Museu da Pessoa

Todas as cores do mundo

autoria: Museu da Pessoa personagem: Rosemeire de Oliveira Bassan

Projeto Memórias do Comércio São José do Rio Preto 2020/2021
Entrevista de Rosemeire Bassan
Entrevistada por Luís Paulo Domingues
São José do Rio Preto, 19 de maio de 2021
Entrevista MC_HV083


(02:17) P1 - Agora vou pedir de novo, fala seu nome completo (risos), porque vai cortar ali, sabe? A data de nascimento.
R1 – Rosemeire de Oliveira Bassan, 22 de dezembro de 1966.
(02:32) P1 – Ah, legal. E nasceu em São José do Rio Preto, né?
R1 – São José do Rio Preto, nasci e moro até hoje aqui.
(02:39) P1 – Que legal! E o nome do seu pai e da sua mãe?
R1 – Antônio de Oliveira e Aparecida Inês da Silva Oliveira.
(02:49) P1 – Legal, você conheceu ou conhece ainda seus avós?
R1 – Conheci, conheci todos os avós. Hoje não tenho mais nenhum vivo, mas conheci tanto do lado do meu pai, quanto do lado da minha mãe, todos eles.
(03:05) P1 – E você gostaria de falar o nome deles, para ficar registrado?
R1 – Meu avô por parte de pai é Avelino de Oliveira e minha avó Mariana Martins Oliveira. E por parte de mãe é Rosa Agostinho da Silva e... agora só lembrei o apelido dele, que era José Tabatinga.

(risos)
(03:27) P1 – José Tabatinga!
R1 – É, ele era ferroviário e pegou esse apelido!
(03:33) P1 – Sim, sim. E você sabe o que seus avós... de onde eles vieram, para chegar na região de Rio Preto, eles moravam aí em volta ou já em Rio Preto? Onde eles estavam?
R1 – Não sei, meu avô... eu sei que a minha avó por parte de mãe, os parentes dela são todos dali de Araraquara e tudo mais. Meu avô era índio, o pai do meu avô era índio, índio mesmo. (risos)
(04:01) P1 – Sei.
R1 – Isso eu sei. A parte da minha avó era... eles são portugueses, que é o pessoal lá de Araraquara e a minha avó materna era... ela foi adotada e ela era mineira, se não me falha a memória. Mas, assim, até onde eu sei, era tudo por aqui, ninguém muito de longe, é tudo por aqui, nasceram por aqui, não tenho muita informação de história, não, de coisa diferente, eu sei que são descendência de portugueses, mineiros e (risos) índios... e virou isso aqui. (risos)
(04:40) P1 – E você sabe a profissão que eles tinham. Um era ferroviário, né?
R1 – Meu avô ferroviário, minha avó sempre trabalhou... foi só em casa, esposa dele, né? Mas tinha pensão, era uma pessoa que se virava, vendia “juju” (risos), cada hora ela estava inventando uma coisa, mas nunca teve um trabalho fora. A minha avó por parte de pai também nunca trabalhou e meu avô foi taxista, eles tinham... depois eles tiveram um sítio, sempre tiveram chácaras, sítios, mas era motorista. Meu avô por parte de pai teve táxis, foi motorista de caminhão, alguma coisa, mas a maior parte do tempo eles trabalharam no sítio que eles tinham.
(05:25) P1 – Legal. E quando você nasceu, você lembra o que seu pai e sua mãe faziam, assim? Qual que era a profissão deles?
R1 – Ah, essa eu lembro (risos), essa faz parte da minha vida (risos). O meu pai foi marceneiro e comerciante a vida toda, ou uma ou outra coisa. Quando ele se casou com a minha mãe ele estava doente... doente não, ele tinha acabado... ele estava se recuperando de uma doença que eles acharam que era até leucemia, era bem séria e ele trabalhava de marceneiro. Aí ele descobriu que era... ele estava com alergia com alguma coisa referente à marcenaria, aí ele parou com a marcenaria e montou uma loja de material elétrico e minha mãe trabalhava com ele.
(06:22) P1 – Sim.
R1 – Então, uma lojinha pequenininha que vendia material elétrico, consertava ferro, chuveiro e até minha mãe fazia essas coisas, esse tipo de serviço era até ela que fazia. Então, eu fui criada sempre no meio do comércio, mesmo. Eu, pequena, ficava no comércio, eu mexia em calculadora, em máquina de escrever, que ninguém nem sabe mais o que é isso, (risos) né? Eu tive essa convivência com o comércio muito tempo. Como minha mãe ajudava, a gente vivia ali na loja também, junto, né? Eu vivi isso a vida inteira. Depois de um certo tempo meu pai voltou para marcenaria...
(07:00) P1 – Sei.
R1 – Aí ele montou uma marcenaria e até morrer, ele morreu bem novo, morreu praticamente com a minha idade. Hoje eu tenho 55 anos e ele morreu com essa idade. Ele estava com a marcenaria, ele montou, que era uma paixão dele ser marceneiro e um dos meus irmãos trabalha... tem a marcenaria até hoje, toca a marcenaria dele até hoje.
(07:23) P1 – Sim. Quantos irmãos você tem?
R1 – Eu tive... nós éramos em três, eu e mais dois, mas um faleceu com 23 anos, agora somos só dois.
(07:35) P1 – Sei. Esse da marcenaria você convive com ele, encontra com ele?
R1 – Sim.
(07:41) P1 – Ah. Você sabe como seu pai conheceu sua mãe?
R1 – Não. Como eles se conheceram, não sei.
(07:51) P1 – Sim.
R1 – Não... eu lembro deles falarem de cinema, eles moravam no mesmo bairro de... se não me engano, um dia eu lembro da minha mãe falar de que se conheceram num cinema, o Cine Boa Vista aqui de... que tem aqui. A gente morou... eu nasci na Boa Vista e moro na Boa Vista, hoje minha loja está na Boa Vista. (risos) Aliás, eu, agora, não moro na Boa Vista, eu estou aqui no Seixas, mas eu morei, meus avós, meus pais, meus tios, todos moram ali. Eu me casei com uma pessoa que morava ali. (risos) Então, assim, a Boa Vista é a minha casa.
(08:30) P1 – Você sabe que a Boa Vista foi o primeiro lugar que tentaram fundar Rio Preto? Depois que foram lá para o Centro. A Boa Vista é onde fica a basílica, não é? Na Boa Vista...
R1 – Isso, é, exato, exatamente.
(08:43) P1 – Viu, Rose, você, quando nasceu, morava na Boa Vista, né? Mas só que em mil novecentos... finalzinho dos anos sessenta devia ser muito diferente de hoje, Rio Preto...
R1 – Bastante.
(08:54) P1 – Certo. O que você lembra da sua infância, da rua, como que era?
R1 – A primeira coisa que você citou de ser diferente, a primeira coisa que eu percebi... que eu tenho lembrança, não que eu percebi, é por fotos, né? Eu tenho foto minha de um ano na frente da casa, simplesmente não tinha asfalto e era um barranco (risos), acaba, para você sair no que nós chamamos hoje de calçada, era o barranco e era terra. Escuto meu pai, minhas tias, meus avós contando que ali era a estrada boiadeira.
(09:31) P1 – Sim.
R1 – Passava boi por ali, sabe? (risos). Então, é muito diferente do que a gente tem hoje e...
(09:38) P1 – Sim.
R1 – Fora isso eu tive uma infância muito boa, eu brincava na rua, eu brincava na rua... eu fui uma menina moleque, né? Brinquei muito tempo, brinquei muito na rua. Já teve épocas da minha vida, como eu tinha dois irmãos, a gente brincava tudo ali na rua, eu sou a mais velha e acontecia, às vezes, de ser a única mulher na rua, no meio de todos os meninos. (risos)
(10:06) P1 – Sei.
R1 – Então, eu tive uma infância de subir em muro, de andar de skate pra rua, brinquei de brincar de esconde-esconde, tudo na rua. A gente ficava até seis, sete horas da noite na rua, coisa que hoje é impossível, né? Ninguém conhece isso. A meninada de hoje não sabe o que é brincar na rua e eu tive isso.
(10:47) P1 – Rose, continuando, assim, quando chegava o final de semana, nessa época da sua infância, para onde que seu pai e sua mãe levavam vocês? Como eram os passeios? Vocês iam lá no Centro da cidade, lá na...
R1 – Sim.
(11:02) P1 – Como que era?
R1 – Tinha um pouco disso. Na verdade, era uma coisa muito diferente, né, do que é hoje, mas tinha o passeio, o ir à cidade... tanto que a gente fala assim: “A gente vai...”... até hoje, né, fala: “Eu vou para a cidade”. Aí você fala: “Onde você mora? Você não mora na cidade?” (risos). Mas era isso mesmo, né? Você ir à cidade era ir ao Centro, né, então tinha...
(11:25) P1 – Sim, sim.
