Museu da Pessoa

Telegrama de aniversário

autoria: Museu da Pessoa personagem: Fransberlan Pereira Elias

P/1 – Bom Frans, primeiro, eu queria agradecer, tá, a sua disponibilidade para dar a sua entrevista. Pra questão de identificação, eu queria que você falasse o seu nome completo, om local e a data de seu nascimento

R – Meu nome é Fransberlan Pereira Elias, nasci em 20 de agosto de 66, Fortaleza, Ceará

P/1 – Fortaleza, Ceará, perfeito. Bom, Frans, então, antes de começar sobre a sua historia mesmo, eu queria voltar um pouco então para as suas origens, sua família, você conhece a origem da sua família? Nome dos seus pais, de onde eles vieram, por exemplo, o que eles faziam.

R – Na verdade, eu fui criado assim com as irmãs, né, que meus pais separaram muito novos, eu, né, tinha o quê? Meses de idade e o meu pai criou a gente, os filhos, se não me engano, uns dez filhos, né, e depois que eu fui crescendo que a minha mãe separada, ela mora com outro homem, né, de vez em quando, eu ia visitar e minhas irmãs… a mais velha criou eu que sou o mais novo de casa foi ela que me criou praticamente.

P/1 – Entendi. Onde vocês moravam?

R – Quando eu cheguei no Zé Valter, eu tinha uns quatro anos…

P/1 – É o que você lembra, o primeiro que você lembra, como que é?

R – No Conjunto José Valter. Eu entrei lá a infância toda, naquele tempo, 13, 14 anos, a gente ia… tempo da tertúlia, fazia festa nas casas dos outros, pessoal pegava um som, levava, não tinha briga, a gente saía… era segunda, terça e quarta à tarde, saía na segunda e pra quarta, andando, voltava duas horas da manhã, três horas da manhã, não tinha nada, não tinha assalto, hoje, nêgo na faz mais isso, a pé não.

P/1 – O quê que aconteceu com esse bairro?

R – Pois é, acho que que não foi só o bairro, né, acho que em várias cidades… mudou, ninguém sabe como foi que mudou pra ficar desse jeito, né, nem só Fortaleza, como em outros estados, eu acho que mudaram muito…

P/1 – Bom, me conta um pouco, como é que era o bairro? Você se lembra das pessoas que moravam lá, você lembra dos…

R – Lembro

P/1 – Você lembra de alguns vizinhos, você lembra…

R – Lembro de alguns colegas, até me meti numa briga por causa dele, assim, nós passeando no Colégio Diogo Vital, próximo a lá e tinha um cara na churrascaria, né, passava uma casa era a outra, ai fomos passear e ele… passando lá, o cara me chamou: “Eu dou cinco… cinco cruzeiros…”, naquele tempo, “…pra quem der o primeiro murro”, uma brigazinha, né? Ai o cara: “Vai, vai” “Vou não, vou não” “Vai” “Vai tu” “Vai rapaz!”, eu fui, ai o cara trabalhava lá, sabe? Ai, nesse negocio que arrumei pra ele, né, ele me deu um chute aqui na coxa, mas era burro, né, ai quando me deu outro chute, eu gramei, dei um no rosto dele, ai ganhei cinco cruzeiros daquele tempo. Ai, ele: “Você pode me dar metade disso” “Não, apanhei ali”, mesmo assim, eu dei uma parte a ele, um e cinquenta, uma coisa assim

P/1 – Sabe que o UFC (risos)

R – Começou ali (risos)

P/1 – (risos) Tá certo, tá certo. Me conta mais, sua infância, como foi?

R – Pois é, eu…

P/1 – Como é que era o bairro?

R – Brinquei muito, eu gosto muito de futebol, tinha um campinho perto de casa, lá, mas o trabalho puxou logo, porque eu tinha uma irmão que era mãe solteira e meu pai ganhava muito pouco naquele tempo, né, era engraxate ele, e “instrutou” a família, mesmo sendo engraxate, ele “instrutou” dez filho e eu comecei a trabalhar com 15 anos, carteira assinada, hoje tá com o quê? Com uns 29 anos de carteira assinada já, né? Eu não me arrependo de ter trabalhado, apesar de ter estudado à noite, também, é muito puxado, você trabalhar cedo e sair do trabalho cinco e meia, seis horas e chegar em casa, tomar banho e ir pro colégio é muito puxado. E hoje eu não me arrependo não, Correios, assim, em matéria escolar, ele deu um apoio muito grande, sabe? Ele fez uma parceria com o SESC e pediu pra quem quisesse terminar o segundo grau e arranjou umas salas na Aldeota, aqui no centro, no edifício sede e graças a Deus, eu conclui o meu segundo grau, foi muita gente.

