Museu da Pessoa

Só tem uma palavra que eu posso dizer: orgulho.

autoria: Museu da Pessoa personagem: Leonel Raimondi

Projeto Memória Votorantim 85 Anos - Nossa Gente Faz História
Depoimento de Leonel Raimondi
Entrevistado por: Charles Silva e Marina D´Andrea
Local de Gravação: São Paulo / SP
Data: 26/06/2003
Realização Museu da Pessoa
Código do Depoimento: MV_HV011
Transcrito por: Cristina Eira Velha
Conferida por: Marina D’Andrea
Revisado por: Nataniel Torres

P/1 - Senhor Leonel, inicialmente eu gostaria de saber o nome do senhor.

R - O meu nome é Leonel Raimondi.

P/1 - Onde o senhor nasceu?

R - 28 de maio de 1924.

P/1 - Em qual cidade?

R - São Paulo.

P/1 - Como chamavam os pais do senhor?

R - Francisco Raimondi e Amália Raimondi?

P/1 - De onde vêm os pais do senhor?

R - O meu pai era italiano, e a minha mãe era brasileira, ambos falecidos.

P/1 - E o que o pai do senhor fazia?

R - O meu pai era comerciante de fazendas e armarinhos, e a mamãe era do lar.

P/1 - O que o senhor se lembra da sua infância? Tem alguma coisa marcante na vida do senhor?

R - Eu vou dizer que eu sempre tive uma infância muito feliz. E logicamente a recordação dessa infância, já são 79 anos que eu tenho, não é muito fácil de memorizá-la. Mas, de qualquer maneira, foi uma infância bastante feliz. O meu pai e a minha mãe sempre se deram bem e, consequentemente, a minha infância foi muito agradável, junto a um irmão e uma irmã que eu tive, que já faleceram. Então, o que eu posso dizer da minha infância são coisas agradáveis só, não teve nada que me entristeceu, como supostamente poderia dizer uma separação do pai e da mãe, nada disso. Nós tivemos uma infância bastante agradável.

P/1 - Em qual bairro o senhor viveu em São Paulo?

R - Sempre na Lapa.

P/1 - Como era a Lapa? O senhor tem memórias da Lapa?

R - Bom, a Lapa era um bairro muito tradicional, de italianos. E, consequentemente, o que eu poderia memorizar da Lapa? Eu morava na rua Guaicurus, e lá foi onde nós vivemos, estivemos a nossa infância toda, junto com o meu irmão, que se chamava (Élcio Raimondi?), e a minha irmã, (lda Raimondi?), que lamentavelmente eu a perdi. São os fatos importantes que eu tenho em recordação. É uma recordação agradável, porque meu pai e minha mãe, embora alguns problemas de vez em quando entre eles, mas sempre o meu pai foi um homem muito fiel à minha mãe. E da maneira recíproca também, da minha mãe com o meu pai. Então, como eu expliquei para você, ele tinha uma loja de fazendas e armarinho, trabalhava bastante. O apelido dele era Chiquinho, porque ele se chamava Francisco, então o nome dele era Chiquinho. São esses os fatos marcantes da minha infância.

P/1 - E essa loja dele ficava na Lapa?

R - Ficava na Lapa, na rua Guaicurus.

P/1 - O senhor chegou a trabalhar com ele?

R - Não, eu não cheguei, porque eu era ainda muito criança. O papai trabalhava sozinho, com a minha falecida avó.

P/1 - Como se chamava a avó do senhor?

R - A avó era...



P/1 - E como foi o período do senhor na escola? O senhor se lembra como era a escola onde o senhor estudava?

R - Bom, eu comecei estudando em Escola Normal, depois eu fui para o Liceu Coração de Jesus, aonde eu passei dois anos internado. Fui internado no Liceu Coração de Jesus, e depois continuei os meus estudos, até o ginásio.

P/1 - E como era esse período em que o senhor foi interno nesse colégio?

R - Muito bom. Porque havia muitos atrativos, principalmente de esporte. Eu gostava muito de jogar futebol. E isso me deixou muito alegre, uma infância bastante agradável. Eu não posso, absolutamente, ter recordações amargas dessa infância. Muito boa, junto com um colega meu, que se chamava Renato Pizaneschi. Nós ficamos juntos, e esse período que eu passei internado também foi um período muito agradável, muito bom mesmo.

P/1 - O senhor se lembra se teve alguma professora do senhor, ou professor, que tenha marcado a vida do senhor?

R - A professora que marcou a minha vida foi a dona Georgina. O sobrenome eu não me recordo. Mas ela marcou muito a minha vida. Os ensinamentos que ela dava, a maneira como ela conduzia, ela marcou muito.

P/1 - E essa professora o senhor teve no Liceu?

R - Não, quando eu estava fora do Liceu. No Liceu eu fiquei dois anos interno, conforme lhe falei, e fiquei o restante dos anos... passei semi-interno, depois externo.

P/1 - E como eram os amigos do senhor nesse período? Quem eram os seus amigos? De onde eles eram? Do bairro? Da escola?

R - Não, os meus amigos eram primeiramente o vizinho, que era o Renato Pizaneschi, e depois os colegas normais que a gente tem quando moço, que agora não me vem na memória. Eram colegas de esporte, que nós praticávamos. Eu repito, eu gostava muito de jogar futebol, jogar bola ao cesto.

P/1 - O que é isso que o senhor jogava, bola ao cesto?

R - Bola ao cesto? É... como chama? Era de encestar a bola...

P/1 - O basquete?

R - Isso. Traduzindo no português moderno, é basquete. Era bola ao cesto. Então eram os esportes que eu tinha uma atração maior.

P/1 - E esses jogos, esses encontros com os amigos, aconteciam na rua ou havia algum clube onde vocês iam?

R - Não, primeiramente no internato Liceu Coração de Jesus que tive esses amigos. E depois, quando eu saí, os amigos com quem eu convivi.

P/1 - Essa época de interno me interessou bastante. O senhor encontrava sempre a sua família, nos fins de semana, ou o senhor ficava ali? Quanto tempo o senhor ficava nessa escola, interno?

R - Eu fiquei dois anos.

P/1 - O senhor ficou dois anos. Mas o senhor saía nos finais de semana e voltava, ou a família ia visitar?

R - Eu comecei interno. Eu não saía. Os meus familiares, que eram meu pai e minha mãe, me visitavam. Depois eu passei um período para semi-interno, que no final de semana eu ia para casa conviver com os meus familiares. Esse era mais ou menos o roteiro da minha vida.

P/1 - O senhor se lembra das festas da família do senhor?

R - Era muito marcante, quando éramos pequenos, nós irmos à Freguesia do Ó, na casa de um amigo do papai, que chamava-se Torino. E lá, moleque, nós gostávamos muito de brincar, então ficávamos sempre brincando lá.

P/1 - Seu Leonel, agora a gente vai entrar um pouco na juventude do senhor. Quando o senhor sai do Liceu, o senhor vai para onde? O senhor vai estudar aonde?

R - Eu fui estudar num colégio...

P/1 - O senhor se lembra onde ficava o colégio?