R1 – Então, tinha aquele passeio de dar milho lá na praça, ali na catedral era o ponto de ônibus, ali sempre teve pombo, passarinho, tinha os pardais naquela época. Então, era passeios que você fazia, não eram passeios... ir à cidade era um passeio, (risos) né? Era uma coisa muito louca. E, além disso, o meu pai foi sempre uma pessoa muito... nós nunca tivemos uma posição social privilegiada, mas meu pai gostava muito das coisas boas, das coisas diferentes, era sempre muito moderno, muito... então, tudo que ele pode proporcionar para a gente na infância, ele fez. Ele dava valor a livros, eu criei... eu fui criada no meio de livros, eu tinha livros, jogava, revista, assim, isso era comum, isso é muito bom. Hoje eu vejo a diferença que isso faz e, para ele, aquilo era natural e ele era uma pessoa que só teve até o quarto ano, ele não estudou, mas...
(12:24) P1 – Mas era um homem que gostava de...
R1 – E levava a gente para passear, muito. Ele era uma coisa assim: nós passávamos muito finais de semana no sítio também, eu passava minhas férias no sítio e meus avós moravam lá, então a gente ia de final de semana para lá e nas férias, geralmente eu ficava quase um mês com os meus avós, no sítio. Tive uma infância muito boa. (risos)
(12:54) P1 – Que legal, né? Hoje em dia ninguém vive o contato com a natureza como era no passado, né?
R1 – Não. É verdade.
(13:05) P1 – O que você fazia no sítio? Andava a cavalo, pescava, do que você brincava lá?
R1 – Brincava demais da conta, eu fazia tudo (risos) que eu tinha direito. (risos) Era uma... foi uma fase muito boa, né? E a gente tinha meus irmãos, tinha primos também, todos muito peraltas, tipo assim: eu nasci e dali um ano nasceu minha prima, dali um ano nasceu meu irmão, meu tio teve um filho. Então, nós tínhamos cinco, seis, sete crianças, sempre, ali. Então, era uma festa ir no sítio. No sítio a gente... meu avô e minha avó tinham muita paciência, né? Chegava até a... levava a gente para... que nem, na roça, para plantar, levava as crianças. Hoje, adulta, eu sei o tanto que criança atrapalha você estar trabalhando, (risos) mas eles levavam a gente, (risos) levavam... eu lembro de plantar algodão, plantar amendoim, lembro de brincar no rio. No rio eu brincava muito, muito, pescava às vezes, pescava lambarizinho. Cavalo eu nunca fui muito, eu tinha medo, mas meu irmão, outros andavam a cavalo. Eu tive uma infância muito boa, muito, muito rica e no sítio era muito gostoso. Além de tudo tinha a avó, né? Avó é aquela, assim, que faz tudo que você quer, né? Café da manhã... era fogão a lenha! Era uma dificuldade para ela, não tinha banheiro, eram latrinas, aquela coisa, mas ela fazia tudo com muito apuro para a gente, sabe? Cuidava muito bem da gente, mimava a gente muito. Então, era muito gostoso passar o final de semana no sítio.
(14:42) P1 – Que legal! E você lembra de alguma comida especial da família aí, feita no forno a lenha, quando reunia a família toda?
R1 – Eu tenho as minhas... eu não comia muito, eu tinha... eles tinham muito problema em me alimentar, eu não comia. Então, é aquela coisa: são muito famosos os pratos que eu gostava, né? Então, é assim, eu era... Eu gostava de polenta com salsicha. Quiabo era uma coisa... que louca, que eu gostava, uma criança que não comia, o que eu comia era muito estranho (risos)...
(15:22) P1 – Quiabo, né?
R1 – Quiabo, até hoje, eu sou fanática por quiabo, adoro quiabo. Então, frango, frango caipira. Minha avó, as minhas tias sempre foram muito de cozinha, então, eu tive... eu tenho até hoje, as minhas tias ainda são vivas e são pessoas, assim, que fazem bolacha em casa. Você já ouviu alguém fazer bolacha? (risos). A minha tia faz bolacha. A gente toma café ainda de final de semana na casa delas, é assim: bolo feito em casa, é doce, doce de figo, doce... a minha tia não tem um doce comprado, ela faz iogurte, ela faz doce de figo, ela faz doce de abóbora, ela faz doce...

doces, (risos) bolo de tudo quanto é jeito que você pode imaginar. Então, a gente foi criada muito em volta da mesa, sabe? A reunião familiar era comer, comida toda feita em casa, coisa que hoje as pessoas não têm nem ideia do que seja, né? E as minhas filhas até hoje são assim, você vai... senta... chega na casa delas a qualquer hora tem suco de fruta, às vezes dois sucos diferentes, para você escolher, tem bolo, tem doce, dois, três bolos e tudo feito em casa. (risos)
(16:43) P1 – Legal, heim, muito bom.
R1 – É bastante incomum hoje.
(16:48) P1 – Viu, Rose e na escola, como é que foi a sua vida na escola? Você ia a pé para escola? Onde era sua escola, como que foi?
R1 – A minha escola era muito próxima em casa, sempre dois ou três quarteirões e uma das lembranças que eu tenho quando entrei no primeiro ano... meu sonho era ir à escola sozinha, não queria que minha mãe levasse, (risos) sabe? E rapidamente ela..., sabe? Ela levou uns dias para ter a segurança se eu saberia, né, como... não distância, mas em questão de perigo de atravessar uma rua e para mim foi uma realização, quando ela deixou ir para escola sozinha. (risos)
(17:32) P1 – Que legal!
R1 – E a gente ia a pé, eram dois quarteirões, muito perto, e eu fui ter uma escola mais longe quando eu fiz o colegial, que eu fiz no Objetivo e aí eu ia, às vezes, de ônibus e mesmo assim ainda, às vezes voltava a pé, mas sempre sozinha, não tive essa coisa, né, que tem hoje, que uma criança não sai na rua. Eu brincava na rua, eu andava na rua, eu até uma... meu pai teve uma loja de material elétrico, foi quando ele montou material elétrico e construção, no Eldorado e nós morávamos, sempre moramos na Boa Vista, eu não me lembro com que idade, mas eu e meu irmão, nós vivíamos... eu acho que não tinha mais do que dez anos, sei lá, eu não me lembro a idade. Nós íamos da Boa Vista, ali à Rua Santa Paula no Eldorado, de bicicleta, nós dois sozinhos. Nós íamos, nós tínhamos isso, andava muito de bicicleta. Verdade, eu andava muito de bicicleta. E um dia eu caí, passando o viaduto... ali aquele pontilhão que o trem passa em cima... que dá, deixa eu ver, na João Pita, quando começa a Aparecida do Taboado ali, é... João Mesquita, tem o pontilhão e nós descemos aquela... correndo, correndo muito e entre... tinha um buraco debaixo do pontilhão, no escuro e eu caí, caí e desmaiei!
(19:04) P1 – Nossa!
R1 – Fui até socorrida. Uma coisa de doido, é muito doido isso, né? E aquilo era normal, né? Hoje quem que faz isso, deixar uma criança, sei lá eu quantos anos eu devia ter, dez anos? Aí o meu irmão voltou para trás correndo e já puseram a gente e levaram até meu pai na coisa e nem por isso eu deixei de ter a liberdade de sair, de andar de bicicleta. Aconteceu, machucou, consertou. (risos) Então, é uma vida muito diferente do que a gente tem hoje, né?
(19:34) P1 – Sim, viu, Rose, na escola tinha alguma matéria que você se dava melhor, assim, que já apontava mais ou menos para sua profissão futura? Não sei se você teve sonhos de fazer algum curso que não tivesse a ver com o artesanato.
R1 – Não, eu não... com artesanato, não. Eu sempre... eu era a dita boa aluna, eu sempre tive muita facilidade em aprender e eu sempre gostei, Português eu gostava, línguas, inglês eu gostava, sempre achei o inglês muito fácil, para mim o inglês era muito fácil e sempre tive facilidade e nunca tive problema, mas eu nunca tive sonhos de ser: “Ah, vou ser médica, vou ser dentista, vou ser desenhista”, não. Era uma coisa que eu tinha de facilidade, a escola eu não tinha problema e tinha algumas matérias que eu gostava mais. Eu gostava mais de Português, línguas eu gostava e desde pequena eu desenhava, sempre desenhei com muita facilidade e até na época que meu pai tinha loja de material elétrico, às vezes eu ficava lá um pouquinho e minha mãe sempre comprava uma... tinha as coquinhas, Coca de garrafa, elas tinham, na tampinha, o desenho de... na época estava com desenho do Walt Disney, então tinha o Mickey, Pateta, nas tampinhas tinha um desenhinho. Eu bebia a coquinha e depois eu reproduzia o desenho que estava ali no papel. Olhando eu reproduzia. Então, eu... isso eu nunca aprendi, tinha essa facilidade, essa coisa e quando eu tive lá meus 13, 14 anos minha mãe começou a se incomodar que eu estava muito à toa em casa e ela me colocou num curso de inglês e me colocou num curso de desenho. Não era bem de desenho, era um curso de pintura. Até a moça que me ensinou está viva até hoje, a Paula Gonçalves e o que eu aprendi com ela ali em dois anos foi... é o que eu uso até hoje, no artesanato, na pintura, eu nunca mais fiz nenhum curso. Com o que eu aprendi ali em dois anos que eu fui é o que uso hoje na minha vida. Ela me deu... depois que você está adulta, você tem uma outra visão, você vê a competência e o que ela te colocou ali, porque na hora você está aprendendo, você nem... você não tem noção, né? Eu devo muito a ela. Noção de desenho, de mistura de cor, de tinta, tudo que eu faço hoje foi o que eu aprendi naqueles dois anos com ela, foi muito bom. E eu virei comerciante meio sem querer. (risos)
(22:33) P1 - (risos) Sim, né?
