Museu da Pessoa

Trazer a África para o Brasil

autoria: Museu da Pessoa personagem: Otunba Adekunle Aderonmu

P/1 – Boa tarde.

R – Boa tarde. Prazer.

P/1 – Para começar, eu queria pedir para você dizer o seu nome completo, local e a data de nascimento.

R – O meu nome é Otumba Adekunle Aderonmu Eu sou nigeriano, naturalizado brasileiro, e o lugar onde eu moro, a cidade chama Abeokuta, na Nigéria. Estou aqui no país desde 1992.

P/1 – Na região onde você nasceu você vivia com seus pais, com seus avós? Com quem você vivia?

R – Eu vivi com meus pais, porque lá, na realidade eu um sou de dentro da família real, e meu pai ele é um líder; porque lá existem várias comunidades onde existe um líder que chama rei daquele pedaço. Diferente de algumas de príncipe que você conhece aqui no Brasil, tipo, Príncipe Charles – já não é nesse nível. A gente na África tem várias comunidades, que essas comunidades têm o líder deles, e o líder deles também se tornou como um Obá. Obá é um rei. Então, quando se falar de riqueza, a gente fala que eles têm, mas não é tão igual. Inclusive tem uma vida humilde, num tenho nada super especial; claro, na hora que você passa o povo se ajoelha pra você. O povo reconhece você como a parte de príncipe, mas num é aquelas coisa, tipo, de riqueza, aquelas coisa que você conhece. Cada vez que ouve falar que eu sou um príncipe na África, passa uma mistura dessa minha situação com a parte do príncipe que eles já conhecia antes, tipo, Príncipe Charles - essa classe que tem uma família real que é muito rica.

Então, um príncipe que é simples e que não tem nada de frescura pra conviver com as pessoas. Um príncipe que tem um pai que é o líder da comunidade, que chama rei ou um Obá, na nossa linguagem; e mãe que vive junto. Só que hoje em dia os dois faleceram e hoje eu sou um príncipe e tenho direito de me tornar um líder também; mas hoje tem um líder já, um rei lá, que é da outra família real, porque na África, aonde eu sei, existem várias famílias que podem se tornar rei daquela cidade. Não é uma família só, são várias famílias, mas quando um rei decide receber você para ser parte do gabinete - tipo eu agora sou um Otumba, se você vier aqui você vai ver um Otumba Adekunle Aderonmu, quer dizer um Otumba

quer dizer um vice-rei -, quando você já está dentro do gabinete é tipo: “Um dia você pode ocupar logo, ai você se torna um Otumba”. Otumba é vice já. Tipo, qualquer coisa que acontecer com o rei, eu posso entrar no trono, mas a nossa oração á para que ele continue ser grande, forte e saudável, com saúde - quero falar: sem problemas. Porque pra mim é uma vida normal. Mais importante pra mim do que quando eu quero me tornar rei na mocidade. Ai já eu tenho uma vida mais controlado. Por eu ser uma pessoa que gosta de ser livre, gosto de minha liberdade, gosto de ser Otumba pra muito tempo, porque eu tenho minha liberdade.

P/1 – Qual o nome dos seus pais?



R – É Akombi Aderonmu o nome do pai, e o nome da mãe, é Uaslast Aderonmu.



P/1 – Você comentou então que seu pai era rei e que sua mãe convivia com vocês, e como eram essas funções sua mãe tinha.

R – Existe um papel fundamental, como se foi cuidar do próprio marido, que é rei, e a maioria das coisas pessoais do rei é a esposa que cuida. Então, geralmente, você tem que ter uma secretária pessoal. Na África, só as esposas são suas secretárias pessoal, que sabe a maioria das coisas que você quer fazer. Mas hoje em dia, como você consegue ter mais rotatividade junto, aí você começa a ter uma secretária. Mas na época da minha mãe, era muito mais secretária do pai do que qualquer outra pessoa; porque ela quem sabe como que é, ela que sabe aonde ele vai, ou que roupa que ele vai colocar num dia, o que ele vai comer. E também ajuda a cuidar da cidade, na parte das mulheres. As mulheres são as esposas do rei que cuidam dessa parte: o que as mulheres estão precisando, às

vezes alguma coisa, tipo, alguma feira, que pode ser uma coisa coletiva. E, geralmente na África, são as mulheres que fazem feiras. Então, cede algum espaço pra ela, onde ela vai cuidar; através dela, ela passa para as mulheres da comunidade o que elas podem fazer, a maneira que elas podem dividir, o que você tem que ter para ter direito a ter um pedaço daquela feira, quanto você tem que pagar pra comunidade. Uma coisa assim, que é simples, e tem um papel fundamental na administração dessa cidade. É principalmente na parte feminina, porque a gente acredita muito na parte da mulher, e a maioria das africanas sempre quer que a mulher trabalhe. Não gosta que mulher fica em casa, mas mesmo

assim alguma pequena porcentagem ainda acredita que mulher pode ficar em casa, que ela trabalha; mas 89% dos africanos gostam que a mulher dele participe, de uma forma ou de outra, no crescimento da casa. E a parte da criança também, elas fazem parte na criação da criança, mas o papel da mulher é super importante na vida do homem, lá.