R - No Liceu Coração de Jesus eu já te falei que eu ficava interno. Depois eu continuei no Liceu Coração de Jesus como semi-interno, depois externo.

P/1 - Na juventude do senhor, quais eram as diversões? O que vocês faziam para se divertir?

R - Você diz quando eu estava no colégio?

P/1 - Não, quando o senhor entrou na...

P/2 - Na adolescência, os bailinhos?

R - Eu gostava muito, bastante mesmo, de futebol. Futebol para mim era um atrativo muito grande.

P/2 - E as namoradas?

R - Ah, namoradas não foram muitas, porque a gente nunca acertava aquilo que queria. Depois, a minha vida se modificou bastante, que eu fiquei viúvo durante oito anos.

P/2 - Espera um pouquinho. O senhor ainda não contou do seu casamento.

P/1 - Como o senhor conheceu a sua primeira esposa?

R - A minha primeira esposa chamava-se Diva.

P/1 - E como o senhor a conheceu?

R - Eu conheci... Você está me puxando a memória aqui.

P/1 - O senhor se lembra a situação? Ela era vizinha, da vizinhança?

R - Não. Agora está reavivando. Ela morava na Lapa. Naquele tempo nós chamávamos Lapa de Cima. E eu a conheci lá, a Diva, que era o nome dela. Me enamorei e, depois, tropecei e casei.

P/1 - (riso)

R - Depois, como eu já disse a vocês...

P/2 - Quantos filhos o senhor teve com ela?

R - Tive a Sueli e a Rita. A Rita foi uma filha adotiva, que a irmã da minha esposa faleceu com a filha dela muito pequena, e deu para que eu cuidasse. É uma recomendação que ela me fez. E nós cuidamos e temos ela como uma filha.

P/2 - E a Diva faleceu, a sua esposa?

R - Faleceu. A Diva faleceu. E eu, depois de... não sei se eu falei, se eu falei, me desculpa. Depois de viúvo, eu tropecei. Encontrei uma pedra preciosa, que foi a Esmeralda.

P/1 - Como o senhor conheceu a dona Esmeralda, o senhor se lembra?

R - Ô, dona Esmeralda, são 32 anos de casado. Ajuda, mulher.

Ah, já liguei, não precisa falar mais. Como eu trabalhava na Votorantim, e pertencia a um Grupo, que era a Siderúrgica Barra Mansa, que era do mesmo Grupo industrial, constantemente eu subia no quarto andar, para falar com o doutor Antônio Ermírio de Moraes. Que a gente, quando era chamado, tremia na base, porque ele era um homem muito enérgico. Hoje é um amigo extraordinário. E a secretária dele era a dona Esmeralda Raimondi. E, com esse vai e vem, vai e vem, vai e vem, nós começamos a nos enamorar, sair juntos e nos casar. Para casar foi um pepino danado, porque eu tive que pedir autorização para o meu patrão, que hoje não é mais patrão, é um amigo, que eu presto colaboração na Beneficência Portuguesa, aqui em São Paulo. Tive que pedir permissão para ele me deixar casar com a secretária dele. Ele não achou muito bom, mas em todo caso,

concordou.

P/1 - E ela aceitou? O senhor pediu ela em casamento e ela aceitou de imediato?

R - Nós já estávamos sempre um de olho... Eu já estava de olho, logicamente. Mas evidentemente que aceitou. Porque, afinal das contas, as minhas condutas pessoais naquela época eram condutas decentes. E, consequentemente...

P/2 - Você falou no quarto andar?

R - É. No sétimo.

P/2 - No sétimo andar de que prédio?

R - Da Praça Ramos de Azevedo. Que o doutor Antônio Ermírio... estava no sétimo aí, né, bem? Estava no sétimo andar.

P/2 - Em que ano mais ou menos?

R/2 - 1969, 70. Que eu casei em 1972

P/2 - E a sua esposa continuou secretária do doutor Antônio Ermírio?

R - Provisoriamente, até eu pedir permissão a ele, para ele fazer o favor de colocar uma substituta. Ela não gostou muito, mas, enfim, como era para a felicidade dela, que acredito que ainda seja, como é a minha felicidade, ele concordou. E eu acabei casando-me com ela.

P/2 - Em termos profissionais, essa proximidade do senhor com o doutor Ermírio se dava por que, porque funções?

R - Sempre dentro da Votorantim.

P/2 - Sim. Mas o senhor se reportava a ele diretamente?

R - Sim. Na maioria das vezes, ele era um homem muito... como eu vou dizer... enérgico. Eu tinha um certo temor de me aproximar dele. Mas, no fim, a continuidade da minha vida, fez com que nós nos tornássemos mais íntimos, e acabamos... E hoje eu presto serviço a ele, repito, e fico muito feliz de ter ele. São 55 anos de história que eu tenho na minha vida ligada à S.A. Indústrias Votorantim, que me faz lacrimejar de alegria. Por conhecer um homem extraordinário, que eu gostaria imensamente que o Brasil fosse dotado de homens iguais ao doutor Antônio Ermírio de Moraes. É um exemplo de brasilidade, é um exemplo de tudo que é bom na vida, está nessa pessoa que eu tenho inteira admiração e respeito por ele. Doutor Antônio Ermírio de Moraes, pertencente a uma família tradicional, que começou com o Comendador Pereira Ignácio, depois com o pai, José Ermírio de Moraes, depois com o outro filho, que foi o José Ermírio de Moraes Filho, ambos falecidos, depois o Antônio Ermírio de Moraes, que tem um irmão Ermírio de Moraes, e tem a irmã, Maria Helena, né? São as pessoas que eu gravei na minha vida. E volto a repetir, é um homem notável. Se nós tivéssemos brasileiros do porte dele, o Brasil seria uma coisa completamente diferente. Nos daria muito orgulho de ser brasileiro.

P/2 - O senhor poderia dizer, sendo assim, uma personalidade forte, e essa família, passou valores, esses valores maravilhosos, para as empresas? Então, ele passou valores, ética? Quais são esses valores?

R - Valores dele?

P/1 - O que o senhor trouxe para a sua vida? Valores do Grupo Votorantim, valores da família Ermírio de Moraes, que o senhor acabou também trazendo para a sua vida.

R - O que eu vou dizer sobre isso?

P/1 - Por exemplo, o senhor fala dessa questão, a responsabilidade do doutor Antônio Ermírio em relação...

R - Sim, uma das coisas que me traz muito orgulho é a minha vida dentro da Votorantim. Porque eu comecei a minha vida trabalhando na Rua XV de Novembro, no subsolo, que naquele tempo chamava-se porão.

P/1 - O que o senhor fazia nesse porão?

R - No porão? Eu era arquivista. Nós chamávamos de porão. Que hoje, elegantemente, chama-se de subsolo. Então, eu era arquivista lá.

P/1 - Arquivava o que?

R - Documentos. Documentos referentes à própria Votorantim.

P/1 - Em que áreas?

R - Geral. Todos os arquivos vinham para nós e nós arquivávamos.

P/1 - Senhor Leonel, eu gostaria de voltar um pouquinho. Como o senhor entrou no Grupo Votorantim? Como o senhor começou a trabalhar nas empresas do Grupo?

