Museu da Pessoa

Tudo pela família

autoria: Museu da Pessoa personagem: Maria Cleude Oliveira Alves

Projeto Medley – Saúde das Mulheres
Depoimento de Maria Cleude Oliveira Alves
Entrevistada por: Fernanda e Lila
Local
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Camila Inês Schmitt Rossi

R – Eu queria saber seu nome completo, data e local de nascimento.

P1 – Nome completo: Maria Cleude Oliveira Alves. Data de nascimento: 02/12/63. A cidade, né? Esperantinópolis.

R – E quais os nomes dos seus pais?

P1 - Valdivino Cosmo de Oliveira, já é falecido. E a minha mãe Francisca Oliveira da Silva.

R – O que eles faziam?

P1 – O meu pai era lavrador, a minha mãe ajudava ele na lavoura. Depois ele passou ser vaqueiro e ela só dona de casa.

R – Você tem irmãos?

P1 – Tenho. Nós éramos em dez, faleceu dois, ficamos oito, aí esses oito tá todos vivo ainda. Nós éramos cinco mulheres, cinco homens. As cinco mulheres continuam e dois homens faleceram, aí só ficaram três.

R – E como era sua casa de infância? Você se lembra?

P1 – Minha casa de infância? Lembro! Minha casa de infância era uma casa de sapê, de chão batido, é... água de poço, uma infância bem sofrida, assim, nunca passamos necessidades porque meu pai sempre foi um guerreiro, mas a simplicidade era maior que você possa imaginar.

R – Eu quero saber um pouco como era a rotina nessa casa, você acordava, o que você fazia?

P1 – Acordava cedo, muito cedo, minha mãe 5h30 da manhã já tirava todo mundo da rede, não era cama, era rede, e antes de ir pra escola, que a gente entrava sete horas na escola, eu, a minha irmã e o meu irmão, porque eu lembro dos dois, eu sou mais velha, aí tem a minha irmã, o meu irmão, é o terceiro. Aí minha mãe teve uma pausa de sete anos pra poder começar ter filho de novo, então esses dois eu lembro. A nossa rotina era essa: acordava cedo, ajudava ela nas tarefas de casa, ia pra escola, ia andando, não era longe a escola. E as tarefas de casa as mais variadas que você possa imaginar: buscar água no poço para encher pote, varrer casa, colocar fogo no lixo lá fora, lavar louça...

R – Quais eram suas brincadeiras favoritas?

P1 – Ah, brincadeira... brincar de roda, ai eu não brincava muito, eu não tive uma infância muito de brincadeira. A minha infância sempre foi muito atarefada, sempre tive muitas tarefas, porque eu era mais velha e na verdade ajudei a minha mãe criar meus irmãos, então eu não tive brincadeiras. Se você me perguntar você brincou de boneca? você brincou de casinha?” Não. Eu tinha vontade, mas não tinha tempo.

R – Tem alguma memória da infância que você sempre se lembra?

P1 – De roça! Muita melancia na roça! Isso eu não esqueço nunca, porque meu pai, apesar de ser uma pessoa pobre muito simples, mas ele era um homem que gostava de muita fartura. Então, essas coisas assim a gente não esquece: do ano que o inverno era bom, e aí que tinha muitas coisas na roça e ele fazia questão de trazer e mostrar pra gente. Acho que pra mostra assim “isso é fruto do meu próprio suor”. Ele tinha aquela grandeza de falar “olha, ó o tamanho dessa melancia, olha, esse ano teve muita abóbora, esse ano deu muito tomate, quiabo, essas coisas assim, feijão”. Essas coisas eu não esqueço.

R – E como era a relação dos seus pais?

P1 – Com meu pai era melhor possível, com a minha mãe não. As mulheres sempre falam, minha mãe é tudo, minha mãe...”. Eu não, ao contrário, meu pai era tudo pra mim, a minha mãe não.

R – Quer falar um pouco mais sobre isso? Por que não era tão próxima a relação de vocês?

P1 - Porque a minha mãe era uma pessoa muito briguenta, era não, é. Ela... a minha mãe tinha uma... (hum... deixa eu ver se eu vou conseguir me explicar melhor) Minha mãe era muito brava, e o meu pai era mais brincalhão, ele compreendia melhor a gente, ele fazia esforço pra entender, e a minha mãe... ela herdou muito da minha vó, mãe dela, que era a mesma coisa. Então assim, por isso que a minha relação com ele sempre foi muito mais próxima do que com ela. A minha mãe até hoje ela é uma pessoa que, assim, você não tem muito diálogo com ela. Ela é uma pessoa ignorante, muito ignorante, essa é a palavra certa. E o meu pai não.

R – Tem alguma história do seu pai que você se lembra bastante na infância?

P1 – Tem de quando ele começou trabalhar como vaqueiro, porque quando nascia bezerros muito fraquinho, eles davam ovo cru na boca do bezerro, e assim, sempre ele segurava o bezerro, eu quebrava o ovo e colocava na boca do bezerro, o bezerro com a boca pra cima pra não deixar o ovo voltar. E eu lembro de uma vez, que a vaca era brava e ela veio e eu soltei o ovo no chão e ele ficou bravo. Também acho que foi a única vez que eu vi meu pai bravo de verdade, porque ele não era muito de ficar bravo, ele levava as coisas assim muito na brincadeira, muito brincalhão, nunca me bateu, a minha mãe o contrário, né. E acho que foi o único dia que eu vi ele assim bravo comigo que foi esse dia que eu joguei o ovo no chão e corri.

R – Então, eu queria saber, você falou que é a irmã mais velha, né, como era a relação com seus irmãos, se você tem alguma história com eles, que você se lembre, com algum deles.
P1 – A minha relação com meus irmãos sempre foi muito boa. Esses dois irmãos que são os dois mais velhos que eu te falei, que depois de mim é a minha irmã e depois meu irmão, até hoje a gente tem uma relação de carinho muito grande um pelo outro. E os outros mais novos eu não tenho muito, assim, tem dois que eu praticamente criei, os dois que faleceram, porque na época a minha mãe vendia, minha mãe era sacoleira e o meu pai trabalhava na fazenda, então toda responsabilidade com esses dois era minha: de alimentar, de cortar a unha, dá comida, de dar banho, então a responsabilidade desses dois era minha, e deixasse alguma coisa a desejar que o pau comia. Mas você fala assim se eu tenho alguma história com eles, tenho sim, porque essa minha irmã que é depois de mim, a gente tem uma afinidade muito grande até hoje, um carinho muito grande (emocionada, voz embargada). Eu falei que não ia chorar, não tem jeito...

R – É emocionante lembrar, né?!

P1 – É.

R – Pode contar essa história com a sua irmã, pra gente?

P1 – Essa história da minha irmã, assim, a gente era muito próxima, a nossa diferença de idade é só de dois, eu sou mais velha que ela dois anos. E a gente tinha muito é... encrenca, nós duas, quando tava longe da minha mãe, tipo, a minha mãe saía e dava tarefa pra cada uma, e eu fazia a minha e ela era mais preguiçosa, então pra não ver a minha mãe brigar com ela, quando eu achava que a minha mãe tava pra chegar, rapidinho a gente... eu já tinha feito a minha e ajudava ela a fazer a dela. Então isso a gente lembra hoje e dá muita risada, porque se minha mãe chegasse e ela não tivesse terminado, ela pegava castigo, e lógico, o castigo ia sobrar pra mim também. Então mesmo depois de ter feito a minha tarefa, eu ajudava ela a fazer a dela, que era pra ficar tudo de boa, ela não pegar castigo e, lógico, na sequencia eu pegava também, né. E a gente lembra disso hoje e dá muita risada.

R – Nessa época vocês frequentavam a igreja, iam em festas na igreja?

P1 – Sim, sim. Todo domingo não tinha missa porque lá no lugar que a gente morava no interior era culto que falava, era um dirigente espiritual que dava um estudo bíblico todos os domingos, mas não tinha padre, e isso assim era muito sagrado pra gente. Começava às nove terminava às dez.

Então nove horas da manhã já tinha que estar com a casa impecável porque era nossa maior diversão era ir pro culto. E festas, a minha mãe era muito rígida e também eu era muito jovem, que eu casei muito nova e não tenho muito o que te contar de festa, não. Festas mais, assim, que chamavam de vesperal, porque era a tarde. Essas eu ainda frequentei algumas, mas festas mesmo, assim, carnaval, porque lá no lugar que a gente morava tinha um carnaval afamado, então eu ia, mas tipo meia-noite já tinha que voltar pra casa. Minha mãe não dava muita liberdade, não. E eu me casei muito nova, não tive tempo de aproveitar. Minha irmã casou mais velha e aí ela aproveitou mais, mas eu casei muito jovem, eu não aproveitei muito não.

R – Agora falando um pouco dos seus estudos, você se lembra do seu primeiro dia de aula?

P1 – Ai, pra ser sincera, não. Mas eu lembro de uma sequência, assim, porque a gente estudava, não era um colégio, uma casa chamada João de Barro. Era todo de barro, a casa era toda de barro, piso de barro, parede de barro, era toda de barro e chamava de João de Barro. E eu lembro muito bem, assim, lembro da professora, lembro que a gente tinha que acordar muito cedo e ir pra escola depois que já tinha feito um monte de tarefa, já chegava na escola cansada, mas, assim, do primeiro dia não lembro não.

R – Você tem alguma lembrança com algum professor / professora que te marcou?

P1 – Sim, eu tenho... eu tenho lembrança com uma professora chamada Carmelita, porque ela foi a minha segunda professora, e ela era evangélica e usava sempre vestido comprido, rodado, com manga, assim bem composto, porque ela era evangélica acho que da Assembleia de Deus, hoje acho que não é mais assim, mas naquela época era muito rígido, as saiona, né, eu achava muito esquisito porque ela era magrinha ficava parecendo um... eu achava muito esquisito. Mas não tem uma história, assim, tem de piquenique que a gente fez, nesse mesmo ano, que foi o meu primeiro ano com ela, e foi muito legal, porque eu nunca tinha feito, assim, eu nunca tinha participado. Cada um levava um prato, e a gente fez debaixo de um pé de manga, num sítio, isso eu lembro. Era muito legal, foi muito bacana esse tipo de piquenique que a gente fazia, era muito legal. E fazia com frequência porque era única diversão na época, eram esses piqueniques mesmo.

R – Aí você foi ficando um pouco mais jovem, e me conta o que aconteceu depois, assim, na sua adolescência.

P1 – Na minha adolescência, eu comecei namorar muito cedo, sempre fui muito precoce. Me casei adolescente ainda, e na verdade se você me perguntar “porque que você casou?” Não sei, não vou saber te responder, mas eu acho... hoje eu já consigo entender um pouco melhor, que eu me casei pra sair de perto da minha mãe. Não que eu tenha raiva dela, eu vou todo ano visitar, eu tenho carinho, mas na época era isso, eu casei pra sair de perto dela, que ela era muito carrasca, muito ignorante, e eu achava que se eu casasse ia ser melhor pra mim.

