Museu da Pessoa

Tenho esperança e gosto de conviver com a juventude

autoria: Museu da Pessoa personagem: Risomar Fasanaro

Projeto Cotidianos Invisíveis da Ditadura
Entrevista de Risomar Fasanaro
Entrevistado por Lucas Torigoe (P/1) e Luis Ludmer (P/2)
São Paulo, 25 de abril de 2022.
Entrevista número COIND_HV015
Revisão: Nataniel Torres

P/1 - A primeira pergunta é muito difícil. Qual é o seu nome completo, que cidade você nasceu e que dia, por favor?

R - Meu nome é Risomar Fasanaro, nasci no primeiro dia de março de 1944 no Recife, Pernambuco.

P/1 - Me conta uma coisa, como é que foi o dia do seu nascimento? Seus pais te contaram?

R - Minha mãe contou, eu nasci em uma terça-feira de carnaval no Recife, imagine, era tanta gente na rua, a parteira não conseguia chegar. Resultado, eu estava laçada, o cordão umbilical passado no pescoço. Minha mãe disse que eu nasci pretinha e quase morri, recém-nascida, quase morri, mas resisti.

P/1 - E você tem irmãos?

R - Tenho 03 irmãos. Aliás, agora eu só tenho uma irmã. Meus 02 irmãos homens faleceram, um em setembro do ano passado.

P/1 - E qual é o nome deles, qual é você nessa escadinha?

R - O mais velho, esse que morreu ano passado é Paulo Bandolim, era bandolinista, químico industrial. O segundo era Rômulo Fasanaro, muito bom fotógrafo. Depois eu nasci, depois minha irmã Mércia, 02 anos mais nova que eu.

P/1 - E como é que foi a escolha do seu nome?

R - Minha madrinha viu meu nome em uma revista, eu não sei que revista é, acho que não é revista nem da minha época, e achou o nome bonito, acho que era coluna social, essas coisas, e levou para minha mãe. Se nascer uma menina porque você não põe o nome de Risomar? Ela disse, se for uma menina eu vou pôr esse nome é muito bonito, e as duas combinaram, meu pai não disse nada. Ficou meu nome assim.

P/1 - E qual é o nome da sua mãe?

R - Alípia de Souza Praça, depois se tornou Fasanaro.

P/1 - E a família dela é de que cidade, que origem?

R - A família dela era de Belém do Pará, depois a mãe dela foi morar em Natal. E ela nasceu em Natal, Rio Grande do Norte. Meu pai também era de Natal. Meu pai era militar, participou de várias revoluções do Brasil, revolução de 30, de 32 ele lutou por São Paulo, de 35, e ele era militar, nós somos criados em uma Vila Militar em Socorro, Pernambuco. Era a Vila Militar do quartel 14 RI. Eu fui criada vendo soldados, a nossa casa ficava no alto, era a Vila Sargentos, e dos oficiais era na frente, eram casas mais bonitas, as nossas já eram casas mais humildes porque meu pai era sargento. Em frente a nossa casa tinha um rio, e do lado de cá do rio ficava o campo onde os soldados faziam formatura todas as manhãs, tocavam, tinha aqueles toques de exército, eu não sei nem os nomes, mas era uma coisa muito emocionante, principalmente quando a gente voltou lá.

P/1 -

E qual é o nome do seu pai?

R - João Fasanaro.

P/1 - A família dele é italiana?

R - Ele era filho de italiano. Meu avô veio da Itália, uns dizem que ele era marinheiro, outros que ele foi para Natal para fazer a topografia da cidade. Eu não sei qual dos dois é o verdadeiro. Meu filho anda pesquisando há uns 02, 03 anos sobre as origens da família. Ele pega documento na internet, fica com lupa olhando, não sabe italiano, tem que pegar um tradutor, ele fica fazendo isso.

P/1 - Seu pai era militar, ele foi sargento?

R - Foi sargento, quando ele foi promovido a Tenente, ele foi transferido para cá, para aquele quartel onde o Lamarca trabalhava, lá em Quitaúna, ele foi para lá. Viemos todos, moramos em Quitaúna, eu assistia missa no quartel, o padre que rezava a missa era do quartel. Então eu não entendo como é que tendo toda essa formação militar, eu me tornei uma pessoa de esquerda.

P/1 - Você veio para São Paulo com que idade?

R - 11 anos.

P/1 - Vamos falar um pouquinho de Pernambuco. Você nasceu, já foi morar na Vila Militar. Então as primeiras lembranças da sua vida são de lá, o que você se lembra?

R - A Vila

Militar em Socorro era um paraíso terrestre, tinha muitas árvores. Eu não sei se vocês sabem, mas os quartéis tem esse lance de preservar muito o verde. Todo quartel, quando vocês tiverem oportunidade, prestem atenção, todo quartel tem muito verde, e eles põem os soldados para limpar, podar, cuidar, é aquela coisa. Bom, tinha um rio, eu acho que uma criança que tenha felicidade de ter um rio onde ela possa brincar perto, tinha um lugar do rio que era cheio de pedras e tinha pouca água, a gente ia para lá pescar, chamava de Pitú, é um camarão de água doce, e minha mãe ficava enlouquecida, não queria que a gente fosse, porque a gente podia escorregar ali, se machucar, mas a gente sempre ia, tinha muitas árvores, muitas crianças. Todos os pais eram mais ou menos da mesma idade, então as crianças também eram todas da mesma faixa etária, brincava muito. Mas aquela madrinha que escolheu meu nome era muito possessiva, e ela se agarrava a mim de um jeito, ela não queria que eu me afastasse dela e do marido. Ela não tinha filhos. Então frequentemente ela e o marido iam lá na casa dos meus pais, e pediam para me levar pra casa deles, e eu ia porque criança tem vergonha de dizer “eu não quero”, eu tinha vergonha, eu pensava se eu disser que não quero eles vão dizer que eu não gosto deles, e não é uma verdade, “eu gosto, mas não gosto de ir para lá”, porque era uma casa sem criança, eu ficava muito sozinha. Bom, esse é um lado da minha infância que não foi agradável. Eu estudava em um grupo escolar lá em Socorro mesmo. Socorro era um lugar que não tinha asfalto, as ruas eram de barro vermelho, quando chovia você tinha que andar com a faquinha para tirar o barro do pé, do sapato. Bom, essa escola também era maravilhosa, era pequena, eu achava enorme, mas voltei lá e para uma escola é do tamanho dessa casa, para uma escola, é pequena, mas tinha uma sopa deliciosa que vinha do quartel para gente com muitos legumes, era uma sopa deliciosa. O quartel, aquele reduto de Socorro, era praticamente um departamento do quartel. Tudo que o exército podia fazer pelos sargentos, pelos oficiais, fazia. Então a imagem que eu tinha em criança do exército era muito boa, muito positiva, minha infância foi isso. Eu estudava no grupo escolar, era péssima aluna, nossa, repeti o 2º ano, mas um dia houve uma coisa muito interessante. A professora mandou fazer uma redação que ela estava ensinando carta para a gente. Já era o 3º ano. Aí ela disse: “hoje vocês vão aprender a fazer cartas”. Ensinou na lousa que tinha que pôr a cidade, a data, o ano, ensinou a fórmula de uma carta. “E vocês podem escrever para quem vocês quiserem”. Aí eu perguntei, “pode escrever para um artista de cinema?”. Ela disse, “pode, vocês podem escrever para quem vocês quiserem”. Aí eu escrevi para Dorothy Lamour, uma atriz que vocês nunca viram nem foto, era uma atriz maravilhosa que trabalhava em filmes no Haiti com sarongue, mostrando as pernas, uma moça linda e tinha um rapaz que era daquela região, acho que era Sabuh o nome dele. Eu sei que eram histórias interessantes. Eu acho que eu não entendia nem o enredo. Eu queria ver as imagens. Eu escrevi para essa atriz pedindo um sarongue que ela devia ter muitos, ela trabalhava nos filmes, devia ter algum que ela já não gostasse mais, mandasse para mim que eu queria muito ter um. Bom, a professora achou a carta linda, elogiou, elogiou. Olha, como professor é importante na vida de uma pessoa. Sabe que a partir dali eu comecei a me interessar pela escola, passei mesmo a ficar mais estudiosa, mais atenta e é claro que não houve resultado nenhum, ninguém mandou a carta, nem era possível, nem sabia o endereço de atriz de cinema. Bom, depois o meu padrinho ficou com câncer. Ele tinha um tumor nessa região aqui do ouvido e foi deixando, deixando, era maligno. Naquele tempo nem se falava em câncer, minha madrinha não teve dúvida, foi na minha casa pedir aos meus pais, que o médico tinha desenganado ele e que ele tinha no máximo 01 ano e 1/2 de vida. Se meus pais deixavam que eu fosse para fazer companhia a ela até ele morrer. Você acha que isso é coisa? Bom, já é estranho eles pedirem, e mais estranho ainda que meus pais autorizaram. E eu vivi, deu mais ou menos 01 ano isso. Ele passava muito mal, ele não conseguia mais falar, tinha muita secreção. E a gente não entendia o que ele dizia, ele ficava nervoso quando a gente não entendia, foi horrível. Eles tinham um armazém, e com a doença dele, ele ficava nos fundos do armazém, lá tinha a casa deles também dentro do armazém. E eu ajudava no balcão, mas ela era de um mau humor incrível, e com o tempo longo que eu fiquei, ela era muito estúpida. Eu pegava o almoço lá no fundo onde tinha cozinha, a empregada fazia e eu ia levar para ela. Ela pegava o prato assim “não quero essa merda não”, e pegava o prato e jogava, o prato deslizava no balcão caía no chão. Olha eu passei muito aborrecimento lá, eu era uma menina chorona, sensível. Até pouco tempo eu chorava muito. Mas eu acho que de tanto chorar secaram as lágrimas, agora eu não choro, pode ser que aqui aconteça alguma coisa que eu chore, mas faz tempo que eu não choro.

