Museu da Pessoa

Tudo a rigor

autoria: Museu da Pessoa personagem: Roberto Vicente Frizzo

Depoimento de Roberto Vicente Frizzo
Entrevistado por Cláudia Leonor e Valéria Barbosa
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 22 de novembro de 1994
Transcrita por Teresa Furtado

P - Queria começar falando seu nome completo, local e a data de nascimento.

R - Roberto Vicente Frizzo, local de nascimento São Paulo, capital, em 29 de maio de 45.

P - Nome dos seus pais, onde eles nasceram, também?

R - Pai, Vicente Frizzo, minha mãe é Ruth Frizzo; minha mãe de Campinas, meu pai aquí de São Paulo.

P - Roberto, você morava onde, aquí em São Paulo, quando você era criança?

R - Basicamente, a nível de solução de infância mesmo, foi Aclimação. Quer dizer, aquele momento da infância que imprimiu algum maneirismo, alguma coisa na vida, quer dizer, aquilo que ficou, mesmo, foi a partir da Aclimação, que era um bairro que já na ocasião reunia certas características. Era um bairro que parecia uma cidade do interior, era um bairro onde todo o mundo se conhecia, tal. Então, é justo dizer que eu sou fruto, no sentido de origem de bairro efetivamente de hábitos de uma época, da Aclimação.

P - E como que era o bairro, nessa época, os meninos...?

R - Era bairro de... naquele tempo, uma grande concentração de casas de uma classe média alta, ascendente; pessoal da Moóca, de... principalmente de imigrantes italianos que, a bordo de um crescimento econômico, acabavam-se transportando lá pra Aclimação; quer dizer, avenidas largas e... era um bairro moderno e perto do Centro. Então, casas muito bonitas, casas grandes, era... meio que aconteceu com o Morumbi no segundo tempo, uns anos depois, quer dizer, quando a burguesia acabou migrando pro Morumbi. A Aclimação foi um pouco fruto do mesmo processo numa época anterior. Tanto é que na Aclimação o microônibus, que é uma tentativa da prefeitura da época de resolver um pouco o transporte urbano, fazendo microônibus, o primeiro ía pra Aclimação. Os tróleibus elétricos, os primeiros foram pra Aclimação, o papa-fila... tudo o que começou, o que vinha de novidade: asfalto, luz de mercúrio, papa-fila, tudo o que a prefeitura punha, punha sempre na Aclimação, era 15 minutos do Centro, né? E na outra alça, alí pela Brahma, atingia-se a Paulista, então já pra um Centro que também estava emergente, já a Paulista começando a tentar ser a Paulista que é hoje. Então, a Aclimação era, enfim, um estômago, alí, que estava ligado ao Centro Velho, Sé etc., em minutos e estava ligado também pra essa parte alta da Paulista também em minutos. E tinha o Tênis Clube, que era o clube que aglutinava... tinha o Jardim da Aclimação, eu não cheguei a pegar o Zoológico, peguei o fim do Zoológico, mas que era também um momento de área verde, de área lazer que... ainda era incipiente até no próprio Ibirapuera, quer dizer, na Aclimação aquilo já tinha uma característica. E as pessoas se conheciam! Era um tempo, não se pode esquecer, que a pessoa saía de casa pra trabalhar, ía de ônibus, tinha pouquíssimos automóveis na cidade, o cidadão trabalhava, na hora do almoço tomava o ônibus, vinha pra casa, almoçava em casa, saía, tomava ônibus, voltava pro trabalho, 6 horas estava tava todo o mundo em casa. Os velórios eram em casa, então, toda a vizinhança se conhecia, praticamente, você ía de casa em casa dizendo quem era quem, sabendo de tudo. Então, era um bairro com muita característica de cidade do interior. Nessa altura tinha um castelo, na Aclimação, que era o castelo do Kowarik, do Lanifícios Kowarik. Era, efetivamente, uma quadra, expressiva, e um castelo! Eu cheguei, moleque, a testemunhar filmes do Mazzaropi gravados lá, e... Como ví o Mazzaropi fazendo Lago Polidoro, filme que ele era vendedor de algodão e de pipoca, salvou um menino de um atropelamento... Então, a Aclimação era usada já também até como cenário de filmes, e o castelo do Kowarik também. Num determinado momento uma incorporadora comprou aquela área do castelo, acho que após a morte do conde Kowarik, e construiu um conjunto de prédios em ferradura com uma quadra, com playground. Foi uma das primeiras experiências desse tipo de moradia, tida então como uma coisa moderna, uma coisa quase que de primeiro mundo e então, eram oito prédios, eu acabei me mudando pra lá e o Kowarik acabou sendo uma ilha dentro da própria Aclimação, a nível de duas cidades rivais do interior, quer dizer: entrar no Kowarik pra namorar com uma menina do Kowarik, por ser de fora, tinha o mesmo processo de ser espancado como em qualquer cidade do interior, aquelas rivalidades. Então, o Kowarik me deu uma outra...um outro momento de sociabilidade. Estava sendo colocado também, estava começando a indústria automobilística. Vieram estrangeiros pra preparar a mão-de-obra nossa, aquí. Então vieram muitos americanos, franceses pra fazer a Simca, americanos pra fazer a Ford, a Willys. E quando viram aquele projeto de vida, com piscina, tal, era uma coisa que eles estavam habituados, era uma coisa que era comum pra eles. Então eles optaram por morar lá. Morou lá o Faria Lima, que foi prefeito de São Paulo, o Jânio ia jantar lá, então...moravam muitos deputados...muitos cônsules e muito americano. Então...dinamarqueses...os estrangeiros quando chegavam achavam ótimo aquilo, porque era uma proposta com a qual eles estavam habituados a viver. Isso fez a gente aprender inglês de moleque, porque eu tinha um amigo americano que o pai trabalhava na Willys, além de a gente experimentar os primeiros Aero Willys, as primeiras peruas, porque ele era meio piloto de prova, dessas coisas, a gente tinha um pacto: eu falava só em inglês com ele, ele me respondia só em português, como uma forma dos dois se prepararem um na língua do outro. Então, os primeiros namoros, bailinhos... tinha todo o sábado, no meio de 264 apartamentos, 264 famílias, tinha festinha todo o sábado. Então, eu conservo amigos de 30/ 40 anos, amigos dessa época, até hoje somos amigos e estamos junto porque foi uma coisa que me sedimentou muito,

a missa no Santo Agostinho todo o domingo, o bailinho no sábado, o futebol direto na quadra, alí.

Então...isso tudo marcou muito a infância.

Eu conseguí ter em São Paulo quase que uma infância de cidade do interior, num certo sentido. Nessa altura eu estudava no Mackenzie, descia a pé a Aclimação, ía... Uma criança de 11/ 12 anos podia ter a sua chave de casa, ir pra escola, sozinha, tomar ônibus sozinha, não tinha... a cidade não era violenta como é hoje. Tinha a sede do Comitê do PSP, do velho Adhemar de Barros alí na Avenida Aclimação, você era recebido! Quer dizer, eu, moleque, chegava lá: "Fica aí, e tal". Quer dizer, aquilo tinha um carinho! Porque era uma outra cidade! Eles queriam mesmo é que chegasse em casa e dissesse que

era ótimo aquilo tudo, que tinha sido superbem recebido no comitê, até porque provocaria votos de pais etc. Era uma cidade que dava pra você ter esse tipo de cuidado com todo o mundo. Mulher de tayer, homem de paletó e gravata, era outro São Paulo! A migração ainda era uma coisa muito contida, não era tão... a cidade tinha um padrão, e a Aclimação tinha um padrão excelente dentro da cidade. E era sempre muito bem servida de infra-estrutura. Eu tinha telefone, que deram o apelido de gincana, na época. Telefone você tinha que tirar do gancho e ficar três horas esperando vir aquela telefonista pra falar. Ví a primeira transmissão de televisão, a TV Tupi inaugurando, com Frei Mogica, aquelas coisas, ví lá, moleque, na rua de casa, o vizinho que tinha uma televisão. Porque minha avó também morava lá, minha avó e meus tios moravam também na Aclimação, então era uma coisa muito... a família toda alí junto com acesso a pé de um lugar pro outro. Tinha uma boa feira, a feira da Aclimação, que era excelente de produtos: a boa manteiga, a boa azeitona, aquela freguesia... eu saía depois da feira, no sábado e era tudo paralelepípedo, então eu achava muitas moedas, que as mulheres na hora de fazer o troco deixavam cair e aquilo ficava no meio dos paralelepípedos, eu saía com a molecada catando moeda pra salvar o sorvete, pra comer um doce na padaria... Então era uma vida que se não era profundamente abundante econômica e financeiramente, na verdade você com pouco, todo o mundo conseguia viver dentro de um padrão. Até porque um homem tinha um terno, né, não precisava ter mais do que um terno. Ele se formava, casava e era enterrado com aquele terno. A moda não tinha esse dinamismo de hoje: "Como, você ainda está com essa sandalhinha do ano passado, que não tem a fivelinha XPTO? Não seja ridícula, olha sua vizinha, que sandália linda!" Naquele tempo não, você tinha as coisas e as coisas eram altamente duráveis! Essas relações de família também eram mais duráveis, tudo era mais durável! Um enterro era uma tragédia! Hoje a viúva vai de bermuda vermelha: "Pô, mas tá demorando, vou perder o jantar não sei aonde..." Naquele tempo, pra tirar um caixão de dentro de uma casa daquelas era uma luta! Agarrava, se descabelava todo o mundo...! Chorava até quem não tinha nada a ver com isso. Quer dizer, era uma coisa meio pactuada que aquilo tinha que ser um drama incrível. Então a Aclimação foi um bairro que me marcou, me marcou porque eu tive tudo isso de sociológico que estava acontecendo. E tenho amigos, até hoje! A gente faz reuniões, a turma... um vai convidando o outro. Outro dia mesmo teve uma super reunião com um bando da Aclimação. Até hoje o pessoal... Lá, dava livros e livros, a história da Aclimação. Tinha sempre alguém que era secretário, sempre alguém que era ministro, sempre alguém, sabe? Buzaid morava lá, o Aloísio, filho dele, estudou comigo no Macedo Vieira no tempo do primário. Então, era um bairro que todo o mundo era classe média mas todo o mundo numa classe média que estava todo o mundo começando a ocupar cargos, postos...delegados...então era uma turma meio que impune, também. De repente começou moto, um monte deles tinha moto; de repente começou automóvel, a moçadinha toda tinha automóvel. Quer dizer, não era um bairro de fortunas, apesar de existirem grandes fortunas que gostavam do bairro, que tinham casas bonitas etc., mas era um bairro que tinha, vamos dizer, uma coisa homogênea, não tinha grandes disparidades de classe social. Quem não tinha fortuna tinha pelo menos cargo, prestígio...então, isso acho que marca, mesmo, deixa um carimbo a nível, depois, de vida.