R – Me fala desse início de namoro, como você conheceu o seu marido? Você se lembra?

P1 – Sim, o meu marido eu conheci através das irmãs dele, porque ele morava aqui em São Paulo na época e as irmãs dele a gente era vizinhas. E eu conheci ele através delas, elas sempre falavam muito, mostrava foto. E foi aí que eu conheci ele, quando ele foi passear lá uma vez – acho que eu tinha onze, doze anos – eu achei interessante, mas aí quando ele foi a segunda vez, depois de um ano e nove meses, aí eu já não me interessei mais por ele, eu achei ele uma pessoa... não é bem isso que eu via nas foto, não é essa imagem que eu tinha, aí eu já não fiquei mais tão, assim, interessada, mas aí ele ficou. E aí tem essas festas que eu te falei, vesperal de dia, né, e um dia que teve lá na casa do irmão dele, que já era casado, e aí ele passou na frente da nossa casa, que nós morávamos na fazenda do tio dele, e aí ele pediu pro meu pai se eu podia ir, meu pai deixou, e aí eu fui e foi aí que começamos... a ficar – ‘a ficar’ é boa!

R – E me conta como se desenrolou, vocês começaram a ficar, e aí como chegou até o casamento? Me conta todos os detalhes.

P1 – Então, essa vez a gente ficou, mas acho que depois de uns 10, 12 dias ele voltou pra São Paulo. Aí ele ficou aqui acho que dois anos, nem deu dois anos, e voltou, foi embora pra morar lá de vez. Não quis mais ficar aqui, deixou emprego e voltou pra lá. Aí quando ele chegou lá foi no dia que tava acontecendo uma festa, aí ele falou pra todo mundo que naquela festa ia namorar comigo, eu falei que não. Aí meu tio que era solteiro, irmão do meu pai que morava com a gente, não foi com a cara dele, aí falou pra mim que “não, Deus o livre de namorar com aquele cara, muito estranho, muito esquisito”. Mas aí por insistência dele a gente acabou namorando. E daí desse namoro, desse dia da festa, foram acontecendo... a gente terminava, voltava de novo... Até que um dia ele falou pra mim, a noite, que no dia seguinte ele ia pedir a minha mão pro meu pai, que ele queria casar comigo. E aí me veio na cabeça assim “se eu me casar minha mãe vai parar de me encher o saco, vou ser dona de mim, ninguém mais vai mandar fazer nada, eu não vou ter [como é que eu vou falar pra você] responsabilidade de tarefas de casa, de... eu vou poder ir em festa”. Então pensei um monte de coisa, olha a cabeça de uma adolescente, né, que casando você vai se libertar de tudo e de todos, então você vai viver a sua vida, porque você já é casada, né. Pensei tudo errado, mas aí ele pediu a minha mão pro meu pai. Aí tinha uma prima dele casada com um rapaz que era ourives, que vendia ouro lá no interior, aí ele foi lá, já comprou a nossas alianças, e a noite colocou a aliança no meu dedo e aí ficamos noivo. Só que depois que a gente ficou noivo, a gente terminou umas duas ou foi três vezes esse noivado. Terminava e voltava, terminava e voltava. Até que um dia gente resolveu “não, vamos casar mesmo”. E aí casamos. Só no civil, não casamos na igreja. E aí depois do casamento logo em seguida eu fiquei grávida, que eu casei e não fiquei lá no interior, eu fui morar na cidade com ele, e logo depois do casamento eu engravidei e aí voltei depois que tava grávida, voltamos pra morar dentro da casa do meu pai, porque ele não tinha condição de pagar aluguel, ele tinha um comercio minúsculo, e daquele comercio tinha que tirar o nosso sustento, pagar o aluguel do ponto de comércio, pagar aluguel da nossa casa, tudo era daquele comercio, e aí chegou uma hora que não deu mais e aí o que que a gente fez: pegou tudo que a gente tinha, que não era muita coisa, deixou num quarto na casa do padrinho dele, que era tio e padrinho dele, e voltamos para dentro da casa do meu pai. E eu já tava com um barrigão, tava gravida da Ane. E aí dentro da casa do meu pai, grávida, com tudo aquilo de irmão, cada um falava uma coisa. A minha irmã – que a gente era muito cúmplice – passou a não aceitar nada que eu falava, nada que eu fazia, tudo que eu fazia não agradava... eu me senti demais naquela casa. Parecia que não era mais a minha casa. Não tinha jeito. E aí foi quando um vizinho da minha mãe, ele era uma pessoa que apareceu lá e se casou com uma pessoa do interior, da vizinhança mesmo, e ele foi ficando, todo mundo chamava ele de Baiano. E aí esse senhor – que eu gostava muito dele, eu lia cordel pra ele, ele não sabia ler, eu lia as coisas pra ele, quando comprava remédio eu lia a bula, pra ele e pra mulher, que os dois nenhum sabia ler, sempre que tinha alguma coisa que tinha alguma coisa pra ler ele me chamava, e aí a gente ficou muito amigo. E ele tinha um terreno entre a casa dele e a casa do meu pai. E aí ele deu esse terreno pra gente construir a casa. E a gente construiu essa casa, de sapê,

mas construiu. Aí buscamos os móveis que tava na casa do tio dele, que era tio e padrinho, e aí começamos uma vida nova. Começamos a vender roupa e calçado, de sacola. Mas meu marido não levava jeito pra isso e aí resolveu vim embora pra São Paulo de novo e eu fiquei lá. Fiquei seis meses, só eu e a Ane. Ane era bebê. Quando eu vim pra cá ela tinha 11 meses.

R – Vou voltar um pouquinho ainda na sua adolescência pra te perguntar se alguém chegou a conversar com você sobre prevenção, algum método contraceptivo, nessa época, se você ia ao ginecologista, alguma coisa assim.

P1 – Não. Nada. Nunca. Só pra você ter uma ideia, a minha mãe era de uma tal forma que a primeira vez que eu menstruei eu não pude contar pra ela. Não contei, ela nunca perguntou.

R – Então, eu queria que você me contasse essa história. Sua mãe nunca perguntou sobre a sua menstruação?

P1 – Então, é porque assim, toda menina quando menstrua a primeira vez, pra quem que você vai contar? Pra sua mãe, né? E eu não tinha essa liberdade porque pra minha mãe tudo, tudo, tudo que se relacionava ao sexo, essas coisas, era tudo proibido. Então a primeira vez que eu menstruei, eu não pude falar pra ela. E aí eu nem sabia o que usar. E aí tinha uma senhora, ela era viúva, e ela era muito minha amiga, conversava muito comigo, e eu contei pra ela. Falei “Carmelita, menstruei”. Aí ela “ai meu Deus do céu”. Aí ela me explicou o que eu tinha que fazer. Tinha que colocar o forro na calcinha, me ensinou tudo direitinho. Ela falou “você vai contar pra sua mãe?”, falei “não, a minha mãe vai brigar comigo”. Aí até hoje eu não sei se ela contou pra minha mãe, ou se ela não contou, eu nunca contei pra minha mãe. Aí volta na pergunta que você perguntou de... [que foi a outra pergunta que você fez? / Se alguém tinha falado sobre prevenção com você]. Não, nunca. Tanto que eu casei no mês de outubro, dia 6 de outubro, e 10 meses depois a Ane nasceu, 10 meses de casada.

R – Quantos anos você tinha quando você engravidou, mesmo?

P1 – 14 anos.

R – E como foi essa gravidez?

P1 – Nossa, foi terrível porque eu tive muito enjoo, os três primeiro meses eu vomitava todo dia, eu já era muito magrinha na época, antes de ficar grávida eu já era magrinha, depois que eu engravidei eu fiquei mais magra, eu fiquei pesando 47 quilos, porque eu vomitava tudo. Aí depois do terceiro mês, aí eu já não vomitava mais todo dia, aí eu ganhei um pouco de peso. E fiz pré-natal depois do terceiro mês, aí eu fui ao médico algumas vezes, não todos os mêses, mas fui algumas vezes.

P1 – E pra você como é que foi ser mãe adolescente, tão nova?

P1 – Foi normal, Fernanda, porque lá não era só eu. Quase todas as minhas colegas, amigas, colegas de escola na época, quase todas casaram com a mesma idade que eu, 14, 15 anos, 16. E assim, todo mundo teve filho cedo. Não era nenhuma novidade. Difícil sim, sim, difícil sim, porque eu não tinha jeito, mas aí eu tive uma sogra que foi muito bacana comigo e a minha mãe também depois se tornou mais amiga, depois de ser vó, porque a minha filha foi a primeira neta dela, né, então depois de eu ter minha filha, de ser mãe, e ela ser avó, ela ficou uma pessoa melhor de conversar, me ajudou bastante com a minha filha. A minha sogra também, muito. A minha sogra ficou na minha casa 15 dias, não foi nem na casa dela, dormia na nossa casa todo dia, ela quem deu os primeiros banhos, cuidou do umbigo, eu tinha o trabalho só de amamentar aprender a trocar, porque eu tinha muito medo de quebrar porque era tudo muito novo pra mim, mas deu tudo certo.
R – Eu queria saber como é que foi o dia do seu parto.

P1 – O dia do meu parto foi terrível. Por que eu tive a minha filha em casa, eu não fui pro hospital, e eu tive contrações durante três dias, no terceiro dia que eu ganhei. Então foi muito sofrido. E eu ganhei em casa com parteira, foi bem, bem assustador, é tanto que depois eu fiquei sete anos sem ter filho porque quando eu lembrava eu tinha muito medo, medo, muito medo.

R – Me conta mais desses três dias de contração, como que a parteira te ajudava.

P1 – É o seguinte: lá, quando você entrava em trabalho de parto, tinha aquela história dos chás, das comadres, cada uma tinha um chá mais poderoso que a outra, então você toma muito chá, não se alimenta quase de nada, a não ser chá, e... E a parteira é aquela mulher corajosa, porque se ela não fosse tão corajosa eu acho que eu não tinha... eu não tinha parido, porque cada vez que a contração vinha mais forte, mais eu me encolhia em cima da cama. Eu não tinha aquela disposição, porque de alguma maneira você tem que se dispor, porque tá lá vai ter que sair, né, e eu não, eu me encolhia, me encolhia, ficava com medo, e aí a parteira era muito corajosa, ela me ajudou bastante: “não você não pode fazer assim, você tem que fazer assim, você tem que caminhar quando a contração vim, você tem que respirar de tal forma e você tem que...” Aí quando, no terceiro dia, das duas da manhã até às oito e quarenta da manhã, que foi o horário que a minha filha nasceu, eu não dormi, minha mãe não dormiu, a parteira não dormiu, porque tava muito constante as contrações, e aí eu comecei a falar “hoje eu vou ter que me livrar dessa dor de alguma forma”. E aí tem o meu tio, irmão mais velho do meu pai, que também era meu padrinho – ele já faleceu – ele sempre que as mulheres estavam com contrações, ele tinha uma injeção que ele aplicava, ele sempre tinha em casa ou mandava comprar, e ele mesmo aplicava e aí te dava mais coragem, aplicava na veia, ficava um tempinho lá tomando como aquele soro pequenininho que fica pingando de pouquinho. Ele aplicava devagarinho. E aí ele me aplicou duas injeções, era tipo umas seis horas da manhã, 8h40 eu dei a luz. E ele também me encorajou muito. E foi isso.