R - Eu comecei a trabalhar, eu fui apresentado e comecei a trabalhar de moço. Acho que tinha 18 anos. A memória minha é 18 anos. Comecei a trabalhar lá. E, como disse a vocês, fui galgando vagarosamente as posições, até depois passar a ser diretor. Mas antes disso tem uma história mais longa, porque eu fui trabalhar lá em Barra Mansa, no Estado do Rio, sempre em vendas. Porque em Barra Mansa, no Estado do Rio, eu, como era casado de novo... fechou o escritório da siderúrgica Barra Mansa em São Paulo e, casado de novo que eu era, com uma filha pequena, eu não tive outra opção a não ser mudar-me para Barra Mansa. E aí eu passei dois anos, sempre em vendas. Passei dois anos em Barra Mansa, depois viajava habitualmente para o Rio, sempre fazendo promoções. Voltava para Barra Mansa, até que mudei-me para o Rio.

P/2 - O senhor vendia o quê?

R - Sempre aço para construção e perfis.

P/2 - Os seus clientes, o senhor lembra quais eram os mais importantes?

R - Os clientes? No Rio de Janeiro era (Bena Fero?), (José Salgueiro?), são os nomes que me traz a memória.

P/1 - Senhor Leonel, o senhor falou algo muito interessante. A sua saída de São Paulo, o senhor foi para Barra Mansa?

R - Exatamente.

P/1 - Como foi esse processo de ter que sair de São Paulo, onde a sua vida foi toda estruturada, e ir morar numa cidade da qual o senhor não tinha tantas referências?

R - O fato, eu não sei se eu falei, eu vou repetir, eu era casado de novo. E, consequentemente, eu não tinha outra opção. Eu vivia do meu salário. E as condições que me foram apresentadas era mudar-me para Barra Mansa. Então lá fui eu para Barra Mansa, sem conhecer a cidade, sem nada. Fui eu com a minha esposa e a minha filha. Fomos para lá, morar em Barra Mansa. E em Barra Mansa, como eu trabalhava com aço, eu constantemente viajava para o Rio, para fazer promoção de vendas. Ia, voltava, ia, voltava, depois fui transferido para o Rio de Janeiro. Se eu repeti, desculpa. Depois voltei outra vez para Barra Mansa, onde passei mais dois anos.

P/2 - Como era Barra Mansa, senhor Leonel?

R - Era uma cidade pequena, próxima a Volta Redonda. E em Barra Mansa nós produzíamos o aço para construção, conforme eu lhe falei, e eu fazia promoção de vendas, em Barra Mansa, no Rio de Janeiro, e tinha os distribuidores, a quem eu visitava. E depois tinha os representantes, que tinham contato comigo, e eu passava instruções de como proceder.

P/2 - Era grande o volume de vendas naquela época?

R - Era razoável. Barra Mansa não era, vamos dizer, uma das primeiras firmas do Grupo. Mas era bastante razoável. Nós fazíamos aço para construção, de pouca resistência física. Depois fazíamos um aço de maior resistência, que era o aço torcido, que veio da Itália para cá como (torcima?), e nós chamamos de ferro torcido mesmo.

P/2 - Como da Itália veio para cá? Podia explicar melhor?

R - Porque um Grupo da Itália trouxe para o Brasil um aço torcido, que foi chamado de (torcima?).

P/2 - E vocês pegaram o know how?

R - É porque esse aço tinha um poder de resistência maior. Consequentemente, era muito mais interessante, porque aí era dividido o aço em duas categorias: CA-24 e CA-50. O CA-24 era um produto de aço de menor resistência, e o CA-50 de maior resistência. Depois ele ficou torcido, aumentou ainda mais a resistência.

P/2 - Para fazer esse aço torcido, a fábrica comprou o know how italiano?

R - Não, nós fizemos nós mesmos. Porque ele tinha um nome: (torcima?). Nós denominamos (elitor?), que era um material torcido a frio.

P/2 - E ele teve sucesso, esse material?

R - Teve. Substituiu totalmente o CA-24, de menor resistência. Porque o CA-50 ainda é o aço de maior resistência, predominante.

P/2 - E a fábrica? O senhor se lembra, o senhor sabia como funcionava a fábrica?

R - A Siderúrgica Barra Mansa? Perfeitamente.

P/2 - Dá para descrever um pouquinho?

R - A Siderúrgica Barra Mansa tinha uma aciaria, o nome do nosso diretor era Antônio Castro Figueiroa. E em Barra Mansa nós fazíamos o aço comum e depois transformávamos o aço líquido em aço normal. Que nós, então, passávamos

a vendê-lo.

P/2 - Eram muitos operários? A siderúrgica era enorme, pequena, média?

R - Era bem menor do que a Siderúrgica Nacional, que nós éramos praticamente vizinhos. Em quantidade de pessoas, era bem menor.

P/2 - E a produção? Também era bem menor?

R - Ah, em comparação com a Companhia Siderúrgica Nacional, era bem menor.

P/2 - E como aconteceu essa concorrência?

R - A Siderúrgica Nacional, normalmente, ela fazia um produto diferente do nosso. Nós fazíamos somente esse tipo de material para construção. Então, a Siderúrgica Nacional era um monstro, que dominava inteiramente o mercado de aço. E a Barra Mansa era modesta, mas assim mesmo foi desenvolvendo, crescendo.

P/2 - E como foi se dando esse crescimento, o senhor se lembra? Na hora que ela foi se desenvolvendo, crescendo, o que foi acontecendo?

R - Foi aumentando as aciarias, depois criou-se laminadores também. E esses laminadores auxiliaram bastante a produção. Que o material saía líquido, depois tornava-se... como eu vou dizer? Depois de líquido vem... depois era estirado, em bobinas, era feito em bobinas, as bobinas nós estirávamos. E tinha dois sistemas de vender as bobinas. Uma com o fio máquina. O fio máquina era a matéria-prima para fazer o arame. Esses arames eram diversificados. Era arame para construção, era arame para fazer... trefilá-lo e fazer fios finos. E foi assim que se desenvolveu a Barra Mansa.

P/2 - O senhor lembra qual era o faturamento? Que ano foi isso?

R - Não me recordo, sinceramente, desculpe.

P/2 - Em que ano mais ou menos foi essa situação que o senhor está descrevendo, que década?

P/1 - Eu quero retomar duas coisas com o senhor, que eu achei muito interessante: primeiro, o senhor falou, a última coisa que o senhor falou foi que o senhor voltou ao Rio de Janeiro, voltou a Barra Mansa, ficou mais dois anos. Quando o senhor volta novamente a São Paulo? Como ocorre isso?

R - A ocorrência foi a seguinte: eles precisavam de um elemento de vendas em São Paulo, e eu fui transferido para São Paulo. Então, aí acabei morando aqui.

P/1

E onde o senhor foi morar, quando o senhor chegou?

R - Fui morar, acho que foi na Lapa, né, bem?

P/1 - E como foi voltar para a cidade? O que o senhor sentiu? O senhor se lembra?

R - Estranhei um pouco, mas depois eu me habituei, porque eu tinha os meus familiares aqui em São Paulo, e me habituei. Meu pai tinha loja, então me habituei normalmente.