P - Roberto, você falou que você estudou no Mackenzie, como é que era o Mackenzie naquela época?

R - Ainda muito próximo da Igreja, que é uma entidade mantenedora, lá, que a gente... eu estudei, eu comecei na Escolinha Americana, que era uma gracinha, aquele prédio tudo em estilo colonial inglês, aquilo tudo de tijolinho, e... com a inglesinha lá, com a linha inglesa, a miss Mary, a diretora, e aquilo com pausa pra ir pro culto, ía todo o mundo pro culto onde mister Peter Baker, que era o presidente do Mackenzie, dizia: "Por que se pegarmos uma pedra e soltarmos ela cai na chão?" A gente ía pro culto, a igreja lá é protestante, e...cantando muito hino americano, "Pescador de Homens Será", e tudo aquilo, também são coisas que marcam. Caligrafia do Mackenzie, na época, se pegar toda uma geração de mackenzistas da minha geração, você vai... eu vejo pela letra. Às vezes eu estou numa das lojas, algum dos meus negócios, vejo o cara preenchendo uma ficha: "Você fez Mackenzie"... A letra "q", por exemplo, parecia um número dois, era um "q" aberto. Eu como fiz o Meira, eu tinha feito o primário no Meira, era lá na Padre João Manuel, onde hoje é o prédio da Sabesp, do lado do Lávine, e...eu fiz...eu terminei meu primário no Meira, e fui pro Mackenzie na quinta série da admissão, então eu fiz só um ano de Escolinha Americana, então eu não tenho essa caligrafia de lá, mas quem fez, quem foi alfabetizado naquela fase no Mackenzie, tem uma letra que eu, de ver a letra, sei que é alguém do Mackenzie da época. E de lá fui pro ginásio do Mackenzie, onde eu fiz até segunda série; depois saí, fui pro Paes Leme, que era uma experiência também na época dita inovadora; porque era esquina da Augusta com a Paulista, um prédio supermoderno, onde hoje é o Banco Safra, um prédio supermoderno pra época, piscina de água quente, orientadora psicológica, cheia de modismos e de modernismos, e... o que acabou transformando o Paes Leme num reduto de moleque problema em outro colégio. Eles tinham feito aquele investimento, tinham feito uma escola grande alí naquela esquina e acabaram topando aceitar matrícula de todo o mundo. E... lógico que a bordo disso todo o mundo, todo o pai que não sabia mais o que fazer com seu diabrete enfiou lá no Paes Leme. Realmente era uma escola muito gostosa, também. Eu tive...Wilsinho Fittipaldi era meu colega de classe...o Émerson ía com o carro do pai buscar o irmão alí na esquina de manhã, menor, ainda sem carta...Então, foi uma escola gostosa que deu pra conviver, que era mais liberal, mais aberta. Eu, que vinha do Mackenzie meio que prensado ainda naquele conservadorismo da própria igreja, né, peguei uma escola mais solta e com casos famosos da época; não só teve a coincidência do Wilsinho ter sido colega de classe como o caso de um professor, na época, que...acabou matando o namorado de uma aluna. Ele era meu professor, professor Lonoto, um caso extremamente famoso, na época. O casal foi preso, acabaram sendo absolvidos os dois, mas acabaram morrendo de câncer. E...era uma coisa que meio que fervia, né aquela esquina e as pessoas que estavam envolvidas. Depois a família vendeu o colégio pro Safra, mas foi uma época interessante, no Paes Leme. Do Paes Leme eu terminei meu ginásio, e voltei pro Mackenzie pra fazer o científico, naquele tempo, científico. E...fiz um ano de científico no Mackenzie, obviamente como não tinha nenhuma tendência pra exatas me compliquei todo naquele científico, não entendia absolutamente nada do que falava química e física, aquilo tudo pra mim era uma bruxaria... saí de lá de novo, fui fazer o colegial, daí fiz o clássico e daí voltei ao Mackenzie na Faculdade de Direito. Então essa é mais ou menos a trajetória da escolaridade. Depois ainda entrei na USP, em Administração, depois fiz minha pós-graduação na PUC, aí lecionei na PUC, mas daí voltei pro comércio que na verdade era uma coisa que também me atraía e gostava e era meio que incompatível querer fazer uma carreira universitária e querer ao mesmo tempo tocar negócios. A carreira universitária você tem que se abstrair de tudo, e estudar e mestrado, e doutorado, e livre-docência, tese, trancar em livro... Muito esquisito já eu ter feito o que fiz pelo meu temperamento, de ter feito pós-graduação, de ter dado aula. Mas, como todo o geminiano, eu tenho que estar no mínimo tocando uns cinco instrumentos ao mesmo tempo sob pena de morrer de tédio, né.

P - Mas nessa época você já trabalhava?

