.

P/1 – E nas refeições?

R – Não muito, na refeição não tinha esse hábito, mas antes de dormir, tinha que tomar benção e inclusive, essa questão de respeito e tomar benção dos pais, até hoje é cultura. Meus filhos têm 30 anos, quando chegam da rua, tem que tomar benção. Foi assim que nós fomos criados, já tem essa relação de respeito, de família, vai tomar benção do teu tio, vai tomar benção do teu padrinho, “Sim senhor”, “Muito obrigado”, “Me desculpe” “Não custa nada” (risos), meus filhos são criados nesse mesmo ritmo.

P/1 – Tinha algum caso de extrativista que trabalhava com o seu pai que marcou sua história, alguma história desse momento de extrativista?

R – Tudo é uma questão cultural, quando te falaram assim: “Olha, o balateiro, duas tonelada”, era o cara que é era o cara, o cara que produzia muito, então tinha essa relação, e história mesmo que a gente conta até hoje, a gente vê pessoas que marcaram aqui, assim, de casos, de histórias, tem até hoje, tem essa relação assim, muito forte ainda com, é a história do povo.

P/1 – Conta alguma história, assim, que você vivenciou, que você lembra.

R – Não, tem muita história, tipo assim, uma história do Antônio Preto, Antônio Preto, na época o balateiro que tinha um rádio, rádio Transglobo, que era o rádio mais caro, ele comprou um rádio, aí na hora lá ele dizia: “Lucimar”, pra mulher dele: “Bota o rádio na janela, aumenta o volume pra pobreza escutar” (risos). Então Antônio Preto tem muita história de balateiro, o balateiro ia lá pra cabeça do trapiche, que só usava, o balateiro usava era linho, na época era roupa mais cara, então ele tinha que ir pra lá pro vento estar balançando a calça e a camisa de linho, o cara era tudo na estica, cana.

P/1 – Era na estica?

R – Exatamente.

P/1 – Se vestia bem?

R – Se vestia bem, era vestimenta, quando estava no mato voltava barbado e também uma das coisas, quando, numa saída de balateiro, quando ia aquela turma sair, era muita pistola, muita farra, muita coisa, despedida, mulher que ficava chorando, aí o cara, era uma animação todinha, e quando vinha baixando com a produção de longe o cara já sabia que vinha baixando uma turma, aí vinha dando tiro de espingarda, anunciando que estava chegando, então a hora que chegava era um negócio muito, e também acho que são os heróis esses caras que trabalharam, que desbravaram, como era a situação.

P/1 – Por que você acha que eles eram heróis?

R – A dificuldade toda hoje de produção, a dificuldade de como chegar, e por ser destemido, sobreviver na selva, hoje a gente vê, já não tem pessoas que se dedicam, é uma classe que está em extinção, o extrativista, não é muito fácil, não. Então se o produto não tiver dando dinheiro que compense as aventuras, então nesse mundo de extrativismo, de balateiro, de gateiro, que é o caçador de pele, de garimpeiro, a gente vive, a nossa família, nesse contexto aí.

P/1 – Garcilázio, você falou que seu pai era um líder da comunidade.

R – É.

P/1 – Em que sentido que ele era líder, além de ter as pessoas que trabalhavam pra ele, onde mais ele estava?

R – Olha, no processo de produção, aonde, também onde ficava, era aquele sempre, tem um caso do meu pai, que ele chegou numa aldeia, numa aldeia indígena, e por tradição a índia lá tinha perdido a criança e eles iam matar a criança, não tinha quem cuidasse, a lei mandava, a tradição da aldeia fazia isso, e a avó do menino chorando, não queria que matasse, ele não deixou que matassem e deu suprimento e ficou dando assistência lá pra criar esse indiozinho que era neto dela. Quando ele ficou maiorzinho ele veio pra casa morar com o meu pai e conseguiu sobreviver e com isso o Jaqué hoje, que os filhos dele chamam a gente de tio, de irmão, o Jaqué hoje é o cacique lá da Aldeia Bona, lá no Apalaí, é uma referência que a gente tem com toda essa turma aí, é com índio, é como todo esse povo aí, desse material que está aqui, onde é lá, tem o Paulo, a filha dele lá, Alice, outras, tudo consideram a gente até hoje, foi uma relação.

P/1 – Por causa dessa época?

R – Isso, isso, foi meu pai que criou, ele depois retornou pra aldeia e lá hoje comanda o povo dele.

P/1 – Ele exercia, se falava em política na sua casa naquele momento?

R – Falava, meu pai nunca se envolveu diretamente, assim, de ser candidato, mas de apoiamento, de ter definição política.

P/1 – Quem que ele apoiava, ele apoiava o Júlio?

R – Não, o Estado do Pará sempre foi muito forte a questão da política na época lá que era duas tendências, o Barata, o Coronel Barata.

P/1 – Era de que partido?

R – Acho que era UDN, PSB, são partidos da época e essa divergência, digamos, tanto de política em Almeirim, que o José Júlio, ele era arquiinimigo do Barata.

P/1 – E o seu pai apoiava quem?

R – E quem era, defendia o Barata, era o pessoal do Neves, Raimundo Neves, essa outra corrente, que era outra liderança, então a causa do José Júlio ser exilado foi por questões políticas, então no próprio, dentro do município existia essa divisão política, o meu pai era desse grupo do Zacarias de Assunção.

P/1 – O Zacarias de Assunção apoiava quem?

R – O Zacarias de Assunção era adversário político do Barata.

P/1 – Mas eu não entendi, o José Júlio, ele estava, o seu pai estava...

R – Pois é, o José Júlio era inimigo do Barata, então o Neves.

P/1 – Mas seu pai estava ou não estava do lado do José Júlio? Eu não entendi.

R – Não, dessa corrente política que o meu pai era mais ligado também lá por Monte Alegre, que era o Catete Pinheiro, que chegou a ser governador, chegou a ser senador da república, que era um político lá da cidade de Monte Alegre, onde o meu pai morou também, e esses chefes de turma, esses patrões sempre têm apoiando ou financeiramente ou de alguma forma apoiando o envolvimento político, o processo.

P/1 – O seu pai apoiava quem financeiramente?

R – Cada ano, cada partido, é igual, nós não temos diretamente um envolvimento partidário, assim, mas têm essas tendências, cidade do interior, você tem que definir um lado.

P/1 – Mas ele era sempre procurado pra apoiar?

R – Era, era, sempre se envolveu, hoje a gente tem um sobrinho que é vereador no município de Almeirim, mas meu pai nunca foi, eu também nunca fui.

P/1 – Mas ele apoiava financeiramente?

R – Financeiramente, cabo eleitoral, arrumar voto, definir, esse que era o processo aí.

P/1 – Ele conversava isso com a sua mãe, com vocês?

R – É, sempre teve, sempre teve essa definição política, assim de apoiamento, essa vivência direta na política.

P/1 – Aí você ficou, terminou o ginásio e depois você disse que você pra um colégio interno.

R – É, eu fui pra Castanhal, Escola Agrícola de Castanhal.

P/1 – Por que você foi pra lá, o seu pai tomou essa decisão?

R – Não, eu já fui, a minha mãe já tinha morrido, eu tinha 11 anos quando a minha mãe morreu.

P/1 – Ela ficou doente?

R – Foi aneurisma, foi uma morte rápida dela.

P/1 – O que mudou na sua vida?

R – Ah, perder a mãe muda tudo, a estrutura da casa era a nossa mãe, que o meu pai vivia pro mato, então depois que a minha mãe morreu...

P/1 – Ela morreu de repente?

R – Foi, o meu pai estava lá pro Paru, não estava nem na cidade, aí foi pra Belém, mas foi questão de aneurisma, morreu e depois, o ano seguinte, mais um ano, as minhas irmãs foram embora pra Belém morar com uma tia nossa lá, ficou só a gente, aí ficou quatro homens e foram as quatro mulheres pra lá.

P/1 – Pra Belém?

R – Pra Belém.

P/1 – Na casa da sua tia?

R – Isso, aí ficou, eu acho que eu tinha 11 ou 12 anos, aí o meu irmão mais velho tinha que ficar já administrando a casa, aí no primeiro ano não deu conta das finanças, aí a gente pegou um sufoco.

P/1 – Quem não deu conta das finanças?

R – O meu irmão mais velho, aí no próximo ano já foi eu que fiquei pra controlar o dinheiro das despesas.

P/1 – Eu não entendi, por que o seu pai não controlava o dinheiro?

R – Não, meu pai nunca, meu pai vivia pra dentro do mato, então só vinha.

P/1 – Era a sua mãe que controlava as contas?

R – Isso, isso.

P/1 – Ela que foi empreendendo na verdade?

R – É.

P/1 – Ela que foi administrando o dinheiro.

R – É, a administração da casa era desse jeito.

P/1 – E do dinheiro também?

R – Também, parte dela.

P/1 – Aí quando ela morreu ficou pro seu irmão?

R – Não, a gente era, a minha irmã tinha 14 anos, a gente era tudo pequeno ainda, a mais velha tinha 14 anos.

P/1 – Eu não entendi essa parte da dificuldade financeira, desculpa.

R – Não, por exemplo, quando as minhas irmãs foram embora pra Belém ficou só quatro homens, então meu irmão mais velho ficou gerenciando lá os recursos, as despesas, aí no outro ano, como ele não deu conta, no outro ano já passou eu, eu devia ter uns 13 anos já.

P/1 – Você que passou essa função?

R – Isso, isso.

P/1 – E aí?

R – Ah, a gente ia se virando, mas só que a minha mãe desde cedo ensinava a gente lavar roupa, fazer comida e tinha que se virar, a minha avó passou uns tempos com a gente, depois retornou pra Santarém, e a gente foi, aí foi quando, o tempo que eu concluí o ginásio, eu fui embora, eu fui.

P/1 – Ainda você estava no ginásio?

R – É, isso, aí que eu fui com 17 anos.

P/1 – E o seu pai, como ficou?

R – Não, com a morte da minha mãe as coisas atrapalhou um bocado, que ela que, esse tipo de problema aí, aí pra criar menino sem mãe, sem pai não é muito fácil, não, tem que.

P/1 – Que o seu pai ficava no mato?

R – Exatamente.

P/1 – Ele ficou muito triste?

R – Ficou, uma perda, e acho que a perda maior também: “Quem que vai dar conta desses meninos na cidade?”, ele não podia, a vida dele era pra lá, a gente foi se virando aí.

P/1 – O que você fazia dentro da casa?

R – Ah, o serviço lá era dividido, um fazia o almoço, outro limpava a casa, mas a gente, outro mandava lavar roupa, e a gente foi vivendo assim, altos e baixos.

P/1 – Quais foram os baixos?

R – A dificuldade sem mãe não é fácil, não, tem que aprender muita coisa, e tentar segurar o pessoal, o meu irmão concluiu o primeiro grau, que é o ginásio, na época era ginásio, eu conclui, os dois menores não conseguiram mais estudar, não quiseram mais, que faltou justamente essa pressão, essa pessoa que levasse aí.

P/1 – E aí o seu pai, aí por isso que você foi pro internato?

R – Não, foi opção minha mesmo, porque eu morava com uma tia minha, eu morava na casa dos outros, aí tu vai do interior, assim, pra cidade grande até pra aprender conviver lá.

P/1 – Não entendei, você saiu da sua casa?

R – Isso, a gente foi morar pra Belém, é outro ritmo de vida, aí não tinha.

P/1 – Aí você foi pra casa dessa sua tia que já estava com as suas irmãs?

R – Não, essa é outra tia minha, minhas irmãs ficaram morando num lugar, eu fiquei morando em outro, aí chega em Belém, não tem um rio pra ti tomar banho, não tem aquelas coisas, a gente não acostuma muito, não, aí eu passei uma ano lá, estudei na escola lá, aí de dia eu aproveitava, o lazer era procurar o que fazer, aí eu fui pro Senai, fiz uns cursos no Senai, aí quando eu descobri essa escola lá pra Castanhal me inscrevi, passei, que eu já tinha a facilidade que eu não estava dependendo de ninguém, eu tinha onde morar, onde comer e passei os três anos lá estudando, foi esse motivo que me levou e também era uma área que eu me identificava, que era a parte de agricultura.

P/1 – E os seus outros irmãos?

R – Meus irmãos ficaram lá, depois o pessoal foi mexer, trabalhando já na cidade, outros, o pessoal foi pra rumo de garimpo, passou uma temporada, um voltou, outros não voltaram, aí se espalhou uma turma aí, eu tive um irmão que, dois que trabalharam com garimpo diretamente, garimpeiro, que a gente está tudo misturado com essa turma aí, garimpeiro, castanheiro, madeireiro (risos).

P/1 – Aí como que foi na escola agrícola, era interno?

R – Interno, escola agrícola é uma escola de vida, eu, inclusive eu mandei meus dois filhos pra lá, acho que pela experiência que eu tive e isso até indicaria, o cara faz o seguinte, vai fazer a escola agrícola porque você está preparado pro mundo, depois se tu quiser ser alguma coisa te vira, mas a base é isso lá, se você quiser produzir, se quiser uma profissão, que eu me identifico, então a escola agrícola te ensina tudo aí, o processo de produção, o modelo mesmo lá até hoje é muito bom, a escola.

P/1 – Eles ensinam sobre o que, eles falam sobre extrativismo na região?

R – Hoje.

P/1 – Na época que você estava?

R – Não, na época não, na época.

P/1 – Você aprendeu o que lá?

R – Técnico em agropecuária, a parte de produção com hortaliças, frutíferas, zootecnia, é um técnico, que vai fazer a parte de campo mesmo, e se você quiser, tiver coragem de encarar algum trabalho pra produzir você está preparado pra produzir ou prestar serviço, tanto pro governo como empresa.

P/1 – Era paga essa escola?

R – Não, não, era do governo federal, o sistema.

P/1 – Teve uma prova pra entrar, como foi?

R – Tem a prova de seleção, tem uma prova de seleção, tem que se submeter e com isso aí a gente aprendeu a conviver, que vinha muita gente do interior do estado, de toda cidade, assim, do Pará tinha gente lá, que era uma das poucas escolas, então era o sistema de internato, que vinha gente de Santarém, de Macapá, de Monte Alegre, eu fui o primeiro aluno do município de Almeirim pra lá porque eu descobri, e depois a gente foi levando, inclusive até hoje ainda dá apoio nesse exame de seleção e está mandando gente de Almeirim pra lá.

P/1 – Aí você foi selecionado?

R – Isso.

P/1 – Era concorrido?

R – Era, a concorrência, principalmente pra internato, era maior do que o externato, e depois na escola a gente se juntou numa turma.

P/1 – Foram o que, três anos?

R – Três anos, eram três anos.

P/1 – Você saía de quanto em quanto tempo, todo fim de semana?

R – Não, nem todo final de semana, a primeira vez não tinha recurso, pra gente está saindo aí, 15 em 15 dias, uma vez por mês, ou quando ia com outro colega, porque quem ficava na escola tinha que entrar numa escala de trabalho, aí tinha que cuidar de pocilga, de boi, de frango, final de semana ficava, tinha que entrar numa escala de trabalho, e com um colega nosso lá, que naquele tempo era mimeógrafo, máquina de datilografia, aí a gente entrosou com os professores e começou fazer apostila, ficava à noite fazendo, tanto pra terceiro ano, como primeiro ano, isso foi, assim, dando mais conhecimento, dando mais oportunidades. Inclusive passei uns dois anos sem vir a Almeirim, aí o diretor arrumou uma vaga pra trabalhar lá numa empresa de frangos, numa cidade próxima de Castanhal, que era Santa Isabel, aí tinha um concurso também pra Funai, mas eu joguei tudo fora, digo: “Não, eu queria voltar pra Almeirim”, voltei. Aí depois que a gente voltou pra Almeirim, abriu o Banco do Brasil, que precisava de extensionista, parte pra elaboração de projeto, a gente se juntou com o pessoal de uma empresa lá de Altamira e eu passei uns sete meses, depois eu fui trabalhar lá no Projeto Arroz, que pertence ao Projeto Jari, que era em São Raimundo, então isso aí também deu uma oportunidade muito grande, que eu já tinha trabalhado nesse projeto lá como ajudante de pedreiro, no período de férias, fazendo boieiro, aí quando eu voltei.

