Museu da Pessoa

Todos somos políticos

autoria: Museu da Pessoa personagem: Adriana de Carvalho Barbosa Ramos

Memória da Convenção da Diversidade Biológica
Depoimento de Adriana de Carvalho Barbosa Ramos.
Entrevistada por Stela Tredice e Carolina Ruy
São Paulo, 27 de Abril de 2006
BIO_HV019
Transcrito por Denise Yonamine
Revisado por Carolina Ruy e Teresa de Carvalho Magalhães

P/1 - Qual o seu nome completo?

R - Adriana de Carvalho Barbosa Ramos.

P/1 - Qual o local e data de nascimento?

R - Eu nasci no Rio de Janeiro em 22 de Maio de 1967.

P/1 - Qual o nome dos seus pais?

R - Meu pai é Fábio Sampaio Viana Ramos e minha mãe Sonia Nadia de Carvalho Barbosa Ramos.

P/1 - Qual a atividade deles?

R - Meu pai trabalhou no comércio, foi uma pessoa que nunca teve uma profissão muito definida, mas no geral ele trabalhou no comércio muito tempo e a minha mãe é professora de literatura e trabalha até hoje apesar de aposentada, ainda dá aula.

P/1 - Você tem irmãos?

R - Tenho. Eu sou a mais nova de um grupo de seis, são dois homens e mais três mulheres.

P/1 - O que eles fazem?

R - Bom, o meu irmão mais velho trabalha atualmente numa empresa multinacional que desenvolve diversas atividades de alto impacto ambiental, eu tenho um irmão que é zootécnico, uma irmã é engenheira, uma outra enfermeira e uma outra que trabalha como secretária. Um grupo diverso.

P/1 - Falando sobre a sua infância como era o bairro em que você morava, o bairro e a rua?

R - Bom eu moro num bairro muito famoso. Eu morava num bairro que é o Leblon, era muito famoso e conhecido pelas novelas da Globo e muito perto da praia, então a minha vida era uma vida muito ali dentro do bairro, escola, tudo no mesmo lugar e muito na praia, quer dizer, toda a parte de lazer da família era toda na praia do Leblon.

P/1 - Quais eram as brincadeiras quando você era criança?

R - Ah, enfim, a gente brincava, jogava muita bola, eu sempre fui a mais nova das turmas que eu estudava e tal, então na verdade eu tinha uma certa defasagem em termos de tamanho físico com as outras crianças, então minhas habilidades para as brincadeiras das crianças da mesma idade eram mais difíceis dessas brincadeiras de rua, mas a gente andava de skate, jogava bola, né, pegava muita onda na praia, pegava jacaré, mas brincava muito de boneca também dentro de casa, gostava de ver televisão.

P/1 - E como que você começou os seus estudos, escola normal?

R - Então, eu estudava numa escola pública perto da minha casa, escola pública de referência na época muito boa, fiz o primeiro grau lá, depois eu fiz o segundo grau no Rio ainda, no colégio Maria Soares e no Oceon, e aí eu fui para faculdade de comunicação já com 16 anos e fiz a faculdade de comunicação, na verdade depois eu nunca mais voltei a estudar e trabalhei pouco tempo nessa área de comunicação até entrar mais na área ambiental mesmo.

P/1 - E o seu período escolar antes da universidade tem algumas lembranças que te marcaram?

R - Difícil dizer, eu nunca fui uma aluna muito organizada, muito aplicada, mas sempre tive uma certa facilidade, então eu passava pela escola assim meio rapidamente… Eu acho que o que mais me marcou foi que durante um tempo eu tive essa dificuldade, eu entrei um ano mais nova do que o normal, então eu tinha uma diferença muito grande para a turma. Porque quando você tem sete, oito anos, um ano faz a maior diferença, né, e isso era uma coisa muito forte, quer dizer eu fui tentando tirar essa diferença pela coisa do estudo mesmo, e na época o colégio público era de muita boa qualidade, então a gente tinha uma escola com muita rigidez formal também, uma época em que a gente cantava o hino nacional, tinha que usar a saia na altura do joelho, enfim, então o período escolar foi muito marcado por essas formalidades, né, pela disciplina.

P/1 - E nessa época teve alguma coisa que te despertou interesse pela questão ambiental?

R - O que me despertava interesse, que tinha mais a ver com a questão ambiental nessa época, era mesmo essa convivência com o espaço natural da praia, que eu já tinha uma certa preocupação com a questão limpeza, né, isso era uma coisa que despertava e tinha muito gosto por passeios ao ar livre, mas na minha família essa não era uma questão tratada, nunca foi uma coisa despertada e na época na escola isso também não era, a questão ambiental ainda não era uma questão assim tratada nas escolas, então, não me lembro muito disso, dessa época.

P/1 - Qual foi seu primeiro trabalho?

R - Meu primeiro trabalho foi como digitadora de textos para um guia de turismo, na época logo que eu entrei na faculdade, na verdade eu já dava aula particular pra criança na época do segundo grau que era como eu, digamos, conseguia o dinheiro da passagem, e depois logo que eu entrei na faculdade eu arranjei esse trabalho que era como se fosse um estágio, né, que era de digitação de textos em português e inglês para um guia de turismo eletrônico.

P/1 - Então só para entender Adriana, você, fez a faculdade de comunicação e depois como é que você entrou, como é que você foi trabalhar com essa questão socioambiental?

R - Então, na faculdade de comunicação, quando eu terminei a faculdade de comunicação eu trabalhava com produção cultural, com organização de shows, principalmente no Rio, com produção de algumas bandas de rock. Aí, eu casei com esse meu marido, casei e ele era um topólogo, foi dar aula na universidade do Amazonas, então nós nos mudamos para o Amazonas, e aí em Manaus eu comecei a trabalhar nessa área de organização de shows e eventos e trabalhei durante dois anos com isso de 1990 a 1992 e aí, em 1992 alguns amigos que eu já conhecia do Rio e que reencontrei em Manaus e que trabalhavam na Fundação Vitória Amazônica, que era uma organização conservacionista, me chamaram pra ir trabalhar com eles. A idéia inicial era que eu trabalhasse na área de comunicação da fundação e eu fui então porque achei que era uma coisa diferente, eu estava já muito cansada de trabalhar com produção, com eventos, que era uma coisa bastante desgastante, e fui lá pra ajudar a tentar estruturar essa área de comunicação da fundação. Quando eu cheguei lá a fundação estava formalizando o primeiro convênio para a gestão de uma unidade de conservação em parceria com o Ibama e como qualquer ong, assim, lá todo mundo que entra tem que fazer de tudo um pouco, né, então como eu era uma das poucas pessoas que estava chegando, que ainda tinha tempo para fazer algumas coisas, eu acabei assumindo a administração deste convênio e acabei enveredando um pouco para esse trabalho de relações institucionais, de gestão de projetos e tal.

