Museu da Pessoa

Subia nas árvores e ficava conversando com elas

autoria: Museu da Pessoa personagem: Simone da Costa Mello

Plano Anual de Atividades 2013
Projeto Nestlé: Ouvir o outro – Compartilhando valores Pronac 128976
Depoimento de Simone da Costa Mello
Entrevistado por Vanuza Ramos
Piracicaba, 11 de julho de 2014.
NCV_HV037_ Simone da Costa Mello
Realização Museu da Pessoa

P/1 – Simone, para começar, queria que você falasse seu nome completo, local e data de nascimento.

R – Primeiramente eu agradeço a oportunidade, nessa entrevista poder falar um pouco da minha história, né? Eu nasci no dia 6 de março de 1968. Meu nome completo é Simone da Costa Mello.

P/1 – Qual foi a cidade que você nasceu?

R – Eu nasci em Jundiaí, São Paulo.

P/1 – Qual o nome dos seus pais, Simone?

R – Meu pai chama Marcos Paulo da Costa Mello e minha mãe Aracy Fernandes Mello.

P/1 – Eles trabalham com o quê?

R – Eles atualmente são aposentados. Meu pai tem 74 anos e minha mãe tem 72 anos.

P/1 – Qual era a atividade deles quando eles ainda estavam na ativa?

R – Meu pai sempre trabalhou na área de mecânica, na empresa Acrupe, e minha mãe sempre foi dona de casa, sempre foi doméstica.

P/1 – Como você descreveria eles, assim? Qual é a característica, assim, mais marcante, pra você, do seu pai?

R – Ah, meu pai tem uma característica, sempre foi... O que me marcou bastante: sempre foi muito responsável, sempre dedicado ao trabalho, à família. Minha mãe também, sempre dedicou sua vida aos filhos. Nós somos em dois, eu e meu irmão. Então acredito que esse comprometimento com a família e essa responsabilidade pra realmente poder dar educação pros filhos. Então é essa característica que me marcou.

P/1 – E como chama o seu irmão?

R – Meu irmão chama Paulo Cesar da Costa Mello.

P/1 – Ele é mais velho ou mais novo que você?

R – Ele é mais novo.

P/1 – E ele faz o quê?

R – Ele é engenheiro elétrico.

P/1 – E vocês cresceram em Jundiaí?

R – Nós crescemos em Perus. Eu nasci em Jundiaí e nós moramos em Perus. Eu morei até os 11 anos de idade, e depois meus pais mudaram pra Jundiaí pra realmente facilitar a minha vida escolar. Eu estudei até a quarta série primária num colégio da prefeitura em Perus, né, na Vila Caiuba, e o ensino não era realmente muito bom. Aí meu pai me transferiu pra São Paulo, no Colégio de Santa Inês, no bairro do Retiro, só que o meu meio de transporte era o trem. Então eu tinha que fazer essa vida todos os dias, pegar o trem em Perus, ir até São Paulo. Então realmente era uma vida um pouco cansativa pra uma menina pequena, né? Aí meu pai resolveu mudar pra Jundiaí pra facilitar. Aí eu fui transferida para o colégio São Vicente de Paula onde eu fiz a sexta, sétima, oitava e o primeiro colegial. Depois eu fui para o colégio... Como é que chama o outro colégio? Esqueci. Depois eu lembro.

P/1 – Tá bom.

R – Ah, Leonardo da Vinci. Fui para o Leonardo da Vinci e fiz o segundo e terceiro colegial.

P/1 – Lá em Jundiaí?

R – Em Jundiaí.

P/1 – Vou voltar um pouquinho nessa sua infância em Perus. Como era a casa em que você cresceu?

R – Ah, era uma casa normal, né? Meu pai que construiu, e levou cinco anos pra fazer e o que me chama bastante atenção no local era realmente o quintal, onde nós tínhamos bastante árvores frutíferas: pitangueira, ameixeira, goiabeira, jabuticabeira... ou seja, todas essas árvores frutíferas. E eu lembro que eu gostava muito de passar meu tempo lá, subia nas árvores e ficava conversando com elas... Difícil fazer isso, né (chora)? Me desculpa.

P/1 – Fique tranquila, não tem qualquer problema.

R – Então eu gostava muito de realmente ficar nas árvores, conversando com as árvores, e sempre pedia pra elas frutificarem, pra que elas continuassem produzindo seus filhos, que eram na verdade as sementes, né, que iriam originar novas árvores. Então, aí quando nasciam as mudas eu sempre coletava essas mudas colocava nas latinhas com terra e doava pros vizinhos, pra que eles pudessem plantar nos quintais... Então essa identificação com a natureza eu sempre tive desde pequena.

P/1 – Você tinha quantos anos, mais ou menos?

R – Desde... Eu brincava nas árvores desde meus três, quatro anos. E fiquei ali naquele quintal até meus 11 anos, né? E também outra coisa que me chamava atenção eram os insetos. Porque as abelhas eram os principais agentes polinizadores, então tinham as abelhas, as formigas, o tatu bola que eu comia também – quando minha mãe não via – tinha os gafanhotos, então eram insetos que me chamavam atenção e eu sempre procurava observar a dinâmica dos insetos e o hábito deles, né, durante o dia e também conversava com eles. E sempre minha avó me passava que existiam na natureza os duendes, então eu sempre acreditava que existiam ali seres mágicos, pequenos, e que eu podia conversar com eles. E neste mesmo período a Rede Globo, ela lançou o programa do Sítio do Pica Pau Amarelo, acho que foi lançado em 1977, eu acredito, né? E esse programa ele realmente, ele além de ser um programa educativo, ele era um programa que permitia todo dia o meu transporte para aquelas cenas vividas pela Narizinho, pelo Pedrinho, pela dona Benta, a tia Anastácia, a Cuca, o Saci. Então aquele transporte pra aquelas cenas que eram vividas na natureza, pra mim, era um prazer diário lidar com essa fantasia e ao mesmo tempo realidade que eu tinha disponível no quintal.

P/1 – Simone, você tinha já todo esse interesse na infância já por esses insetos, pelas plantas, fazer mudas. Como era isso na escola? Esse seu interesse, esse conhecimento que você tinha do seu quintal, você tinha esse intercâmbio com a escola?

R – Eu tinha esse intercâmbio com a parte da escola através das disciplinas de biologia. Então as disciplinas de biologia proporcionavam o estudo do solo, o estudo do clima, o estudo dos vegetais, o estudo do solo, a relação dos vegetais com o mundo, ou seja, com o mundo biológico. Então, isso eu também me identificava bastante, então consegui aprender na escola, a importância das plantas, como elas se alimentavam, como elas realizavam a fotossíntese, do que elas precisavam pra realmente ter uma vida prolongada e saudável. Então essa relação sempre existiu.

P/1 – Teve alguma situação que você lembra, que ficou marcada de alguma coisa relacionada a esse seu interesse da infância das brincadeiras no quintal, do descobrimento dos animais, dos insetos, das plantas? Algo que você levou pra escola?