P/1 – Agora, eu queria entrar um pouco na sua infância. Que lembranças que você tem da sua infância?

R – Eu sempre lembro de uma parte, na hora que eu ficava estudando na escola. Onde minha casa está é um pouquinho longe de onde a escola está. Por eu ser um filho do líder da comunidade, não tem exceção, você tem que estudar junto com pessoa lá também. E eu me lembro que também andava da nossa casa até a escola. Porque sempre tem uma escola no meu bairro. Aí eu lembro que alguma criança, às vezes, gostava de chorar na hora em que a gente ia para a escola, não gosta de estudar. Eu gostava de estudar, aí eu via sentir porque que uma pessoa não gostava de estudar. E na hora em que a gente voltava pra casa, elas ficavam contentes, aí apanhavam elas pra chorar de volta pra casa. Aí as famílias delas iam reclamar para meus pais, porque eu ficava batendo nos outros.

Então, essas são as coisas que me marcam mais, tipo, é importante que as crianças estudem. Mas até hoje fico me perguntando: “Mas por que aquelas idéias vêm na minha cabeça numa época, por ser uma criança, que já sabia da importância da educação para os outros?” Porque na época era tipo oito anos – muito jovem – para saber da importância da educação; e na época, a educação para nossos pais não era importante, tipo: “Você vai estudar, mas e daí?” Eles acreditavam naquelas coisas que você tem que poder na agricultura, tipo, mais terra que você tem mais poder você tem. Aí eles criavam você também daquele jeito: tem bastante terra e mostra sua riqueza; mais terra que você tem mais riqueza que você tem. Isso foi ideal - aí foi pensamento.

Mas eu lembrei aqui que eu ficava cobrando os colegas jovens para estudar, na época. Então é até uma das coisas que eu mais lembro que eu fiz que eu acho que foi uma coisa legal. Hoje eu vejo uma coisa legal porque a educação se torna uma coisa importantíssima na vida de qualquer ser humano. E como com oito anos, eu podia ficar pensando daquele jeito. Eu ficava: o que passa pra mim numa época, pra me cobrar que aquela criança tinha que estudar, tipo, se ele chora, na hora em que ele vai para a escola se ele tem que chorar na hora em que ele tem de voltar pra

casa? Não pode estar rindo. É uma das coisas que me marcaram época, foi essa importância da criança sem querer estudar. Então, até hoje, eu sou um dos apoiador de qualquer coisa que é ligado à educação. Que sem educação não tem liberdade para ninguém. Principalmente, o negro sem educação, aí piorou a situação, porque ele já tem a situação, um preconceito por ser um negro. E sem educação ainda, piorou. Então por isso, tem que advogar da importância da educação na vida de qualquer ser humano. Não é somente um negro, como pode ser um branco, qualquer cor que seja. Eu acho importante a educação. Tem que ter educação, pelo menos a mínima possível, porque educação não tem nada a ver com riqueza, mas a educação mínima você tem que ter. É a mínima coisa, é o mínimo presente que você pode dar na vida em si. Questão de riqueza é uma coisa do destino. Não é todo mundo que é médico que é rico. Não é todo mundo que é advogado que vai ser rico. Não é todo mundo que é político que vai ser rico. Mas o básico, a parte da educação, é o maior presente que ele está dando para si. Não é presente do pai, não é presente de mãe. Não é uma coisa que você está dando para ninguém. O maior presente que você pode dar para si é a educação. Por isso, que eu apoio a qualquer instituto ou a qualquer indivíduo que fala muito da educação. Sempre fica mais assinado, porque desde criança, eu já tenho esta história, que eu tenho que brigar com uma que não quer estudar.

P/1 – Para quem não conhece, eu gostaria que você descrevesse um pouco a sua cidade. O lugar como você via, como eram as casas, como é essa região que você vivia.