P/1 – O que é boieiro?

R – Boieiro é sistema de drenagem, irrigação de água, boca de bueiro, eu era ajudante de pedreiro lá, e com isso eu passei, já fazendo conta, quando eu retornei, eu fui pra lá estudar, aliás, trabalhar em São Raimundo, era um projeto grande de arroz, muita tecnologia, eu fui pra área de pesquisa, então a gente trabalhou lá, passou um período nessa área de pesquisa, depois eu fui transferido, eu entrei como técnico agrícola 1, aí fui trabalhar na parte de produção de sementes, já é uma parte mais diversificada, e preparo de solo, colheita, tudo. Aí passou um tempo, eu fui trabalhar com o meu sogro, foi ser prefeito, meu sogro era prefeito na época em Porto de Moz, aí me convidou e eu passei um tempo lá, mas eu não acostumei muito, aí retornei pra São Raimundo, aí como técnico agrícola 1, 2, 3, eu fui chefe de setor industrial, que já foi parte de beneficiamento, chefe de setor, chefe de produção, até que chegar superintendente industrial, superintendente de produção na área. E o projeto lá é tudo que existia de tecnologia pro sistema de arroz irrigado de várgea na Amazônia, o Instituto Nacional de Pesquisa, o IRE, ele pesquisou pra Jari durante 16 anos, então lá se pesquisava arroz, mandioca, dendê, taioba, soja, toda parte de produção agrícola, era pesquisa muito avançada mesmo.

P/1 – Posso voltar?

R – Pode.

P/1 – Só voltar pra gente recuperar um pedacinho da história que ficou lá pra trás. Quando você estava nesse período na escola agrícola como é que você, você se correspondia com o seu pai, com as suas irmãs, com os seus irmãos, como é que vocês se comunicavam?

R – As minhas irmãs eram em Belém, quando eu vinha eu procurava o povo lá, mas naquela época muito era carta, era carta que rolava. Então eu recebia carta até de conhecido, esperava o dia que os Correios levava na escola, onde você tinha essa relação, era uma importante, assim, essa correspondência, a gente ficava na expectativa de colocarem na frente da secretaria pra quem tinha correspondência, é quando você ia receber as cartas.

P/1 – A escola ficava aonde?

R – Na época a escola ficava meio afastada da cidade, a gente gastava quase uma hora quando ia a pé pra cidade, hoje está dentro da cidade de Castanhal.

P/1 – Chegava carta lá?

R – Chegava.

P/1 – O carteiro entregava, quem que entregava?

R – Não, era o pessoal da escola que ia buscar o malote das correspondências nos Correios, a gente entregava na secretaria e recebia as cartas na secretaria, até dinheiro quando recebia era vale postal, vinha o vale postal e que você ia nos Correios, às vezes os Correios não tinha aquele dinheiro pra te dar, esperava dois, três dias.

P/1 – Onde que era a agência?

R – Em Castanhal.

P/1 – Você ficava na expectativa?

R – Ficava, quando esperava carta era.

P/1 – De quem que você recebia carta?

R – De conhecidos, de parentes.

P/1 – Das suas irmãs?

R – Não, porque as minhas irmãs eram em Belém, tinha mais uma, era mais fácil ir pra Belém do que esperar as cartas.

P/1 – Tinha namorada?

R – Tinha, recebia carta da namorada (risos).

P/1 – E você mandava, você gostava de escrever?

R – Mandava, eu tinha que receber, se não tivesse eu ia quebrar a corrente, então eu ia tendo conhecimento assim pessoal e...

P/1 – Tem alguma carta que tenha te marcado, que você guarda?

R – Não, eu lembro, porque você vivia sozinho, eu fiz uma carta, mas não encaminhei, que a minha mãe já era falecida, então eu fiz uma carta pra ela, eu escrevia, sempre tive esse hábito assim, daí eu fiz uma carta pra minha mãe, mas acho que ela recebeu porque eu lia pra ela (risos).

P/1 – Você lia a carta?

R – Era.

P/1 – O que você escreveu nessa carta?

R – Sentimento de perda, que a gente tem, dos irmãos que se espalharam, a família se espalhou, uns ficaram pra Almeirim, outros foram pra Belém, outro estava pra lá, embaralhou todo o negócio aí, meu pai lá pro outro canto, meu pai não tinha como a gente se corresponder, inclusive quando o meu pai soube da notícia da morte da minha mãe, naquela época ainda era, hoje ainda funciona na Amazônia isso aí, que era, esperava o horário que o rádio anunciava, era mensagem, mensagem pelo rádio, as cartas iam lá pro rádio e o rádio passava a mensagem informando, ainda existe na região de Macapá, em Belém mesmo.

P/1 – Como que é?

R – A mensagem no rádio, você está lá no interior, então tu escuta aquele programa, daí tu manda pro programa aqui e sai a mensagem.

P/1 – Manda o que, uma carta?

R – Uma carta dizendo uma notícia, um anúncio, alguma coisa, diz: “Olha, alô, alô, interior”, chegava aquele horário, o horário da mensagem, que não tinha televisão na época, então todo mundo ia escutar, ainda o próprio radialista dizia: “Favor quem ouvir retransmitir esta mensagem ao destinatário”, na Amazônia é assim que funciona ainda muita coisa até hoje.

P/1 – Como é que foi com a morte da sua mãe?

R – Ah, o meu pai estava lá pro Paru, lá pro Alto Paru, que eles chamam, então ele soube através de rádio pra lá, aí desceu, baixou.

P/1 – Alguém mandou uma carta pro rádio?

R – Não, os parentes que a gente tinha em Belém, que isso aí já pelo rádio, que a comunicação era por sistema de radiofonia e esse rádio mesmo até hoje ainda é famosa em Belém a Rádio Clube do Pará, PRC5, e quem tem aí mexe com castanha dentro do mato, o cara tem um rádiozinho e ele tem notícia, sabe das coisas através do rádio, é o maior veículo de comunicação, entre as comunidades, até hoje ainda é o rádio.

P/1 – E o seu pai descobriu pelo rádio, soube pelo rádio?

R – Exatamente, isso, até hoje foi desse jeito.

P/1 – Você mantinha contato com ele nesse período da escola?

R – Tinha, não, assim, de correspondência não, só quando eu vinha.

P/1 – Aí você vinha pra cá?

R – Sim, a gente sempre foi muito ligado com o meu pai.

P/1 – Ele casou de novo?

R – Casou, casou de novo, viveu um tempo lá com uma mulherzinha, gente boa, eu sempre me dei bem com todo mundo, nunca tive problema com ela, e sempre me relacionei bem também com o meu pai.

P/1 – E essa namorada que você tinha, que você escrevia com ela, foi sua primeira namorada?

R – Não, foi minha primeira esposa.

P/1 – Essa que você escrevia por carta já era sua esposa?

R – Isso.

P/1 – Mas você não estava casado ainda?

R – Não, não.

P/1 – Como que você conheceu ela?

R – Ah, numas férias em Almeirim, aí foi se correspondendo, eu terminei o curso e depois a gente casou, tive dois filhos com ela, Cleison e o Glauber, aí eu tenho o segundo casamento, que eu tenho mais três filhos, a Ava, a Brida e o Glauco, o Glauco tem quatro anos.

P/1 – Vamos voltar, o que aconteceu naquele momento, quando você estava na escola de agricultura, com as terras do seu pai, com a atividade dele, a balata ainda estava em alta, já estava em declínio?

R – Não, esse período já estava em declínio, já ficou só a castanha.

P/1 – Quando que começou a castanha?

R – Não, a castanha sempre conviveu junto com a balata, era o segundo produto de extrativismo, como a balata saiu.

P/1 – Mas o seu pai tinha balata e castanha?

R – Tinha, e castanha, trabalhava sempre com balata.

P/1 – Tudo nas terras dele?

R – Isso, com balata.

P/1 – E as terras, como é que continuaram nesse período que você estava na escola agropecuária, você não tinha vontade de voltar pras terras do seu pai?

R – Olha, esse período que, esse período intermediário, quando terminou a balata as coisas já eram mais dificultosas, não era muito fácil, aí o meu pai também tinha umas fazendas no Baixo Paru, aí depois, aí não segurou o negócio, que balateiro, assim, castanheiro, é igual garimpeiro, ele não acredita muito em agricultura, sabe, ele está vivendo daquela safra, termina uma safra ele entra na outra safra, vai ficando, e tem esses altos e baixos de mercado, como tem até hoje, e com isso ele foi levando e quando eu retornei de lá, ele ficou, meu pai ficou até falecer, ele continuou lá, e nesse período.

P/1 – Mas essas outras fazendas dele?

R – Depois vendeu tudo, e esse período que teve de baixa o pessoal, muita gente da região foi embora, eles chamam fofoca do garimpo pra região do Tapajós, aí foi muita gente de Almeirim pra essa região de lá, meu pai ficou, continuou no Paru mesmo aí até o final, até falecer.

P/1 – Mas ele continuou, mas aí decaiu a atividade dele, ele passou por dificuldade?

R – Decaiu, que o extrativismo teve um boom do extrativismo, foi a balata, depois a castanha e hoje quem insiste ainda no extrativismo é por uma questão de DNA mesmo, por insistência, não é muito fácil, não.

P/1 – Mas ele continuou com uma parte das terras, vendeu tudo, como é que foi?

R – Não, a área lá que são as colocações, os castanhais, depois que o pai faleceu acho que a gente passou uns oito anos sem tocar pra lá e no ano agora de 2005 meu irmão retornou e foi reconquistando espaço lá, e hoje fica lá, tem uma base lá, eu tenho um irmão que produz no mesmo local lá, que extrai castanha.

P/1 – Nas terras do seu pai?

R – É, então ele trabalha nessa parte de extração, eu digo que nós estamos na terceira geração de extrativismo, eu fico mais aqui mais já na ponta e comercializando, eu compro, eu vendo, tenho patrão, aí vai levando nesse segmento aí.

P/1 – Vamos voltar, aí na escola de agricultura, você saiu de lá, você casou?

R – Casei.

P/1 – Aí o seu sogro era o quê?

R – Foi prefeito em Porto de Moz, Chico Cruz, prefeito em Porto de Moz.

P/1 – E você não quis seguir essa atividade, você não quis ir pra política?

R – Não, eu trabalhei lá, eu fui secretário de administração lá.

P/1 – Quanto tempo?

R – Eu passei um ano e meio lá, aí eu retornei pra o meu emprego, me chamaram de novo.

P/1 – Aí você foi chamado pra esse emprego?

R – Isso.

P/1 – Você foi recrutado, você se candidatou, como é que foi?

R – Não, não, eu fui convidado a retornar com opção, que eu trabalhava na parte de produção e semente, então eu tinha a opção de escolher.

P/1 – Onde que era mesmo?

R – São Raimundo, Projeto São Raimundo.

P/1 – Projeto São Raimundo?

R – É a empresa Jari.

P/1 – Já era empresa Jari?

R – Jari, era um projeto lá de produção de arroz irrigado, então eu tinha a opção de trabalhar com irrigação e drenagem, na parte industrial ou a parte de campo, eu já vim na segunda vez, nesse segundo período eu vim trabalhar na parte de campo.

P/1 – Como é que foi esse período?

R – Foi bom, foi de aprendizagem, com tecnologias de ponta, com tudo, assim, era um projeto grande, um projeto pra 20 mil hectares, mas foi na época que o Ludwig saiu, não foi concluído o projeto, mas São Raimundo, o que se pensava em tecnologia de irrigação, de beneficiamento, de produção, de pesquisa era o que tinha, foi uma escola, uma universidade, até hoje.

P/1 – Você entrou então na saída do Ludwig?

R – Eu retornei 81, 82 que eu trabalhei.

P/1 – Quem que estava no comando do grupo, da empresa Jari?

R – Ah, teve vários chefes lá, de vez em quando mudava.

P/1 – Quando você entrou quem era o presidente, quem estava no comando?

R – O Casqueiro, era o Doutor Casqueiro, era um português, aí depois teve...

P/1 – Como é que estava a empresa naquele momento?

R – Ah, estava em fase de produção já, o projeto lá se dividia em quatro fases, prédio tinha o bloco 1 e 2, com todo o processo de produção, era uma fazenda grande lá, tinha seis aviões agrícolas, 50 colheitadeiras, mais de 200 quilômetros de canal, mais de cem quilômetros de dique, uma área de 20 mil hectares, uma infraestrutura todinha lá, com mercado, com hospital, com escola, umas casas boas lá, a gente gostava de morar lá, até hoje a gente ainda retorna lá, foi um período muito bom.

P/1 – Você morou lá com a sua esposa?

R – Morei, eu trabalhei duas fases lá, acho que uns seis anos, aí quando terminou São Raimundo, 91, eu fui, retornei pra Almeirim de novo, dá um giro e volta pra Almeirim.

P/1 – Por que você foi pra Almeirim?

R – Ah, foi uma opção, eu tinha opção de ir lá pro Formoso do Araguaia, lá pro Tocantins, ou vir trabalhar pra cá, mas eu tinha sempre aquela ideia de voltar pra Almeirim, daí eu retornei, aí montei lá os meus negócios, em Almeirim, comércio.

P/1 – Você saiu do grupo?

R – Saí.

P/1 – Por que você decidiu sair?

R – Porque eu tinha, queria voltar pra Almeirim, aí lá eu abri comércio, toquei meus negócio lá.

P/1 – Mas como que você juntou dinheiro?

R – Não, dinheiro a gente vai ganhando e vai guardando, vai investindo, eu na época eu tinha uns.

P/1 – O dinheiro que você tinha é que você juntou como funcionário?

R – Funcionário, eu tinha um salário bom, não sei o salário.

P/1 – Você chegou a ser superintendente, você falou?

R – Pois é, não sei se era o salário mínimo que era pouco, mas eu ganhava 30 salários mínimos, eu investindo e guardando, e abri comércio lá, a parte de ferragem, de movelaria, isso a gente sempre tocou, como a parte de madeira, aí depois a gente abandonou o trabalho de madeira, que tu não consegue trabalhar legal, como a gente tem essa ligação com o mato, aí eu retornei pro extrativismo, mas eu tenho meus imóveis.

P/1 – Mas você retornou o que, aí o seu pai, nas terras do seu pai?

R – O meu irmão foi pra lá e eu fiquei mais nessa área aqui, tem meu irmão que...

P/1 – Mas vamos falar de quando você, você voltou pra Almeirim.

R – Olha, já foi 2005, mas nesse período que eu fiquei pra Almeirim a gente se envolveu também na questão política, num mandato eu fui secretário.

P/1 – Vai contando devagar que você fez muitas coisas, você vai contando que nem mineiro.

R – Não, a partir de 1990, 90, 91.

P/1 – Em 90 você voltou pra Almeirim?

R – No período que eu retornei pra Almeirim eu participei da administração lá do mandato da Dona Marta, eu fui secretário de administração, fui chefe de gabinete, aí depois.

P/1 – A Marta era prefeita?

R – Prefeita.

P/1 – E você foi o quê?