P/1 -

E teve alguma experiência que te marcou com essa mudança, saindo do Rio e indo para Manaus?

R - Bom, acho que marcou a minha vida... Pro resto da vida. Eu acho que nenhum carioca acha que é preciso sair do Rio pra ser feliz, né, o Rio de Janeiro é aquela cidade que todo mundo acha que é a cidade maravilhosa mesmo, então você não imagina que vai sair dali… E eu também saí por circunstâncias pessoais não eram o meu desejo e foi no primeiro momento muito difícil, porque foi uma mudança muito radical, né. Eu morava num bairro de classe média alta no Rio, tinha vivido na praia a vida inteira, tinha estudado em Ipanema, quer dizer, eu tinha uma visão muito restrita do mundo da zona sul carioca e fui para uma cidade, que é uma cidade muito cosmopolita que é Manaus, porque é uma cidade que recebe gente do mundo inteiro, mas que é uma ilha no meio da floresta. E uma cidade que naquela época inclusive, acho que vivia uma situação de mais conflito do que hoje, com essa questão ambiental, que as pessoas tinham uma expectativa de uma cidade, de desenvolver uma cidade uma grande metrópole com as limitações de estar numa região em que isso se torna um grande problema. Então no início, enfim foi um choque geral, um choque de não achar manteiga gelada no supermercado, não conseguir encontrar as coisas básicas que você estava acostumada e ao mesmo tempo um choque positivo de conhecer uma diversidade que o Brasil tem e me dar conta de que o mundo e o país eram muito mais amplos e diferentes do que aquilo que eu tinha vivido até então, então foi um marco assim na minha vida totalmente.

P/1 - Você acha que graças a essa experiência que você enveredou por esse caminho, essa trajetória profissional?

R - Isso, isso me marcou muito, porque como eu trabalhava nessa área de produção cultural era uma coisa que era muito voltada, para um público muito seleto, muito pequeno, muito segmentado, ao mudar para Manaus eu me dei conta de que você tinha uma diversidade muito maior de pessoas que mereciam atenção e inclusão por diversos fatores, até pela questão cultural e que o trabalho que eu fazia com o tipo de empresa que eu trabalhava, com o tipo de show que a gente produzia não permitia, né, então era muito curioso. Teve uma experiência muito interessante: a gente organizou um show no teatro Amazonas e era muito caro, então a estratégia de comunicação, de divulgação do show Do Paco de Lucia era uma coisa de “telemarketing” direto, na verdade naquela época nem existia telemarketing, era telefone mesmo que a gente pegava e ligava para as pessoas de classe média alta da cidade para vender o ingresso. As pessoas atendiam o telefone e não tinham a menor idéia de quem era o Paco de Lucia, nem nada, elas perguntavam assim: “Ah fulano não vai?” Tipo saia ai e botava no jornal, na coluna social que fulano, beltrano, cicrano tinham comprado o ingresso e aquilo movimentava, ao mesmo tempo você via os estudantes, as pessoas com menos recursos entrando na produtora pedindo pra comprar ingresso e saindo sem o ingresso porque era muito caro, então isso pra mim foi um marco também, ter essa idéia de que o país era muito mais amplo, tinha muito mais diversidade e riqueza eu comecei a achar que meu trabalho estava muito limitado a um grupo beneficiário muito pequeno, e isso passou a me incomodar um pouco, então comecei a ter vontade mesmo de fazer alguma outra coisa que me desse uma satisfação pessoal maior. Como meu marido trabalhava com a questão indígena, então essa era uma realidade que eu estava vivenciando e aí a oportunidade, quando surgiu essa oportunidade, aí eu aproveitei para dar uma guinada geral assim.

P/1 - E como foi que você foi trabalhar no Instituto Socioambiental?

R - Bom aí eu fiquei dois anos em Manaus ainda trabalhando na fundação Vitória Amazônica e depois desse tempo meu marido fez um concurso para Brasília, para a Universidade de Brasília. A princípio a gente não queria se mudar, mas a idéia era que ele iria fazer o concurso para ter uma idéia de como é que estava a possibilidade dele conseguir uma vaga numa universidade mais central, ele acabou passando e a gente não teve opção, por medo de depois não ter uma outra oportunidade como essa, embora a gente gostasse muito de Manaus e estivesse muito envolvido com o trabalho lá, a família era toda do Rio, tinha uma pressão muito grande pra gente ir mais para perto, então ele acabou aceitando a vaga em Brasília. Nós nos mudamos, foi mais ou menos na mesma época que o ISA tinha sido fundado, em 1994, eu cheguei em Brasília minha filha tinha um mês de idade, então eu fiquei uns seis meses sem trabalhar e depois comecei a procurar algumas pessoas conhecidas para tentar pensar que caminho eu podia tomar em termos de trabalho. E nessa ocasião nós éramos amigos de muito anos de alguns dos fundadores do ISA, o Sérgio Leitão e a Valéria Araújo, que a gente conhecia já de bastante tempo e eles então nos apresentaram para outra pessoas do ISA, Márcio Santilli, e quando o ISA foi contratar uma pessoa

para assessorar o Marcio no programa de políticas públicas eles me chamaram para um entrevista e eu fui para lá. Eu acho que sou uma das primeiras funcionárias do ISA, porque foi quando o ISA começou a funcionar como Instituição Socioambiental com a equipe que veio das outras instituições, das primeiras pessoas contratadas pelo ISA acho que fui eu.

P/1 - E hoje qual a sua função lá?

R - Hoje eu sou coordenadora do programa de política e direito socioambiental e sou membro do conselho diretor do ISA, fui admitida na assembléia, convidada também para ser sócia da instituição e hoje sou membro do conselho diretor.

P/1 - Voltando um pouco no tempo, queria voltar para o ano de 1992 mais especificamente para Rio 92, eu queria saber qual foi a sua participação?

R - Então eu não estive na Rio 92, a Rio 92 aconteceu e eu estava em Manaus e eu fui apenas uma leitora de jornal, né, uma pessoa interessada bem distanciada, ainda com um interesse muito preliminar, porque eu não estava envolvida com essas questões, mais o fato de estar em Manaus, especialmente, as reações que lá aconteceram em relação a ECO-92 chamaram muito a atenção, então a gente, eu fui na verdade uma observadora distanciada, né, dessa conferência.