R – Pelas posses de meus parentes, eu já nasci na forma de uma classe média. Lá na África vai chamar ele de rico, mas hoje eu estou convencido de que eles não são ricos, são classe média. Porque eu tenho oportunidade de sair, conheço várias partes do mundo, conheço a Inglaterra, conheço os Estados Unidos, conheço várias partes, mas eu posso ver que ele não são ricos não, eles são classe média, na realidade. Hoje eu me convenço disso, mas na África acham que eles são como ricos, pelo meio da sociedade em que ele está. Então, uma casa aqui parece o maior castelo, mas um castelo simples, por causa da construção dele, não é nada de moderno, mas é um lugar grande com vários quartos. Bastante rústico, mas com muro bem alto; mas são coisas que lembro, porque tem bastante quartos lá dentro. E meu pai tem um lugar onde ele fica e recebe muitas pessoas que vem cumprimentar ele, e principalmente uma pessoa que vem falar com ele sobre um assunto da cidade. Então são as coisas que eu lembro, pode se chamar lá de um castelo simples, e hoje eu chamo de simples porque eu já muitos castelos grandes e eu considero ele como uma pessoa de classe média, não é nada de rico não. Eu vejo hoje em dia, eu já sei o que é riqueza. Por isso eu posso considerar ele como uma pessoa de classe média.

P/1 – Você que já fez várias viagens, como foi sua primeira vez que saiu da África?

R – A primeira vez foi por eu ficar no meio das pessoas que viajam muito fora do país, quando fiz Bioquímica. Na África depois que a gente faz faculdade, é obrigatório você fazer o exército. Aqui no Brasil vocês fazem com dezoito anos, na Nigéria você só faz após a faculdade, quando você está formado. Quando terminei a minha formatura, na área de Bioquímica, eu fui levado para outro Estado, para servir o Governo. Então a minha primeira viagem fora da família - começou daí a minha história. E chegando naquele Estado, tipo norte da Nigéria. E não me adaptei muito, mas na realidade você vem pra ficar porque você está servindo o governo. Que o governo fez esse projeto para misturar o povo da Nigéria mesmo, porque existem muitas diferentes idiomas na Nigéria. Existe Alsa, existe uma parte que é Yorubá, e existe uma parte que é Ibo. E todos nós somos Nigéria, mas nenhum entende palavra do outro.
Eu não entendo a Alsa, por exemplo, não sei se eu vou ter que aprender, como a Alsa não entende o Yorubá, e eu não entendo parte do Ibo. Então o governo criou este esquema para misturar o povo, começando com as pessoas que são formadas.

Então, durante este esquema, consegui sair para outro Estado: mistura parte do norte da Nigéria que são Alsas, mas eu não consegui me adaptar. Porque logo em seguida, acho que no segundo mês, depois da nossa parte do exército - porque na primeira vez a gente faz uma preparação militar, onde você vai receber o caqui, o uniforme militar, o chapéu, todas estas coisas você recebe para que você se prepare como militar para desenvolver um trabalho que é para o Governo, lá - , e durante a orientação eu consegui viver melhor no meio, mas logo depois da orientação, porque todo dia você faz exercício bem rigoroso, com pessoas que são militares, que lidera a gente numa época. Após desse você vai ser levado para onde você vai trabalhar, o médico vai ser levado para o hospital, o químico vai ser levado para o hospital também, para trabalhar. Quando você faz História, você vai ser levado para um colégio para ensinar a História. Se você faz Geografia, você vai ser levado para um colégio para ensinar a Geografia. Cada um para várias áreas; e você vai ser pago pelo governo. Às vezes, a própria empresa paga para você por alguma coisa a mais, principalmente quando ela está bem estruturada, tipo alguma empresa que é multinacional. Vai receber você como estagiário e dão algum dinheiro para você. Alguma não tem condição, então você só vai depender em cima de dinheiro do governo. Mas quando tem condição, ele paga alguns outros bônus para você.

Nesse meio, eu estava numa Universidade no Norte, onde tem escola de Enfermaria e eu era um dos professores de Anatomia, na época. E depois, logo em seguida, peguei alguma coisa

que é problema de doença. Lá no Norte, as minhas costas ficaram toda inchada, e deu uma coisa como se fossem bichinhos dentro daquelas feridas, aí não conseguia dormir e aí já senti que talvez que a água ou alguma contaminação que causou todo esse problema para mim. Aí do hospital pedi para eu voltar para o sul, onde meus parentes estão. Então, na hora que eu pedi foi dado com prova de que eu não consegui me adaptar lá. Eu consegui voltar para o sul onde é o povo Yorubás, e de lá eu consegui mudar para outra empresa, e melhor.

