Museu da Pessoa

Trabalho com gosto

autoria: Museu da Pessoa personagem: Gervásio da Silva Freitas

Projeto História das Profissões em Extinção
Depoimento de Gervásio da Silva Freitas
Entrevistado por Cláudia Leonor e Paulo Tosetti
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 11 de outubro de 1996
Realização Museu da Pessoa
Entrevista nº 16
Transcrito por Rosália Maria Nunes Henriques


P - Para começar a entrevista diga o seu nome completo, o local e a data de nascimento.

R - Eu me chamo Gervásio da Silva Freitas, nasci no dia 23 de abril de 1929.

P - E aonde o senhor nasceu?

R - Na Barra Funda.

P - Aqui em São Paulo?

R - São Paulo.

P - E seus pais, qual o nome deles?

R - João da Silva Freitas e Melânia Torres Freitas.

P - O que o seu João fazia?

R - Ele trabalhava na prefeitura, funcionário público.

P - Mas em repartição?

R - Repartição.

P - E a sua mãe?

R - A minha mãe era dona - de - casa.

P - Qual a recordação que tem da sua casa da infância?

R - A minha infância foi uma infância difícil, as minhas irmãs trabalhando para ajudar, nós éramos em oito, as minhas irmãs que trabalhavam e ajudavam os mais novos.

P - No quê elas trabalhavam?

R - Eles trabalhavam fazendo cartonagem.

P - O que é isso?

R - Estojo, embalagem e tudo.

P - Mas era em firma que elas trabalhavam?

R - É firma.

P - Que firma era?

R - João (Scola?).

P - E o senhor trabalhava?

R - Bom, eu comecei com 13 anos. Trabalhei numa fábrica de móveis e depois aí eu trabalhei numa cartonagem também aos 14 anos e aí voltei e entrei na metalúrgica em 1946.

P - Voltando um pouquinho, o senhor estudou?

R - Eu fiz o primário só.

P - Aonde o senhor estudou, como era a sua escola?

R - É uma escola boa, Conselheiro Antônio Prado.

P - Ficava aonde?

R - Ficava na Barra Funda, na Albuquerque Lins.

P - E quem eram os seus colegas?

R - Ah, tinha muitos colegas.

P - O senhor se lembra de algum em especial?

R - Tinha uns três que jogaram, um que jogou no Rio chamava Rubens e um outro que jogou no Ipiranga, Moisés, esses aí que eu lembro.

P - Que tipo de educação recebeu lá no colégio?

R - Educação normal de uma escola primária.

P - O senhor se lembra de alguma professora?

R - Lembro, lembro de uma professora que me ajudou muito quando eu fiz o terceiro ano. Eu andava doente, ela me levou no médico e tudo.

P - O que o senhor tinha?

R - Acho que era falta de ar, bronquite, então ela levava.

P - Como ela se chamava?

R - Dona Berta, professora Berta.

P - Como era o bairro onde morava? Em que ruas o senhor passava, brincava...

R - O bairro era Barra Funda, tinha a Rua do Bosque, a Rua Boracéia, Rua Anhaguera, todas essas ruas tinha campo de futebol que era aberto, não tinha muitas casas ainda tinha as carroças de boi, em 42. Aí que tinha os bondes também, bondes que faziam o Bom Retiro, Barra Funda e Bom Retiro. O bonde fazia da Avenida Rudge até o Largo São Bento na cidade.

P - O senhor costumava pegar?

R - Pegava o bonde para ir na...

P - O senhor se lembra das brincadeiras de infância?

R - Brincadeira, você pegar o bonde, descia do bonde para o cobrador, para você não pagar o bonde que era um tostão, 200 réis.

P - Era assim mais na molecagem?

P - Tinha mais alguma molecagem que vocês faziam com o bonde?

R - Não, mais era não pagar, era o cobrador vinha de um lado, você passava parra o outro lado e até ele dar a volta você chegava no ponto onde você tinha que descer.

P - O senhor ia ao cinema?

R - Tinha cinema também.

P - Que cinema, que filme gostou? O senhor se lembra?

R - Esse seriado Flash Gordon, esses seriados que tinham, Zorro, tinha um montão desse seriados, Capitão Marvel, todos esses.

P - Em qual cinema o senhor ia?

R - Cine Lux, tinha na José Paulino.