R1 – Por acidente, nem sei.
(22:38) P1 – Por acidente, né? Você... mas o artesanato entrou na sua vida nessa época, então? Aí você já teve certeza que era isso que você queria?
R1 – Não. Nunca tive essa certeza, não, nunca tive. Na verdade, eu era... era esperado, tinha uma expectativa comigo de eu ser, de eu fazer uma faculdade, me formar e ser, seja lá o que eu fosse, por causa da minha facilidade sempre na escola era esperado de mim que eu fizesse o quê? Uma faculdade, me formasse e fosse trabalhar em alguma coisa. Era isso que era esperado. Tanto que meu pai teve o cuidado de, quando eu terminei o ginásio, que hoje nem existe mais ginásio, é fundamental, (risos) de me colocar para fazer o colegial numa escola paga, ele fez um certo sacrifício para isso, porque eles achavam que eu ia seguir a faculdade e eu terminei nessa época, naquela épocas de 17 anos, eu me perdi um pouco nisso, me desinteressei pela escola, não estudei, não aproveitei o que eu poderia ter aproveitado de um curso pago, né, voltado para vestibular mesmo e eu tentei faculdade só estadual, só faculdade pública e eu não passei na primeira fase da Fuvest, por coisa de dois, três pontos e não quis, desisti... nunca mais e parei (risos) e não fui fazer mais isso. Aí eu fui pintar e nem sei porque eu fui pintar, porque era uma coisa que eu já fazia, que eu sabia e a gente sempre teve muita facilidade, eu fui criada no meio do comércio, né, a hora que eu vi estava fazendo. Meu avô... assim, ali moram todos juntos: meu avô, minha tia, todo mundo assim, uma casa atrás da outra, minha avó Luiza e, quando meu pai casou, meu avô deu uma casa para ele e meu avô morava na esquina e meu pai morava na casa de cima e aí minhas tias tinham um mercadinho, que são essas que eu tomo café na casa delas até hoje, elas tinham sempre... elas costuravam e depois elas montaram um mercadinho e aí, quando elas fecharam o mercadinho, meu avô me ofereceu o espaço e eu comecei a trabalhar de artesã ali naquele espaço, sem nada muito assim, comecei pintar, que eu gostava muito de pintar, fazia guardanapo, fazia camiseta, isso já na minha adolescência, mesmo antes de montar a lojinha ou atelier, né? Eu pintava camiseta para os amigos, sabe, de capa de disco, do Cristo, do não sei do quê. Então, eu sempre, como eu tinha facilidade, né, foi _____ (25:28) e como eu fazia isso, eu comecei tentar fazer isso para ganhar dinheiro.
(25:32) P1 – Sim.
R1 – Então, eu comecei a pintar guardanapo, a fazer. Depois, como meu pai tinha marcenaria já, na época, eu comecei a pintar caixinha. Não que ele fizesse, meu pai fazia móveis, mas eu tinha a facilidade, né, por causa do acesso à marcenaria. Então, comecei depois a fazer umas plaquinhas com nome, plaquinha para quarto de bebê e foi indo. E, assim, na hora que vi eu estava artesã, mas eu não gostava do comércio.
(26:00) P1 – Sei.
R1 – Eu não gostava de atender, eu não gostava de falar. Era muito... foi muito louco isso, isso foi um aprendizado.
(26:10) P1 – Sim.
R1 – E aí as coisas foram acontecendo e a hora que você viu eu estava comerciante, tive... resolvi que eu ia ter que encarar, gostar do público, gostar de atender, eu fui aprendendo, eu era muito avessa a isso. Eu tenho... não parece, mas eu não era muito falante.

(risos)
(26:29) P1 – É mesmo? (risos) Mas, para a gente, quanto mais fala é melhor, para nossa entrevista aqui. Viu, Rose, você... esse foi seu primeiro emprego? Esse ateliezinho...
R1 – Foi!
(26:42) P1 – Pintar as coisas.
R1 – Sim.
(26:45) P1 – E aí você já começou a vender para o pessoal do bairro ou ia no Centro da cidade? Onde você arrumava o público, para comprar?
R1 – Eu fiz muita feira, feira de artesanato e era o jeito que eu conseguia para vender. A gente fez feira muitos anos, muitos anos e foi, inclusive por causa disso de fazer feira que surgiu a oportunidade de montar loja/loja, porque até então aquilo não era uma loja, era só um espaço para trabalhar e, numa dessas feiras, eu encontrei pessoas... na época não tinham construído ainda o Plaza, o shopping é Plaza, né? Não, desculpa, shopping do Centro da cidade, eu sempre confundo o Praça Shopping com o Plaza, desculpe, é o Praça, Praça Shopping, que é ali no Centro, estava... tinham desocupado, era um cinema ali, se não me engano, Cine Rio Preto, estava desocupado para construir e uma pessoa me procurou, ‘seu’ Claudio lá do São Judas, para... ele tinha conseguido um espaço em nome do São Judas, para vender artesanato e ele estava procurando artesãos. E o que é? Como funcionava? O São Judas conseguiu espaço, pela estrutura enorme que ele tinha e nós, os artesões, entrevam com o produto para vender, que era um ponto no Centro da cidade e 20% era para o São Judas.
(28:20) P1 – Sim e...
R1 - E foi assim que começou. (risos) Nós fomos lá vender artesanato no Centro da cidade, loja chique já desde o início, um ponto no Centro da cidade (risos) e aí, quando acabou isso, porque aí teve que desocupar, foi construído um shopping, o Praça Shopping, né, nós conseguimos um outro espaço ainda mais... do lado de lá da praça, mas durou pouco também. Aí a gente tinha gostado da história de vender no Centro da cidade, aí nós nos juntamos e alugamos um espaço, fizemos... tivemos a coragem de alugar um espaço e mantendo aquele tempo, mas aí, durou alguns anos, mas foi... aí vai ficando inviável. Você, com vinte por cento, não mantém uma loja no Centro da cidade, vinte por cento da venda de todo mundo, né? Foi se tornando inviável, muita gente... eram 15, vinte artesãos, vai tendo as desavenças, as discordâncias, aí vai um sai daqui, outro... primeiro rachou no meio: um foi para um lado e montou uma outra loja e o outro ficou para o lado de cá. E depois, aos poucos, as coisas foram ficando inviáveis, foi dando muito problema, no final das contas sobrou eu (risos)... tem que sobrar e sobrou eu de... fiquei, de susto eu fiquei. Quer dizer: eu virei comerciante sem querer, não sei, aconteceu, não foi nada planejado, aconteceu.
(29:55) P1 – Certo. E essa loja que ficou só para você, era onde?
R1 – No Centro da cidade, na Tiradentes, entre a Coronel e a General, ali em frente ao Turi Hotel. Na verdade, era um pouquinho mais para baixo antes, quando nós começamos era ali, do lado de onde é hoje... como é? O Mundo da Festa. É o Mundo da Festa agora, na esquina, quase na esquina com a Coronel, na Tiradentes. Eu fiquei dez anos ali e depois eu mudei três lojas para cima, já mais quase em frente onde era o Turi Hotel e fiquei mais dez anos lá, fiquei quase onze lá e agora eu estou na Boa Vista, voltei para o meu lar. (risos) Agora eu estou na Boa Vista.
(30:41) P1 – Sim, viu, Rose, você... aquela primeira feira que você começou, era naquela praça na frente do shopping? Do...
R1 – Isso! Eu fiz feira naquela praça em frente ao shopping, na outra em frente a catedral, mas foi... e lá na biblioteca, em frente à biblioteca, que agora está o terminal, naquela outra praça também e fiz algumas feiras fora e aí eu participava de vez em quando, de final de semana, em algumas feiras fora, Oswaldo Cruz... teve uma época que foi muito bom, feira! Teve uma época que eu consegui bastante, depois passou a não dar mais retorno, passou a não valer a pena, sabe? As viagens, o custo da feira, a viagem ou o tempo de você perder um final de semana, eu fiz feira mesmo depois que eu abri a loja, eu fiz feira muito tempo, que a gente usava até a feira para divulgar a loja.