Esta empresa é uma internacional, chama-se Instituto Tropical da Agricultura. Lá já é internacional e a maioria que está lá são os brancos: belgas, holandeses, fazendo Ciências. Como você pode melhorar o milho, o feijão na área tropical. Então, uma coisa bem grande, uma empresa muito grande, lá. E eu consegui entrar lá, então só chegando lá já recebe um bom dinheiro e vai ter uma casa. E o governo paga você e você recebe o dinheiro da empresa, e lá eu já vivia no meio de pessoas que eram estrangeiros. Lembro-me até que uma época uma chefe que chamava era da Bélgica, e nós dois já convivíamos juntos. Então minhas convivências já me estimularam sair fora do país, para tentar conhecer outras coisas, o lugar. Então, logo eu completei um ano, lá. Então, você já está liberado, você já está recebeu certificado e junto com este certificado você pode trabalhar em qualquer lugar. Mas sem certificado do militar, do governo, você não consegue serviço em lugar nenhum. Primeira coisa que ele pergunta: “Cadê o seu certificado de militar do Governo”. “Está aqui, o certificado militar”. Então, já é meio caminho para conseguir emprego.

E após isso, eu consegui perdurar no mesmo lugar, mas ao mesmo tempo eu gostaria de viajar para outro país. Aí eu pensava em viajar para a Tailândia. Mas eu estava em nossa biblioteca um dia lá, e eu vejo que eu podia estudar no Brasil, na Universidade de São Paulo, como estrangeiro, sem pagar. Eu entro no meio e acabei conseguindo. Então, eu finalmente vim aqui para o Brasil através da USP. Só que depois, eu descobri que o meu caminho era outro, que eu vou desenvolver a parte da cultura aí, acabar abandonando a parte da Bioquímica. Porque era para eu fazer o mestrado na parte da Química, e depois acabei deixando e comecei a desenvolver o lado cultural africano; porque eu descobri aqui no Brasil que brasileiro tem muito a ver com africano, e vice-versa. E está precisando de mais pessoas, o próprio indígena que pode explicar sobre isso. Aí desde aquele tempo comecei pensar na parte de desenvolver um Centro que pode fazer parte deste ensinamento.

P/1 – Eu gostaria que você contasse um pouco pra gente, que você comentou que era Yorubá, da cultura Yorubá. Como você aprendia com seus pais, como se dava essa transmissão. Você comentou que existe uma língua também. Queria que você contasse um pouco pra gente.

R – Yorubá fez grande parte da Nigéria, que, aliás, você pode ver a Nigéria como um país que multi-linguagem, que você pode ver três línguas principais: que é o Yorubá, que é o povo do Oeste, Oeste-sul, e Ibo, povo do Leste da Nigéria, e Alsa, povo do Norte da Nigéria. As três línguas são as principais do povo da Nigéria. O pessoal fala mais de 250 etnias, lá. Existem 250 etnias, porque eles têm dialetos, mas os principais dessas linguagens são os três, só. Mas por exemplo, vou falar só do Yorubá, por exemplo. Aqui no Brasil eu descobri que o Yorubá fez muito grande influência aqui no Brasil, que nossos ancestrais foram levado algumas partes de lá, por questão desta parte do Yorubá. Se você vê pelo mapa, você vai ver que o Brasil pelas águas para na Nigéria, é somente o Atlântico que dividiu os dois. Se você vê pelo mapa. Então quando foi levado o escravo, ele levava o escravo bem do lado do lago, como, por exemplo, o navio chegou a Santos, pegou o povo de Santos, São Paulo, que é mais fácil. Justamente isso aconteceu. Aí nosso povo, nossos ancestrais, de Yorubá, tem mais público aqui no Brasil; inclusive se vê a maneira como a gente se veste, até hoje, e alguma linguagem de Yorubá existe aqui. Quando você fala babá, que é pai, na realidade, são palavras Yorubá. O acarajé, por exemplo, é uma coisa: acará, na realidade é o nome da comida, jé é comer. Então, na época, o escravo que vem do Yorubá, que chega lá em Salvador, na primeira época que foi levado o escravo, nosso costume é fazer um anúncio pessoal, e você colocar as coisas na cabeça e você anuncia que você está vendendo. Por exemplo: “Eu acarajé, ohhhh”, quer dizer, vem comprar acará pra comer. E hoje em dia a pessoa só chama acarajé, mas na realidade, ele está anunciando para que o pessoal vem para comprar acará para comer. Então, aquele jé é para comer, num é que ele faz parte da palavra da comida.