P - Alguém levava ou ia sozinho?

R - Aí ia toda a molecada não, era matinê que a gente ia.

P - Pode descrever a casa em que morava, quantos quartos tinha, como era o seu quarto.

R - Lá em casa tinha um quarto de frente, tinha três quartos, uma salinha, cozinha e depois no fundo tinha mais outro quartinho porque nós éramos em oito naquele tempo, tinha três quartos, mais uma sala e depois mais outro quarto, um quintal grande, enorme o quintal.

P - Tinha pomar?

R - Não, isso já era tudo cimentado em torno.

P - Vocês aproveitavam o quintal?

R - Ali tinha um corredor que a gente brincava, jogava bola tudo no corredor, então pegava de um lado para o outro, corria e jogava a bola.

P - Como era a vizinhança lá, seu Gervásio?

R - A vizinhança era boa tudo, de vez em quando tinha umas brigas assim de mulher, mas só bate - boca.

P - O senhor sabe por que elas brigavam?

R - É, uma falava da outra, então saía...

P - E o pessoal ficava torcendo ali.

R - É.

P - E quais eram os costumes na vizinhança, davam festas, almoçavam um na casa do outro?

R - Não, tinha a festa da igreja, a igreja que dava festa, fazia barraquinhas e tudo. Só assim quando era São João, festas de São João e tudo.

P - Quem organizava essas festas?

R - Aí era o padre com os beatos que freqüentavam, mais assíduos na igreja, os beatos é que faziam tudo, arrecadavam dinheiro, tudo.

P - Nas festas faziam brincadeiras?

R - Eram mais prendas que eles leiloavam, as prendas e tudo.

P - Leiloavam, quem organizava esses leilões?

R - Tudo os beatos, que freqüentavam a igreja de manhã à noite.

P - Quando o senhor começou a trabalhar foi fazendo o quê?

R - Eu trabalhei na fábrica de móveis.

P - Como se chamava a fábrica?

R - Fábrica Irmãos Pina.

P - Quem arrumou o emprego para o senhor?

R - Foi um vizinho meu que arrumou, ele me levou lá e eu comecei a trabalhar e fiquei um ano só.

P - Mas ele levou por quê? Ele conhecia alguém?

R - Me levou porque a minha mãe precisava, então eu precisava ajudar em casa então...

P - Aí entrou na Fábrica Irmãos Pina?

R - É, Irmãos Pina.

P - Fazendo o quê?

R - Eu fazia entalhação. Esse tipo de móveis entalhados e tudo, então você fazia entalhe.

P - Pode descrever detalhadamente como era o serviço de entalhador?

R - Pega os pés do móvel, as molduras tudo, então faz aqueles frisos, tudo, então tinha que lixar e fazer tudo para depois envernizar.

P - Quais as ferramentas que usava?

R - Formão e lixa.

P - Quem o ensinou a trabalhar assim?

R - Foi o chefe da seção que mandava. Eu não sabia, não entendia nada de móveis e ele foi ensinando.

P - E como eram os colegas de trabalho? Eles faziam o mesmo trabalho que o senhor?

R - Diversos, um montava móveis, o outro fazia empalhação, outro lixava, outro envernizava, cada um tinha uma função.

P - E existia divisão por ajudante, quem iniciava, tem alguma divisão como em tecelagem, que é mestre e oficial?

R - Não, eu ajudava só.

P - O senhor foi registrado nessa época?

R - Não, eu tinha 13 anos nessa época.

P - Não podia ser?

R - Não, eu só fui registrado na cartonagem quando eu saí desse emprego.

P - E por que saiu da fábrica?

R - Eu saí porque ia ganhar mais no outro.

P - E como arrumou o outro trabalho na cartonagem?

R - Aí já era a minha irmã que era mestre nessa cartonagem, então eu arrumei com ela. Ela me levou para lá.

P - E o senhor se lembra quanto ia ganhar?

R - Assim, não tem. O dinheiro agora, era 1 cruzeiro e 25, parece, tinha uma base, era o salário já para menor.

P - Era comum os menores trabalharem na cartonagem?

R - Tinha, tinha muitos. Fazia 14 anos e já tirava a carteira de menor.

P - O senhor já conhecia o trabalho de cartonagem porque as suas irmãs já trabalhavam?

R - Trabalhavam.

P - Quando chegou lá o senhor já conhecia já o trabalho?