R – Você sabe do que era essa injeção?

P1 – Não, não sei. Eles falavam que era uma injeção de óleo, mas eu não sei, sinceramente não sei.

R – E você e as outras mães, que você falou que era normal engravidar cedo, e que tinha bastante pessoas que engravidaram cedo também, vocês trocavam experiências?

P1 – Sim. Muito, porque... ó, na época quando eu casei, eu tinha mais três amigas, a gente casou mais ou menos assim uma próxima da outra. Eu fui a primeira, depois a prima do meu marido que a gente era muito amiga segunda, e a terceira é uma vizinha da frente que morava bem com a frente da casa dos meus pais. Então a gente trocava experiência, mas das três, eu fui a primeira a casar, fui a primeira a dar à luz, então eu não tinha nenhuma experiência que veio delas, elas sim tiveram de mim, mas eu não tinha. Tinha de outras, mas assim, primas do meu marido que já tinha filho, que vieram lá quando eu tava nesse período de contração durante esses três dias, que falaram algumas coisas, mas quanto mais elas falavam menos eu queria ouvir porque me dava mais medo. É isso.

R – Você disse que você tinha muitos pensamentos de liberdade antes de se casar. Aí eu quero saber como é que foi esse casamento. Você falou que foi diferente do que você pensou. Me conta um pouco. Como foi casar tão nova?

P1 – Então, é porque, que nem eu havia te falado, na minha mente eu ia me casar pra me livrar daquele... (deixa eu ver como é que eu vou falar), daquela posse que minha mãe tinha sobre mim, de me manter dentro de casa, de não poder sair, de não poder namorar, de não poder ir em festa. Então, quando eu me casei eu imaginei “nossa, agora eu vou poder fazer tudo o que eu não fazia antes”, que era ir em banho lá em igarapé, que as meninas iam em banhos lá que durava um domingo inteiro e aprontava os monte, e eu falava “nossa, minha mãe nunca deixa eu ir”, mas eu fui algumas vezes, escondida. Então aquilo era muito bom, e eu imaginava “depois que eu casar eu vou em todos”, e não foi isso que acontece, não foi isso que aconteceu. Então eu me frustrei muito. Primeiro que eu me frustrei: porque não era nada daquilo que eu pensava, que eu ia poder aproveitar a vida, que eu deixei de ser obediente à minha mãe pra ser obediente à pessoa que não tinha nada a ver comigo, e não era nada daquilo que imaginei. Então quando foi depois de 22 dias de casada eu quis voltar pra casa do meu pai. Aí voltei. Naquela época, o meu marido trabalhava no IBGE, ele era recenseado, e aí ele foi fazer um recenciamento num lugar distante da cidade que a gente morava, num interior distante, ele ficava uma semana praticamente fora, uma prima dele que ia me fazer companhia, dormia comigo, né. E aí ele saiu pra trabalhar e aí eu pedi pra ir no banho ele não deixou, “que eu não podia ir, que eu não podia ir, que eu era uma mulher casada...”. Aí eu pensei assim “se é pra ficar presa dentro de casa, vou ficar presa na casa da minha mãe”. E aí eu voltei pra casa da minha mãe. Peguei algumas roupas, pouquíssimo, coloquei numa sacola, peguei um carro e fui pra casa da minha mãe. Aí cheguei lá, todo mundo me recebeu super bem, lógico, já tinha uns 20 dias que eu tinha casado. Aí contei de noite na hora do jantar, eu contei pro meu pai que eu não queria mais voltar pra morar com meu marido. Aí o meu pai olhou e falou “não, você queria casar, você casou, agora você tem que morar com seu marido”. Aí eu falei “não, pai, eu quero morar aqui, não quero mais morar com ele”. Aí o meu pai falou “tem certeza do que você quer? É isso que você quer? Então tá bom”. A
minha mãe falou “não, aqui ela não fica, se ela não quiser morar com o marido, ela vai morar em qualquer lugar que ela vá”, assim tipo “vai morar na rua, vai morar com amiga, vai morar com quem você quiser, menos aqui. Eu não vou querer uma filha separada – lá chama sendera – eu não vou querer sendera em casa porque aí o pessoal vai falar, já imaginou que que vão dizer”. Sabe aquela pessoa que se preocupava muito com o que o vizinho ia achar, não era nem com o que eu tava sentindo... Pra ela não interessava o que eu tava sentindo naquele momento. A preocupação dela muito grande era do que os vizinhos iam falar. E aí ela bateu o pé, que lá eu não ficava, de jeito nenhum. E o meu pai pra não arrumar encrenca acabou ficando do lado dela, né, pra não ficar de mal com ela. E aí falou que “ah, minha filha, não tá certo, tem que tentar, é que você tá nervosa, tá com raiva, mas isso vai passar. Se você ficar você vai se arrepender, depois você vai querer ir ficar com ele”, aí mostrou aquele lado de pessoa boa, que ele era trabalhador. Aí eu dormi lá essa noite, no outro dia tipo onze horas da manhã, peguei o carro e voltei pra casa. Então eu não contei pro meu marido quando ele voltou de viagem, que eu tinha ido, né. Levou algum tempo, tipo umas duas semanas, pra mim poder falar pra ele que eu tinha ido pra casa do meu pai com a intenção de não voltar mais pra nossa casa. Mas aí também foi a única vez. Depois disso eu coloquei na minha cabeça: já que eu tinha casado eu ia construir uma família. E lutei.

R – Eu quero que você me conte a partir desse momento o que aconteceu.

P1 – É, aí logo em seguida desse momento que eu tentei me separar eu fiquei sabendo que tava grávida, e aí é aquilo que eu cabei de falar: coloquei na minha cabeça, já que eu tava grávida, eu ia ter um filho ou uma filha, não sei, e que essa filha precisava de um pai, de uma mãe. Eu ia fazer de tudo pra ela ter um lar, e foi isso que eu fiz. Aqueles pensamentos que eu tinha “ah, eu preciso me divertir porque eu sou nova, eu preciso ir em festa”. Passou. Minha cabeça mudou totalmente. E não foi com ajuda de psicólogo, psiquiatra, porque nessa época não tinha, você tinha que ter um foco: é isso que eu quero, é isso que eu vou fazer. Pronto.

R – Aí depois que você teve ela, como seguiu sua vida? Você ficou em casa, você foi trabalhar, como que era?

R – Não, depois que eu tive ela a gente ficou seis meses tentando levar a nossa vida vendendo o que eu já te falei, vendendo roupa e calçado de sacoleira. Ele, e eu em casa. Mas aí não deu certo aí ele veio embora pra São Paulo. E eu fiquei nessa casinha lá que eu to te falando, de sapê, eu e ela. E como ele veio pra cá pra tentar arrumar um emprego, quando ele conseguisse arrumar um emprego, arrumar uma casa e mandar me buscar, o irmão dele, meu cunhado, um dos mais novos, ele ia pra escola toda noite, que ele trabalhava na roça durante o dia, a noite ele estudava. Aí ele ia pra escola, que era perto da minha, quando ele saía da escola ele vinha dormir na minha casa, me fazia companhia, de manhã montava no cavalo e ia pra roça trabalhar, ele fazia esse percurso todo dia. Então eu fiquei lá durante seis meses, aí com seis meses que ele tava aqui e eu sozinha lá, ele me mandou uma carta falando pra mim vender o que a gente tinha e vim embora. Que aí ele tava morando com duas irmãs dele aqui, um irmão e um cunhado, olha quantas pessoas na mesma casa: duas irmãs, um irmão que era solteiro, e o cunhado. A irmã dele, essa que morava aqui, que ele estava na casa dela, ela já tinha filhos mas ela deixou lá com a sogra e veio embora pra cá, pra tentar a sorte aqui. Então ele me mandou essa carta pedindo pra mim vender as coisas que tinha pra vender, que não era muita coisa, e vim embora pra cá. Aí eu fiz. Vendi o que deu pra vender, o que não deu eu deixei lá na casinha. A casinha eu não vendi, porque como eu tinha ganhado aquele terreno do vizinho, que eu já te contei, né, eu falei “não é justo eu pegar a casa e vender, eu vou deixar aí de repente eu volto, não me dou bem lá, ela vai ficar aí”. E como era entre a casa desse vizinho e a do meu pai, meu pai ia olhar a casa pra mim, não tinha problema nenhum, aí vim embora. Aí começou meu sofrimento de verdade, por quê? Porque eu vim embora, a única coisa que eu tinha, um pouquinho de dinheiro num bolso dentro da calça, uma filha no colo e uma mala, era tudo que eu tinha. E quando eu cheguei aqui em São Paulo, eles iam estar numa rodoviária me esperando, meu marido e minha cunhada – a que não era casada. De início eu não encontrei eles. Era meia noite, eu desci numa rodoviária que chamava Rodoviária Velha e eles estavam no Glicério me esperado. Então naquela rodoviária que eu desci, eu olhei para um lado, olhei para outro, não tinha ninguém conhecido, só pessoas estranha. E quando você vem de lá, quando vinha naquela época, você tinha uma imagem assustadora de São Paulo, de violência. Nossa, o pessoal que ia daqui pra lá contava horrores.
Então você chega aqui, tá apavorada, então eu cheguei aqui. A única coisa que eu tinha era uma filha no colo e uma mala, meia-noite, olhei para um lado, olhei pro outro, não vi ninguém conhecido, um frio de matar e eu com aquelas roupas de nordestina, que só Deus sabe, e aí eu fiquei... “meu Deus que que eu vou fazer”. Aí pus a mala no chão, sentei em cima com a minha filha no colo e comecei a chorar aí eu falei “gente, mas eu não posso ficar aqui chorando, alguma coisa eu tenho que fazer”. Aí tinha um ponto de taxi, devia ter uns seis taxis naquela época. Aí eu cheguei e pedi informação se tinha outra rodoviária, aí o cara falou “não, só conheço essa”. Aí tinha um senhor de chapeuzinho, eu falei “vou perguntar pra esse senhor”, aí cheguei e perguntei pra ele, ele falou “tem sim”, aí eu falei “o seu pode me levar lá?” aí ele olhou e falou assim “você tem como me pagar?”, e falei “claro, e o meu marido vai tá lá me esperando”. Falei com uma convicção que acho que ele acreditou. Aí eu entrei no táxi com a minha filha, depois a mala, e ele me levou. E aí a hora que ele parou nos ponto de taxi ali do Glicério, eu olhei na minha frente, tinha um bar, e aí eu vi minha cunhada, aí eu criei uma alma nova. Por que até então eu só olhava pra minha filha e chorava “que que eu vou fazer aqui numa cidade deste tamanho, que eu não conheço, não conheço ninguém, e se eu não encontrar eles?”, eu pensei isso, né. Mas aí a hora que eu vi a minha cunhada, eu conheci, aí eu, nossa, sabe quando você acha que tá tudo perdido e lá no fundo você vê uma luz? Foi isso que me aconteceu. E aí fui, na época parecia um interior mesmo, Santo Amaro era aquela coisa assim bem uma casa aqui outra lá, aquelas ruas tudo sem asfalto, era terrível. E até que enfim chegamos em casa. Quando nós chegamos, era uma casa de dois cômodos, quarto e cozinha, moravam cinco adultos, comigo seis, e mais a minha filha. O meu concunhado que era casado com a minha cunhada,