P/1 - E quando... o senhor trabalhou...

R - 55 anos no Grupo Votorantim, que é o maior orgulho da minha vida.

P/1 - Na área de vendas?

R - Sempre.

P/1 - Inicialmente como o senhor fazia essas vendas? O senhor ficava no escritório, por telefone, ou o senhor ia ...

R - Não, ia visitar cliente.

P/1 - E como eram essas visita?

R - A visita ao cliente era ofertar o produto nosso. Que tínhamos um grande concorrente, que era o Grupo (Cardal?). Então, ofertávamos o nosso produto, e fazíamos concorrência.

P/1 - Como o senhor apresentava o produto, o material?

R - O material era apresentado em dois formatos, se eu falei me desculpa. Em formato que nós chamávamos de bobina, chamávamos fio máquina. Ele era desbobinado e formava os arames. E esses arames, sim, eram diversas, eram extensões diversas.

P/1 - Mas como o senhor abordava o cliente do senhor? O senhor se lembra?

P/2 - Levava o que? Fotografias?

R - Não, porque era um produto conhecido. Era produto muito conhecido. Não precisava nada, era só usufruir da amizade e usufruir também de uma conversa.

P/2 - Mas não tinha propaganda, não fazia propaganda?

R - Não, não precisava fazer. A propaganda era o próprio produto.

P/1 - Que é algo muito forte dentro do Grupo Votorantim. O Grupo Votorantim não costuma fazer propaganda dos seus materiais.

R - Não, porque a propaganda é a pessoa quem a faz. Então, consequentemente, nós, quando nos dirigíamos a clientes, eles já eram conhecedores do que era a Barra Mansa.

P/1 - Senhor Leonel, retomando algo que ficou lá atrás, o senhor voltou para São Paulo, assumiu o setor, veio a assumir novamente o setor de vendas na empresa. E a partir daí o senhor já entra diretamente no cargo da direção da Votorantim?

R - Não, eu fui galgando vagarosamente as posições. A minha memória não está muito saliente para ajudar. Eu comecei trabalhando, depois devagarzinho num arquivo, depois fui para a frente. E fui tomando conta do setor comercial. No setor comercial, eu desenvolvi bastante representantes. E esses representantes mantinham um contato comigo, para ter notícias, saber o que fazer, o que não fazer. E a mim cabia a função de dar créditos também a esses clientes. Evidentemente, um crédito era dado pelo conhecimento que você tinha junto ao cliente, para evitar que amanhã o cliente viesse a falir, e a companhia perdesse o dinheiro. Então, o meu contato de vendas sempre foi um contato pessoal. Me apresentava, fazia promoção de venda, e com isso foram inúmeras firmas que eu visitei.

P/2 - O senhor se lembra quais foram os piores momentos e os melhores momentos da comercialização desses produtos?

R - Os piores momentos, indiscutivelmente, foram com a entrada pesada do Grupo (Cardal?). Que ele entrou com uma propaganda muito grande, embora os produtos se assemelhassem, mas ele tinha uma força publicitária muito grande. E nós éramos concorrentes. Mas sempre cabia mais um. Como eles eram produtores em alta escala, nós éramos menores, sempre encaixávamos uma parte da nossa produção junto aos clientes.

P/2 - Não chegou a prejudicar o andamento dos negócios?

R - Prejudicar sempre prejudica, porque é um volume maior, propaganda maior, tudo maior. Mas, mesmo assim, nós sempre conseguimos um lugar ao sol, sempre, sempre, sempre.

P/2 - Diante dessa concorrência, qual foi a resposta do Grupo Votorantim, nesse momento em que entra um grande concorrente?

R - Foi se manter na posição dele, e procurar, com os recursos próprios, promover as vendas junto aos clientes.

P/2 - Houve novos investimentos?

R - Os investimentos foram todos crescendo. Passou para aciaria, os investimentos cresceram bastante, da Votorantim cresceram bastante. Do Grupo Votorantim, que era Barra Mansa, no caso.

P/1 - Senhor Leonel, o senhor falou, em vários momentos da entrevista, sobre a questão da Beneficência Portuguesa.

R - Perfeitamente.

P/1 - Como o senhor entrou para a Beneficência Portuguesa? Como foi o seu relacionamento com essa instituição?

R - O contato que eu tinha com o meu patrão, doutor Antônio Ermírio de Moraes, e depois... a memória está um pouco falha... ele me convidou para fazer parte da Beneficência Portuguesa, surpreendentemente como diretor, aonde eu estou até hoje.

P/1 - Como é o cotidiano do senhor em relação à Beneficência Portuguesa? O que o senhor faz na Beneficência Portuguesa?

R - Na Beneficência Portuguesa eu, primeiramente, assino todos os pedidos de compras, todos. Todos os dias vem uma pasta para a minha casa, eu examino, confiro, assino e devolvo. Eu praticamente sou o homem responsável por todas as compras. E assino em nome da diretoria todos os pedidos que passam por mim.

P/1 - Senhor Leonel, o senhor é a primeira pessoa que nós entrevistamos, nesse projeto, que está ligado à Beneficência Portuguesa. Para mim é uma grande satisfação, porque esse hospital tem uma história incrível em São Paulo. O senhor conhece alguma... A Beneficência, ela é só mantida pelo Grupo Votorantim, ou existem outras empresas que participam?

R - Não, é só Votorantim. Ela não é mantida não, ela até é autônoma. É autônoma.

P/1 - Então como funciona isso? Me explique.

R - A Beneficência Portuguesa?

P/1 - Isso.

R - Ela funciona em três fases distintas. SUS,

para os chamados menos favorecidos, que são agraciados com tratamento gratuito. Depois são aqueles que podem pagar, e também tem sócios, que agora foi cortado o sócio, que é o suficiente para ela se manter.

P/1 - O senhor entrou quando na Beneficência Portuguesa, o senhor se lembra?

R - Quando eu entrei?

P/1 - Isso, que o senhor começou a fazer o trabalho.

R - _________

P/1 - E grande parte dos recursos da Beneficência, eles vêem de onde?

R - Vêem da atividade que ela desenvolve, primeiro de sócios, que agora foi cortado. Porque hoje um título de sócio tem um valor muito grande, que não compensa a pessoa se associar.

P/2 - Os planos de saúde, os convênios?

R - E os convênios também. Tem convênios, selecionados, que conseguem mantê-la.

P/2 - O senhor, então, está lá há 19 anos.

R - Exatamente.

P/2 - E a família Ermírio de Moraes, o que eles fazem lá? Como funciona?

R - O doutor Antônio Ermírio de Moraes é o homem que dá... é um dos homens que eu tenho mais orgulho como brasileiro.

P/2 - O que ele faz lá, na Beneficência?

R - É presidente.

P/2 - Ele vai todo dia lá?

R - Todas as segundas-feiras, religiosamente, nós temos reunião da diretoria, que ele preside, dá as determinações...

P/2 - O senhor também vai?

R - Perfeitamente. Eu também fui agraciado.

P/2 - São muitos diretores?

R - O número de diretores eu não me lembro. São 26?