R – O que eu levei pra escola essa facilidade já que eu tinha de manipular as plantas, de realizar os plantios, no Dia da Árvore, né? Era mais essa parte prática, mas nada além disso.

P/1 – Teve algum professor que te marcou?

R – Durante o Ensino Primário e o Ensino Médio?

P/1 – Sim. No primário, pra começar.

R – No primário tinha a professora Valéria que realmente me acompanhou nos quatro primeiros anos. Ela era uma pessoa bastante organizada, levava muito à sério o trabalho dela, era muito responsável, passava realmente aquela vontade de ensinar. Isso me chamava atenção, porque desde criança sempre também gostava muito de brincar de dar aula. Então desde pequena eu colocava latas de tinta usadas, na garagem do meu pai, e chamava todos os vizinhos pra dar aula. Então isso daí eu fiz por vários anos, era uma coisa que eu gostava muito. Então meu pai comprou lousa e tinha o giz, e aí eu colocava os papéis, eles tinham que fazer a lição, enfim, nessa dinâmica. Então essa professora me chamava atenção pela forma prazerosa como ela realmente ministrava as aulas, né?

P/1 – E ela foi sua professora durante que período?

R – Durante os quatro primeiros anos, no primário. E depois eu fui pro Colégio de Santa Inês, que eram um colégio de freiras, né? Aí as freiras já eram um pouco mais severas, né?

P/1 – Essa escola primária era em São Paulo.

R – Não, era em Perus.

P/1 – Em Perus.

R – Era da prefeitura, a Vila Caiuba. Eu e mais dois colegas íamos a pé da minha casa, dava mais ou menos uns três quilômetros.

P/1 – Vocês iam a pé?

R – Íamos a pé.

P/1 – E como era essa escola?

R – Ah, essa escola era uma escola interessante, porque tinha todos os tipos de alunos, né? Então você conseguia conviver com alunos de diferentes tipos de classes econômicas, sociais. Existia essa troca, era bastante interessante. E era uma escola simples, mas que, pra época, muito bem organizada. Só que meu pai alterou, me mudou pra Santa Inês pelo ensino ser mais forte, com o objetivo no futuro da gente não precisar fazer cursinho, esse foi o objetivo.

P/1 – O Santa Inês já era em São Paulo?

R – O Santa Inês é no bairro do Retiro, a gente ia até a estação da Luz, e da estação da Luz a gente caminhava 20 minutos pra chegar na escola, que fica perto do colégio Dom Bosco.

P/1 – Você e seu irmão?

R – O meu irmão não. Eu e mais dez crianças de Perus.

P/1 – Ia um grupo.

R – Um grupo de crianças.

P/1 – E vocês iam sozinhos?

R – Sozinhos. Entrávamos no trem... Uma vez arrancaram meu sapato, caiu no vão do trem (riso).

P/1 – Como foi isso? De brincadeira?

R – Não. Naquela época os trens já eram super lotados, né? Os trens já eram lotados e a gente pegava o trem muito cedo. Então era o horário de pico. Então esse esmaga ali do trem realmente também forçou meu pai a mudar de cidade.

P/1 – Como foi essa história do sapato? Você estava entrando e o seu sapato caiu?

R – Meu sapato era aquele sapato, porque a gente tinha que ir de uniforme, né, no Colégio Santa Inês e aquele mocassim saiu do meu pé e caiu no vão, naquele empurra-empurra.

P/1 – Era na ida ou volta da escola?

R – Era na volta.

P/1 – Daí você já estava perto de casa.

R – Eu já estava perto de casa.

P/1 – E aí você passou quantos anos fazendo esse percurso de trem?

R – Eu passei só um ano.

P/1 – Um ano.

R – E aí realmente meus pais decidiram ir pra Jundiaí.

P/1 – Vocês mudaram pra Jundiaí e você passou a estudar lá. E já tinha uma disciplina, uma matéria da escola, já dessa parte do Fundamental II, que você se identificava mais?

R – Então, aí sempre me identifiquei tanto na área de biologia quanto na área de exatas também. Gostava muito da área de matemática. Eram as disciplinas... E geografia, porque a geografia também relacionava o tipo de solo, os diferentes ecossistemas. Então eu também tinha bastante apreço por essa disciplina porque era relacionada dentro da área.

P/1 – E teve algum professor desse período do Fundamental II que te marcou, que você lembra dele até hoje?

R – Somente do colegial. O professor Gualter, que era da área de física, o professor Arconcher, que era da área de matemática, me chamavam bastante atenção pelo estilo deles, o estilo despojado deles e alegre de conseguir passar o conteúdo de disciplinas, que muitas vezes eram temidas pelos alunos, né, que física e matemática. Mas realmente foram professores excelentes que me deram uma base muito boa.

P/1 – Sobre alimentação: você disse que sua mãe sempre foi do lar, era ela que fazia as refeições?

R – Minha mãe sempre fez as refeições. Minha mãe sempre procurou colocar nas refeições, sempre muitos legumes, as verduras. Ela tinha bastante cuidado pra não usar excesso de sal, não fazer muita fritura. Então eu sempre fui acostumada a comer muitas hortaliças: chuchu, abobrinha, berinjela, tomate, alface, jiló, quiabo, então todas as hortaliças. E sempre minha mãe fazia sucos naturais, então eu nunca fui muito ligada em comida... Ah, como é que eu posso dizer? Essa comida de rede de fast food, Coca Cola, ou mesmo comida industrializada, batata-frita, enfim, minha mãe evitada sempre ao máximo.

P/1 – E você gostava de verduras que criança normalmente é resistente.

R – Eu adorava muito, e gosto muito, além dos legumes, eu gosto muito de frutas, então eu sempre comia muita fruta também. Então às vezes eu passava um dia inteiro só com uma maça, porque era meu prazer comer fruta.

P/1 – E vocês comiam as frutas do quintal da época de Perus?

R – Também, também. Comia goiaba, tinha lá ameixa, pitanga, jabuticaba, abacate, nona. A nona, né, que é a nossa pinha. Também.

P/1 – Então desde criança que você já tinha esse contato com essa alimentação mais natural.

R – Isso. E procuro realmente manter porque realmente não me adapto com fritura.

P/1 – Entendi. E nessa época assim você pensava nessa coisa da cadeia produtiva dos alimentos? Isso teve um desenrolar, assim, na sua vida, acompanhando a sua maturidade, seu crescimento? Você consegue ver, assim, uma linha de quando você era criança até o que você veio a se tornar como profissional?

R – Na minha família não tem nenhum engenheiro agrônomo, mas a minha avó materna ela sempre trabalhou na lavoura. Então ela capinava lavoura café, colhia café, isso ela fez por muitos anos. E ela também me ensinava realmente a cultivar as plantas, porque ela gostava muito. Ela tinha essa paixão pela natureza, então sempre no quintal ela me ensinava a cultivar abóbora, ela tinha muito chuchu, pepino, ou seja, eu sempre aprendi com ela também. Então isso também vem dessa paixão e eu tinha muito afinidade em termos de personalidade com essa minha avó materna. Então durante toda essa minha vida, em função de eu ter me identificado com a área de biologia, quando eu cursei o terceiro colegial, eu já havia decidido que eu queria fazer agronomia. E aí eu só realmente prestei o vestibular na área de engenharia agronômica, eu não prestei em nenhuma outra área.