R - Bom, aí, voltando um pouco - isso foi pra terminar a escala de vida escolar -, pois, então... Nessa altura, 56 pra 45... são cinco, com seis, 11, eu estava aí com uns dez, 11 anos... nessa altura, quando eu tinha uns quatro anos meus pais se separaram e depois de algum tempo minha mãe se casou de novo. E isso na época, também, foi uma coisa, era uma coisa também meio de marciano, quer dizer: desquitada era marciano, verde, com antena...! E filho de desquitada era marcianinho! O mundo não estava muito que preparado pra nada disso. Hoje, por exemplo, eu vejo minhas filhas dizendo: "Ah, fulana passou o fim-de-semana com o pai, agora não está morando com o pai, foi morar com a mãe..." Teve uma época que esse comentário era tão forte na casa que eu falei: "Se vocês quiserem a gente se separa, desculpe se a gente está atrapalhando a educação de vocês estando casado, se a gente está transformando vocês num problema... Não precisa ir pro analista, a gente pode fingir que se separou, vocês podem dizer pra todo o mundo que a gente também separou!" Porque hoje, a grande maioria quase, dentro das classes de onde... mas naquele tempo, acho que era só eu! Ou pelo menos eu tinha a nítida impressão que era só eu. Então, Dia das Mães: "Peça para o papai dinheiro para trazer rosas para sua mãe." E eu ia pedir pra quem? Ninguém dizia pra quem eu tinha que pedir, entendeu? Então, isso era um alto grilo, uma coisa mal resolvida naquele momento. Depois, minha mãe acabou conhecendo o meu padrasto, se casaram, e apesar das resistências minha e dele, uma hora nós acabamos nos conquistando e hoje na verdade é meu pai, estamos juntos há 40 anos, e... E ele então, nessa altura, era... trabalhava no banco, Banco Comércio e Indústria, e começou um projeto, naquela altura, de construir um posto de gasolina, ele e o sócio. Posto de gasolina que era na Ipiranga com a Araújo, aquele triângulo que é um jardim hoje, ía ser o posto de gasolina dele naquele triângulo. E conseguiu com o prefeito não sei das quantas, acho que era o Paulo Lauro, não sei quem era o prefeito da época, conseguiu que liberasse a tal da construção. Quando estava com um metro do chão, posto, ele enterrando tudo o que ele não tinha alí no posto, embargaram toda a obra, então eles perderam tudo. Então ele ficou, vamos dizer, como hoje uma pessoa ganhando salário mínimo, 70 reais, e ele devendo dois mil. Então jamais ele conseguiria... veio do interior, morava numa pensão, teve que mudar de pensão porque não dava pra morar na pensão que ele gostava e fumar, porque daí ele precisava tomar duas conduções e não poderia comprar cigarro... então ele teve que abrir mão da pensão predileta e ir pra uma pensão pior pra conseguir continuar fumando. Diz, de colegas dele no banco, que cortavam fósforo no meio com gillete pra acender duas vezes com o mesmo palito de fósforo, quer dizer... o pessoal estava... vendendo o almoço pra comprar a janta! E ele ficou com essa dívida, e dívida que comprometia empréstimos, quantias etc., e do banco ele conseguiu uma autorização, no Comércio e Indústria, do Quartim Barbosa, naquele tempo que o banqueiro ficava no banco: "Boa tarde, como vai!" O banqueiro que te recebia. Ele conseguiu com eles uma autorização pra entrar e sair a hora que ele quisesse desde que o serviço dele ficasse pronto. Coisa maluca, né, pensar num cara concordar com isso, o patrão concordar com... ele fazia conciliação do interior; naquele tempo, puxando, não é, ticando, aquelas fitas quilométricas, conciliação de cheque. E ele começou a trabalhar com construção com um amigo engenheiro pra poder ter um extra pra poder saldar os compromissos que ele tinha tido com aquele fracasso com a primeira tentativa do negócio. E... foi indo construindo; a companhia tinha engenheiros que faziam os projetos, ele acompanhava, ele fazia, o cara assinava a planta, se virando. Aí teve uma greve, ele era do Sindicato dos Bancários, ataque de CUT da época e foi mandado embora depois da greve, pra largar a mão de contestar o patrão, foi mandado embora e aí montou a torrefação de café aqui perto, até, de onde nós estamos, aquí na Praça Princesa Isabel, com um tio que era prefeito lá de Taquaritinga, que tinha o café lá, mandava o café pra cá, torrava o café, tal. Então, ele entrou como sócio de capital-trabalho; aí a gente andava de kombi, cheirava café todo o mundo o tempo todo, e quantas noites não vim com eles pra cá pra fazer as conferências das contas, aquilo tudo era no braço, e eu ficava brincando naquela sacaria de café, que pra mim era um mundo também meio mágico, aquilo de noite, aquela praça, aquilo tinha uma coisa meio de bruxulesco, ficar pulando por aqueles sacos, pilhas irregulares, tinha uma coisa meio de castelo, de forte, de fortaleza, altas viagens de imaginação. E aí, por ele ter essa torrefação, ele fornecia pras Folhas, aquí na Barão de Limeira, pro bar interno das Folhas, que tinha um concessionário, era o Café Pioneiro: "De janeiro a janeiro o Café Pioneiro é sempre o primeiro." E ele fornecia o tal do Café Pioneiro pras Folhas. E aí o concessionário saiu, eles não estavam contentes com o serviço do camarada e tal, e ofereceram pra ele. Acho que viram o empenho dele de trabalhar, a presença dele nos negócios, tal. Ele falou: "Bom, não sou do ramo, ficar no meio de jornalistas, aquilo é uma raça já contestatória, de briga, já tem aquela energia, já tem aquele pique da própria profissão", né? Aí deu uma reformada naquele, onde era um dos andares alí do prédio das Folhas, deu uma reformada naquela lanchonete e foi a primeira experiência dele no ramo de restaurante foi naquilo. Aí eu ficava com ele noites e noites nas tirinhas de ficha de café, a vistar fichas de café, uma por uma. Porque era um começo difícil, estava se jogando tudo ou nada, e no fim tinha que se cuidar de sentar e ficar assinando fichinha de café pra ninguém te roubar, pra não ser usada duas vezes. Era tudo muito empírico, a coisa era feita alí no sofrimento, alí no errar e fazer de novo. Aí foi indo no Bar das Folhas, aí ele comprou um outro bar que tinha na região das moças de vida airada, da difícil vida fácil, chamava O Bairrada. Ele comprou, eu molecote, eu lembro que desempurrou-se um armário daqueles estantes que punham garrafa, tudo de madeira, mas aquilo era uma imundície, dava pavor de ficar perto! Também outra reforma, outro ajuste naquele bar, e aí já usando um pessoal que ele tinha conhecido na Folha, funcionários, tal. Funcionários que tinham se destacado de alguma maneira, levou pra gerenciar aquele outro, acabou saindo da Folha e acabou com um sócio, que era um amigo dele de juventude, de cursinho, e que era de uma família rica, ao contrário dele, acabou montando, surgindo a idéia de montar uma casa pra Zona Sul. Na Zona Sul, que estava acontecendo, nessa altura? Tinha... o chique era você ir pra um teatro, tudo na cidade: Barão, tudo no centro, Ipiranga, São João; cinema... Art Palácio, Cine Ipiranga, Cine Paissandu e... não só lazer, como depois os restaurantes era tudo aquí no Centro. Estava começando alguma coisa, meio incipiente ainda, alí pro lado da Alameda Santos, perto da Cubatão, alí, onde já tinha o Miami, o Bambi, meio que começando alguns restaurantes de comida árabe alí naquele canto ah... talvez, não posso afirmar com certeza, já tivesse alguma coisa alí na Pamplona com aquela pizzaria que tem lá Camelo, não tenho certeza se era da época se era muito mais junto ou se foi um pouco antes. Ou seja: as pessoas começaram a perceber que quem quisesse comer, quem saía do Jardim Paulista, Jardim Paulistano, alí, Jardim América, todo o mundo tinha que se deslocar até o Centro pra fazer um programa e pra poder comer. Então as pessoas começaram a tentar pôr nessas pontas, mais próximas, de maneira que eles já parassem, comessem lá e não tivessem que ir até o Centro comer. A Rua Augusta estava ainda muito residencial, bonde, paralelepípedo e muita casa de gente morando mesmo, mas já havendo alguma transformação pra algumas lojinhas etc. E surgiu o prédio do Cine Paulista, naquela esquina com a Oscar Freire, e no prédio do Cine Paulista então nasceu o Hot Dog, ao lado; tinha uma doceria, Caramel, que era muito bonita, os balcões de madeira entalhada, pareciam gôndolas venezianas, uma doceria muito... trazia aqueles caramelos de Niterói... de Petrópolis, caramelos de Petrópolis que eram famosos, na época; e uma barbearia que se instalou alí e um dia ele alugou aquela loja pra fazer o Frevo e nos levou pra ver, a impressão que eu tenho é que era um domingo, aquela coisa quando ninguém está trabalhando, ninguém tem aula, e... quando você olhava aquela rua, um monte de casas antigas, alí naquela ladeirona da Augusta, bonde passando, aquela esquina com a Oscar Freire, um deserto... aquilo não tinha nada, só tinha aquele prédio novinho, ainda não tinha inaugurado o cinema, era desolador! Te dava a impressão nítida de suicídio: o cara querer instalar uma lanchonete que não era nem na rua onde passava todo mundo, era na viradinha...! Minha mãe, que era uma pessoa sempre muito preocupada, ela era uma mulher muito valente pra tudo, mas pra se instalar a nível de comércio ela era uma pessoa muito medrosa, tanto é que ela nunca quis saber de nada a respeito. Ela olhou aquilo... eu, moleque, minha avaliação era muito relativa, estava achando graça: "Ah, que gozado, um armazém!" Abriu a porta, entramos: "O que é que o senhor vai fazer aqui?" "Vou fazer uma lanchonete..." Tudo bem, né, pra qualquer paixão me divertia. E aí começou-se aquele projeto.

O engraçado é que na época era Bull-Dog, Dog-Dog, Yorksheirer, quer dizer, a idéia dos caras era usar uma série de coisas americanas, tentar passar, trazer... e meu padrasto, que nessa altura, sempre foi meio nacionalista, "Por que essa tendência de pôr nome, tudo tem que pôr coisa de gringo, né? Tem que ter o nome de uma coisa bem... por que não um nome bem brasileiro?" E aí surgiu a história do Frevo. Com o nome Frevo, o decorador, quem cuidou, digamos assim da parte arquitetônica, eu não posso afirmar que ele era um arquiteto, tenho uma lembrança de que era... ele tinha uma loja de decoração de instalações comerciais e decoração acho que em Santos, era o Cobal, foi quem fez um pouco aquelas soluções arquitetônicas internas, do Frevo, a idéia era de aproveitar o nome e fazer a primeira casa tema quase que... quase que eu tenho o atrevimento de afirmar que talvez tenha sido a primeira casa tema, que os americanos chamam de Restaurant Theme quer dizer, de pegar o nome e usar o nome mesmo como... transformar o ambiente do restaurante naquilo que tem relação com o nome. Então, a casa chamar Tropicana e você entra lá dentro e não tem nada a ver, entendeu? Chamava Frevo, era uma palhocinha, uma casinha. Como eles fazem, lá: Victory Station, você entra é um trem, ou é um pedaço da estação. É aquela coisa que o americano de uns anos pra cá começou a fazer muito bem, usar o nome e o tema às últimas conseqüências, o Frevo talvez tenha sido uma primeira experiência nesse sentido mesmo, de ligar a decoração com o nome da casa. E naquela altura estava chegando no Brasil, ou tinha chegado de pouco, ainda tentando... o Odriosola, depois foi Sala da Bienal, ganhou milhões de prêmios, e tal, que era um artista plástico espanhol mas que ainda estava aquí no Brasil topando qualquer serviço para sobreviver. E aqueles bonecos que tem na parede do Frevo, aquelas figuras dançando em metal e tudo o mais, aquilo... (fim da fita 055 / 01-A) foi feito pelo Odriosola, por isso que eles têm uma graça... porque essa história de coisa artística, é engraçada, né: um objeto, ou é duro, ou é mole, quer dizer. Você olha pra uma estátua, pra uma peça de decoração, alguma coisa, ou aquilo resiste a anos e anos e anos, e você pode achar menos sem graça ou mais sem graça, mas ele tá lá, ele resiste, ou entoja, entoja de virar entulho! E aqueles bonecos, você teve a oportunidade de estar lá comigo e viu, a Cláudia viu lá comigo, eles resistem bem! Quer dizer, eles foram kitsch, podem ter sido classificados nesses quase 40 anos do Frevo, desde "Oh, que sucesso" até "puxa, que coisa cafona", "Ó, que kitsch", ele pode ter mudado de nome, mas você olha pro boneco ele não te cansa. Porque o cara que fez aquilo, não fez uma coisa dura, ele já era uma artista que tinha uma sensibilidade, tanto é que tem um painel dele lindíssimo no Banco do Brasil da Paulista com a Augusta, tem no Paulistano um painel de esportes dele lindíssimo, é um cara que foi Sala da Bienal, depois etc. Então ele... não foi um trabalho de um serralheiro que simplesmente fez um boneco de ferro, duro, seco, enjoativo, cansativo. Aquilo vinha com uma certa sensibilidade de um artista que tinha qualidade e que fez aquilo daquela qualidade. Então bonecos, palmeiras, coqueiros, casinhas de caboclos, sapé, esteirinha... foi numa tendência, quer dizer, no início, um engatinhar de pegar um tema do nome e... E abriu-se o Frevo. O Frevo começou... A Kibon, nessa altura estava trazendo novas maneiras de tentar comercializar o seu sorvete, que não fossem com os carrinhos, aqueles caras todos de branco, provavelmente vocês são jovens, não pegaram, mas você andava por São Paulo eram carrinhos, o cara todo de branco parecendo enfermeiro a vender sorvete, e eles queriam aumentar, obviamente, o consumo de sorvete, entrando na linha do quê? De frapê, milk shake, sundae, banana split etc., pitch melba etc. Quer dizer, mostrar pro consumidor que aquele sorvete podia ser consumido de outras maneiras que não só a nível de picolés etc. Então, eles estavam lançando a linha do tijolo, Sorvex Kibon... Era Sorvex Kibon...! E algumas casas, que estavam abrindo na ocasião, eles davam a geladeira, os sorvetes começaram a vir naquelas embalagens de...atacado, né, embalagens cartuchos, as latas, e pra isso eles tinham trazido esse receituário todo. Tinha aqui na Drogasil, era uma lanchonete que a Drogasil tinha atrás do Teatro Municipal, tinha escadas rolantes, alí, tinha uma Drogasil grande, não sei se existe ainda lá, acho que não mais, tinha uma escada rolante e tinha alí embaixo uma lanchonete que começou aquelas fontes de soda e com ice cream soda, chocolate vienense, milk shake, milk shake ainda com licor de cacau, geléia no copo... E foi um confeiteiro suíço pra copa do Frevo. Era um suíço, um confeiteiro, com aquele chapéu de chefe de cozinha, aquele receituário da Kibon, com mapas e diagramas pra fazer, aquelas coisas... (tosse) e ele, como confeiteiro, ele obviamente tinha trazido um cacoete, que hoje todo o mundo... não é difícil da gente lembrar da história de pegar aquele pão-de-ló, aquele... o pão-de-ló é sempre acertado, depois que sai da fôrma pra virar um bolo, sobra sempre uma borda do pão-de-ló que é excluída daquele momento de acerto e aquela borda, eles tinham a tendência de esfarelar aquilo e fazer uma farofa, uma farinha, né, e depois usar como elemento de decoração, até, daquele próprio resíduo do pão-de-ló. E ele queria enfeitar a tal da taça com aquilo. Mas aquilo encharcava e empapava, ao misturar com marshmelow, ou com uma calda quente, alguma coisa, aquilo absorvia, virava uma papinha. Aí, meu pai sacou a história e achou que aquilo... "Ter uma farofa pode ser uma coisa legal, mas não é isso ainda. Teria que ser uma farofa que resistisse melhor a essa imersão no meio desses cremes todos. E seria legal ser uma farofa com coisas brasileiras, com alguma semente brasileira, alguma coisa brasileira." Aí ficaram meses xeretando fórmulas de uma farofa, e hoje é o que tem, que é o clássico O Capricho, do Frevo, com aquela farofa do Frevo, tal... farofa que depois surgiram outras tentativas de farofa e existem aí, hoje, milhões de alternativas...