R – Secretário de administração, eu fui chefe de gabinete.

P/1 – Chefe de gabinete dela?

R – Dela, é.

P/1 – Mas qual que é a tua ligação com a política, ela começou quando?

R – Ah, sempre a gente viveu misturado, esse período com política.

P/1 – Quando que começou?

R – Acho que desde quando eu comecei votar ou antes mesmo, a gente sempre teve envolvido no processo político, eu só não fui candidato ainda a nada.

P/1 – Mas você era de qual lado, qual que era a tua convicção, tua ideologia?

R – Não, a gente defende uma situação com quem você é ligado, uma situação, aí depois no outro mandato a gente passou fora, aliás, veio Seu Águila como prefeito e também voltei a trabalhar com o Seu Águila, eu fui secretário de planejamento, eu fui secretário de cultura e a gente sempre viveu, já foi um esforço, digamos, há oito anos atrás, que eu já quis sair dessa questão política, sabe, já me digo: “Não, tenho que cuidar mais de mim”, eu me envolvi mais direto no trabalho que hoje eu faço, e um trabalho que a gente faz aqui na fundação também envolve, mexe com gente, com política.

P/1 – Deixa eu voltar, aí você resolveu voltar pra Almeirim e como é que foi essa volta pra Almeirim?

R – A volta a gente veio...

P/1 – Como é que estava Almeirim, o que tinha mudado?

R – Almeirim passou um período, assim, meio difícil, mas, como a gente diz, o segredo que eu vejo até hoje em Almeirim é você transformar produto, o que tem, algum produto, em dinheiro, trazer dinheiro de fora e Almeirim é um município bom, assim, pra quem quer trabalhar, pra quem tem visão, tem muita oportunidade, então até hoje se for pra Almeirim é uma oportunidade.

P/1 – Aí você foi pra lá, você foi morar em qual casa?

R – A casa que era do meu pai, logo no início, depois eu construí outra casa, construí uma casa lá, um ponto comercial, uma casa grande, boa.

P/1 – Aí você construiu e qual foi o negócio que você criou?

R – Eu tinha loja de ferragem, material de construção, eu tinha uma loja de confecção, eu tinha movelaria, a gente serrava, a gente puxava madeira do mato também.

P/1 – Por que você escolheu esses negócios?

R – Era a oportunidade que tinha no município, digamos assim, você tem uma visão, estuda.

P/1 – Você tinha capital pra construir tudo isso?

R – É, não, foi construindo, uma coisa vai puxando a outra, aí você vai encaixando essa veia empreendedora, você vai observando, tem que ter coragem e disposição pra trabalhar e vai se encaixando.

P/1 – Você acha que essa tua veia empreendedora veio do seu pai?

R – Acredito que sim.

P/1 – Aí você criou o que, movelaria?

R – É, eu tinha uma loja de material de construção, uma loja de confecções, outra loja, aí eu tinha movelaria e também a gente mexia com madeira, serrava madeira, puxava madeira do mato, madeira de tora, madeireiro.

P/1 – Quanto tempo você ficou com esses negócio?

R – Eu fiquei até 2005, de 90, uns 15 anos lá.

P/1 – Como empresário?

R – Isso.

P/1 – Desses ramos diversificados?

R – Isso, e misturado com prefeitura, tudo.

P/1 – E aí junto disso você estava na política?

R – Política também.

P/1 – Como foi sua experiência primeiro como secretário?

R – A política, quando você não vive a política dentro, na essência, tu acredita que você consegue fazer muita coisa, aí tu tem um sonho: “Ah, isso aqui a gente vai conseguir transformar, vai conseguir realizar”, você vai lá pra dentro e vai ver que a política dentro da coisa é totalmente diferente dessa política que a gente vê lá fora, que às vezes você não participa, mas não conhece como é o processo, não é muito fácil, não, é muito jogo de interesse, muita coisa, aí você vai bater de frente com algumas situações, aí tu não forma naquele grupo que está querendo as coisas, assim, que não são muito certa, aí tu vai ser alienado, tu vai ser descartado.

P/1 – E aí você virou chefe de gabinete da prefeita.

R – Isso.

P/1 – O que a prefeita, ela era de qual partido?

R – PMDB, na época era PMDB.

P/1 – Era Arena e PMDB na época?

R – Isso.

P/1 – Por que você era do PMDB?

R – O PMDB já vinha essa história de mudança, já vinha com essa história de oposição, a gente sempre conviveu nesse lado mais da social democracia, desse lado de esquerda.

P/1 – Você sempre foi mais à esquerda?

R – Isso, isso.

P/1 – Por que, o quem você queria transformar, era pessoas ligadas ao extrativismo da região do Pará, o que você tinha em mente?

R – Não, acho que Almeirim precisa entrar no processo produtivo, eu não acredito em nenhum modelo de benevolência, de doação, então tem que transformar o município numa área de produção, num processo produtivo que isso traga qualidade de vida, geração de renda, é tudo bonito as coisas, o discurso e se não se produzir nada não se desenvolve, não tem outro lado, e sempre defendeu esse lado aí dessa posição.

P/1 – E a Marta nesse período representava isso?

R – Era uma proposta que a gente foi, até eu perguntei: “Olha, como é nossa bandeira, é da ética e da moralização do serviço público?”, ela disse: “É”, aí quando chega, observa que só tu está carregando aquela bandeira, que teus parceiros já te abandonaram, aí também é difícil, não é muito fácil.

P/1 – Aí você saiu do governo?

R – Não, a gente conclui.

P/1 – Você foi até o final?

R – Foi até o final, concluímos, foi um governo conturbado, assim, foi a primeira mulher que foi prefeita em Almeirim.

P/1 – Que ano que foi isso?

R – Dois mil e três, acho que 2003, é, 2003, 2005, 2003.

P/1 – Em qual gestão você foi secretário de cultura?

R – Foi secretário de planejamento, foi do Seu Águila, na gestão do Águila em 2001.

P/1 – Não foi secretário, eu entendi errado, secretário de cultura?

R – Foi até de 2001 até 2004, foi, sempre fui secretário de planejamento e secretário de cultura.

P/1 – O que você fez como secretário de planejamento?

R – Planejamento é você pensar o desenvolvimento do município, a estratégia toda.

P/1 – Mas o que você fez na sua gestão?

R – O Seu Águila era um cidadão muito, assim, de visão de empreendedor, uma das coisas, o processo de regularização fundiária, a parte de abastecimento d’água, a questão de saúde, hoje ainda é uma referência dentro do município do prefeito empreendedor, do prefeito que fez alguma coisa.

P/1 – De que partido?

R – PMDB também, PMDB, Seu Águila.

P/1 – Você como secretário participou desse sistema?

R – Isso e no período que a gente teve na pasta da cultura, que eu tenho um lado todinho, essa mesma questão da feira, que hoje é agosto a feira, mas nós conseguimos ser campeão de futebol, o município de Almeirim, depois de 80 anos que tinha participado nós fomos campeão da Copa Oeste, de todo o oeste do Pará, nós fomos campeão de vôlei a nível estadual, então teve muito dessa parte de cultura.

P/1 – Era cultura e esporte?

R – Exatamente, cultura e esporte, que Almeirim tem uma veia muito forte, essa questão cultural de artista, de cantores, de poetas, desses cordelistas.

P/1 – O que aconteceu nesse período?

R – Lançamentos de CDs de livros, que a gente sempre apoia, o pessoal aí que vem e a gente tem nomes no cenário nacional nessa área de artista do município.

P/1 – Quem?

R – Wanderley Andrade, a Joelma da Calypso, hoje a Joelma é uma referência de Almeirim, está entre as cem personalidades do Brasil dos últimos cem anos, então tem esse lado artístico de Almeirim, é muito forte, muito, o pessoal luta, vai atrás mesmo.

P/1 – Você com oito anos ganhou Pavão Misterioso, desde aquela época você começou a se interessar por cordel.

R – Isso.

P/1 – Como é que isso foi se evoluindo na sua vida, começou ali, depois você começou a escrever, como é que foi?

R – Não, para, eu não sei, eu digo, eu conto história em verso, se acontecer um fato, assim, eu tenho, assim, pro lado mais sátiro também, da sacanagem pra sacanear com alguém, a gente sabe fazer e mesmo na política também, acontece alguma coisa, mas se buscar a história, assim, eu ainda não consegui me organizar até agora nisso aí pra registrar isso, eu tenho muita coisa, mas eu tenho vontade ainda de botar num livro, de fazer um cordelzinho lá. Porque se for pesquisar as coisas que eu já fiz e que eu tenho, retrata a história política, retrata a história assim, do sentimento do extrativismo, do amor que a gente tem por Almeirim, das belezas que o município tem, sabe, dessas histórias que eu estou te contando tudo eu tenho aqui em cordel, qualquer assunto, se disser um assunto, tal coisa aí, como eu fiz aquele da balata, então tem muita coisa aí.

P/1 – Vamos fazer, eu vou perguntar, fala uma coisa, mas quando, como que você foi desenvolvendo isso, qual foi o primeiro que você escreveu?

R – Exatamente eu não lembro, não sei.

P/1 – Mas você tinha quantos anos mais ou menos?

R – Não, isso aí já foi, que eu fui começar já a organizar acho que...

P/1 – Não a organizar, que você começou a escrever mesmo, com quantos anos?

R – De tem até alguma coisa assim, existia uma turma lá com esse negócio de música pra carnaval também, saía um tema, a gente fazia junto, mas exatamente, assim, quando eu comecei registrar mais, acho que eu tenho uns cordéis aí de uns dez anos atrás, 15 anos atrás.

P/1 – Você começou?

R – É, e até hoje eu faço, agora eu já organizo mais por ano, esse ano, 2013, 2012, os cordéis.

P/1 – Tudo você vai escrevendo?

R – É, aí acontece um fato assim, a gente registra, aí tem um colega nosso que tem um jornal, de vez em quando a gente já está divulgando no jornal, que saí regional aqui, sabe, uma coluna lá que a gente coloca, assim, acontece um fato interessante, acontece alguma coisa, e esse, hoje a gente trabalha aqui com extrativismo e muita história pra pessoa, que às vezes a pessoa entender, ele serve de conhecimento até cultural e educativo, na parte do extrativismo tenho muita coisa, a questão ambiental, esse é outro lado assim, todo, essa pra falar de Almeirim, que é a minha cidade, tenho muita coisa escrita, tipo essa história assim dessa relação que tu tem, do tipo das pessoas, o povo de Almeirim, como é esse povo, eu te conto em cordel como é o povo de Almeirim.

P/1 – Eu vou te perguntar tudo, aí você ficou na política e nesse tempo que você estava na política, tanto com a prefeita e depois com o prefeito, você era empresário também?

R – Isso.

P/1 – Quanto tempo você ficou, você fechou, como é, o que aconteceu com os seus empreendimentos?

R – Não, eu passei dois mandatos, aí a gente tentou em 2005, eu saí de prefeitura, eu comecei mexer com castanha, fui mexer com castanha.

P/1 – O que você fez com teus outros negócios?

R – Não, meus negócios estavam, que o meu irmão trabalhava comigo, daí a gente foi pra castanha e nesse ramo de extrativismo, eu dei uma mexida errada nos negócios pra abrir, assim, sabe, falta até de mais experiência na coisa, aí eu tive um prejuízo grande, aí.

P/1 – O que você mexeu errado?

R – Negócio errado, negócio.

P/1 – O que você fez de errado?

R – Dar dinheiro e não recebe produto, é um contrato, um negócio de risco, o extrativismo é um negócio de alto risco.

P/1 – Ah, no extrativismo de errado?

R – É.

P/1 – O que você fez, o que aconteceu?

R – É tipo bolsa de valores, tu investe, acredita, é mercado, é tudo, é complexo, o extrativismo na sua essência ele é complexo.

P/1 – Mas conta, me conta o que aconteceu.

R – Aí 2005, primeiro tu que ter o patrão, tu tem que ter alguém que te financie, que banco não financia, então tem uma relação de confiança.

P/1 – Quem que era o patrão?

R – Eu trabalhei com o Mauro Mutran, o pessoal da família Mutran, com castanha, aí eu tive um prejuízo de mais de 200 mil, pro meu negócio foi muito grande, aí eu decidi que aquele prejuízo que eu tive com castanha eu tinha que recuperar e ganhar dinheiro com castanha, e a castanha, com a abertura no município de Almeirim, ela deixou, assim, de ter grandes volumes, o maior volume de castanha era aqui pro Jari, aí 2006 eu vim pra cá começar, deixei lá os negócios.

P/1 – Mas o que você fez com a marcenaria, com a movelaria?

R – Hoje está desativada, eu tenho os equipamentos lá, tem coisa que só consegue.

P/1 – E a movelaria, as outras coisas?

R – Pois é, nessa área de madeira aí vem o que é está trabalhando, tu não consegue ir pra legalidade, é muita lei, muita exigência, aí você vai trabalhar com madeira, pega o caminhão, transportar uma tora, não consegue aprovar um plano de manejo, não consegue legalizar a área, não consegue, se esforçando, aí tu está sendo tratado igual bandido, apesar de estar trabalhando tem que trabalhar escondido, aí não é jogo, tu está trabalhando, não consegue ir pra legalidade, não consegue, na Amazônia tem esse tipo de problema, aí eu não, eu decidi pra mim trabalhar, que a gente é acostumado trabalhar com esses produtos da floresta, e trabalhar escondido, a decisão é castanha, que é um produto que não.

P/1 – E com a confecção, o que você fez?

R – Ah, a confecção, quando eu me separei, na separação da minha esposa ficou com ela, parte de lá, a gente dividiu, ela ficou com essa loja de confecções e mais outras coisas, a gente dividiu, eu fiquei, que eu toco meu negócio junto com o meu irmão, também eu tenho um irmão lá em Almeirim que a gente é meio misturado nossos negócios.

P/1 – Que negócio você ficou com ele?

R – Não, eu continuei lá com essa loja de ferragem depois que eu vim pra cá pra Monte Dourado, eu fui convidado pra trabalhar aqui na empresa também, e hoje eu ainda consigo conciliar o trabalho na Jari, na fundação, eu faço, assim, na área de RI, e pelo conhecimento que a gente tem hoje aqui eu trabalho mais, assim, com a questão de mediação de conflitos.

P/1 – Então vamos voltar, aí você tomou esse prejuízo de 200 mil reais, aí você falou: “Não, agora eu tenho que ganhar dinheiro com isso, eu perdi aqui, aqui vou ganhar” e aí o que você fez, qual foi sua estratégia?

R – Olha, eu vim pra cá, pra Monte Dourado, que o fluxo e o volume de castanha é maior e foi trabalhando e se ajeitando e vamos.

P/1 – Foi trabalhando como?

R – Cada safra comprando castanha, vendendo castanha, é esse processo.

P/1 – Você foi comprando castanha, aí você sacou que você ia comprar?

R – É.

P/1 – Você ia ser o patrão?

R – Não, o mesmo processo, hoje não tem mais.

P/1 – Mas você ia ser patrão?

R – Hoje não tem, é comprador, a gente representa uma indústria.

P/1 – Mas você começou a comprar de quem, do seu irmão?

R – Não, por ele também, mas é de todos produtores, vários produtores, muito diversificado.

P/1 – De quais pessoas, de quais comunidades você compra?

R – Olha, pra explicar isso aí é só, nós já fizemos o estudo da cadeia de impacto da castanha, é muito grande a região, todo processo de ocupação aqui, aqui tem 98 comunidades, no entorno da empresa, Almeirim tem 143 comunidades, então é muito diversificado, existe a rota, rota de castanha. Então praticamente aqui a gente emenda a safra, uma safra com a outra, e no processo que está voltado pra isso cada ano vai se estruturando, comprando, é caminhão, é pickup, é burro, é canoa, é batelão, é rabeta, tudo o que precisa pra trabalhar no processo da castanha, o investimento é alto.