P/1 – E a sua avó ela morava com vocês?

R – Não, ela não morava conosco, mas a gente tinha bastante contato, muita convivência juntas.

P/1 – Ela morava onde?

R – Ela morava em Perus. E depois também ela foi morar em Jundiaí, na fase final da vida dela. E ela sempre dizia que a agricultura realmente seria realmente a área mais valorizada no Brasil, e que o Brasil realmente se tornaria um país de destaque nessa área. Porque a agricultura em várias áreas, principalmente na área produção de hortaliças, era muito desvalorizada. Essa valorização ela vem acontecendo somente nos últimos anos, né? A valorização dentro do país ela sempre foi referente à área de produção de grandes culturas, como a cana de açúcar, uma vez que o Brasil, quando ele foi descoberto, a produção de cana de açúcar se iniciou aqui, de açúcar, de café, pra atender o mercado europeu. Então nós sempre tivemos essa agricultura valorizada na área de cereais, na área de produção de grãos. E a produção de hortaliças sempre foi marginalizada. Mas quando eu entrei na universidade, depois que... bom, eu prestei o colegial, né? Fiz o terceiro colegial, prestei vestibular e entrei na UNESP de Jabuticabal, na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, campus de Jabuticabal. E já no terceiro ano, após cursar algumas disciplinas, eu decidi pela área de produção de hortaliças já por ter essa identificação já desde a minha infância e tudo mais. E sempre foi uma área marginalizada, e as pessoas me diziam: “Você tem que ir pra área de grandes culturas, essa área sua não vai dar dinheiro algum”, “Você tem que trabalhar com cana. Você tem que trabalhar com milho, com soja, com algodão”. Mas eu sempre me mantive nessa área desde a graduação. E hoje essa área realmente está se desenvolvendo muito, vem crescendo muito, mudanças tanto na sociedade brasileira, como realmente a economia vem proporcionando esse crescimento bastante significativo. E hoje nós somos grandes produtores de tomate, de batata e de outras hortaliças, em outros segmentos, como é o caso do cultivo protegido, que é minha área de atuação aqui na ESALQ (Escola Superior Luiz de Queiroz).

P/1 – Está certo. A gente vai chegar depois nessa parte mais específica. Eu queria voltar um pouquinho, assim, lá pros seus avós. Você sabe qual é a origem da sua família?

R – Meus avós nasceram no Brasil, somente meus bisavós que nasceram na Itália, na Espanha e Portugal, então essas são as minhas origens. Então tanto avós paternos quanto maternos são de origem espanhola, italiana e portuguesa.

P/1 – Você por que eles vieram para o Brasil?

R – Eles vieram pro Brasil em função da condição de vida muito pobre nesses países. Então sempre foram pessoas muito simples, muito pobres, e vieram pra cá como imigrantes pra poder ter uma oportunidade melhor.

P/1 – Seus avós trabalhavam com o quê?

R – Meu avô paterno trabalhou numa usina de cana de açúcar por vários anos, também na área de mecânica, cuidando dos equipamentos, e a minha avó paterna também sempre foi dona de casa. E os meus avós maternos, meu avô ele sempre trabalhou na fábrica de cimento de Perus, então uma vida bastante insalubre nesse aspecto, né? Ele morreu aos 74 anos, porque naquela época por falta de cuidado, ele teve uma diabete muito alta. E minha avó materna também desde a infância dela ela sempre viveu em fazenda porque o pai dela era capataz de fazenda de café, e depois, quando ela casou, ela só foi dona de casa também.

P/1 – E mexia com agricultura do quintal, você disse que ela tinha horta.

R – Sim, plantava, capinava, fazia de tudo. Ela capinava super rápido, mil metros quadrados pra ela não era nada, porque ela já fazia isso muito no café, né?

P/1 –E sobre essa fase da adolescência, quando você já estava morando em Jundiaí. O que você fazia, assim, de lazer lá?

R – Ah, na minha fase de adolescência além de estudar, eu gostava muito de esporte também, jogava durante minha adolescência, e sempre gostei muito de... forçava meu pai a ir pra praia ou ir pra um sítio ou ir pra uma fazenda. Meu maior prazer era ir pra fazenda, fazendas de amigos e tudo mais, onde eu conseguia também interagir com a parte animal. Então eu gostava muito de ficar ali em contato com ovelha, cabrito, galinha, coelho, pra mim, era bastante interessante. Então isso aí me causava bastante prazer. Sempre em natureza, sempre voltado pra isso. Não tinha muito prazer em outros tipos de atividade, mais era estar ao ar livre, eu tenho necessidade de estar ao ar livre, não gosto de ficar trancada por muito tempo.

P/1 – Você já pensava nessa fase de adolescência o que você queria ser de trabalho, de profissão?

R – Eu sempre pensava que eu queria ser professora, porque eu sempre gostei também disso, mas relacionada a essa área. E a agronomia ela te dá um leque muito maior de opções, a biologia já é um pouco mais restrita. Então entre biologia e agronomia, eu escolhi agronomia pelo fato de você ter aí todas as áreas envolvidas dentro do setor agrícola, então você tem economia, você tem o estudo do solo, da água, não só da produção vegetal em si, né? Então você tem que entender de química, ou seja, várias áreas que você pode atuar de forma mais abrangente.

P/1 – E foi isso que te fez ir para a agronomia? Como foi a formulação dessa decisão no ensino médio já, né?

R – Aí no ensino médio, o colegial sempre apresentava todas as profissões e quais eram os conteúdos dessas profissões. E aí, realmente, entre biologia e agronomia eu percebi que eu poderia ter uma visão muito mais ampla dentro da agronomia e aí no terceiro colegial, após essa introdução, eu decidi por essa área.

P/1 – Qual foi o ano que você entrou na universidade?

R – 1986.

P/1 – E você terminou a graduação quando?

R – Eu terminei a graduação em 1990, são 5 anos de curso e depois em 1992 eu vim aqui pra ESALQ e fiz o Mestrado de 1992 a 1994. Depois eu fiz o doutorado de 1995 a 1999, e em 2000 fui trabalhar na Instituição Moura Lacerda, em Ribeirão Preto, que é uma universidade privada.

P/1 – Até você terminar o seu doutorado você sempre trabalhou com pesquisa na área acadêmica?

R – É. Até o meu doutorado eu sempre trabalhei no desenvolvimento de pesquisa dentro da universidade, mas todas as pesquisas direcionadas no cultivo de hortaliças.

P/1 – Nesse período de 10 anos você não chegou a trabalhar pra nenhuma empresa? Você formou em 1990, entrou no mestrado em 1992, nesse interstício de tempo você trabalhou em algum lugar?