P/1 - E que idade você tinha?

R - 11 anos, foi no ano que a gente veio para cá. Meu pai foi transferido, ela quis vir com a gente. Ele morreu, meu pai foi transferido, ela disse, “vou com vocês”, vendeu tudo, acho que ela era meio doida. Vendeu armazém, vendeu a casa dela, vendeu tudo e veio conosco, e o mau humor dela era o mesmo. A gente já morava em Quitaúna. Nossa, minha mãe aguentou tanto aborrecimento. Minha mãe era uma pessoa que não era difícil de levar, ela era até um pouco nervosa, mas não era de fazer as coisas que a minha madrinha fazia e sofreu demais com essa convivência.

P/1 - E me conta uma coisa, como é que era o cotidiano na Vila Militar? Você sentia esse cotidiano entrar na casa?

R - Sim, sim. Quando meu pai ficava de serviço, ele precisava ir dormir no quartel, e a gente sentia muita falta dele. E houve um incidente comigo lá na Vila, que era época da guerra, eu era pequena demais, mas um senhor, um sargento era muito vermelho, e eu fui falar para ele, meu pai tinha dito mesmo que ele parecia um alemão. “Fulano parece um alemão, ele é grande, branco, vermelho”, no nordeste você sabe, as pessoas não são muito claras, o homem veio brigar comigo, uma criança pequena que eu era, ele veio brigar comigo, e eu guardei isso.

P/1 - E como é que era a sua casa?

R - A casa, o chão era de cimento, só a sala era de ladrilho, não tinha forro. Era uma casa com 02 quartos, 01 dos meus pais, o outro era o nosso, eram 03 beliches, que minha mãe adotou uma menina, Lenira o nome dela, recém-nascida, e ficavam 02 em uma cama, 02 no outro, os 06 ali.

P/1 - Vocês tinham rádio, TV em casa?

R - Tinha rádio. Meu pai, pra gente não atrapalhar, não estragar o rádio, pôs um suporte alto que a gente não alcançasse, e o rádio ficava lá. Tinha um casal de amigos dele que iam toda semana, tinha um dia da semana que a Rádio Nacional fazia um programa Hora da Saudade, eles ouviam, e esse casal ia para lá só para ouvir o programa. Então às vezes a gente estava deitada quase dormindo, e eu ouvia aquelas músicas cantadas por Linda Batista, Dalva de Oliveira, Orlando Silva, esses artistas eu não lembro muito dos cantores todos, mas eu lembro que a música entrava assim pelo ouvido e no dia seguinte eu brincava de cantora, era a minha brincadeira, era ser cantora ou ser atriz de cinema com sarongue, com algum pano que eu achasse lá. Então a gente armava palco no quintal e fazia, era um povo muito unido, os quintais não tinham separação de um quintal para o outro, então as árvores eram de todos. Na minha casa tinham duas mangueiras, dois cajueiros e um pé de dendê. É lindo dendê, a gente esquentava e começava a sair um óleo…

P/2 - E essa história de conhecer atriz de cinema, tinha cinema na cidade?

R - Tinha um cinema no quartel, e olha hoje que a gente vê que o cinema era muito bom. A programação era a mesma do Recife. Na época nem tinha entendimento para isso, ia por aí. Meus pais iam e levavam a gente, não deixavam os filhos sozinho à noite, levavam, e passavam bons filmes. Eu lembro daquele filme A Ponte de Waterloo, que passou lá e minha mãe costurava para as outras mulheres para ajudar no salário do meu pai, e costurava muito bem, minha mãe sempre costurou muito bem, ela fazia vestido de noiva até, era a costureira de mão cheia, e ela costurou um vestido que uma atriz desse filme usou e a vizinha desenhou, uma das vizinhas desenhou, pediu a ela para fazer o vestido e ela fez.

P/2 - E quando vocês vieram para São Paulo, você disse que vocês moravam em Quitaúna. Mas tinha alguma relação com a cidade? Como que era? Você lembra do que se falava de mudar para São Paulo, na sua cabeça?

R - Quando eu estava lá, eu via São Paulo uma cidade cinzenta triste, em que as pessoas eram tristes, caladas. Olha que coisa, eu era tão pequena, mas eu tinha essa imagem. Nós tínhamos um livro de geografia no grupo, que não era nem nosso, tinha lá na sala e eu via sempre, eu lembro que eu pegava de vez em quando, tinha foto do Instituto Butantan, do rio Tietê e essas imagens me fascinavam. Eu dizia que “se um dia eu for a São Paulo, eu quero ir ao Instituto Butantan, ver o rio Tietê”, porque a professora dizia que os bandeirantes tinham encontrado ouro, pedras, à margem do rio. Então eu tinha essa visão, mas quando eu cheguei aqui, eu achei que realmente a minha intuição de criança estava certa, eu escrevi um poema sobre isso “Chegada a São Paulo”.

P/2 - Você lembra dele?

R - Vou tentar. Minha mãe tinha feito um casaco verde para mim, verde é minha cor predileta, um casaco verde de lã para eu vir para São Paulo, eu escrevi assim, vou ver se eu lembro. Guardei no bolso do casaco verde a pressa das pessoas fugindo sozinhas, não lembro…mais pra frente ou se eu lembrar eu falo.

P/2 - Você acha que você ainda tem ele guardado ou não?

R - Tenho. Eu continuo escrevendo.

P/2 - Mande uma foto dele pra gente, o texto dele.

R - Mando sim. É casaco verde. Guardei no bolso do casaco verde a pressa das pessoas correndo curvadas, correndo sozinhas, buscando… não me lembro do resto.

P/1 - Mas até chegar aqui em São Paulo, vocês vieram por onde, como é que foi a chegada?

R - De navio. O navio se chamava Itatinga. A companhia Ita, na época, uma grande companhia brasileira de navegação. Tinha Ita e Aloide. E nós viemos pela Ita. A viagem de navio eu enjoei tanto que eu mal saia do camarote, mas eu lembro quando passou em Vitória que eu vi aquela pedra imensa, e tinha uma construção em cima, acho que é uma igreja, não tenho certeza. As coisas que a gente viu criança nunca tem muita certeza, mas eu achei aquilo lindo. Quando o Navio aportou, meu pai levou a gente e nós andamos um pouquinho na cidade, muito pouco porque o navio ia ficar pouco tempo, o navio ficou 03 dias na Bahia, chovia muito. Sabe quantos dias durou a viagem de Pernambuco a São Paulo até Santos? 15 dias. Ficou 03 dias na Bahia, chovia demais e não dava para eles fazerem carregamento e descarregamento, então meu pai levou a gente à praia de Amaralina e vocês não vão acreditar, mas sabe o que que nós vimos? As cabeças de Lampião, Maria Bonita estavam expostas, devia ser algum museu que meu pai me levou, agora não tem condição de perguntar para ele que ele já faleceu. Eu acho que era uma prateleira e tinha um Lampião, Maria Bonita e outros cangaceiros, as cabeças.

P/3 - Mas as cabeças dava para ver mesmo a cabeça ou só o crânio?

R - Não, a cabeça mesmo, cortada assim, do jeito que estou aqui cortado e posto lá. Aquilo foi um horror. E fomos também àquela lagoa do Abaeté. Meu pai gostava de mostrar as coisas pra gente, sempre foi assim, mais do que minha mãe. Minha mãe era mais de ficar em casa costurando, preparando comida, fazendo as coisas, mas meu pai gostava sempre de levar a gente. Na primeira semana que nós chegamos, no domingo, ele já nos levou ao Instituto Butantan, entramos lá para ver as cobras. Uma outra vez levou a gente até o rio Tietê. O rio Tietê ainda era navegável, limpinho. Lembro que a gente ficou brincando na margem, outra coisa. Olha, o meu filho chegou a nadar no Rio Tietê. Não é tão velha a poluição do rio, é má vontade dos governantes de fazer uma limpeza e fazer o rio voltar a ser o que era.

P/1 - O seu pai foi transferido por quê, você sabe?

R - Porque ele foi promovido a Tenente. Quando eles são promovidos vão para outro lugar.

P/2 - E em São Paulo os estudos eram no quartel, como era a escola?

R - Olha, Osasco só tinha o GART, Ginásio Estadual Antônio Raposo Tavares. E
só dava aulas à noite no período noturno. Minha mãe não quis que a gente estudasse no período noturno. Aí nós fomos estudar no Colégio Misericórdia. Um colégio de freiras. Que tem lá até hoje, só estudavam meninas e moças. Eu cheguei a fazer a 4ª série aqui, repetir, porque eu tinha começado lá, e esqueci de contar. Quando o meu padrinho ficou doente, eu fui transferida para uma escola do Recife. Então eu ia todo dia à aula, pegava o trem em Areias, uns chamam Areias outros chamam Instância, são dois bairros juntos, eu não sei como é isso, mas agora tem metrô. Eu ia todo dia, andava nas ruas do Recife e estudava em um colégio Carneiro Leão, terminei a 4ª série do primário lá. Terminei não, comecei, meu pai foi transferido, filha de militar sempre tem o curso meio truncado, mas eu adorava andar no Recife, o que eu amava, eu amo hoje o Recife, eu andava por tudo, às vezes chegava um pouco mais tarde em casa porque ficava andando, vendo museu. Meu padrinho lia muito quando ele estava bem antes dele ter câncer, e esse lado da casa dele eu gostava, porque ele ia ao Gabinete Português de Leitura no Recife, tirava livros para ele, para mulher, para minha madrinha, para o meu irmão quando estava lá e para mim. Todo mês ele trazia livro, levava livro de volta. E eu quis conhecer o gabinete e fui lá para ver, andar lá, me mostraram tudo, era muito bom, teve um lado difícil que era vê-lo terminando, eu gostava imensamente dele, e vê-lo doente daquele jeito era muito ruim, mas tinha esse lado bom que eu estudava no centro do Recife.

