Museu da Pessoa

Superando o meu próprio preconceito

autoria: Museu da Pessoa personagem: André Lucas Durigan Sardinha

P/1 – André, vamos começar pela parte mais fácil. Seu nome completo, local e a data do seu nascimento.

R – André Lucas Durigan Sardinha, nasci em São Paulo, em 20 de abril de 1989.

P/1 – Nome dos seus pais.

R – Luzia Aparecida Durigan e Álvaro Garcia Sardinha.

P/1 – Você tem irmãos?

R – Tenho uma irmã mais velha.

P/1 – Qual é o nome dela?

R – Laiane.

P/1 –Ela é quanto mais velha que você?

R – Acho que, quantos anos ela tem? Ele fez agora? Trinta e um. Eu tenho 27, são quatro anos.

P/1 – André, e seus pais? Fala um pouquinho deles, o quê que eles fazem?

R – Minha mãe é biomédica, formada, só que atualmente, ela trabalha mais em consultório com os médicos, assim, os médicos são bem amigos da minha família de bairro, amigos da minha avó, pessoal sempre trabalhou em família e os meus pais são separados. Na verdade, moro com a minha mãe há muito tempo, assim. Meu pai é corretor de imóveis, a gente tem um contato legal, mas eu moro mais com a minha mãe. Vejo ele em mês, de mês e mês, a gente se vê, mas eu moro com a minha mãe, com a minha irmã e com a minha vó, agora atualmente.

P/1 – Fala um pouco. Como é que é a sua relação com a sua mãe?

R – Minha mãe, a relação é super tranquila, assim, a gente é muito amigo, se fala de tudo, ela se preocupa demais comigo também, não sei se é porque eu sou o filho mais novo e por causa da diabetes também, ela tem uma preocupação até mais, assim, do que o normal, eu acho, sabe? Mas acho que é normal, né?

P/1 – E a sua infância, quais são assim as lembranças mais marcantes da sua infância?

R – Lembrança de infância que eu lembro é que eu saía do colégio, assim, no primeiro dia de férias e ia para o sitio da minha avó e do meu vô, que hoje a minha vó mora comigo e ficava lá as férias inteiras. Eu sempre fui de ficar em interior, assim, na fazenda mesmo, você ia no primeiro dia de férias e voltava no último, assim. Isso foi bastante tempo.

P/1 – E onde que é essa fazenda?

R – Era perto de Marília, que a família da parte da minha mãe é toda lá de Marília, então sempre teve sitio por ali perto e ficava lá com os meus tios, padrinho, meu vô.

P/1 – O quê que você fazia no sitio, assim, na sua infância que você mais gostava de fazer?

R – Tinha muita coisa. Tinha muita molecada que morava junto, né, no sitio, a gente fazia de tudo, ia pescar muito, coisa de interior, assim, sabe? Jogava muita bola, fazia de tudo.

P/1 – O quê que você mais se lembra de lá? Assim, de um episódio que tenha ficado registrado na sua lembrança.

R – Registrado? Acho que as pescarias que eu fazia com o meu tio era muito legal, que a gente saía de madrugada, assim, ia para uns rios a fora assim, não pegava nada nunca, mas era gostoso sair com ele assim, fazer bastante coisa diferente, assim.

P/1 – Você já passou por algum apuro assim, dessas aventuras no sitio?

R – Já passei bastante. Assim, uma vez, a gente quase sofreu um acidente, meu avô tinha plantação, de goiaba e a gente costumava fazer as entregas com ele, né, desse negócio, eu nunca me esqueço. A gente estava chegando em Marília, estava eu, meu primo e um outro primo meu que estava dirigindo. A gente fez uma curva, muito fechada, o caminhão ficou sem freio bem na curva. Nossa, a gente não capotou ali por Deus. Ficou muito marcado assim, aí recuperou na volta, o freio, daí não aconteceu nada. Mas aquele dia eu achei que fosse acontecer alguma coisa séria. Daí ficou gravado isso, isso faz muito tempo também. Hoje em dia, meu avô nem tem mais esse sitio, já nem mexe mais com isso.

P/1 – E as lembranças da infância em São Paulo, mesmo, onde você morava?

R – Eu sempre morei onde eu morava até dois anos atrás, assim. Infância, é que infância aqui em São Paulo é meio complicado, né?

P/1 – Mas onde que você morava?