Então, existem várias palavras que faz parte do cotidiano dos brasileiros que é nossa língua: Ilê, Ilê Axé, Ilê Oxum. Então existem vários lugares que você vai ver aqui no Brasil uma mania do chapéu que eles colocam, a cor, ou maneira de vestir, maneira de dançar; você vê que aquele sangue ainda continua no meio dos brasileiros. O sangue quente, a forma de dançar, você vê que fez grande parte do brasileiro. Então, não tem como você falar do Brasil hoje tirando a África fora, porque de uma forma ou outra, o afro-brasileiro, negro mesmo, ele tem muito, praticamente 50% da população. E isso me instiga, acho importante ter alguma coisa que nós próprios africanos possamos falar mais um pouquinho sobre afro-brasileiro, para conhecer mais sobre suas raízes, para que ele não seja uma pessoa sem raiz. Não sei, eu sou negro, mas não sei. Ele tem cultura brasileira, mas na realidade eles são os africanos que precisam conhecer um pouquinho dessa raiz. E isso ajuda, ajuda a elevar a autoestima dele, saber que ele tem uma origem. Às vezes alguma pessoa fala: “Eu sou italiano”, ele sente o povo; outro fala que a sua descendência é de espanhol, e ele se sente bem. Está mostrando a raiz, onde os pais dele estão. Então, independente da riqueza, ou se é pobre. Nós achamos que a pessoa que vem da África também precisa conhecer e, independente da África ser um lugar muito simples, que não é rico. Aliás, não são todos que não são ricos. Existem vários lugares na África que é muito rica, mas se a pessoa não mostrou ninguém vai saber. Se nós próprios, africanos, não mostramos como que é a África, é difícil o brasileiro saber que tem prédio lá, que tem viaduto lá, que a miséria. Por exemplo, é o quinto produtor de petróleo do mundo. Se não fala ninguém sabe. E isso é realidade. Então, na hora que você começar a associar uma coisa junto com outra, se torna mais coisa que se tem mais orgulho. Mas ele precisa saber. Para que ele tenha orgulho daquele lugar, que ele fez parte, porque se ninguém fala, ninguém vai saber. Ele vai pensar que é um lugar simples, ninguém gosta de ficar relacionando uma coisa pobre, essa é a realidade – questão social.

Aliás, quando se fala do preconceito, eu, pessoalmente, fico relacionando o preconceito com o bolso da pessoa. Se o bolso é baixo, com certeza vai ter preconceito maior. Mas se o bolso melhor, pelo menos já dá mais espaço pra ele na comunidade, independente da cor dele. Ele é um negro, mas o lugar aonde chega, você pode buscar a sua ... não é necessário ser futebol. Existem várias outras áreas que você pode buscar o seu espaço. Basta você explorar onde você é bom. Se você cantar, você canta bem, mas que eles acham que ele é um negro. Então, através disso, sabendo a sua origem, com certeza você consegue ficar contente, porque faz parte daquela origem. Somos parte do projeto, que eu, principalmente, decidi ajudar o afro-brasileiro, para eu sentir de uma forma ou outra, que eles consigam chegar até as raízes deles.

P/1 – Então, você veio para fazer um mestrado de Bioquímica e você optou por mudar esse caminho. Como que aconteceu essa mudança

R – A mudança chegou quando eu descobri que todo o lugar que eu vou, pessoas só me perguntam sobre a cultura, às vezes sobre a religiosidade. Descobri que eu falo muito mais dessa área do que a própria Química, que ninguém se interessa pela minha área. Cada vez que eu fui para algum lugar, alguns colegas, tanto branco quanto negro, me pergunta mais sobre a cultura. Descobri que vou ser mais útil nessa área do que na área Química, que eu seria mais um, que está cheio. Como eu sou aquele que quero me sentir útil para a comunidade, de uma forma ou outra, então se vou seguir a carreira dessa Química, eu vou ser mais um, mas se eu optar para promover cultura africana, talvez eu vou ser único, ou um dos dez. Se você ver hoje aqui no país, já descobri que é muito pouco você ver um africano falando sobre culturas africanas. Muito pouco. Então, eu gosto de optar por uma coisa que vou sentir que sou útil. Então, por isso que quando eu descobri que cheguei aqui, eu descobri que essa área está precisando de algumas pessoas. Aí eu mudei tudo, justamente pela razão de que vou ser mais útil falando sobre esta cultura do que quero ser Química, que eu vou ganhar dinheiro. Então optei por ser pessoa social do que ser pessoa que quero ir atrás do capitalismo. Aí muda tudo. Por isso que hoje eu falo muito mais da cultura africana, dou entrevista, dou palestra, em cima disso do que tenho falado sobre Química

P/1 – Tenho uma curiosidade: qual foi o impacto de chegar aqui no Brasil e ver coisas diferentes destes lugares que você tinha vivido?