P/1 – Mas quem que conseguiu esse esquema?

R – Correios mesmo, ele fez uma parceria com o SESC, sabe? Fez as salas ai, botou umas cadeiras, foi muito bom, veio muita gente que não tinha o segundo grau, concluiu.

P/1 – Legal. Eu vou retomar isso ai, mas voltando um pouco pra sua casa, tal, como que era essa dinâmica? Quantos… dez, é isso?

R – Dez, era

P/1 – Dez. Como que era a casa de vocês? Como é que vocês se organizavam ali?

R – O pai, na verdade, era meio…

P/1 – Seu pai trabalhava o dia inteiro, como é que é?

R – Trabalhava o dia inteiro, muita gente dormia em rede, porque tinha umas cama, mas não dava, né, apesar de ser três quartos, mas tinha a rede, que botava do lado, botava do outro, às vezes, ficava por cima do outro, né, pra caber, senão, não dava não.

P/1 – Entendi. E vocês se ajudavam ali?

R – Se ajudava, no caso.

P/1 – Entendi.

R – O meu irmão mais velho também, ele casou já rapaz velho já, ajudou muito a gente, sabe? Ele tinha aquela função também de ajudar o pai e a família, comprava as mistura, ajudava, ajudou muito em casa, ele.

P/1 – Entendi

R – Meu pai e o meu irmão mais velho

P/1 – E todos estão ainda bem?

R – Estão. Tudo tão… teve…

P/1 – Qual foi o caminho de todos, ai?

R – Pois é, quem foi pro Correios, pra emprego todo foi eu, né? Outros, estudaram, seguiram outras profissões, outros casaram, duas tá em casa assim, cuidando das filhas delas, né, que ficaram em casa, e muitos moram na mesma… porque a casa é muito grande, o terreno também, certo? Apesar de ter três quartos, mas uns fizeram lá no quintal, né, tinha as partes lá, fizeram, outros aproveitaram o outro lado da casa, num beco que tinha, né? e o outro fez uma casa do outro, né, ajudou, vendeu uma casa que tinha e vendeu… e comprou a parte dele em cima, né, deu uns cinco mil reais pra ele, fez. Tinha uma irmã que passou um tempo em São Paulo, a mais velha também, passou bem uns 20 anos também, ela veio e fez quando veio, veio com dinheiro e fez a casinha dela em cima e foi nesse ano, a bichinha partiu, Deus levou, que Deus a tenha, mas tá lá, tem umas cinco famílias morando lá…

P/1 – Você também?

R – Não, eu moro próximo. Mas estão tudo bem próximo mesmo, ao redor da casa, umas cinco famílias

P/1 – Entendi. E o seu pai?

R – Meu pai faleceu, minha mãe também

P/1 – Falecido? Sua mãe também?

R – Diabete muito alta e não conseguiu. Meu pai morreu aos 82 anos, que Deus o tenha

P/1 – Que Deus o tenha. E me conta um pouco, então quer dizer, que você começou a estudar e trabalhar com 15 anos

R – Com 15 anos

P/1 – E escola, você só foi terminar com os Correios, então?

R – Isso, foi…

P/1 – Mas calma, o seu primeiro emprego foi o quê?

R – O meu primeiro emprego foi numa fábrica de calçado

P/1 – Conta um pouco, como foi essa experiência ai?

R – Foi 15 anos, deixa eu ver, nove meses lá na Pajuçara, próximo aqui a Fortaleza, né, passei nove meses lá e não deu certo, eu fui pra outra, ali perto do Detran, na Araponga, passei uns três anos, mais ou menos. Ai, eu tive um problema particular, ai eu falei com o meu chefe, digo: “Não vou querer mais trabalhar lá”, ai ele viu que eu era uma pessoa muito trabalhadora, disse: “Não sai não”, ele me deu uma puta força, né? “Não sai não” “Não, mas eu quero sair, se você fazer isso por mim, eu lhe agradeço muito”, até disse pra ele. E sai, né, uns três anos mais ou menos, depois trabalhei de continuo na loja Itamarati, aqui no centro e depois da Itamarati, passei uns poucos meses, ai o Correios me chamou.

P/1 – Prestou concurso

R – Na verdade, não foi, que no tempo que… 87, eu fiz uma ficha aqui, né? E pra nós, que somos do setor onde eu era antes, passou pra um outro setor e naquele tempo, o diretor era o João Porto, que Deus o tenha também, ai mandaram me chamar, ai eu fiquei no setor de um colega meu, de manutenção.

P/1 – Setor de manutenção, e você continua?

R – Continua

P/1 – Até hoje?