R – Morava na Vila Prudente, perto de onde é a estação do metrô, hoje, atualmente. Era muito, não tinha muita amizade assim, de vizinho, nada, assim. A minha vida era muito estudo, escola, voltava, saía de fim de semana, mas saía mais com a minha família, assim. Não era de sair muito com o pessoal, só mais pra frente, que eu era menor também, né? Depois, minha mãe foi mais me soltando assim, para eu sair com o pessoal, mas eu curtia muito mais a infância mesmo quando estava de férias, né, porque eu tinha mais para onde correr, de fazer um monte de coisa, e naquela época, não tinha muito aquele negócio que hoje em dia, essa internet, tudo, eu ainda era daquele tempo que ainda tinha mais coisas pra fazer assim, fisicamente. É bem diferente, hoje já é diferente, né?

P/1 – E onde você estudava quando você era criança?

R – Estudava ali na Vila Prudente, mesmo, num colégio chamado João Vinte e Três.

P/1 – E como é que era essa escola?

R – Eu sempre falo que era uma escola que não costumava preparar pro vestibular, assim, sabe, na verdade, eles preparavam você para a vida. Eram professores muito amigos de você, eles cultivavam mais uma amizade assim, não era aquela escola que te preparava para o vestibular, sabe? Eu sempre tive essa impressão. Daí, mas foi bom. Acho que para o meu perfil de educação, foi bom.

P/1 – E você estudou lá de quando até quando, assim…?

R – Estudei a minha vida inteira lá. Desde pré, jardim, ensino médio, fundamental, sempre estudei lá.

P/1 – Conta pra gente algumas passagens especiais que você teve nessa escola.

R – Eu lembro que era legal, porque eu integrava a equipe de futebol de salão, né, a gente competia fora, em outros colégios dos arredores, sempre perdia para o mesmo, nas finais.

P/1 – Pra quem?

R – Tanto no nosso colégio, como no outro… Chamava Externato Nossa Senhora Menina, a gente sempre perdia, impressionante.

P/1 – Mas tem algum jogo mais marcante, assim, que tenha ficado na sua memória?

R – O jogo mais marcante

foi no pré que eu entrei, assim, fizeram uma repescagem e daí, estavam formando um time, né, e eu fui lá para ver como que ia ser, eu nunca fui muito bom, assim. Eu sei que nesse jogo, eu marquei uns quatro gols, a gente detonou e aí, eu fui para o time titular logo de cara assim, no colégio. Mas eu não tinha habilidade para tudo isso não, foi sorte, mesmo eu acho. Tanto que lá pra frente, fiquei só um ano, joguei um ano só, depois…

P/1 – E professores?

R – Ah então, professores até hoje tem uns que eu falo, a gente era muito amigo, sabe? Inclusive, tinha um amigo meu muito próximo na época que a mãe dele era professora nossa, dava aula de Química pra gente e ela acabava sendo, tinha um outro colega meu que éramos nós três amigos e a mãe dele também dava aula, que era professora de Inglês. Então, acabou ficando muito família, assim. Em festa de aniversario, estavam eles, meus professores, a gente viajava junto. Nesse sitio que eu te falei, já foi ela, meus professores. Por isso que eu acho que ficou um clima de família assim, mas não tenho do que reclamar assim…

P/1 – Você viveu momentos também um pouco mais assim, complicados na época da escola? Dificuldades ou algo que tenha sido assim, mais difícil de enfrentar?

R – Então, inclusive foi quando eu estava pra sair do colégio, assim, que eu descobri a diabetes, né? Foi bem nessa época em que eu estava acabando o ensino médio pra entrar num cursinho, que eu descobri assim, foi bem nessa parte.

P/1 – Como é que foi?

R – Foi bem traumático de início. Teve um dia, que eu me lembro muito bem, estava me sentindo meio, não estava enxergando direito, assim, né, daí, minha vó me levou pra fazer exame de sangue, a gente fez,

e eu estava com muita sede, que eu tinha muita sede, até a primeira coisa que eu fiz, eu fui na padaria da frente e pedi um leite bem gelado, assim, com muito açúcar que veio, que eu não sabia, né? Aí, tomei aquele leite lá gelado. Aí no mesmo dia à tarde, minha mãe veio com o resultado, falando que tinha dado um aumento de glicemia muito elevado, tal e aí, eu nem pensei assim o que poderia ser porque não tinha ideia de como que era. Daí, a gente foi num médico colega dela, lá, também e de principio, ele nem quis entrar com insulina, acho que para não me traumatizar mais, sabe? Ele entrou com um remédio, assim, mas já de antemão falou pra minha mãe: “Não vai ter jeito. Isso aí é diabetes tipo um, não tem o que fazer. É tratamento com insulina e não tem jeito”. Nossa, daquele momento ali pra frente, caiu o mundo. Você acha que acabou, é muito complicado no começo, assim. Muito mesmo, te dá um baque, você acha que não vai sair nunca para a vida de novo. Parece que você ficou no mundo preso, ali. Até quando eu voltei, porque eu fiquei um tempo afastado para adaptar tudo, quando eu voltei para a aula, parecia que eu nem estava lá, minha cabeça estava em outro mundo, eu estava ali na aula, mas estava fora. Era muito estranho. Achei que não ia superar não, mas…

P/1 – Nessa fase inicial, qual foi o momento assim, mais difícil pra você? Foi quando você recebeu a notícia, depois quando esse outro médico falou, conta do momento mais difícil.