R - Tinha uma noção também já. Só que eu entrei em vez de cartonagem, elas trabalhavam com papelão e eu fui trabalhar com estojo de madeira, para jóia, esses porta-anéis, tudo essas coisas.

P - E que fazia? Tinha que cortar madeira?

R - Cortava madeira, abaulava ela, depois cortava a caixa no meio, aí forrar a caixa e tudo.

P - Do que era feito o forro da caixa?

R - De estojo era de veludo, todo ele de veludo.

P - E como variavam os tamanhos dos estojos?

R - Todos, pequenos para anel, colar, porta-carteira, toda essas coisas.

P - E tinha um selo, alguma coisa que identificasse a fábrica?

R - Como?

P - Na cartonagem, ia estampada alguma coisa na cartonagem?

R - Aí no estojo tinha o nome da firma com cetim, era tudo gravado, era veludo por dentro e punha cetim com o nome da firma.

P - E punha na caixa depois de pronta?

R - É, depois de pronta.

P - E quem lhe ensinou esse ofício, a fazer as caixas?

R - Eu sabia fazer de papelão que as minhas irmãs ensinavam, mas depois estojo de madeira não, aí foi o mestre que tinha lá que me ensinou a serrar.

P - Quando as suas irmãs ensinaram a fazer de papelão?

R - Quando elas levavam serviço para casa, que a firma mandava então fazia, eu ajudava elas fazer em casa.

P - Elas faziam em casa esse serviço?

R - Faziam, à noite.

P - Por que?

R - Para ajudar no sustento da casa, que tinha, era muita gente também.

P - Senhor Gervásio, o senhor estudava e trabalhava ao mesmo tempo ou não?

R - Não, quando eu estava no grupo, só estava no grupo e brincava.

P - O trabalho oferecia algum perigo, para a saúde, o pó da madeira, alguma coisa assim?

R - Naquele tempo ninguém usava máscara, não usava nada, hoje eles usam máscara e luva mas agora naquele tempo ninguém usava nada. A serra, o pó da serra, isso aí não tinha...

P - Chegou a ficar doente por causa disso?

R - Não.

P - Nunca teve problema?

R - Não, isso não.

P - O senhor viu lá algum acidente de trabalho?

R - Acidente de trabalho? Teve, teve já muitos.

P - Que tipos de acidente?

R - Bateu madeira no coisa então foi engessado e tudo, cortou o dedo aqui do lado. Acidentes assim.

P - Quais eram os instrumentos de trabalho na cartonagem?

R - Na cartonagem tinha serra, lixadeira e o outro era tudo manual, e cola para colar as tampas.

P - Senhor Gervásio, tinha mais homens ou mais mulheres trabalhando lá na cartonagem?

R - Mais mulheres.

P - Por quê? O senhor sabe?

R - Porque cartonagem era mais serviço de mulher, de forração, tudo isso então era mulher.

P - Em algum setor tinha mais homens?

R - A parte de homem era de estojos de madeira.

P - Especificamente essa em que o senhor estava. E como, qual que era o seu cotidiano de trabalho, a que horas acordava, a que horas ia para a fábrica...

R - Acordava às 6 horas, 6 e meia e entrava às 7 horas, porque era perto de casa. Das 7 às 11 horas.

P - Às 7 da manhã?

R - É. Ia almoçar em casa, entrava a 1 hora então saía às 5 horas da tarde.

P - Como ia e voltava?A pé mesmo?

R - Porque era perto, de casa aonde eu trabalhava dava cinco minutos, atravessava duas...

P - E as suas irmãs iam com o senhor?

R - Não, eu era o último a sair.

P - Por quê?

R - Porque as minhas irmãs saíam primeiro.

P - Quantas irmãs do senhor trabalhavam na cartonagem?

R - Duas.

P - E as outras?

R - A outra trabalhava em costura e a outra não chegou porque já tinha casado, a mais velha já tinha casado quando...

P - Senhor Gervásio, quais eram os costumes da sua família, tinha algum costume religioso alguma coisa que a sua mãe fazia questão de ter em casa, que ela preservava?

R - Costume assim não tinha nenhum.

P - De ir à missa, tinha alguma coisa assim?

R - A missa, mas não era sempre, quer dizer, minha mãe, minhas irmãs iam mas os homens quase nunca.