P/1 - Como é que você vê, quais suas impressões, quais os resultados a partir da ECO-92 para o cenário mundial e nacional?

R - Ah, eu acho que a ECO-92 foi um marco, né, acho que mundialmente, mas no Brasil especialmente, eu acho que ela marca a popularização de uma certa forma da temática ambiental, né, e o reconhecimento disso como uma questão importante, porque inclusive em Manaus isso ficava muito claro, porque havia uma resistência muito grande, né, dos governos locais e regionais na Amazônia nessa preocupação de que estava o mundo intervindo e dando opiniões sobre o futuro da Amazônia, então as reações lá eram muito negativas, eram muito receosas do que viria de resultado da ECO-92 e eu acho que foi importante por isso, porque disseminou a informação das preocupações com a questão ambiental, estabeleceu marcos que são fundamentais até hoje para o andamento de todas as políticas nacionais, né, as convenções e com todas as dificuldades de implementação concreta de algumas coisas, nunca mais se tratou de qualquer assunto em relação a qualquer política, qualquer investimento sem que se tivesse que considerar a questão ambiental. Eu acho que isso é super importante especialmente para a Amazônia, eu acho que a ECO-92 foi fundamental porque, talvez, se não tivesse acontecido no Brasil não teria sido uma coisa tão reconhecida, né, não teria sido, tido o impacto que teve e os programas, especialmente o programa piloto que veio depois, se consolidou depois da ECO-92 que foi fundamental para mudar a perspectiva que o Brasil tinha da Amazônia.

P/1 - Para você especificamente, o que você acha de importante nas duas convenções, qual a importância dessas convenções servirem como um documento de consulta mesmo de certas ações, tanto a de diversidade biológicas quanto à de mudanças climáticas?

R - A principal questão é exatamente o reconhecimento do problema, da necessidade de se lidar com essas questões de uma forma responsável, né, e a idéia de que você estabelece um compromisso internacional de que os países têm um marco básico que eles precisam seguir. Eu acho que durante muitos anos essas convenções conseguiram avanços reais tanto nos textos das convenções quanto nas legislações nacionais e agora eu acho que isso é uma coisa cíclica, existem momentos que isso foi mais forte e momentos em que isso enfraquece um pouco, né, mais recentemente, mas acho que a convenção de biodiversidade, ela, especialmente no Brasil, ela definiu compromissos concretos na definição de algumas leis, na realização de certos estudos e definição de algumas políticas claras que o governo foi obrigado a desenvolver e ao envolver outros segmentos, no estabelecimento de um certo padrão de correção que ficou mais difícil para certos setores, especialmente da indústria, né, de atuarem de qualquer jeito como eles quisessem. Quer dizer, hoje você tem uma coisa do ser ambientalmente correto que força certas posturas que tem aos pouquinhos contribuído para uma mudança de cultura que é fundamental para a gente conseguir algum resultado no final da história. Então acho que são coisas bem gerais, não tem coisas muito específicas para todos os níveis, para todos os setores, mas de qualquer maneira é um passo fundamental para você poder exigir certas coisas, então em algumas áreas a gente avançou, eu acho que na parte de biodiversidade, em relação a áreas protegidas, em relação a proteção do patrimônio genético a gente conseguiu avançar com legislações, com programas claros e tal. Na parte climática eu acho que avançamos no Brasil em algumas coisas, você tem, programas, por exemplo, de controle de poluição veicular que certamente, provavelmente, não aconteceriam se você não tivesse um arcabouço internacional que forçasse o país a se adequar, né, e acho que talvez essa seja a maior força, porque quando é uma coisa, no nível local os interesses estão muito próximos, eles acabam não equacionando o problema, então a força que vem da pressão externa, é importante, mas acho que a convenção para o Brasil, ela ainda não resultou no melhor de si, né, ela ainda não enfrentou a principal questão para o Brasil, que é a questão climática, a questão do desmatamento, que a gente espera que ela venha a enfrentar agora, pelo menos na última reunião ela assumiu isso como um problema então.

P/1 - Você participou de alguma conferência, de algumas reuniões?

R - Não, das reuniões internacionais eu só participei da Rio+10, que foi em Joanesburgo, e agora, recentemente dessa última reunião da Convenção. Lá no ISA a gente sempre teve uma equipe grande, então sempre tiveram várias outras pessoas que participaram de outras reuniões da Conferência, embora a gente acompanhasse por aqui, mas eu tenho acompanhado mais a regulamentação no Brasil dos compromissos firmados nas convenções internacionais, né?

P/1 - E você acha que esses compromissos estão sendo cumpridos, e as diretrizes?

R - Então, eu acho que os compromissos iniciais que foram estabelecidos, eles tiveram um bom cumprimento até agora, acho que o Brasil se comprometeu com a instituição de sistemas de áreas protegidas nessa legislação de proteção de patrimônio genético, com as questões relacionadas com as espécies ameaçadas de extinção, no âmbito da CDB eu acho que no Brasil a gente pode dizer que nós avançamos muito, mas digamos que nós chegamos num momento em que os impasses, todas as questões mais delicadas, elas agora estão na mesa. A gente foi avançando naquilo que era possível, onde você tinha mais espaço de manobra e a gente está chegando naquela situação de sinuca, em que as questões mais essenciais e mais polêmicas estão em jogo, e aí que eu acho que a coisa vai ser mais complicada, mas eu acho que o Brasil, especialmente, o Brasil conseguiu avançar bastante em relação ao cumprimento dos seus, das suas obrigações.

P/1 - E para você como o Brasil tem desempenhado o papel nas negociações internacionais, tanto as relacionadas às questões de meio ambiente, quanto a de desenvolvimento sustentável?

R - Bom, internacionalmente o Brasil tem sempre uma posição muito avançada, né, inclusive um dos problemas que a gente tem é esse, que muitas vezes aquilo que ele defende no âmbito da convenção não é necessariamente aquilo que o governo deixa acontecer no nível nacional. No caso da convenção de biodiversidade e de clima que o Brasil sempre teve uma posição de liderança, eu acho que sempre teve uma atuação muito positiva do ponto de vista da diplomacia, inclusive os próprios diplomatas dizem, né, que é ótimo ser brasileiro na convenção da biodiversidade, porque se na OMC ninguém dá a mínima pra você, na CDB o Brasil manda, né, ele tem esse poder. No caso da convenção de clima eu acho que foi mais complicado, porque a orientação do governo brasileiro na convenção de clima sempre foi uma orientação muito segmentada, muito parcial, que não enfrentava todos os problemas, e talvez por isso tenha feito com que a convenção de clima, para o Brasil não tenha redundado em aspectos tão positivos, porque a própria orientação política da participação brasileira, embora de liderança, a proposição do mecanismo do movimento limpo, quer dizer, o Brasil sempre assumiu uma posição de liderança, mas nunca assumiu as suas próprias responsabilidades, os seus próprios problemas, então eu acho que isso foi uma coisa problemática, mas na convenção de biodiversidade eu acho que o Brasil tem uma atuação bastante positiva, se internamente a gente cumprisse, né, tudo que a gente defende externamente a gente já teria uma legislação nacional mais avançada.