(31:51) P1 – Sim.
R1 - Só que chegou uma época que o que se vendia era muito pouco e você trabalhar a semana inteira na loja e sábado e domingo na feira, não estava assim... não estava dando, chegou uma hora que eu pensei assim: “Se eu precisar de fazer feira para ter cliente na loja, eu faço feira, então”, sabe?
(32:09) P1 – Sim.
R1 – E como a feira... eu resolvi desistir da feira, fiquei com a loja.
(32:16) P1 – Legal. E, Rose, como é que é... sim... como é o público para o seu ramo, em Rio Preto? O pessoal consome bastante artesanato?
R1 – Artesanato eu acho que em Rio Preto não tem muita... é uma visão que eu tenho, não sei se é certa, não, mas na minha vivência o que eu penso é assim: artesanato em Rio Preto não tem tradição e não tem valor. Acho que no Brasil já não tem. Em Rio Preto, a impressão que eu tenho... e não estou falando mal de rio-pretense, porque eu sou rio-pretense, certo? Eu nasci aqui, mas é uma característica, as cidades criam, eu vejo o artesanato como um hobby, não tem muitos profissionais, não tem muito campo para isso, então, os valores - porque acho que é questão de valor – são outros aqui em Rio Preto, se dá valor a outras coisas. Então, culturalmente o artesanato não tem muito espaço, eu percebo que as pessoas procuram... eu trabalhei muito tempo na loja com artesanato pronto, agora eu trabalho com material, tá? Na época que eu trabalhava com o artesanato pronto, o que você percebe é que as pessoas, quando vão procurar o artesanato, no geral, sempre tem exceções, elas vão procurar um presente artesanal porque é baratinho.
(33:49) P1 – Sim.
R1 – Porque elas querem economizar, (risos) entendeu? Se elas tiverem dinheiro, elas vão comprar um presente de marca lá no shopping. Se elas não tiverem dinheiro, então elas procuram a loja de artesanato: “Ah, uma lembrancinha”. (risos) Então, essa é a impressão que eu tenho no geral, tem exceções, mas é isso que eu vejo. Então, o artesanato eu acho um ramo muito difícil. Eu, como sou uma pessoa que tem loja, hoje, de material de artesanato, mas sempre fiz artesanato, meu sonho era ter uma loja completa, maravilhosa, tudo eu queria ter, queria ter de tudo um pouco e não tem público para isso hoje em Rio Preto. Posso estar... de repente, eu que não soube, mas eu não vejo caminho para isso, você tem que... eu percebo o Rio Preto... o artesanato em Rio Preto é de moda, né? As pessoas que fazem artesanato fazem porque se aposentaram, fazem porque estão um pouquinho depressivas, qualquer coisa assim e, nisso, elas não têm o artesanato assim, não é aquela coisa. Então, elas não se especificam em nada. Saiu agora, por exemplo, nesses últimos dois meses, virou moda, resina.
(35:09) P1 – Ah!
R1 – Todo mundo está fazendo resina. Daqui um ano, o pessoal fala assim: “Nossa, resina não, Deus me livre!” (risos) Então, não tem artesão, não tem uma pessoa assim: “Ah, eu faço, eu pinto, eu bordo”. Não, as pessoas mudam, vão mudando de galho em galho, de acordo, porque, na verdade, o negócio é distrair, é novidade, sabe? Então, não tem uma pessoa... é essa a impressão que eu tenho, não sei se é assim, mas é uma coisa que eu gosto muito, eu faço com muito gosto. Eu gosto muito do que eu faço. Engraçado que eu não escolhi isso (risos) assim, conscientemente, mas eu gosto muito. A minha loja é a minha vida, eu tenho trinta anos já mexendo com isso. Então, é, assim, o que eu sei fazer, é o que eu gosto, eu sei fazer e gosto. A parte, assim, de ser dona de loja eu não sei muito não, mas eu gosto muito do artesanato. (risos)
(36:10) P1 – Do artesanato. E, Rose, você que produz tudo? Você que produz tudo que existe na sua loja ou você compra também?
R1 – Não. Na época que eu trabalhava com o artesanato pronto, eram coisas que eu fazia. Quando estavam mais pessoas, cada um tinha o seu que fazia, cada um... depois, quando eu fiquei sozinha, o que eu tinha de artesanato para vender feito à mão era eu que fazia e depois eu comecei a trabalhar com um pouco de decoração, comecei fazer arranjos de flor. Então, aí, ou seja: você compra a flor pronta - não fazia flor - e montava o arranjo, fazia as minhas plaquinhas de maternidade com nome, que isso é uma coisa que eu sempre fiz personalizado, essas coisas e eu... e essa parte de bebê, de criança, sempre foi muito ligado, né, eu sempre tive isso. E quando eu parti para o lado do arranjo, eu comecei a pegar peças prontas decorativas...
(37:17) P1 – Sim.
R1 – Mas já faz 12 anos, 13, que depois... minha loja sempre chamou só Artesanato. Eu atendia o telefone e as pessoa perguntava assim: “Tem tinta de tecido? Tem tinta não sei o quê? Tem pincel?” e eu falava: “Não, vai no cartonagem”, sabe? Eu passei dez anos mandando os clientes para a cartonagem, por isso que a cartonagem tem tanto (riso) cliente, está vendo? (risos). Aí me veio a ideia de pensar assim: “Chama só Artesanato, as pessoas acham que eu tenho material de artesanato”. Eu comecei a colocar material. Eu dividi a loja no meio: metade da loja era artesanato, peças decorativas, aí já estava muito voltado mesmo para decoração, arranjo e peças decorativas e o outro lado eu comecei pôr material, aos poucos. O dinheiro estava curto, foi bem devagar, mesmo, bem... (risos) comecei bem pequenininha, bem... e aí precisei mudar a loja lá do Centro, os herdeiros do prédio queriam reformar e pá, pá, pá e aí chegou na hora da reforma, precisou derrubar o prédio... precisou não, eles acharam melhor, ao invés de reformar um prédio antigo, derrubar e fazer um salão grandão e aí entraram em acordo comigo e eu fui para Boa Vista, numa casa que meu pai tinha deixado de herança para a gente, para não pagar aluguel, para eu poder voltar para o Centro de novo. Eu fui e fiquei, não voltei, não voltei mais para o Centro e, a partir do momento que eu fui lá para Boa Vista, eu fui acabando de mudar o perfil. Eu fiquei mais uns três anos, quatro, com arranjo ainda e fui parando com isso, hoje eu só vendo material. Então, você me perguntou o que eu tenho na loja, eu que faço? Quando eu vendia material... quando eu vendia o artesanato pronto sim, eu fazia praticamente tudo e agora eu não faço mais nada, agora é comprar, para não perder a vontade de... perder a vontade não, para não ficar com vontade de pintar, eu agora pinto a parede, pinto a porta, pinto os banquinhos, sabe? (risos) Meus banquinhos da loja, da sala de aula, que eu tenho uma sala de aula lá, eu pintei tudo colorido, a cor da porta eu passo, ponho papel contact, eu pinto florzinha, eu pinto... (risos) Então, eu, hoje, trabalho muito pouco com artesanato, hoje eu virei dona de loja mesmo, eu virei mercenária, eu brinco, agora eu sou mercenária não sou mais arteira, mas é...
(40:02) P1 – Comerciante.
R1 – É. (risos)
(40:05) P1 – Você é uma...
R1 – É que eu gosto de esculhambar, falar que agora eu sou mercenária, não sou mais artesã, (risos) mas eu gosto muito, gosto muito, gosto muito da pintura...
(40:18) P1 – De quadros?
R1 – Oi?
(40:19) P1 – Você pinta quadros? Você pintava quadros?
R1 – Pintei, pintei. Nesse curso que eu fiz, foi o único curso que eu fiz quando eu tinha lá meus 15, 16 anos, 14, eu pintei cinco, seis, sete quadros lá e depois pintei mais alguns, depois que eu parei de fazer o curso, mas muito pouco, porque daí foi quando eu já comecei com o atelier, aquelas coisas e eu já direcionei aquilo tudo. Hoje eu pinto madeira, eu pinto tecido, eu pinto cerâmica, eu pinto qualquer coisa com aquilo que eu aprendi naquele curso, porque eles me deram noção de tintas, de cor, de mistura, de sombra, de coisa... então, tudo que eu faço, tudo que eu já fiz de pintura na minha vida, foi com aquele curso que eu aprendi. Na verdade, lá eu aprendi a desenhar e a pintar tela, dali eu comecei a pintar tecido, comecei pintar madeira, comecei pintar parede, (risos) pintar móveis (risos) e foi tudo de lá. Então, eu pintei quadros, mas o último que eu pintei eu acho que eu tinha uns 22, 23 anos, depois nunca mais pintei quadro.