depois de um tempo eles se separaram, ele era uma pessoa muito folgada, preguiçoso, não colaborava com nada, e como todo mundo saía de manhã pra trabalhar, eu era a única que ficava, ele achava que eu tinha que fazer papel de empregada dele, e aí eu comecei a... eu não aceitava, eu nunca aceitei coisas assim, eu sou uma pessoa muito estourada, não aceitava, e aí tudo que eu comprava pra minha filha, que já era difícil demais, ele comia escondido e foi criando... nossa, uma desavença muito grande, porque a minha cunhada chegava dez hora do trabalho, 22 horas da noite, porque ela trabalhava das 14 às 22. E aí eu contava pra ela e acho que ela não acreditava muito no que eu falava. “Mas ele não foi...” porque ele trabalhava numa oficina de fazer móveis, e ele não ia, ele falava pra ela que ia pro trabalho, mas ele não ia, só esperava dar o horário dela ir pro trabalho, ele voltava pra casa. Aí ele dormia, ele fazia bagunça na cozinha, a minha filha tava dormindo e ele começava a cantar, sabe aquela pessoa ruim que faz tudo pra te pirraçar? E aí eu vivi dois meses esse inferno, aí um dia eu falei pro meu marido “ou você arruma uma casa pra gente mudar só nós três, ou compra uma passagem, eu volto pra casa do meu pai, aqui eu não fico”. Aí ele “mas eu não tenho dinheiro, a condição não dá pra pagar um aluguel...”, eu falei “mas é isso que eu te falei, se não eu vou pra rua pedir esmola, eu vou embora”. Aí ele foi, arrumou com um amigo dele que tava mudando, tinha comprado uma casa, e a casa de aluguel ele deixava pra gente com contrato no nome dele, porque se fosse arrumar uma casa pra gente fazer um contrato, ninguém ia querer alugar uma casa pra gente, porque ele tava trabalhando pouco tempo na empresa, o salário era uma mixaria, e quem que era o proprietário que ia querer alugar uma casa pra gente? Então esse amigo dele deixou a casa de aluguel pra gente, sabendo que ele ia pagar, porque ele sempre foi uma pessoa muito responsável. Aí a gente fez isso, mudamos. A única coisa que eu tinha era, uma televisão preto e branco pequenininha, a mala que eu trouxe de lá, lógico, com sas minhas coisa, com as coisa da minha filha, e aí o meu cunhado que era solteiro e morava aqui me comprou um fogão nos móveis usados e uma beliche. E aí eu mudei. E aí ficamos... ele recebia o pagamento duas vezes por mês, que era dia 10 e dia 25 do mês, era as duas datas que ele recebia pagamento. Aí pagava aluguel, porque tinha que pagar mesmo, primeiro porque a gente tava morando na casa, segundo que não podia sujar o nome do amigo dele, né. Pagava o aluguel, e o que sobrava, que as vezes – não dava nem pra comprar um pacote de arroz se fosse hoje – mas aí eu comprava, ia na feira e comprava duas banana, uma maçã, seis laranja, e aí o leite da minha filha, o padrinho dela - que é de lá do nordeste também, muito amigo da gente – dava o leite, a minha cunhada que era solteira também me ajudava muito, assim, com roupa quando precisava, leite, fralda, a minha cunhada me ajudou muito, a que era solteira, não a que era casada com esse cara que eu acabei de citar pra você. E assim a gente foi levando a vida, por um bom tempo.

R – Eu queria saber o que que você fazia pra se distrair nessa época, nessa rotina, você falou que tinha uma televisão, que que você gostava de programas?

P1 – Era a única coisa. Assistir sessão da tarde, eu não saía de dentro de casa, só quando eu ia na feira, porque eu tinha muito medo, medo de tudo. E era só televisão e a minha filha. E dormia muito, nossa, aquela época eu dormia demais, durante o dia, e a noite a minha filha não dormia, perdia o sono, e o meu marido trabalhava e estudava, porque ele fazia Senai na época, e ele precisava dormir, e aí a casa era pequenininha, só dois cômodo, e aí eu pegava ela, fechava a porta do quarto e vinha pra cozinha com ela, aí eu colocava o tapetinho no chão, às vezes a gente amanhecia dia dormindo naquele tapetinho pra poder deixar ele dormir porque ele precisava acordar cedo pra trabalhar e estudar a noite. E isso foi um período de cinco anos, foi um período bem grande.

R – Me conta lembranças de família que você tem, de você e a sua filha, você, seu marido, sua filha.

P1 – De família? Excursão pra Santos, de ônibus. Era muito gostoso quando chegavam essas datas de excursão, que aí juntava toda aquela família que tinha aqui, que eram os cunhados, primos do meu marido, padrinho da minha filha. E fazia excursão de ônibus pra ir pra praia, então era uma diversão. A maioria dos domingos era almoço na casa de um, e aí eles jogavam futebol, a gente assistia o futebol no campinho e depois ia almoçar na casa de um, de todos aqueles que formavam os jogadores, cada domingo tinha uma casa que era destinada para todo mundo, aí ia. Era a diversão que a gente tinha.

R – E aí você falou que foi mais sete anos pra você engravidar novamente, como é que foi esse momento? Você se prevenia?

P1 – Me prevenia. Sim. Eu sempre usei anticoncepcional, esse período todo que eu te falei, e aí quando meu marido parou de fazer curso no Senai, aí adquiriu uma profissão, um salário melhor, aí eu resolvi que queria ter um filho, e de preferência que nascesse homem, porque eu já tinha a menina, né, e aí eu parei de tomar anticoncepcional e fiquei tentando engravidar um período de mais de um ano. Aí não consegui engravidar e aí eu conversei com meu médico na época, o ginecologista, e aí ele me deu remédios, tomei remédio por um bom tempo, mais de oito meses, aí eu engravidei. E aí logo que eu engravidei do meu filho o meu marido trocou de emprego, ficou desempregado mas aí foi para um emprego melhor, uma empresa maior, e aí a gente cogitou comprar uma casa. Aí precisava de uma casa porque precisava ter um quarto só para as crianças, porque até então a gente morava em dois cômodos. E aí logo que o meu filho nasceu, ele ia fazer um ano, a gente comprou essa casa,

que estamos até hoje. Aí compramos essa casa. Na época ele tinha umas vacas lá no Maranhão no terreno do tio dele, aí pediu pro tio dele vender essas vacas e mandar o dinheiro, o tio dele vendeu as vacas, mandou o dinheiro, ele completou com um pouco que ele tinha, a gente comprou essa casa e fez só em seis parcelas, durante seis meses ele terminou de pagar a casa, quitou. E aí a gente veio morar nessa casa e era um casarão abandonado porque era o que dava pra comprar na época, e aos poucos a gente foi melhorando pra ficar um pouco mais habitável, né. Foi melhorando, melhorando, arruma aqui, arrumar ali, aí aumentamos, e foi isso. Foi um período bem difícil, mas conseguimos.

R – Eu queria saber se você se lembra de quando você começou a tomar anticoncepcional, se você teve alguma mudança no seu corpo, se foi tranquilo, como foi?

P1 – Olha, mudança eu tive, porque até então eu não sabia o que que era dor de cabeça, e aí toda vez que eu parava de tomar anticoncepcional que era pra eu menstruar, eu tinha muita dor de cabeça, e o médico sempre falava que era por causa do anticoncepcional, se não era hora de eu parar, dar um tempo, mas aí eu pensava “se eu parar e der um tempo e eu engravidar? Não, vou continuar”. E aí continuava, e todo mundo falava “ai, que você já tá tomando há muito tempo, era bom você dar um tempo”, não, eu tinha muito medo. Mas aí do anticoncepcional ele me receitou uma injeção, mas aí a injeção me deixou muito inchada, com os seios doloridos, eu tinha enjoos, parecendo que tava grávida, só tomei dois meses, aí voltei pro anticoncepcional de novo, não quis a injeção, não. E continuei um bom tempo, mas eu não tive mudança no meu corpo com o anticoncepcional, não, agora com uma injeção anticoncepcional sim, porque eu tive inchaço no abdome, os peitos ficaram muito doloridos, também só tomei dois meses. E tinha muito medo, porque todo mundo falava que toda mulher que toma anticoncepcional muito tempo acaba tendo câncer no útero, que não sei o que, eu tinha medo. Mas eu sempre procurei ir no ginecologista, fazer exame de prevenção sempre, as vezes eu ia no começo do ano e no final do ano de novo. E nunca tive problemas sérios, não, graças adeus.

P1 – Esse ginecologista que você frequentava era da rede pública ou privada?

R – Privada, porque a gente tinha convênio médico da empresa, e era um convenio muito bom. Eu passei com o dr. Claen, que foi que fez o meu parto quando eu tive meu filho, um período aí de uns cinco anos, sempre com ele, ele me acompanhou durante muito tempo, antes de engravidar, depois da gravidez, depois que eu tive o meu filho ainda continuei passando com ele um bom tempo. Aí depois foi que o meu marido mudou de empresa de novo, mudou de plano de saúde, aí eu não tive mais contato com ele.

R – Eu queria saber qual foi a diferença do primeiro parto, que você nunca tinha tido essa experiência, pro segundo.