P/1 - E o fato dos EUA não assinar o protocolo das convenções, qual a sua opinião a respeito?

R - Bom, eu acho que o Greenpeace tem uma camiseta que eles usam nas reuniões internacionais que diz assim: “O que fazer com os EUA?”. E eu acho que é isso, acho que os EUA não respeitam as nações em geral e não respeitam as Nações Unidas, o não assinar os acordos é apenas um exemplo né, tem outros mais recentes que acho até que são mais graves e acho que os outros países precisam avançar pra fazer os EUA obsoletos nessas convenções, acho que o maior problema disso é o não assumir que não quer assinar a convenção, porque ele não assina a convenção, mas ele manda, porque é ele que põe o dinheiro. Por exemplo, na convenção de biodiversidade ele é o maior doador do GEF, então ele manda, e ele usa delegados de outros países para defenderem suas posições, uma vez que ele como não é signatário não pode falar, né, e eu acho isso uma posição inaceitável, quer dizer, eu espero que o que a gente consiga avançar no caso do Protocolo de Kyoto no sentido de fato implementar o Protocolo sem os EUA, porque não dá para você fazer uma governança mundial com quem não quer, quem quer mandar, mas não quer se comprometer, é absolutamente lamentável. A gente conseguir fazer as coisas andarem apesar deles, eu acho que seria muito positivo a gente não pode se deixar paralisar por essa postura que é absolutamente imatura, inconsequente, desrespeitosa com o resto dos países, enfim, nessa questão e em várias outras.

P/1 - E para você qual a relação entre política e meio ambiente?

R - Bom pra mim é tudo né, não só porque é exatamente o que eu trabalho, mas acho que qualquer decisão política que você toma, qualquer ação política ela gera algum tipo de efeito, algum tipo de impacto no meio ambiente, né, seja positiva, seja negativa, assim como qualquer ação humana, qualquer ação nossa no dia a dia tem uma interação com o meio ambiente, mesmo que isso não seja uma coisa evidente. No caso da política também, e talvez essa seja a maior dificuldade, seja fazer as pessoas que operam política, as mais diversas compreenderem isso, né, que muitas vezes ao votar o orçamento relacionado a uma área, sei lá, de comunicação, de tecnologia, uma coisa que às vezes na cabeça das pessoas esteja totalmente distante, aquilo vai ter um impacto e alguma relação com a questão ambiental, e esse é um problema, porque você não tem esse compromisso, essa responsabilidade, essa perspectiva por parte dos operadores políticos, então muitas vezes decisões são tomadas sem que essa questão seja considerada, porque as pessoas sequer conseguem identificar qual é a relação da decisão que elas estão tomando com a questão ambiental. A gente teria que fazer um esforço muito grande de cada vez mais conscientização, disseminação, não só dos aspectos mais gerais, que eu acho que esses efeitos da Rio-92 e das convenções já fizeram, então quer dizer as pessoas já entendem qual é o problema do desmatamento na Amazônia… Tem grandes questões que já são

muito visíveis, mas no dia a dia das pessoas, especialmente as coisas que dizem respeito às populações que estão cada vez mais distantes de um convívio com o meio ambiente, com a natureza, fica cada vez mais difícil. A sensação que dá é que as pessoas têm um distanciamento, como se o problema do meio ambiente fosse uma coisa da natureza que está lá, né, vamos criar um parque nacional e vamos proteger ele ali, então tudo que a gente fizer aqui não tem problema, porque a gente já garantiu a manutenção daquela área natural e acho que esse distanciamento que é problemático.

P/1 - Uma fala muito recorrente aqui dos nossos convidados é que houve em 92 com a ECO-92 um ápice do assunto, cristalizou uma série de ansiedades, uma série de expectativas e que de lá para cá, eles têm de alguma forma sentido um arrefecimento. Você sente isso também?

R - É, o que eu acho que aconteceu foi isso, aquilo que era o mais geral, né, que talvez fosse, digamos, o mais fácil você sair do zero, do desconhecimento total sobre o assunto para um nível de conhecimento de entendimento mais geral, quer dizer, que as pessoas, pelo menos todo mundo sabe quais são as grandes questões e tal, esse processo que foi o que aconteceu de imediato depois da Rio-92 foi o mais fácil, eu acho que hoje a gente não consegue ver tão facilmente as diferenças, porque a partir de um certo nível, essa questão passa a ser de pequenas decisões que são de impacto para todos os setores. Porque uma coisa é uma população em geral mesmo de uma cidade, reconhecer que tem um problema e que a questão ambiental é um problema, então tudo bem, eu sei que eu tenho que me preocupar com o lixo. Quer dizer, se o governo fizer alguma campanha em relação a questão do lixo eu vou me engajar, porque eu já estou, né, suficientemente conhecedora de que o lixo é um problema, agora se depender de mim, quer dizer que eu vou ter que separar o lixo, quer dizer que eu vou ter que me preocupar no dia a dia com a água que eu tomo e tal, aí, já é um nível de mudança de comportamento que é muito mais difícil, que é muito mais demorado. Então as mudanças hoje elas não vão ser tão visíveis, vai demorar, quer dizer, você não vai ter uma ebulição, porque de uma certa forma a questão ambiental já virou uma coisa corrente, tudo bem, todo mundo entende que é uma questão importante, todo mundo sabe quais são os grandes problemas, mas agora é a parte mais difícil, agora é a parte de você… É o trabalho mais de formiguinha, né, de você conseguir fazer as mudanças menores, e que muitas vezes tem um impacto maior. Por exemplo, para os setores empresariais, industriais, né, agora que é o momento de mostrar a diferença, porque assumir o discurso da sustentabilidade, reconhecer os grandes impactos de certas atividades, isso de uma certa forma já superamos em alguns setores, mas agora é que faz a diferença, agora que é de fato, vamos trabalhar pela sustentabilidade na perspectiva de que eu vou ter que deixar de fazer certas opções, né, e de ganhar um pouco mais para de fato respeitar esse conceito de desenvolvimento sustentável que eu digo que eu incorporei. E aí é mais difícil, né? Então a gente hoje tem um discurso muito fácil, mas a prática onde de fato vai fazer a diferença é muito difícil, se você olhar o histórico de implementação da convenção de biodiversidade, ele mostra isso muito claramente, os assuntos relacionados, por exemplo, a criação de áreas protegidas, com todos os problemas de áreas protegidas tem de impactos que você tem na região em relação a certos interesses que são contrariados, ainda é mais fácil você criar uma área protegida do que você convencer um certo setor, e uma certa indústria a rever os seus processos no seu modo de produção para torná-lo mais sustentáveis. Então criação de áreas protegidas, ações para proteção de espécies raras e endêmicas, né, essas coisas todas avançaram na convenção. Agora, por exemplo, trabalhar como é que as empresas vão remunerar o uso que elas fazem da biodiversidade, como é que a biotecnologia vai se desenvolver de fato com repartição de benefícios, isso que é o mais difícil, isso é que entra diretamente, que afeta diretamente os interesses de lucro das empresas. Fazer com que a área de energia do país, reveja a sua forma de planejar energia para que a questão ambiental não seja vista como entrave, mas ela seja vista anteriormente. “Então, poxa, eu nem vou pensar em fazer uma hidrelétrica nesse rio porque esse rio é um rio que abastece terras indígenas e as pessoas que vivem ao longo desse rio dependem da água limpa desse rio para viver, para pescar. Então, poxa, nem vou pensar nisso, vou pensar em outra coisa.” Mas a gente não tem essa cultura, as pessoas vão continuar, o setor de energia continua insistindo em planejar aquela hidrelétrica