P/1 - Senhor Leonel, em seu trabalho na Beneficência Portuguesa, o senhor lembra de alguma história que tenha lhe chamado a atenção, nesse seu trabalho ligado à Beneficência?

R - Ligado à Beneficência só tem uma palavra que eu posso dizer: orgulho. Mas um orgulho sem dimensões. Porque a gente, trabalhar na Beneficência Portuguesa de São Paulo, prestando colaboração a tanta gente, é motivo de orgulho, muito orgulho.

Meu Pai, muitas vezes agradeço a Ele, que favorece a tantas pessoas necessitadas, graças ao doutor Antônio. É uma pessoa que eu admiro demais, me enche os olhos de lágrima.

P/1 - O senhor fala muito bem do doutor Antônio.

R - Mas falo bastante e vou falar sempre.

P/1 - Tem uma coisa que a gente não perguntou ainda para o senhor. Como foi o primeiro contato com o doutor Antônio, o senhor se lembra? A primeira vez que o senhor conversou diretamente com ele?

R - A primeira vez que eu conversei com ele foi na Siderúrgica Barra Mansa. Que ele, quando visitava a Siderúrgica em Barra Mansa, estado do Rio, todos nós tremíamos as pernas. Porque ele era um homem super enérgico e exigente, como ele é até hoje, felizmente. É orgulho de brasileiro, repito. Então, me lembro muito bem disso. Então, quando ele ia para Barra Mansa, todos nós ficávamos trêmulos lá. Por causa da sisudez dele, a maneira dele se dirigir às pessoas, educadamente, mas exigir. Então, lembranças maravilhosas. É um homem extraordinário que entrou na minha vida.

P/1 - Senhor Leonel, quando o senhor percebeu que o doutor Antônio estava deixando de ser o patrão do senhor para se tornar também um grande amigo? Houve algum evento, alguma coisa?

R - Não, o evento que teve foi ser convidado a ser diretor da Beneficência Portuguesa. Que, para mim, eu não posso falar muito, porque eu fico emocionado. Hoje, ser diretor da Beneficência Portuguesa, é uma das coisas mais maravilhosas que pode existir na vida de um homem. Que presta colaboração aos menos favorecidos, eu repito, sócios e aqueles que possuem dinheiro. Então, isso aí é uma coisa grandiosa. É um homem extraordinário. Ai, que Brasil porque não arruma mais Antônio Ermírio de Moraes? Por que? Um homem como ele vai ser muito difícil, e uma família maravilhosa que ele tem. Muito maravilhosa.

P/1 - O senhor tinha amizade com os outros membros da família? Por exemplo, o doutor José Ermírio Filho?

R - Eu comecei a minha fase de contato com a família Ermírio de Moraes com o doutor José Ermírio de Moraes pai. Posteriormente, veio o José Ermírio de Moraes Filho. E, infelizmente, perdemos os dois. Depois, de laços com a família Ermírio de Moraes, veio o Ermírio de Moraes, que é o filho mais novo. E agora, na Votorantim, eu tive o prazer muito grande de ter contato com o Mário Ermírio de Moraes, pessoa extraordinária, com todas as características do pai, toda a simplicidade do pai, com tudo de bom que um pai pode transmitir para um filho. Então, é um homem extraordinário.

P/2 - Ele tem irmãos?

R - Tem o Ermírio de Moraes e a Dona Maria Helena.

P/2 - Voltando à diretoria da Beneficência, esses diretores que lá comparecem, eles são oriundos de onde? Eles são das empresas do Grupo?

R - Nem todos são. São oriundos da confiança do doutor Antônio.

P/2 - Não necessariamente eles fazem...

R - Não, não fazem parte não. Eu acho que são poucos os que fazem parte do Grupo da Votorantim. São pessoas selecionadas por ele...

P/2 - E são aposentados?

R - Eu acho, eu tenho a impressão que... É tudo de graça, ninguém recebe...

P/2 - Agora, só me refrescando a memória, quem foi que construiu e fez a Beneficência Portuguesa?

R - Quem construiu?

P/2 - É, quem implantou esse trabalho da Beneficência?

R - Tudo que é a Beneficência?

P/2 - Como começou a Beneficência Portuguesa? A gente imagina que é a colônia portuguesa.

R - Foi a colônia portuguesa que começou.

P/2 - Foi o pai dele que assumiu no começo, a parte administrativa?

R - É, o doutor... Porque a escala da família Moraes é Comendador Pereira Ignácio, depois do Comendador Pereira Ignácio veio o José Ermírio de Moraes, que era o pai. Depois veio o José Ermírio de Moraes, que era o filho, lamentavelmente perdemos todos eles. Depois veio o doutor Antônio Ermírio de Moraes, veio o Mário Ermírio de Moraes, que é filho do doutor Antônio...

P/2 - Quem foi o primeiro que foi para lá, da família?

R - Foi o senador Ermírio de Moraes.

P/2 - Que começou a trabalhar lá?

R - Exatamente.

P/2 - E aí veio vindo a família?

R - Exatamente.

P/1 - Senhor Leonel, nesses 55 anos de trabalho no Grupo Votorantim, além de toda a amizade que o senhor desenvolveu com o doutor Antônio Ermírio de Moraes, como são formadas as relações de amizade dentro desse Grupo? O que ficou para o senhor?

R - O que ficou para mim foi ser um homem de confiança. Consequentemente, sendo um homem de confiança, eu fui galgado à posição de diretor. E continuo da mesma maneira lá. E tenho uma estima extraordinária por ele. Grande homem. Ai, Brasil, por que não tem outros Antônio Ermírio de Moraes? Por que?

P/1 - Além do senhor Antônio, tem alguém que começou junto com o senhor que ainda permanece no Grupo Votorantim, algum amigo que o senhor se lembre?

R - Acho que restam bem poucos. São 55 anos de Grupo. Eu estou com 79 anos. É uma existência. 55 anos só em uma organização, que me dá muito orgulho, que foi a Votorantim. Me dá demais orgulho. 55 anos, meu Pai! É muitos anos, para um homem de 79.

P/1 - Bom, são cinco décadas de trabalho constante no Grupo. O Grupo mudou muito as suas características originais? Quando o senhor entrou até hoje, o Grupo Votorantim, ele mudou a forma de tratamento de seus funcionários? Ou permanece a mesma coisa?

R - A mesma coisa, modestamente, não mudou nada. Que a família Ermírio de Moraes, unida ao doutor Clóvis,

sempre foram pessoas extremamente humildes no tratamento, na maneira de se portar, em todos os campos de atividade, eles foram extraordinários. Foram e são extraordinários, modestos completamente.

P/2 - Eu perguntaria para o senhor: essas características da família, de personalidade, de ética etc., esses valores são notados nas empresas, nos funcionários? São reproduzidos, espelhando-se a chefia, que é familiar, o senhor nota que as empresas, os funcionários, eles têm uma postura parecida com a da família? Quer dizer, a família marcou as empresas com este perfil?