R – Não. Em 1991 eu fiz estágio no Instituto Agronômico de Campinas. Fiquei um ano no Instituto Agronômico desenvolvendo também cultivo de hortaliças em campo. Porque aqui na ESALQ antigamente a pós-graduação era somente em anos pares, não tinha em ano ímpar, então eu fiz esse um ano de estágio e em 1992 iniciei o mestrado aqui, mas eu não trabalhei em nenhuma empresa privada na área comercial.

P/1 – Esse estágio também era com pesquisa?

R – Era com pesquisa também.

P/1 – E você lembra o que você fez com a primeira remuneração que você teve?

R – Essa remuneração eu tive na graduação, eu fui bolsista no terceiro ano, né? E realmente eu era econômica (riso), eu guardava parte do dinheiro. Então aí meus pais tinham que dispor menos nesse período, porque quando eu entre no segundo ano de agronomia meu pai perdeu o emprego e minha mãe sempre foi uma excelente costureira e aí...

P/1 – Daí ela ajudava com as finanças de casa?

R – Aí minha mãe começou a costurar e minha mãe costurava também desde que ela era pequena, ela tinha bastante afinidade por isso, aí ela começou a costurar pra fora. Ela fazia tudo desde casaco, vestido de noiva... E aí ela conseguiu dar esse suporte, porque meu pai trabalhava numa multinacional e depois ele perdeu o emprego e ele nunca mais conseguiu se encaixar numa empresa realmente que oferecesse o salário que ele tinha na época. Em função disso também eu comecei a controlar meu dinheiro, a minha bolsa, pra poder me manter, parte então eu me mantinha. E aí no segundo ano da faculdade, o meu irmão era pequeno, ele estava entrando ainda no Colegial, então tinha o meu irmão ainda pra seguir todo o caminho, né? Então eu tinha naquela época que me controlar nesse aspecto.

P/1 – Você foi estudar em outra cidade, você morava onde?

R – Eu morava em Jabuticabal.

P/1 – E morava numa residência estudantil?


R – Eu morava numa república. Quando eu cheguei, no primeiro ano, eu fui morar na casa de uma senhora, que oferecia um quarto, né, na casa dela, mas a gente ficava muito sozinha, então eu decidi morar numa república, e então nós morávamos em seis meninas.

P/1 – Como era? Me conta um pouquinho dessa convivência na república.

R – A república era bom e era difícil, né (riso)? Porque umas não gostavam de limpar a casa, não cumpriam o que realmente deveriam fazer. Mas, assim, a convivência foi muita boa, muito gostosa essa troca com pessoas diferentes, e as brigas faziam parte do dia a dia. E aí eu morei então quatro anos em república.

P/1 – Essas colegas eram da mesma área que você?

R – Só uma que era da área de veterinária. Todas as outras eram de agronomia.

P/1 – E você sempre muito estudiosa, muito responsável, e o que você fazia pra se divertir nessa época da universidade?

R – Jabuticabal era uma cidade de, na época, de 80 mil habitantes, então era uma cidade pequena não tinha muita coisa pra fazer. Então tem Ribeirão Preto, que é perto, dava uns 60 quilômetros, quanto podia a gente dava uma escapadinha pra Ribeirão, que é uma cidade muito gostosa, e na região também tem muito... essa área agrícola é muito forte, né, então tinha muito show de rodeio, ligado mais nessa área aí. E nos finais de semana nós ficávamos na república, fazia festa, ou fazia um churrasco, ou quando uma resolvia maquiar a outra (risos)... Essas coisas assim.

P/1 – E tinha festa na universidade, no campus?

R – Tinha festas no campus, mas não eram tão tradicionais como aqui do ESALQ. Porque aqui, por ano, são 200 alunos, lá eram só 70, então as festas eram menores, de menos impacto, mas tinham algumas festas, festa da fantasia, e assim vai.

P/1 – E aqui no ESALQ, quando você veio, você veio fazer mestrado, né? Você participava destas festas?

R – Participava, mas não muito. Participava menos das festas, porque no mestrado já tinha que estudar bem mais, disciplinas mais aplicadas, e tinha que desenvolver a dissertação, o experimento, então a gente focava mais no trabalho, né?

P/1 – E você se mudou aqui pra Piracicaba quando você começou a fazer o mestrado?

R – Mudei pra Piracicaba.

P/1 – Está aqui desde essa época?

R – Não. Daí eu fiquei aqui no mestrado e doutorado e fui pra Ribeirão Preto em 2000. Fui pra Ribeirão Preto em 2000 e fiquei em Ribeirão até 2005 trabalhando na Instituição Moura Lacerda. Depois, eu trabalhei lá até fevereiro de 2005, prestei o concurso na ESALQ em 2005 e fui efetivada aqui em agosto de 2005.

P/1 – E você, nessa época de estudante, no mestrado, doutorado, como era a coisa de namoro, de paquera?

R – É, na graduação eu namorei cinco anos, mas ele era da cultura oriental e nós terminamos o namoro, porque os pais tinham uma cultura japonesa bastante tradicional e aí eles diziam... Ele dizia que se eu me casasse com ele eu teria que ficar em casa cuidando dos filhos (riso). Falei: “Mas eu formei junto com você”. Então aí não deu certo, né? “Então você vai procurar alguém e eu fico...”. Aí eu segui minha vida, tal, e claro tiveram outras pessoas no meu caminho. Mas desde que me conheço por gente nunca pensei em ter filhos, nunca foi minha vontade, então eu nunca foquei nisso, foquei mesmo eu acho que mais na minha carreira.

P/1 – E hoje você é casada?

R – Não, sou solteira.

P/1 – A gente vai entrar um pouquinho agora na parte mais temática, que é a do projeto que você desenvolve junto com a Nestlé. Conta um pouco pra gente, Simone, como é o seu trabalho, onde entra o seu trabalho dentro da cadeia produtiva de produção de alimentos até o momento que ele chega na mesa do consumidor, onde o seu trabalho entra esse processo.

R – Quando eu fui admitida aqui no ESALQ, realmente o concurso ele foi voltado para a área do cultivo protegido de hortaliças, ou seja, o cultivo das hortaliças em estufas agrícolas. Então a maior parte do meu trabalho é voltada para esse segmento do setor, eu sou responsável pela produção, e a produção nós visamos não só a qualidade, a produtividade da matéria-prima, mas também um alimento seguro para o consumidor.

P/1 – O que é esse alimento seguro?

R – O alimento seguro é um alimento que é produzido sem riscos de contaminação tanto para os animais quanto para o homem. Então nós buscamos métodos alternativos e práticos. Alimento que não, realmente, possuem resíduos tóxicos, né, contaminantes, que possam prejudicar tanto os animais quanto o homem. Então nós utilizamos práticas de manejo tanto de pragas e de doenças, e outras práticas de manejo cultural, que diminuam os riscos de contaminação do ambiente, e também para o homem e para os animais. Então nos procuramos métodos alternativos de controle e, além desses métodos alternativos de controle fitossanitários, nós procuramos adotar várias práticas em conjunto que possam minimizar esses riscos. E a produção em estufa agrícola ela já permite um maior controle desses fatores, então nós conseguimos alta produtividade, alta qualidade. E a tendência no Brasil hoje é de crescimento acentuado dentro desse segmento.