e a questão ambiental vem lá no final do projeto para dizer se pode ou não pode fazer isso ou aquilo e sempre como um problema. Então essa mudança de comportamento mais de fundo é que eu acho que tem mais umas gerações ainda para acontecerem.

P/1 - Qual o papel da sociedade civil organizada para interferir efetivamente nessas ações?

R - Eu acho que a sociedade organizada conscientizada com informação disponível é o único instrumento real de mudança, porque só uma disposição, mais coletiva forçando os segmentos mais consolidados da sociedade, em termos dos setores políticos governamentais, empresariais, que podem fazer isso mudar. Quer dizer, se você não tem uma sociedade organizada que mobiliza, que conscientiza, que trabalha a informação no sentido de cobrar dos seus governantes, da sua classe dirigente uma mudança de comportamento, ela não acontece de cima para baixo, dificilmente, porque quem está lá em cima chegou lá em cima nesse padrão, chegou por causa disso, ganha por causa disso, então não tem motivo nenhum para querer mudar, né? Então, a força para a mudança tem que vir da sociedade. E por isso que um dos grandes desafios que a gente ainda tem é fazer com que a questão ambiental seja uma questão para todos os segmentos da sociedade organizada, eu acho que a gente avançou muito nisso, mas ainda há vários segmentos sindicais ou de outros segmentos da sociedade organizada que também tem a questão ambiental ainda como uma coisa mais periférica e ela precisa entrar como uma compreensão geral das pessoas, de que qualquer outra coisa que a gente defenda, para ser uma coisa que sirva para o futuro depende de que a gente tenha um ambiente saudável para que a gente viva no futuro, porque senão todas as outras lutas da sociedade vão ser em vão né? Porque em algum momento, assim, a gente já está vendo, né, coisas acontecerem, quer dizer mudanças muito radicais, né, no clima mundial, na forma como as populações conseguem sobreviver ou não e não adianta a gente achar que vai conseguir ser mais… que a tecnologia vai superar, né, os impactos ambientais que agente está gerando...

P/1 - Você estava falando agora pouco do ISA, vocês têm levado ao governo propostas dessa agenda de meio ambiente, como que tem sido essa relação entre vocês e o governo?

R - Bom a gente sempre tenta separar um pouco a nossa relação com o governo do que a gente chama da nossa relação com o Estado, né, então do ponto de vista da relação com o Estado, independente de qual é o governo de plantão, né, a gente tem procurado trabalhar na valorização de espaços institucionais constituídos, como conselhos de meio ambiente, né, conselho nacional do meio ambiente, as comissões, os conselhos de gestão dos patrimônios genéticos de tal forma a garantir que esses espaços sejam fortalecidos e que você possa de fato trazer para ele certas decisões para que elas sejam tomadas colegiadamente e tal. Nesse sentido esse trabalho é muito positivo, né, embora as posições de governo não sejam sempre aquelas posições que a gente espera, no sentido que a gente tenha o ministério do meio ambiente e que ele defenda o meio ambiente, né. Então, por um lado na relação com o Estado a perspectiva é essa valorizar esses espaços, levar a discussão para esses espaços para que ela seja democrática. Por outro lado na relação com os governos o que a gente tem sido sempre muito bem sucedido em relação a várias propostas, mas o que a gente sente é que a estrutura do Estado brasileiro ainda inviabiliza uma série de iniciativas do ponto de vista burocrático mesmo e ainda coloca a questão ambiental como uma coisa periférica, apesar de nessa gestão ter uma força política maior e vários pontos terem sido superados com o modelo de trabalho do instituto, criar grupo de trabalho interministerial, então pegar certas temáticas e botar todos os ministérios juntos… Apesar disso a direção central do governo ainda é na perspectiva de que um desenvolvimento justifica a si mesmo e a questão ambiental não pode ser um impeditivo, ela tem que ser considerada, mas ela não é uma variável que toma uma decisão. Eu não vou deixar de fazer um projeto porque tem problemas ambientais, eu vou ter que superar esses problemas e nisso os governos tem sido muito parecidos com os outros, né, e aí você tem uma situação na área ambiental que é muito curiosa, porque é uma situação de contradição, quer dizer, a gente considera como grandes avanços inclusive das convenções a perspectiva de participação e a participação multisetorial, então as convenções internacionais de meio ambiente são convenções em que todos os segmentos estão presentes, os segmentos empresariais de todos os setores, porque todos eles guardam alguma relação com a questão ambiental, né, então a questão ambiental digamos assim é o tema mais democrático na política internacional e na política brasileira. No Conselho Nacional do Meio Ambiente você tem todos os ministérios representados e todos os segmentos empresariais, e quem defende o meio ambiente ali? Porque os ministérios dos transportes não está ali pra defender o meio ambiente, a confederação internacional das indústrias não está ali para defender o meio ambiente, então no fim das contas quem defende o meio ambiente são os ambientalistas e o ministério do meio ambiente que tem uma situação delicada de ser um coordenador do processo, né? Por outro lado os ambientalistas não sentam para definir nenhuma outra política setorial, a gente não é recebido no ministério das minas e energia, no ministério dos transportes, no ministério da agricultura muito pouco e não tem nenhum conselho político dessas áreas que tenha ambientalistas lá para discutir essas políticas a luz da questão ambiental, então é uma relação muito injusta. Porque todos eles vem discutir a questão ambiental e a gente não vai discutir nenhuma outra política, né, mas apesar disso a gente tem trabalhado muito nessa coisa de mobilização da opinião pública e organização de coletivos da própria sociedade civil, propondo e articulando junto ao governo a implementação de algumas políticas e temos sido bem sucedidos, né, até para em vários casos atrapalhar um pouco o projeto de infraestrutura do governo, enfim, né, articulação com o ministério público e com outras ações para tentar um pouco na ‘marra’ reverter certas coisas que no diálogo a gente não consegue.