R - É muito simples responder à sua pergunta. Porque quem não corresponde, não trabalha. Então, há uma energia muito grande por parte deles. Ou trabalha, desenvolve as atividades que lhe são atribuídas, ou então deixa de fazer parte da Votorantim. Isso é marcante, porque chama-se responsabilidades individuais. Que são

dadas às pessoas, e as pessoas têm que assumi-las.

P/2 - E, falando em responsabilidade, como é a Votorantim no setor que trata a responsabilidade social, a parte de relacionamentos humanos?

R - Extraordinária.

P/2 - O que fazem? Em que se explicita isso? Como se percebe, quais são as ações sociais, tanto para a comunidade interna dos funcionários como a externa? Hoje em dia, as fábricas se preocupam muito com a comunidade onde estão inseridas, não só com os seus funcionários externos. O senhor notou isso em algum momento nas empresas do Grupo?

R - Se tem...? Desculpa, eu não entendi a sua pergunta.

P/2 - A minha pergunta é: como é que a empresa como um todo trata da sua responsabilidade social? Quer dizer, com os seus funcionários e com as comunidades onde ela está. Por exemplo, Barra Mansa. A Votorantim fez alguma ação para melhorar a comunidade de Barra Mansa?

R - Muito simples. Pelo crescimento que Barra Mansa teve. Proporcionou empregos, muitos empregos. A Siderúrgica Barra Mansa, em Barra Mansa, cresceu extraordinariamente, e proporcionou isso que eu estou lhe dizendo: empregos. Lá eles têm uma escola que é da própria siderúrgica, tem um clube recreativo, da própria Votorantim, para os funcionários dela.

P/1 - O senhor falou sobre toda essa questão da responsabilidade social de Barra Mansa. Uma coisa que eu queria perguntar para o senhor é em relação a filhos, os filhos do senhor. Algum seguiu a sua carreira, dentro da Votorantim?

R - Não, nenhum deles, cada um caminhou... O meu filho... Eu tive oito anos de viuvez, depois casei-me de novo, que eu já repeti. E, logicamente, o meu filho com a Esmeralda formou-se advogado. E as minhas filhas com a minha falecida esposa, elas são professoras, e têm outras atividades que não estão nada ligadas ao ramo que eu estou.

P/1 - O senhor teve um filho com a dona Esmeralda?

R - O Marcelo, que é advogado.

P/1 - Senhor Leonel, eu gostaria de perguntar qual é a avaliação que o senhor faria desses 55 anos de trabalho dentro do Grupo Votorantim.

R - A minha avaliação é de orgulho. É o maior orgulho da minha vida ter um emprego só 55 anos. É uma existência. E trabalhar com um homem como é o Antônio Ermírio de Moraes é outra alegria que eu tive na vida e estou tendo ainda. É esta a minha alegria. São 55 anos de labuta, feliz.

P/1 - Nesses 55 anos, provavelmente o senhor passou por crises dentro do Grupo Votorantim. Houve alguma crise que o senhor ficou com medo de ter que sair do Grupo?

R - Não, tive. É uma pergunta inteligente. Porque aconteceu que a Siderúrgica Barra Mansa, aqui em São Paulo terminou. Fechou o escritório ficando só um colega meu, o Bruno Rossi. E não houve alternativa. Ou vai para Barra Mansa, ou fora, rua. Eu não tive outra alternativa, fui para Barra Mansa, com coragem. E lá desenvolvi o resto da minha vida, como homem de venda.

P/1 - Pelo que o senhor narra, pelo que eu percebo, o senhor é um homem extremamente corajoso e um homem que parece que nunca teve medo de enfrentar, sair de São Paulo, ir para Barra Mansa, trabalhar num setor absolutamente concorrido, que é vendas. De onde vem essa força do senhor?

R - Eu vou dizer que é a necessidade de viver. Então, consequentemente... primeiramente, eu fui com uma satisfação extrema e orgulhosa de poder continuar a servir o Grupo. Porque eu vivia do meu salário. Eu não podia perder a oportunidade de aceitar uma condição de ir para Barra Mansa ou onde quer que seja. Porque a minha vida sempre foi de viagem, eu viajei o Brasil inteiro vendendo, vendendo, vendendo. O Brasil inteiro. Eu mais andava de avião do que a pé. Estava sempre viajando. Que isso é uma coisa muito agradável. Formou-se muitos amigos, engrandeceu muito a Siderúrgica Barra Mansa, fez ela conhecida em todo o Brasil. E criou uma série de clientes que ela não tinha, criou-se representantes, enfim, vendedores. É uma coisa que me deu muito orgulho.

P/1 - E nessas viagens que o senhor fez, fazendo vendas, teve algum lugar que o senhor foi, que o senhor tenha achado bonito, ou também, não só em termos de espaço, mas fatos. Aconteceu algum fato nessas viagens que o senhor se recorde, que tenha sido engraçado?

R - Eu vou dizer que não, porque eu sou um homem muito... eu já falei e vou repetir, eu sou um homem muito falante. Então, freqüentemente, eu viajava o Brasil inteiro. E para formar amizade não me era difícil, não só pelo meu sistema de educação, mas como também a apresentação do produto que nós dispúnhamos para oferecer. Então, para mim, eu achei muito fácil, muito fácil vender.

P/2 - A equipe era grande? (pausa)

P/1 - Senhor Leonel, agora eu quero fazer uma pergunta que vai no sentido de avaliação. O senhor, ao longo de toda a nossa entrevista, foi falando bastante do doutor Antônio, da importância do Grupo Votorantim na sua vida, e agora eu vou fazer uma pergunta, que é: qual a importância do Grupo Votorantim na vida do senhor? E aí o senhor pode ficar à vontade para falar.

R - É a minha vida. 55 anos de Grupo Votorantim é uma existência, é a minha vida. É a coisa mais admirável que aconteceu para mim, mais admirável. 55 anos de trabalho num Grupo só. Isso aí me enche de orgulho, de muito orgulho, mormente trabalhando com um homem como o doutor Antônio Ermírio de Moraes. Bastante, muito, muito. Eu fico muito feliz nisso, graças ao meu Pai, muito obrigado, é uma felicidade que o senhor me deu, de me encontrar na vida junto a uma família maravilhosa, como é a família Ermírio de Moraes. Muito obrigado, meu Pai.

P/1 - A própria forma como o senhor conheceu a dona Esmeralda é uma forma bastante bonita.

R - Acredito que seja uma das coisas, depois de oito anos de viúvo, eu tropecei numa pedra, que eu estou falando. Aí eu fui pegar a pedra, levei para um ourives, era a Esmeralda. Então era ela mesmo. Secretária do doutor Antônio Ermírio de Moraes. Há 32 anos nós estamos casados, 32 anos de felicidade, que Deus foi tão bondoso comigo de ter me dado ela.

P/1 - Além desse fato, que é muito bonito, o senhor se lembra de alguma coisa que tenha lhe acontecido no Grupo, alguma história que o senhor gostaria de relatar para a gente? Uma história alegre, uma dificuldade que o senhor teve...

R - Não, dificuldade não tive nenhuma, sinceramente não tive. Porque as missões que eles me deram, eu acredito tê-las cumprido. Porque senão não estaria lá. Como são enérgicos, não estaria junto a eles. Não tive nada, nada. Foi uma passagem de anos completamente normais, que só me deu alegria.