R – O mais difícil foi exatamente quando a gente descobriu isso e a gente não encontrava um médico, eu fui em dois, três médicos pra tentar conversar, só que eles eram muito direto e reto, assim: “O tratamento é esse e são tantas doses por dia e tem que monitorar o dia inteiro e é isso”, sabe? A gente estava baqueado emocionalmente, sabe? Não teve nenhum médico que se preocupou muito com isso, então foram só na teoria, assim, do diabetes. Isso que é complicado, porque do nada, você vira, troca uma chave, não é assim, é complicado. Daí, a gente acabou chegando por indicação no médico que trata de mim hoje, que é o Doutor João Nunes Salles e ele sim, foi um médico família. Que a minha mãe também entrou, né, junto comigo. Entrou em parafuso junto comigo. Uma das coisas que eu lembro que ele falou na consulta foi que ele falou assim: “Por que vocês estão com essa cara de morto aí? O que aconteceu?”, aí a gente explicou, ele falou: “Isso não é nada, vocês vão ver, vocês vão se adaptar, tudo”, aí em uma consulta, ele explicou tudo e a gente foi se acalmando, né? Foi se adaptando, tudo. Explicou como ia ser, foi mas, teve um caráter mais sentimental, assim, sabe? não foi assim: “É isso” e vai no mundo. Então, graças a ele, me ajudou muito a superar isso.

P/1 – O quê que mudou na sua vida a partir do momento que você foi diagnosticado com diabetes?

R – No começo, mudou um pouco porque você não tem, é difícil você começar a todo dia ter aquela rotina de levantar, fazer a medição, tomar tantas doses, depois de duas horas, ir medir, ver quanto tá e você ir se conhecendo para perceber os sintomas que pode dar alto ou baixa a glicemia, né? Isso, no começo, foi um pouco difícil, de adaptação, que você acabava lendo bastante assim, mas pra você colocar isso na prática, te conhecendo, uma coisa que você nunca teve, né? Meio complicado. No começo foi isso, uns picos de hipoglicemia que a gente começou com uma insulina diferente, para não querer dar muitas picadas para não traumatizar muito, eu tinha uma insulina, nem sei se existe hoje, que ela fazia duas funções, uma anti basal que é a que você toma de manhã e uma de rápida, só que isso acabou tendo muito pico de hipoglicemia e quando dá hipoglicemia, você não sabia, não conhecia ainda, é muito ruim, você começa a tremer, fica meio alucinado, assim. Eu lembro uma vez que a gente tinha ido lá na ADJ conhecer,

tal, e lá você acaba encontrando pessoas com o mesmo caso que você, então quando você descobre uma coisa dessa, você quer ver quem tem pra trocar ideia, tudo, te deixar mais seguro. Tive uma crise feia lá, que a minha mãe teve que pegar um suco lá no bar, nunca me esqueço, achei que ia cair lá naquele dia. Acho que foi a pior crise que eu já tive foi ali, mas eu estava no começo, entendeu, foi questão de adaptação, tudo. Acho que nem tinha ido no Doutor João, ainda. Estava em fase de adaptação.

P/1 – Como é que foi essa crise? Conta pra gente.

R – Eu lembro vagamente, assim, foi uma crise que eu comecei a tremer muito, assim, eu acho que estava com o aparelho, até medi, a glicemia estava 47 ou 30 e pouco assim, ela estava bem baixa. Aí, ela foi no bar, pediu um suco de laranja correndo, com muito açúcar, daí tomei e daí, logo passou. Só que como pra mim era muito novo aquilo, eu achei bem desesperador, assim. Agora, hoje em dia quando eu tenho, já nem chego a esse ponto, porque eu já conheço, eu sei quando tá caindo, então eu já nem deixo chegar nesse ponto. É o que eu falei, é questão de se conhecer, entendeu? Como era no começo, né, então era assustador.

P/1 – E em termos comportamentais de hábitos de vida, o quê que mudou pra você?