P/1 - Agora na COP8 o ISA promoveu o COPTRIX, que é um conjunto de eventos paralelos com um mote de “bem vindo ao mundo real da CDB”. Como foi essa atividade? Eu queria que você explicasse um pouco e o que que vocês conseguiram realizar a partir disso, qual foi o resultado?

R - Olha, a idéia do COPTRIX era que exatamente por essa perspectiva, de que aquilo que era mais fácil de avançar na CDB já tinha se avançado e agora a gente está numa situação limite em que esses conflitos dos diferentes segmentos, dos diferentes interesses fazem com que a convenção não avance, você na verdade tem as poucas decisões, e as decisões que você tem no geral são decisões quase que não implementáveis, né, porque você fica naquela nomenclatura, naquele jargão diplomático que diz que poderá fazer quando conveniente, então na verdade você não consegue uma decisão que de fato obrigue os países a tomar certas decisões, então nós estamos num momento, nós chegamos a conclusão de que a convenção chegou num momento de crise, porque daqui pra frente ou a gente retoma os seus princípios originais, os seus objetivos originais ou a gente vai ver ela sendo dominada por outros interesses e sendo usada por outros interesses. Então hoje você tem diversos representantes setoriais, por exemplo, das indústrias de biotecnologia participando das reuniões da convenção impedindo que você avance do ponto de vista do interesse público e do interesse ambiental em certas decisões e nesse sentido a convenção vai se afastando do que são os seus princípios fundamentais,

e aí a reunião da COP passa a ser um grande teatro em que as pessoas todas se encontram fazem grandes reuniões, mas não tomam nenhuma decisão. Então a idéia de fazer a COPTRIX era: vamos fazer um mundo real no sentido de dizer: olha toda essa conversa é de ser uma terminologia vai ser uma ou outra, ela fica enquanto está acontecendo isso tem milhares de coisas acontecendo no mundo real, né, e que estão avançando em detrimento dos interesses da CDB e ou a convenção retoma o seu espírito original ou a gente vai acabar assinando embaixo de um processo que vai apenas corroborar um processo de utilização insustentável da biodiversidade. Então nós realizamos dois dias de evento no âmbito do fórum global da sociedade civil com essa temática, os eventos muito voltados para a discussão da questão da utilização da biodiversidade, do ponto de vista da biotecnologia, do respeito aos conhecimentos tradicionais, da repartição de benefícios, da biodiversidade e foi muito interessante para a gente poder reafirmar, né, coisas que a gente já vinha acompanhando em vários debates de que se a gente continuar permitindo que a convenção aconteça dessa maneira, que as reuniões aconteçam desse jeito, sem decisões com a participação de todos os setores, mas sem que aquilo de fato garanta a implementação a gente vai acabar enfraquecendo ela, quer dizer, pra fortalecer a convenção a gente precisa fazer com que ela retome seus princípios originais e que de fato seja implementada naquilo que é mais difícil, o grande problema é como as empresas de biotecnologia, de farmacêuticos vão usar a biodiversidade remunerada, então vamos resolver esse problema, não adianta resolver todos os outros e isso continuar sendo uma incógnita entre colchetes como são as decisões não firmadas na convenção, porque as coisas estão acontecendo ainda, no mundo real elas estão acontecendo a passos largos.

P/1 - E qual foi o resultado dessa COPTRIX para você, até do grande público, da mídia ?

R - Olha, a gente teve boa cobertura, nós usamos uma estratégia de divulgação bastante irreverente, né, nós fizemos uma ação de marketing com um ator lá em Curitiba, vestido como um vendedor com um tabuleiro como se tivesse vendendo bala, com vários brindezinhos e tal, chamado de BS BINGO fazendo uma analogia a questão da repartição dos benefícios, né, que em inglês é benefit sharing e com o bullshit, então o ator vinha panfletando e tinha uma placa em que ele dizia, assim: “we buy traditional knowledge, we give you bs”, porque na real é isso que tem acontecido, porque mesmo as empresas que estão avançando na relação com as comunidades locais para a utilização dos seus conhecimentos sobre a utilização da sua biodiversidade, o que ela tem oferecido em troca é troco, né, é bobagem, é lembrancinha, né, porque elas não querem dividir o seu lucro na verdade, elas reconhecem a necessidade de remuneração, mas elas não se sentem obrigadas a fazer essa remuneração no patamar devido, né, do que de fato muitas vezes aquele conhecimento tradicional agrega no próprio lucro das empresas e essa é uma das questões centrais. Fizemos também uma coisa chamada BS BINGO usando a mesma analogia que era um bingo de jargão, que agente panfletou na porta das grandes salas, porque a gente vai para essas reuniões e muitas vezes, né, são discursos assim de horas e tal, falando todas aquelas palavras chaves e tal que a gente fala o tempo todo porque o discurso ambientalista é bem fechadinho mesmo, bem hermético, né, feito para alimentar o nosso trabalho, muitas vezes com uma dificuldade de chegar no público em geral. E isso acontece nessas conferências também, então tem ali uma série de termos e a orientação do bingo era que as pessoas ficassem a na reunião cada vez que elas ouvissem um termo daqueles, elas marcassem e que quando elas completam a cartela ela deveriam gritar no plenário “that's pure bs”, né, então foi uma coisa irreverente que chamou a atenção da mídia e do público. Nós tivemos a participação de vários especialistas internacionais e esse material a gente espera poder trabalhar e até eventualmente publicar, mas eu acho que pra nós o principal resultado foi que essas pessoas que participaram desse evento, tantas as que foram falar como as que foram assistir, estavam ali meio que travando entre elas um pacto de reconhecimento do problema e alimentando uma perspectiva diferente para que a gente possa intervir na convenção de uma forma diferenciada também, para tentar resgatar, quer dizer a idéia não é desqualificar a convenção, muito pelo contrário, a idéia é fazer com que convenção não se subordine a outros interesses. Porque muitas vezes na área ambiental, na ansiedade que a gente tem de não ser tachado de eco-chato, de xiita, de gente que fica só falando e não resolve, a gente quer trazer os outros segmentos, a gente quer resolver e muitas vezes acaba resolvendo de uma maneira que é muito frágil e ajuda muito pouco ao meio ambiente ajudando mais aos outros segmentos, quer dizer quando você vai lidar com uma empresa para definir regras de sustentabilidade ambiental, essas regras tem que ser da sustentabilidade ambiental e não de sustentabilidade da empresa e é isso que a gente tem visto acontecer. Então eu acho que o principal resultado é saber que todo mundo que esteve ali tem essa preocupação e que portanto existe uma massa crítica na sociedade civil para reagir a esse processo e forçar um pouco aos demais segmentos que fazem parte dessas reuniões e convenções para que eles venham para essa discussão sabendo que o interesse maior da CDB é a conservação da biodiversidade e não o uso da biodiversidade para viabilizar projetos privados de lucros imediatos, né?