P - O senhor gostava de jogar futebol?

R - Jogava, gostava de futebol.

P - E como era naquela época, como o senhor jogava futebol quando era criança?

R - Era um jogo mais duro, os caras chutavam, davam pontapés, todo mundo queria. Eu joguei no Esso do Anhangüera e depois eu joguei no Carlos Gomes também, tudo clube de várzea.

P - Quando começou a jogar, como que era a bola?

R - A bola ainda era de capotão.

P - Jogou com bola de meia?

R - De meia quando era na rua assim.

P - Como vocês faziam a bola?

R - A bola, pegava a meia, enchia de papel, pano e tudo e fazia a bola de meia.

P - E como a turma se reunia para jogar bola, tinha um horário, um dia...

R - Era quatro, cinco, fazia lá um timinho e jogava.

P - Mas tinha campeonato, uniforme?

R - Aí na rua não, campeonato era no clube. Aí tinha, pegava os clubes da Barra Funda, Bom Retiro, Bairro do Limão, todos os bairros mais ou menos, pegava os clubes e fazia campeonato.

P - O seu time era bom?

R - Não tão bom.

P - E o senhor jogava de quê?

R - Lateral esquerdo.

P - O que era preiso fazer para entrar em time de várzea? Ia lá, batia na porta do clube pedindo para jogar?

R - Freqüentava, que o clube você freqüentava, aí quando, tinha sempre um time principal, saía aquele do principal e ia para o outro clube você entrava, só jogava, só quando era bom mesmo é que você jogava no principal, se o cara era ruim jogava no segundo time.

P - E como eram organizados esses campeonatos?

R - Aí tinha uma, era que nem uma federação, mas era do bairro mesmo. Pegava os diretores dos clubes, se reuniam e faziam uma tabela para o campeonato.

P - Senhor Gervásio, como se chamava a cartonagem?

R - João (Scola?).

P - Quando e por que o senhor saiu de lá?

R - Eu saí pelo mesmo motivo, para ganhar mais na metalúrgica. Foi.

P - E como arrumou esse emprego na metalúrgica?

R - Aí foi um amigo meu, ele trabalhava nessa metalúrgica e arrumou para mim.

P - E como se chamava a metalúrgica?

R - Caetano (Justi?).

P - Qual era o seu serviço lá?

R - Eu fui começar a ajudar, não conhecia nada de metalúrgica então fui ajudar, ajudava em torno, em prensa.

P - Quem ensinava, tinha algum treinamento?

R - Tinha o chefe, os donos mesmo da metalúrgica, era o pai e mais dois filhos, então eram eles mesmo que ensinavam.

P - O senhor chegou a fazer algum curso para aprender também?

R - Não, nenhum. Eles foram ensinando e a gente foi pegando porque eu não conhecia nada de prensa e de torno.

P - O que faz um torno? Pode explicar?

R - Esse torno para era para repuxar peça de alumínio, caldeirão, caçarola, tudo para artigo para hotel e restaurante que nós fazíamos.

P - E ele dá a forma para o artigo?

R - Punha o modelo no torno, repuxa e vai repuxando até formar o caldeirão em cima do modelo.

P - Chegou a fazer cantis e marmitas?

R - Fizemos cantis e marmitas para o Exército. Comecei em 45, parece que é, eu entrei em 46, mas eles já faziam desde a guerra, 42, faziam cantis e marmitas. E foi até 50 que eles faziam cantis e marmitas para o Exército.

P - E tinha algum utensílio que o senhor gostasse mais de fazer?

R - Eu gostava de trabalhar na prensa para arrebitar as peças.

P - Como é isso?

R - Arrebitar cabo de panela, alça, tudo isso, então na prensa você arrebitava tudo isso.

P - Será que o senhor consegue detalhar como é esse arrebitar?

R - Colocar, colocava as alças ou cabo da panela, então arrebitava na prensa que tinha.

P - E quem ensinava o senhor a fazer essas coisas?

R - Sempre tem um dos filhos que já aprendeu com o pai e ensinava a gente.

P - E quem eram os seus colegas de trabalho, eram homens, mulheres...

R - Não, ali era só homem que trabalhava, metalúrgica é só homem.

P - E aonde ficava a metalúrgica?

R - Começou no Bom Retiro e depois mudamos para o Brás.