P/1 – Você investe então na produção?

R – Exatamente, é constituição de depósito, é todo um processo.

P/1 – Você dá as condições pros...

R – Não, existe o comprador local, que é o que a gente compra, mas mesmo assim ainda existe uma relação.

P/1 – Não, mas você investe, assim, em instrumento de trabalho, em transporte?

R – Exatamente, a gente tem caminhão, tem pickup, é jipe, é canoa, é batelão, então a castanha, eu tenho um produto, castanha dá dinheiro, mas só dá dinheiro se tiver na cidade, se você não conseguir varar.

P/1 – Você faz a logística?

R – Exatamente, dar apoio.

P/1 – Você faz a logística, compra e comercializa?

R – Isso, exatamente.

P/1 – Pra quem que você comercializa?

R – Hoje eu trabalho com o pessoal da Caiba, uma indústria que tem em Óbidos.

P/1 – O que é Caiba?

R – É uma empresa exportadora e beneficiadora de castanha.

P/1 – Ela manda pra fora do país?

R – É, exporta, vende.

P/1 – E pro resto Brasil?

R – Vende pro mercado interno e exporta, esse pessoal tem mais de 70 anos nesse mercado de castanha.

P/1 – Quantas pessoas têm como você, assim, que fazem, investem na logística e fazem a comercialização?

R – Acho que aqui deve ter uns seis, seis ou sete.

P/1 – Na região inteira.

R – Na região, é.

P/1 – Você é um dos maiores hoje?

R – Não, eu estou meio deles, e também se estabelece muito essa questão de parceria, mas pelo o que produz, o volume de produção, a gente está aí, cada vez, ano, mais.

P/1 – Quanto que você movimenta por ano hoje?

R – Não, cada, é muito relativo pelo...

P/1 – Depende da safra?

R – Da quantidade e o preço de castanha, porque tem anos, 2010, 2011, 2012, a castanha deu 170 reais, essa safra, o hectolitro, essa safra, ela começou com de 50 reais, já chegou até 130, então é relativo, o volume de castanha, é dinheiro, mas a gente mexe em torno de um milhão, um milhão e pouco.

P/1 – E essa sua relação com as comunidades, cooperativas de castanheiro?

R – É relação de associações, a gente tem a relação comercial e de parceria, funciona desse jeito.

P/1 – Quando você foi convidado pra voltar pro grupo?

R – Dois mil e seis.

P/1 – Quem fez esse convite?

R – A gente já tinha uma relação, foi através do Cristóvão Lins, do Praxeres.

P/1 – Por que ele te convidou?

R – Na área que a gente...

P/1 – Qual que era o desafio?

R – O desafio é mediação de conflitos, é RI, hoje eu já sou analista de relações com as comunidades, é porque eu conheço o povo lá de dentro do mato, conheço, me dou.

P/1 – Das comunidades do entorno do Jari?

R – Da empresa, é, isso.

P/1 – Da empresa Jari, que tipo de conflito que existe?

R – E também com essa relação de conhecimento mesmo, que a gente já passou por prefeitura, o município de Almeirim é muito grande, qualquer lugar que eu chegar eu conheço alguém, eu conheço aquele povo, eu sei quem é, como é.

P/1 – Quais são os principais conflitos das comunidades com o Jari, com a empresa?

R – Não, intermediação de conflitos são tudo, são jogos de interesses, por exemplo, nós temos comunidades tradicionais, a empresa reconhece 98 comunidades, tem mais de 14 mil pessoas, então é natural que tenha problemas. Agora, com comunidade tradicional a gente não tem, quem vêm de fora, que chega, é a questão de invasão de terra, de ocupações ilegal, é essa relação de crimes ambientais, desmatamento ilegal, isso tem.

P/1 – E você que intermedeia isso?

R – Exatamente, a empresa, ela tem o corpo jurídico dela, ela tem o pessoal do fundiário, que trabalha com fiscalização e eu sou de conversar, quando não tem mais mesmo, esgota todas assim, a conversa é que vai partir pra outra instância até chegar na questão jurídica e judicial.

P/1 – Conta um causo assim, de um conflito que você resolveu.

R – Não, isso é todo dia.

P/1 – Mas fala um assim, que te marcou.

R – Todo dia, não, nós temos um exemplo aqui, um caso mais recente, chegou uma senhora aqui que ela é fomentada, planta eucalipto, aí o linhão passou dentro da área e derrubaram umas árvores de eucalipto, ela já tinha tentado já várias coisas, várias formas, ainda não tinha conseguido, o que é que a gente faz? Saber botar as pessoas pra conversar, quem é que pode resolver seu problema, é isso? Peraí, escuta aqui, escuta ali, conversa e acha a solução, que se for pro lado judicial é muito mais complicado, mas a gente vive isso aí diariamente.

P/1 – Como é que você concilia a sua atividade aqui com essa do empreendimento com a castanha?

R – O próprio empreendimento, trabalho com a castanha, tu já está fazendo uma relação de contato, tu já está fazendo uma relação comercial e de relacionamento porque o trabalho que eu faço eu não consigo fazer dentro de uma sala, eu tenho que está em contato com o povo, tenho que saber o que está acontecendo, eu tenho que saber, na feira, nos locais que o pessoal embarca, é conversando lá na beira, é tudo isso aí e andando nas comunidades, é onde eu sei o que está acontecendo, as próprias pessoas quando eu vou a Almeirim, ou então em qualquer lugar, que eles têm alguma coisa que eles tão requerendo ou tão querendo da empresa, aí eu faço essa, esse meio de campo, é telefone, é contato, é tudo, é conversar, é mais nessa linha aí de entendimento.

P/1 – Vamos voltar a falar dos cordéis agora, você pode contar a história de Almeirim?

R – Não, são cordéis.

P/1 – Com os cordéis?

R – (risos) São cordéis brilhantes, eu selecionei alguns, então cada tema, cada assunto.

P/1 – Vamos falar dos temas, você quer escolher, você quer que eu vou te perguntando?

R – É, cada tema tem uma coisa aqui, tem uma história pra contar, olha, a gente estava, pegar até sem pegar uma relação, a gente falou de extrativismo de castanha, toda, aí fala, eu tenho um que eu fiz aqui da castanheira, então: “A mãe de todas as árvores pra mim é a castanheira, ela é frondosa, é vistosa, produz o fruto dos deuses, ela é majestosa, é maravilhosa, é o símbolo da Amazônia, é destaque nacional, o caboclo reconhece sua importância como patrimônio cultural, a castanheira por Deus foi plantada, é uma obra divina, é o símbolo da Amazônia, não deve, não pode ser derrubada, com sua imponência pra Amazônia, pro castanheiro é a sua sobrevivência, tira seus sustento, ainda ganha dinheiro, se não fosse tu, ó divina majestade, o que seria da nossa floresta? Com certeza e vaidade estaria transformada em uma selva de pedra, uma grande cidade, pra minha mãe natureza eu digo, sou castanheiro com muito orgulho, com muita sabedoria, não troco a mata pela cidade, vivo com maestria, seu produto é de exportação, made in Brazil, gera divisa para a nação, a castanha é consumida por pobre, rico e doutor, alimento, produto de beleza, no mundo e toda a região, dádiva da natureza”, aí eu assina aqui como Brilhante da Amazônia. Então tem, as histórias vão, eu tenho muito, tem a história do Padre Amandio aqui.

P/1 – Qual que é, quem que é o Padre Amandio?

R – O Padre Amandio foi um padre que mataram em Almeirim, aí dizia.

P/1 – Por que mataram ele?

R – Essa história é longa, do Padre Amandio, então diziam que o padre na época jogou uma praga, durante cem anos o município não se desenvolveria.

P/1 – Por que mataram ele?

R – Na época...

P/1 – Que ano que foi isso?

R – Mil oitocentos e pouco, então Almeirim viveu...

P/1 – Era o padre de Almeirim?

R – Era, então Almeirim passou cem anos sem padre.

P/1 – Por que, como que é a lenda, conta, por que mataram ele?

R – A lenda, mataram o Padre Amandio, a esposa de um coronel, Coronel Vicente, se apaixonou pelo padre, ela tentou assediar o padre, o padre não aceitou.

P/1 – Assediar o que, tipo paquerar?

R – Namorar o padre, aí ela contou pro marido que era o padre, contou a versão inversa, aí o coronel mandou matar o padre, em Almeirim sempre dizia que tinha essa maldição, quem acreditou que não se desenvolvia e a gente conta tipo de história assim, tipo a maldição do padre, será que é verdade mesmo ou não. E tem até algumas coisas assim, é sátira: “Almeirim é um lugar que o povo é muito danado, já mataram advogado, soldado, padre e delegado, não mataram juiz, comeram o rio, ficou todo furado”, isso é um problema particular do juiz: “Depois dessa maldição nem o coronel deu jeito, sendo crime ou não por mais de cem anos sofremos essa maldição, na ânsia de sua morte suplicou pra não morrer, a causa foi chifre ou paixão, só quem sabe é o padre, o segredo ele levou pro caixão: ‘Filho, tenha pena de mim, sou um servo do senhor, neste mundo só faço bem, casei com minha igreja, não quero mulher de ninguém’ (risos). Seu carrasco impiedoso, a mando do coronel, tirou a vida do padre quando rezava segurando seu chapéu”. Naquele livro lá conta tudo: “Vou deixar pra essa terra cem anos ou mais de maldição pra este povo lembrar de mim, vão assistir o progresso, aqui será apenas Almeirim”, aí vem a primeira: “O município terá muito dinheiro, seus prefeitos não saberão o que fazer, será coisa muito rara se um dia algum se reeleger, o progresso vai chegar, mas não aqui neste lugar, prefeitos que forem medíocres, sem compromisso com o povo, vão viver de pensão, sem aspirar um mundo novo, a inveja é a praga maior que vai imperar neste lugar, vão aplaudir e eleger quem vem de fora, depois do leite derramado o filho grita e mãe chora. Por algum tempo terão fartura, vai ser uma Sodoma e Gomorra, vão ver filho matando pai, desrespeitando os mandamentos, a maioria do povo irá pedir alimento, as pessoas de bom senso aqui não vão poder morar, vão se formar em doutor, por pouco tempo vão morrer ou vão morar em outro lugar, saudades irão sentir daqueles que já se foram, aguardando a coisa acontecer, pra ser bom nesta terra o cabra vai ter que se mudar ou morrer. O povo será indomável, nunca terá lealdade, não vai encontrar político que dê jeito nesta cidade, vai chegar o tempo de chamar muita atenção, não são obras, não são feitos, é o mensageiro da desgraça chamado Zé Buracão”, que era um movimento político, o pessoal, tinha um buraco na cidade, eles botavam um, tipo um fantoche assim, um paletó e Zé Buracão, uma campanha lá. Mas tem outro lado que conta outras coisas boas: “Cem anos vão se passar, o que irão ver mais são obras sem terminar, o prefeito que mais roubar vai sofrer e pedir pra morrer, vai ver sua força acabar, vai morrer angustiado até seu último suspiro, vai morrer arrependido, vão esperar mais cem anos pra ver como esta porra vai ficar”, mas eu acho que nem tudo deu certo na maldição do padre, que é muita coisa aqui (risos), já foi quebrada essa maldição.

P/1 – Com quem você foi aprendendo a escrever, você foi escrevendo sozinho, com quem você aprendeu cordel?

R – Lendo, lendo, lendo.

P/1 – Você sempre teve essa facilidade pra escrever, desde pequeno?

R – Tenho, nasci, digamos, se contar uma história, eu sei jogar com as letras, com as palavras e fazer.

P/1 – Sempre cordel?

R – Sempre cordel

P/1 – E você leu outros cordéis?

R – Leio, li, o Patativa do Assaré, muito bom, Patativa já foi estudado lá na França, já foi dado o título de doutor, e também tu pode fazer muita coisa.

P/1 – Você leu muito Patativa do Assaré?

R – Já li, já li bem Patativa, muita coisa bonita, e depois tu vai observando que as coisas passam, o que fica é o lado cultural, não é o teu poder de dinheiro, de alguma coisa, isso acaba muito rápido, então eu tenho um desejo de transformar isso aqui em livro, lançar alguma coisa. Olha a história, nós falamos do Coronel José Júlio, nós fizemos isso aqui até numa situação de uma música de carnaval: “Almeirim vem resgatar a sua história, contar a glória de um homem trabalhador, vem cantar em verso e prosa a saga do coronel, José Júlio escolheu essas terras pra trabalhar, pra desbravar, pra progredir, do Cajari ao Paru, não conheceu fronteiras, Arumanduva, a Suíça brasileira, onde não se envergonhava em mostrar ao mundo a sua capital, é isso aí, José Júlio, é isso aí, coronel, para Arumanduva ele tirava seu chapéu, de papai grande era chamado pelos índios, de padrinho pelos filhos que criou, no seu império só tinha vez mulher e homem trabalhador, é isso aí, José Júlio, é isso aí, coronel, pra Arumanduva ele tirava seu chapéu. Aí o José Júlio, ele foi agricultor, foi roceiro, foi seringalista, foi político revolucionário, tornou-se um mega latifundiário, do coronel visionário não podemos esquecer, do se jeito montou esse grande império, lugar de moral e respeito”, aí conta a história do José Júlio.

P/1 – Conta, você não quer ler?

R – É, tem muita coisa aqui, olha: “Os produtos da região, conhecida até no estrangeiro, fizeram fama à vontade por causa da qualidade” a castanha aqui, a castanha do Jari, sempre teve uma boa cotação na Europa porque ele exportava: “Por mais de 50 anos com seu império formado, projeto consolidado, passou o controle de vez para um grupo de português, deixando saudade aos compadres, afilhados e fregueses”. Entrevistaram lá quem conviveu e quem conheceu José Júlio, tipo Hermógenes Brazão e outros, sempre te dão referência.

P/1 – Entrevistei o Hermógenes.

R – Então o José Júlio foi um, tem que tirar o chapéu pra ele aqui.

P/1 – Não quer terminar de ler?

R – Não, tem muita coisa aqui, olha, tem um negócio aqui também que é Almeirim, a gente se relaciona, Almeirim, se vocês tiverem a oportunidade, é aqui Almeirim também, mas é muito bonito, tem Almeirim daqui, Almeirim de Portugal, são cidades homônimas, então esse é o Almeirim nosso e aquele lá do além mar: “Almeirim do além mar, encantaste o viajante pela beleza que tem no coração do meu Pará, suas colinas são formosas como as curvas de uma donzela, tem morros e planícies por onde bailam as gazelas, Almeirim, és banhada pelo mar doce Amazonas, este é rio é avenida por onde singram as canoas , encantos da minha vida, a cidade é presépio, onde acolhe todo irmão, seja branco, seja preto, acolhe o passageiro errante vindo de outra nação, a hospitalidade deste povo deixa a mulher mais bela, o homem mais sensual, são belezas naturais deste país tropical”, essa é a nossa Almeirim. Aí tem gente que chega aqui também e fala coisa assim que não conhece Almeirim, uma vez nós tivemos um problema com o povo que veio falar de reservas, criação de reservas, os caras estudiosos, mas às vezes chega, não sabe nem o nome da cidade, aí também isso aí revolta a gente, que os caras tão ganhando dinheiro, achando que todo mundo aqui é otário e abestado, conta a história.

P/1 – Ambientalistas?