P - De que é que é feito?

R - Oi? Aí é demais! A receita é muito! É um alto segredo militar! Meus filhos não sabem, minha mulher não sabe! É uma coisa altamente conservada! É meio que a fórmula da Coca-cola. (risos) E hoje há uma disputa, às vezes você vê pela imprensa famílias disputando a tal da farofa, quem foi o primeiro, não sei o que... na verdade a mim não me interessa entrar em nenhum campeonato de quem foi o primeiro, eu sei da história da minha farofa! Depois, como é que eles fizeram a deles... eu não sei. Assim como o beirute, que hoje é o grande... o ponto máximo da casa, coluna sobre a qual repousa a fama da casa, na verdade, posso ter a ousadia de dizer que foi a primeira farofa, mas não teria a ousadia de dizer que foi o primeiro beirute porque não foi! Na verdade, o Bambi, que era do outro lado da rua, não era nem na outra calçada onde é hoje, era uma casinha de coisas sírias, meio que em pé, alí, esfiha. Algum dia alguém chegou e pediu: "Mas não dá pra fazer um bauru nesse pão, aí?" Porque o beirute, beirute tradicional, ortodoxo, era na verdade um bauru feito no pão sírio. Então, isso, realmente nasceu lá, que era uma casa de produtos sírios, mas o cara não estava nem com muita idéia de ter inventado o beirute, ele simplesmente fez um bauru no pão que ele tinha lá, que era o pão sírio. E virou uma tradição. Nós depois ampliamos muito, foi o espectro dos beirutes, beirute salada, tal. Acho que hoje, não sei, dificilmente alguém tenha a coleção de beirutes que nós desfilamos na passarela da alimentação.

Ãh...então, quer dizer, tem o momento desse começo. O pessoal ía todo muito chique comer... E outra coisa que o Frevo foi um pouco inédito foi a nível de ãh... o "PF", né? O serviço não era à francesa, então começaram a ir aquelas madames de casacos de peles e comer "PF"! Porque na verdade "PF" era uma coisa depreciativa: aquele prato pronto, prato feito, né, de cidade. E lá o grã fino vinha comer um strogonoff "PF", quer dizer, não tinha nada o garçom servindo, não era um serviço à francesa. Tinha filé à cubana, tinha isso, tinha aquilo, filé com mostarda... mas tudo vem pronto no teu prato, tinha o prato colocado na frente como um "PF" colocado na frente de um trabalhador! Então foi uma socialização do sistema de uma certa maneira. Porque aquele pessoal não estava muito acostumado, íam pra restaurantes refinados, eram servidos pelo garçom: "Tá bom de arroz, senhora, a senhora quer o molho em cima ou ao lado?" Lá não, lá... e aquele pessoal chiquérrimo, de casaco de pele no Frevo, tal. Porque era uma mentalidade de uma época: você ía pro teatro, saía chiquérrimo, depois ir comer fora era um programa chique. Não era essa coisa de hoje que você come fora por praticidade, por falta de tempo de... Comer fora era um programa! E... o Frevo veio vindo, uns dois anos depois nasceu o Frevo do... que a gente chamava de Frevo II, o Frevo do outro lado da Paulista, já uma quadra abaixo da Paulista, quase esquina com a Luís Coelho. E nasceu de uma proposta um pouco diferente. Era o que estava acontecendo com o Hot-Dog de se comer salsicha na caixinha, batatinhas fritas, hamburger, cheeseburger, e o cheese-especial, que era o cheeseburger com o tal do molhinho dentro. Mas era em pé! Isso naquela altura era feito em pé e a idéia era: Por que não pegarmos e fazermos a mesma coisa com um serviço de banquinhos? Balcão longo, aquela parte de copa, pra ampliar um pouquinho esses sucos e refrigerantes, fazer, então um milk shake, tal; então, do Frevo da Oscar Freire foi feito na Augusta a parte da copa, alguma coisa de cozinha muito mais enxuta, que tinha umas mesinhas em cima, mas uma coisinha muito contida, e embaixo um balcão, onde a idéia era ter uma casa como o Hot-Dog era, só que pra pessoa comer sentada. E...que eu com certeza enxergo como um verdadeiro antecessor dessas casas que hoje existem tipo Joaquim's, tipo...que a gente chama hoje de lanchonete, ou de casa de hamburger, casa de hamburger, lanchonete. Então, essa história de comer aquilo em pratinhos, minipratinhos, e coisa bem à vontade, que hoje você come no balcão, que naquele tempo não acontecia e o Frevinho, que é o Frevo II hoje, foi provavelmente a primeira experiência de fazer o povo comer hamburger e cheeseburger em saquinho sentado no banquinho, não mais em pé. Estou ressaltando alguns aspectos, não é por vaidade, mas acho que já que cabe o registro, cabe o registro de ter que às vezes ser bem explicado pra pessoa entender por que é que eu acho que uma coisa é pai da outra. Não é a vaidade, não! A gente também não fazia com tão grandes intenções, sempre intuía, umas coisas: "Poxa, se o povo está comendo hamburger em pé, será que eles não vão comer hamburger sentado? Não seria muito mais confortável? Mesmo que seja num banquinho, sem aumento de custo, sem aumento de luxo, sem garçom, sem nada..." Então, umas coisas meio que era de intuição de negócio, mas que acabaram sendo formadoras de uma escola, de uma tendência. E...é por aí, acho. E eu, onde que entro nisso tudo? Eu quando... num terceiro momento a gente acabou montando uma casa na Augusta entre um e outro. Mas mais pra próximo aqui do Frevo da Oscar Freire, que foi o Augusto's. Era um salão muito grande, e o Augusto's foi a idéia de se fazer um Fasano, confeitaria, na época, não o Fasano que a visão de hoje, que vocês têm do Fasano. O Fasano da época, casa de chá, serviço de prata, bolos, tortas, onde as madames íam tomar seu chá de tarde... Fazer um Fasano lá na Rua Augusta. Furou, quer dizer, a casa ficou linda, um sucesso, foi muito engraçado, tal. Depois de um tempo furou por causa de localização, por causa da escada que descia... por alguns erros intrínsecos do negócio. Aí então nós transformamos essa casa no Galpão, que era uma churrascaria. O Rodeio estava começando muito bem lá, o Dinho's, o Fuad,