P - E como fazia para ir até a metalúrgica, o senhor ia como?

R - A metalúrgica também ia a pé porque não era, era um pouquinho mais longe do que a cartonagem mas também ia a pé também.

P - E depois que ela mudou para o Brás?

R - Aí depois quando mudou para o Brás eu já morava na Vila Pompéia, aí era longe, tinha que pegar duas conduções. Ou então ia de trem, pegava o trem na Água Branca e descia no Brás, na Estação Roosevelt, ali na estação do Brás e depois ia a pé até onde eu trabalhava na Euclides da Cunha.

P - O que fazia durante o percurso do ônibus? O senhor se lembra? O senhor fazia alguma coisa especial, pensava em alguma coisa?

R - Não dava para fazer nada porque ia lotado o ônibus, você tinha que...

P - E o senhor ia sentado, ia de pé?

R - De pé, sentado. Conforme, pegava, à tarde ia de pé mesmo porque já vinha lotado o ônibus.

P - Nessa época o senhor ainda estava estudando?

R - Não, eu fiquei só dos 17 aos 18 no Senai.

P - O senhor fez curso no Senai?

R - Eu saí do...

P - Era curso de quê?

R - Era de torneiro mecânico, mas eu fiquei um ano só.

P - Por que foi fazer esse curso?

R - Eu pensei em fazer, mas no fim, a mocidade, já começa a sair e aí não ia mais na escola e acabei não completando.

P - Quantos anos tinha nessa época?

R - Eu tinha 17 para 18.

P - E aí o senhor começou a sair, aonde costumava ir?

R - Eu comecei a namorar, ir em baile, coisa, então você perde.

P - Aonde eram esses bailes, eram clubes, eram em algum bairro específico? Onde eram?

R - Era mais em clube, o Anhangüera tinha um salão, dava baile todo sábado e domingo.

P - Que músicas tocava nesses bailes?

R - Que eu gostava?

P - É.

R - Eu gostava de bolero, samba - canção.

P - O senhor dançava?

R - Dançava.

P - Com quem dançava?

R - Com as moças.

P - Eram amigas do bairro?

R - Quase tudo, mas vinham de outros bairros também.

P - E como era o namoro naquela época, como conhecia as moças como se aproximava delas?

R - Fazia um sinalzinho desse jeito. (risos)

P - Senhor Gervásio, lá na metalúrgica vocês iam almoçar juntos? Onde vocês almoçavam? Porque era longe.

R - Eu levava marmita, aí eu já levava comida de casa.

P - E quem fazia a marmita?

R - Minha esposa, primeiro a minha mãe, depois a minha esposa.

P - E tinha um lugar específico para comer lá?

R - Eles tinha um salãozinho, com mesa e com banco.

P - Tinha mais gente que comia lá?

R - Tinha, a maior parte.

P - Como era a relação com os funcionários, entre os funcionários, o ambiente?

R - Relação boa que a gente tinha. Tudo amizade.

P - O senhor participou de greves?

R - Participei duas vezes, quer dizer, uma eu fui obrigado porque eles foram na firma e chamaram o patrão, o dono da firma, aí nós fomos obrigados a sair porque a firma era pequena também, tinha aqui 15 funcionários. Agora se é uma grande entrava e fechava todas as outras, todas do sindicato.

P - E aí fechava a firma e o que vocês faziam?

R - Acompanhava os outros.

P - Para onde eles iam?

R - Iam acompanhando os outros para fechar as outras firmas que estavam trabalhando para você poder ganhar um aumento.

P - E o que o senhor achava das greves, o senhor achava que elas ajudavam, que elas atrapalhavam, o senhor gostava das greves?

R - Eu acho que ajudavam sim.

P - Por quê?

R - Ajudava porque tinha que fazer uma pressão para ter um aumento porque aí era um aumento, tinha aumento duas vezes por ano, era em maio e novembro. Depois cortaram de maio e ficou só novembro quando era dissídio que tinha.

P - Nessa época não existiam as comissões de fábrica?

R - Não.

P - Tinha alguém que representasse vocês lá?

R - Tinha um que era o mais antigo lá e era sócio do sindicato, e depois é que a gente entrou também.

P - O senhor chegou a se filiar ao sindicato?

R - Foi.

P - Conta como foi isso.

R - Eu entrei em 58 a primeira vez, depois eu saí.