R – Até hoje, muitos colegas também faleceram e que tá aqui é eu, daqueles era bem uns sete ou era oito, só tá eu e outro colega…

P/1 – Fala de alguns colegas ai, que era o pessoal gente fina ai, que…

R – Tem, tem o finado Simplício, um “guaracista” que me ajudou muito também, ele naquele tempo, eu não sabia nem trocar um reator, ele: “Você faz assim, assim, assim”, e tem o finado Mauro também, muito esforçado também, sabe, aprendeu com o Simplício. O Mauro, eu aprendi muito com ele também, cara gente boa e teve coisa de AVC e Deus levou. Tem outros também, o Coelho também, que muito antigo aqui no Correios e tá aposentado, né? Os que morreram foram esses dois mesmo, o resto tá aposentado, um tá aposentado, mas tá trabalhando, né, esperando…

P/1 – Mas tem uma historia deles ai? Você lembra de alguns casos com eles? Algum dia que foi especial, ou…

R – Deixa eu ver aqui, deixa eu lembrar aqui

P/1 – Você chegou e não sabia nada e ai? Você lembra de algum pepino que estourou na sua mão e você: “Putz”?

R – Tem um causo aqui, mas eu não fui nessa viagem não, foi o… não sei se posso contar, que é do…

P/1 – Você que sabe

R – Tava no interior, eles, me contaram, né?

P/1 – Pessoal da manutenção?

R – Da manutenção. Ai tinha o Mauricio, que tá aposentado também, não sei quem mais tava, e nesse interior lá, tinha uma parte do Correio e outra não, né? Ai, eles subiram num lugar lá e tinha umas calcinhas lá, né? As calcinhas lá e começou cheirar, né? Ai… depois foi perguntar de quem era, falaram: “Essas calcinhas são de um viado, de um viado que mora ai” (risos)

P/1 – (risos) Sacanagem, né? Mas e você, pessoalmente ai, me fala um desafio que você teve, tá desde 87, né, me fala um… ou uma vitória, ou um dia que foi: “Nossa, vamo lá”, o quê que…

R – Rapaz, todo dia é dia de vitória, viu, aqui no Correios, principalmente da nossa parte, manutenção, eu acho que assim, todo dia a gente resolve pepinos, coisa que não dá pra resolver, a gente faz tudo, vai lá mesmo, cada dia é uma vitória, para o nosso setor, é!

P/1 – Fala ai, conta um dia seu aqui. Você acordou, que horas você chega, e ai? Como que é o… normalmente?

R – Pois é, normalmente, eu vou logo para a garagem, né, pegar o carro e sei lá oito horas, cinco pra oito, dez pra oito, ai, às vezes, fica esperando os colegas que chegam, um pouquinho atrasado, vem pra cá, daqui eu meço o problema que tem nas agencias, né, separo o material: lâmpada, coisa assim e vai resolver. Às vezes, até assim, por telefone, dependendo do caso, se for, deu um problema na instalação, né, ai a gente liga pra lá, às vezes, só um disjuntor desligado, a gente já resolve, muitas vezes, eu faço isso, só pra… ai eu oriento, né, nada que dê choque, tirar só uma tampa ali, faça o seguinte, se tiver desligado o disjuntor, você liga e vai ligando, entendeu? Muitas coisas, a gente resolve por telefone mesmo. Mas o nosso dia a dia mesmo assim, é resolver as OS, as Ordens de Serviço

P/1 – Ordem de Serviço?

R – Ordem de Serviço

P/1 – Entendi. Bom, você tá aqui desde 87, né?

R – É

P/1 – Teve um dia que foi marcante pra você, dentro dos Correios?

R – Marcante… marcante… rapaz, seguinte, são… marcante assim, eu acho que é assim, a gente chama… muitas coisas que não dá pra resolver, assim, deixa eu ver um exemplo aqui, marcante assim, quando um CDD, uma agencia tá parado e a gente sai pra resolver, entendeu? Pode ser onde for, aqui em Fortaleza, faltou energia…

P/1 – Por exemplo

R – Por exemplo, dá muito problema de energia, ai, pessoal liga aqui oito horas, nove horas, nem todo tem que dar preferencia, agencia, CDD, área operacional, né, que chama, e vai lá e resolve. Acho marcante mais é isso, agencia ou CDD que der problema, falta de energia, problema de água, tem que dar preferência e…

P/1 – Mas a sua formação, você fez ensino completo, né?

R – Foi

P/1 – Depois você fez curso técnico, como que é?

R – Eu fiz vários cursos

P/1 – Pelo Correios?

R – Pelo Correios também, Correios, nessa parte me formou muito, de você ir lá pegar o panfleto e ver uma curso que eu queria, né, e passava pela gerencia e autorizava, essa parte, o Correios, não tem o que falar. Até hoje, né, Correios mesmo…

P/1 – E pensando assim, uma relação afetiva com os Correios, você já teve, por exemplo, uma carta que você recebeu ou já enviou uma carta que foi marcante, ou recebeu uma encomenda? Uma relação mais afetiva, não falo trabalho, com os Correios?