tinha vendido o Flamingo que ele tinha alí entre o Paes Leme e o Frevinho, ele tinha o Flamingo lá, acho, era o Mário que estava com o Long Champ, um pouco mais abaixo que está lá até hoje, mas o Dinho's tinha vendido o Flamingo e tal e comprou uma casa ali na Alameda Santos, onde é o Dinho's hoje. E de conversas, tal, meu pai disse pra ele: "Você tem espaço aqui que eu não tenho lá, você pode trazer a churrasqueira pra frente, sua grelha na cara do público. Faça isso, trás sua grelha pra frente, isso comercialmente vai ser importante." Nós não tínhamos como fazer isso porque a loja do Galpão era uma loja que você descia uma escada pra entrar, então não tinha uma sobreloja, então não tinha como assar a carne alí na frente. "Mas você tem essa condição de fazer essa grelha na frente, faz... Você vai reformar, puxa, tua grelha pra frente, o público vai gostar." Acabou fazendo uma coisa que durante muito tempo caracterizou as churrascarias, todo o mundo põe a grelha logo na entrada. E... nessa altura eu entro pra trabalhar com o meu pai, começando com um estágio no Frevo, eu tinha meio que resolvido largar de estudar, estava... mocidade! E fui trabalhar num outro lugar, "Bobagem você ir. Vamos trabalhar junto." Aí eu comecei no Frevo. Acordava logo cedinho, e lá ía eu provar molho ao sugo logo às 7 horas da manhã, que é uma coisa que você imagina que deva ser fantástica: depois que você toma seu café da manhã, tomar uma colherada de molho ao sugo pra saber se está legal, e outras coisas; cronometrar tempo de saída de sanduíche, normalmente tempo de pedido do cliente até a comida chegar na mesa. E sempre com aquelas coisas de pai e filho, quer dizer, quando eu estava lá chegava no tempo. Se ele encostasse lá eventualmente na hora do almoço, atrasava tudo porque sempre na hora que está quem não devia que os problema acontecem. E fui aprendendo muita coisa então, nessa época. Depois... aí nós fizemos uma reforma no Frevinho, no Frevo lá da Augusta, que foi quando a gente resolveu acabar com esse esquema de balcão embaixo, abaixar aquele teto, começar a aproximar mais do tema, de novo do tema do Frevo da Oscar Freire, igualar os cardápios e fazer tudo o mesmo. Então, nessa reforma eu participei ativamente, a nível de buscar aqueles eucaliptos, de comprar coisas; fiquei muito envolvido com a obra, garotão... quando terminou... eu tomava conta. Meu pai é engraçado: quando te entrega, entrega mesmo! Ele chama a gerência, e fala: de hoje em diante é com ele! E zune! E se os caras forem perguntar alguma coisa pra ele, ele fala: "Eu não disse que é com ele? Digam para ele." Ãh... curioso, porque é um cara que faz aquilo com muito carinho, com muita dedicação, adora aquilo tudo e tem uma condição de entregar infernal, pro meu gosto, de moleque, na época. Porque eu comecei a contestar umas coisas no Galpão, ele falou: "Ótimo, de amanhã em diante ficas com o Galpão também, tomas conta de tudo!" Então eu fiquei um pouco no Galpão, já tinha feito esse estágio lá pelo Frevo. E eles não perdoavam, ligavam 7 horas da manhã no domingo pra dizer que o leite não tinha sido entregue, eu tinha ído dormir às 6. E tinha que sair! "A Granja taí?", que era aquele litro de leite tipo A, o litrão com um beição, vinha aquela cartolina assim, amarelinho, você pra tirar o leite tinha dois dedos de gordura, era uma coisa, um leite delicioso. "A Granja taí?" "Não, vai na Casa Branca", 300 metros do Frevo, eles me faziam sair da Aclimação pra ir buscar um engradado, aqueles engradados de ferro, com os litros de leite, era judiação! Era pra tomar conta, vai tomar conta! E fizemos lá umas... fiz um estágio lá também pelo Galpão, tinha feito aquela reforma no Frevinho, esse então foi meu primeiro mergulho nos negócios. Depois voltei a estudar, me afastei daquilo, entrei na faculdade, estive fora, fiz psico-sociologia na Sorbonne, voltei, peguei Paris em 67/68, Cohn-Bendit, toda aquela...universidade ocupada, toda aquele conflito de estudante com polícia, peguei uma fase bonita até, a nível de fato histórico, todo aquele movimento revolucionário estudantil francês, ãh...voltei bonzinho, voltando a estudar na Faculdade de Direito. E um dia conversando com ele, domingo, livre, em casa, todo o mundo meio... sou filho único, então, só nós três alí meio que morgando, começou essa história de negócio pra lá, negócio pra cá: "Esse negócio de ficar rico é um negócio absolutamente burro, qualquer um fica, é um problema só de mentalizar nesse sentido, fazer um esforço..." Aí ficou meio essa discussão, conversa de pai e filho num domingo. E no fim eu acabei saindo desse domingo pra montar uma lanchonete. Quem mandou puxar assunto? E fui montar uma lanchonete no Centro, alí perto do Fórum, no comecinho da Conselheiro Furtado, e fiz, também com projeto do Sílvio Openhart, aquela lanchonete era de cidade mas era de Zona Sul na cidade. Aço, pedra mineira, o projeto era uma gracinha, e fiz o Dogão. Que foi uma... era uma coisa, foi muito gratificante durante muito tempo até o momento que eu acabei me desfazendo porque não tinha mais nada a ver com o meu programa de vida. Fiz o Dogão, isso pelos idos de 70, mais ou menos, inaugurei o Dogão. Nessa conversa, toda, entra um parênteses pândego, porque tinha uma festa pra ir a rigor. Minha mãe queria ir, meu pai não queria ir. Ela foi, pegou um terno dele, foi alugar um smoking pra ele, numa locadora que tinha na época alí pela Tietê. Então pelo terno eles tiraram as medidas, então ela conseguiu convencê-lo a ir na festa com o tal do smoking e na devolução, ela falou pra ele: "Pelo menos você vai pra Augusta, teus negócios são pra lá, tal, eu estou aquí na Aclimação, tal. Passa lá pela Tietê e deixa, pelo menos devolve." Ele foi devolver... naquele tempo que ele ficou alí pra devolver, tinha pessoas devolvendo e pessoas retirando. Ele deu uma somada, viu a tabela de preços, fez uma média, multiplicou pelas cabeças, falou: "Sabe que isto pode ser um bom negócio?" E começou a puxar o assunto com o cara que trabalhava lá: "O senhor que é o dono, tal..." "Não, sou empregado." "O negócio aqui é bom, tem sempre esse movimento?" Eles não vendiam nada, era uma tinturaria que tinha se transformado numa locadora meio por acidente. E roupa tudo comprada aquí, Estação da Luz, roupa velha, roupa toda usada. Era o esquema da época, não estavam fazendo nada certo ou errado! Eles estavam fazendo o que eles estavam fazendo! Não vendia camisa, gravata, nada. Os caras tinham uma meia dúzia de gravatas prateadas, pra quem era padrinho de casamento, pra quebrar um galho, mas era a nível dos funcionários que tinham, vendiam, e ganhavam algum com aquilo. "O senhor quereria almoçar comigo um dia desses pra nós falarmos mais à vontade, tal." Ele acabou marcando um encontro com um dos funcionários de lá e começou: "O homem está querendo vender lá." Chegou pra mim, veio com essa história de alugar roupa, achei meio pândega, a princípio, porque era uma coisa estranha, né? E ele falou: "Vamos comprar essa loja desse cara aí. Comprar pra você." Eu já estava com a minha lanchonete lá, bem quieto. Mais pensando em casar, eu já estava noivinho, e... porque eu praticamente inaugurei o Dogão e fiquei noivo em setembro de 70. Aí começou essa história dessa...dessa pesquisa em volta dessa loja de aluguel de roupa, fomos lá falar com o proprietário na ocasião, ele pediu um preço absurdo... era aquele modelo "quero vender mas não quero"... tem gente querendo saber sempre quanto vale as suas coisas, as coisas estão sempre meio à venda mas não estão de fato. E nós continuamos a desenvolver a idéia, eu fui pro carnaval no Rio, despedida de solteiro porque eu ía casar no ano seguinte, fui pro carnaval no Rio, peguei meu smoking, saí pra comprar uma camisa, uma gravata bonita, não achei nada no comércio e fui trocando idéias com ele: "Você não acha que uma casa dessas tinha que ter uma superseção de vendas, com coisas incríveis, com borboletas, trazer novidades..." Aí viajamos, fomos ver fora, vi Casa Martins em Buenos Aires, e Mosan Broden em Londres, e ver, tudo meio ruim, quer dizer, antigas, tradicionais mas sem nenhum toque de contemporâneo na história. Aí começamos a procurar um ponto, surgiu a história da Melo Alves, que era uma rua meio próximo da Rebouças, próxima da Augusta, tal, sem ser muito... porque tinha um hábito: o cara ía ter um alto constrangimento de ser visto entrando numa loja de aluguel de roupa. Esse era o ponto do qual a gente partia. Então, tinha que ser um lugar: fácil acesso, central, mas não que mostrasse que o cidadão estava sendo visto alugando roupa. Pedimos o primeiro projeto para o João Grass, que fez o projeto, que também era superartista plástico, prêmio Bienal etc., que fez o projeto da Old England, esquina da Augusta, que era todo clássico, inglês, tal. E ele fez um projeto pra nós meio naquele estilo. O que nos mostrou que comercialmente não seria legal, seria inibitório pra uma classe menos favorecida chegar lá e encontrar uma Old England pra alugar roupa. Então pegamos o Sílvio Openhart de novo, que fez um projeto mais enxuto e mais moderno pra casa, e compramos um imóvel na Melo Alves, que era uma casa de uma família que estava se mudando, a Melo Alves ainda era basicamente de casas. Kombi, peguei já uma... nessa altura... escritório de artes pra fazer todo o desenvolvimento da logomarca, toda a papelaria, todas as notas fiscais, fichas, daquilo tudo foi feito com um certo cuidado, campanha no jornal, campanha tipo uma campanha de suspense: "Tudo para rigor, o que será?" Uma coisa assim meio de manutenção de curiosidade por um tempo... Então foi uma loja que foi feita com todo o investimento que tinha direito e com roupa toda nova, e com uma lavanderia. Aí montamos uma lavanderia completa, só pra...uma alfaiataria completa, e um estoque de roupa ridículo em termos de números, se formos pensar no que eu tenho hoje, mas que na época já era uma ousadia perto do que os outros tinham! E inauguramos em 71, isso, maio de 71 uma casa que hoje, que abriu caminho pra tudo o que veio aí depois. É difícil você passar num canto que não tenha uma loja de aluguel de roupa. Na verdade essa nova visão da loja de aluguel de roupa começou com a Tudo para Rigor. Acabamos no fim comprando o terreno em volta alí, anexamos o terreno porque o estacionamento foi ficando infernal, foi ficando obrigatório ter essa condição pra clientela. Isso foi inaugurado em maio de 71, eu casei em junho. Aí já entrei como sócio, comecei... saí um pouco do restaurante, que estavam... a gente tem sócios-gerentes... foi outra coisa que talvez a gente também tenha começado meio pioneiro: a distribuição do lucro entre os funcionários, né. Uma coisa que vinha meio em cima dos sonhos socialistas do meu pai, ainda desde aquele tempo do sindicato que ele manteve a pureza disso tudo e coisas nas quais ele acredita realmente até hoje. Então, todos os nossos gerentes, são todos participantes do resultado da firma, então é um pessoal que realmente veste a camisa, é um pessoal que é dono, tão dono quanto a gente, e alguns, muitos deles donos mesmo a nível do contrato social. Então tinha o time lá jogando, estava tudo redondinho, de vez em quando você ía lá, acertava uma coisinha ou outra, um detalhe, mas a coisa estava andando, e nós fomos pra experiência da roupa onde ficamos... Onde aí fomos apanhar tudo de novo. Ninguém nunca tinha mexido com roupa, acertar sistema de medidas, acertar sistema pra tudo aquilo, mapear aquilo tudo. E o que aconteceu:? Eu, como aluguei... abrí a loja e casei 30 dias depois, zarpei uns 60 dias de lua-de-mel. E ficou caótico! Porque o que a gente esperava de movimento, assim: se a gente esperasse dez, virou 100! Então, o que nós tínhamos lá... o que eu tinha comprado pra boutique, vamos dizer, pra parte de vendas: abotoadura, camisa, suspensórios, achando que ía demorar 180 dias pra vender, vendeu em 15! A indústria não tinha muita condição na época, indústria de confecção, de entregar camisa rapidinho, pra te entregar coisa rapidinho. Tudo ía demorar 40 dias. Então foi ficando meio caótico! As roupas que nós achamos: "Imagine, que exagero! Nós temos três vezes mais roupa que os outros", acabou em minutos. Quer dizer, quando o consumidor percebeu que tinha encontrado realmente uma loja com roupas todas novas... superbem instalada, limpa, lavanderia...uma máquina bactericida que eu fiquei desenvolvendo o projeto com um...um arremedo de cientista maluco que eu conheci na ocasião...uma coisa meio que por aspersão do líquido em forma gasosa...ficou anos mexendo com o raio de uma máquina, criamos uma máquina bactericida, de largo espectro bactericida pra toda a roupa que voltava da locação. Nós tínhamos que vencer todas as resistências que eventualmente o consumidor tivesse pra esse hábito novo de alugar a roupa. E realmente está aí. Hoje é até grife o lugar. "Eu aluguei na Tudo para Rigor!" Hoje a Tudo para Rigor é grife... eu tenho... eu tive uma divisão muito grande... lógico, como líder no mercado, toda a concorrência que foi surgindo ataca mais o líder, né? Lógico, eu tenho 90, o outro tem dez, ele vai perder um, eu vou perder dez. Ah... mas eu fiquei com um creme de clientela de gente que... se o noivo deixar pago na outra loja, ele agradece, finge que vai lá, atravessa a rua e vem pra cá! Gente que está efetivamente acostumada lá. E...lá eu encontro dono do Banco Real, lá encontro o Valentim Diniz, lá eu encontro o Jarbas Passarinho, lá... entendeu? Lá encontro governador, vice-governador, presidente do Tribunal de Justiça, gente que você não pode imaginar, gente que você acha que tem o smoking dele. Lá eu recebo telefonema do Unibanco do Rio, que o embaixador Walter Moreira Salles estava vindo pra São Paulo, vai precisar de um fraque, se eu posso deixar a loja aberta até ele chegar... Bom, sem contar deputados, vereadores, esse troço, que você já... peixe miúdo ninguém mais considera mesmo. Essa turma já não é tão digna de crédito pra ser citado. Mas mesmo amigo de... banqueiros, passaram... 300... Outro dia estava aquele que foi ministro, dono do Banco da Bahia, Banco Econômico, o Calmon de Sá... Então, é um lugar muito agradável de se ficar. O Ferreira Neto, quando fazia aquele programa dele na televisão, ainda no tempo da TV Record, ele uns dias que ele foi lá atrás de uma camisa que ele precisava de golinha de diplomata pra um almirante do Rio, amigo dele, que tinha pedido, o Ferreira Neto falou: "Pô, pra montar o meu programa, eu vou ficar aquí, meu! É muito melhor!" Porque ele encontrou algumas pessoas: "Ministro, uma entrevista... Seu secretário... Aqui é ótimo, pra agendar meu programa! Eu não preciso ficar andando atrás deles, eles vêm pra cá que eu marco, faço a agenda da semana. E a começar por você, que vai lá, vai levar os caras pra desfilar a roupa e dizer o que é que é aluguel de roupa." (risos) Então, teve muito disso, né! E... muito pessoal de artista, cada vez que tem Molière, Raul Cortez que é amigo meu mas que vai... e todo o mundo que precisa de smoking acaba caindo lá. E jogador de futebol... Então acontece de tudo. Então dá um público muito gostoso e o pessoal está indo lá pra festa! Sempre pra festa. Então é muito agradável trabalhar lá, ficar lá. Talvez, não digo a nível dos funcionários que nem se apercebam quem é quem, mas se eu ficar lá, se eu entrar lá eu não consigo sair! Porque ou é gente que você conhece, ou gente que é notória, e pública, e o papo... E o cara quando se sente reconhecido também, se ele já é público e notório, isso não o incomoda, isso é uma coisa que ele já resolveu, e gosta também de ser notado, tem a vaidade dele. Então dá assunto pra mais de metro, o dia inteiro lá dentro da loja. Mas também acabou sendo uma coisa curiosa. E nisso, fizemos essa, depois fizemos a outra lá na Juscelino, a Só Rigor, que eu abrí numa unidade compacta, querendo fazer uma outra versão, que a idéia era até multiplicar, franquear, fazer alguma coisa do tipo, então vamos ver como é que funcionava uma menor. Aí demos uma parada de fazer mais alguma coisa, ficamos um pouco administrando isso tudo, aí perdí minha mãe, meu padrasto de uma certa forma ficou algum tempo muito descompensado, e acabou se afastando praticamente de tudo e largando tudo comigo mesmo. Depois de algum tempo quando ele se estruturou de novo ele mesmo por prazer voltou e hoje a gente faz muita coisa junto, e trabalha, troca muita idéia. Pausa (Fim Lado A - Fita 055/02A)