P1 - Porque a minha filha, que nem eu te falei, eu tive em casa com parteira. Meu filho eu tive num hospital bom que... era ali na Vereador José Diniz, e fui acompanhada por um ginecologista que eu já era acostumada, tomei pelidural pra não sentir tanta dor, tive corte, foi totalmente diferente, né, porque a primeira foi três dias de contrações e o segundo filho estourou a bolsa quatro horas da manhã, quando foi duas e vinte da tarde eu já tive ele, então uma diferença muito grande.

R – Eu queria saber quais os maiores desafios da maternidade que você enfrentou.

P1 – Amamentar meu filho, porque a minha filha premera ela nunca gostou muito de peito, partiu mesmo pra mamadeira e depois foi pra comida, ela nunca foi de mamar, ela mamou dois meses porque era praticamente forçada, mas ela tinha náusea depois que mamava, não sei se meu leite... acho que não tem leite ruim, acho que ela não gostava mesmo, então foi um período muito curto de amamentação. Agora, o meu filho, ele mamou, era igual um bezerro, feriu o meu seio, eu tive calo, aquela bolha. Eu não tinha ajuda de ninguém, porque eu tive ele aqui em São Paulo, né, ajuda era só do meu marido mesmo, eu não tinha minha mãe, eu não tinha ninguém aqui, minha sogra... que da primeira eu tinha as duas do meu lado ali me ajudando, me auxiliando. Quando eu tive meu filho já foi aqui em São Paulo, eu não tinha ninguém pra me ajudar, então foi bem difícil, assim a os primeiros 15 dias, até um mês foi muito difícil, porque eu não tinha ninguém pra me ajudar. Foi bem complicado. Assim, fazer com que ele mamasse só no seio até fazer seis meses, eu não tinha muita experiência, tinha experiência assim, porque eu já tinha uma filha, mas... de alimentar direito pra dar mamá pra ele, é... só o médico mesmo, mas de família eu não tinha ajuda de ninguém. E foi bem difícil, passar a noite as vezes em claro e não poder dormir durante o dia porque eu tinha uma filha que já tava indo pra escola, eu tinha que levar, eu tinha que buscar, não tinha ninguém pra pedir isso pra mim. Eu ia com ele no colo, eu não podia deixar em casa dormindo pra ir na escola porque eu tinha medo do que poderia acontecer com ele. E foi bem difícil, eu vou te falar, assim, tinha horas que eu pensava “não vou dar conta, vou desistir porque eu to muito cansada”, mas eu dei conta.

R – Falando da sua vida, né, do seu casamento, você se sentiu alguma vez sobrecarregada?

P1 – Muitas vezes, muitas. Porque, de um tempo pra cá, você vê muito os maridos ajudando as esposa nas tarefas de casa, na educação dos filhos, e eu não sei se porque eu casei com nordestino, ou se porque ele teve uma criação diferente dos homens atuais, ele não me ajudava, ele nunca me ajudou, nem me ajudava com a educação dos filhos e nem me ajudava com as tarefas de casa porque pra ele trabalhar e ganhar o nosso sustento, já era o suficiente, não tinha que se preocupar com mais nada. É... roupa limpa, passada, eu sempre fiz questão da minha parte, da minha tarefa, eu fazer e cumprir direitinho, então ele não tinha preocupação nenhuma, com a educação dos filho, com as tarefas de casa, eu fazia tudo isso sozinha, sempre fiz. O meu marido nunca deu um banho no filho, nunca trocou uma fralda, eu não vou dizer que ele nunca levou no pediatra porque as duas mais novas já foi um pouco diferente, ele algumas vezes me acompanhou no pediatra porque uma foi muito próxima da outra, então era muito difícil de levar as duas ao mesmo tempo. Então, mas assim, ele nunca deu banho no filho quando era pequeno, ele nunca trocou fralda, nunca fez uma madeira, isso era tarefa minha e só minha, ninguém mais me ajudava. E aí era muito muito cansativo. Muitas vezes eu pensei “ah, não vou dar conta, vou desistir, estou cansada, muito esgotada”. Mas a gente acaba dando um jeito. Se não tem outro jeito, você acaba dando um jeito, né, mas pensei muitas vezes que não ia dar conta.

R – E o que você fazia pra cuidar da sua saúde mental, quando você se sentia cansada?

P1 – Fumava (riso). Nossa, como eu fumava. E não era um jeito de cuidar, era um jeito que eu achava pra relaxar um pouquinho, era o cigarro, fumava muito, muito, muito, fumava 20 cigarros por dia. E era única coisa que eu fazia. Quando eu tinha que ir ao médico, muitas vezes eu ia no médico e tinha que levar ele junto comigo. Dependendo do dia não dava pra deixar, não podia pedir pras vizinhas, nunca fui de pedir nada, eu fui uma pessoa, assim, de fazer tudo sozinha, não falava nada da minha vida pras pessoa, e aí não tinha jeito, eu tinha que ir ao médico porque eu tinha hora marcada e eu tinha que levar comigo, eles tinham que me acompanhar. Foi bem complicado. Quando tinha só os dois mais velhos, ainda dava, uma vez ou outra eu pagava alguém pra ficar pra poder ir. Tinha alguma festa, eu ia ser madrinha de casamento, aí eu pagava, se não dava pra levar na hora, pagava alguém pra ficar com eles, mas aí depois que eu tive as duas mais nova, aí ficou bem complicado.

R – Você pode me contar como é que foi até você ter essas mais duas filhas? Depois dos seus dois primeiros? Como é que foi?

P1 – Nossa, a minha ideia era ter dois filhos só. Como eu já tinha um casal, eu não queria mais ter filhos de jeito nenhum. E a minha terceira filha eu engravidei tomando anticoncepcional. É tanto que quando eu fui fazer... a minha menstruação atrasou, aí eu fui no médico, o médico pediu pra fazer um teste e na hora, aí deu positivo. Aí eu quis esganar o médico, eu não acreditei, “não era verdade, não era porque eu tava...”. Aí ele pediu pra fazer exame de sangue, pra colher o sangue, aí eu colhi o sangue, daí depois cinco dias, que eu lembro que tava pertinho do Natal e aí eu fui pegar o resultado. Eu cheguei lá tinha dado positivo. Aí eu cheguei em casa com a única ideia na minha cabeça: eu ia abortar. Eu não queria aquele bebê de jeito nenhum. Aí eu não contei pra ninguém que tinha dado positivo. Aí a noite eu contei pro meu marido, falei pra ele “mas eu não vou ter esse filho, não vou”. E pra meu desespero maior, meu casamento tava vivendo um redemoinho, assim, tava tudo muito complicado, aí a minha ideia era abortar. A minha cunhada que na época era solteira, não, ela já tava casada? Já, ela já tava casada, mas na época dela de solteira ela tinha feito três aborto, aí eu falei “ah, a minha cunhada vai me ajudar, ela vai ser a base pra mim”. Então de manhã eu levantei, liguei pra ela, perguntei se ela podia vim aqui – que eu já morava nessa casa que nós estamos hoje – se ela podia vim aqui pra gente conversar que eu tinha um papo muito sério pra levar com ela, aí ela ficou assustada “ai, você pode me adiantar?”, eu falei “não, você pode vim aqui?” / “não, eu vou”. Aí ela falou “depois que eu terminar aqui eu vou aí”. Aí ela veio. Era mais ou menos umas duas da tarde quando ela chegou, aí eu falei pra ela que tava grávida, tinha feito exame de sangue, tinha dado positivo, só que eu não ia ter o filho, eu não queria, e ela como já tinha feito aborto eu queria que ela me ajudasse, ela falou que se arrependia amargamente do que ela tinha feito, que ela não ia me ajudar, de jeito nenhum, na época ela tava com filho pequenininho, já tinha casado e já tinha o filho – agora que eu relembrei – e ela tava com o filho pequenininho e ela não ia me ajudar de jeito nenhum. Aí eu falei pra ela “ah, você vai”, ela falou “realmente você quer?”, eu comecei chorar, “você quer?”, eu falei “quero” ela falou “então compra Cytotec, você toma dois e coloca dois”.
Aí eu “mas aonde eu vou comprar?” Fui em duas farmácias e não quiseram me vender, aí eu fiquei sabendo que aqui perto de casa tinha um senhor que ele tinha uma farmácia, o nome dele era seu Valdemar, ele era farmacêutico, ele vendia, era super caro. Eu não lembro na época o que que era super caro, mas digamos assim, que cada comprimido fosse ai R$50, ia dar R$200 os quatro. Eu acho que era mais ou menos isso.
E eu não tinha dinheiro. Aí quando meu marido chegou à noite eu falei pra ele, aí contei desse senhor, ele falou que era perigoso, não queria que eu fosse de jeito nenhum, mas eu fiz ele me dar o dinheiro, ele foi de manhã, sacou o dinheiro pra mim, foi trabalhar e falou “se acontecer alguma coisa eu não quero ter culpa, o problema vai ser só seu”, eu falei “eu assumo, pode deixar que se acontecer alguma coisa comigo eu não vou falar que você me deu dinheiro, não vou falar que você me deu o dinheiro, que você me ajudou, vou falar que a ideia é minha”. A minha cunhada ela falou a mesma coisa: “se você tomar, se você passar mal, eu não vou falar que te dei o nome do remédio, eu vou falar que eu não to sabendo de nada”. Porque ninguém queria correr o risco. Eu falei “pode deixar, eu corro risco sozinha”. Aí eu fiz, só que eu não sabia que você tinha que tomar o Cytotec em jejum, e depois você tinha que ingerir na vagina os outros dois comprimido. Ele me vendeu, falou que eu nunca tinha estado naquele local com ele, eu fui lá um dia, encomendei remédio pra pegar no outro dia de manhã. Só que quando eu peguei o remédio, que eu fiz o pagamento, ele não falou pra mim como que eu tinha que usar, eu simplesmente peguei num quartinho lá no fundo lá farmácia, coloquei na mão, fechei a mão e vim embora, e ele não me explicou como que eu usava. Cheguei aqui, perguntei pra minha cunhada, ela falou “pra mim nunca funcionou, quando eu abortei eu fiz com parteira, mas todo mundo fala que funciona”. Aí eu tomei os dois e guardei os outros dois pra tomar a noite. Eu sei que depois que eu tomei, demorou umas duas horas, eu tive uma cólica tão grande que eu pensei que eu ia... chegava faltar o folego de tanta cólica, mas eu não podia tomar remédio porque era isso que eu queria que acontecesse. Quando foi a noite eu tomei os outros dois, e o meu marido tava trabalhando a noite, ele tinha ido trabalhar, e o irmão dele morava aqui no fundo da minha casa – tem dois cômodos ali atrás, ele morava aí, os dois irmãos que eram solteiros – e aí à noite a cólica foi tão grande que eu não conseguia ficar deitada, eu levantei, comecei andar em cima da laje pra ver se se o ar vinha porque eu tava sem folego. Gente, aquilo foi até de manhã, de manhã não aguentei mais, falei “vou no medico”, porque aí eu sangrei. Falei “acho que agora já abortei, agora vou no médico procurar ajuda”. E aí eu fui. Pedi pro meu cunhado, que ele entrava às 14 hora no trabalho, falei pra olhar a hora que o meus dois filho voltasse da escola, que a escola era aqui pertinho, aí ele dá almoço que eu ia no médico, se eu não tiver chegado pra ele dar almoço mas eu voltava logo. Quando eu cheguei lá na hora o médico achou que eu tinha feito. Ele sabia de cara, quando ele me examinou ele já falou que eu tinha tomado abortivo, só que fez a ultrassom, o coração tava batendo lá direitinho, que não tinha acontecido nada, que ele ia me dar remédio pra parar o sangramento, e o que eu tinha feito era um crime, se eu insistisse em fazer, ele ia me denunciar. E aí o que eu fiz... chorei muito, tomei o soro, tomei as injeções que ele mandou me aplicar e aí vim me embora. E aí passei o restante da gravidez tendo pesadelos, porque me falaram, que como eu tinha sangrado, até então eu fazer minha primeira ultrassom, falavam assim, que ela podia nascer sem os braços, podia nascer sem cérebro, ou podia nascer cega, e aí todo mundo... ficava aquela coisa na minha cabeça, um falava uma coisa, outro falava outra, então a minha gravidez inteira eu tive pesadelos. Pesadelo de me acordar no meio da noite chorando, eu suava, eu... nossa, eu ficava muito mal. Mas aí chegou o dia d’eu ganhar ela, e aí depois que eu ganhei, eu não queria ver, de jeito nenhum. Até hoje a minha filha não sabe dessa história, e assim, eu espero nunca precisar falar pra ela, porque eu fui amamentar ela depois de um período de umas oito hora que eu tinha ganho, porque eu não queria. A enfermeira falava assim pra mim “eu vou trazer seu bebê por que você precisa amamentar”, eu “não, eu não guento sentar, eu não posso, eu to com muita dor”, e eu sempre inventava alguma coisa “ah, que eu to com muita cólica”, aí e ela trazia o remedinho, eu tomava. Aí quando ela falava de novo, vinha os bebês, que tava na mesma enfermaria junto comigo, vinha pras mães amamentar, eu ficava olhando pra cada uma, a mãe com aquele carinho, e aí eu fui criando coragem “meu Deus, será que a minha filha é normal?”. Aí quando ela veio perguntar, acho que já era a terceira vez, se podia trazer ela pra mim amamentar, aí eu perguntei pra enfermeira: “ela é normal?” / “como assim?”/ eu falei “não ta faltando nenhum braço?” / “tem, normal, a sua filha é normal”, aí eu falei “ta bom, então traz que eu vou amamentar”. Aí ela me ajudou sentar, eu pus ela no meu colo e aí tirei toda a roupa, eu queria ver tudo, tirei toda roupinha, desembrulhei o coeiro, deixei ela peladinha em cima da cama, aí eu me convenci de que ela era normal, aí foi que eu fui amamentar. Mas, se eu pudesse falar pras mães nunca fazer um negócio daquilo que eu fiz, eu falava pro mundo inteiro, porque acho que foi a experiência pior que eu tive na minha vida: foi ter uma gestação sem saber que tipo de criança que você ia dar luz, é você entrar em pânico todo dia que vai se aproximano do dia de nascer, você vai ficando com mais medo, eu tinha muito medo. Mas graças a Deus, minha filha é linda, inteligente, saudável, não tem problema nenhum.