R – Então, no começo, eu jogava muito futebol de final de semana, né, só que daí, eu tive que parar um pouco. Como você joga muito e gasta muita energia, o pico de glicemia acabava descendo um pouco, então eu tive que parar até eu me inteirar de tudo isso, como que seria, se eu tinha que comer alguma coisa antes de jogar. Demorou um pouquinho. No colégio, eu também tive que me afastar um tempo das aulas, até de Educação Física, e tudo, até do próprio colégio, que eu não estava com cabeça, né? E todo mundo entendeu, tudo. Isso foi, esse período de adaptação assim, foi meio difícil assim, tinha que ficar em casa, para ficar medindo, achei que eu nunca mais ia sair daquilo. Achava que ia ser difícil retornar aos hábitos diários, assim, sabe? Mas aí, a gente foi se adaptando. Quando viu, já estava fazendo tudo certo de novo, tranquilo.

P/1 – Em relação à alimentação?

R – Alimentação é o que eu sempre digo, quando me perguntam assim, porque quem é muito antigo assim, fala que não pode comer nada, né, só que o doutor, como eu falei, ele me colocou num método que ele não me proibiu de comer nada, me colocou com um método de contagem de carboidratos, assim, ele falou: “Se você quiser comer McDonald’s, tem lá na tabela. Claro que você não vai exagerar e comer todo dia, né? Mas se quiser, tá com uma vontade, vai lá, pega, faz o cálculo, come e acabou”. E eu comecei a ter essa tabela assim, fazer os testes tudo, fazia conforme os cálculos que ele me explicou e dava super certo. Então, eu vi que sabe, não teria problema nenhum, era só fazer o cálculo certo, eu tinha caneta, levava a caneta no bolso para onde eu ia, assim, então foi, em quanto aos hábitos foi questão de adaptação.

P/2 – Desculpa te cortar mas só para te perguntar sobre a ADJ que você falou, é uma associação, né? Como que você chegou até essa associação? Você ficou ainda tem contato? Como que foi?

R – No começo, teve um congresso, eu acho, foi logo bem no começo que a gente estava descobrindo, minha mãe ficou interessada em ir nesse congresso, porque tinham uns médicos de Ribeirão Preto que estavam fazendo testes com células tronco, né, para pessoas com diabetes tipo 1 e quem estava no estágio primário, assim, poderia ser feito esse teste, tudo e aí, a gente foi lá. E lá, acho que tinha um estande da ADJ, acho que foi isso ou o Dr. João me apresentou… ah, acho que o Dr. João me apresentou antes, porque lá na ADJ mesmo, eu encontrei um pessoal que eu já tinha visto lá na associação. Então, você sabe, eu estava bem no começo, eu tinha um pouco de receio assim, de ficar conversando com muitas pessoas disso, sabe? Então, cheguei a ir lá acho que uma ou duas vezes, tive mais relacionamento com o Doutor João, mesmo. Minha mãe acabava indo lá para comprar uns medicamentos, alguma coisa mais que não tinha açúcar. Eu acho que eles têm uns encontros, lá, né? Mas eu nunca participei desses encontros, porque eu era muito reservado, eu tinha meio que um preconceito, na verdade com diabetes, comigo mesmo, sabe, não queria demonstrar muito para ninguém que eu tinha isso, porque eu ficava com receio de ser meio que visto como diferente, sabe? Que todo mundo falava: “Você não pode comer isso, não pode não sei o que…”, eu não gostava dessa visão de que eu não posso, sabe? Você não pode jogar bola, porque vai cair. Então, eu preferia não falar e ser tratado como os outros, normalmente, sem nenhuma diferença e eu sabia que ninguém ia perceber, porque como eu conseguia controlar tudo, então eu podia comer tudo que eu queria, sair ali, tomava o meu negócio, voltava e tranquilo. Entendeu? Em vez de falar: “Tenho isso, não posso…”, então eu preferia me reservar. Acho que por isso, eu acabei nem indo muito, frequentando assim, esses grupos, sabe?

P/1 – Você sofreu algum tipo de desconforto ou de preconceito ou alguma situação assim, desagradável por causa do diabetes?