P/1 - Teve algum livro que te marcou nessa época?

R - Demais. Diário de Anne Frank. Esse livro na minha vida foi fundamental. Eu era uma menina meio rebelde assim, embora fosse muito quieta, mas eu me rebelava com as coisas. Eu não queria comer carne. Minha mãe podia fazer de tudo que eu não comia, depois de dizer não, era não. E Anne Frank eu achei a vida dela uma coisa, um exemplo tão maravilhoso para minha vida. Desde muito cedo eu incuti que todas as pessoas que nascem, elas tem que ter um objetivo na vida, fazer uma coisa, perseguir um sonho, isso eu tinha desde criança. Logo cedo eu quis escrever, e isso em mim era muito forte, às vezes eu pendia para cantar, mas o que permanecia mesmo era a escrita. Escrevia direto.

P/2 - E do diário Diário de Anne Frank, e o que que te inspirava?

R - Aquela força de vontade dela, aquela esperança que ela tinha de sair daquela prisão, ficar estudando ali. Eu tenho admiração muito grande pelo povo judeu, eu tenho alguns amigos judeus, tirando a política eu não entro nessa briga deles, judeu e árabe não me interessa isso, o aspecto que eu pego é a perseverança deles, o estudo deles, é conhecido como o povo do livro. Você vai na casa de um judeu, a primeira coisa que você vê são livros, e eu eu adorava ler. Então ver a Anne Frank também estudando daquele jeito, eu me tornei uma menina muito estudiosa, já tinha um pouco daquela professora, com ela então se solidificou mais.

P/1 - Você veio para cá, para Osasco em 56?

R - Mais ou menos. Eu não lembro exatamente. A gente ia para a escola em um caminhão do quartel. O quartel sempre esteve na minha vida, até quando eu me decepcionei.

P/1 - E o quartel aqui de Quitaúna era muito diferente do de Socorro ou não?

R - Muito. O quartel de Socorro era tudo cimentado, os quintais, ladeado de árvores, de jardins, a gente patinava no quartel. Era um lugar que a tarde quando os pais deixavam a gente atravessava a ponte que tinha o rio, ia patinar lá no quartel, entrar no rancho, comer. Sabe o que vocês chamam de canjica? A gente chama de munguzá, a gente comia lá. À tarde chegava lá pedia, eu quero munguzá. Os soldados botavam uma tigelinha e davam pra gente. Era um território livre. Era um tempo bom. Aqui não, aqui a gente não tinha muito acesso. Tinha acesso só à missa naquela capelinha, a capela do quartel de Quitaúna foi construída por Raposo Tavares, mas naquela época eu não sabia, fiquei sabendo faz pouco tempo, a gente assistia à missa, tinha um padre que dava aula de catecismo pra gente, e um dia ele disse que ia organizar um show. “Quem aí que sabe cantar?”. Eu imediatamente levantei a mão, o cinema tinha um palco, ele me mandou cantar e eu cantei “Vingança”, imagine para um padre. Vocês conhecem essa música? Eu gostei tanto quando me contaram, que te encontraram chorando e bebendo na mesa de um bar. Vocês já ouviram alguma vez? A letra é uma história de vingança. O padre se encantou, aqui em Osasco isso, o padre se encantou que toda aula de religião me mandava cantar. Eu acho que tinha a ver com alguma história de vida dele, sei lá. Lá ia eu para o palco cantar a vingança. Tem umas coisas interessantes. A gente ia para o colégio em um caminhão do exército. Eles botavam uns bancos laterais, a gente sentava e ficava um soldado aqui, outro lá na beira do caminhão para não deixar as crianças caírem, e a gente lá, eles ajudavam a gente a descer, a gente ia para o colégio.

P/2 - E como era no colégio, o dia do colégio?

R - Eu gostava do colégio de freiras, tinha só uma freira que implicava muito comigo, ela dava aula de trabalhos manuais e eu não prestava muita atenção, eu gostava de português, francês, inglês, história, eu adorava história, e às vezes essa freira implicava comigo, mas normal.

P/1 - Fizeram nacionalistas nessa época, você acha? Você era, o seu pai, tinha essa coisa de patriotismo?

R - Sim, meu pai tinha um retrato do Getúlio Vargas na parede, mas isso só mudou depois que eu cresci aqui em São Paulo, que eu mostrava para ele, eu lia jornal, eu grifava, eu mostrava para ele, discutia com ele. Meu pai mudou completamente a cabeça. Tanto que eu participava do movimento estudantil aqui em Osasco e em São Paulo, e na hora de sair eu sabia que quando a gente participava de passeata, de atos de protesto e coisa assim, podia ou não voltar para casa. Eu tinha consciência disso. Aí minha mãe dizia, “eu ouvi no rádio que não tem aula hoje”. Eu dizia, “tem, é que a gente vai fazer um trabalho de grupo na casa de uma”. Aí ela dizia, “eu sei”. Ela não acreditava. Ele me levava até o portão toda vida. Quando eu ia saindo eu dizia: “papai, se eu não voltar o senhor me procura tá?”. Ele sabia, ele sabia e aprovava mesmo sendo militar. A cabeça dele mudou muito mesmo.

P/1 - Me conta um pouco mais do colégio. Você ficou quantos anos no colégio de

freiras? Lembra? Mais ou menos, não precisa ser…

R - Do Colégio das Freiras, os quatro de ginásio só. Depois eu casei muito cedo. E quando eu terminei o ginásio eu já me casei. E essa freira que implicava comigo, eu estava noiva, já nos dias de casar eu estava correndo no pátio, brincando de barra bola. Aí ela: “essa que vai casar? Isso é um absurdo”. Ela tinha razão.

P/1 - Você se casou com quantos anos?

R - 17.

P/1 - E como é que foi esse casamento? Como é que você conheceu?

R - Muito ruim. Eu contei para vocês que meu irmão mais velho tocava bandolim. Ele quis formar um grupo de música, e esse que foi meu marido veio a fazer parte do grupo, tocava violão. Ele era acho que 12 ou 14 anos mais velho do que eu. Não lembro exatamente. Eu me apaixonei por ele, ele se apaixonou por mim, mas foi um desastre. Ele saía de casa, ia para os bares, tocar violão, beber. Eu só aguentei 01 ano, me separei, meus pais não queriam que eu me separasse, meu pai ficou quieto, na verdade ele não interferiu, mas minha mãe dizia: “não, você vai voltar para sua casa, você jurou na igreja que era para sempre. Casamento é para sempre. Na nossa família não tem ninguém separado”. Eu digo: “tem eu”. E ela dizia: “não vai se separar”. Eu era tão assim, agora eu vejo que eu era jovem, eu descalça, ela sentada em uma escadinha que tinha na porta de trás, ela e meu pai,

eu dava volta na casa correndo, aí ela dizia: “não vai se separar”. Eu dizia: “eu vou”. Se vocês não me quiserem aqui, eu vou para debaixo de uma ponte. Aí meu pai disse: “deixa ela se separar”, a palavra final foi dele. Eu me separei, já tinha um filho, acho que eu já estava com 19 nessa época. Aquele casamento foi triste.

P/2 - E separada você voltou para casa dos seus pais?

R - Voltei para casa deles, eu só tinha o ginásio. Aí fiz de tudo, eu fazia bichinhos de pelúcia, eu vendi produtos da Avon, Avon estava começando no Brasil, fiz um curso com uma moça que tinha lá, amiga da gente, que fazia bolos decorados muito bonitos e ela não precisava, ela vivia bem de vida. Pedimos a ela para dar um curso para mim, para uma outra senhora, ela deu o curso, eu fazia bolos para casamento, fazia bolos incríveis, bolos de vários andares, aquela coisa artística, dava para ir me equilibrando enquanto eu não conseguia aulas.

P/1 - Você já podia dar aula nessa época então?

R - Já tinha. Fiz o curso magistério, 02 anos eu dei aula para crianças, alfabetizando crianças. Foi uma das experiências mais lindas, mais incríveis da minha vida. Que você pega a criança sem saber nada, nem pegar no lápis, naquele tempo as mães não ensinavam, deixava a criança, entregava na escola um livro em branco, e quando chegava o mês de outubro, a criança estava começando a ler, era maravilhoso. Eu dei aula 02 anos no km 29, ia de ônibus, de trem, foi duríssimo, 02 anos muito difíceis.

P/1 - E qual é o nome do seu primeiro filho?

R - Eduardo Luiz. Só tenho esse, que não deu certo o casamento, não quis mais saber dele.

P/1 - Que dia que ele nasceu e que ano?

R - 25 de abril. Ele está fazendo aniversário hoje.

P/1 - Queria te perguntar sobre o seu magistério. Como é que foi esse curso? Você tinha quantos anos?

R - Eu posso contar pra vocês que eu fiz o curso magistério depois de separada? Depois de separada. Então eu estava contando para ele que eu enfrentei muito preconceito quando eu me separei. No km 18, eles faziam festas na própria casa, festa de casamento, todo mundo junto, não tinha esse ar chique que tem hoje que se contrata buffet, aquelas coisas não. As pessoas iam com a roupa melhor, mas ficava todo mundo junto. E eu senti muito forte esse preconceito às mulheres, isso ao longo também do curso universitário, pegavam os maridos e puxavam, o homem estava conversando comigo, normalmente sem interesse algum, eu era vista sempre como uma ameaça. E quando eu saía para ir para o colégio eu usava uniforme. Era Instituto de Educação Anhanguera na Lapa. Elas iam para a porta para me ver passar. E eu sentia aqueles olhares assim, era horrível. Parecia que eu estava andando com os pés tortos, sentia muito.