R – Muitos nessa linha aí, aí veio a mulher falando de, quando criaram a Flota Paru, especialista em reservas e tudo, aí botou até nos cartazes impressos o nome do município errado, Almeirim, sem o ‘i’, pô, não dá: “Almeirim, ser ou não ser, então não sei qual foi a puta que te pariu, mas eu tenho nome, quem me deu este nome foi Francisco Xavier de Mendonça Furtado, agora você chega pensando que eu sou abestado, te manca, mané, pegou mal, isto é ruim, sou legítimo, tenho DNA, não sou Almeirim, sou Almeirim, estuda geografia, você vai mal. No Brasil só tem uma Almeirim, a outra fica em Portugal, você quer se dar bem pensando que é doutor, pra ganhar dinheiro até meu nome já trocou, ser ou não ser, eis a questão, é Almeirim, pra mim você pode ser Maria ou ser João, lésbica, travesti, gay, GLS ou sapatão, ser ou não ser, eis a questão, sou Almeirim, sou do Pará, sou do norte, sou da Amazônia, sou do Brasil, sou da América do Sul, você não me conhece, vá tomar no seu, ser ou não ser, eis a questão, sou Almeirim, você pensa que é pai d’égua, pra mim você é filho de uma égua”, que pai d’égua no Pará é quem é bacana, o filho de uma égua é outro, aí vem essas histórias assim que a gente defende, a questão política.

P/1 – Essa foi uma pessoa que veio na região?

R – Foi, aqui eu estou falando de quando vieram, criaram a Flota Paru, que é essa frota aqui.

P/1 – O que é Flota Paru?

R – É a Floresta Estadual do Paru.

P/1 – Quem que criou?

R – Foi o governo estadual.

P/1 – Mas ele criou como área de reserva proibindo a extração?

R – Não, lá eles identificaram, mas ficou uma nova forma de reserva, porque 80 por cento das áreas aqui de Almeirim é reserva e nós não temos dois por cento de área desflorestada.

P/1 – Mas essa área de reserva, quer dizer, o que ela impactou pros extrativistas?

R – Não, porque eles tiraram, eles deixaram essa área do extrativismo lá do Paru, ficou 200 mil hectares, até aqui ainda não impactou nada.

P/1 – Mas por que foi ruim então ter criado essa área?

R – Não, porque nós já temos 80 por cento é reserva, é reserva dentro do município, nós temos aqui a reserva Tumucumaque, vindo lá de cima.

P/1 – Quer dizer, não é que é um problema, eles não sabiam que isso já existia?

R – Reserva Tumucumaque, tem as reservas indígenas, tem a Flota Paru, a Estação Ecológica do Jari, tem reserva até demais aqui.

P/1 – O que mudou na atividade de extração, quer dizer, da castanha da época do seu pai pra hoje?

R – Nada porque não tem política pública, é a mesma dificuldade, o castanheiro que hoje está bem de vida, ele tem um burro e uma cangalha, o madeireiro, ele tem equipamento, pesquisa, tudo, o que falta pra esse segmento é política pública, fala de preservação, de coisa, mas o homem, ele não é olhado, o homem na sua essência, a floresta tem mais importância do que o homem pro ambientalista.

P/1 – Essa atividade, ela sempre foi ambientalmente sustentável?

R – É ambientalmente, cem por cento, porque o extrativista, ele é um cara que ele sabe preservar a floresta, então hoje eles já falam em bolsa verde, que tudo isso aí virou bolsa, se investe no processo de benevolência, de assistencialismo, mas falta investir no processo produtivo, o que precisa é estrada, é crédito.

P/1 – Por que você acha que não tem investimento?

R – Porque não tem política pública, ninguém conhece a essência do extrativismo, por exemplo, quem está consumindo não sabe como é o processo aqui, e você vai dentro da cadeia.

P/1 – Nenhum governo nunca teve, nem estadual, nem federal.

R – Não, difícil, agora que começou alguma coisa com política de subvenção, de preço mínimo, mas o extrativista em si na Amazônia, ele é mesmo desprezado.

P/1 – Por quê?

R – Não tem política pública, não tem representatividade política, como ele vive é subumano ainda o serviço, então é muita coisa que é difícil ainda, que nós temos que avançar, por isso que a gente faz hoje um trabalho extrativismo sustentável, pra ser sustentável quem tem está na cadeia, na ponta, tem que ser o homem, então tem que valorizar o extrativista, ele tem que ter acesso, ele tem que ter estrada, ele tem que ter crédito, ele tem que morar bem, o produto tem dar dinheiro ou ele muda de vida. Então nessa história toda que conta também, a gente vai buscar nos cordéis, é o balateiro, olha: “Sou o Brilhante da Amazônia, sou caboclo do norte, bato forte, levo sorte, moro em Almeirim, comigo é mesmo assim, fui nascido de tempo lá no Paquirá, fui criado de jeito no tempo da balata, nas barrancas do Paru, sou pau de dar em doido, sou do tempo do papo amarelo, faca marujo e pistola Parabellum (risos), com um facão rabo de galo sou eu quem dá o tom, só tomo whisky importado, só tomo vermute do bom, sou do tempo do bom burro, sou do tempo da fartura, comigo é barriga cheia, não gosto de muita frescura, a tiro tem tomar chegada, passo a régua e assino embaixo, o negócio é do meu jeito, de ninguém sou capacho, sou um caboclo pai d’égua, resolvo a situação, sou soldado da borracha, boto fé no meu patrão, você que me conhece sabe que não sou farofeiro, sou um cabra de moral, sou um bom balateiro, faço farra e tenho dinheiro” (risos), balateiro ainda era daquele tipo ainda. Aí a gente vinha conversando de Almeirim, das coisas da minha terra, na Amazônia tem muita lenda, tem muita história, aí tu diz assim: “Quais são as histórias?”, digo, escuta essas histórias e tenta colocar assim: “Coisas da minha terra, tem coisa em minha terra que existe, mas nunca vi, existe porque me contaram, creio que vi, mas não vi, então não sou eu que vou desmentir que não existe, jabuti subiu escada, em cima da árvore não vi, vi andando embaixo, mas a escada já vi”, é um cipó que é medicinal que a gente chama escada de jabuti, é todo, aí diz que jabuti sobe naquilo. “Nunca vi marido com chifre, mas o traído já vi, chifre de corno não fura, já vi o buraco de água na pedra dura, dizem que boi não voa, mas posso lhe confirmar já vi boi no telhado, não sei como parou lá, eu nunca vi visagem, já vi assombração, vi vulto, mas não vi imagem, vi com cor, não era miragem, Matinta Pereira gosta muito de fumar, Jurupari sumiu na mata, como é que vou achar? No campo tem fogo selvagem, tem também lanternador, só o vaqueiro canela aboia e não desmantela, tem a onça pé de burro, tem a tapiara auara se escondendo em algum canto, vou descobrir o encanto, curumim de moleira mole tem que tirar o quebranto, já corta e assopra, o corte não apareceu, o sangue não escorreu, bicheira se cura no rastro, você pode acreditar, depois que o bicho morrer quem é que vai negar?” “O padre sem cabeça”, em Almeirim já, o pessoal via esse padre sem cabeça: “Não faz o sinal da cruz, vi cobra com duas cabeças, já vi boto que seduz, coruja rasga mortalha, já vi o bicho folharal, homem virar cavalo, isso é coisa sem igual, já vi mulher que vira porca, já vi sapo que vira peixe, já vi gente encantada, já vi muita coisa mudar, por baixo do arco-íris eu não vou passar, Almeirim é da Amazônia, essas histórias são daqui, acredite se puder, são coisas da minha terra, coisa que vi, mas não vi”. Então tudo são lendas, são histórias, cada história dessa tem uma coisa que se conta.

P/1 – Que lindo, é o máximo!

R – Aí tem essa coisa aqui, olha, você sabe mais Almeirim o que é, tem um lado legal, interior do interior em meu interior, isso aqui foi uma amiga nossa que é famosa, ela disse: “Não, sou lá do interior do interior”, mas é legal ser do interior: “Eu me recuso me globalizar, faço questão de estar fora do modernismo passageiro, o ontem está presente, o amanhã são as experiências do hoje, vivo hoje de forma calma e serena porque urgente é tudo aquilo que não foi feito a tempo, sou bem aventurado pelas dádivas divinas da natureza, sou caboclo da Amazônia, sou fruto da sabedoria das minhas raízes, dos heróis que aprenderam e souberam transmitir conhecimento e me ensinaram a sobreviver e ser diferente e ser diferente pra mim é normal. Raramente estou em outro lugar, meu endereço ecológico proporciona sobrevivência e bem estar, lugar autêntico igual ao meu é difícil existir e ser encontrado, não fui descoberto por ninguém, os que chegaram vieram apenas atrapalhar meu modo de viver e do meu jeito de ser, meu ritmo de vida é imposto pela força da natureza, não me agonio, não remo contra a maré e assim procuro o caminho das águas e não o das pedras, se dependesse de mim não existia as alterações dos ecossistemas, eu teria um lugar todinho meu, ainda não descoberto pelo progresso que destrói. Quero apenas a qualidade de vida para viver com sabedoria, por isso meu interior convive perfeitamente e harmoniosamente com o interior que vivo, então os meus heróis não morreram de overdose, chegou a hora de despertar a história, exaltar nossos heróis, homens e mulheres guerreiras, que deram sua vida por nós, desbravadores destemidos tiveram a missão da Amazônia desbravar e ir a qualquer lugar, herói não é soa aquele que lidera, mas o que participa e dá o seu sangue, homem destemido que enfrenta qualquer fera, os balateiros, os castanheiros, os gateiros, os madeireiros, os pescadores, os agricultores, os garimpeiros, fazendeiros, seringueiros e viajantes, eis nossos heróis do presente e do passado, para sempre ser exaltados os seus feitos e duas glórias, pai de nossa história. Devem ser lembrados os balateiros afamados, os garimpeiros aventureiros, os gateiros destemidos, homens de sorte e sofridos, deve ser lembrado o agricultor batalhador, o pescador paciente, o madeireiro consciente, devem ser lembrados os castanheiros extrativistas, o viajante especialista, o fazendeiro capitalista, devem ser lembrados os seringueiros, soldado da borracha, deve ser lembrado em qualquer situação a figura do eterno patrão, assim é o nosso povo, feito de vilões e heróis, o sangue está dentro de mim, eu sou autêntico, eu sou o povo de Almeirim, eu vim pra ficar, sou um super star, como dizia o Tarisca, besta de quem cismar, meus heróis não morreram de overdose, morreram sim na luta como aventureiros, desbravadores verdadeiros”. Isso aqui foi, a minha filha, a Ava, a Brida, o Glauco, no dia do...

P/1 – É Ava o nome da sua filha?

R – É Ava, a outra é a Brida, aí eu fui contar a história do avô dela, digo: “Olha, o teu avô foi esse, teu avô foi um batalhador, vocês tão tendo mais oportunidade do que eles pra estudar, pra conquistar outras coisas, então pra sobrevivência a evolução da espécie vai começar nesse processo”, aí a gente vai contando a história, eu socializo assim, essas coisas que a gente vai fazendo, aí entra pro lado cultural da culinária, se você já foi a Almeirim,

já ouviu falar do acari?

P/1 – Ouvi falar, eu não fui.

R – Pois é, o acari é afrodisíaco, é o alimento, é um peixe cascudo.

P/1 – É afrodisíaco?

R – É, tem as lendas (risos): “Dádiva de Deus, o acari na Amazônia foi criado, peixe colossal tão saboroso, esse sim é um bom pescado, na culinária é o nosso melhor presente, é um banquete que se pode oferecer para o turista e também para a nossa gente, de Almeirim você jamais vai esquecer, sou almeirinense, também sou paroara, americano tipo exportação, sinto orgulho de ser filho desta terra, sou acariense com muita satisfação, acari de todo jeito é gostoso, assado na chapa tem muito mais valor, com farinha sal e pimenta e tucupi, sabor igual a este nunca vi”, então esse é a nossa culinária de Almeirim.

P/1 – Vai contando a história toda que você falou.

R – É, aí Almeirim tem um lado bom: “A minha terra, a minha terra é a terra do búfalo, tem mangueira, tem dourada, acari e morenas faceiras, minha terra tem o Rio Paru, tem também o Rio Jari, em frente passa o Rio Amazonas, o lugar mais belo é aqui, minha terra tem a Cachoeira do Panama e Santo Antônio, tem também o Paquirá, melhor lugar não há, tem a Serra da Velha Pobre, meu povo é humilde, mas é nobre, minha terra tem Arumanduba, o lugar do coronel, minha terra tem belas colinas, uma paisagem sem igual, tem as mais lindas várzeas, mais linda que o Pantanal. A minha terra tem o glorioso São Benedito, tem gambá, dançando com gingado batido na palma da mão com morenas de saia rodada, que bela animação, tem também a padroeira, Nossa Senhora da Conceição, a minha terra tem celulose feita de um milionário, tem caulim e tem bauxita, que emprega operários. Pra você que não conhece melhor lugar não há, venha nos visitar, se quiser vá ficando por aqui, é a terra prometida, com riquezas naturais, tem um povo hospitaleiro, venha ser feliz e viver em paz, o lugar que eu lhe falo vive dentro de mim, o melhor lugar do mundo, minha terra é Almeirim”, cordel é, aquele do balateiro foi que eu falei. Aí tem o castanheiro também, a história da castanheiro está aqui relacionada, que o pessoal tem muito, assim, acadêmico que fala de eliminar o atravessador, essa coisa assim, sem conhecer a essência da coisa, então tem uma relação, assim, muito forte ainda do castanheiro com o: “A castanha e o castanheiro, esses sim são bons parceiros, tira o peão do blefe, a mulher do desespero e põe o patrão pra roça se adiantar o dinheiro, o castanheiro é um cabra desacorçoado, liso, é todo matusquelo, abonado fala rosado, o castanheiro abonado atira e não toma chegada, fecha logo a corrutela, é o bonitão da parada, compra tudo e paga a vista, com ele não tem discussão, farreia noite e dia, não existe desilusão, o castanheiro quando entra pra sua colocação trabalha como jumento pra ver se paga o patrão. Com o paneiro nas costas, com um cambito de um touriço, depois de feito um monte vai quebrar com trabalho e sacrifício, pra varar com a produção cada vez o trabalho aumenta, depois de mediar a castanha com sacrifício e desilusão pra ver se paga o patrão, o castanheiro é um cabra desacorçoado, tira abono e faz farra, no final fica todo enrolado, ainda diz: ‘Patrão, esquente não, na próxima safra nós vai ter produção’. Aí vai passando os anos do caderno não sai mais, vê aquele barrigudinho agora ficando rapaz, que vão se tornar freguês daquele dito patrão, aí fica uma mistura embolada difícil de separar, a castanha e o castanheiro, o dinheiro e o patrão, por mais 200 anos vão ter essa transação, ou essa enrolação, um chamando o outro de amigo e de ladrão, no final da história estão juntos, a castanha e o castanheiro, o dinheiro e o patrão, aí tem que ter reza forte pra acabar essa embolação, cuidado, meu mano, não mete a colher, isso é coisa do tempo do coroné” (risos). É assim que o castanheiro vive, aí tem o castanheiro e o patrão, os dois, como é que eles jogam: “Quando o castanheiro troca de patrão um dos dois é enrolado, causando a separação, patrão que só dá desdobro, ao problema não encontra solução, deixa o castanheiro esperando, causando desilusão, o castanheiro precisa de um patrão desenrolado, que assuma compromisso sem ter papo furado, tem que ter carta na manga, na liga ter o real, falar firme e aprumado, ser um cabra de moral pro freguês sentir firmeza, não fazer procura em vão, sabe na porta que bate quando tem um bom patrão. Patrão fica alegre quando recebe a produção, paga o saldo e passa a régua, fala: ‘Este é um cabra de fé, não me deve um tostão’, vão trabalhando muitas safras, ombro a ombro, mão a mão, vale a palavra e o fio do bigode, parar os dois ninguém pode, sem resenha e confusão, quando acontece o caso do castanheiro enrolado, que deu cano em todo mundo, não tem onde comprar fiado, aí reclama da vida, procura uma associação, quer dar uma de bom moço, diz que já foi roubado, quer ajuda e proteção, o patrão não existe mais, sem saber o que fazer, no banco não pode entrar, seu castanhal vai vender, aí fica um peão rodado, desatinado e evaporado fica embolado na teia, quando arruma o castanhal aí vai trabalhar de meia, dividindo a produção, sem crédito e sem patrão, acabou-se a garganta, que triste situação”.