R – Correios, em questão de aniversariante, ele sempre manda telegrama, né, acho que é muito importante isso ai.

P/1 – Telegrama?

R – Telegrama, pessoal tá aniversariando, ele… pra todo mundo, nele manda um telegrama dizendo: “Feliz aniversario”, né? Acho que isso ai é importante

P/1 – Mas você já recebeu um que você ficou contente, é isso?

R – Assim, eu não sei se foi um telegrama, ou carta, mas um dia, o diretor me mandou um envelopezinho, agradecendo o apoio que a gente tava aqui recebendo ela, como diretor, ele… ajudei nas coisas que podia, ele mandou um envelopezinho com um cartão agradecendo. Acho que isso é muito…

P/1 – Você já enviou uma carta, ou um telegrama preá alguém? Não?

R – Quando eu era solteiro, né, acho que eu mandava e recebia, mandava, né?

P/1 – Conta uma, né?

R – Mas não era nem do Correios assim, né? Nem pensava entrar no Correios, já mandava carta e recebia, né? Acho que é legal. Depois que eu vim entrar no Correios, que eu não sabia mandar carta, receber, jamais imaginei alguém entrando no Correios.

P/1 – (risos) Tea certo. Hoje, você utiliza os Correios também, não?

R – Às vezes, eu mando alguma encomenda, alguma coisa assim que pede, eu…

P/1 – Quais são os serviços que você usa dos Correios?

R – Sedex ou Pac mesmo, encomenda normal

P/1 – Entendi. Frans, me fala uma coisa, hoje assim, qual que é o seu sonho de vida?

R – Sonho de vida?

P/1 – É,

o que você quer?

R – Praticamente, meu sonho do Correios tá realizado, mas assim, minha filha tá terminando a faculdade, meu filho tá estudando pra… já entrou no Correios, acho que também, já saiu, entrou no Banco do Brasil, já saiu, não gostou, mas se tiver outro concurso do Correios, ele vai fazer. Ele tea estudando pra concurso, né, mas se tiver do Correios ele vai fazer de novo, qualquer outro concurso publico, esse é o meu sonho, né, ele entrar e ter uma faculdade, começar, né, uma faculdade dele, que ele quer. Ele quer primeiro entrar no emprego publico e depois, fazer a faculdade. Minha filha tá fazendo faculdade, agora, eu pretendo que ela entre no emprego publico, né? eu acho que tendo isso, acho que tá bom demais, porque já são grandes, já sabem o que querem, só de serem boas pessoas, não metido com o mal, com drogas, assim, já é muito prazeroso a gente ver os filhos da gente.

P/1 – Tá, bom, legal! E pra gente terminar assim, pode pensar com calma, mas qual seria assim, um dia marcante na sua vida, assim, que você possa descrever, contar pra gente, um dia que você fala: “Poxa, esse dia foi importante pra mim”?

R – Marcante…

P/1 – Imagino que tenham vários, mas pensa um que você tem um carinho, que você fala: “Esse dia foi…”, e conta pra gente

R – Mas no Correios?

P/1 – Não. Na sua vida. Pode ser no Correios, onde você…

R – Marcante… puxa, agora você me pegou, viu?

P/1 – A gente não tem pressa. Pensa lá, qual foi um dia que você fala: “Poxa, aconteceu tal, tal coisa, tal, tal, tal, foi muito importante”

R – Deixa eu ver aqui

[silêncio]

R – E agora?

P/1 – Tranquilo

R – Marcante…

P/1 – Pode ser o dia do casamento, nascimento do filho, o dia que Fortaleza ganhou…

R – Não, não…

P/1 – (risos) Você torce pra alguém?

R – Pro Ceará

P/1 – Campeão da serie B… tô brincando…

R – Eu sei

P/1 – Mas algum dia

R – Acho que o nascimento da filha, né? O nascimento da minha filha, há 21 anos atrás, no hospital Antônio Prudente. Ela veio com saúde, acho que foi o nascimento dela

P/1 – Você lembra como que foi esse dia?

R – Pois é, eu até fiquei nervoso e perguntou se eu queria entrar e a minha mulher já tava descendo aquela água, né, que chama… abriu a bolsa, né, e foi logo pra sala de cirurgia lá, ai entrou e eu não quis entrar. Isso ai foi um dia marcante. Muito bom.

P/1 – Tá bom. Então Frans, em nome do Museu da Pessoa e dos Correios, queria agradecer você pela sua entrevista

R –

Obrigado, pra você também

P/1 – Obrigado











































































































FINAL DA ENTREVISTA