P/2 - E o desejo de fazer magistério foi seu, da onde veio a ideia e por quê?

R - Da minha mãe. Eu queria fazer clássico, cheguei a me matricular no CENEART para fazer clássico. Ela: “Risomar, não faça esse curso”. Naquele tempo chamava normal. “Faça o curso normal porque daí você já tem uma profissão”. E eu achei que tinha razão de ser, fiz o curso normal, fui dar aula nessa escola lá no 29. Fiquei 02 anos alfabetizando. Aí comecei a fazer faculdade, e naquele tempo não tinha muitos professores. Havia uma carência muito grande de professores. A ditadura criou curso ginasial da época e colegial em todas as escolas que antes eram grupo escolar, e a noite ficava sem nada, sem atividade, ali era instalado o curso ginasial e colegial. Aí eu já comecei a dar aula, comecei a dar aula na maior escola da cidade, o Cine Arte.

P/1 - Para que idade você dava aula?

R - Eu peguei de cara uma 4ª série. Eu penei, foi uma substituição. A professora estava grávida e me chamou para dar aula, ela disse: “eu quero que você pegue minhas aulas que você é muito meiguinha e eu não quero deixar meus alunos na mão de qualquer um”. Olha o nível” Não era pela minha competência. Aliás, pela minha incompetência. O que que tinha no programa? Período composto por coordenação e subordinação. Vocês não imaginam, essa criatura aqui, como passou noites e noites estudando para entender, porque uma coisa é você saber, outra é você transmitir para o outro, e eu aprendi para sempre, período composto por coordenação, subordinação, qualquer oração eu sabia, mas foi difícil. Depois ia pegando tudo que era substituição, porque ainda era estudante. E em 68, eu estava onde? No Quitaúna, uma escola em frente ao quartel, só tinha até a 2ª série, eles iam assim, tinha 1ª, tinha 2ª, o aluno que precisava fazer o 2º ginasial então tinha aquela classe. No ano seguinte, mais um, até que terminou sendo colégio. Eu tinha uma das classes de 6ª série só de militares. Cabos e soldados. E nós estávamos em plena ditadura, quando a gente via, já tinha escapado às críticas, a gente terminava criticando. Essa classe de militares tinha dias que faltavam 05, 06 soldados. Eu dizia, mas por que eles estão faltando? Eles deram aquela risadinha, não diziam nada. Na outra semana eram outros que faltavam. Muito mais tarde que eu vim saber, eles estavam indo para a Guerrilha do Araguaia, para combater a guerrilha.

P/2 - Como era essa convivência de não poder criticar, escapava, não escapava, os professores?

R - Era muito difícil. Como eu falei para vocês, o exército estava sempre ali na ditadura, estava sempre presente em tudo, o secretário da escola era um sargento. E a gente tinha medo de falar as coisas porque ele era do exército. A gente sabe quem entra no exército, que fica no exército, tem a cabeça de não aceitar visão de esquerda de jeito nenhum, e a gente tinha que maneirar, mas de vez em quando eu falava. Um dia eu ouvi de um aluno: “professora, a senhora tem sorte da gente gostar muito da senhora”. O que ele quis dizer com isso? Foi uma ameaça velada. Eu tenho uma amiga chamada Regina que desenha muito bem. Ela estava fazendo belas artes e dava aula de desenho geométrico nessa escola de Quitaúna. Ela desenhou o Che Guevara em nanquim, trabalho belíssimo, uma folha desse tamanho. Aí ela me mostrou, eu disse: “Regina, mas está lindo demais. Dá para mim esse desenho”. Ela disse: “eu vou apresentar amanhã para o professor, e depois que ele der nota eu te dou”. No dia seguinte eu não tinha a primeira aula, entrei na segunda. Quando eu cheguei, a primeira coisa que eu perguntei para ela, “Regina, e o desenho?”. “Eu dei para o Zé Domingues”. Aí eu disse, “Regina você deu para o Zé!”. Eu gostava muito desse aluno, era meu aluno e era aluno dela. Na hora do intervalo o menino veio e eu pedi para ver o desenho. Olha a dedicatória que ela colocou. Até com uma redundância. (Ao futuro guerrilheiro de amanhã, com carinho Rê). Ela assinava Rê. Bom, eu fiquei chateada, mas eu disse, deu para o Zé, eu gostava muito dele. Tudo bem. Quando foi dali há uns dias, o menino não estava aparecendo na escola, o Zé Domingos, quando foi uma segunda-feira ele apareceu. Aí eu disse: “Zé o que está acontecendo com você? Por que você faltou tanto?” Aí ele me chamou em um canto e disse: “o DOPS foi lá em casa, revirou tudo e achou o desenho da Rê, estava em uma gaveta com um pano em cima, eles acharam, e estão procurando a Regina. Eu vim aqui hoje justamente para te falar isso, porque eles estão procurando a Regina”. O que eu fiz? A Regina não tinha aula naquele dia. Cheguei em casa, de noite eu disse: “eu vou arriscar, vou ligar”, ela morava na casa de uma tia, porque ela era do interior e tinha vindo para estudar. Eu liguei e disse: “Re, o Dops está te procurando, eu não posso dizer mais nada, amanhã me encontre tal hora na estação Júlio Prestes”, combinamos, disse, “eu não posso falar mais nada”. No dia seguinte eu fui e contei para ela o que tinha acontecido já. No dia seguinte ao que o menino me contou, aliás, eu só liguei para ela no dia seguinte, porque foi no dia seguinte que eu fiquei sabendo de tudo, o Dops foi lá no colégio procurando por ela. Ela não tinha aula naquele dia e eles não puderam fazer nada. Aí perguntaram: “escute e tem uma grande amiga dela aí. Quem é?” E o diretor disse, eu muito desligada não tinha assinado ponto. Aí o diretor disse: “ela não veio hoje”. “Eu quero ver o livro de ponto”. Olharam o livro de ponto não tinha minha assinatura. Foi uma pândega na sala dos professores, um professor que era da UNE, nossa! Ele chorava, ele ria, ele pegava papel no armário, rasgava, jogava fora, todo mundo trancado na sala com medo que o Dops entrasse naquela sala, levasse a gente. Bom, eu cheguei em casa foi aí que eu liguei para ela e contei, “a coisa está feia, amanhã me espera, que eu vou falar com você”. Porque eles queriam, porque queriam a Regina. O diretor não entregou, mas enfim, ela estava sendo procurada. Cheguei na estação, eu disse: “você vai na frente e eu vou atrás, você não fale comigo”, uma pândega. Ela ia andando, “Rê, o Dops foi lá no colégio, nossa, queria, porque queria seu endereço, estava procurando você, depois queria falar comigo, o

ngelo ficou apavorado, a situação está muito feia, você se cuide, eles vão à sua casa, eu tenho certeza que eles vão te procurar. Eu desconfio que o diretor deu o endereço. Eles vão te procurar. Então você ande com meia na bolsa, um cachecol, escova de dente”, passei para ela as coisas que eu punha na minha bolsa quando ia para as passeatas e para os atos. Pois eles foram, se fingindo de alunos dela. Aí a tia olhou e disse: “não é possível esses senhores não tem idade para ser aluno, são pessoas com muito mais idade, não podem ser alunos”. “Ela não está em casa”. “Que horas ela chega?”. “Ela chega tal hora”. Quando eles voltaram à noite, levaram ela, enfiaram um saco na cabeça dela e ela não sabe onde foi, até onde ela foi levada. Ela acha que talvez tenha sido o quartel, aquele lá onde tem o “deixa que eu empurro” no Ibirapuera, ela acha que talvez tenha sido lá, interrogaram ela, pegaram a bolsa dela, olharam tudo, viram as fotos que ela tinha na bolsa, eram fotos dela, da mãe, do pai pescando que eles eram de Rancharia, e viram que ela não tinha nada a ver, aí levaram ela de volta. Ela não sabe até hoje nem onde foi que ela foi levada.

P/1 - Como é que ela ficou depois disso? E vocês também?

R -Traumatizada demais. Todos nós. A Regina não quer saber de ouvir falar disso.

P/1 - Ela não conseguiria contar essa história para mim, por exemplo, pra gente?

R - Acho que não.

P/3 - Mas ela contou para você o que foi que passou lá dentro?

R - Contou isso, que ela passou por um inquérito, um superior lá do exército ficou perguntando para ela, ela falava: “eu não tenho nada a ver com ditadura”. Ela não tinha mesmo nada: “eu gosto mesmo é de pescar com meu pai, com a minha mãe, gosto de desenhar”. “Por que você desenhou aquilo?”. “Eu desenhei porque acho ele bonito, só por isso”. E com a conversa, eles viram que ela não tinha grande implicação.

P/2 -Você ia contar o segundo episódio?