P/1 – O que é, você pode explicar um pouco essa história que acontece?

R – Essa relação que existe, a relação de, que ainda hoje, de 200 anos, funciona dessa forma ainda, sabe, de aviamento.

P/1 – A relação do castanheiro com o patrão?

R – É, financiamento, compra, venda, tu não tem, são os contratos informais, ainda é no fio do bigode, é na palavra que acontece as coisas, e o extrativismo, ele se perpetua dessa forma, se for botar tudo na forma da lei, tudo como exige as coisas, eles iam está extinto, se você for enquadrar: “Não, mas o trabalho do extrativista é trabalho escravo”, que o cara lá fica na mata, fica nos tapiris, é a forma e é uma classe que está em extinção.

P/1 – Mas você acha que é um trabalho escravo?

R – Não, o extrativista.

P/1 – Você está falando, assim, a crítica que se faz, entendi, não é você, você está falando a crítica que se faz.

R – Tem gente que ainda entende que o extrativista é agricultor, é uma classe, ele não é agricultor, extrativista é um tipo de gente, o agricultor é outro, ribeirinho é outra, são, não tem pra ti comparar, tem que ter política e entender o processo. Aí sou eu aqui, sou o brilhante da Amazônia, olha, aqui é o brilhante da Amazônia, que eu assino também Garcilázio Machado Brilhante: aí tem esse aqui: “Sou autêntico paroara, nascido de tempo e criado de jeito, com ximbereba, farinha, acari, dourada gorda, leite de búfala e açaí, sou do tempo da balata, aprendi a ser simples, mas autêntico, com paciência e resignação, com prudência e objetividade estou sobrevivendo com segurança, enfrentando dragões, fui poupado o sentimento de medo, procurando entender e dar atenção as pessoas, abasteço-me na fonte da sensibilidade, com isso construí amigos, enfrentei derrotas, venci obstáculos. Verguei várias vezes, nunca quebrei, bati na porta da vida e disse: ‘Eu sou mais eu do que todo mundo’, gosto de mim, perdoo as pessoas para suportar o peso das provocações, o tempo é o senhor da razão, sou amado por muitos, odiado por poucos, agora respeitado por todos, busco sabedoria na simplicidade da vida, ser útil e fazer o bem para mudar a vida das pessoas é a melhor forma de ganhar o dia, pois a vida é um dia após o outro, a gratidão é uma bandeira que carrego, julgo como a maior virtude do homem sabedoria, vontade e inteligência, é a forma de procurar entender e conduzir a vida”, nessa época eu tinha 51 anos: “Cinco ponto um, além de ser brilhante, é uma boa ideia, brilhante é você estar com o brilhante”, que a minha avó viveu cento e poucos anos assim, nesse estilo de vida, a Vó Biri.

P/1 – Que é a mãe?

R – Da minha mãe.

P/1 – Nós falamos pouco da família da sua mãe.

R – Pois é, ela diz: “Amanhã Deus dá um jeito, bora resolver esses problemas hoje” (risos).

P/1 – Podemos voltar um pouquinho na família da sua mãe?

R – Pode sim.

P/1 – Quem eram seus avós por parte de mãe, o que eles faziam?

R – A minha avó eu convivi com ela, Teodomira Pinto Machado, conhecida como Biri, era parteira, minha avó era parteira, a família humilde da minha mãe, o meu avô Pedro era pescador.

P/1 – Você conviveu com eles?

R – Não, só com a minha avó, minha avó ainda convivi.

P/1 – Seu avó já tinha morrido?

R – Já tinha morrido.

P/1 – Ele era pescador?

R – Isso, e a minha avó.

P/1 – Tinha alguma história que você contava dele, que você ficou sabendo?

R – Não, não, mais conheci mais minha avó mesmo, ele morreu em Almeirim, foi sepultado em Almeirim, minha avó Biri era uma velhinha gente boa, aprendi muita coisa.

P/1 – Você conviveu com ela?

R – Convivi.

P/1 – Muito tempo?

R – É, ela, depois que a minha mãe morreu, ela morava em Santarém, ela passou uma temporada com a gente.

P/1 – Ela contava história pra vocês?

R – Contava, minha avó era puxadeira.

P/1 – O que é puxadeira?

R – Benzedeira, desmentidura, luxações, assim, benzer criança, quebranto, essas coisas aí, problema na garganta, puxava as quenências aqui.

P/1 – Como?

R – Ela chamava as quenências, é aqui, quando está com problema na garganta fica uns nódulos aqui, vai puxando os dedos e vai sentindo a melhora, esses remédios do mato todos a gente viveu com isso, essas raizeiras de coisa na mata, na mata quem conhecer tem remédio pra tudo.

P/1 – E a sua avó conhecia?

R – Conhecia, meu pai, minha mãe sempre gostou desse.

P/1 – Você tomava remédio, eles só preparavam pra você?

R – Qualquer tipo de doença, xarope pra tosse era feito em casa.

P/1 – Como que era xarope pra tosse?

R – Ah, era jabanico, várias misturadas, aí menino que estava com verme tinha que mastigar caroço de mamão (risos), então todo, chá de casca preciosa, andiroba.

P/1 – Pra que mais era o caroço de mamão?

R – Pra verme também ele amolece carne, comia muito aí, mas era isso, vamos lá no cordel, esse aqui é o patrão, essa relação do castanheiro, do produtor, dessas histórias todas que a gente já contou. Então: “Infeliz do homem que nunca teve patrão, só conheceu uma mulher, vai morrer sendo mandado, arrastando o coro no chão, ter patrão é não ser empregado, é não bater cartão, trabalha o dia que quer, recebe aviamento, dinheiro como adiantamento, estufa o peito e bate forte: ‘Diga, meu patrão, o que é que você manda, está aí sua produção’, bate em riba da mesa e diz: ‘Patrão, pague o meu saldo, eu não sou um cabra enrolado, na mata o rei sou eu, na cidade é o patrão, não gosto de enrolação’. Quem tem um bom patrão é na turma respeitado, sabe que o patrão não deixa o freguês na mão, resolve toda parada, é dono da situação, é na safra e na entressafra, sabe aonde se escorar, escora-se em árvore que dá sombra pra não se agoniar, quando perde um bom patrão, aí vem arrependimento, só escuta deste cabra choro, saudade e lamento, quando blefa fica na pior situação, só tem saudade de puta, de dinheiro e de patrão, que situação, o patrão volta a ser a solução, pior que perder o pai, a mãe e o irmão, cravar um punhal no peito é perder um bom patrão”, então não tem coisa melhor do que patrão (risos). Aí nessa história todinha tem o povo de Almeirim, do jeito que nós é, como é que é esse povo aí, será que tem jeito pra ele, como é que funciona? Almeirim, de toda essa história que nós já contamos, ela se resume nessa tipo, pra mim isso aqui é um retrato do povo de Almeirim: “Nós sobe serra, nós desce serra, nós vê barranco passar, nós vê o sol nascer, nós vê o sol assentar, aqui nós não tem muita pressa, espera a coisa acontecer, pra que tanto desespero se a única certeza é que nós todos vai morrer? Eu já vi falar de guerra, de terremoto e maldição, se tivesse que escolher o lugar pra eu viver, nem duvide de mim, o lugar é Almeirim, aqui a coisa é bacana, aqui a coisa é legal, nós sabe dar resposta pro doutor esperto que vem lá da capital, você é muito esperto, não vem me arrumar tramoia, nós tem a cara de besta, nós a jeca, mas é joia, nós sabe viver na mata, nós pesca e corta balata, nós sabe catar o ouro, a mata é nosso tesouro, nós sabe plantar mandioca. Nós come farinha puba, suruí e tapioca, com xibé, farofa e paçoca, o caviar pra mim é o assado de acari com pimenta, farinha e tucupi, eu não sei o que é para ti, nós pesca muita dourada, urutinga que chamam

de piaba, nós pesca pirarucu, nós pesca até jaú, nós pesca tucunaré, nós pesca muito filhote, nós sabe fazer o caldo que toma com colher, aqui nós não passa fome, cabra macho é filho de homem, nós está aqui pra resolver, na hora do esculacho vai baixando esse teu facho se quiser sobreviver, aqui nós já viu de tudo, quem falava ficar mudo, dizendo que era peitudo e resolvia a situação, com o jeito de Almeirim caboclo nós sabe dar o troco, nós já viu o valente arrependido, o rico todo falido e o machão esmorecido, depois da situação, chorando como criança, acaba toda a arrogância e vem comer na nossa mão. Almeirim é um lugar que a arte popular tem aqui pra se mostrar, astúcia não pode faltar, nós sabe alevantar mastro, nós reza na ladainha, nós sabe passar fogueira, nós dança até o gambá, mês de junho é festança, se alegra moço, velho e criança com a festa do lugar, cachaça não pode faltar, São Benedito é milagreiro, em dezembro a Conceição, em agosto é mês de feira, o ano todo é animação, nós vive como peão, nós sabe criar o gado, nós sabe fazer maromba, nós sabe fazer roçado, nós pega porco no campo, nós sabe, nós sabe até gapuiar, nós atravessa o rio, nós vai pro lado de lá, nós sabe respeitar as cheias, nós sabe fazer cacuri, nós usa sapato sem meia, nós sabe faze matapi, nós sabe botar espinhel, nós sabe fazer mutá, nós sabe fazer labareda pra caça de enganar, nós sabe quebrar castanha, nós usa remédio da mata, nós sabe fazer canoa pra descer o rio a toa. Nós sabe usar flecha, nós sabe usar o arpão, nós usa até tapuá pro bicho não escapar, nós coloca atiradeira, nós sabe fazer tapiri, pra você que não é daqui acho que vai se assustar, essas coisas que eu lhe digo não tem na tal da internet, você baixar o topete pra tentar compreender, venha aqui e me dê a mão pra selar nossa amizade, será a tua salvação, eis Almeirim caboclo, com o povo da região. Continuo a lhe contar o que temos pra mostrar, nós sabe fazer peçonha, nós come pubado com pamonha, curumim os carrega na tipoia, peixe nós sabe muquiar, tibé se toma na cuia, quando a coisa aqui pega com copaíba se cura a pereba, tem até cipó pra tudo, andiroba, pra desmentidura, se resolve o problema na cama com a tal da maracuama, nós toma mel de uruçu, nós aprende a andar de macuru, quando a coisa está pegando nós anda como tatu, não venha nos ensinar com as coisas da capital, aqui é do nosso jeito, nós põe, nós tira prefeito sem pedir indagação, nós julga a situação, quem decide aqui é o doutor peão. Maracujá pra nós é peroba, cajá é taparebá, com uma branquinha gostosa pra tira gosto não pode faltar, nós tomar café do bule, leite da leiteira, chá se faz na chaleira, nós usa até cristaleira, nós usa até caçarola, nós ferve no caldeirão, nós torra no torrador, nós pila lá no pilão, com todos os anjos da guarda, nós confia é na espingarda, nós sabe fazer armadilha pra não subir no mutá, no meu linguajar matuto eu estou ficando meio astuto, as coisas está a mudar, não sei como vai ficar, coreto já é parlatório, retrete é mictório, barraca se chama estante, não se vê mais oratório, meu nome deve mudar, trapiche é hidroviária, o largo se chama praça, preata já não existe mais, o que vou fazer, rapaz? Vou ficando do meu jeito, mulher gestante é prenhez, não poso esconder os fatos, mentira pra mim é boato, nós vai seguindo a estrada no meio da enxurrada, enfrentando piquete no meio do aluvião, se precisar de mais um nós reúne pro xirum, pro problema resolver, isto doa a quem doer, nós anda inté pelo campo, nós vai por cima do barranco, nós sabe botar na beira, não gosto de remedeira, nós não aceita muito teco, quando a coisa tem que ir isto vai de qualquer jeito, vai por cima do caneco, doa em quem doer, não acho que isto é ruim, isto é o povo de Almeirim, é um povo hospitaleiro, seja rico ou sem dinheiro, Almeirim é um lugar que vais encontrar guarida pra passar uma temporada ou até o fim da vida”. Então isso é o, está convidada pra ficar em Almeirim (risos), aí você vai rolando as coisas aí, tem o pincel do tempo, isso aqui, quando tem uma data assim, isso aqui foi no dia do aniversário da minha irmã, aí nós já estamos contando história já de cabelo branco, então: “Eu vejo refletido no espelho a imagem do que foi o ontem, como o vinho, contemplo a nova forma da beleza que aflora do meu interior, eu sou a imagem e semelhança de mim, eu sou o eu, aos templários por favor respeite quem pode chegar onde a gente chegou, o pincel do tempo é o efeito aparente dos cabelos brancos e grisalhos, é o adeus aos cabelos escuros, é a somatória do conhecimento, sabedoria, as experiências, são os efeitos dos raios do nascer do sol ao brilho colorido do poente e o reflexo da lua prateada com o orvalho molhado da madrugada”, as serenatas da vida. “É o resultado do vai e vem das ondas dos rios trazido pelas marés, vivendo, sorrindo, dando altas gargalhadas, é a paciência de aguardar que as águas cheias dos rios voltem ao seu nível normal, com o brilho do sol no reflexo das águas contemplando o arco-íris, são os sons, os orvalhos das cachoeiras com a sinfonia dos pássaros, dando-me o direito em pensar besteiras, é a contemplação da cultura, da tradição de um povo. É a paciência de saber esperar e reverenciar e contemplar a natureza vivendo um mundo novo, é o saber apreciar a ingenuidade da doçura de uma criança, a experiência de um idoso, a força de um varão, ouvindo belas músicas ao acorde de um violão, é saber entender a natureza que transforma a beleza interior e o exterior do ser humano como obra do criador, é ter o prazer de colher o fruto da árvore que você plantou e se deleitar em sua sombra, é sentir o perfume da relva, o cheiro da sua amada que está cravada em sua mente no silêncio da madrugada (risos). É ter paciência de apreciar a utopia e a felicidade de um amigo sonhador, seu parceiro na alegria e na dor, é saber conviver com o belo natural e o belo artístico, sabendo que tudo isso é obra do Senhor, é ter paciência em saber esperar a próxima safra, contemplando as flores, colhendo os frutos e dando dádiva a natureza por ter lhe proporcionado real beleza, é saber contemplar a vida em toda a sua forma e plenitude, com determinação e atitude, é saber aceitar o diferente, pensar diferente e agir como a maioria, vivendo o seu dia a dia com a sabedoria e harmonia. Viver com as regras da sobrevivência, que não estão escritas em leis e sim acordadas, mas impõe os limites de respeito, você sendo um bom sujeito, é saber agradecer e reconhecer as determinações divinas, é ser útil, ajudar seu próximo como prova de amor fraterno, é transformar a sociedade em que vive sendo você mesmo a mudança, proporcionando esperança, é ter orgulho de suas raízes, onde seremos todos felizes, poder em dizer: ‘Estes são meus pais, estes são meus filhos e você são meus amigos, podem viver em paz sem perigo’. É saber fazer bem feito, fazer do seu jeito, que muita gente gosta, com prudência e objetividade, sou apenas uma imagem refletida no espelho e você é o espelho para a sociedade, isto não é utopia, é simples viver a realidade, obra prima do pincel do tempo, imagine então que o tempo é o senhor da razão”, é assim que a gente vai vivendo por aqui. Esse aqui também nessa área, nessa parte, assim, de preservacionismo