(41:31) P1 – Sei.
R1 – Agora eu pinto parede e banquinho mesmo. (risos)
(41:37) P1 – Certo. Rose, então, hoje os seus clientes são quem, assim? Uma escola que manda crianças comprar o material para fazer a arte, quem é o seu cliente principal?
R1 – Hoje, na loja, o perfil da loja foi mudando, né? Trinta anos já mudou bastante, como eu digo, aquela coisa eu fui seguindo de acordo com o mercado, você vai sendo levada, né? Nada, eu falo que nada na minha vida é muito planejado, embora todo mundo diga que eu sou uma pessoa muito racional, mas (risos) minha vida vai sempre... nunca tem um planejamento muito assim, não. Hoje meus clientes são: o grosso, o grande... a minha loja está dividida em duas: pintura ou modelagem, tá? Hoje a parte de modelagem ser biscuit, pasta americana, é o meu forte, é o meu foco maior, cresceu muito essa parte minha na loja, eu acabei me especializando nisso, não tem muita gente que trabalha com isso, com a variedade que eu tenho, então eu me especializei nisso e a parte da pintura que eu não abandono, né? A parte da pintura teve queda, agora já está voltando, com a pandemia está voltando, tem muita gente indo para o artesanato, para não ficar louco e a pintura é muito relaxante, é muito boa, então, está voltando a florescer de novo, mas é parte de modelagem e pintura. Então, quem trabalha com biscuit, com a pasta americana, que é o biscuit, peças decorativas, pasta americana, confeitaria, festas, que agora festas todas estão temáticas, né? Os docinhos são todos feitos de acordo com o tema da festa, aquela coisa toda. Então, minha clientela está muito, assim, dividida. A loja está praticamente dividida em dois de novo, só que com o artesanato. A parte de pintura em tela, pintura em madeira, as telas, os pinceis, as caixinhas de madeira, as tintas e do outro lado a parte de modelagem, cortadores... massa, é o meu forte, é o meu foco, hoje é esse.
(43:52) P1 – Muito bom. E você faz propaganda? Porque todo comerciante faz alguma propaganda: ou panfleto, ou na rádio, ou no jornal, ou no Facebook. O que você usa?
R1 – Então, eu falo que não sou uma comerciante muito boa. (risos) Eu faço muito pouca propaganda, mas eu uso muito hoje, hoje eu tenho usado muito o Facebook, o Instagram e o WhatsApp. Hoje, mais do que nunca, eu procuro... hoje, se você for ver, a propaganda que eu faço é essa, que é quase nenhuma, porque eu tenho um lema que vai parecer muito estranho. Eu, hoje, na fase em que estou na minha vida, eu não quero crescer, eu faço o que eu gosto, entendeu? Eu faço o que eu gosto, minha vida é aquilo, mas, assim, eu não quero ter três lojas, não quero ter cinquenta funcionários, não quero. O tamanho que eu estou é o que eu quero ficar. A gente só tem que tomar cuidado quando toma essas decisões, porque você pode ser comida, né, pela concorrência, né, pode sair um tiro pela culatra, mas eu não quero. Eu, hoje, a loja para mim é um prazer, sempre foi, mas quando, assim, você tira essa preocupação, essa ânsia de crescer tá, tá, tá, tá, ah, ganha outro significado, é muito bom. Eu preciso me sustentar, eu preciso que a loja se sustente, eu nem preciso do sustento dela, né, assim, de tirar o sustento, mas é muito bom quando você consegue, né, (risos) ter o retorno, mas, assim, eu preciso que ela se sustente, então, eu preciso fazer aquele mínimo.
(45:41) P1 – Sim.
R1 – Isso eu tenho, então eu cuido para isso. Mas eu não quero crescer, eu não tenho... não, eu acho que perde. Eu já tive uma loja maior no Centro da cidade, com mais funcionários, com mais coisas, numa época que eu era nova, eu tinha minha vida, eu tinha que fazer a minha vida e ra, ra, ra e eu acho que não vale a pena. Hoje, com a minha cabeça, eu não faria aquilo. Eu teria ficado lá onde comecei, lá na Boa Vista, no meu atelierzinho, porque...
(46:10) P1 – Sim.
R1 – Sabe? É muito cansativo, o comércio é muito estressante, a concorrência, a economia do país é muito... então, você vai... você tem uma estrutura grande, para você manter essa estrutura é muito estressante e eu, particularmente, hoje eu não quero isso para mim, não. Meus clientes da loja eu conheço... lógico que não são todos, mas eu tenho aqueles clientes que eu conheço marido, a mulher, os filhos. Eu tenho cliente que eu vi o filho pequenininho e hoje ele está com 15, vinte anos. Eu tinha um cliente, quando eu estava ali no Centro lá, o menino dele trazia balinha para mim, sabe, de presente, que eu brincava muito com ele na hora que ele estava lá na loja, hoje ele está com 18, vinte anos (risos) e, às vezes, ele vai lá e eu fico assim: “Cadê minha bala, Mateus?” (risos) Então, eu conheço pelo nome, eles me conhecem, eles conhecem meu marido, eles conhecem meu cachorro. De vez em quando até meu cachorro eu levo na loja. (risos) Então, hoje aquilo lá tem um outro formato e eu gosto. Hoje a loja tem a minha cara e eu gosto muito disso.
(47:25) P1 – Que bom! Rose, onde você compra o material que você usa para fazer suas coisas e vender? Quem são seus fornecedores? É fora de Rio Preto?
R1 – A maioria sim, fora, porque tinta você trabalha, você tem que trabalhar com Acrilex, Corfix, tudo. Pincel a mesma coisa, né? Tela eu tinha... tela eu já tive fornecedor aqui de Rio Preto, eu tinha... parou de trabalhar. Nessa crise, agora, está complicado, né, está tudo muito complicado. (risos) Todo mundo arrumando emprego, fazendo alguma coisa, cada um indo para um lado. Madeira eu ainda pego ou em Rio Preto ou nas proximidades, são coisas mais perto, mas a maioria, hoje, por causa de eu vender material, meus fornecedores são, praticamente, todos de fora e todos, assim, fornecedores de empresas grandes, né? Então, para você ter preço, você precisa comprar tinta direto da fábrica, você precisa comprar pincel direto da fábrica. Então, hoje eu tenho muito pouco fornecedor pequeno e de dentro de Rio Preto, tem... até papelaria agora também eu estou pegando mais longe um pouquinho. Eu tinha a Selucan aqui, que parou de trabalhar, diminuiu bastante, acho que eles até pararam. Hoje a loja perdeu essa coisa que... mas os meus fornecedores são, assim, escolhidos, eles foram se adaptando, sabe? Hoje a gente tem uma família. (risos) São, assim, pessoas que eu confio e que confiam em mim. Isso é muito gostoso, essa relação, sabe, de você... por toda... são muitos anos, né? Então, você vai criando vínculos, até com os fornecedores, (risos) você vai... o perfil vai ficando muito interessante. Por isso que eu falo: eu estou numa época muito boa agora, uma época que a loja está tranquila, está do jeito que eu gosto, sabe?
(49:300 P1 – Que legal!
R1 – É muito incomum. Passei muito período difícil, passei muitas coisas, já vendi apartamento para manter a loja, eu já vendi carro, só que comprei de novo. (risos) Já passei muita, muita pendenga. Hoje, apesar da crise que agora parece que está... vai pegar pior ainda, né? O ano passado eu tive um ano muito bom, o pessoal foi tudo para o artesanato, eu perdi, como você falou: “Ah, você tem alunos, escola?” Eu tinha, eu fazia vendas para ONGs, para coisas assim que eram em quantidade e isso era muito bom, era muito confortável, porque você tinha uma venda fixa no mês, né, que... só que, com a pandemia, parou tudo isso, eu perdi toda essa clientela. Outra clientela que eu tinha forte era da confeitaria de festa, faz um ano e meio que não tem festa. Hora que começou essa pandemia eu falei assim: “Fali”. (risos) Porque o grosso da minha venda, né, o que me dava estabilidade, parou de uma hora para outra, parou. E interessante como a gente nem imagina, né? Foi substituída pelo pessoal que está tudo desesperado aí, em casa, batendo a cabeça na parede e foi fazer artesanato. Eu não tive crise. Eu comecei a sentir a crise agora, sabe, com esse último lockdown aí, comecei a sentir, mas o ano passado foi muito bom para mim, foi muito... lógico, eu tenho uma estrutura pequena, um custo baixo, né? Foi na hora, assim, isso aconteceu... se tivesse... essa crise e essa pandemia tivesse acontecido quando eu tinha a loja lá no Centro, eu acho que eu não teria aguentado.
(51:23) P1 – Sim.