...fortemente ligado à colônia japonesa, nós temos filial em Tóquio etc., mas hoje muito aberta pra todo o mercado brasileiro, também. Com a minha entrada acabou também encarreando todo um mercado brasileiro pra agência. E apesar de que os nossos projetos não eram projetos tão expansionistas, ela cresceu também demais e acabou ocupando parte do meu tempo durante muito tempo. Eu ía diariamente e ficava um período do dia, diariamente dentro da agência. Fiz, a nível de satisfação pessoal, fui diretor do Palmeiras 12 anos, palmeirense que sou, chegando a fazer carreira dentro do clube, hoje sou presidenciável no clube, sou... fui diretor administrativo por quatro anos, que depois do presidente era quem governava o clube, né? Viajei muito com o Palmeiras, com delegação, cheguei a ser um pouco diretor de futebol, fui pra Alemanha comprar o goleiro da seleção alemã, o Shumacker, que vinha com problemas na Alemanha por causa daquele livro onde ele denunciou o dopping no futebol, e, então isso tudo. Fui diretor do Centro Cultural São Paulo por três anos no mandato do Jânio... então acumular: diretoria do Centro Cultural, diretoria do Palmeiras, ãh... como é que um diretor do Centro Cultural podia sair uma semana pra ir pra Alemanha buscar o Shumacker? Quer dizer, é uma coisa muito complicada! Era diretor do Automóvel Clube, era diretor social do Automóvel Clube alí pro... Nove de Julho com Brasil. Ãh... enfim, Associação dos Antigos Alunos do Mackenzie, onde eu era tesoureiro, ãh... Isso tudo, os negócios estavam andando, eu fui me permitindo ter certas coisas em momentos que me davam muito prazer, o Mackenzie é uma lembrança forte, uma grata...uma coisa que me é muito grata, minha filha hoje está no quarto ano de Direito lá e é muito gostoso saber que tem uma sucessora dentro da...a segunda filha está fazendo Marketing, lá no Mackenzie também, então isso tudo foi... o Mackenzie é forte pra mim, como no Automóvel Clube tinha bons amigos, como o Palmeiras que é a paixão...e o Centro Cultural foi uma experiência de vida pública, traumática; porque eu vindo da iniciativa privada, onde a coisa é ágil. A coisa quando chega em mim, nas minhas empresas, não tem mais pra quem virar e perguntar. Se os gerentes já não conseguiram filtrar, se passou por todos os filtros possíveis, quando chega até a mim eu tenho que falar: "É A ou B, ou é preto ou é branco." E... dentro do serviço público é infernal, aquilo! Pra comprar... Cansei de pôr dinheiro do meu bolso pra comprar coisas cretinas que estavam parando toda a máquina, toda a gráfica, tudo por causa de um parafuso que precisava verba, empenho, as finanças... dá dez mil réis, vai comprar o parafuso! Então... mas esse choque foi bom, isso me aumentou, me fez crescer, me fez ter uma visão diferente, do que... tem que ter disciplina, aquilo. Eu não me conformava era assinar um metro e meio de processo "Arquive-se"! Eles perdiam o meu dia, a nível de atividades possíveis de serem desenvolvidas, pra ficar assinando "Arquive-se"! Mas na verdade aquilo não pode simplesmente ir pra um arquivo sem que alguém assine "Arquive-se"! Porque se não, o que será que vai parar dentro desse arquivo se não tiver a tal da disciplina? Então isso me fez também ver muita coisa. E acabou servindo até para rever certas coisas depois, na volta pra empresa. Aí, entre a agência... depois logo que saí do Centro Cultural, de Palmeiras, isso tudo, acabei indo pra agência, e tendo esse estágio na agência, um outro mundo de negócios, uma outra forma de comerciar, uma outra realidade, vendo uma coisa que eu via de fora, agora vendo de dentro, e, também foi muito interessante. E essa convivência com a colônia japonesa, e começou, apesar de nascido no Brasil é estruturalmente japonês, e é muito criativa, a nossa sociedade! Nós nos estimulamos reciprocamente de uma maneira formidável, porque ele com o temperamento dele, eu no meu jeito italiano, ele no jeito...afinal de contas houve um eixo, um dia...Roma-Berlim-Tóquio foi uma realidade! Não são tão incompatíveis, né? (risos) Ah...e...então, nisso tudo, os negócios, por outro lado, essa área de expansão de Frevos, ou de lojas, ou qualquer coisa ficou meio congelada. Até que agora, há uns dois anos atrás, eu fui procurado pelo Shopping Iguatemi, que o Carlos Jereissati era cliente do Frevo, adora o Frevo, sempre que está em São Paulo vai no Frevo e tudo o mais; a mulher dele, a Bia, tem lembranças do tempo de mocinha, a primeira viagem dela de Campinas pra cá, ela é de família tradicional de Campinas, a primeira vez que deixaram ela vir sozinha pra São Paulo encontrar com as primas, as primas levaram-na pra jantar, pra comer no Frevo, e ficou isso uma marca, ela adorou. E, insistiram, insistiram, que tinha uma loja que eles queriam que fizesse um Frevo e eu fui muito refratário, não queria, não queria, não queria. Pedimos umas coisas que nos parecia que eles jamais dariam eles deram, e acabamos inaugurando um Frevo com uma decoração revisitada, mas tudo dentro do mesmo tema, com bonecos, com telhadinhos, com madeirinhas, com as mesas...lógico, que hoje com uma visão já dos anos 90, né, quase aí no 2000, que estamos chegando, e...para nós foi quase como começar de novo, porque ir atrás de novo do fornecedor de fornos, porque se você ligasse pro do Frevo de 1956 com certeza o telefone não era mais o mesmo, e ele não estava no mesmo endereço... pra copiar aqueles bonecos foi um drama, eu tive que encontrar alguém que tirou aquilo em arame, e depois levar aquele arame, e fotos pra um surdo, um serralheiro amigo meu que é surdo e a oficina é pândega, porque trabalha só surdos praticamente nessa oficina de serralheiro! Eu fui com o meu sócio, lá no Frevo do shopping nós temos um sócio, que é o Carlos Alberto Kalil, que era da Fiorucci, e o Kalil foi comigo na oficina buscar os bonecos e enquanto eu conversava com um que fala e com um surdo com o qual eu já me entendo porque já conheço há tempos, ele encostou em um e: "E aí, como é que você trabalha com esse barulho infernal?" "a, ba, ba, ba." Foi falar com o outro, "a ba, ba, ba"... Daqui a pouco olhei na rua, ele estava sentado no muro da casa em frente, perguntei: "Que você tá fazendo aí?" "Eu tentei falar com uns três ou quatro, meu, não dá, nenhum deles ouve nem fala nada!" E...então foi...sabe, a gente voltou ao projeto, a mesa, fogão, e tamanho, e mede o forno, e faz mezzanino. Trabalhar em shopping é infernal! Foi outra experiência que eu não tinha tido na vida! Mil restrições de horário, de cheiros, de colas, de barulhos, de...então a obra foi quase toda feita de madrugada. Eu estava num lugar que não era, estou num lugar que não é uma praça de alimento, não é nada, então não tinha precedentes, então tive que trazer o gás, lá da Faria Lima, tive que levar o ar condicionado pra fora do shopping, os dutos de gordura, tudo lá pra fora, então ãh... foi também muito estimulante, muito gostoso, mas foi uma gincana, na verdade, fazer esse Frevo! Mesmo a nível depois de seleção de mão-de-obra, de imprimir ritmo pro serviço, passar as características de Frevo, aquilo tudo foi muito lutado mas foi muito gostoso!