R – É, eu consegui me adaptar, justamente pela aquela história que eu contei para você, pois eu já vivi no meio de estrangeiros antes. Isso faz com que eu consiga. A única diferença é que eu não sei falar bem português. Preciso aprender a falar português e, mesmo que existe preconceito entre algumas pessoas que vêm de fora, eu consegui me adaptar, e eu não ligo quando ouço alguma coisa que vem de uma forma que eu não gosto, tipo, uma pessoa que quando você foi discriminado, você fica nervoso, você se sente humilhado. Já não tem isso. Talvez por onde eu nasci , e onde eu nasci já me senti líder. Então mesmo que a pessoa tente reprimir você, você sempre sentiu líder. Então, talvez aquilo me ajudou, não sei, talvez meu divino me ajudou, não sei,

mas é difícil você conseguir me tirar do sério só porque eu sou negro. Muito difícil, porque eu não ligo. Porque eu sei da minha capacidade, que eu vou provar a minha capacidade, e você vai acabar gostando de mim. Talvez através deste meu pensamento eu vou mostrar minha capacidade para ele, e ele vai acabar gostando de mim. Então, eu vou mostrar a minha capacidade, minha qualidade, através da minha qualidade ele vai me aceitar. É difícil alguém fazer algo para mim que me deixa fora do sério e começo a brigar com a pessoa. Então, isso me ajuda muito. A pessoa pode até falar alguma coisa, que me ofendeu, e não sinto ofendido. Porque eu sei, na hora que eu mudo a situação a pessoa viu a minha qualidade ele vai aprender a querer ser meu amigo, ele vai querer ser meu amigo. Aí eu uso justamente essa forma para conquistar, e, muito mais coisas que hoje eu tenho no Brasil é um bom amigo. Eu consegui conquistar amigos bons. E até hoje são as pessoas que me ajudam, tipo, eu conheço vocês aqui através de um deles. Eles me defendem com maior honra.

Eles sentem que ele é tem amigo. Da mesma forma que eu sinto que eu tenho amigas e amigos. Tudo com humildade.

P/1 – Então depois que você decide trabalhar com cultura, você realmente começa a atuar.

R – Exatamente, começo a atuar, começo a juntar alguns amigos que tem uma idéia semelhante a mim, que gostaria de participar dentro dessa jornada, e todos eles correspondem muito. Alguns saem, porque é uma coisa que não dá dinheiro. Alguns saem, alguns estão junto comigo até hoje, e são coisas que a gente pode olhar para trás, e ver, tipo: poxa, foi bom! Porque a gente pode falar que tem um espaço bonito, e estou hoje lutando para que a gente consiga desenvolver este projeto numa boa.

P/1 – Queria que você falasse mais sobre o espaço e sobre o projeto.

R – Um desses espaços foi de uma arquiteta,

uma nigeriana também. Então, sou presidente, mas também sou administrador de tudo, e fico feliz em falar que foi projetado através de um africano, uma nigeriana ainda, e junto com outros colegas africanos para que a gente conseguisse ter esse espaço. E temos esse espaço. E esse espaço de três andares: o primeiro andar vai se chamar Museu e segundo andar vai ser uma biblioteca, e no último andar vai chamar uma multimídia, um espaço de multimídia, onde vai ter palestras, e justamente lá que nós vamos usar mais para o desenvolvimento de nosso próprio projeto. Enquanto a gente vai deixar a parte do museu, a parte da biblioteca, para as comunidades que gostaria de visitar a África ou algum pesquisador que quer aprofundar na parte da África, e fazer uma parceria junto com uma universidade, onde a gente possa ensinar mais sobre a parte acadêmica sobre a África. Então, também vai ter uma cozinha africana, vai ter uma cozinha onde nós vamos ensinar como cozinhar comida dos africanos. Vai ter os alunos, que uma vez por mês vão preparar algumas comidas para saborear para as comunidades, que querem saber como é que comida africana, pelo menos ter uma noção de como que é. Então, uma vez por mês a gente vai estar fazendo um happy hour no Centro Cultural para juntar os povos, com danças africanas, para que as pessoas consigam entender mais sobre mais cultura africana.

P/1 – Você comentou agora sobre o apoio de outros nigerianos, outros africanos, e também você tinha falado que tem viajado sempre pelo Brasil.

R – Isso.

P/1 – Como é que foi lá, depois que você decide trabalhar com cultura, voltar para a África e contar isso?