P - Por quê?

R - Saí porque não dava para pagar recibo, tinha que descontar, eu ganhava pouco então eu saí. Depois em 60 eu entrei outra vez, não, em 71. Aí eu entrei e fiquei direto.

P - Costumava freqüentar o sindicato? Como era?

R - Freqüentava, também dava baile uma vez por mês ali na Rua do Carmo. Freqüentava ali o sindicato, e tem ambulatório médico, passava em médico, e os remédios eles davam, quer dizer, dão até hoje o remédio.

P - O senhor se lembra de alguma grande greve, com repercussão nacional, da qual tenha participado?

R - Acho que a maior greve que eu participei foi em 65.

P - E o que aconteceu?

R - A Cavalaria ia em cima, o pessoal ia para fechar as firmas e a Cavalaria ia em cima, os guardas davam lá com os cassetetes e era obrigado a abrir todo mundo.

P - Senhor Gervásio, essa greve surtiu efeito?

R - Em parte sim, porque alcançamos um ótimo, mais salário, um aumento de salário.

P - O senhor trabalhou lá na metalúrgica até quando mais ou menos?

R - Eu entrei em 46 e trabalhei até 79, quando aposentei.

P - Em 79 é que o senhor se aposentou?

R - Depois eu fiquei até 84, depois de aposentar.

P - Na mesma firma?

R - Na mesma firma.

P - Ita, é que sechamava?

R - Alumínios Ita, e aí morreu o dono, ficou para os filhos, depois os filhos saíram os dois, saíram, montaram outra firma, ficou com a filha dele e o genro que tomaram conta até eles acabarem com a indústria.

P - Eles venderam?

R - Venderam não, foram à falência. Acabaram com a indústria.

P - Quando foi isso?

R - Começou, a firma começou em 30, 79 que eu aposentei, aí ficou o genro e a filha tomando conta. Em 80, aí eu já tinha aposentado mas continuei. De 79 a 80 eu trabalhei sem registrar aí depois em 81 eu registrei outra vez e até 84 eu quando saí porque a firma atrasava em pagamento e tudo, trabalhava mais gente, em cima no escritório dos que trabalhavam embaixo, genro, filho, a filha do dono, os filhos, estavam tudo no escritório e quem trabalhava era pouco e o dinheiro não dava. Começou a atrasar eu peguei e saí.

P - Como era a chefia da empresa, como era a relação com os funcionários desde o seu começo?

R - Saiu tudo, o mais velho fiquei eu.

P - E antes, quando começou lá na empresa, como era?

R - Era o dono mesmo que trabalhava, os dois filhos tudo, eles trabalhavam no escritório e trabalhavam na firma também.

P - Como era a relação com os funcionários?

R - Era muito boa.

P - Eles respeitavam?

R - Agora quando entrou o genro dele lá acabou com a firma.

P - E ela foi vendida, senhor Gervásio?

R - Eles venderam todas as máquinas e o prédio ainda está lá para vender, as máquinas venderam.

P - O senhor tirava férias regularmente, tinha férias?

R - A maior parte das minhas férias eu tirava mais trabalhando, pegava o dinheiro e continuava trabalhando.

P - Por que fazia isso?

R - O dinheiro precisava, então ganhava as férias e trabalhava.

P - Tinha 13º, tudo certo?

R - O 13º, antigamente não tinha o 13º. Então a firma dava um abono, um prêmio no fim do ano e teve um ano eles reclamaram que eles deram pouco e no ano seguinte não deram para ninguém. Aí nós fomos no sindicato, que a firma estava acostumada a dar prêmio e tudo, então não podia, tinha que continuar dando, então o sindicato veio e obrigou eles a dar. Aí eles passaram a dar, então ao invés de darem no final de ano deram na Páscoa e no ano seguinte aí começou o 13º. Aí eles foram obrigados a dar o prêmio por causa do sindicato.

P - E o que fazia com o dinheiro do 13º?

R - Não dava nem para ver ele, brinquedo, coisa, fim de ano, você tinha que comprar, quando ia ver o dinheiro já tinha acabado, aí você precisava tirar vale.

P - De rebitador o senhor passou a repuxador?

R - Era rebitador na prensa, estampar na prensa, repuxar, fazia tudo, quando precisava saía de um lugar e pegava outro.

P - Era como se fosse um curinga?