R – E ela foi sua terceira filha, né.

P1 – Minha terceira filha. E aí depois de um ano e pouco que eu tinha ganhado ela, engravidei da quarta. Aí essa quase que eu pirei de vez, mas eu não fiz nada que eu possa me arrepender, assim, eu guentei, falei “não, não vou fazer nada, seja o que Deus quiser, eu vou guentar aqui firme e forte, e seja o que Deus quiser, do jeito que eu crio esses três, eu vou ter condição de criar a quarta”. Mas aí o que acontece... quando eu tava com um mês e pouco de gravidez, eu resolvi me separar. Eu não guentava mais aquela situação de viver sabendo que meu marido tinha outra, de achar “caramba, depois de tudo que eu já passei... nadei, nadei, vou morrer na praia? Mas não dá mais, vou me separar, não quero mais”. Aí conversando um dia com uma amiga, que hoje essa amiga já nem é mais... assim, ela tá viva mas ela teve um derrame que ela não sabe nem quem ela é”. Eu conversando com essa amiga, ela falou pra mim que sabia de um lugar que fazia aborto, que era uma clínica e que eu podia ir sem susto, custava R$2500. Aí eu falei pro meu marido que eu queria me separar mas antes de me separar eu ia fazer um aborto, que era R$2500, eu não queria saber de onde aparecesse esse dinheiro, eu queria na minha mão, porque tinha que ser dinheiro, não podia ser cartão, não podia ser cheque, tinha que ser dinheiro em espécie. Ele falou que não tinha, eu falei “dá um jeito, pede as férias, faz qualquer coisa”. Aí ele fez, falou “já que você quer”, relutou, mas aí me deu o dinheiro. Aí eu chamei uma comadre minha, sou madrinha de uma filha dela, se ela podia me acompanhar. Aí ela falou que era loucura, que era loucura, não queria ir, eu falei “se você não for eu vou sozinha”. Aí eu arrumei uma vizinha, que é minha vizinha até hoje -

agora ela tá morando na praia, mas a casa dela continua aqui – deixei meus filho com ela, não falei pra onde eu ia, ela não sabia que eu tava grávida porque eu não contei, e fui. Quando chegou lá nessa clínica, era ali no Brooklin, tinha três moças sentada na recepção e a recepcionista.
Aí eu entrei. Quando eu entrei e olhei aquelas moças... sabe quando você percebe que tá quase dormindo... pálidas, feias, sofrida, eu olhei assim, falei “meu Deus, vou ficar desse jeito?”, pensei comigo. Aí a minha comadre olhou pra mim falou “você vai ter coragem?”, eu falei “ai, não sei, já to aqui, eu vou”. Aí a recepcionista me chamou pelo nome – que eu liguei antes, dei o nome, marquei horário, tudo certinho - pediu meu RG, eu pensei que ela ia pegar o número, ela “não, você deixa o RG comigo. Aí você vai me acompanhar no corredor, vai sentar e vai ficar esperando, ele vai te chamar pelo nome”. Aí eu entrei com ela no corredor, chegou lá no quartinho ela mandou tirar toda a roupa, coloquei aquela camisola que não tem costa – como toda mulher sabe como funciona - fiquei sentadinha, minha comadre do meu lado, esperando o médico me chamar. Quando ele apareceu lá pra me chamar eu tomei um susto. Ele era feio, grandão, barrigudo, um aspecto muito... de estivador, sabe assim, barbudo, feio. Aí eu olhei, falei “meu Deus, é esse homem que vai me bolinar? não acredito...” Mas aí eu entrei. Quando eu entrei, ele falou com a minha comadre “você fica esperando ela aí, você não entra”. Aí eu entrei sozinha. Quando eu deitei que ele falou “olha, você vai colocar uma perna aqui, outra ali”, que eu vi ele pegando os aparelhos, só ouvi o barulho caindo os aparelhos naquela bacia de inox, eu sentei na cama falei “não quero”, aí ele falou “como não quer? Você chegou até aqui, você vai ter que fazer”. Eu falei “eu não quero, você não vai me obrigar, eu acabei de tomar uma decisão, eu quero a minha roupa, eu vou me embora agora”. Aí ele falou pra mim “mas você não pode fazer isso, você vai me complicar”. Eu falei “não, se você deixar eu sair sem você tocar em mim, pegar minhas roupas, ir embora, pegar meu documento que tá na recepção, não vai te acontecer nada, agora se você me forçar vou começar a gritar, eu vou chamar a polícia”. Aí ele falou “não, se é assim você pode levantar, você me dá sua palavra?”, eu falei “dou. Não vai acontecer nada, vou vestir minha roupa, vou sair, vou fingi que eu nunca estive aqui, que eu nunca vi você na minha frente”. E assim eu fiz. Aí quando eu cheguei lá fora, que fui pegar meu RG, ela falou que eu tinha que pagar. Eu falei “pagar por o quê? Eu não fiz nada, não tomei uma medicação, a única coisa que eu fiz foi sentar naquela cama e eu não vou pagar por uma coisa que eu não fiz”. Aí ela falou “mas todo mundo que entra aqui tem que pagar”, aí eu disse “depois do aborto, eu não fiz aborto, eu não vou pagar e vou me embora. Se você for me obrigar a pagar você sabe que vai acontecer: eu vou chegar lá fora, vou abrir a boca, vou denunciar todos vocês”. Ai a minha comadre começou a me puxar “vamo embora, vamo embora”. Eu só sei que quando a gente saiu dali, a gente correu até chegar na avenida, quando chegou na avenida, o primeiro taxi que passou a gente entrou e veio em bora. Por que? Eu fiquei com medo deles me seguir, com medo de um monte de coisa, um monte de fantasma passou na minha cabeça depois que eu saí daquele local. Mas aí o que eu fiz: criei coragem, tive a minha filha, com aquele dinheiro que eu ia pagar o aborto eu comecei a fazer o enxoval dela. E hoje eu agradeço muito a Deus por ele ter me dado a sabedoria de tomar a decisão na hora certa, porque eu ia morrer de remorso se eu tivesse feito alguma coisa, porque minha filha é linda, carinhosa, meiga, é uma pessoa do bem, tem coração enorme, ama o sobrinho, que é o Benjamin, procura fazer só o bem pra todo mundo, então se eu tivesse feito eu acho que eu não ia me perdoar nunca, então eu agradeço muito a Deus por ter me dado aquele livramento na hora certa, porque eu me livrei. E criei meus filho até hoje, estão todos criado, mas foi difícil.

R – Como a gravidez não foi desejada você achou que enfrentou alguma dificuldade, no pós parto? Você já tinha escutado falar sobre depressão pós parto nessa época?