R – Eu começo a explicar para as pessoas lá como que o Brasil tem muitas coisas a ver com a África, como que é nosso irmão, tem bastantes pessoas que gostaria de saber sobre a cultura, e religiosidade da África; então tudo isso é que fico explicando para as pessoas lá. Mas o pessoal também gostaria de vir para cá, para ir conhecer também a parte do carnaval brasileiro, que eu falo bastante como é que o carnaval, que é muito bonito, que tem muito carro alegórico e é muito bonito, com umas mulheres bonitas que o Brasil tem para mostrar para o mundo. Que é uma maneira de divulgar o país. Tudo isso são coisas que eles sabem e querem ver. São coisas bonitas que às vezes a gente fala, eu mesmo, às vezes ouvia falar do Brasil, também lá. E mostrar que tanto afro tanto brasileiro dança, e ficar com boca aberta: “Opa, a gente pensa que eles dançam normal”. Falei: “Não, se você vê, eles têm um sangue muito parecido com a gente”. A maneira de dançar, das raças, é uma coisa séria. Então, eles adoram. Vou tentar fazer parte de um intercâmbio, trazendo alguns africanos também para cá, para vir conhecer e levar algum brasileiro também para lá, para também conhecer. Fazer essas trocas da cultura e, cada vez, aproximar os dois continentes. Porque, apesar de tudo, somos irmãos.

P/1 – Não cheguei a perguntar, você tem esposa?

R – Tenho, tenho, tenho.... Eu tenho esposa, e a esposa agora está morando aqui comigo, porque sabe que não tem como voltar toda hora, pensado no meu projeto que é mais ligado aqui no Brasil. Pretendo fazer este tipo de projeto em outro país também, mas por questão do Brasil, é um dos países com mais população negro do mundo. Ele só perde para a Nigéria, e eu decidi começar por aqui, e se é sucesso aqui, eu quero levar para outros países, mostrando a cultura africana, divulgando a cultura africana no mundo. Para que o mundo consiga receber este continente numa boa, para que o mundo pensa naquele continente com outros olhos, e dar um aspecto que ele merece para nós.

P/1 – E a vinda de sua esposa, como é que foi? Foi tranqüila?

R – Foi tranqüila, chegou aqui, e no começo é sempre difícil para adaptar, mas depois começou a adaptar e está muito bom, está gostando, está bem. Porque na África também, se você quer casar você tem que gostar do que o marido gosta. No momento que ele sabe que você não gosta do que ele gosta, aí começa um problema. Então, ela aprendeu e gostou do que eu gosto. Que é divulgando esta parte da cultura. Como se fosse um Lula, que adora ser político logo no começo, então Dona Marisa fica acompanhando ele. Então se você quer, tem que acompanhar ele, mesmo que ele ficar sonhando em uma época

- há vinte anos atrás -, para ser um presidente, e no começo você vai até chamar ele de sonhador, mas hoje ele se tornou um presidente de um país grande igual ao Brasil. Então, ele tem que sonhar e o que está ao seu lado tem que acompanhar você. No momento em que não dá para acompanhar, aí não dá certo. Então ela também sonha esse sonho comigo, igual Dona Marisa sonha com o Lula. Uma coisa, uma pessoa simples, é um operário que sonha ser presidente. Até alguma pessoa vai perguntar: “Mas você, mas como que vai ser possível? Você é um operário. Vai ficar no meio das pessoas que é elite, é educado, para ser um presidente. Você gosta de ser sonhador”. Mas hoje ele é. Então, você consegue o que você quer na vida, lutando. Sem olhar para atrás. Sem contar as dificuldades, você próprio já gera. Porque não existe nada na vida que não tenha dificuldade, mas você próprio tem que ver isso, como se fizesse parte da jornada. Você tem que tocar a bola para frente, vê como você conquista cada dificuldade. Não é você falar: “Ah,

muito difícil”. No momento em que você fala muito difícil, você já cria mais dificuldade em cima disso. Então, eu acho que ela está bem. Comprou briga junto comigo e está tudo bem.
P/2 – E como você conheceu sua esposa?
R – Ah, conhecei através de um amigo, que fazia parte de uma família dela também – um tio dele e dela. Então, ela sempre falava que o tio dela gostou de mim, alguma coisa assim. Eu pensava que era brincadeira.

Aí depois falou: “Ah, vamos, vamos tentar”¸ entendeu? Acabou dando certo. Dando certo, na África, é quando as mulheres escuta você, quando mulher faz o que você gosta. Então, para as africanas, às vezes aqui no Brasil, vai ver como machista.