R – Então não, eu temia isso, por isso que eu não falava o que eu tinha, eu temia exatamente isso, uma situação de trabalho, alguém não querer te dar uma promoção, ofertar um emprego, alguma coisa assim, por você ter diabetes, pensar que você tem problemas de sempre estar caindo ou passando mal, entendeu? Então, eu achava que isso poderia atrapalhar. Então, como eu tinha tudo controlado, no começo, eu não me expressava quanto a isso e nunca ninguém descobriu. Para você ter noção, minha namorada, a gente tá junto há seis anos, a gente fez seis anos, agora, recentemente, então quando eu conheci ela, eu já tinha diabetes há três, quatro anos, né? Ela foi descobrir que eu tinha diabetes acho que uns dois anos depois, porque eu não falei pra ela. E um dia, a gente estava no cinema, assim, estava com a caneta no bolso, ela estava com a mão assim, eu tirava assim, daí ela colocava de novo, aí eu tirava, aí ela: “Que foi?”, eu: “não, nada, um negócio aqui” “Que é que você tá tirando a minha mão?”, aí eu pensei: ‘não vai ter jeito, vou ter que falar’, daí esperei a sessão acabar, a gente saiu no shopping, daí eu falei: “Vou te contar uma coisa”, ela: “O quê que é?” “Eu tenho diabetes”, ela: “Não acredito que você não me falou isso até hoje”, pra você ver como era discreto o negócio, não sentia mesmo, que eu estava com ela muito, ia na casa dela direto, via ela sempre e ela nunca percebeu que eu tinha, nunca tinha sintoma nenhum, eu já estava com ela há bastante tempo, já e ela nunca percebeu que eu tinha. Era bem discreto, assim, que era bem controlado.

P/1 – E a parte de aplicação de insulina ou de monitoramento do nível glicêmico, como é que você fazia naquela época?

R – Fazia como eu faço até hoje, assim. No começo, eu fazia muito teste, fazia muito teste, picava mesmo bastante, assim, a cada duas horas para ver certinho, fazia a contagem certa na calculadora, mesmo, minha mãe ajudava, tinha um cálculo, uma fórmula que a gente usa, né, e daí foi passando, passando, eu fui me acostumando, hoje eu já nem faço mais, porque eu já tenho noção de quanto eu como, assim, eu olho e vejo: “Vou comer isso aqui, é tanto”, sabe? Já de cabeça assim, e costuma dar certo, assim.

Eu não costumo medir muitas vezes depois, assim, mas quando eu pego pra medir, assim, vamos fazer um mês medindo tudo para ver como tá, tudo, daí eu faço, dá sempre certo. Agora, ha um tempo atrás, deu uma descompensadinha de manhã, eu voltei a fazer duas horas depois, duas antes, e sempre dá certo, assim, tranquilo.

P/1 – Então, nem sempre você faz o monitoramento?

R – Nem sempre eu faço o monitoramento, que seria o correto, né, duas horas assim, de duas em duas, porque é complicado, né?

P/1 – Por quê que você não faz?

R – Acho que é a correria, mesmo, do dia a dia. Eu fico lá trabalhando, quando você vê, já passou duas horas, daí já foi. Eu meço sempre pelo menos três vezes por dia, eu meço. O legal é medir depois das refeições, pra ver se você injetou correto, né, você pode compensar, regular de novo, aí eu não costumo fazer isso.

P/1 – Você não se sente um pouco inseguro?

R – Um pouco porque eu não sei como pode estar depois, mas como eu faço os exames todos frequentemente, minha taxa de glicose é muito boa, tem um exame lá que o doutor sempre fala que o meu percentual é de pessoa, acho que hemoglobina glicosada, ele fala que é de pessoa normal, se eu te mostrar o exame para qualquer um, ele vai falar que eu sou normal, que eu não tenho diabetes, que o percentual não chega para quem tem diabetes. É de pessoa normal.

P/1 – Mas além da questão de você falar da correria do trabalho, etc., tem algum incômodo da forma como você faz o monitoramento, alguma coisa te incomoda?

R – Me incomoda eu pegar na frente das pessoas, aquela restrição minha, mesmo, pegar na frente das pessoas e de fazer na frente, mas quanto ao número de picadas por dia, eu pego lá, quando eu sinto que tá meio baixo, assim, ou tá muito alto, eu pego, vou no banheiro, faço, tranquilo, né? O que me incomoda mesmo é ficar expondo para as pessoas, mas quanto a picar, não me incomoda muito, não. Tranquilo.

P/1 – Agora, você recebeu o diagnóstico quando você estava para sair da escola, né, para fazer cursinho. Vamos voltar para essa parte da história. E aí depois que você voltou para a escola, aquele período de adaptação, aí, você fez cursinho e entrou na faculdade? Conta um pouco dessa sua trajetória.

R – Daí, já estava tudo acertado, medicação, tudo certinho, tomando conforme o doutor tinha prescrito nas receitas lá, foi tranquilo, eu consegui levar o cursinho numa boa assim, consegui fazer tudo, jogava futebol de novo, ia para as festas, tranquilo com a caneta lá, ninguém nunca percebeu que eu tinha isso, nem no cursinho e na faculdade, ninguém sabe. Dos cinco anos que eu tenho, que eu me formei em Direito, ninguém sabe que eu tenho isso e olha que a gente sempre viajava junto, ia para muitos lugares, jogos, festas, tudo. Achava que… eu não gosto muito de expressar assim, sabe? Até minha namorada que me ajudou: “Você tem que perder isso. Isso é uma coisa que é normal”. Daí, até vir aqui, falar isso, acho que é um pouco de estar superando isso, de expor para todo mundo, sabe? O que eu tenho, não ter vergonha, de tocar pra frente, assim.