P/1 - E a questão indígena no Brasil, a preservação dessas áreas onde essas comunidades vivem, esse conhecimento, como é que vocês estão trabalhando as perspectivas diante disso?

R - Olha, nós temos tentado trabalhar em várias frentes. Uma frente importante são processos de esclarecimentos as populações indígenas, tanto do que se discute na CDB quanto na legislação nacional, de forma que eles estejam aptos a lidar com essas discussões e com as propostas de acordos imediatos que tem acontecido com várias organizações e comunidades indígenas de interesses empresariais que se apresentam muitas vezes sem que as comunidades estejam preparadas para fazer essas negociações. Então esse processo de esclarecimento, de geração de informação para essas comunidades é uma coisa que a gente tem feito. Uma outra coisa é tentar desenvolver mecanismos alternativos de proteção dos conhecimentos dessas comunidades que fujam da lógica do patenteamento desse conhecimento, né, que é uma lógica de privatização desse conhecimento, que vai contra a própria forma de transferência de conhecimento que as comunidades têm, né, porque quando a gente começa essa discussão da proteção do conhecimento tradicional, a gente na preocupação de proteger o conhecimento dos índios, né, contra uma utilização privada, a gente muitas vezes acaba protegendo esse conhecimento de outras comunidades indígenas que historicamente na vida deles sempre se beneficiaram dessa troca de conhecimento entre eles. Então a proteção do conhecimento tradicional indígena ela tem uma limitação que é não atrapalhar, né, a própria dinâmica de troca cultural desses povos e nesse sentido é muito difícil você adaptar essa perspectiva aos instrumentos que estão postos na legislação para a remuneração desses conhecimentos, porque hoje você só… A legislação brasileira ela só tem um instrumento de patente pelo qual alguma inovação ou algum conhecimento é remunerado, né, se ele é utilizado comercialmente e a gente acha que esse instrumento não é adequado para a proteção de conhecimentos tradicionais e ao mesmo tempo os índios também não tem que ter um copyright dos seus conhecimentos porque há outros povos indígenas ou outras comunidades locais, com as quais eles deveriam trocar porque é isso que enriquece e favorece a dinâmica cultural dessas populações, então nós estamos trabalhando na perspectiva de desenvolvimento de alguns instrumentos e mecanismos que possam contribuir com isso, algumas idéias iniciais são que a perspectiva de aproveitamento de um conceito mais recente que tem sido trabalhado sobre propriedade de direitos autorais que é o ____________________. Então trabalhar nessa perspectiva desses direitos comuns para os conhecimentos tradicionais, fazer alguma coisa similar a isso, e a outra são outros mecanismos de valorização da produção, né, indígena que como as designações de origem controlada que possam reconhecer a origem daquele produto, o conhecimento associado, o valor cultural que ele tem sem que isso signifique necessariamente uma relação comercial baseada no patenteamento de certos produtos.

P/1 - Uma pergunta mais futurista: como que você vê essa questão ambiental nos próximos 15 ou 20 anos?

R - Ai difícil dizer né? Porque a gente tem que ter esperança, né, a gente que trabalha com isso acha que tem que ter um resultado, a gente olha pra trás e vê que já avançamos muito daquilo que se tinha de preocupação com a questão ambiental para o que nós temos hoje, então a perspectiva tem que ser uma perspectiva positiva de que a gente vai... Quer dizer, no dia a dia mesmo a gente se diz isso né, que a gente precisa acreditar que nos próximos 10 a 15 anos a gente vai conseguir avançar no entendimento geral da sociedade sobre a importância da questão ambiental e o ideal seria que a gente conseguisse avançar por processos educativos, mas eu acho que lamentavelmente a gente ainda vai avançar a custa de muita perda, né, quer dizer, a gente tem hoje um volume de desastres naturais acontecendo que