R1 – Eu acho que eu teria sucumbido, porque eu tinha uma estrutura, uma coisa muito grande e não tinha reserva. Foi uma época muito louca, eu comecei a loja sem um capital, eu não tinha um dinheiro para investir, a loja começou assim, juntou três, quatro: “Vamos lá vender?” (risos) Então, eu nunca tive dinheiro, né? Nunca tive gordura para queimar. Então, teve épocas aí, lá no Centro da cidade que, se eu tivesse pegado essa pandemia, sinceramente, eu estava hoje fazendo... pintando guardanapo em casa, de novo (risos).
(52:01) P1 – Rose, mas nessa pandemia que começou em março do ano passado, então você já disse de que você perdeu muita coisa, mas ganhou também, que as pessoas ficam mais em casa, né? Mas o que mais que foi desafio para você? Você tem funcionário? E você pensou... o que você pensou sobre a pandemia?
R1 – Ah, deu desespero. O que eu pensei foi desespero. A hora que a coisa aconteceu... a pandemia começou em março, o primeiro fechamento foi em março, né, do ano passado e eu tinha começado a fazer uma reforma na loja e a primeira vez que eu faço uma reforma, que eu tinha um dinheirinho guardado, eu sempre começo... eu faço alguma coisa, assim, pensando no dinheiro: “Eu vou ganhar mesmo, então eu vou fazer”. Dessa vez eu tinha um dinheirinho guardado, né, para fazer e eu comecei fazer a reforma numa semana, na outra segunda-feira... numa segunda-feira o pedreiro começou, na outra semana, na próxima segunda-feira fechou o comércio, aí eu falei assim: “Meu Deus! (risos) Bom, o dinheiro que eu tenho...” não ia dar para terminar, tanto que eu parei meio pelo... não parei no meio, mas eu fiz algumas coisas, eu mesma pintei as paredes, eu mesma, para... porque o dinheiro ficou curto, né, foi aquele período de apreensão e eu pensei: “E agora?” E na época eu não estava... eu estava sem funcionário na loja, já estava precisando de um funcionário, porque eu não estava aguentando manter aquilo sozinha, mas eu estava sem funcionário, mas eu estava com uma reforma. Pedreiro é uma coisa abençoada na vida da gente, uma reforma a gente pensa que vai gastar cinco e gasta 15. Foi exatamente o que aconteceu, (risos) né? E eu, então, entrei, realmente... me desesperou e aí, a primeira coisa que eu percebi: acabou as minhas vendas, eu vendia para alguns lugares mensalmente que eram... que são escolas, são ONGs, são coisas que consomem um tanto bom de material e parou, do nada parou e não voltou até hoje isso, essas minhas vendas não voltaram até hoje. Aí a outra coisa que eu tinha muito grande na loja era a parte do pessoal que faz lembrancinhas para festa, que é a confeitaria e o biscuit. Parou. Aí eu falei assim: “Dancei. (risos) Eu vou ficar com uma loja reformada, mas fechada... o que eu vou... para quem eu vou vender?”. Entrei sinceramente em desespero, fiquei muito preocupada, fiquei preocupada uns 15, vinte dias e eu falei assim: “Meus Deus”. E em reforma aconteceram várias coisas, foi complicando. Então, foi um período muito estressante. Só que eu percebi que, de portas fechadas, eu fui vendendo. Foi pelo WhatsApp, já tinha WhatsApp, já estava, então eu fui me educando... me... tentando ir para esse lado, até estruturando, porque eu não tinha site, eu não tinha nada, eu não tinha estrutura para uma venda on line, não tenho até hoje, mas eu me virei. Eu foquei no Facebook, no Instagram e no WhatsApp e fui. (risos) E as coisas foram acontecendo, sabe, deu certo. Aí eu acabei no... você vê: em plena pandemia eu não tinha funcionário antes, na metade do ano eu contratei uma pessoa para me ajudar, porque a venda pelo WhatsApp é muito mais difícil, é muito mais... toma muito mais tempo, é muito desgastante. Hoje em dia estou bastante desgastada mentalmente com isso, assim, o trabalho que você faz... é que é muito complicado, mas eu fui me adequando, eu gosto de tecnologia, não tenho formação nenhuma nisso, mas eu gosto, eu sou _________ (56:06), adoro, adoro coisa nova, adoro, adoro coisa diferente e eu fui me adequando e acabou dando certo, sabe? Funcionou.
(56:18) P1 – Você chegou a fazer entrega?
R1 – Sim. Arrumei um mototáxi. Aí, a parte boa de você ser antiga no negócio é que você conhece muita gente, né? Eu tinha alguns mototáxis que passavam para pegar coisa para cliente lá e teve um ou dois que você acaba tendo amizade, né? Aí os procurei, acabou dando certo, eu parti para a entrega, exatamente, porque na época que esteve fechado/fechado o que você podia fazer era entrega, né?
(56:51) P1 – É.
R1 – Então, acabou dando certo, as coisas vão tudo se encaixando, eu falo: “Na minha vida eu não planejo nada, mas dá tudo certo”, sabe? O mototáxi tinha... tem um ponto perto da loja para ele, é fácil, sabe, acertamos os valores, acertamos as coisas e fui me virando. Então, é isso. Só que, para você fazer a venda para entregar, sem ter um site, é complicado, né? Foi tirar fotos, foi se adequando, tentando atender o cliente e a gente vai ficando muito estressada, muito cansada, a gente até peca, às vezes, no atendimento. Você não tem a estrutura, o cliente quer e está todo mundo louco, a gente está louco, os clientes estão loucos, (risos) está tudo muito estressante, né? Então, você precisa... eu, essa semana eu estou naquela assim: “Rose, baixa a bola!”, sabe? Vamos voltar porque não se esqueça que isso é uma diversão para você, é prazeroso, então tem que ser prazeroso. E quando você faz dessa maneira, prazerosa, a coisa flui muito; quando você fica estressado, a coisa desanda, é um problema atrás do outro. Essa semana eu já me peguei de novo, sabe? Falei: “Rose, baixa a bola, (risos) vamos respirar fundo”, sabe? Você está... você está, o prédio que eu tenho a loja é meu, eu não pago aluguel, eu tenho um funcionário, puxa vida, tem que pagar a luz: “Calma Rose, tudo vai dar certo”. Vamos, que a coisa... sabe? Eu estou... essa semana eu estou me segurando, falei: “Para, não vai ficar estressada de novo”. Eu não quero ser aquela pessoa dos trinta anos que eu fui: estressada, preocupada. Não, eu não tenho mais idade para isso, vamos devagar. (risos)
(58:41) P1 – (Risos) Sim. Rose, você costuma... hoje em dia, pela internet você consegue tudo que você quer, comprar qualquer coisa, mas você chegou a ir, como muita gente da sua área e muito comerciante de qualquer área, costumava pegar o trem aí ou o ônibus, ir para São Paulo, para comprar mais barato lá. Você já fez isso?
R1 – Fiz, mas não... não, fiz, teve uma época que eu fiz, mas é... foi num outro foco. São Paulo... meu pai, como o meu pai tinha a marcenaria, ele comprava muito no Brás e ele ia, ele sempre teve caminhonete por causa de ter marcenaria, essa coisa de caminhonete. Então, todas as... quando eu fiz compra fora foi sempre assim: carona com meu pai. Meu pai me ajudou muito, muito, muito, muito. Então, ele ia para São Paulo, fazer as coisas dele, ia eu, ele e minha mãe. Minha mãe trabalhou comigo na loja muitos anos. E aí, ele ficava lá fazendo as coisas dele e a gente ia à pé até a 25 de Março, às vezes ia de taxi, que era bem próximo, sabe? E a gente comprava as coisas daqui. Isso quando eu comprava as coisas em São Paulo. Mas depois, quando eu pus a loja, como eu te falei, com... voltado mais para a decoração e já começando a colocar o material de artesanato, eu ia muito para Pedreira e Porto Ferreira e a gente ia de carro com o meu pai, de caminhonete. Aí meu pai, não é nem que ele ia lá para fazer as coisas dele. Não, ele servia de motorista para nós, mesmo.
(01:00:22) P1 – Para vocês... (risos)
R1 – Sabe? Ele tirava um dia do trabalho dele para levar a gente, sabe? Meu pai foi muito, muito gente boa demais da conta. Então, a gente... ele... tinha dia que nós fazíamos as duas cidades: Pedreira e Porto Ferreira, num dia, às vezes, de vez em quando a gente dormia lá. Então, eu pegava madeira lá, pegava as pecinhas decorativas, essas coisinhas, foi quando eu viajei. Agora, esses bate-volta de São Paulo eu não nunca fiz, nunca precisou e por causa até do ramo da loja, né? Nunca precisou. E depois que o meu pai morreu, meu pai morreu já faz vinte anos, eu ainda viajei mais um pouco, mas a loja já estava mudando o perfil e aí, a partir do momento que você vende material, como eu te falei, você liga, tem um representante da fábrica de tinta, da fábrica de pincel, da... você entendeu? E as coisas foram facilitando com a internet também, né? Então, você vai arrumando as coisas mais fáceis. Eu parei de viajar, evito, evito viajar, acho muito cansativo e desnecessário, não faço essa loucura.