P/1 – E quando você quis fazer Direito, prestou vestibular, passou, onde você foi estudar? Como é que foi a sua vida na faculdade? Independente da questão do diabetes.

R – Foi muito bom. Eu fiz cursinho um ano, né, daí prestei aqui em São Paulo, acabei optando pelo Mackenzie, que foi onde eu me formei e lá foi muito bom, pessoal, as amizades de lá, formação, oportunidade que eu tive, tem um pessoal que eu vou levar para a vida inteira, assim, e formação também, não tem o que falar, só agradecer a faculdade, assim, minha formação digo de excelência, assim, para a vida e para a carreira.

P/1 – O quê que foi a melhor coisa que você encontrou lá no Mackenzie no seu curso, assim, que você falou: “Nossa, isso é o que eu mais trago comigo desse período da faculdade”?

R – Acho que o pessoal que eu encontrei lá no Mackenzie, porque lá tem um trabalho de juizado, né? Então lá eu fiz um estágio de seis meses. Na verdade, lá a gente acabou formando um pessoal que não é nem da minha classe, a gente acabou formando uma turma que no próprio juizado, assim, que ficou mais uma família de amigos, assim, porque juntou muitas pessoas que não eram da mesma sala, eram de turmas diferentes, de anos diferentes, da mesma faculdade, mas de períodos diferentes, mas a gente ficou tão amigo que hoje em dia, o que eu levo da faculdade assim, de amizades, são eles, não são da minha sala, quase. Alguns são, mas a maioria é só desse juizado, acho que mais que o aprendizado que eu tive lá, que lá, você via assim, o Direito, você aplicava aquele monte de pessoas humildes assim, que iam procurar lá os auxílios nossos, causas menores, causas simples, mas as pessoas faziam uma diferença imensa, assim, sabe? Por isso que era legal a gente ver ali, fazer a diferença para a pessoa, né?

P/1 – Conta um desses casos pra gente, assim, que você conheceu lá, que você trabalhou.

R – É difícil eu contar um caso desse, porque eu ficava mais na parte da noite e na parte da noite, não tinha muita gente, assim. Ah, mas tinham casos bem simples, assim, que as pessoas levavam até os aparelhos: “Comprei um ventilador, olha o estado”, e levavam o ventilador na audiência, assim, sabe, todo caindo aos pedaços. Coisas bem simples, assim, mas por a pessoa ser tão humilde assim, fazia diferença, né? Então tinham esses casos, assim, aí você começava a aprender do pouco, né, que era toda a estrutura do judiciário, lá, e aprendia a respeitar que todo direito, que menor que seja, é o direito da pessoa e se ela, dependendo dela assim, uma coisa tão pequena para ela pode fazer tanta diferença, você tem que respeitar e buscar o máximo para chegar aquilo que ela almeja, né? Foi muito bom.

P/1 – E depois que você se formou? Você foi trabalhar onde?

R – Eu estava estagiando em um escritório de Advocacia, né, há uns dois, há um ano acho que eu fiz, acabei sendo efetivado lá, daí fiquei lá advogando mais um ano e pouco e daí, surgiu uma oportunidade de estar trabalhando em um órgão público, que eu queria ter um tempo para estudar para concursos, assim, né? E lá no escritório é meio pegada, né, te exige um pouco mais, assim, até fisicamente, psicologicamente, você cansa mais mentalmente, eu digo, em escritório do que onde eu estou. Então, hoje, eu tenho um tempo mais para focar nos meus estudos, então e também um aprendizado legal, que eu fui para outra área, fui para o outro lado, né? Antes eu estava defendendo na área privada e agora, eu estou defendendo o Estado, vai.

P/1 – Você trabalha onde?

R – Eu trabalho na Autarquia Hospitalar Municipal. É uma autarquia que faz assessoramento, faz a gestão na verdade dos hospitais municipais aqui de São Paulo, né? Estou lá como assessor jurídico, eu gosto bastante dessa área, eu sempre trabalhei nessa área de direito público, me envolvendo com administração pública, sempre gostei disso. Na faculdade inteira, me especializei nisso, assim, gosto de mexer com essa parte. Ou estando em uma área do autor ou do réu, de uma parte privada ou da parte pública, é o que mais me encanta, assim.