P1 – Já, mas eu não tive. Até então, eu tinha tido meus filhos normais. A primeira foi com parteira, meu segundo filho eu tomei pelidural, eu sofri muito pouco, eu tive muitos pontos em baixo na vagina, a minha terceira filha, que é essa que eu te falei, que eu fiquei com muito medo de olhar pra ela, de amamentar, mas também foi uma coisa passageira, só foi enquanto eu tava lá na maternidade, enquanto eu não tinha visto ela, depois eu já acolhi ela assim, igualzinho os outros, e quando eu ganhei a caçula, lógico que eu tinha visto falar de “ah, você tem depressão pós-parto, tem muita mãe que rejeita filho, muita mãe que não consegue amamentar”, eu tenho uma conhecida – não é amiga, é conhecida – que

ela teve uma depressão tão forte que ela enlouqueceu. Ela não amamentou a filha, ela teve que ficar internada em clínica psiquiatra um período de oito meses porque ela não aceitava, e foi bem difícil. Mas eu nunca tive graças a Deus. Amamentei normalmente, dei amor, dei carinho, foi igual os outros. Isso só serviu pra mim ter aquele momento, assim “ai, parece que não era eu que tava ali”, e de repente eu me acolhi ali de novo “não, eu não tenho coragem de fazer isso, eu sou uma mãe ama os filhos, nunca vou poder fazer isso”. E foi só, também foi só aquela hora. Uma história muito louca, eu acho que elas nunca vão ficar sabendo disso né, porque tem pessoas que sabe: a minha comadre, o pai sabe, mas eu peço à Deus, assim, que elas nunca fiquem sabendo, porque deve ser difícil você saber que a sua mãe te rejeitou no seus premeros momento, na sua gravidez, né, então é complicado. Mas eu espero que elas nunca venha saber dessas história louca da nossa vida.

R – Eu queria perguntar, se você se sentir à vontade pra falar. Sobre esse momento de crise no seu casamento, como isso se resolveu. Se não, tudo bem.

P1 – Não, eu falo, não vejo é nenhum problema em falar, falo sim. Então, depois desse dia que eu tinha decidido a me separar, a fazer o aborto, é aquela história que eu acho que eu já devo ter falado: eu não ia nadar, nadar, e morrer na praia. Eu não ia pegar meus filho e sair da minha casa pra ir morar de aluguel por aí se eu não tinha uma profissão, se eu não ganhava o suficiente pra pagar um aluguel. Bom o ruim – olha os pensamentos! – eles tinham tudo, nunca passaram necessidade, cada um tinha o seu quarto, todo mundo estudava, porque que eu ia sair da minha casa, enfrentar um aluguel lá fora só por causa do meu orgulho? Não. Eu simplesmente coloquei na minha cabeça que o pai ia ter que ajudar a criar até o fim e que mesmo o casamento não sendo aquela maravilha que eu imaginava, eu ia ter que levar ele até o fim. E isso eu fiz. Passei por muitas... como eu vou falar... muita coisa que eu achava que eu não era capaz, mas passei de boa. Por eles. E vivi muitos anos da minha vida com essa mágoa. Vivo até hoje. Mas a gente vive de boa. Hoje a gente é amigo, parceiro, cúmplice, menos marido e mulher, porque isso não rola. Mas continuamos.

R – Você teve três filhas. Eu queria saber se você conversou com elas sobre prevenção, na adolescência.

P1 – Sempre conversei, sempre deixei. Na época, quando foi a primeira, eu tinha um certo receio porque, aquela coisa que eu herdei da minha mãe, eu tinha vergonha na verdade. Mas aí com o tempo você vê que você tem que ser a melhor amiga da tua filha. Sempre deixei isso bem claro pra ela, que eu queria saber do que acontecia, que eu queria ser a melhor amiga, que amiga de verdade era a mãe, porque as amigas de fora... se ela vier a precisar, ter problemas sérios, as amigas de fora nunca ajudar, quem tinha que tá do lado era eu que era mãe, e pedi muito pra que elas nunca escondesse nada de mim. É tanto que a Jessica, que é a minha terceira filha, eu falo pra ela que ela é descarada, porque ela fala cada coisa pra mim... “ah, mas eu tenho que falar, mãe, você tem que me ouvir”, que eu fico com vergonha! Mas eu gosto, eu falo pra ela, eu fico com vergonha mas no mesmo instante eu gosto que você seja assim. Porque ela fala, ela é aquela pessoa que ela não tem um pingo de vergonha de mim, ela chega e conta as coisas mesmo, a gente conversa. A mais nova também a gente conversa muito. A Ane como é a mais velha, então a gente conversou menos, mas depois que ela casou, que ela se tornou mãe, acho que a gente teve uma afinidade maior. Sempre conversei, sempre expliquei.

R – Eu queria agora chegar nos seus dias atuais. Como é o seu dia-a-dia?

P1 – Meu dia-a-dia é bem dolorido (risos). Hoje eu sou uma pessoa, eu tomo muitos remédio, tenho muitas limitações de me agachar, me levantar, as vezes de andar, mas eu levo a vida normal. Tenho meu neto que (deixa eu ver como é que eu vou explicar pra você)... é o que me dá sentido de continuar. Ele, a minhas planta, os almoço de domingo com todo mudo, e aí a gente vai levando. Faço acompanhamento com a psicóloga. Tem uma fisioterapeuta, que além dela ser minha fisioterapeuta se tornou minha amiga, a gente conversa muito, fala de tudo, porque como ela é minha fisioterapeuta já há mais de quatro anos, ela se tornou minha amiga, então a gente conversa de tudo, os encontro com ela é sempre muito bom, e com a psicóloga também, porque no começo você fala só... parece que você cria uma barreira, parece que tem algumas coisa que você tem vergonha de falar, acha que não deve falar, mas aí quando ela vai te deixando a vontade, você vai conhecendo, você vai se aprofundando nos seus problemas e contando, e aí cada encontro você sai mais leve, mais aliviada, vai perdendo aquele medo, aquela vergonha, então quando você passa a contar tudo, porque você sente apoiada, você sente que a pessoa tá ali pra te ajudar, aí fica mais fácil, fica mais leve. Então assim, eu acho que viver hoje sem ter o Benjamim, sem ter elas duas na minha vida ia ser mais complicado (voz embargada, emocionada).

R – Você falou assim que tem algumas dificuldades com dores, eu queria saber se você tem questões de saúde, se você pode falar pra gente.

P1 – Sim, tenho várias. Eu tenho fibromialgia, eu já fiz cirurgia nas duas mão, operei do Síndrome do túnel do carpo, nas duas mão: esquerda direita. Eu já fiz cirurgia no joelho, eu tenho um desgaste no quadril, no pé, no joelho que eu não operei, que é o esquerdo, o direito eu já operei. Então essas questões são muito dolorida. Bursite no ombro, no quadril também, tenho dois desvios na coluna – aí você vai falar “nossa, como é que você tá em pé, hein? Mulher complicada!” - Mas hoje a minha realidade é essa. Tomo muitos remédio. Tomo calmante, tomo anti-depressivo, tomo anti-inflamatório, tomo colágeno, analgésico quase todos os dias, dipirona é a minha companheira, já se tornou... faz parte da minha rotina. Além de todas essas medicações que eu já tomo há algum tempo, a dipirona é minha amiga inseparável, onde eu vou eu levo. Porque, dependendo do dia, hoje eu não to muito... não to sentindo muita dor não, mas dependendo do dia eu não conseguiria ficar sentada aqui que nem eu to esse tempo. Tenho dificuldade até pra sentar no carro, tenho dificuldade pra dirigir, de uns oito meses pra cá – desde março, de quando começou a pandemia – que eu tenho o Alisson, a Ane e o meu marido, que é quem me ajudam porque, assim, o Alisson me leva pros lugares, a Ane me leva, meu marido as vezes me leva, porque eu não consigo mais dirigir. De todo esse tempo, de março pra cá, eu dirigi só três vezes, eu não consigo ir, tem que ser um lugar bem perto porque eu não consigo. Dependendo do jeito que eu estou deitada, se ninguém me ajudar a levantar eu não levanto da cama. Pra tirar a roupa pra tomar banho eu tenho dificuldade, pra vestir a roupa eu tenho dificuldade. Não é todo dia, quando eu estou com crise. E também, assim, não é todo dia que eu sinto todas essas dores, mas tem dias que o joelho fica muito inchado, o pé. É muito complicado.

R – Eu imagino. E como é que foi o momento que você decidiu começar a ir na psicóloga? Quando foi, você se lembra?

P1 – Sim, eu lembro. Na verdade não foi eu que decidi, não foi eu que tive essa iniciativa. É porque como eu fazia acompanhamento com a fisioterapeuta, ela criou um grupo que a gente se reunia com várias pessoas todas quarta-feira. E naquele grupo, tinha um dia no mês que ela queria ouvir a gente: cada um numa comentava alguma coisa do seu dia-a-dia, do seu cotidiano. E aí depois de um tempo já eu falei “ah, vou perder o medo e vou começar a falar, né”. E aí falei. Aí depois que terminava o grupo, que a gente se despedia, ela apontava: “ hoje eu quero falar com você em particular, com você, com você, com você”. Geralmente era 3,4 que ela escolhia pra falar em particular. E aí um desses dias ela falou assim pra mim que queria muito conversar comigo. Aí conversou com duas, na minha frente, aí eu fiquei por último. Aí ela falou “com você eu quero conversar lá na minha sala” eu falei “ta bom”.
Aí a gente foi até a sala dela e ela falou que seria bom eu procurar ajuda psiquiatra, procurar ajuda de uma psicóloga, mas eu falei pra ela “mas eu não sei por onde começar, rede pública tem isso, porque hoje eu não tenho mais plano de saúde”, e ela falou “tem sim, vou te ajudar”. E ajudou. Primeiro ela marcou com a Marília, que é a psicóloga do posto, aí eu passei com ela umas 3, 4 vezes sem passar com psiquiatra. Aí ela resolveu que o melhor era eu procurar ajuda do psiquiatra. Aí ela me encaminhou, aí o psiquiatra era muito longe porque era no final de Parelheiros – não sei se você sabe, mas é bem distante – e ficava muito dependioso pra mim ir, aí “não, é muito difícil”. Fui uma vez, a minha filha mais nova me acompanhou e eu até que gostei dele, mas eu achei algumas coisas, assim, muito estranha. Aí ele me passou remédio, porque eu não tava conseguindo dormir, um antidepressivo, aí eu comecei tomar mas eu tinha muita taquicardia, eu acordava trêmula, sentia os músculos do rosto tremer, aí eu contei pra psicóloga ela falou “não, vamos parar e aí você volta com ele e aí você conta pra ele o que acontecendo”. Aí eu marquei de novo com ele, contei pra ele o que tava acontecendo, aí ele trocou a medicação, sabe, meu marido que me acompanhou, ele trocou a medicação e aí não tava resolvendo o problema, eu tomava mas eu continuava com insônia, não conseguia dormir. Aí quando eu passei com a psicóloga de novo eu contei pra ela que eu ia parar de tomar, que não tava resolvendo, aí ela falou “não é melhor a gente procurar outro profissional? Porque você não tá se adaptando com esse...” Aí eu falei “se você conseguir pra mim”. Aí ela conseguiu. Aí esse que ela conseguiu me mandou pra reumatologista, porque o problema que eu não consegui dormir não era só por conta da ansiedade, era por conta das dores, e como todo o remédio que estava tomando não tava me melhorando, que eu tinha que procurar ajuda de uma reumatologista. Aí me encaminhou, eu fui na reumatologista a primeira vez, aí ela já acertou a medicação, porque aí eu passei a dormir melhor, mandava fazer, era homeopata, eu tomei essa medicação por três meses, me senti super bem, assim pra dormir, me aliviava muito a tensão, a questão da minha ansiedade melhorou muito, acho que eu consegui até ficar um pouquinho mais calma, que eu sou muito agitada. Mas aí em relação às dores, elas continuavam, aí depois de três meses voltei com ela, e aí ela trocou tudo, desde esse remédio que eu tava tomando pra dormir, essa medicação que eu tomava pra tirar ansiedade pra dormir, ela trocou. E aí me passou várias outras medicações, aí eu fiz uma ressonância, que aí foi quando ficou bem claro que eu estava com problema do desgaste no quadril, tinha bursite no quadril, o problema do pé, porque de todo mundo falava pra mim “ai, você tem que andar sempre com saltinho, porque é isso é esporão”, aí outro fala “você vai tomar remédio pra ele desinflamar porque isso é esporão”. E não é esporão, é o mesmo problema que tem no quadril, tem no pé, então quando inflama o quadril, que eu tenho muita dificuldade para sentar, pra levantar, eu não consigo deitar sozinha, não consigo levantar da cama sozinha, acontece a mesma coisa com o pé. Aí ela trocou toda a medicação, eu to no segundo mês agora tomando, mês seguinte o próximo mês aí eu vou voltar com ela pra fazer uma avaliação se eu vou continuar com esses, se ela vai trocar, o que que vai ser feito. E com a psicóloga eu não tive nenhum encontro presencial ainda, por causa da pandemia, mas a gente se fala todo mês duas vezes, e a minha próxima agora, que vai ser dia 6 de novembro a gente vai fazer presencial. Ela me ajuda muito.