R - Fui para o Recife de férias, 1970, com 03 professoras, duas de história e mais uma de letras que estudava junto comigo. Essa foi pesada, mas antes a gente ia para Natal, foi para o Recife, mas de lá ia para Natal no dia seguinte. Logo cedo eu disse, eu quero ir até o quartel na Vila Militar onde eu estudei, onde eu morei, não posso sair do Recife sem ver isso. Aí eu disse “Alba, você vai comigo?”. Ela disse, “vou”. A que fazia letras, que era mais apegada a mim era essa, nós fomos. Quando nós chegamos lá, eu não era mais daquele mundo, eu era uma estranha. Falei com o sentinela e ele disse: “a entrada não é mais por aqui, você tem que pedir autorização naquele outro portão”. Então era a frente do quartel um portão aqui, outro aqui, mas bem longe o outro portão. Nós fomos andando, nisso começou a chover. O cinema ficava no meio, de frente para o quartel, e nós nos abrigamos debaixo da marquise do cinema. E eu peguei a máquina fotográfica e fotografei uma frase que tinha, nessa altura eu era ativa no movimento estudantil, nas passeatas, no grêmio, nas assembleias, nas coisa todas. Mas ali eu estava passeando, quando eu vi a frase com letras de cimento, (aqui se aprende a amar e a defender a pátria). Em cima de um gramado as letras brancas de cimento. “Ai que ridículo Alba, eu vou fotografar e vou mostrar para o meu pai”. Eu queria fazer graça com meu pai, que tinha servido ali. Fotografei e ficamos ali esperando que a chuva passasse. A chuva engrossou mais. Nisso, lá vem um soldado todo com roupa camuflada de quem está de prontidão, quando eles chegam de prontidão a roupa fica toda camuflada, de capa, todo assim: “o oficial do dia quer falar com vocês”. Assim, nesse tom, talvez um pouco mais duro, eu: “tranquilo, eu disse vamos esperar a chuva passar e vamos”. Aí ele disse: “não vão esperar nada, podem me acompanhar”. Aí nós duas fomos. Nossa, minha amiga era frágil. Ela também não participava dessa política estudantil, não participava de nada. Chegamos lá, botaram a gente sentada lá em um sofá, em um salão bem grande, um soldado com metralhadora na porta, outro em um janelão grande que tinha, e nós duas sentadas ali esperando. Depois de muito tempo fomos chamadas para uma sala. “Porque que eu tinha tirado aquela foto?”. Chamava uma de cada vez. E eu explicava, eu morei aqui, contava a minha história inteirinha, que andava de patins no quartel, meu pai tinha servido ali. Ele dizia: “você tem muito álibi, soldado. Leva ela para tenente tal”. Eu ia, as mesmas perguntas. Enfim, ficamos até 06 horas da noite nesse quartel de Socorro. Quando deu 06 horas, nós não tomamos água, não tomamos café, a única coisa que a gente usou foi o banheiro. Minha amiga chorava sem parar, eu tinha metido ela em uma encrenca, ela nem tinha máquina fotográfica, ela nem ligava para isso. Eu tinha porque eu gostava de fotografia por causa do meu irmão que também era fotógrafo, e eu tentava consolá-la. A gente quando andava no Recife tinha um bloquinho pequenininho de papel e nós anotávamos as expressões deles, tem muita expressão engraçada do povo pernambucano, “vamos arrodear por ali”, umas coisas assim, a gente anotava tudo. Eu disse: “Alba, aquele bloquinho você está com ele aí?”. Ela disse: “estou”. Aí eu disse: “Alba, se eles virem eles vão achar que é mensagem, vão achar que é alguma correspondência de guerrilheiro, de terrorista, alguma coisa assim”. Ela disse: “é mesmo, eu vou ao banheiro e vou destruir”. Aí foi, e ela não voltava, e eu comecei a ficar preocupada, fui lá e bati na porta, ela disse: “espera aí, eu estou fazendo uma coisa aqui, já já eu vou”, ficou mais um tempo, depois ela veio. Aí eu disse: “você destruiu?”. Ela disse: “eu rasgava as folhas miudinhas, jogava na privada e a descarga era bem leve, não levava o papel”. Aí eu disse: “Alba, nós estamos perdidas. Se quando eles virem aqueles papéis lá, vão querer saber o que tinha escrito”. Ela disse: “não, eu tirei e comi”, ela engoliu. Esta moça depois de um tempo voltou para São Paulo, ela enlouqueceu. Eu não sei se teve a ver com isso, mas eu acredito que mesmo que não fosse, a única coisa, contribuiu muito, ela pirou.

P/1 - Vocês conseguiram sair de lá, que horas?

R - 06 horas da noite. Enfiaram a gente em um jipe, eu tranquila, ela chorando todo tempo, eu estava tranquila, porque eu dizia, “não tenho culpa nenhuma, estou inocente. O que eles podem fazer comigo? Não tem o que fazer”. Quando eles puseram a gente em um jipe eu pensei, “vão levar a gente de volta para casa”. Olha a ingenuidade! Sabe para onde eles levaram a gente? Para o Dops. Descemos, da esquina, fomos escoltadas, ele foi com um soldado como motorista do jipe, eu de um lado, outro do outro, e eu e ela ali no meio. Descemos escoltadas em pleno Recife. Chegamos lá, o diretor do Dops era doutor Ordolito. Eu nunca esqueci. Eu sei o nome até do Major que levou a gente para o Dops, era Major Demóstenes. Eu lembrei por causa do orador grego. Quando eu me vi no Dops, aí eu desmoronei, aí eu tive medo. Eu disse: “daqui a gente não vai sair viva, vão torturar a gente, aí comecei a chorar também”. O diretor do DOPS disse: “o que a Paulista está com choro, está com frio?”. Estava chovendo, ainda estava com a roupa molhada. Eu disse, “não”. Ele disse: “vou desligar o ventilador”. Ficou conversando com a gente, eu contando para ele tudo, dizendo que eu tinha feito aquilo, porque era o lugar onde eu tinha passado minha infância, tinha uma memória muito grande, muito importante da minha vida ali. A essa altura já eram 10 horas da noite, ele disse: “vamos fazer o seguinte: eu vou ficar com os documentos de vocês e vou pesquisar, se vocês não tiverem nenhuma implicação, vocês vão ser soltas. Antes eu vou mandar um funcionário”. Mandou ir lá na pensão onde a gente estava para conferir se a história era verdadeira. A gente tinha comprado passagem para ir para Natal naquele dia e não aparecemos, as outras duas foram sozinhas e a dona da pensão estava preocupada disse: “nossa, mas eu estava super preocupada”. Quando ele chegou: “eu encontrei uma poesia, eu encontrei uma bolsa de couro com as poesias escritas”. Ela disse: “nossa, é da Risomar”. Ele disse que tinha deixado no táxi. Aí disse: “eu estou super preocupada, as amigas dela iam viajar”, e contou a história toda e ele viu que era verdade. Voltou, mesmo assim o diretor do Dops prendeu nossas identidades. Aí disse: “amanhã vocês vem aqui para pegar”. Aí eu disse, “vai que descobrem que eu faço parte do movimento estudantil”. Fui na casa de um grande amigo do meu pai pedir a ele para ir conosco, do exército, aposentado, mas do exército. Ele foi, chegou lá disse: “mas o Ordolito como é que você faz isso com a minha afilhada?” Inventou que eu era afilhada. Ele disse: “eu vi que essas meninas não tinham culpa nenhuma, não tinham nenhum motivo para ficar aqui. Mas sabe como é, eu não podia fazer isso porque o Major trouxe para mim. Eu tinha que prestar contas”. Olha, o exército mandava em tudo. A ditadura foi horrível.

P/2 - Você morou com os seus pais por muito tempo separado?

R - Morei até eles morrerem. Eu tomei conta primeiro da minha mãe, ela sofria do coração, estava constantemente doente, eu ia para o hospital com ela, eu estava escrevendo um livro e eu escrevia no hospital, às vezes com visita da nossa casa eu ficava escrevendo, rodeada de gente e eu tinha que me concentrar para escrever. Minha mãe passou, deu uma piorada quando sofreu um derrame, ficou 04 anos doente e eu tomando conta dela. Quando ela foi enterrada em agosto de 95, 07 dias antes do aniversário dela. Meu pai, 01 mês depois mais ou menos começou a variar, “eu estava pescando ali no riozinho, fulano de tal”, e eu “que riozinho?”, não tinha riozinho nenhum, o que é isso? Ele já estava variando, ficou internado no hospital, o médico passou os remédios, eu trouxe para casa. Ele ficou 04 anos doente, eu fiquei tomando conta dele. Aí foi muito engraçado, porque ele fazia cada coisa, ele achava que estava no quartel e quando meus amigos chegavam ele me chamava assim e dizia: “você pediu a senha de todos eles? Tem que pedir a senha, é perigoso deixar esse povo aí entrar”. “Não papai, eles deram a senha certa, não se preocupe”. Outras horas estava só eu e ele, ele achava que estava na revolução de 32. Aí ele dizia: “olha os inimigos chegando, se abaixe”. Eu tinha que me abaixar, eu me abaixava, só estava eu e ele e eu entrava na fantasia dele, deitava, ele dizia “fique quietinha, não fale”. Olha, foi muito engraçado isso.

P/2 - Ele costumava contar coisas da vida dele no exército em casa?

R - Meu pai falava muito pouco. Minha mãe falava muito e era muito engraçada. Minha mãe era um número, ela fazia coisas engraçadas. Uma vez ela foi fazer exame de papanicolau, é um exame que as mulheres fazem para ver se está tudo bem na parte vaginal. Aí vocês acreditam que ela esqueceu a calcinha lá? Aí eu chego do colégio e digo: “mamãe, a senhora foi fazer exame?”. “Fui, minha filha, você não sabe o que aconteceu”. “O que mamãe?”. “Eu esqueci minha calcinha lá, é uma calcinha novinha de lycra. Você vai lá buscar para mim?” Eu disse: “jamais que eu vou buscar. Você acha que eu vou passar essa vergonha no laboratório? Vou não”. “Vai sim, você precisa ir, que filha você é? Você é uma filha ingrata que não quer ir buscar minha calcinha, alguém tem que ir”. Nisso minha irmã que era casada chega do emprego dela e vai lá para casa. A minha irmã dava aula de artes na escola de artes de Osasco. Quando chegou lá ela disse: “garanto que Mércia vai fazer, você não faz, mas Mércia vai fazer”. Quando a Mércia chegou ela disse: "Mércia, aconteceu, eu esqueci minha calcinha lá na Doutora Massaco”. É um laboratório que tinha em Osasco. Eu nem sei se ainda existe. “Esqueceu mamãe?”. “Esqueci e a calça é novinha, uma calça de lycra com a barra rendada, você vai lá buscar pra mim?”. “Mas de jeito nenhum eu vou”. “Não é possível, tenho duas filhas ingratas, não é possível!”. Ficou por isso mesmo. “Mamãe, depois eu compro uma calça igual para senhora, pode deixar”. No dia seguinte ela: “eu não te falei, a moça guardou a minha calcinha”. Quem foi buscar? Eu. Ela tinha umas coisas assim, é que eu não me lembro de tudo.