P/1 – E o quê que você pretende com o Direito na sua vida, seu projeto profissional de vida?

R – Meu projeto é passar num concurso de procurador no município, ou na magistratura, mas de inicio, eu foco mesmo em procuradoria, né, vamos ver.

P/1 – E a vida pessoal, você namora já há bastante tempo, você falou. Como é que você conheceu a sua namorada?

R – Então, uma das coisas que eu devo ao Mackenzie também é isso, eu conheci a prima dela lá, conheci, era amiga de um amigo meu, daí a gente foi num show à noite, sai do juizado, tinha um show marcado à noite, falei: ‘Vou no show com o pessoal”, e conheci ela lá nesse show, só que lá, a gente só conversamos, tudo e tal. Depois, mais pra frente, a gente se encontrou de novo, depois ficamos um tempo sem se ver, daí acho que um tempo depois, a gente voltou a se encontrar e daí, sim, conversei com ela, começamos a sair mais, tudo. E aí engatei o namoro com ela, seis anos, já juntos. E ela me ajuda muito nessa parte, ela é nutricionista, ainda por cima.

P/1 – Então fala um pouco sobre isso. Como que se dá essa relação pessoal e ao mesmo tempo, ela sendo nutricionista, você com diabetes, ela interfere, ela dá sugestão? Fala um pouco disso.

R – Acho que foi Deus que colocou ela na minha vida, porque é a única namorada que eu tive foi ela, única, primeira e única pra sempre, eu tenho certeza, porque ela é tudo pra mim, assim. E ela, como eu falei, demorou um pouco pra eu demonstrar para ela que eu tinha, acabou acontecendo ali, mas foi muito bom ter acontecido aquilo, porque ela me ajuda muito. Ela não me restringe em nada, ela me respeita assim, a gente sai de fim de semana, come o que a gente quer, come doce, tranquilo, ela não me proíbe de nada, a gente come junto, tanto que ela fala e eu concordo, sempre tive essa percepção com ela, que diabético na vai comer nada diferente, ele vai comer o que todo mundo deveria comer, entendeu, para ter uma vida saudável. Então, a gente partiu dessa percepção, a gente não se priva de nada, assim. Não se priva de nada e a gente se ajuda muito, até quando ela tem um paciente com diabetes, como eu tenho bastante experiência, assim, até mostro pra ela como funciona, explico, que na prática, às vezes, é um pouco, pra quem tá sentindo, quem sente na prática é diferente de quem sabe toda a teoria, né, então o que eu puder passar para ela um pouco do meu dia a dia, acho que ela vai conseguir transmitir melhor ainda para os pacientes dela, né? Então, é uma parceria mesmo, a gente é parceiro para a vida, assim, com certeza.

P/1 – Qual que você acha que é o principal desafio para quem vive com diabetes?

R – Desafio? Ah, tem vários, né? Eu acho que o principal é você conseguir se preservar a ponto de não ter nenhuma complicação futura, né? Esse é o principal ponto. Que nem falam pra eu fazer bastante atividade física, assim, e isso eu deixo um pouco de lado, eu falo que eu não tenho tempo, né, meu tempo é mais de fim de semana e como eu tenho que estudar e trabalhar, eu prefiro trocar a atividade física pelo estudo, então, isso pode estar comprometendo um pouco, mas essa é a dificuldade, né, de todo mundo ter condições de praticar, de fazer tudo aquilo corretamente para que não tenha nenhum, no futuro, problema do diabetes, assim.

P/1 – E nesses anos, imagino que deve ser cerca de dez anos, mais ou menos, que você convive com o diabetes, o quê que você acha que foi uma conquista pessoal sua na relação com o diabetes?

R – Eu acho que é eu ter conseguido fazer sempre as mesmas coisas, que eu nunca deixei de fazer nada pelo diabetes, sabe? Viajei para tudo quanto é lugar, eu achei que isso seria uma dificuldade para mim, viajar em aeroporto, sabe, ter que mostrar que você tá com insulina, tem que passar que tá com insulina, mostrar. Achava que isso iria dificultar um pouco, mas já fui para os Estados Unidos, fui para Argentina, fui para muitos lugares, achei que isso fosse impedir, então quando eu vi que isso não era impedimento nenhum, tranquilo, pra mim, foi a maior conquista poder fazer as coisas que eu sempre poderia fazer se eu não tivesse ou se eu tivesse diabetes sem mudança nenhuma, assim, tranquilamente.

P/1 – Quais são os seus sonhos hoje?