P/1 – Você falou de cultivo protegido, cultivo protegido envolve só essa questão de estar dentro da estufa?

R – O cultivo protegido ele é um pouco mais abrangente. É, na verdade, esse termo ele foi usado desde o uso de plástico ou de qualquer outro tipo de cobertura para a produção em campo, como por exemplo, cobertura de canteiros com plásticos agrícolas, com filmes agrícolas, e desde a construção de sistemas simples como túneis baixos, túneis altos, e as estruturas mais altas, simples, como as estruturas de madeira que agricultores mais simples podem ter acesso, até estruturas mais sofisticadas totalmente climatizadas, onde nós temos controle dos fatores ambientais como radiação solar, temperatura e umidade dentro da estufa. Então é um segmento que vem aumentando principalmente na região Sudeste e na região Sul.

P/1 – Entendi. E como foi que você conheceu projeto da Nestlé de produção de leguminosas?

R – Esse projeto da Nestlé ele foi iniciado aqui no ESALQ em 2007, pelo professor José Otávio Menten, ele que iniciou esse projeto. Após um determinado período, ele pediu afastamento uma vez que ele foi ser responsável pela direção da Ambev. E aí ele me procurou e designou esse projeto sob a minha supervisão. E aí nós começamos esse projeto com o objetivo de realmente melhorar a eficiência do sistema produtivo e garantir ao produtor maior rendimento e qualidade, que é o que a indústria hoje exige, além de realmente ter um alimento seguro. Por quê? Esses produtos, essas matérias-primas, são usadas pra fabricação de alimentos como sopas, sopões, baby foods, então a Nestlé preza pela qualidade sob todos os aspectos, né?

P/1 – E no que consiste esse trabalho da universidade com o produtor rural? Como é feito esse trabalho de vocês?

R – A Nestlé ela tem uma parceria principalmente com pequenos produtores. São pequenos produtores que têm uma carência muito grande de tecnologia, então vários problemas acontecem no campo, desde a germinação da salsa, por exemplo, até o momento da colheita. Em várias etapas nós encontramos questões para serem resolvidas. Então a ESALQ ela foi procurada pela Nestlé com o objetivo de resolver principalmente o manejo de doenças, que é um dos fatores responsáveis por queda de produção, manejo principalmente da nutrição das plantas também, manejo do próprio solo, e essa etapa inicial importante que é a germinação das plantas. Então todos esses aspectos nós estudamos com o objetivo de viabilizar para o produtor uma técnica ou uma tecnologia mais viável de acordo com o poder econômico dele, ou seja, de acordo com a possibilidade dele poder investir nessas novas técnicas. Porque não adianta você desenvolver uma técnica, uma tecnologia, se o seu custo de produção é muito alto e você não tem como pagar esse custo de produção.

P/1 – E como é essa relação? Porque você está num extremo do conhecimento científico aplicado, né, desenvolvido com pesquisa, uma coisa acadêmica, claro que tem a parte de aplicação, tem a parte da extensão, mas tem lá o produtor rural que muitas vezes tem um grau de escolaridade mais baixo, que trabalhava ali só com a experiência dele. Como é que se dá essa troca do conhecimento? Como que isso ocorre? É fácil? É difícil?

R – Não. É bem difícil. Esse é um trabalho que começou em 2007, é um trabalho relativamente lento, porque as mudanças são lentas uma vez que o produtor já pratica aquela atividade por vários anos, então pra você mudar o sistema dele você tem que realmente mostrar que ele vai ter um ganho e que esse ganho também não pode elevar o custo de produção dele de forma que ele não possa pagar. Então é um trabalho relativamente lento, por isso, nós realizamos além das visitas, desse contato tanto com o produtor – tentando usar uma linguagem simples, uma linguagem menos técnica e acadêmica, mas uma linguagem de maior acesso para o produtor, nesse primeiro contato. E a partir dali trocar ideias com o produtor, porque ele tem muitos conhecimentos pra nos oferecer, e juntamente com que ele faz, os conhecimentos dele, associados aos nossos conhecimentos, nós podemos propor alguma ideia nova, mas esse é um processo lento, então pra isso, além dessas visitas às propriedades, nós temos várias palestras, nós temos vários dia de campo, no sentido de informar, de realmente consolidar que há necessidade de mudança, porque se ele continuar naquele sistema, a Nestlé vai descredenciá-lo por uma série de razões. Uma das principais razões é fornecer à empresa um alimento seguro. Então esse alimento seguro a gente precisa mudar várias práticas de manejo, porque você não consegue fornecer um alimento seguro somente controlando de forma adequada pragas e doença. É todo um contexto, mas esse é um trabalho lento. Por quê? Porque o produtor realmente, principalmente o pequeno produtor, ele não tem nível técnico que o faça absorver rapidamente o conhecimento.

P/1 – Tem uma explicação para que esse fornecimento de alimentos seja feito com pequenos produtores?

R – Porque, na verdade, o volume de produção que é usado no caso da salsa é um volume relativamente baixo se a gente for comparar com outros países ou com outras unidades da Nestlé em países como, por exemplo, os Estados Unidos. Então esses produtores já eram produtores de salsa, e são produtores que viabilizam essa atividade na região. Então, realmente, a Nestlé, essa parceria, vem de encontro ao que já existia na região, que já vinha sendo produzido na região, mas com o objetivo realmente de melhorar e de também poder fazer esse aspecto social com a sociedade, ou seja, melhorar o sistema produtivo do pequeno produtor, ele pode fazer parte de uma grande empresa, pode melhorar o seu sistema, e essa é uma atividade que deve ser cada vez mais praticada porque o pequeno produtor no Brasil a tendência é realmente ocorrer uma redução dessa prática pelo poder das grandes empresas, das grandes indústrias, né? Então se a gente não estabelecer o pequeno produtor no campo, em breve ele realmente não terá mais espaço no setor agrícola, ou terá um nicho de mercado bastante específico. Então essa parceria eu vejo como um aspecto positivo no sentido do pequeno produtor ele realmente poder participar de uma empresa e conseguir agregar valor a sua produção.

P/1 – Você falou que o projeto com a ESALQ começou em 2007. Você entrou no projeto em que ano?

R – Eu entrei nesse projeto eu acredito que foi em 2009, acho que foi em 2009, já até me perdi, preciso ver a data certa.

P/1 – Então já tem alguns anos que você está no projeto. O projeto começou com a ESALQ em 2007 e mais ou menos no ano de 2009, você entrou. Eu queria saber, assim, primeiro, se você percebe uma mudança por parte dos agricultores, dos fornecedores, uma mudança prática mesmo. O que é que foi se alterando ao logo desses anos com essa parceria, essa assessoria que a ESALQ dá?