(risos) Admiro esse povo do bate-volta aí, eu fiz esses bate-volta, mas de carro, né? Eu acho um pouco melhor, que não tem que esperar o horário de ônibus, não tem que esperar... é sempre um pouquinho mais fácil. Cansativo também, mas era mais fácil.
(01:01:53) P1 – Certo. Rose, e como você conheceu seu marido? Eu sei que você tem marido, porque você já falou na entrevista, né?
R1 – Tenho.
(01:02:-2) P1 - E como foi que vocês se conheceram?
R1 – Ah, meu marido é um caso sério na vida da gente. (risos) Eu conheço meu marido desde dos sete anos.
(01:02:10) P1 – Sério?
R1 – Ele era de Mirassolândia e mudou na rua que eu morava, que até hoje minha mãe mora, inclusive a mãe dele também, praticamente uma casa na frente da outra. Então, ele era um dos meninos que brincavam comigo na rua. (risos) Até que então eu o conheci, com sete anos de idade, brincando na rua com eles, com ele e o irmão dele, que eles são dois e foi assim, quando eu estava com os meus... acho que 12, 13 anos, ele começou a ciscar no meu terreno para namorar. Eu tenho cartinha de... senão me engano é de 12 anos, quando eu estava com 12 anos, dele me pedindo em namoro por carta, carta com perfume, sabe? (risos) Eu tenho até hoje essas coisas, mas na época eu sempre fui muito estranha, sabe? Na época eu falava assim, eu pensei assim comigo: “Eu não quero namorar, não”, sabe? Eu não tinha isso, hoje a meninada com dez anos já está namorando, né?
(01:03:13) P1 – É. (risos)
R1 – Eu tinha... até meu... eu fui namorar depois dos 17 anos, eu não queria namorar não, eu falei: “Ah, eu não quero isso, não”, mas ele ficou ciscando ali, ciscando, até que ele conseguiu (risos) me namorar e eu o namorei muito tempo, namorei dois anos seguidos, aí nós separamos, fiquei acho que quase dois anos separada, aí nós voltamos, namoramos mais seis anos, aí depois que eu casei. É, assim, minha mãe fala que eu já estou fazendo bodas de ouro, entendeu? (risos) Porque, da época que a gente se conheceu até hoje, ela fala: “Não, isso aí já é boda de ouro”. (risos)
(01:04:00) P1 – Sim, e como que ele chama? E o que ele faz?
R1 – Maurílio, Maurílio Bassan. Meu marido trabalhou muitos anos na Rodobens, trabalhou 23 anos lá e depois ele saiu e montou um negócio com mais dois sócios, de assessoria de outsourcing, eles falam, não sei nem falar isso, mas é Departamento Pessoal, ele sempre trabalhou no Departamento Pessoal e montou essa empresa com esses dois, três sócios e ficaram uns quatro, cinco anos e vendeu a parte dele e hoje, assim, apesar do meu protesto, ele resolveu ser construtor. Então, hoje a profissão... uma coisa que eu não queria que ele fizesse, mas ele pegou para fazer, ele falou que não queria mais trabalhar de carteira assinada, ser registrado com aquela... engessado e foi para um lado que ele não tem formação, não tem nada, ele resolveu fazer isso. A gente sempre esteve metido com isso, né? Meu sogro faz servicinho de pedreiro, não é pedreiro de profissão, meu sogro era motorista, mas sempre trabalhou, meu pai sempre mexeu com elétrica, alguma coisa, foi marceneiro, então, para a gente, essa coisa do fazer é muito presente. Então, assim, reforma em... meu sogro pôs laje na casa dele sem ser pedreiro, sabe? (risos) Faz serviço de encanamento, meu pai sempre fez, minha mãe consertava ferro, chuveiro. Então, para a gente, esse tipo de coisa é intuitivo, faz parte da vida, né? Tudo. Quebrou um negocinho em casa, você não pensa em chamar o encanador. (risos) Você chama o marido, o sogro. (risos)
(01:05:51) P1 – É bom isso, né?
R1 – É, é ótimo. Então, ele está hoje no ramo da construção, está... ele tem um sócio, que é como um mestre de obra, que realmente sabe essa parte de construir, de pegar no pesado e ele fica com a parte “intelectual”, entre aspas, a parte da papelada, essa coisa eles estão... mas, assim, é construção pequena, é coisinha assim, casinha da... financiamentos da Caixa, sabe? Minha Casa Minha Vida, é coisinha pequena, é... mesmo porque, você tem que ter um dinheiro para investir nisso e o nosso é limitado, então, constrói uma casa e vende, tá? Constrói e vende, é coisinha pequena.
(01:06:39) P1 – Legal.
R1 - E eu não gostaria que ele fizesse isso não, mas ele resolveu, porque acho isso muito estressante, mexer com construção é muito estressante.
(01:06:48) P1 – É difícil, mesmo. E, Rose, e filhos, você tem filhos?
R1 – Não tenho, por incrível que pareça não dei conta de fazer nenhum. (risos)
(01:06:57) P1 – Ah, é?
R1 – Uma falha minha. (risos) Não tenho filhos.
(01:07:02) P1 – Certo. E você já disse na entrevista, agora há pouco, que você não tem o sonho de montar uma loja maior de novo, de montar uma franquia, abrir em outra cidade ou em outro bairro, mas então o que você pensa do futuro, assim, o que você espera do futuro?
R1 – Meu futuro é continuar trabalhando. Eu gosto muito do que eu faço, como eu digo. Então, eu vou manter a loja enquanto eu tiver saúde e paciência porque, na verdade, nesse período todo, eu desenvolvi outros interesses, né? A loja não deixa de ser a minha vida, é aquelas coisas, faz parte da minha vida. Eu acho que, se um dia... se um dia não, um dia eu vou ter que parar de trabalhar, um dia eu vou ter que fechar aquela loja, né? Eu sei que vai ser uma perda, vai ser assim, porque é muito tempo fazendo isso, mas nesse meio tempo, na parte espiritual, eu encontrei outras coisas, você entendeu?
(01:08:12) P1 – Sim.
R1 – E que, para mim, preenche muito. Tanto que, às vezes, eu acho até que eu nem sei se eu também sentiria tanta falta, não. Eu, já faz alguns anos que eu tenho... eu sempre estive engajada em algum tipo de trabalho voluntário, alguma coisa eu sempre fiz, mas de uns anos para cá, eu criei um trabalho. Nós tínhamos um grupo de amigos e nós fomos procurar alguma coisa, um jeito de ajudar de alguma maneira e nós temos um trabalho com crianças num bairro, já faz acho que cinco anos, já faz cinco, vai para seis anos e esse trabalho me consome, assim, o tempo, uma coisa que eu gosto muito. Agora, com a pandemia, nós não estamos podendo ir, porque a gente vai todo sábado à tarde, como eu trabalho tem que ser de sábado, né? Então, a gente vai todo sábado à tarde e nós ficamos das duas às cinco com as crianças, crianças do bairro pobre, nós conseguimos com a prefeitura a escola lá na região para ter um lugar, né, um teto, uma sombra, um banheiro para ir, a gente leva lanche, eu levo artesanato, que é o que eu sei fazer, então, eu levo a... ensino artesanato e o meu marido e os outros maridos do pessoal ali vão no futebol com as crianças e nós estamos já há uns cinco ou seis anos com esse trabalho, bastante cansativo, porque para eu chegar lá, pegar dez, 15 crianças, nós temos por volta de 45 a 50 crianças, a gente leva o lanche e faz o artesanato e o futebol e fica a tarde toda lá. Então, para você chegar lá e dar artesanato... por exemplo: que fique comigo dez, 15 crianças, eu tenho que preparar aquilo, eu tenho que levar material, então é um sufoco, preparar lanches, a gente leva cinquenta lanches, leva leite, leva bolacha, leva... (risos) Então, assim, me consome e é muito gostoso e você cria vínculos, né? Cinco anos. Eu peguei umas crianças lá com dez, 11 anos, hoje já estão com 15, 16, é até engraçado você ver, sabe? Já tem alguns deles que têm filhos, porque lá eles têm tudo filho novos, né? É uma coisa de louco. 15 anos já estão grávidos. Então, eu tenho... eu sou espírita, eu tenho... na época que o centro está aberto, eu faço atendimento. Então, eu tenho muita... eu tenho a minha vida muito atribulada e agora também tenho minha mãe e meu sogro já estão de idade, agora já estão precisando de cuidados, já está ficando bem, bem complicado. Então, está... se eu não tiver a loja, acho que eu vou ter muita coisa para fazer, acho que não vai ter problema. E eu gosto muito dessa coisa da parte filosófica do espiritismo, do estudo, sabe? Eu tenho o grupo, eu tenho um estudo uma vez por semana com amigos, que agora a gente faz pelo WhatsApp por causa da pandemia. Então, eu tenho várias atividades nessa outra área que eu gosto muito. Eu gosto muito do estudo, dessa coisa. Então, meu plano para o futuro são aquelas coisas, trabalhar, (risos) porque eu gosto muito de trabalhar, quer seja com as crianças, quer seja com adulto e conhecer, gosto muito de saber, eu gosto muito do convívio, do que você aprende no convívio, né, na troca e na leitura, eu gosto muito da parte filosófica de como encarar a vida, da parte espiritual, isso que eu perco muito tempo. Perco não, eu invisto muito tempo com isso, nisso, de ouvir filósofos, de ouvir palestra, de ouvir, de ler, eu gosto muito disso. Então, meu sonho de vida é isso aí.