antigamente não eram associados a mudança na questão ambiental, hoje já são. Eu me lembro quando eu morava no Rio eu não conhecia a questão ambiental, nunca tinha me dado conta, só fui me dar conta disso anos depois… Mas as águas, as famosas águas de Março, que fazem descer os morros do Rio de Janeiro, todas os derrocamentos, os deslizamentos de barragens, desmoronamento de casas nos morros, já eram um problema ambiental, embora a imprensa nunca tenha associado isso a uma questão ambiental, né, mas a única legislação que proibia de construir as casas de favelas em encostas era o código florestal, então eu espero que a gente consiga trabalhar mais nessa coisa da informação para associar esses problemas da questão ambiental de uma tal maneira que essa consciência vá crescendo de preferência de uma forma que não precise acontecer tantos desastres para isso ocorrer. Então por um lado tem essa perspectiva digamos mais micro, de que o trabalho continuado dessas organizações não governamentais, das pessoas que são preocupadas com a questão ambiental vai ampliando gradativamente o grau de consciência e de preocupação e que a gente também possa avançar tecnologicamente em soluções que façam com que as pessoas possam viver como elas consideram que é o melhor modo de vida para elas sem gerar muito impacto. Por outro lado, quando a gente olha para o mundo como um todo, quando a gente olha para essa dominação dos mercados, né, de como aquilo que você acha que você depende da sua vontade, muitas vezes você se dá conta na verdade que você não está nada mais do que seguindo, né, um processo de pressão para que você prefira isso ou aquilo, quer dizer, a sua vontade na verdade já está totalmente dominada, né. Então quando a gente olha para esses processos globais, pelos quais as próprias políticas nacionais são orientadas e a gente não consegue superar e vê que tem uma dificuldade dos próprios governos nacionais de reconhecer isso, por exemplo, como é que o governo brasileiro não consegue, né, ver o seu país de uma forma diferente, ver a riqueza que o Brasil tem, a possibilidade que o Brasil tem de ser até mais independente no âmbito global de certos processos de mercado e a gente não consegue superar isso a gente se subordina completamente a essas lógicas que não vão ajudar o país a ser um país mais sustentável. Eu acho que agora é uma coisa que a gente no senso comum fica se perguntando, as pessoas na rua ficam se perguntando, ai que bacana o Brasil tem auto suficiência em petróleo, ótimo porque que não baixa o preço da gasolina? Porque que o preço do petróleo continua sendo pautado pelo mercado internacional se a gente tem a auto-suficiência? Tudo bem é uma coisa super simplista, claro, se você for para as teorias macroeconômicas de mercado você vai ter milhares de explicações, mas é isso… A perspectiva global vai ter sempre milhares de explicações pra fazer o Brasil ficar quieto no seu canto sem atrapalhar, né, gerando energia barata para empreendimentos internacionais, gerando soja barata às custas do desmatamento para alimentar o gado de outros países, enfim a gente hoje vive como a gente vivia no Brasil colônia, cedendo o que a gente tem sem dar valor. E aí é complicado você imaginar que 500 anos, nossa muita coisa mudou, a gente avançou, avançou, avançou, mas aquilo que rege, né, que orienta a nossa ação ainda é a perspectiva de que a gente precisa ceder aquilo que a gente tem de mais valioso a preço de banana para os outros. Então eu busco ser otimista e trabalhar nessa perspectiva de que com o tempo a gente conscientiza as pessoas e vai mudando, cada eleição é um momento importante para trabalhar muito isso, né, para tentar ir mudando, mas são mudanças muito lentas e eu espero que o planeta resista aos cinquenta, oitenta anos que talvez sejam necessários ainda para isso mudar, né?

P/1 - E você estava falando, você é casada e você tem filhos?

R - Tenho, dois, uma menina de 11 anos e um menino de 8...

P/1 - E eles estudam?

R - Estudam.

P/1 - E já gostam, estão seguindo aí os seus passos?

R - A minha filha costuma dizer assim quando ela crescer ela não vai trabalhar com alguma coisa que não seja esse negócio de meio ambiente e de índio, então eu acho que às vezes a gente acaba querendo doutrinar demais, né, porque a gente exagera, mas de qualquer maneira o que eu vejo é que eles já têm no dia a dia deles uma preocupação e uma prática já bastante avançada daquilo que a gente tinha, tanto nos hábitos mais básicos como escovar os dentes com a torneira fechada, sabe, reconhecer o valor da água, essas coisas, quanto numa perspectiva mais... Menos preconceituosa com o mundo a sua volta, mais tolerante, porque eu acho que a questão ambiental é um viés mais… Quando a gente olha no dia a dia hoje para criar os filhos eu acho que as relações humanas são também muito fundamentais você trabalhar, porque apesar da gente ter avançado muito também nos entendimentos gerais em relação a essa questão da diversidade, da tolerância, do outro diferente, o dia a dia da gente é todo feito para você desprestigiar essas diferenças, então a gente busca assim, dar um pouco mais de informação e de alternativas, né, mas dói o coração, a gente olha as crianças, olha esse mundo aí e diz: “meu Deus como é que vai ser na época quando a gente não estiver mais aqui, como é que vai estar esse mundo pra eles?”

P/1 - Quais as principais lições ou lição que você tira da sua carreira?

R - Bom do ponto de vista pessoal, eu acho que é que a gente tem que buscar fazer aquilo que a gente acredita e com muito prazer, né, com muito amor, né, lamentavelmente é o chavão que vale. A gente só faz bem aquilo que a gente gosta de fazer e acho que pra mim a minha carreira demonstra que existe primeiro um caminho na sociedade brasileira para as pessoas trabalharem pelo bem estar delas mesmas e da população em geral. A gente tem hoje possibilidades de buscar tanto profissionalmente quanto o dia a dia como cidadão formas de ajudar um pouco o mundo a mudar, existem inúmeras instituições e formas de você participar de você trabalhar e acho que isso é uma coisa importante que a gente precisa estimular no Brasil, ainda é muito pouco aproveitado o potencial, a gente tende a acreditar nos chavões que dizem que o povo é preguiçoso e que o povo não está interessado, e que o povo não está nem aí. Na verdade eu acho que se essa pessoa tem consciência, tem oportunidade, as pessoas estão afim mesmo de fazer alguma coisa de mudança e o que a gente precisa é trabalhar muito na questão da educação para poder melhorar a capacidade de escolha mesmo da população brasileira, porque ainda tem muita coisa para mudar, na perspectiva da política brasileira e acho que o povo está mais a frente em termos desse interesse, dessa visão de que as coisas tem que mudar do que a nossa classe dirigente que continua achando que dá pra ir levando desse jeito, né, ganhando aqui e ali. Então eu acho que da minha carreira, principalmente para mim foi eu ter chegado à conclusão de que por mais que a gente faça as coisas no dia a dia e tal a gente não pode abrir mão do seu papel político, do seu papel de cidadão de saber que você tem alguma força para influenciar a política de alguma maneira, seja no seu bairro, seja nas suas relações mais imediatas, seja pensando na política nacional na hora de eleger o presidente… Mas não dá pra abrir muito desse papel, ver que as pessoas dizem assim que são apolíticas, não existe isso não, não existe, quer dizer todo, nós somos todos seres políticos, nós podemos ser apartidários e tal, mas a gente não pode abrir mão disso, isso é uma questão central.

P/1 - O que você acha de ter participado desse projeto de memória?

R - Eu acho que é muito bacana, é bem legal que a gente mesmo acaba refletindo sobre coisas que muitas vezes a gente no dia a dia não tem oportunidade de refletir e talvez a gente não tenha muito a contribuir, mas um pouquinho de cada um certamente no final a coisa deve ser muito bacana, juntar tudo isso, muito legal.

P/1 - Muito obrigada Adriana.

R - Nada, obrigada vocês.

[Fim da entrevista]