R - Quase todos, os mais velhos é que faziam isso.

P - Os mais velhos, os mais experientes.

R - Era poucos empregados então eles não queriam pagar então você era obrigado a fazer, a revezar.

P - E o senhor recebia por semana, mensal?

R - Era por quinzena, recebia no dia 5 e no dia 20.

P - Recebia por produção ou independente dela?

R - Não, por hora.

P - E como eram computadas essas horas, quem contava, marcava como?

R - Você entrava de manhã, entrava e marcava no livro lá, punha o nome lá e marcava, a saída, a entrada.

P - Você mesmo marcava?

R - Não, o dono. Depois aí é que colocaram, aí depois de um certo tempo aí tinha o relógio já, o cartão você mesmo marcava.

P - Quando chegou o relógio lá o senhor gostou, não gostou, o que o senhor sentiu?

R - Acho que bom, o relógio foi bom, você mesmo marcava a coisa, se chegava atrasado você descontava.

P - Não precisava ver a cara do patrão.

R - É. Não precisava ele estar lá marcando, chegava, marcava e pronto.

P - Senhor Gervásio, existia uma linha de produção lá?

R - A linha de produção é mais peça grande, que era para restaurante, hotel, essas lanchonetes.

P - Que tipo de peça era para esses lugares?

R - Era tudo caldeirão grande, 50 por 50, 45 por 45, assadeiras.

P - E no caso dessas peças grandes como funcionava a linha de produção, quem fazia o quê?

R - Um cortava o disco, o outro punha no torno e repuxava, depois ia para rebitar as alças.

P - E que materiais que vocês usavam?

R - Só alumínio, tudo alumínio.

P - Como conheceu sua esposa?

R - Eu conheci num baile também.

P - Aonde? Conta um pouquinho para gente.

R - Um baile ali da sociedade.

P - E vocês namoraram muito tempo?

R - Dois anos parece.

P - E como vocês casaram? Quando, como é que foi isso?

R - Em 1953.

P - Aonde é que foi a cerimônia?

R - Nas Perdizes.

P - E o senhor tem filhos?

R - Tenho três filhos.

P - Como eles se chamam? O que eles fazem?

R - Tenho duas filhas e um filho.

P - O que eles fazem?

R - Uma é dona -de - casa, a mais velha.

P - Como ela se chama?

R - Marli. A outra é Marlene, ela trabalha na prefeitura, no Recursos Humanos, trabalha na Pedro Taques, não é mais. E o outro filho trabalha no Fórum, é chefe de seção no Fórum.

P - E eles chegaram a fazer faculdade?

R - O meu filho, e a mais nova, Marlene.

P - Eles são casados?

R - Só o meu filho e a filha mais nova, uma é solteira.

P - O senhor tem netos?

R - Seis netos.

P - O senhor sai com eles, quando vocês se encontram?

R - De vez em quando eu saio com o mais velho que tem 18 anos, acompanho, ele vai jogar bola então eu acompanho ele.

P - Senhor Gervásio, o que é que mais mudou na sua profissão comparando com os dias de hoje.O senhor tem tido contato com as coisas como eram, e como estão hoje, como repuxador? Se tem máquinas mais poderosas, mais avançadas?

R - Completamente diferente as máquinas, então tem maquinário, para você pegar na lixadeira, tem máscara, tem luva eu trabalhava sem isso tudo, sem máscara, sem nada. Hoje o maquinário é moderno, tem muita, eles estão nem precisando de mão-de-obra.

P - Por que acha que acontece isso?

R - Acontece é que os empregados vão ficando sem emprego, o desemprego que está aí.

P - Quando começou a perceber que essas coisas foram mudando? Teve algum dia que o senhor viu uma máquina nova e que percebeu isso?

R - Ah, isso já vem mudando desde 70 mais ou menos, 70 foi indo, foi indo. As indústrias maiores foram se modernizando e as pequenas então continuaram com os maquinário velho e foi perdendo.

P - E o que acha que foi acontecendo na Ita nesse sentido?

R - Como assim?

P - Ela foi se modernizando ou perdeu espaço?

R - As pequenas foram perdendo espaço.

P - A Ita era pequena?

R - Era um firma que tinha 15 empregados. E fora os donos, os novos donos foram tirando dinheiro até acabar com a indústria.