R – Eu queria que você falasse um pouco sobre menopausa.

P1 – Hum... Então, é menopausa pra mim, o maior problema foi a insônia que eu adquiri depois da menopausa, engordei muito depois da menopausa, sinto uns calores que não são meu – acho que a maioria das mulheres sente, não é em todas –, nunca fiz tratamento pra menopausa, porque tem pessoas que usa remédio, usa adesivo, usa... não, a única coisa que eu fiz foi tomar muito chá, que eu sempre gostei, tomo muita água. Mas tratamento mesmo pra repor hormônio eu nunca fiz. Por que: quando eu parei de fumar eu ganhei uns bons quilos, e aí em seguida vem a menopausa e aí eu ganhei mais peso, e aí todo mundo que faz reposição hormonal engorda mais um pouquinho, então eu não quis. E a médica, que é médica da gente, do posto, que chama médica da família, ela falou que ne, ela usou e não aconselha ninguém a usar, só se o paciente falar “eu faço questão”, aí ela passa reposição hormonal, mas do contrário não, porque ela acha que não é uma boa. Não assim que você vai se sentir logo no começo quando você tá tomando, logo que você começar, mas é uma sequela que você vai ter com o passar do tempo. Então ela não aconselha, e aí eu nunca quis. Mas eu engordei bem, fiquei bem fortinha na menopausa.

R – Eu queria saber, se você pudesse dar um conselho pras mulheres, pra cuidar da saúde mental, qual seria?

P1 - Posso falar o que eu acho realmente? Posso, né? O que eu acho realmente é que todo mundo, principalmente as mulheres que tão na menopausa que tiver o tempo todo ocupada cuidando de filho, de casa, de marido, que não é uma tarefa fácil, que procure uma psicóloga. Eu assim, no meu entender, eu acho que todo mundo devia ter um profissional pra te ajudar. “Ah, mas eu me dedico a isso, eu me dedico àquilo, eu faço crochê, eu faço tricô, eu frequento grupo de idosas, eu saio pra dançar”, não, não que eu vá questionar que isso não seja uma ajuda muito boa, com certeza ajuda, porque eu mesma adoro cuidar da minhas planta, é uma terapia, amo de paixão, tenho várias, pesquiso na internet “como cuida dessa, como cuida daquela”, adoro fazer isso, me ajuda muito, não vou dizer que não me ajuda. Conversar com meus filho, os almoço dia de domingo, brincar com meu neto, sair, viajar, tudo isso ajuda, não vou dizer que não ajuda, ajuda muito. Mas se você tem um profissional pra te ajudar, não tem coisa melhor. E é uma psicóloga, porque é uma pessoa que vai te ouvir, porque qualquer um pode te ouvir, mas não é qualquer um que vai entender, que vai procurar te ajudar depois que te ouvir. Porque não adianta eu chegar pra minha amiga e contar tudo que está acontecendo comigo, lógico que ela vai me ouvir, mas ela vai fazer crítica, ela vai fazer suposição “ah, se fosse eu fazia isso, se eu fosse você fazia aquilo”, e não é isso que a gente quer, não é isso que a gente precisa, a gente precisa da ajuda de um profissional que vai te entender, que não vai te criticar, você tem certeza de que ele não vai passar aquele papo pra frente, que ele é um profissional, que ele estudou praquilo. Então esse é o conselho que eu dou: toda mulher precisa de uma psicóloga, de um psicólogo, de alguém com sabedoria pra te entender, pra te ouvir, pra te ajudar.

R – Eu tenho mais algumas perguntinhas, mas a gente já vai encaminhando pro final, mas eu queria saber como é que o coronavírus modificou a sua vida.

P1 – Nossa, esse coronavírus acho que ele mexeu não só com a minha vida mas com a de todo mundo, e pra mim foi horrível porque eu sempre gostei de estar no meio de gente, de conversar, de receber as pessoas na minha casa, nem tanto de ir na casa das pessoas, mais receber as pessoas na minha casa, isso foi o que me fez mais falta: foi as pessoas não poderem me visitar. E desse afastamento. No começo eu sofri tanto porque eu voltei de viagem no dia 6 de março, não, 5 de março. Dia seis é aniversário do meu filho. Aí passou dia sete, que foi sábado, no domingo que foi dia oito, nós se reunimos todo mundo em casa, foi almoço de aniversário dele, então estava todos meus filhos naquele almoço. Depois daquele almoço, na mesma semana, vem esse afastamento, e aí quando chegava o sábado e amanhã era domingo e eu sabia que não ia vir ninguém pra me visitar, eu comecei a ficar meio que apavorada, porque a minha filha não vinha, que mora longe, meu filho nem pensar, a caçula ela é nutricionista, trabalha em hospital, essa mesmo que não podia. E aí a única pessoa que tinha próxima que a gente convivia era o Alisson, meu genro, a Ane, e o Benjamim meu neto, e aí a gente passou a conviver só nós cinco aqui, então aquele pouquinho de gente que tinha no almoço era ruim, a falta dos meus filha ruim, doía. A preocupação era muito porque eu tinha muito medo que pudesse acontecer com eles e comigo também, então o coronavírus na minha vida... e aí foi muito complicado, eu não pude mais ir nos encontro que a gente tinha de quarta-feira, que era a reunião com a fisioterapeuta, toda quarta-feira a gente não pôde mais ir, eu não tive nenhuma vez com a minha psicóloga frente a frente nunca mais, desde quando eu voltei de viagem, que foi março. Então, assim, pra mim foi muito ruim, pra todo mundo foi ruim, mas especialmente pra mim, porque ficar dentro de casa o período que eu fiquei... agora eles já vêm me visitar, minha filha o meu filho, mas assim, não tem abraço, fica longe, de máscara, só tira a máscara pra comer e já coloca, medo de tudo, chega em casa a minha filha tira roupa na varanda, tira o sapato, quase que toma banho de álcool pra poder entrar em casa, já veste outra roupa, então isso tudo foi muito novo, muito difícil de lidar.

R – Eu quero saber agora como foi ser avó. Conta aqui pra gente.

P1 – Foi o melhor sentimento até hoje que eu vivi. Porque todo mundo falava pra mim é que amor de vó era diferente, amor de vó era muito bom, mas você falar nunca e como você sentir, então foi o que de melhor me aconteceu até agora. Assim, foi ser mãe, porque é uma coisa que eu sempre quis, fiz tudo pra ser mãe de verdade, tudo que tava ao meu alcance, quer dizer, eu posso não ter sido uma super mãe, mas pelo menos eu me esforcei pra ser. Se eu não dei tudo que eles precisava, mas eu dei o melhor de mim. E pro neto nem se fala, né! Pro neto nem se fala. É a pessoa, assim, mais especial da minha vida. E eu acho que não é só eu que sinto por ele, ele também sente por mim. Ele fala “vovó te amo, vovó, você é a vó mais linda do mundo”. Aí ontem ele pediu pra mim fazer uma comida, eu fiz, aí sentei pra dar pra ele – o Alisson não quer mais que eu dê comida na boca dele, que ele já tá um rapazinho, mas eu dou – “ai, vovó, melhor almoço do mundo, você é a melhor vó do mundo”. Então, quer dizer, ele é muito xavequeiro, e essas coisa me deixa muito feliz. Ser vó é muito bom.

R – Eu queria saber, agora quais são seus sonhos pro futuro.

P1 – Olha, eu não... Se eu falar pra vocês assim “um, dois”, não... meu maior sonho no momento é viver sem dor, porque a médica falou pra mim que as minhas dores são crônica, eu tenho que fazer por onde melhorar, pra aprender a conviver com elas, e aí eu tenho um sonho de um dia me livrar delas. E aí outros sonhos são... de cada dia ver meus filhos mais resolvido na vida, cada dia melhores, é isso que é o sonho que eu tenho pra mim, na verdade não é só meu, que eles conquiste todos os sonhos deles eu já vou me sentir realizada.

R – Eu queria saber se tem alguma coisa que você gostaria de deixar registrada no seu depoimento, que eu não te perguntei, alguma história que ficou.

P1 – Não, eu acho que a gente falou de tudo.

R – E agora eu quero saber o que você acha desse projeto pra registrar histórias de mulheres falando sobre saúde.

P1 – Eu acho muito bom. Eu acho assim, que cada uma tem uma vivência diferente, tem uma coisa a mais pra ensinar, e se cada uma falar, a gente só vai ter mais que aprender, porque eu falo das minhas experiências, outra fala, outra fala, e você vai tá sempre aprendendo com alguém. Eu acho que é muito bom.

R – E o que você achou de contar sua história hoje? O que você sentiu?

P1 – Na verdade, de início eu tava meia... “ai, o que que eu vou falar?”. Mas você perguntou e me deixou à vontade pra responder, e acho que eu falei até demais, mas falei. Gostei sim, foi bom!

R – Muito obrigada! O Museu da Pessoa agradece a sua presença!