P/2 - E a sua carreira como professora, foi toda no município de Osasco?

R - Toda em Osasco, e no 21 que eu fiquei 02 anos alfabetizando, eu dei aula em Carapicuíba, meses também.

P/2 - Eu ia pedir para você explicar uma coisa, se a gente não explicar não vai ficar muito claro para quem ouvir a história. Quando você fala os quilômetros são os quilômetros da ferrovia?

R - Da ferrovia, é km 18, e ficou como se fosse um nome de bairro, tanto que quem mora lá não escreve em número, escreve a palavra, e pede quando é entrevistado, quando escrevem livros sobre, eles pedem, escreva quilômetro dezoito com o quê? Palavra. Tem muito músico, muitos artistas lá, cantores, muitos atores. Eu não sei se vocês sabem, mas Osasco tem muitos artistas. E uma escola de artes mantida pela prefeitura que está caindo aos pedaços, a biblioteca está caindo aos pedaços, o museu também. Nós estamos fazendo um movimento em defesa do patrimônio que ainda resta.

P/2 - E e a senhora poderia contar pra gente, fora esses episódios que aconteceram com colegas, professores. Na escola, que disciplinas você dava? Você acabou sendo uma professora de ginásio mesmo, ou variou durante a sua carreira?

R -

Eu deixei de dar aula no curso primário e passei a dar aula, naquele tempo era secundário, e no curso que agora chamam ensino médio.

P/2 - E teve alguma escola que você ficou mais tempo?

R - Esse colégio de Quitaúna, o nome era Colégio Estadual de Quitaúna. Era daquelas escolas fundadas pela ditadura que de manhã tinham curso primário e no vespertino e noturno tinha ginásio. Aí deram o nome de Colégio Estadual de Quitaúna.

P/2 - E como era esse colégio?

R - Era uma escola grande com muitas classes, umas 20 classes talvez, mas era bem grande, 02 andares, um lugar bonito com quintal pra gente estacionar carro, com árvores.

P/1 - Essa sala de militares que você falou foi nessa escola?

R - Foi nessa escola, 2ª série de ginásio, só tinha soldados, cabos e sargentos, mas eram mais velhos.

P/1 - E como é que você fez amizade com eles, que você falou que eles gostavam de você?

R -

Eu gostava deles, não os via como inimigos, porque eu achava que inimigos eram os que estavam lá no governo. Já pensou se fossem nos julgar pelo atual presidente? A gente não pode julgar um povo pelo presidente que ele tem. O governo é um, o povo é outro. Os americanos vivem explorando o Brasil. Mas o povo americano tem a ver com isso? A música americana? Os cantores? Não tem. A gente precisa separar.

P/1 - Você pode contar pra gente um pouco mais, como é que foi essa relação sua com o seu pai, de mudar a cabeça dele? Como é que vocês tinham essas conversas?

R - Eu lia muito jornal e trazia jornais da faculdade, coisas, textos e mostrava para ele. Eu fazia para ele isso, grifava, circundava um texto para chamar a atenção dele para determinadas matérias, que no fim era ele que fazia para mim, porque eu já estava dando tanta aula, tinha prova para corrigir, redação, essas coisas todas, que ele que marcava, dizia: “marquei, que você não tem muito tempo para ler, eu já marquei as matérias interessantes que você vai gostar”. E eu lia. Tem um dos amigos que faziam parte do movimento estudantil de Osasco, que é o Roberto Espinosa. Vocês já ouviram falar dele? Ele foi comandante da VPR, e ele era amigo da gente. E eu contava coisas para o meu pai. Eu lembro de um dia, meu pai falava pouquíssimo, mas eu lembro de um dia que eu disse, mas isso que ele disse vale por tudo que ele disse, “se existe uma pessoa que eu gostaria de conhecer é esse Espinosa”. Eu disse pronto, a cabeça dele já é outra. Eu até me emociono dizendo isso, porque eu percebi que ele tinha mudado. Eu dava aula de português, gramática e literatura, dei aula na Fito também. É uma fundação que tem em Osasco, eu dei aula 03 anos lá de literatura.

P/1 - O que vocês circulavam de notícia, eram coisas que estavam acontecendo?

R - De política, daquela época a censura era tão grande, vocês devem saber disso que o Estadão publicava poesias dos Lusíadas nas páginas do jornal, notícias que não podiam, que a censura tinha cortado, eles pegavam textos dos Lusíadas e colava textos, lírica de Camões, era mais Camões que eles publicavam. Às vezes, publicavam de outros poetas, mas a maioria era de Camões. E muitas receitas. Às vezes até na coluna do leitor aparecia uma receita. Era incrível isso.

P/1 - E você circulava e mostrava para o seu pai?

R - Eu mostrava, ele via mais de política. Ele mostrava tudo o que tinha de política, o que o governo tinha feito, que ele discordava do Geisel, do Garrastazu Médici, ele censurava e me mostrava.

P/1 - Ele nasceu em que ano, que década?

R - Meu pai e minha mãe eram de 1907.

P/1 - Então nessa época eles já tinham 60 anos?

R - Aliás, meu pai era de 1909, e minha mãe 1907, mas ela dizia que era de 1909.

P/1 - Ele já tinha certa idade na ditadura?

R - Ele já tinha saído do exército, mas no começo ele ainda tinha aquela cabeça.

P/2 - E como é que foi o golpe de 64 para você? Como é que foi na sua casa por exemplo?

R - Foi horrível. Desde a queda do João Goulart, do dia acho que foi 15 de março, eu não me lembro o ano, 68 que o João Goulart fez um comício na Central do Brasil, eu não sei a data certa, mas eu posso mandar isso por escrito para vocês. Nós vibramos porque o João Goulart prometia fazer a reforma agrária, o nosso sonho era e é a reforma agrária. Mesmo agora que a gente não faz política, mas a gente gostaria que todas as pessoas tivessem direito a terra, a casa. Não sei por que as pessoas têm tanto medo do comunismo. O comunismo é o que Cristo pregou. Não tem diferença, é fazer o bem sem olhar a quem, é dividir, é colaborar, é ser solidário. Isso que eu aprendi com o comunismo. Eu não sou comunista, mas eu aprendi isso com eles. Então, nós dois vibramos. Minha mãe não queria saber muito. Minha mãe quando entrava no mercado, reclamava dos preços, o protesto dela eram os preços que estavam sempre subindo, mas meu pai, nós ficamos lá de noite vendo pela TV, a TV era horrível, era em branco e preto aquilo, chovendo, mal se via que era João Goulart e que era Maria Teresa que estava ali. Passou. Ele caiu e não quiseram que ele permanecesse no governo, que ele era comunista, aquele comício foi uma desgraça dele. Em Osasco, 1964, primeiro de abril, meu pai foi ao mercado e quando voltou ele disse, o centro é mercadão, Mercado Municipal, fica bem no centro da cidade, “o centro de Osasco está lotado de tanques de guerra, de tudo que é coisa”. Eu estava namorando, eu era separada, mas já estava namorando com um físico lá da USP. Quando foi à noite eu disse, “vamos lá, João, para a gente ver”, era João também o nome dele. “Eu quero ver Osasco”. Minha mãe: “menina, você é louca vai se meter em encrenca, não vá, fique quieta, se seu pai já disse que de manhã tinha tanque de guerra”. Digo, “mas eu quero ver”. Nós fomos, a cidade estava coalhada de caminhões do exército, tanques de guerra, nossa, não tinha gente nas ruas, tudo muito deserto, horrível. Foi essa a visão que eu tive da ditadura. Foi um desgosto tão grande, porque a gente vinha com tudo esperando que o João Goulart conseguisse fazer aquelas reformas e fizesse um excelente governo, não conseguimos.

P/2 - Você pode contar pra gente como foi? Você falou do movimento estudantil e como é que foi a sua aproximação desse movimento?

R - Olha, eu namorava esse rapaz que era estudante de física. E ele fazia parte desse grupo. Ele era ateu, eu não sou ateia, e ele me levava para o bar quando ele ia conversar com os amigos. Então tinha o Espinosa, tinha o Valdir Ferreira, tinha o Rock que agora é meu companheiro, todo aquele grupo, eu era a única mulher. Aliás, parece que é um destino que eu tenho de ser sempre cercada de homem por todos os lados, porque as mulheres parecem que é difícil participar, nem sempre a gente encontra mulher que quer participar de movimento nenhum, e eu convivia com eles. Um dia eu vi no jornal um retrato falado, era a cara do Espinosa. Imagina, eu ia de noite com meu namorado para o bar, algumas vezes, não era sempre, via o Espinosa, o Espinosa viajava, ele fazia filosofia, ele ia comigo de ônibus às vezes sentado no mesmo banco, me indicava livros para ler, e eu nunca soube que ele já tinha partido para a luta armada, todos eles, eles não falaram, nunca, eu até cobro às vezes deles brincando. Ele disse: “a gente não ia chamar você, você estava com um filho, namorando, a gente sabia que você não ia querer”. E eu disse: “é não sei, acho que eu não ia mesmo”. Eu me aproximei deles por isso, pelo João Carnaúba, que aliás foi ele que me incentivou a fazer faculdade, a gente se conheceu, eu estava terminando o magistério. Foi ele que me incentivou.

P/2 - E você fez faculdade?

R - Fiz letras. Eu sou formada em letras.

P/1 - E como é que é isso, os seus amigos, pessoas normais, você imaginava isso?