P/1 - Como eram as festas que o Grupo Votorantim promovia? Muitos funcionários e muitas pessoas que vieram dar seu depoimento para a gente, eles falaram de almoços que o Grupo Votorantim organizava, jantares de final de ano, jantares de final de mês. Como era isso? O que o senhor se lembra desses eventos?

R - Eu praticamente não me recordo muita coisa disso, não.

P/1 - Certo. Senhor Leonel, 55 anos de trabalho. Qual o seu maior sonho hoje?

R - Hoje? Eles são divididos por dois: um para eu ter a minha esposa até o fim da minha existência, e outro é de poder continuar colaborando com esse grande brasileiro, que é o doutor Antônio Ermírio de Moraes, principalmente na Beneficência Portuguesa, que eu galguei a posição de diretor. Então, são duas coisas maravilhosas que Deus me deu. Maravilhosas mesmo. Que eu posso partir tranquilo, acreditando ser missão cumprida, meu Pai, missão cumprida.

P/1 - E ainda dentro dessa avaliação, eu gostaria de saber. O Grupo Votorantim tem uma série de compromissos para com os seus funcionários. E ao longo da entrevista a gente foi percebendo como isso foi aparecendo na vida do senhor. O senhor acha que um jovem hoje, em 2003, teria as mesmas oportunidades dentro do Grupo Votorantim que o senhor teve, de crescimento?

R - A minha impressão pessoal é que sim, porque a Votorantim é uma casa de trabalho. Aqueles que trabalham e cumprem as suas obrigações, vão galgando a postos melhores, até chegar num posto de diretor, ou coisa semelhante. É uma oportunidade que é dada a todos que militam dentro do Grupo Votorantim.

P/1 - Como o senhor avalia a importância do Grupo Votorantim para a economia do país?

R - Extraordinária. Se tivéssemos no Brasil diversos Grupos Votorantim, o Brasil seria muito diferente do que é. Seria de homens maravilhosos, que fariam com que ele, Brasil, crescesse cada vez mais. Que é uma fonte de exemplo para todos. Todos aqueles que trabalham deveriam se mirar no Grupo Votorantim, na família Ermírio de Moraes. Eles são um exemplo de homens de trabalho e de fibra. E encontram tempo suficiente para se dedicar a obras beneméritas. Então é uma família extraordinária. É isso que eu podia dizer. Mas do que isso, eu não tenho adjetivos para classificá-los.

P/1 - Tem um fato histórico que é bastante interessante. Na década de 1980, o doutor Antônio Ermírio se candidatou ao governo do Estado de São Paulo. O senhor se lembra desse período?

R - Lembro perfeitamente, e lembro de ter feito campanha também, subido em palanque, para fazer uma propaganda dele. E, lamentavelmente para nós, brasileiros, e para ele foi uma tranqüilidade dele não se eleger, que aí teve os Orestes Quércia da vida, então ele não se elegeu.

P/1 - Como era o clima da Votorantim nesse momento, do Grupo Votorantim, das empresas do Grupo Votorantim?

R - Em relação...?

P/1 - Em relação à candidatura do doutor Antônio. Havia uma euforia, as pessoas comentavam bastante?

R - Não, eu acredito que foi uma decisão que ele tomou. E uma decisão que, dentro dele, foi respeitada por todos. Nenhum foi contrário. Entristecidos por não ser eleito, mas não foi contrário.

P/2 - Houve grande mobilização dentro das empresas para a eleição dele?

R - Não, ele nunca se manifestou.

P/2 - Os funcionários se mobilizaram para fazer a campanha dele?

R - Eu vou dizer que em termos. Que é lamentável que um homem desse quilate devia ter todo o Grupo subindo em palanque e falando dessa personalidade maravilhosa que é o doutor Antônio Ermírio de Moraes. Se ele fosse governador, nós teríamos um São Paulo bastante bom.

P/1 - Senhor Leonel, o que o senhor acha desse projeto de 85 anos do Grupo Votorantim estar chamando os seus funcionários e chamando algumas pessoas para contar um pouco a sua vida? o que o senhor acha dessa recuperação da memória do Grupo?

R - Eu acho muito importante, porque um depoimento de uma pessoa inteligente e decente, só pode acontecer o que? Falar bem do Grupo. Só pode acontecer isso, falar cada vez mais bem do Grupo. Que é um Grupo extraordinário, que proporciona tantos empregos, tendo na direção um homem como é ele.

P/1 - Eu tenho uma curiosidade, e isso vai reportar lá no início da nossa entrevista, ou praticamente no meio. O senhor chegou a ter relacionamento com outras áreas de trabalho, com outras empresas do Grupo Votorantim? Ou o senhor sempre ficou ligado à área de siderúrgica?

R - Eu, inicialmente, eu trabalhei, como já expliquei a vocês, no arquivo. Depois fui promovido para um setor de sabão e óleo, que era vendas também, com o seu Álvaro de Menezes. E depois, daí fui para o setor de cimento, que era do seu Antônio Barreto Póvoa. E, como cimento estava ligado a aço, eu acabei indo para Barra Mansa, onde eu fiz a minha vida, como homem de venda de aço.

P/1 - Então, de alguma forma, o senhor conhece bastante, vamos dizer, esse parque industrial do Grupo Votorantim?

R - Esses que eu militei conheço bastante. Deu trabalhos bastante grandes, devido à concorrência. Isso deu orgulho também.

P/2 - O setor de sabão ainda existe?

R - O sabão e óleo? Não existe mais.

P/1 - Era ligado a qual empresa, o senhor se lembra?

R - Não, mas isso aí foi uma coisa muito pequena, não teve muita influência direta no Grupo.

P/1 - O senhor tocou num negócio que eu acho muito legal, que é essa área de cimento. O Grupo Votorantim hoje é um Grupo muito conhecido por causa do seu cimento. Nesse momento que o senhor trabalhou nessa área, havia concorrência? Como era fazer vendas na área de cimento?

R - O cimento era facilitado pelas vendas que nós fazíamos de aço. Então, o cimento era introduzido por esse intermédio. Mas o cimento da Votorantim sempre primou por uma extensão muito grande no Brasil, pela boa qualidade que ele teve.

P/1 - Havia concorrentes à altura?

R - Havia. Do cimento era Itaú, se não me falha a memória.

P/1 - Que futuramente veio compor o Grupo Votorantim.

R - Exatamente.

P/1 - Como o senhor via, por exemplo, logo que o senhor deixou essa área de cimento, o senhor vai para a área de siderurgia, vai trabalhar com venda de metais. O senhor acompanhou as incorporações que o Grupo foi fazendo, nesses 55 anos? Teve alguma que tenha chamado a atenção do senhor?

R - Não, eu praticamente, quando ia para um local que me era determinado, eu ficava afeito a esse local, e não ficava muito, como eu vou dizer, preocupado com... Eu me dedicava naquilo que me era mandado fazer. Então, era isso que eu fazia.

P/1 - O Grupo Votorantim, eu não sei se atualmente faz mais isso, mas eu vi que várias pessoas recebem broches, medalhas. O senhor se lembra qual foi a sua emoção quando o senhor recebeu o primeiro broche ou a primeira medalha?