P - Aquilo que o pessoal fala quando pede o chope...

R - É, os gritos de "abre peixe", grito de... todo aquele gritar pra cozinha, tudo aquilo... até instaurar esse clima lá... mas resgatou muita clientela que tinha mudado lá pra baixo, pra aquelas cercanias do Shopping Iguatemi, aqueles prédios todos que levantaram alí e que já não tinham mais muita coragem de ir pra Oscar Freire, por comodismo, por dificuldade de estacionar etc., e tal. Então muita gente! Quer dizer, houve um resgate de uma clientela que estava meio suspensa, em suspensão, e que adorou a idéia de voltar a ter um Frevo alí próximo dela. É a única casa que fica aberta até duas da manhã. O Shopping fecha e o Frevo fica aberto, com acesso no estacionamento coberto, com segurança, você pode chegar cheio de jóias, não precisa tirar o rádio do teu carro, você não precisa... entendeu? É uma coisa que você vai parar alí próximo, de frente, então roda madrugada, a clientela podendo chegar alí, no coberto, se estiver chovendo, se tiver frio. Então ficou uma casa muito interessante, deu um supertrabalho, porque foi quase que recomeçar né, mas... é muito interessante, está indo muito bem. Isso fez surgir uma central, que hoje funciona no Itaim, onde algumas coisas já são preparadas pras três casas e a kombi de manhã já distribui pras três casas. Uma central que já foi dimensionada talvez pra umas 10 casas. A idéia é continuar franqueando, ah... eu vou começar agora um trabalho, nesse sentido, de estruturar a franquia. Talvez não franquear o Frevo na sua versão atual, com essa cardápio complexo etc., mas criar, sim, uma unidade compacta e começar a tentar franquear. Sou procurado por muita gente com interesse de franquear, não só em capital, como no... em torno, até Campinas, Ribeirão, cidades boas. Vamos ver como é que podemos resolver isso e...eu gosto mais da franquia na versão brasileira, essa franquia meio de sociedade, então...onde, na verdade o franqueado faz mas você participa com 50% e fica junto, mesmo, parceiro, pra não deixar muito...acho que pro franqueado é até melhor, não ficar muito ao deus dará. Saber que você também está com o teu alí dentro, também tá interessado... Em todo o caso, isso vai depender do que se fizer agora a nível de estudos. Mas, na verdade, o grande carisma mesmo, o encanto, o dódói, a menina dos olhos de todo o mundo é o Frevo da Oscar Freire, que sempre se chamou Frevo, enquanto o da Augusta, num primeiro momento chamava-se Frevinho. Mas o carinho da clientela pelo da Oscar Freire foi ficando de uma tal ordem, que o Frevo acabou sendo o Frevinho, então: "Eu sou dono do Frevo." "Ah, do Frevinho?" Quer dizer, o pessoal, no carinho, foi transformando o Frevo da Oscar Freire no Frevinho. E eu tive provas desse carinho da clientela a nível internacional. Nêgo que chega de todo o lado, taí, você pega um... Rua Augusta, da Maria de Lourdes Teixeira, o romance, está lá o Frevo. Você pega livro da vida do Zé Carlos Patt, está lá o Frevo. "A gente se reunia no Frevo..." Você pega a Adriana Galisteu, falando do Senna, tá lá o Frevo, "Eu ía com o Aírton no Frevo, ele gostava do Beirute de Frango." Outro dia eles até gravaram lá pro Vídeo Show da Globo, com a Adriana e ela contando que vinha lá com o Aírton muito, que ele adorava a casa. O irmão dele está sempre lá. E... ãh... Jô, no programa da Família Trapo, ele e o filho do Renato Corte Real, um dia jogando figurinha, me lembro que ele fazia um mordomo, clássico, Família Trapo, né: "Quem perder paga um milk shake do Frevo." Então, novela... eu costumo brincar quando me ligam da Globo, pedindo autorização pra gravar novela, "Ih... eles devem estar mal de Ibope, estão precisando levantar o Ibope da novela, vão gravar no Frevo de novo!" (risos) E então o Frevo foi testemunha, sabe, não só está aí, Iara, Iara Alfberger, amante do Lamarca, né, está lá, ela encontrando com as colegas no Frevo, no livro. Então... e hoje, pra falar da história urbana de São Paulo, não tem muito como não passar pelo Frevo pra essa geração que viveu... talvez não pra turma de Santana, pra turma de Tatuapé, bairros geograficamente afastados. Mas a turma que viveu nesse eixo mesmo, taí: vai falar do Aírton, vai falar do Frevo. Vai falar do Patt, vai falar do Frevo, porque essa turma está lá mesmo, e freqüenta. Serginho Groissman, ainda quando ele foi... mudou de canal e saiu pela matéria da Playboy, tem até logotipo do Frevo na matéria, de tanto que ele falou do Frevo. Artistas, esses depoimentos em Playboy, as casas que prefere... qualquer depoimento de artista o Frevo é citado direto. Malu Mader está toda hora lá no Frevo. E daí? Está a Malu Mader e está a... Jacira Siqueira, que ninguém sabe quem é... não importa... não é que é o fato da Malu Mader, que o paladar dela seja determinante da qualidade... mas, quer dizer, transformou-se, efetivamente num lugar com carisma, lugar de ver e ser visto, tal. E... Já teve fases muito curiosas, a Rua Augusta passou por uma fase onde ela era o pólo de toda a insurreição de uma juventude. As roletas russas na Rua Augusta, a geração transviada, aquela história de lambreta, e suéter nas costas, e... quando inaugurou o Cine Paulista com “O Balanço das Horas”, Bill Haley e seus Cometas, e aquilo tudo, o pessoal dançando nos corredores do cinema, puseram fogo nas cortinas... Então, toda aquela geração que fez a revolução da camisa vermelha, que saiu do terno cinza, que deixou o cabelo crescer, aquilo tudo ferveu e fermentou e... virou vinho alí, em torno da Rua Augusta. A Rua Augusta foi o grande eixo disso tudo acontecendo naquela época, né. E o pessoal dos Jardins preservava o Frevo! A moçada, a juventude dos Jardins, tinha brigas históricas! Porque vinha mocidade de outros bairros a quererem freqüentar o Frevo, aquilo era meio que preservado: "Aquí é nosso, não é pra chegar!" E... teve uma época de prostituição de alto bordo, a querer freqüentar o Frevo pra captação de clientes, departamento de captação. Elas íam de Romiseta, então já eram... seriam hoje o equivalente, se fizer no câmbio, no paralelo, seria pessoa do café, como é que chama lá?