eu fiz um negócio legal, eu gostei de ter feito, foi no dia que, quando a minha filha completou nove anos, ela tinha um trabalho na escola, falar sobre natureza, aí eu faço às vezes de madrugada, tenho a inspiração, aí eu escrevo, depois eu vou: “Se eu fosse uma floresta, se eu fosse uma floresta queria que você fosse meus pais, por você eu seria protegido, seria um amor perfeito, teria de você garantia dos meus direitos, se eu fosse uma floresta com a sinfonia dos pássaros todo dia estava em festa, não seria uma festa modesta, se eu fosse uma floresta os meus olhos seriam as sementes, desta forma enxergaria o amanhã, continuaria em festa esta bela floresta. Se eu fosse uma floreta os rios, as nascentes e os igarapés não secariam porque seriam o sangue que corre nas minhas veias, se eu fosse uma floresta a terra não ficaria despida, as raízes das árvores seriam meus pés, a cobertura vegetal é que lhe dá a vida, se eu fosse uma floresta meus braços seriam os galhos das árvores, de mãos dadas não deixaria descoberta um pedaço de chão, juntos teriam total proteção, se eu fosse uma floresta as flores, as samambaias, as orquídeas seriam os meus adereços de rara beleza, todo dia era dia de carnaval e de natal. Se eu fosse uma floreta meus cabelos seriam as folhas, mudariam a cada estação, poderia até ficar careca, mas chamaria atenção, se eu fosse uma floresta meus olhos seriam a maior árvore em cima de uma montanha, o mirante pra contemplar todo vale, sem igual e tamanha beleza, se eu fosse uma floresta não seria apenas uma árvore, não ficaria sozinho, mas entre infinitas que servia de alimento e abrigo a homens e animais e ninhos de passarinhos, se eu fosse uma floresta seria o ar puro que respiras, a raiz profunda que dá sustentáculo a todas as árvores, seria calma, não teria ira. Se eu fosse uma floresta respeitaria todos acima de tudo, preciso de ar puro para respirar, água da chuva para saciar minha sede, a brisa dos ventos para me refrescar, o sol para realçar minha beleza, pediria respeito a mãe natureza, se eu fosse uma floresta mandaria um forte abraço ao povo da cidade, recomendaria a sobrevivência através da sócio biodiversidade, se eu fosse uma floresta como gostaria que respeitassem meus direitos, não precisaria de código florestal, conviveriam junto o homem, a floresta e o animal, se eu fosse uma floresta eu realmente seria insubstituível, por mais modesta ninguém substituiu uma floresta” (risos), é essa aqui, isso aqui que é o lado do ambientalismo. Aqui também a gente diz pro pessoal: “Ser do bem, fui concebido a ser do bem, ser parceiro, amigo de fé e irmão camarada, meus princípios éticos me fazem ser do bem, a gratidão é uma grande virtude que cultuo e bandeira que carrego, busco sabedoria pra ser compreendido, aceito as diferenças dos diferentes, apesar de não ser perfeito procuro cada momento compreender meus erros, meus inúmeros defeitos na maioria são relacionados a ditos por pessoas que não me conhecem, não conviveram e nem convivem comigo, porém ouviram falar, a esse tipo de gente desejo felicidade para que se tornem gentes evoluídas, minhas dúvidas estão em entender e descobrir a forma de agradar a todos, porém sei que o perdão é maior que a vingança, e a compaixão mais forte que a raiva”, a gente não pode, tem que comer castanha e ir vivendo em paz consigo mesmo, Almeirim nos tempo das cheias lá, das águas, que esse ano foi um tempo muito grande.

P/1 – Tem um período da cheia?

R – Tem, é de janeiro até junho, esse ano entrou lá naquela rua lá cidade, então: “Tempo de cheia, a chuva cai lá de cima, desce do morro abaixo, a água corre pro rio, eu vou descendo o riacho, com a maré não me importo, vou remando em minha canoa, vou na bubuia do remanso, vou descendo o rio a toa, contemplando a natureza, vejo que lindo é a cheia, das várzeas do Amazonas ouço o canto da sereia, água tem de fartura, colho frutas da estação, tem o meriti boiando, taperebá, socoroba, bacuri e pretinha, tem até ingá cipó, o curumim se diverte tomando banho na beira na companhia do tucuxi e também do boto telha”. É aquela história, quando era moleque nós vivia na beira do rio, aqui é um negócio que é mais longo, que é o tradutório, quando tem esses técnicos que chega contando história e o povo aqui nosso tem aquele jeitão, do povo caboclo, caboclo nosso, que nós somos aqui, é diferenciado do estresse do dia a dia, então: “A vida do caboclo, tem dia que dá canseira, até penso em pensar (risos), pensar pra quê? Já vai chegar o fim do ano, não preciso fazer plano”, assim que a minha avó viveu muito. “O que não dá pra fazer hoje faço amanhã, se Deus quiser, talvez no próximo ano dê no que der e vier, açaí tem por aqui, mandioca no roçado, como peixe da maré, se precisar tomo xibé, tempo de cheias como fruta da estação, na arriada d’água tem fartura de montão, se contar pra você as coisas que a mata dá, tem fartura a beça, você nem vai acreditar, uma coisa tenho certeza, se um dia a mata acabar não quero morar na cidade, sei que lá eu vou endoidar, na cidade é só agonia, de tudo tem que comprar na feira e supermercado, o meu dinheiro não dá, estão criando reservas, será que já fui vendido? Escuto pela rádio que as coisa vai melhorar, eu e os meus companheiros estamos esquecidos, agora virou moda falar em preservação, se eu sempre fiz o meu roçado no cabo do meu machado não devo ser condenado, coisa feia que acho é derrubar toda mata, transformar em capinzá, doutor, como isso vai ficar? A caça já sumiu, passarinho não canta mais, o igarapé já secou, o calor aumentou e agora, seu doutor, eu quero a minha mata pro tal do meu manejo eu fazer, mas eu não tenho documento, passar fome não aguento”, isso que nós vivemos aqui com a castanha. “Estou vendo esta riqueza, mas é triste a minha lida, estou passando fome ao lado da comida, sou caboclo rude e honesto, agricultor extrativista, sou condenado a sofrer por ser preservacionista, se acabarem minha mata não vou meus produtos explorar, castanha, açaí e balata, pracaxi, andiroba, copaíba, patoá, tacamará, cacau, ucuuba, murumuru e cumaru, tem mais de mil produtos que dá medo de falar, por que tem que pagar com a vida o extrativista pelo governo esquecido? A malária mata mais que um animal enfurecido”, nossos parceiros ainda morrem de malária aqui.

P/1 – Aqui tem muita malária?

R – Ah.

P/1 – Teve alguma crise grande de malária, epidemia?

R – Não, epidemia não, todo ano tem, no Paru geralmente fica, e tem uma história meia longa aqui, que é a história do Zé Tiquinha, isso aqui a gente escuta todo tempo.

P/1 – Qual que é a história dele?

R – Isso é longa, da 121 a 129: “A gente quer saber na mão de quem está o destino desse povo”, o povo tem o governo que merece, aqui foi de 2011.

P/1 – Qual que é a história dele?

R – O Zé Tiquinha, a gente vê, é os companheiros nossos, a gente não pode citar nome, mas a gente convive com eles.

P/1 – Companheiro do quê?

R – Não, é o que a gente vive, está na política, está na religião, está o castanheiro, está no balateiro, está no madeireiro, a história é a mesma, está na puta, está nos donos de bar, o Zé Tiquinha, a culpa, mas a culpa foi da ciência, que pegou uma puta vistosa, bonita e cruzaram com o DNA do balateiro, aliás, do madeireiro, do castanheiro e do garimpeiro, aí tiraram uma raça dessa, que o pessoal diz que é muito fácil um homem virar castanheiro, mas cem castanheiro pra fazer um homem dele é complicado, e um castanheiro dá rasteira em cem madeireiro, é enrolado, essa história é longa, ele se envolve na política, ele se envolve na coisa, esse é o Zé Tiquinha. Então a gente convive nas igrejas com o Zé Tiquinha, convive na política, convive nos negócios, convive em todo canto: “Zé Tiquinha é um clone, uma grande invenção espalhada no mundo inteiro, fizeram uma mistura do garimpeiro, madeireiro e castanheiro, pense o que a ciência conseguiu reproduzir, um ser desta natureza é pra chorar ou sorrir, tiveram que conseguir uma barriga de aluguel pra gerar Zé Tiquinha, uma mulher vistosa e preferida, não deu outra, escolheram uma rapariga, você precisa ver o tamanho da barriga. Se este cabra for bom com certeza vai vingar, vai comer o pão que o diabo amassou, não pode nem reclamar, vai sofrer mais que sovaco de aleijado, vai ser um cabra safo e safado, só não quero que se case com homem, não quero que seja viado, nada contra, os dias foram passando, a barriga apareceu, todo mundo queria saber quem é o pai da criança, a rapariga respondia: ‘Este é filho do vento, pro mundo vai trazer esperança, vai se chamar Zé Tiquinha, cabra de palavra e confiança’. Quando veio ao mundo, da barriga foi parido, quase que nasceu andando, de olho esbugalhado nunca deu um gemido, Zé Tiquinha é um cabra de fé, veio ao mundo cumprir sua missão, vai ser corajoso e destemido, aventureiro, estradeiro, não podia dar outra, é o DNA do madeireiro, do garimpeiro, do castanheiro, na escola não teve chegada, gosta mesmo é de xibé e farinha, faz conta de cabeça e escreve e ler de carreirinha, aí está esse curumim, barriguda, arrepiado e remelento, criado de qualquer jeito, dormindo até no relento”. Este é o retrato da sociedade: “Criado pela avó, nunca conheceu o pai, tornou-se um rapaz curioso, decide qualquer parada, é valentão e bondoso, aprendeu respeitar autoridades, aos mais velhos chamar de senhor, não acredita em mau agouro, resolve a situação, pra casa não leva desaforo”, naquela música do Legião Urbana que fala aquele cara lá, a nossa realidade é outra aqui: “Zé Tiquinha tornou-se um homem bem formado na universidade da vida, por ela foi diplomado, preparado para o trecho, saiu de sua cidade, agora ganhou o mundo pra conhecer novidades, só apareciam notícias, o Zé Tiquinha bamburrou, virou cavalo do cão, agora é um cabra estribado, fecha toda a corrutela, paga tudo a vista, não compra nada fiado. Está aí a obra prima, não é a primeira nem derradeira, boa peça não é, é a mistura do madeireiro, garimpeiro e castanheiro, madeireiro não quer outra ocupação, quando se embrenha na mata pau que dar dinheiro passa logo por cima, derruba até o derradeiro, o garimpeiro é o cabra que não acostuma na cidade, não é empregado de ninguém, sabe que o ouro tem dono, só pensa em bamburrar, o que ganha estoura na corrutela, sabe aonde vai buscar. Aí vem o castanheiro, um cabra mais aquietado, preserva a sua colocação, quando chega a safra melhora a situação, madeireiro, garimpeiro e castanheiro, gosta de farra, bebida e mulher, não tem pena de dinheiro, no outro dia está pra o que der e vier, é muito fácil um homem virar madeireiro, um garimpeiro e um castanheiro, é mais fácil ver vampiro ou lobisomem do que fazer destes cabras todos virarem um homem. Aí veio Zé Tiquinha quebrar essa maldição, esta mistura enrolada difícil de entender, se liga em que vou lhe dizer, Zé Tiquinha criou fama de ser bonito pro ouro, castanheiro de muitas barrigas, só usa roupa da moda, só curte com mulher bonita, Zé Tiquinha agora não é mais perreché, é um homem desejado, não tem só uma mulher (risos), quando vai lá na cidade só vive de curtição é um cabra temido e odiado, as pessoas falam: ‘Esse sujeito só pode ter pacto com o diabo’. Zé Tiquinha é um cabra destemido, não abeira confusão, resolve toda parada no braço, no trinta e no facão, com uma 12 na mão não livra a cara de ninguém, é um cabra espritado, não tem dó nem compaixão, já armaram a arapuca pra sua vida tirar, Zé Tiquinha é um cabra liso, difícil de se entregar, a suspeita confirmou-se do pacto que ele tinha, no dia, na hora H a sua alma o diabo veio buscar”. Ele fez um pacto com satanás: “Zé Tiquinha com muito jeito disse: ‘Não se avexe, rei das trevas, nosso acordo está firmado, antes de você me levar meu barranco vou lavar”, que é a última: “Este barranco deu bamburro, como era o derradeiro o ouro ficou coroado, aí que Zé Tiquinha fez ouro e muito dinheiro, Zé Tiquinha falou ao diabo: ‘Estou pronto pra partir, mas me responde de vez, pra que serve dinheiro ou ouro no inferno de vocês?’”, tinha que gastar primeiro pra depois ir. “‘Vamos fazer outro acordo, deixe-me mais uns dias aqui na terra pra eu curtir com a cachaça, farra e mulher, eu lhe garanto então entrego-lhe lá no inferno uma carrada de alma dentro de um caminhão’, o diabo foi na vantagem, o diabo viu a vantagem, falou pra Zé Tiquinha: ‘O acordo está firmado, mas não vacile comigo, não aceito ser enrolado’, ‘Homem, deixe disso, confie na minha palavra, isto você vai ver, depois que eu estourar todo este ouro e dinheiro em sua porta eu vou bater’, aí que Zé Tiquinha virou o cavalo do cão, sabendo que seus dias agora estavam contados estourou todo dinheiro, danou-se a comprar fiado. Chegou o dia marcado, Zé Tiquinha no inferno não chegou, o diabo disse: ‘Vou fazer uma diligência, vou buscar esse cabra, com boa ou má aparência’ os dois então se encontraram na porta de um cabaré: ‘Agora não tem desdobro, você vai me acompanhar com todos os papudinhos, vai até essa mulher’, ‘Sou homem de uma só palavra, vou agora lhe acompanhar, só não vou poder partir porque aqui comprei fiado, eu tenho o seu nome a zelar’, Zé Tiquinha mostrou ao diabo: ‘Por favor leia aquela placa, que nela está escrito, se não concordar comigo fica o dito por não dito’, o diabo lendo a placa ficou logo invocado: “Isto que está escrito é tudo papo furado’, estava escrito na placa: ‘Fiado é invenção do diabo, quando vendo fiado duas coisas me acontecem, eu perco a mercadoria e o freguês desaparece’, ‘Por isto aqui lhe esperei, pra prestar contas do meus atos, não vá se agoniar, mas seu nome não vou sujar, chegou a safra da castanha, esse é um ano de produção, deixe-me fazer essa safra, arrumei um bom patrão, eu vou fazer um feche, esta conta vou pagar, o caso tem solução, só vou ficar devendo pro diabo e pro patrão’. Com esta proposta então o diabo amoleceu o coração: ‘Aqui na terra não precisa de doutor, agora você vai ser meu castanheiro embaixador’’’, deu logo patente pra ele: “Zé Tiquinha estufou o peito, agora recebeu patente, juntou-se com o patrão e ficaram os três contentes, agora então mais um, só faltava o derradeiro, está tudo embolado, o patrão, o diabo e o castanheiro, Zé Tiquinha ficou esperto, dá nó em pingo d’água, agora é a castanha e o castanheiro, o dinheiro e o patrão, nem o advogado do diabo resolve a situação. Chegando o final da safra o diabo apareceu: ‘Zé Tiquinha, vim lhe buscar, seu prazo esgotou-se, agora vai me acompanhar’, teve ajuste de conta, o castanheiro, o diabo e o patrão, o advogado e testemunha pra não ter enrolação, Zé Tiquinha começou a gaguejar, viu que a sua produção não pagava suas contas, sem saber pra onde ir fez farra antes de produzir, o diabo então falou: ‘Agora não tem mais jeito, eu vim aqui lhe buscar, com conta ou sem conta você vai me acompanhar’, aí o patrão falou: ‘Preste muita atenção, o cabra está no meu caderno, não pense que é o tal, pra que vai levar o homem pro inferno se lá não tem castanhal? Esta alma já é sua, só quero meu dinheiro, agora vamos encher o inferno de madeireiro, garimpeiro e castanheiro’, o patrão falou, o acordo entre os três agora está firmado: ‘Esse sistema moderno quem sair do meu caderno mando direto pro inferno’. O diabo observando o momento, os três fizeram juramento: ‘Não vou ter só Zé Tiquinha, vou ter alma, burro e jumento’, começou a nova safra, o diabo tranco as pernas aguardando o caminhão, que vinha cheio pro inferno de madeireiro, garimpeiro e castanheiro, a safra já terminando, no inferno ninguém chegava, o diabo veio na terra, barruou com o patrão: ‘Vim cobrar nosso trato, não sou moleque, não’, o patrão falou então: ‘Você está agoniado, mas eu sinto maior dor, neste mundo moderno veja se Zé Tiquinha e outros saíram do meu caderno’. Aí é triste o caso, veja que situação, nem o diabo deu jeito em madeireiro, garimpeiro, castanheiro e o patrão, Zé Tiquinha agora tem patrão e advogado, tem quem lhe defenda, tem acerto assinado, em sua cabeça fica a dúvida, se é amado ou odiado, não sabe com quem fica, com o patrão ou com o diabo, Zé Tiquinha fez outro trato pro diabo largar seu pé, a vida do garimpeiro é pra ganhar dinheiro e levar chifre de mulher, a castanha e o castanheiro, o dinheiro e o patrão, um chamando pro outro de amigo e de ladrão, a sina do madeireiro é pra sofrer o ano inteiro sem saber o que ele quer, viver corrido do Ibama e não dar assistência à mulher. O diabo todo enrolado disse: ‘Mais um acordo está firmado, esse chifre não vou carregar inteiro, vou logo dividir com o madeireiro, garimpeiro e castanheiro, por onde esse povo andar chifre não vai faltar, vai ter muito cachiblema com cachaça, chifre e problema’, eita maldição que caiu por inteiro, até hoje não se livrou do patrão madeireiro, garimpeiro e castanheiro, Zé Tiquinha que foi culpado de tamanha maldição, a culpa maior foi da ciência, que não teve consciência, que fez tão grande besteira a pedido do estrangeiro, misturou o DNA do madeireiro, garimpeiro e castanheiro. Existe uma crença no mundo que o diabo marca o seu pra renovar o seu povo, em cada cem anos ele caga um ovo, este ovo cai lá de cima, vai girando pelo mundo sem lugar definido, no lugar que ele cair o povo fica perdido, Zé Tiquinha descobriu o lugar que nasceu o cramulhão, foi uma terra cega, uma mata sem madeira, colocação sem castanheira: ‘Como é que vou ficar neste lugar sofrendo o ano inteiro, não tem extrativismo e garimpo, sem madeireiro, garimpeiro e castanheiro, é