Mas não é machista, é uma situação do companheiro. A gente vê isso como companheiro, quando você escuta ele, você acreditar numa parte de liderança dele. Aí você acredita nisso e você veste essa camisa, então. Ele que é o líder em tudo o que ele falar, vamos escutar. Então, é justamente desta forma que lá reage e acabou dando certo.
P/1 – Vocês tiveram filhos?
R – Três filhos.
P/1 – E como foi ser pai pela primeira vez?
R - É uma coisa bonita, eu vou esperar que vai ser uma coisa que pensa do meu jeito. Que também meu primeiro filho é um homem também, e outras duas são mulheres. Então, sempre buscar com que eles também pensem do meu jeito, tipo, lutando, e nada vai ser difícil, para não pensar em dificuldade. No momento em que você pensa em dificuldade, você já gera a dificuldade. Que nada é difícil. Tem mais maneira de lutar em busca do seu objetivo. Só acreditar no seu objetivo que você chega lá.
P/1 – O Centro Cultural ele chega para marcar uma trajetória inteira.
R – Isso.
P/1 – Então, ele é muito emblemático neste sentido. E eu queria, para quem não conheceu tanto toda a sua trajetória, você contar como foi até chegar ao Centro Cultural. Toda essa...

R – Às vezes a gente faz da forma errada, e sempre gosto de ouvir o próximo. Então, será talvez uma das maneiras que acaba ajudando muito. Mesmo acreditando na minha filha Sofia, eu sempre dou ouvido quando existe alguma pessoa que quer ajudar de uma forma ou de outra. Eu sempre presto atenção: “Sabe o que ele tem”? Ela fala: “Esse aí está dando muito certo, usando estes termos que eu escuto”. Algumas outras pessoas que eu escuto, que quer participar de uma forma ou outra. Pensado que se for a minha gente sempre melhor. Sempre dá um espaço para outro pensamento. Então isso ajuda bastante nessa parte de dificuldade e que a gente tem nesse caminho. Com dinheiro ou sem dinheiro, a gente sempre conseguiu fazer alguma coisa; e você sabe, a maioria do problema aqui de você ter o seu próprio projeto é a parte financeira. Então, isso acaba sendo mais fácil porque a maioria das pessoas que ajudam e já indica. A gente quer imprimir um convite, um indica e uma pessoa vai fazer para nós de graça. De uma forma ou outra, antes de você saber a gente já faz com o custo mínimo. Então, a maioria das coisas, por parte do dinheiro, não tem saída, sempre sai do meu bolso, mas são as coisas que eu gasto com o maior prazer. Às vezes, prefiro usar dinheiro para fazer alguma coisa para o Centro Cultural do que comprar um carro, por exemplo. Às vezes já andei a pé, gastando dinheiro que eu possa utilizar para comprar um carro para fazer eventos no Centro Cultural.

P/1 – Então, qual o seu sonho hoje, seu objetivo para o futuro, quais são as suas perspectivas?

R – O principal objetivo do futuro é que a maioria das dificuldades já foram passadas, porque felizmente a gente conseguiu aprovação do nosso projeto pelo Ministério da Cultura, que abraçou os nossos dois projetos – os dois projetos que nós colocamos foram aprovados – e até então, o fato de ser colocado no Diário Oficial.

Nessa jornada a gente se tornou um lugar que eu também posso ensinar a jornada para algumas pessoas que não sabem a maneira que pode andar. A maioria dessas formas exigem profissionais, e no meio sempre tem profissionais que dificultam bastante. Por isso que quando a gente fala para as pessoas, quando está no começo, para procurar algum profissional, aí você vai acabar facilitando a sua vida, e explica de uma forma ou outra para eles que eles entendem. E, na hora em que eles começarem, você consegue abertura de caminho.

P/1 – Você tinha me falado lá fora, e eu queria que você contasse também o projeto que você desenvolve na África.

R – Na África a gente tem, por seu um vice-rei lá, eu precisava mostrar alguma coisa para a comunidade, para ser parte da comunidade, e falar disso, já fez parte de mim também ajudando a comunidade. Então, lá, eu tenho um grupo, uma Associação que faz cadastro de pessoa que tem problema no olho, e uma vez por mês a gente contrata um médico para atender a todos eles, numa área da cidade que não é necessário no hospital. Para sair fora da situação que tem que marcar médico.

Então, uma vez por mês, o médico vai falar com estas dez pessoas. Então ele é obrigado a falar com todas estas dez. Então, outras dez virão no próximo mês. Agora, alguma coisa que é urgência mesmo, vai ser encaminhado para o hospital, e usando a nossa parte da ONG para ficar plantado no hospital, para mostrar como é importante aquele vencer. Então nossa ONG trabalha em cima da saúde do público. Eles normalmente passam muita eficiência.

P/1 – Queria te perguntar como é que foi dar esta entrevista.

R – Acho que foi uma coisa muito boa. Espero que isso aqui contribuiu de uma forma maior para o público que vai assistir e, uma coisa que, contando a minha história¸ vai contribuir de uma forma ou outra, de uma força de vontade de lutar também para o nosso público. Que também gostaria que de uma forma ou outra que contribuísse para a comunidade em geral.

P/1 – Queremos te agradecer então.

R – Obrigado