P - E dentro da Ita quando senhor trabalhava teve alguma modernização?

R - Não.

P - Era sempre o mesmo maquinário?

R - Era sempre, continuou sempre o mesmo maquinário, não modernizaram nada então. Não modernizaram e tiraram.

P - Será que foi por isso que fechou?

R - Em parte foi, acabaram com a indústria.

P - Conhece alguma metalúrgica que produz hoje alguma coisa que a Ita produzia?

R - O dois filhos ainda tem, eles tem uma indústria no Ipiranga, continuam fazendo.

P - Senhor Gervásio, o senhor teve participação sindical? Como foi...

R - Sindical sempre foi a sociedade, você entrar, freqüentar assim bailes só, ou ia departamento médico, se você tivesse uma gripe e coisa.

P - E a parte de política o senhor participou de alguma coisa?

R - Não. Política não.

P - Militante de alguma coisa?

R - Não, eu nunca participei. Só que eu não participei mas era janista, sempre votei no Jânio desde vereador e até quando ele chegou presidente e jogaram para baixo.

P - Do que o senhor gostava no Jânio?

R - A autenticidade dele.

P - Era isso que ele representava?

R - Eu acho que ele era um grande político.

P - E os seus colegas, o que eles achavam do Jânio?

R - Tinham muitos que era contra, a maior parte era adhemarista.

P - E o senhor se aposentou em 70?

R - Em 79.

P - Por que se aposentou?

R - Eu já tinha completado 35 anos e seis meses. Antes eu peguei o abono, quando eu completei 30 anos aí eu peguei o abono para 20%, até os 35 quando eu aposentei.

P - E por senhor continuou trabalhando?

R - Era mais um dinheiro extra, agora que eu quero trabalhar não tenho lugar. Depois que saí ainda peguei, aí comecei a fazer eu e a minha patroa bijuteria.

P - Aonde?

R - Em casa. Pegava serviço, aí a bijuteria fechou, acabou, isso eu não contei para você.

P - Com quem o senhor mora atualmente? E aonde?

R - Eu moro na Moóca, moro eu e a minha patroa e a minha filha solteira.

P - E qual é sua a rotina hoje, o que o senhor faz, a que horas acorda?

R - Agora, acordo às 8 horas, vou fazer compras no mercado, vou ler e coisa, volto para casa, almoço, assisto a um filme, vou dar uma volta, vou à casa do meu filho, da minha filha às vezes à noite.

P - Senhor. Gervásio, tinha alguma profissão que queria que os seus filhos seguissem?

R - Eu gostaria que ele fosse médico.

P - Chegou a aconselhar, alguém seguiu esse conselho?

R - Ele começou no escritório de office-boy, ficou lá. E depois foi para um escritório de contador e aí ele prestou concurso no Estado para escrevente e foi indo, ele agora é chefe de seção, fez a faculdade e tudo mais. Fez a faculdade depois de casado ainda. Casou novo também, casou com 19 anos.

P - Senhor Gervásio, o que mais mudou no mundo desde quando era criança? O que o senhor acha que mais mudou até hoje?

R - Mudou tudo, completamente.

P - O que mais sente falta daquele tempo?

R - De antigamente não sinto nada.

P - Por quê?

R - Porque foi uma infância muito difícil para trabalho e tudo. Melhorou muito depois.

P - Se o senhor fosse mudar alguma coisa na sua vida o que mudaria?

R - Na minha? Eu queria ter muito dinheiro para viajar, para passear mas não consigo.

P - Esse é o seu sonho?

R - Sempre tive um sonho de viajar. E uma casa na praia que eu também não consegui. Praia, eu gosto de praia.

P - E viajar, o senhor viajaria para onde?

R - Eu gostaria de conhecer o Brasil mesmo, os estados do Brasil.

P - O que mais atrai no senhor para viajar?

R - Outra coisa de vida dos outros estados.

P - Quer falar mais alguma coisa, Paulo? Fazer mais alguma pergunta?

P - O senhor tem mais alguma coisa aqui para declarar?

R - Não, não tenho. Já está molhando

P - Está na hora de acabar. Então, senhor Gervásio, agradeço a sua atenção, a entrevista que nos deu para registrar um pouquinho da sua história de vida e de trabalho. Obrigada.

R - Obrigado por tudo, por escutarem a minha história.

P - A gente é que agradece.