(01:12:23) P1 – Qual que é o bairro?
R1 – Meu plano é trabalhar, trabalhar enquanto eu puder, porque eu acho que é isso que faz você produzir, você se sentir útil, é isso que é bom na vida. É...
(01:12:34) P1 – Que legal!
R1 – Eu não tenho... eu acho assim: você precisa passear, você precisa ter, né? Porque você precisa para descansar a cabeça, para... mas, assim, no trabalho você se sentir útil, o trabalho no sentido de você ser útil, é indispensável para a vida da gente, é ele que traz a alegria de viver.
(01:12:54) P1 – Sim.
R1 - Você achar que você serve para alguma coisa.
(01:12:56) P1 – Muito bom. Rose, e qual que é o bairro que vocês fazem esse serviço social, mesmo?
R1 – Santa Clara.
(01:13:04) P1 – Santa Clara? É o que, zona norte? É que eu não sou de Rio Preto, eu conheço Rio Preto, mas eu não sou. É zona norte? O que é, lá?
R1 – Não, não, é aqui para o lado... para te dar uma explicação mais fácil, é... você indo para Talhado, na BR...
(01:13:24) P1 – Sei, sei.
R1 – Ao invés de você entrar para Talhado, você volta para Rio Preto, (risos) tá? Desce ali: Associação do Banco do Brasil, Bob, aí tem ali. Aí você pega uma vicinal - é longe demais da conta - e ali tem Cavalari, Santa Ana, Santa Clara. É aquele lado para que... ali mais ou menos na direção, sabe o posto da BR, aquele posto que tem famoso, o 53, acho que é... é naquela direção, só que aqui para dentro de Rio Preto, sabe? É bem, bem distante. Ali era um... aqueles loteamentos que o pessoal faz, que não tem aprovação, sabe, eram chácaras.
(01:14:12) P1 – Sim, sim.
R1 – Não tem asfalto, é uma tristeza ali, assim, as casas são todas sem reboque, (riso) É bem, é bem judiado. Ônibus, quando chove, nem chega lá, as ruas que descem fazem cada cratera, que você não consegue chegar de carro lá. É bem, bem judiado. Mas eles já melhoraram muito, eles estão em condições bem melhores hoje.
(01:14:37) P1 – Legal.
R1 – O resto da família foi se estruturando.
(01:14:42) P1 – Através... vai passando o tempo o pessoal consegue criar uma estrutura, né? Vai tendo ajuda de fora, vai melhorando um pouquinho.
R1 – É, vai melhorando.
(01:14:53) P1 – Rose, e o que... fora o trabalho, porque você gosta de trabalhar, trabalhar, trabalhar e isso que você falou socialmente é um trabalho, mas, sem ser trabalho, você gosta de ouvir música? Gosta de assistir filmes? O que você gosta de fazer? Passear…
R1 – Adoro assistir filme, gosto, gosto muito de assistir filme, gosto de viajar, não tenho feito isso, já não fazia muito, agora não tenho feito nada. (risos) É que está complicado. Gosto muito de filme, gosto muito de filme, arrumei... o ano passado, um pouquinho antes de... uns oito meses antes da pandemia, eu comecei cantar num coral - eu falo que eu invento - e a hora que eu estava pegando o jeito da coisa, começou a pandemia. (risos) Na hora que eu ia virar uma artista. (risos) Eu gostei muito, cantar no coral foi uma atitude de superação minha, foi uma coisa que eu quis tentar, eu não tenho voz e não gosto de pôr publicamente, não gosto, eu gosto muito... a conversa, assim, numa sala, eu converso que é uma coisa, mas essa coisa de subir num palco e me apresentar não é comigo, não gosto e cantar, eu não sei cantar, eu não tenho voz, eu não sei. Foi, assim, um desafio mesmo, eu queria fazer um negócio diferente. Sabe isso que você perguntou: “O que você tem de planos para o futuro?” Eu cheguei e falei: “Eu quero fazer um negócio diferente”. Aí eu fui numa palestra espírita e o cara que cantou lá um pouco antes, que é o Evandro Oliva, convidou, fez o convite que ele estava montando um coral e era um coral que não era um coral espírita, era um coral, sabe? A proposta dele foi muito interessante, muito, muito, me chamou a atenção e ele tinha acabado de cantar muito bonito, com aquele vozeirão, né? Aquela coisa, que eu não tenho, (risos) eu falei: “Eu vou lá ver esse negócio” e eu comecei a cantar, mas minha carreira foi muito pequena, a gente ensaiou quatro, cinco meses para fazer apresentação no Natal, né? Nós apresentamos em... acho que fizemos cinco apresentações.
(01:17:18) P1 – Sim.
R1 – Que para mim foi um desafio, né, como eu te falei, ficar lá no... sabe? Fazer uma coisa que eu não domino, né? Porque eu não domino, o canto para mim é terrível, em público, sabe? Mas foi para me superar, mesmo, que eu fiz. Eu gostei, gostei, achei muito legal. A voz não é lá grande coisa, mas eu fiz o que eu pude, sabe aquelas coisas? (risos) Eu me esforcei, vim ensaiar, vim fazer... fiz tudo que... e gostei, estava adorando. Aí nós começamos em janeiro, fevereiro um novo repertório para ensaiar, que a gente apresentaria na metade do ano, aí entrou a pandemia. Acabou a minha carreira.
(01:18:00) P1 – Mas vai acabar a pandemia, você pode voltar, daqui no final do ano. Não pode? Pode, sim. (risos) Rose, eu adorei sua entrevista. Tem alguma coisa que eu não perguntei, que você gostaria que eu tivesse perguntado? Porque eu perguntei da sua vida inteira.
R1 – É verdade, não sobrou nada. (risos) Aquela coisa: o que você não perguntou ainda eu falei, agora acabei de lembrar, por exemplo, que eu cantava num coral, minha frustração. (risos) Mas foi, realmente, muito gostoso o papo. Eu agradeço muito a oportunidade, foi muito interessante. Espero que sirva para alguma coisa, né, tudo isso.
(01:18:46) P1 – O que você acha de saber que agora a sua história de vida vai ficar no Museu, o Museu da Pessoa em São Paulo e vai passar para o Sesc, tudo quanto é Sesc, aí, essa história. O que você acha?
R1 – Ah, é muito louco. Como eu disse para você: minha vida acontece cada coisa que a gente não... (risos)
(01:19:10) P1 – Agora você é uma peça de museu, a sua imagem...
R1 – Peça de museu. Agora eu acabei de me sentir velha mesmo, já estava vendo que eu estava envelhecida, agora descobri, (risos) virei peça de museu, é muito além das minhas expectativas isso. Tirando a brincadeira da velhice, (risos) é muito legal, eu espero que seja útil. Eu acho que, assim, sempre a troca, você ouvir histórias de vida, acho que sempre acrescenta e é uma coisa que eu gosto muito. Então, eu fico feliz de ter podido participar e eu espero que traga algum tipo de contribuição, é muito gostoso.
(01:19:48) P1 – Com certeza trará. Eu gostaria de agradecer muito, em nome do Sesc e do Museu da Pessoa, a sua entrevista e te informar que logo mais, agora ainda está ruim a pandemia, mas nós temos um fotógrafo, aí do Sesc do Rio Preto, ele vai ligar para você, para fazer uma sessão de fotografias aí na loja. Se você tiver alguma foto antiga, de quando você começou no trabalho ou de quando você era criança mesmo, ele copia, para poder montar esse acervo seu, o material da sua história.
R1 – Que legal! Eu estou ficando muito importante, mesmo! (risos) Muito obrigada, viu, gente, valeu.
(01:20:33) P1 – Obrigado, Rose, um abraço, gostei muito de te conhecer. Até mais!
R1 – Um abraço. Eu também, foi um prazer.
(01:20:39) P2 – Um abraço, gente!
(01:20:41) P1 – Um abraço, gente!
R1 – Um abraço para todos. Tchau!