R – Nós introduzimos mudanças no uso de cultivares de salsa, nós introduzimos a melhoria no sistema de irrigação, no manejo da adubação, no controle de doenças, principalmente, então com isso nós tivemos um aumento significativo de rendimento. Então hoje a rentabilidade do produtor de salsa na região de São José do Rio Pardo ultrapassa aí 80 toneladas por hectare. Sendo que na fase inicial essa produtividade girava em torno de 30 toneladas. Então houve um acréscimo significativo com essas mudanças. E alguns produtores, com uma facilidade maior de absorção dos novos conhecimentos, viabilizaram isso de forma mais rápida e os outros produtores, visualizando essas mudanças, estão realmente também praticando novas técnicas de cultivo e isso tem incrementado a produtividade das hortaliças, né, no caso aí a salsa.

P/1 – Esses outros produtores que você fala são produtores da região que não são fornecedores da Nestlé.

R – Não, os produtores que estão cadastrados na Nestlé, que nós temos realmente acesso, né?

P/1 – E como é a equipe da ESALQ? É formada por quem? Que faz esse trabalho de assessoria, de treinamento. Como é feito isso?

R – Então essa parceria é um projeto que foi realizado entre mim e a Nestlé, né, eu como representante aqui da ESALQ. E para o desenvolvimento em diferentes setores nós sempre procuramos associar com outros professores, que não participam de forma direta no contrato do projeto, mas sim participam na realização das pesquisas na área de produção de sementes, na área de fitopatologia, que é a área do estudo das doenças, né? Então nós temos a participação aí de vários setores dentro da ESALQ, mas essa parceria, na produção de hortaliças ela foi viabilizada através do Departamento de Produção Vegetal, que eu pertenço, né, através da minha pessoa. E todo ano nós temos a participação dois estagiários no programa, nesse programa. Então um estagiário por semestre faz, desenvolve várias atividades também relacionadas com as visitas técnicas ao produtor, conhecendo os problemas dos produtores e viabilizando outros estudos que possam avançar ainda mais no processo produtivo. E isso é extremamente importante pra formação acadêmica do aluno, ele tem um contato não só com o produtor rural, mas ele tem um contato com a empresa, desenvolvendo atividades dentro da empresa e sai com uma vivência prática bastante interessante pro mercado.

P/1 – E esse estagiário faz as visitas nas produções?

R – Faz as visitas técnicas, ele auxilia na promoção das palestras, nos dias de campo. Então nós organizamos em parceria, juntos, né, eu em contato com o aluno, em contato com o coordenador agrícola da Nestlé, que é o João Roque de Araújo, então nós três conseguimos viabilizar as atividades mantendo esse contato constante.

P/1 – Simone, você falou que os produtores rurais eles também têm experiência, eles também têm uma história dentro dessa cultura de produção agrícola, que de alguma forma proporciona uma troca de conhecimento entre a academia e esse mundo mais da prática mesmo. Houve alguma mudança na sua parte que se originou de um conhecimento do agricultor?

R – Ah, eles sempre estão agregando. Porque através do que eles realmente nos passam de informação é que você desenvolve o seu projeto em função de todo esse histórico que eles possuem das áreas de cultivo. Então o produtor ele consegue associar muito bem a incidência de uma determina doença com as condições climáticas, com a cultivar que ele está usando, com as características do solo e alguns detalhes que muitas vezes nós não conseguimos identificar, o produtor, ele dá uma orientação, ele dá uma informação e aí você consegue ter mais clareza em alguns aspectos. Então essa troca é bastante importante, isso sempre acontece todos os anos. O conhecimento não tem limite, então em todos os segmentos é extremamente importante você nunca subestimar ou negligenciar alguma informação, né, independente do grau de escolaridade do produtor, ele realmente sempre vai fornecer informações que são fundamentais, porque quem conhece o sistema é ele. Nós estamos entrando no sistema com o objetivo de melhorar, mas quem realmente, verdadeiramente, conhece o sistema é o produtor. Então com essa parceria a gente consegue ter resultados bem positivos.

P/1 – E sobre a sua atuação, você, Simone, independente da equipe, como o seu trabalho colabora para a construção de um mundo melhor, pensando nessa questão direta da sustentabilidade? O que você me diz sobre isso, sobre a sua atuação?

R – É, eu acho que nessa área de produção de hortaliças nós temos vários caminhos ainda que a gente pode percorrer com o objetivo de melhorar o nosso sistema produtivo, então essa troca de informação entre empresas privadas, empresas públicas, profissionais dentro da sua instituição e profissionais externos, faz com que você visualize de forma mais clara quais são as necessidades futuras, quais são as tendências de mercado e realmente como você pode contribuir para esse mercado. Dentro da minha área de atuação, o cultivo protegido é muito pouco explorado no Brasil; ele é muito forte em outros países, principalmente países europeus como Holanda, nós temos países que tem um desenvolvimento também significativo como a Espanha, nós temos o Japão, Canadá, Estados Unidos. O Brasil tem um caminho muito longo pra percorrer nesse segmento de cultivo protegido. Os trabalhos que nós estamos desenvolvendo têm por objetivo viabilizar essa tecnologia de produção não só visando grandes empresas, mas também visando o pequeno produtor através de técnicas de cultivo que possam utilizar estufas mais simples, mais baratas. Então nós estamos aqui a sociedade de uma maneira geral, pequenos produtores, grandes empresas. E nós procuramos desenvolver inclusive materiais didáticos que fornecem aos produtores informações importantes. Então nós desenvolvemos já material muito importante sobre tomate em cultivo protegido. Desenvolvemos aqui um projeto interessante com a Casa do Produtor Rural, onde nós editamos também uma cartilha para cultivo de mini melancia em ambiente protegido. Nós realizamos trabalhos sociais através da implantação e técnicas de condução de hortas caseiras e hortas públicas também. Então esses trabalhos, embora pareçam pequenos, eles disseminam a informação e o conhecimento, e isso, daqui a uns anos, nós vamos ter os frutos do nosso trabalho que é passo a passo, né? Mas você tem que trabalhar com todos os segmentos e também com o objetivo de evitar a retirada, a retirada não, evitar essa redução que nós estamos observando do pequeno produtor hoje, dentro do setor agrícola, né?

P/1 – E existe uma assessoria da parte administrativa, econômica, para esse produtor? O projeto abrange essa questão econômica?

R – Como assim?

P/1 – Por exemplo, como ele ter mais rentabilidade, uma assessoria para a administração da produção rural.

R – De como realmente gerenciar a sua atividade, nós temos aqui o departamento de economia da ESALQ que consegue fornecer para o produtor informações importantes. Inclusive, nós temos, no Brasil como um todo, vários cursos. Cursos que o produtor pode ter acesso como o Sebrae, que fornecem cursos excelentes nessa área de gestão. Eu acho que a maior dificuldade do produtor realmente é saber gerenciar o seu negócio, porque nós temos uma falta de infraestrutura muito grande no Brasil, ou seja, nós temos pouca união entre os produtores. Os produtores, os pequenos produtores eles têm pouco poder de comercialização em função do pequeno volume que eles produzem. Mas nós temos aí vários meios de comunicação importantes. Então nós procuramos fazer esses materiais didáticos que são gratuitos pro produtor, então a Casa do Produtor Rural disponibiliza isso, então simplesmente ele faz o pedido, e isso é enviado pra ele. Então ele consegue ter várias informações. Quando ele não entende alguma informação, têm dúvidas, né, eles nos procuram, eles têm o nosso contato pra viabilizar isso. E o próprio governo federal e também através dessas instituições como o Sebrae tem muito conhecimento disponível.