R – Meu sonho hoje é construir uma família com a Natalia, que é a minha namorada. Ela tá com um projeto, agora, de marmitas saudáveis, tá se engajando nisso agora, quero ver isso crescer junto com ela, ver ela abrindo um negocio que ela tanto sonha de comidas saudáveis, assim, que ela pretende e construir com ela, juntos. A gente crescer junto, construir uma família junto e daí pra sempre.

P/1 – Pra você, o quê que seria viver plenamente?

R – Plenamente? Viver plenamente seria continuar fazendo tudo o que a gente faz junto, viajar, com saúde, tudo, poder usufruir das coisas da vida com saúde, com tranquilidade, né? Levar a vida que a gente leva cotidianamente, assim, com saúde, tranquilidade, isso é o suficiente para viver plenamente.

P/1 – Você que nos disse que sempre teve dificuldade de falar que tinha diabetes, até para a namorada, na faculdade, como que foi, para você, a experiência de contar a sua história pra gente aqui, agora?

R – Então, foi, pra mim, foi até uma superação, porque quando o doutor falou que eu ia ter que fazer uma entrevista e contar e ia ser publicada, eu já fiquei com o pé atrás, assim. Mas aí, depois, quando eu conversei com a Natália, tudo, já, até o irmão dela também acabou descobrindo. Inclusive, o irmão dela é casado com uma mulher que tem diabetes tipo 1, igual a mim, é muita coincidência, eu falei pra ela: “Vocês foram premiados, né?”, porque a irmã comigo e o irmão com a outra que também tem diabetes, então, até indiquei pra ela tentar fazer o teste com o aparelho, né? Então, até para ajudar, entendeu, acabei superando isso e acho que isso é o de menos, isso aí já. Me ajudou a superar bastante essa questão de ter medo, de ter essa aversão de explicitar para os outros que você tem, que eu já estou consciente de que isso não vai mudar nada, então, diferentemente do que falarem ou não, que eu não posso, o que eu posso, eu sei o que eu posso e o que não e quando. Então, isso já não vai mais me afetar, assim. Então, já estou mais tranquilo para expor isso.

P/1 – Deixa eu fazer uma pergunta fora do script aqui pra você. Você disse que o monitoramento de glicose, um dos principais motivos de você não fazer com tanta frequência é que você não queria mostrar e tal, como que você imagina que vai ser agora com o Libre, que é muito menos invasivo, assim, você já parou pra pensar nisso, em termos assim do dia a dia, do hábito de fazer o monitoramento?

R – Então, eu acho que pode ser que seja um pouco mais tranquilo, porque não tem aquela exposição de você furar e mostrar, fica aquele negócio meio, não sei, muito invasivo, assim. Acho que com um aparelho aqui, é bem mais tranquilo, né, até mais pratico também, porque como eu falo, o que tinha que fazer; que nem, eu vou medir, eu vou ter que levantar, ir no banheiro, porque eu não vou querer expor ali. Agora, com o aparelho, eu posso fazer ali na hora, acabou, entendeu? Eu acho que eu vou ter mais, vou conseguir fazer um controle maior, entendeu, porque às vezes, eu esquecia, eu falava: “Vou ter que ir lá no banheiro, tirar o aparelho, limpar, não sei o que, até eu voltar aqui, dez minutos”. Agora, com o aparelho ali na frente, posso pegar e medir na hora. Eu lembrei, eu vou e meço. Acho que pode ajudar bastante eu ter mais controle, porque eu vou conseguir fazer mais vezes por dia e sem mostrar nada, assim, bem mais prático, né? É só pegar, fazer e acabou. Bem mais prático.

P/1 – Tem alguma coisa que você gostaria de falar além disso tudo que a gente já conversou aqui, que por acaso, eu não perguntei?

R – Eu acho que não, acho que a gente passou por cada fase assim, cada ponto, nem parece que eu já estou há dez anos com isso, passou rápido, mas sem grandes crises, assim, sabe? Que eu vejo que tem um pessoal que passa bem mal, assim, pessoal tem convulsão, doutor João mesmo fala pra mim: “Nossa, tem umas meninas, umas pacientes que precisa ter uma aula com você, porque não é possível”. A pessoa não se controla, assim, sabe, tem dificuldade no tratamento e pra mim, ainda bem que foi tranquilo, porque como eu falei, eu achei que fosse ser bem complicado superar isso, mas com o tempo, foi se ajustando e hoje, eu levo na boa, tranquilamente, isso aí.

P/1 – Então tá bom, a gente agradece a sua disponibilidade, sua generosidade de compartilhar a sua história com a gente, foi muito legal.

R – Obrigado vocês.

P/1 – Obrigado.


FINAL DA ENTREVISTA