R - É muito grande. Quem não ficaria? Com o galgar dos anos, cada período de anos que nós trabalhávamos lá, nós recebíamos uma medalha, dos anos de trabalho. Então, isso aí é uma coisa maravilhosa, nos deixava muito orgulhosos.

P/1 - O senhor fala com muito orgulho da Beneficência. Então, o senhor acredita que fazer parte da diretoria da Beneficência foi uma espécie de coroamento por esses anos de trabalho junto ao Grupo Votorantim?

R - Não, eu não acredito que tenha tido essa ligação. O doutor Antônio é um homem que olha para muitos valores...

P/1 - Quando eu digo coroamento, eu digo no sentido da pessoa trazer determinados valores que podem ser, vamos dizer, aplicados nessa área. Porque eu imagino que estar na direção de uma instituição como a Beneficência Portuguesa, ao mesmo tempo que é uma honra, é algo muito delicado.

R - Sim, mormente no campo de atividade que eu tinha e tenho, que é compras. Então, consequentemente, é uma responsabilidade muito grande. Porque eu assino todos os pedidos de compra, como diretor. Consequentemente, eu, para assinar um pedido de compra como diretor, eu tenho que ter anexo as razões que me fazem assinar como diretor um pedido de compra.

P/1 - O senhor deve ter muito trabalho na Beneficência, tendo que ler todo esse...

R - Na Beneficência eu recebo todos os dias uma pasta de pedidos. Todos os dias. Exceção, evidentemente, a sábado e domingo. Mas essas pastas de pedido sempre vêm acompanhadas de uma documentação que me dá a liberdade, como diretor da Beneficência Portuguesa, de assiná-lo. Então, para mim, ser diretor da Beneficência Portuguesa é uma das glórias dos meus 79 anos de vida e 55 anos na Votorantim.

P/1 - Aos 79 anos de vida, o senhor nunca pensou em parar? Parar no sentido de se aposentar mesmo, de fazer outra coisa?

R - Não, porque a minha vida sempre foi a Votorantim e a Beneficência Portuguesa. Eu nunca pensei, isso está longe de ter no meu pensamento, de parar de ter atividade, jamais. Eu gostaria de ter a mesma atividade e essa disposição que eu tenho até o fim da minha existência. Porque só me causa orgulho, não só para mim, para o meu filho, as minhas filhas, para todos os meus familiares. E deve ser motivo também de orgulho para a minha querida esposa. Então isso é uma felicidade que a gente não pode transmitir com palavras, e sim de sentimentos que a gente tem.

P/2 - Só um esclarecimento: o senhor assina compras de que setor? São que compras, na Beneficência?

R - Todas as compras.

P/2 - Incluindo remédio?

R - Não, remédio é à parte. Porque nós dividimos almoxarifado, farmácia... A minha parte é sempre almoxarifado, compra de produtos para o almoxarifado. Então, eu sou responsável por isso. E para ter essa responsabilidade eu devo ter anexo sempre algo que me permite assinar.

P/2 - E depois quais os outros setores? Almoxarifado, quais os outros setores de vendas?

R - É só farmácia. Almoxarifado e farmácia.

P/2 - Alimentação?

R - Alimentação é tudo comigo. Toda a parte alimentar que requer pedido é passada para mim. Eu estou falando dessa maneira, para mim, dá a impressão que eu estou sendo vaidoso. É que é incumbência isso, não é vaidade. Eu quero deixar bem claro esse pormenor. São incumbências que me foram dadas e que eu desenvolvo um conhecimento com uma felicidade muito grande. Isso só me dá alegria. Porque a gente fica feliz quando é incumbido de fazer alguma coisa importante na vida.

P/1 - Eu estou emocionado com o senhor. Bom, primeiro, infelizmente, a nossa entrevista está chegando ao fim, e eu gostaria de fazer uma pergunta para o senhor: houve alguma coisa que o senhor queria ter falado e a gente não perguntou?

R - Eu acredito que não, porque eu fiz uma exposição total da minha vida de 55 anos, total. O que foi a minha vida de 55 anos? Eu vou agora dar uma puxada. A felicidade de ter a minha esposa, e depois a felicidade de trabalhar num Grupo como a Votorantim. Isso me enche de orgulho, e da Siderúrgica Barra Mansa também. Isso me dá muito orgulho, e deve dar ao meu filho também, às minha filhas, e todos os meus entes queridos. Me deixa muito feliz.

P/1 - Eu pediria que o senhor deixasse uma mensagem para o Grupo Votorantim, em nome das empresas, em nome da grande amizade que o senhor tem pelo doutor Antônio, uma mensagem para o Grupo Votorantim. O senhor poderia?

R - Posso, com muito prazer e facilidade imensa. Que ele continue crescendo como está, e continue formando homens de caráter como ele forma. Isso, no Brasil, é sumamente importante.

P/1 - E o que o senhor achou de ter dado esse depoimento aqui para a gente?

R - Maravilhoso, só me deu orgulho. Eu me sinto muito orgulhoso de estar frente a você e vocês me permitirem externar um pouco do meu passado. Eu sou muito falante, ficaria horas e horas falando. Mas fico muito feliz. Vocês me deram uma alegria muito grande nesse depoimento, mormente me fazendo recordar a família Ermírio de Moraes, que eu comecei desde o início até agora com o doutor Antônio, com os filhos dele. Só me trouxe alegria, pensamentos sadios e agradáveis. É um Grupo maravilhoso. E trabalhar na Siderúrgica Barra Mansa, trabalhar na Beneficência Portuguesa, deixa qualquer pessoa orgulhosa. Você está prestando serviço a quem precisa, aos menos favorecidos. Isso é maravilhoso, você ser útil à comunidade. É maravilhoso. É grandioso.

P/2 - Eu queria agradecer a entrevista e a simpatia.

R - Primeiramente, a simpatia é graciosa. A entrevista eu fiz com o maior prazer e com o maior orgulho que eu poderia ter. Uma entrevista que me deixa ressaltar o nome de pessoas que eu sempre quis bem, desde o início da Votorantim até a data de hoje. Só me deu alegria, muita alegria. Vocês me fizeram um homem feliz.

P/2 - Muito obrigada pela entrevista.

P/1 - Senhor Leonel, eu queria te agradecer, primeiramente, em nome do Grupo Votorantim, pela disposição do senhor vir até nós, quero agradecer à dona Esmeralda, por ter sido tão receptiva às nossas ligações, agradecer em nome do Museu da Pessoa, pela sua gentileza de estar vindo aqui nesse projeto...

R - Mas isso aí não é gentileza, filho. Eu estou falando coisas que... a minha vida traduz isso. São coisas de verdade, valores reais. Então eu não considero gentileza, eu considero orgulho. Para mim é orgulho, muito grande, que vocês me deram, me deram oportunidade de ressaltar tantas coisas bonitas, e o passado que eu tive. E só me trouxe felicidade. Muita felicidade.

P/1 - Nós que ficamos orgulhosos pelo seu depoimento. Muito obrigado.

R - Nada. Muito obrigado a vocês também.