P/1 – Pra gente acabar esse bloco temático, sobre a questão da sustentabilidade e proteção ao meio ambiente houve uma mudança por parte do produtor ao longo desse período que você tem acompanhado essa parceria da ESALQ – Nestlé – Produtor Rural?

R – Teve. Teve uma mudança bastante significativa, principalmente no que diz respeito ao controle fitossanitário. Então nós procuramos realmente viabilizar o manejo das doenças através de produtos biológicos, uma vez que nós não temos produtos registrados para o cultivo da salsa, produtos fitossanitários. Embora agora a ANVISA – juntamente com o Ministério da Agricultura – já mudou esse quadro. Nós hoje, em breve, nós teremos aí a disponibilidade de vários produtos que não eram registrados pra cultura e que o produtor vai poder utilizar com maior segurança. Mas nós viabilizamos vários aspectos com relação à própria segurança do produtor, que não estava acostumado, por exemplo, a usar o equipamento de proteção individual pra aplicação de defensivos, não tinha esse costume, não sabia armazenar os seus defensivos de forma segura. E as aplicações também, nós conseguimos ter redução do número de aplicações nas áreas de cultivo. Então tudo isso traz segurança para o produtor, traz segurança pra família dele, para os funcionários, traz segurança para o alimento. Todas essas mudanças foram bastante significativas! Então o produtor que não tinha essa visão hoje nas palestras nós já observamos, produtor usando equipamento de segurança, com armazenamento adequado dos seus produtos, se preocupando com o retorno das embalagens de forma correta, e isso tudo reduz contaminação do ambiente, usando também o produto de forma adequada através de mudanças no sistema de aplicação do produto, como cobrir corretamente as plantas com o produto. Ou seja, várias mudanças aí que estão reduzindo cada vez mais os riscos de contaminação dos alimentos, então isso é extremamente importante para uma empresa que trabalha com produção de alimentos.

P/1 –Teve alguma história, assim, marcante ou engraçada, inusitada, alguma coisa assim, que você lembra, que tenha acontecido dentro do projeto com relação a essa produção, a esses pequenos produtores?

R – Não. Não, acho que não tenha nenhuma. Não vejo nada de inusitado. A única coisa que chama atenção é que quando você está na propriedade dele, ele se torna mais, como é que eu posso dizer, mais natural, consegue passar melhor as informações do que quando você traz ele pra outro ambiente e torna aquilo mais oficial ou mais... Como é que eu posso dizer? Mais formal. Então por isso que a ida ao produtor ela é muito mais positiva do que você tentar estabelecer uma reunião mais formal, você consegue absorver muito mais as informações.

P/1 – Essas reuniões juntam alguns produtores...

R – Juntam os produtores. Nós convidamos todos os produtores relacionados, né, na produção, no caso, na produção de salsa, todos os produtores recebem o convite e nós fazemos dia de campo. No dia de campo é bastante produtivo porque o produtor tem uma participação maior, porque a gente está dentro de uma propriedade, de um dos produtores. Então aí ele já está num local conhecido, os outros também conhecem o local, conseguem participar bastante. Nós fizemos um dia de campo sobre a aplicação de defensivos, e foi muito produtivo: como o agricultor regular o seu equipamento, que tipo de bico pulverizador ele vai usar pra determinada situação, o que ele não pode fazer. Então isso trouxe um conhecimento pro produtor muito bom.

P/1 – Que aprendizado pra sua vida pessoal e profissional você teve com esse projeto com os produtores rurais?

R – Ah, pra minha vida profissional vários projetos surgiram, né? Vários projetos interessantes não só pra mim como para os alunos. Então esses projetos acabam sendo conduzidos com os alunos lá nas propriedades agrícolas. Hoje eu tenho mais conhecimento de qual é a dinâmica de germinação de uma semente de salsa, como que nós podemos viabilizar melhor essa etapa de produção para o produtor; conhecimento da área de manejo de doenças, quais são os sintomas que as plantas, por exemplo, de salsa manifestam; do manejo adequado da nutrição, com isso nós elaboramos uma cartilha só sobre sintomas de deficiência de nutrientes. Essas cartilhas foram passadas para os produtores, que hoje conseguem identificar na área sintomas de deficiência nutricional relacionadas a práticas de manejo inadequadas, e com isso nós conseguimos resolver também de forma mais rápida esse aspecto. Mudanças no sistema de irrigação, onde eles usavam bicos de irrigação antigos, que eram bicos que tinham alta vasão que realizavam um grande consumo de água, e hoje nós conseguimos viabilizar um consumo menor de água, e nós sabemos a outorga de água vem sendo cobrada em várias regiões, em vários segmentos, então a tendência é, realmente, é cada vez mais o produtor pagar por esse recurso natural, que nós temos que prezar de forma bastante adequada. Então tudo isso vem incrementando. E pra mim também, conhecimentos pra mim também. Alguns setores que não são minha área de atuação como, por exemplo, o manejo direto das doenças, então com isso eu consigo ter um aprendizado maior e entender melhor o sistema como um todo. E com isso a gente busca parcerias com outros professores, o conhecimento de outros professores da área de fitopatologia, na área de produção de sementes, então acabamos usando vários estabelecimentos pra isso.

P/1 – Sim. Na sua trajetória profissional e pessoal, qual foi a situação mais difícil que você já enfrentou?

R – Na história profissional?

P/1 – E pessoal também.

R – Ah, pessoal? Se eu falar! Vamos começar pela profissional, né? A profissional, acho que um dos momentos mais difíceis, dois momentos difíceis, realmente foi prestar o concurso aqui porque é uma semana, uma dinâmica bastante complicada. É mais a questão psicológica de você ficar sobre pressão uma semana estudando pra aquele concurso. Eu me preparei bastante, mas a questão emocional pesa muito. E quando eu saí pra fazer meu pós-doutorado.

P/1 – Também foi a questão da seleção?

R – Não. É muito difícil viver em outro país (voz embargada).

P/1 – Você foi pra onde?