R - Não, quando eu soube, um dia eu vi no jornal um retrato falado, eu olhei e disse: “João, é a cara do Espinosa”, estavam procurando o homem de mil caras, uma coisa assim. Ele disse: “imagina que Espinosa, não é não”. À noite nós saímos e fomos em um bar que tinha lá aquele chamado Careca. Não sei porquê chamava o Careca. Aí ele disse: “Espinosa, a Risomar achou que o saiu um retrato falado no jornal que era você!”. Aí ele fez um gesto assim que eu senti que era ele. Eu disse: “Espinosa já está na luta armada”. Fiquei preocupada. Eles sumiram de repente. Sabe com quem eu estudei, com a Helenira Resende. Vocês já ouviram falar nela? Eu estudei com ela. Olha, a Helenira Resende era inteligentíssima, uma moça brilhante. Um dia durante uma aula, um professor da USP que dava aula pra gente, Carlos Felipe e Moisés. Ele começou a falar mal do Castro Alves e dizer que os poetas daquela época, mas principalmente o Castro Alves, aproveitaram o lance do movimento contra a escravidão para brilhar, para sobressair. Que o Castro Alves era muito vaidoso e começou a falar coisas. Castro Alves quando ia sair dizia: “pais de família, guardai vossas donzelas que eu vou sair”. E ele dizia que ele ia para os palanques para declamar poemas, porque ele queria aparecer. Nossa! Eu fiquei revoltada, mas eu fiquei quieta. A Helenira começou a discutir com ele. Os dois só faltaram se agarrar de tanta discussão. Ela defendia Castro Alves e ele falava mal do Castro Alves.

P/1 - Você fez letras na USP?

R - Na USP.

P/1 - Então era tudo perto, era Osasco, Butantã, ou era Maria Antônia?

R - Maria Antônia, mas eu peguei o começo da cidade universitária.

P/1 - E você entrou no movimento estudantil, então é isso?

R - Sim.

P/1 - Vocês militavam por onde? O que vocês faziam na época?

R - A gente entregava texto para as pessoas, fazia leituras de textos. Eu lembro que esse meu namorado trazia muitos textos para mim mimeografados em álcool, ou então fotocópia, coisa que vocês nunca viram, só de documento, textos, textos de Mao Tsé-Tung. Eu li várias vezes do Che Guevara, eu era alucinada pelo Che, meu Deus!

P/1 - Em 68 teve uma greve grande em Osasco?

R - Sim, esse meu companheiro foi um dos líderes dessa greve, o Espinosa também, no dia 17 de junho eles estavam organizando a greve, mas nem isso eles contavam pra gente. Era como se naquele tempo o machismo fosse muito arraigado, eles faziam as coisas e eu estava ali no meio, mas até a página 03, eles fizeram a greve, marcaram que às 09 horas quando tocasse a sirene da fábrica, a sirene da Cobrasma, ela tem muito a ver com a vida das pessoas da cidade. Tinha, quando existia. Agora não existe mais, nem Cobrasma, nada, e quando tocasse a sirene das 09 horas, que era a hora do lanche, hora do café, eles parariam, passariam em todas as sessões, todo mundo pararia e tomaria a fábrica. E tomaram. Na mesma hora, as outras fábricas metalúrgicas também pararam. O Ibrahim era o presidente do sindicato, ou eles estavam dentro da Cobrasma, ou estavam dentro do sindicato. Quando a repressão chegou no sindicato e trouxe o Henos Amorina para ser o diretor lá, presidente do sindicato. Ele tinha 18 anos o Ibrahim, caiu, foi tirado porque a ditadura colocou Henos Amorina. E foi uma coisa horrível, o exército foi para lá. Vocês já ouviram falar em Zequinha Barreto? Zequinha Barreto foi uma grande liderança nessa greve, e ele tinha servido o exército 01 ano antes, os soldados chegaram lá na porta da Cobrasma todos armados, a cavalo, tem um restaurante lá em Osasco, assim que passa a Cobrasma, um restaurante de esquina, o dono me contou que um soldado entrou a cavalo dentro do restaurante na época. Bom, o exército baixou lá e o Barreto subiu em cima do muro e disse aos soldados, “sentido!” Os soldados fizeram sentido, depois se tocaram que naquele momento ele não era mais do exército, ele era um grevista. Quem contaria melhor seria esse que é meu companheiro. Se vocês quiserem o depoimento dele e da irmã que foi a mulher mais importante segundo Espinosa de todo o movimento contra a ditadura de São Paulo. Iracema. Então foi assim a greve, o exército foi lá, a polícia prendeu todo mundo, levou todo mundo preso, e dali não deu mais.

P/2 - Quando você estudou letras você trabalhava também?

R - Eu dava aula como estudante. Como eu te falei, faltavam muitos professores, tinha muitas escolas e poucos professores. Então os estudantes foram chamados para dar aula. Por isso que eu ficava a noite inteira estudando.

P/1 - E como é que eram seus colegas professores dessa época? Todos aderiram a uma visão crítica ou não?

R - A maioria sim, metade, 50%. Tinha uma que dava aula de Educação Moral e Cívica, dia 31 de março, a diretora colocou todo mundo lá no pátio em fila cantando o hino nacional e ela fez um discurso enaltecendo, falando que o Brasil ia virar comunismo e o exército tinha vindo para salvar, enaltecendo a ditadura. Quando nós subimos, fomos para sala dos professores, terminou a comemoração. Eu cheguei para ela e disse:

“escuta, você acredita em tudo aquilo que você falou lá embaixo?”. “Acredito, por que não?”. Eu disse: “você lê jornal?”. “Ah, eu não leio jornal”. Eu disse: “pois você devia ler jornal. Quem dá aula de moral e cívica, de história, de todas as matérias, mas principalmente quem dá aula de moral e cívica precisa ler jornal todo dia”. “Está bom”. Você sabe que no dia seguinte ela apareceu com o jornal e passou a ler. Uma amiga minha que também dava aula de português, a

Alfredina, falou também um monte para ela, disse “aquilo não, o Brasil está vivendo uma ditadura, isso é horrível, o povo está sendo censurado, a imprensa está sendo censurada, você não vê que os jornais tem poesia, tem receita”, falamos um monte. No dia seguinte ela estava com o jornal, e passou a ler, um dia ela brincou: “agora eu leio o jornal, minhas amigas me mandaram, eu estou lendo jornal”. Achei legal isso.

P/1 - Mas tinha alguma rivalidade, tinha brigas entre esses professores?

R - Não. Nunca houve. Inclusive, tinha um professor lá que era militar e dava aula de matemática, nunca houve problema. Já com a minha cunhada que era merendeira, tinha um professor de matemática em uma escola do Jaguaré que era torturador e pai de um aluno.

P/1 - Como é que vocês ficaram sabendo disso?

R - Porque ela foi presa, e na hora que ela estava sendo torturada quem chega? Ele, professor José Ramos. Você conhece? Você fez uma expressão.

P/1 - Ela foi torturada por um colega de trabalho.

R - Ele não torturou diretamente, ficou presenciando. Depois quando ela voltou da tortura, da prisão, voltou para a escola, ele ficava ironizando. “E aí, dona Iracema, como está a família? Está bem? Tem novidade?”. Esse que é meu companheiro ficou preso 04 anos. O Espinosa ficou preso 08, o Barreto também foi para a luta armada, foi assassinado junto com Lamarca.

P/1 - O seu companheiro ficou 04 anos?

R - 04 anos preso, depois ele foi para o exílio. Talvez pela história vocês conheçam isso. Os guerrilheiros sequestravam embaixadores e trocavam por presos políticos. “Só devolvemos o sequestrado se vocês devolverem 20 presos políticos”. Na vez do meu companheiro, eles pediram 70. Era o embaixador da Suíça. Eles pediram 70 presidiários e ele era um deles. Foi para o Chile, no Chile estava maravilhoso porque tinha Allende, Allende caiu, eles foram para a Argentina, na Argentina todos eles foram presos. E o único país que recebia, que dava asilo a eles foi a Suécia. Ele foi pra Suécia. Ele viveu na Suécia muitos anos. Ele voltou só em 79 para o Brasil.

P/2 - Você lembra o que que estava acontecendo na sua vida por volta de 79?

R - Em 79, o Rock estava chegando ao Brasil, mas eu estava namorando outro, eu era muito namoradeira, e ele tinha terminado comigo. Ele se apaixonou por uma colega de faculdade e terminou comigo. Eu estava com depressão. Foi a primeira vez que eu tive depressão. Agora essa história daquele escândalo que houve, 16, eu tive depressão de novo. Chorei tanto que nunca mais eu consegui chorar, nunca mais.

P/1 - Nesses anos todos durante ditadura, o que você pensava com relação aos seus alunos? Você ficava preocupada com eles, com a educação deles?

R - Eu sempre abri muito o que eu sabia para eles. Sempre procurei dizer a eles o que estava acontecendo. O que eu sabia que estava acontecendo. E eles também, às vezes tinham familiares que estavam na luta e me contavam. Um deles que era muito próximo a mim, aquele que ganhou o desenho da Regina. Porque o Dops foi na casa dele? Ele era irmão do Rock, esse que é meu companheiro. Então o Dops foi lá, revirou a casa inteira, levou todo mundo preso. Só deixou a mãe dele. Levou o pai, levou a irmã, foi terrível.

P/1 - Você deu aula até que ano, os anos noventa?

R - Até 93, sempre na região de Osasco. Eu acho que eu dei o ano da morte da minha mãe errada, foi em 95 que minha mãe faleceu. E meu pai em 99.

P/1 - Como foi para você a anistia e a abertura?