melhor que dê o fora pra não ficar de tamanco, eu quero que o mundo se acabe e eu morrer escorado num barranco, é esse fim que eu vou correr trecho’, sendo um cabra aventureiro, ficou um peão rodado, sem patrão e sem dinheiro. Um dia matutando disse: ‘Meu caso tem solução, vou fazer outro contrato, vou procurar o cramulhão, não sei se ele aceita, minha alma já perdeu, mas vou fazer proposta, o diabo ajuda os seus, vou voltar para o garimpo, pra minha colocação, liso não acostumo na cidade, rodado, sem um tostão’, marcou um encontro com o cão para a cartada final, hoje os dois se embolam, ou fico bem rico ou pobre pedindo esmola, o diabo foi chegando, logo bem alto falou: ‘Vá falando o que queres, se crédito comigo acabou’, ‘Muita calma, autarquia, só vim aqui conversar e também pra já lhe ver, se você me escutar com certeza meu problema você vai resolver’, ‘Vá falando cabra esperto, não fungue no meu ouvido, eu estou meio acabrunhado, negócio com o esperto e o sabido, um dos dois sai enrolado’, ‘O negócio que lhe proponho é uma proposta de fé, só que quero que você me devolva o ouro, a madeira, a castanha e mulher’, ‘Vai voltar pra curtição, vai voltar pro teu bamburro, vou lhe dar tudo isso, eu fico um cara bem burro, vou levar o seu nome, vou cuidar de você, pode firmar negócio, pode pagar pra ver, o negócio que está firmado, dê-me uma prova agora’, Zé Tiquinha pegou o facão e tirou um dedo fora”, tem um lá que chegou na presidência só com 19 dedos. “‘Agora, meu magnata, trouxe um presente ao senhor, isto é um pote e uma bilha, vá lá dentro e veja que tamanha maravilha’”, ele enganou o satanás: “O diabo curioso pra saber o que ia receber foi lá pra dentro da bilha sem saber o que vinha acontecer, o Zé Tiquinha meteu a mão no bolso num ato muito veloz, com uma rolha de miriti trancou o diabo sem de lá poder sair, o diabo resmungou: ‘Você é um cabra covarde, sempre lhe dei ajuda, comigo só faz pilantragem’, ‘Fique quieto, rei das trevas, não se agonie, não, aí você vai parir mais de mil cramulhão’, Zé Tiquinha conseguiu um ovo de urubu, botou pro diabo chocar, ficou igual um murutucu. Um dia ouviu um gemido, olhando por baixo e por riba, não é que o diabo tinha parido um feto igual uma guariba, esta guariba vai saltar, vai causar um escândalo, andando por aí com rabo, mistura de urubu, guariba e diabo, por isso que a gente vê uma mulher, um estrupício, com o cabelo de fogo espichado, colorido e arrepiado, é aparição do diabo, Zé Tiquinha agora está com o diabo dominado, voltou a ser o cara e chamar muita atenção, pra todo evento é convidado, é destaque nas colunas sociais, o povo não tem dúvida, este sim é um bom rapaz, é um galã namorador, tem tudo o que quiser, não aceita casamento, não é homem só de uma mulher. Agora é um homem do povo, casamento não aceita isso, nele ninguém manda, não pode ter compromisso, Zé Tiquinha analisando, cansado de trabalhar, qual a forma mais fácil pra sua vida ganhar: ‘Não quero ser ladrão, não quero ser assaltante, não vai ser sequestrador, não quero ser vigarista’, num estalo descobriu: ‘Vou ser ungueiro ecologista’, não quis mais ir pra mata, no garimpo não foi mais trabalhar, trocou o castanhal por uma pasta, difícil aprendeu a falar, o cabra ficou letrado, conhecido por Doutor Raiz, curava até mão do couro, fazia o povo feliz, curva doença do vento, muito bom de benzedura, tratava mal olhado e quebranto, quebradura e dementidura, tornou-se homeopata, doutor em fitoterapia, raizeiro afamado, homem de sabedoria. Agora o cabra é considerado professor, curador, benzedor, puxador, doutor da medicina popular, diga onde é que dói que Zé Tiquinha vai te curar, agora a palavra de ordem, a terra é fator de produção, vamos lá meus companheiros, todo o cidadão tem direito a um torrão, Zé Tiquinha é um cabra que só trabalhou na mata, trabalhar no sol quente, ficou isso não é pra gente, fazer roçado é penoso, formar fazenda é demorado, por que vou fazer isso se puder ter parado? Agora é do MST, dos movimentos sociais, sem terra que gosta de discutir a palavra de ordem é invadir, resistir e produzir, tem agora onde morar, pra comer não sabe de onde vem, levar uma vida agitada, isso não lhe faz bem, acostumado no bamburro, gastar muito dinheiro, sua agonia é viver na fofoca, no meio dos companheiros, já aprendeu falar difícil, até já cortou um dedo, no MST só vai ficar, na política vai entrar. Antes de se candidatar mais um passo ele vai dar, agora vai ser evangélico, sua vida vai mudar, Zé Tiquinha foi batizado, apresentado aos irmãos, deu o seu testemunho, como prendeu o cramulhão, já pregava a palavra como um homem sofredor, aleluia, na igreja recebeu o cargo, o homem virou pastor, falava do fim do mundo, profetizava casos sinistros, fundou sua igreja, agora o pastor José virou bispo, com a patente de bispo, vistoso com a bíblia na mão desejava paz e bênçãos a todos os queridos irmãos. Bispo José é referência em todas as comunidades, o homem está preparado pra ser prefeito da cidade: ‘Sou árvore que dá bons frutos, não sou urumuru, quero todas as ovelhas da cidade na legião da boa vontade’, Bispo José foi eleito com a ajuda dos irmãos, agora estão pedindo que comande a nação, até que enfim descobriu a forma de enricar, na igreja e na política sabe de onde tirar, todo este patrocínio não pertence ao Bispo José, é obra de nossa igreja, essa é a sua prova de fé, tudo que você doar com o coração e um sorriso você está comprando seu lugar no paraíso. Zé Tiquinha é o retrato da nossa sociedade, de pessoas que conhecemos andando nesta cidade, como vai se combater violência e corrupção, fazer valer seus direitos só com a boa educação, Zé da Silva é o nome encontrado em todo lugar, tem defeito e qualidade, imagem bem popular, quando passa pela rua um retrato da sociedade, iludindo e enganando o povo, mistério sem dignidade, aí te pergunto, na mão de quem está o destino deste povo?”, que o povo tem o governo que merece, essa é a sociedade que a gente vive por aqui.

P/1 – Garcilázio, como você vê a atuação, assim, só pra eu entender aqui no contexto, tem a comunidade que aquele menino é presidente, da fábrica lá da castanha que a Natura compra.

R – O pessoal do Iratapuru.

P/1 – Iratapuru, o que é essa atuação da Natura direto na comunidade, como que você vê este tipo de atuação?

R – Olha, quando a gente fala de extrativismo existe os conhecimentos tradicionais, isso aí que a gente vem contando essas histórias, então os conhecimentos tradicionais, eles têm que gerar benefício, uma experiência, eu sei pouco dessa relação deles com a Natura, mas o que existe é uma repartição de benefícios, então os conhecimentos empíricos que a comunidade tem e eles conseguiram levar tipo o produto da castanha, do breu, os produtos de beleza, porque aqui a gente tem também dentro da mata, tem, não está industrializado, mas vários produtos que existe e isso leva. Iratapuru é um modelo dessa parceria com, está com essa empresa, poderia existir em outras comunidades e com outras empresas, o que preocupa a gente aqui na Amazônia é essa questão da pirataria, que a gente tem os conhecimentos, alguém leva, envasa, beneficia e não retorna nada, o bom é que retorne, que transforme o produto em riquezas pra própria comunidade, esse seria o ideal.

P/1 – A primeira vez que você trabalhou no Grupo Jari, lá logo que você saiu da escola de agricultura, pra depois quando você voltou em 2005, não é isso?

R – Isso.

P/1 – Quais foram as principais transformações do grupo?

R – Esse projeto, que pode-se dizer que é um projeto, dos grandes projetos da Amazônia o que ainda sobrevive é o Projeto Jari, que tem mais de cem anos, buscando a cadeia sucessória até 1948 com José Júlio, teve a fase dos portugueses, o do Ludwig, da nacionalização e hoje, que é o Grupo Jari, que foi Grupo Orsa, hoje é Grupo Jari, então na Amazônia esse é o projeto que ainda sobrevive hoje. E de alguma forma vive quase cem mil pessoas em função desse projeto, que hoje se chama Vale do Jari, que é Almeirim, Laranjal do Jari, no Amapá, e Vitória do Jari, no Amapá, e Almeirim, que é um município no Estado do Pará, nós estamos na fronteira, somos localizados aqui no sul do Amapá e no oeste do Pará.

P/1 – Quais foram as principais transformações?

R – Pra região?

P/1 – É.

R – Hoje são tecnologias, oportunidade de emprego, geração de renda, tem os lados positivo, agora, o que faltou pra população regional, a capacitação, teria que ter educação porque o que sobra pra gente aqui é o subemprego, o que sobra, porque agora o culpado de quem? De políticas públicas, em 40 anos que o projeto, hoje, depois que a Jari está aqui, hoje que a gente está vendo uma escola técnica na região e alguém que já está compondo aí esse intercâmbio cultural de conhecimento que depende lá de fora, eu acho que o governo e os grandes projetos, eles têm uma dívida pra região, que está voltada pra essa capacitação da mão de obra.

P/1 – Garcilázio, olhando a sua trajetória de vida, se você pudesse mudar alguma coisa você mudaria alguma coisa do que você fez?

R – Não, não me arrependo de nada que eu fiz, o que eu fiz de melhor foi criar meus filhos, estou criando meus filhos, a relação que eu tenho de amizades, eu acho que se eu tivesse oportunidade, eu já tive, assim, de fazer um curso superior, mas tive muito, mas também eu busco conhecimento com as pessoas do meu relacionamento e no que eu, eu sou decidido, pra que eu parto pra fazer eu procuro fazer o melhor e também ser o melhor naquele segmento, que sabedoria tu consegue, conhecimento está nos livros, se tu vai buscar no livro, tem várias fontes de você buscar isso aí.

P/1 – Quais são seus sonhos, seu sonho?

R – Já falei nos cordéis, viver em paz, viver bem, constituir amizade, isso aí, é continuar na minha região, eu não tenho vontade de ir pra outro lugar, não.

P/1 – Quais são seus planos pro futuro?

R – Terminar de criar esses meninos, dar oportunidade, que eles estão tendo mais oportunidade do que eu, e também não tenho muita preocupação em deixar, mais formar valores neles, transmitir, é justamente como eu falo pra eles não terem vergonha, que eu sou o filho do Garcilázio, tenho círculo de amizades, como eu tive orgulho e tenho orgulho do meu pai eles terem de mim, isso é viver, e oportunidade de sobrevivência, acho que levar só o que é teu, o que é dos outros não precisa.

P/1 – O que você achou da experiência de contar a sua história de vida pro Museu da Pessoa?

R – Olha, é uma experiência inédita pra mim, porque eu tive observando que você não fica registrado pra posteridade, não é, dificilmente é pelos seus bens pessoais, mas é pela sua história, pelo o que você fez, pelo o que você tem pra contar, o material, os bens materiais é muito passageiro, acho que você conseguir deixar registrado e o cara dizer: “Olha, esse aqui foi meu pai, esse aqui foi meu amigo, esse aqui foi meu parceiro”, isso é que é importante, está tendo essa oportunidade.

P/1 – Eu queria agradecer o depoimento em nome do Museu da Pessoa.

R – Estamos à disposição, a gente falou do jeito que nós é, como é o povo de Almeirim e o convite está estendido pra vocês voltarem, continuarem e ter como opção Almeirim, que é um lugar bom de se viver.

P/1 – Obrigada.

R – Valeu, muito obrigado.

FINAL DA ENTREVISTA