R – Estados Unidos. Aí isso é difícil. Pra mim foi horrível, por quê? Porque uma pessoa que vai mais jovem, um jovem ele já tem uma flexibilidade maior. Então eu já fui mais velha, cheguei lá a dificuldade da língua, o impacto da língua é muito ruim. A cultura americana é completamente diferente então você leva um choque, você não consegue entender, você tem uma certa rejeição. E eu perguntava pras pessoas: “Meu Deus, quanto tempo vai durar isso? Não. Vou pegar o avião e vou embora”. E aí, pra mim, durou aí em torno de três meses, passando esse período, aí você realmente tem um ganho pessoal muito grande por entender a cultura de outro país e o quanto nós somos às vezes ignorantes falando mal de uma determinada cultura o quanto que nós temos... Eu acho que o brasileiro é muito preconceituoso, ele é muito mais preconceituoso do que as pessoas pensam, e muito mais conservador. O americano ele é muito mais aberto, se você é bom, você pode vir, seja você da Índia, seja você da China, do Brasil, do Japão, ele tem mais essa abertura e a imagem que eu tinha que era ao contrário. E eles realmente tem uma dinâmica de desenvolver o trabalho completamente diferente da nossa. Então eu acho que isso foi muito bom pro meu aprendizado. Eu acho que a gente tem alguns pontos que nos atrasam aqui, né, e que acho que todo mundo deveria ter essa experiência fora embora seja difícil nessa fase inicial aí. Mas a forma como o americano, por exemplo, coloca no papel uma pesquisa que ele realizou, eles têm uma forma completamente diferente de pensar. E são muito práticos, muito objetivos e parecem grosseiros em determinados aspectos como, por exemplo, no dia a dia, eles às vezes te cumprimentam, às vezes não, ou quando mandam e-mail não colocam o seu nome, mas isso é deles! Isso só depois que você vai entendendo vários aspectos da cultura, que você vai absorvendo aquilo... Então essa experiência foi muito boa, então hoje eu mando todos os meus alunos que eu posso eu mando pra lá, pra lá ou pra qualquer país que eles queiram ir, Europa, o que eles queiram fazer. Aí tive contato com bastantes pessoas, indianos, chineses, latinos, e cada um com a sua particularidade, não é?

P/1 –A pergunta é se você gosta do que você faz. Isso é bastante óbvio, mas então, assim, que proporção a sua vida de trabalho, a sua profissão, ocupa a sua vida? O quanto isso é parte de você?

R – Uns 80% (riso), muita coisa. Porque tem muita coisa pra fazer, muita coisa. E tem hora que você pensa: “Nossa, meu Deus, como eu sou incompetente, eu não fiz metade do que eu queria fazer”, entendeu? Porque é muita coisa pra fazer, muita coisa. E você gostaria de acelerar, e a coisa às vezes não anda, porque depende de outras pessoas.

P/1 – Quais são as coisas mais importantes pra você hoje?

R – Acho dentro da minha profissional é, realmente, formar alunos capacitados alunos nessa área de produção de hortaliças. Você sempre passa a sua personalidade, aquilo que você é, são poucos que você encontra de acordo com aquilo que você é, mas essas pessoas que são parecidas com você, você leva elas pra vida toda. Então aí fora, no mercado, eu tenho alguns ex-alunos que sempre me ligam, sempre me procuram, e quando a gente se encontra é algo bastante natural, porque são pessoas que vão de encontro a sua filosofia de vida, né? Mas infelizmente várias coisas nós não conseguimos mudar, né? Então acho essa é uma questão coletiva que falta no Brasil, né? Você mudar um país ou mudar algumas situações é complicado, você vencer um sistema às vezes que você não está de acordo. Melhoria na educação é um ponto fundamental, acho que sem educação um país jamais vai conseguir vencer vários obstáculos. Eu acho que nesse aspecto o Brasil tem que melhorar muito, né?

P/1 – Quando você fala dessa questão da educação, está se referindo à educação formal? Porque você já pega o aluno que já passou pela educação básica.

R – É a educação básica, tem que começar lá de baixo.

P/1 – Você acha que o problema do aluno que você encontra aqui na universidade é da educação básica?

R – É da educação básica. A educação, na escola, na sociedade como um todo, ela é extremamente importante pra formação, isso começa lá de baixo, se você já não tem alguns princípios desde quando você nasce, é muito difícil você alterar isso lá na frente.

P/1 – E seus sonhos, quais são seus sonhos?

R – Nossa, dentro dessa área são tantos, tem vários projetos que eu quero fazer e que eu gostaria de deixar aqui pra universidade: é melhoria de laboratório; poder viabilizar melhor as pesquisas de forma mais acelerada, de forma mais rápida, pra isso tem que ter mudança no sistema como um todo, no Brasil como um todo; e poder desenvolver essa minha área cada vez mais, que é uma área que vem crescendo; e poder deixar para os alunos e pra sociedade essa mensagem de que tudo aquilo que você faz, retorna.

P/1 – E um sonho pessoal?

R – Encontrar alguém (pausa).

P/1 – Tem alguma coisa que você gostaria de acrescentar, Simone, que a gente por acaso não falou aqui, que eu não te perguntei, mas que você acha importante?

R – Eu acho que é isso. Eu acho que você tem que fazer o seu trabalho de forma séria, de forma bastante... Acho que o importante é você ter a seriedade, comprometimento, a verdade, então eu acho que você nunca vai plantar milho e colher soja. Então eu acho que isso é importante, hoje a gente vê o reflexo do Brasil, a gente só está colhendo o que foi plantado nesses anos todos de erros, né? Então eu acho que eu vejo assim, essa necessidade da gente mudar. Esse seria meu grande desejo, ver uma sociedade melhor, com princípios melhores. E o que me entristece bastante é essa corrupção que vem acontecendo no país como um todo. Essa desordem, esse jogo de interesses que não são em prol do desenvolvimento do país. Então acho que a gente tem esse caminho pra percorrer. Eu acho que essa é uma questão do povo brasileiro, percorrer esse caminho, o caminho do trabalho, o caminho da educação, o caminho da responsabilidade, o caminho da organização. E esses últimos anos realmente me entristece muito é ver o Brasil nessa situação, porque eu acho que nós poderíamos estar muito, muito melhor, porque nós temos uma capacidade enorme de desenvolvimento. E é um dos países, hoje, mais procurados pelo mercado, pela sua disponibilidade de produção. Mas isso me entristece muito. Quando eu voltei dos Estados Unidos, talvez por eu ter ficado lá dois anos direto, não ter voltado pra cá, acho que nesses últimos cinco anos houve um acentuado grau de desorganização do sistema, e às vezes me entristece um pouco esse tipo de sociedade que a gente vive. E esse jogo mostrou, pra mim, mostrou tudo isso, né, mostrou essa desorganização, essa corrupção, isso foi um reflexo de tudo que vem acontecendo, não foi somente um jogo; é uma informação, na verdade é uma luz aí pra população acordar e a gente poder transformar. É isso que eu quero, ver que o Brasil tenha destaque não só como um país promissor na área de agricultura, mas como uma sociedade digna, organizada. Isso me acaba!

P/1 – E você gostou de contar sua história?

R – Gostei (risos).

P/1 – O que você sentiu?

R – Ah, é difícil, é? A gente não fala tudo, claro, porque tem coisa que você... É bem chocante.

P/1 – Tá certo, a gente agradece a sua participação em nome da Nestlé e do Museu da Pessoa. Muito obrigada!

R – Obrigada vocês pelo apoio aí, pelo carinho. Foi muito bom.


Fim da Entrevista