R - Foi uma festa nossa! Olha, o que segurou a gente, o que deu forças pra gente sobreviver a ditadura foi Chico Buarque de Holanda, Paulinho da Viola, Gal Costa, Caetano Veloso, Gilberto Gil essa geração de músicos extraordinários que a gente tem. Eu acho que sem eles a gente não teria aguentado. Era um tempo muito triste, a gente se reunia no apartamento de um colega de faculdade, às vezes a gente nem conhecia direito, conhecia só uma pessoa, os outros a gente não conhecia, mas todos tinham o mesmo objetivo, ficava sentada no chão ouvindo música, as pessoas tristes, mas se alegravam um pouco com as músicas, e tinham os festivais, que a gente torcia pelas músicas, eram músicas muito bonitas.

P/1 - Então a abertura foi vista com festa também?

R - Foi vista assim como um sonho realizado.

P/1 - Como foi parar de dar aula? Como foi se aposentar?

R - No começo eu não senti, porque eu estava envolvida com a doença da minha mãe, a doença do meu pai. Agora eu sinto. Eu gostava muito dos alunos, eu acho muito gostoso o convívio com a juventude. Eu tenho muita esperança em vocês. Quando as pessoas dizem, a juventude de hoje não faz nada. Eu digo, “não chegou a hora certa, quando chegar a hora certa eles vão fazer”.

P/1 - Você tem essa confiança?

R - Eu tenho, eu acho que tudo tem um tempo de amadurecimento, como as plantas, a árvore não dá fruto do dia para a noite.

P/1 - E o que você reflete ou sente com relação aos dias de hoje? Muitas pessoas que vieram aqui tem um sentimento muito amargo, muito triste. Como é para você?

R - Muito deprimida. Minha sorte é que eu estou vivendo com o Rock, e a gente está com uma relação muito boa, então isso está me fazendo muito bem, mas se não fosse isso eu não sei, porque eu estava com depressão até pouco tempo. Até 04 anos atrás eu estava com depressão, com crises de ansiedade. Acho que vocês não conhecem a ansiedade. Crise de ansiedade é um negócio seríssimo. Não é essa ansiedade que a gente tem quando vai fazer provas. É uma coisa que te deixa, que te tira do normal, você não consegue sentar, não consegue deitar, não consegue fazer nada, é horrível. E eu tive forte mesmo. Eu tomo remédio até hoje.

P/2 - O que você acha que te provocou essas crises?

R - Aquele escândalo da Lava Jato. Começou ali.

P/1 - A questão foi política, então?

R - Foi. Eu comecei acreditando em tudo que diziam, que Lula roubava, que o PT roubava, que era tudo assim. Achando que o Mouro era uma pessoa honesta, demorou para eu voltar.

P/1 - Você ficou com uma crise por conta?

R - Eu acho que foi porque eu chorava muito. Quando eu parei de chorar os peitos não aguentavam.

P/1 - De decepção assim?

R - É uma decepção muito grande.

P/1 - E hoje com relação a essas eleições?

R - Eu voto no Lula. Eu acho que desses políticos que estão aí, é o único que talvez consiga reconstruir o país. As pessoas acham que não pensam. Os pobres antes do Lula não tinham nem talão de cheque, não tinham luz em casa, não tinham água. Não está tudo perfeito, ele não conseguiu, mas ele fez muito mesmo. Ele acabou com a fome de muita gente. Agora, não votar no Lula porque ele é a favor do aborto! A lei do aborto pode haver, se sua mulher, sua filha, sua mãe não quiserem fazer, não vão fazer. Ninguém é obrigado.

P/1 - E como é que hoje está o seu filho? Você tem netos?

R - O meu filho também pensa assim como eu, ele tem a cabeça bem boa, ele gosta muito de ler. Ele lê muito. Tenho 03 netos, o mais velho é consciente até, desde pequenininho, eu achava tão interessante, eu acho que política vem no sangue. Ele estava brincando comigo assim no tapete, no chão e a TV ligada, quando falavam presidente, eu não sei porque ele parava tudo e olhava. Com 03, 04 anos, eu dizia, “esse menino vai gostar de política e realmente ele gosta, é o único”. O do meio não quer saber de nada, nem de ler, nem de política, nem de nada. E o pequenininho ainda é muito pequeno.

P/1 - E hoje depois de ter se aposentado, de estar namorando de novo, o que você pensa para o seu futuro? Você tem algum sonho?

R - Eu sei que me resta pouco tempo e eu tenho uma sede de conhecimento, uma sede de saber inesgotável, como se eu tivesse 20 anos. E eu estou preparando um livro, quero ver se consigo publicar meu livro.

P/1 - É uma autobiografia ou não?

R - Eu fiz uma autobiografia. Tem um livro de contos, tenho três livros de poemas e um romance. Tenho 06 livros.

P/2 - Esse agora é sobre o quê?

R - Esse agora, eu estou revendo a minha autobiografia, porque a autobiografia foi escrita em 02 meses. Abriram um concurso literário e o tema era “Eu, Primeira Pessoa”. Aí eu peguei um caderno e comecei a escrever. Meu filho viu disse: “mãe se você quiser, eu digito pra você”. Eu nem tinha computador. “Eu digito pra você e você participa do concurso”. Eu disse: “eu quero”. Eu escrevia durante o dia com a minha mãe doente, minha mãe sentada lá e eu aqui, às vezes tinha visita ali, eu escrevendo. Bom, o livro ganhou o prêmio, a publicação, e uma viagem à Europa. Eu fiquei 28 dias na Europa. Fui para Itália, Espanha, França e Suíça, foi o prêmio, não foi em dinheiro, foi viagem e a publicação do livro. Então, eu peguei o livro agora, não sei nem se eu vou continuar. Eu vou reler inteiro, eu comecei a mudar uma série de coisas, melhorar a linguagem, dar um trato no texto, mas eu não tenho certeza se eu vou fazer isso.

P/1 - Por quê?

R - Se vale a pena, eu vou reler para ver se está datado, se não diz mais de mim hoje.

P/1 - Você acha que essa entrevista que a gente fez aqui diz alguma coisa?

R - Ajuda muito. Eu revi coisas da minha vida que fazia tempo que eu não via.

P/2 - Como é que foi contar um pouco da sua história pra gente hoje?

R - Eu gostei, só que eu achei que eu falei demais, e que no fim, eu terminei falando coisas que não tinham importância, não sei.

P/2 - Tem alguma coisa que você escreveu que você gostaria de registrar com a gente? Sua autobiografia?

R - Sim, posso mandar para vocês. Hoje eu acho que o livro, não sei. As pessoas gostavam, mas eu li e eu acho que não sei. Talvez eu continue a história, porque parou com a minha mãe ainda viva. Talvez eu continue.

P/2 -

E hoje, alguma coisa que a gente não perguntou que você gostaria de ter contado e porventura passou batido?

R - Acho que vocês perguntaram tanta coisa, eu falei tanto.

P/1 - Eu tenho uma última pergunta, queria saber a sua opinião, porque esse projeto tem muito um viés de trazer para os mais jovens essa dimensão de cotidiano da ditadura, na ideia de que todos sofrem quando a gente tem um governo assim. O que você diria para as pessoas que hoje apoiam um governo autoritário, principalmente os mais jovens hoje?

R - Olha, eu acho que nós nunca tivemos um governo tão ruim quanto esse. Esse homem foge de tudo aquilo que a gente sonhou de programação para um país. Ele é ligado ao ódio, à vingança. Ele despreza a ciência, despreza as mulheres. Todas as vezes em que ele esteve em contato com mulheres ele destratou, chamou de feia, de vagabunda, de tudo que é um horror. Eu acho esse presidente, eu não gosto nem de pronunciar o nome dele. Eu acho esse presidente a pior coisa que poderia ter nos acontecido. Nós regredimos não sei quantos anos com a administração dele. O Brasil era um país que era. Eu eu me sinto exilada atualmente. E acho que é como se a gente estivesse outra vez na ditadura. Só que agora ele foi eleito, mas o mal que ele faz, eu seria capaz até de dizer que ele é pior que a ditadura. Ele é pior que a ditadura! Eu nunca vi nenhum dos ditadores que nós tivemos, e olha que eu não gostava de nenhum, nenhum destratar as mulheres, nenhum declarar que não acredita na ciência. Eu responsabilizo o presidente por um grande número de mortes nesse país de covid-19, para mim ele é responsável. Ele não acreditou na ciência quando a ciência disse que a cloroquina não funcionava. Ficou provado que a cloroquina não funcionava, ia falar com as pessoas sem máscara. Ele não teve um pingo de respeito, ele não respeitava os ministros que ele mesmo escolhia, o ministro da saúde dizia uma coisa, ele ia lá e dizia outra. Então eu acho que a juventude precisa ler muito, precisa se informar muito, ler a história do Brasil e ler jornais, não precisa nem ler em papel. Tem muito jornal bom na internet. Eu indicaria até o Brasil 247. É um jornal excelente, com pessoas muito inteligentes, com grandes pensadores. Eu acho que o que falta para a juventude é isso. Porque é uma juventude linda, eu nunca vi tanta gente bonita no Brasil, não é confete não, é a realidade, eu digo para minha irmã isso, que eu saio na rua eu nunca vi tanto jovem bonito, eu me arrepio, eu não choro, eu fiquei só com arrepio, como eu vejo agora, e essa juventude precisa ser bonita interiormente, precisa tomar pé e rever esse país, protestar, fazer tudo que puder pra gente reconstruir o Brasil, que é um dos países mais lindos do mundo. Eu conheci um pouco da Europa, eu não trocaria jamais o meu país por nenhum país que não seja esse aqui mesmo. E que eu confio muito na juventude. Quero muito que vocês reconstruam o que destruíram. E quero agradecer demais essa iniciativa que eu achei espetacular, fazia falta um Museu da Pessoa, com depoimentos verdadeiros, eu acho. Vocês estão de parabéns mesmo. Muito obrigada!