R - ...Café Photô...

R - Café Photô. Então essa turma de alto bordo começou a querer ir lá fazer uma captação de clientela. E pra manter isso, quer dizer, pra não permitir que houvesse uma deformação da casa, a nível de eu perder o resto da clientela, ah... chegou a ter que se pegar, até, muito nêgo pelo pescoço lá, e não permitir muito tráfego entre mesas. E sentava uma que você via que a intenção dela era essa, tomava alí uma Coca-cola, era mil reais a Coca-cola, dinheiro da época, né. Não tinha tabelamento, não tinha nada que proibisse, e tudo o mais, no sentido de não permitir. E a manutenção desse status de uma casa de família é que fez com que ela sobrevivesse há tanto tempo, né! Porque se tivesse deixado desencaminhar essa clientela, perdesse esse pique... difícil de ser mantido isso numa rua que era uma rua onde fervia, né? Depois teve a fase dos motoqueiros. O Frevo teve de ficar muito tempo sem chope, a gente chegava uma certa hora suspendia o chope pra evitar aquela aglutinação de motoqueiros, aquilo tudo que também estava criando inibição pro cliente da casa que chega com uma namorada, uma noiva, que chega com a mulher, que chega com a filha, ter que passar por aquele bando de nêgo tomando chope na calçada, atravessando com copo. Então chegou um momento, o Frevo teve que trabalhar meio como McDonald's, com milk shake, com vitamina, por um bom tempo. E o chope do Frevo também é uma tradição, né? Outro dia na Folha fizeram uma avaliação entre várias choperias de renome e o Frevo foi o primeiro colocado, tem até artigos, recortes a respeito. Então, a casa sempre teve que ser muito atendida, muita atenção, porque ela estava num momento que fervilhavam as coisas. Descer... soltar pedra de gelo naqueles trilhos da Augusta, aquilo descia como... imagina como vinha aquilo lá pra baixo. Então, como em torno foi acontecendo muita coisa, o Frevo estava no termômetro daquilo tudo e era muito sensível à aquilo tudo. Mas foi palco de coisas excelente e tem gente muito interessante que freqüenta e também é um lugar muito gostoso de estar. Aquela geração já cresceu, então teve um camarada que um dia entrou lá com uma privada, solta, a louça. Ele sentou lá, hoje ele vai com a mulher, com os filhos, os filhos já todos moços. Eu falo pra ele de vez em quando: "Você lembra das tuas gracinhas, se eu não te pusesse pra fora naquele tempo hoje você não estaria vindo aqui com a sua mulher e com seus filhos, porque provavelmente a casa teria se deteriorado de uma tal maneira, né?, que isso não teria sido possível." Curioso quando você vai reformar o Frevo. Eu fiz uma reforma na cozinha, agora, faz uns 30/40 dias, e a casa ficou fechada uns 10 dias. Pus a cozinha abaixo, fiz tudo de novo. E... eles vão lá olhar! Eles batem, querem ver o que você está fazendo lá: "Mas não mexeu no boneco, né? Não vai mexer no banquinho..." É uma coisa meio que tombada pelo patrimônio histórico da clientela, quer dizer, ninguém quer que mexa em nada, fiscalizam! Vem gente o dia inteiro. Veio uma senhora que veio: "Fui a segunda freguesa daquí do Frevo..." Segunda pessoa que entrou. Quando inaugurei o shopping, ela levou a neta dela, falou: "Quero que a minha neta seja a primeira cliente desse Frevo, porque eu fui a primeira cliente do Frevo da Oscar Freire"! E eles vão lá, vão olhar! "Não é pra mexer no banquinho, não é pra mexer nos bonecos nem na esteirinha. Não vai mexer em nada, só cozinha? Ufa! Então está bom!" E uma turma que perde o norte. Tem uma turma de dez, 15 freqüentadores habitués diários que perderam o norte! Eles andavam por aquelas ruas ali dando cabeçada com o Frevo fechado! Vinham lá, olhavam: "Mas ainda está assim?" "Onde estão os outros?" Eles perdem... "Você não sabe o que está fazendo com a gente, você tirou o nosso referencial, nós não sabemos mais o que significa a nossa vida, nós não sabemos mais pra onde ir numa certa hora!" Então, é uma casa que é muito... sustentada pelo carinho muito grande que hoje a clientela tem com ela, né? Sabe, isso estimula a gente. Às vezes: "Ah, amanhã eu passo lá... Hoje não vou ver isso..." De repente você recebe manifestação de alguém: "Pô, você é do Frevo! Pô, incrível, venho não sei donde por causa do Frevo..." De repente: "Deixa eu ir lá ver o que é que eu vou fazer com aquilo..." Entendeu, porque realmente, ãh... uma coisa que é tão "gostada" por todo o mundo não é possível você ficar de braços cruzados deixando acontecer alguma coisa. E...e o comércio acho que, exatamente o que fascina no comércio, todo o comerciante, no fim é isso, é o que você acaba se apegando. Nós agora lançamos o carpaccio, beirute de carpaccio, o cardápio sofreu uma renovação, a gente vai fazendo estatísticas, aquilo que comprovadamente já está saindo muito pouco acaba sendo substituído por alguma coisa que possa ter mais, ser mais contemporâneo. Mas você vê: nós estamos em 94, carpaccio existe já se fala em carpaccio no Brasil faz dez anos, agora é que entrou! Então não é uma casa que tem uma resposta rapidésima a novidades, entendeu? É uma coisa que tá muito sedimentada e tem pratos que a gente já tirou do cardápio há anos e tem gente que ainda vai lá e pede! E é feito pra aqueles que estão acostumados a comer aquilo. E... a clientela se sente absolutamente dona. Com o cuidado que a gente tem com a mocidade, meninos assim do tamanho do meu filho, que está com 11 anos, o que acontece é que ele é tratado lá não como filho do freguês, ele é tratado como freguês! "Como vai Claudinho, você vai querer aquele seu milk shake que você gosta sem geléia..." Ele é distinguido, ele é individualizado. Ele nunca vai chegar e falar: "Meu pai me trazia aqui... " Mas ele fala: "Eu sou freguês daquí desde que eu era pequeno!" Ah... Tanto é que os gerentes que estão lá há tantos anos, o meu turn-over lá de funcionários é muito pequeno. O Tião, está na foto de inauguração, de 56 e agora, quando a gente abriu o Frevo do shopping ele recebeu umas cotas, foi presenteado. Hoje ele é sócio. Foi presenteado como um reconhecimento, há 40 anos que ele está conosco. Nunca quis ser gerente, nunca quis ser nada, sempre quis ser garçom, mesmo. Mesmo nas oportunidades que ocorreram. Ele que saí nas novelas da Globo, aí ele toma alto aluguel da clientela toda, que vai lá. E o Tião foi pro shopping, agora, ele é sócio lá ãh... até como... hoje ele faz o horário que ele quiser, ficou uma coisa mais livre, mais solta, em respeito até à idade, e ao trabalho dele em 40 anos de dedicação pra gente. Então, hoje ele faz o meio de campo, aquele jogador fim de carreira, sai jogando em meio de campo, se o técnico grita sai pra receber, corre pra tesouraria. Só cobra lance de mão, escanteio, falta... não divide com mais ninguém, não quer mais correr, corre pra não chegar. Então ele fica fazendo mais... é muito importante a imagem dele, porque aquilo... eu acho... não foram os bonecos, não foi o nome, o que mais identificou o Frevo do shopping como realmente alguma coisa que tivesse a ver com o Frevo da Oscar Freire, foi a partir do momento que o Tião foi pra lá. Quer dizer, a clientela, ao ver o Tião lá: "Ah, bom! Então agora não é franquia, não é nada! É Frevo, mesmo!" É curioso, porque quando viram o elemento lá... "É por aqui mesmo..."

P - E a saída dele da Oscar Freire? Como é que ficou a freguesia?

R - Perguntam dele, vão visitar ele lá no shopping, mas o Frevo tem a magia dele, tem os outros, que ficaram gerentes então não desestruturou. Agora, uma figura tradicional colocada no meio daquela mocidade toda, gerentes novos, tudo, como foi a equipe do shopping, aquilo deu o aval. "Ah, bom, tem mesmo a ver, porque até o Tião tá aqui!" O Tião, com 40 anos de Frevo, você imagina o que ele não viu... os pais que estão indo com filhos lá, ele viu os pais levando, né? Então a ligação dele com a clientela é muito forte!

P - Roberto, pra gente terminar, mesmo... o que é que você achou de ter passado essa hora com a gente, deixando sua vida registrada, sua experiência...

R - É uma coisa que... até me sensibiliza! É uma coisa que emociona, porque a gente faz uma vida, todo o mundo tentando deixar alguma coisa, legar alguma coisa! Ãh... pra mim, o fechamento disso, o complemento disso seria se um dia alguém ouvindo alguma das coisas que eu falei isso lhe valesse pra alguma... sabe? Fosse útil pra alguém que viesse e ouvisse. Ãh... útil pra continuar o que tivesse fazendo, útil pra de repente se despertar pra alguma coisa. Acho que se a gente conseguisse, se alguém um dia, através dessa coisinha que a gente deixa hoje registrado, essa coisa pequena diante da eternidade, se isso for algum dia de utilidade pra alguém, então complementa pra mim. Hoje é uma emoção só minha, a minha emoção ficaria universal se alguém pudesse usar isso de alguma maneira pra alguma coisa.

P - Tá jóia. A gente agradece muito a sua colaboração!

R - O prazer foi muito... foi meu em estar com vocês aqui, vocês passaram uma energia tão incrível que isso melhorou ainda mais as coisas!