Museu da Pessoa

Só saio do Santa Rita de pé junto

autoria: Museu da Pessoa personagem: Silvia Alves Santos

Projeto Memórias das comunidades de Paracatu
Entrevista de Silvia Alves dos Santos


Entrevistada por Nataniel Torres
Paracatu, 13 de setembro de 2022
Entrevista número PCSH HV 1305
Realização Museu da Pessoa
Transcrita por Monica Alves
Revisado por Nataniel Torres

P/1 - Primeira coisa que eu vou perguntar para a senhora é: qual o seu nome completo?

R - Silvia Alves Santos



P/1 - Qual a sua data de nascimento?

R - 18 de julho de 1943.



















P/1 - E onde a senhora nasceu?



R - No Santa Rita.





























P/1 - Aqui em Paracatu mesmo?

R - Em Paracatu. Lá em Paracatu, é Paracatu, porque como dizem, em Santa Rita todo mundo sabe e entende onde é Santa Rita, porque lá o cruzeiro, tem a festa no cruzeiro tem a festa no cruzeiro, da Santa Cruz, mas era padroeira que tinha na comunidade, no lugar era Santa Rita. Então ficou por nome de Santa Rita, nunca acabou, e isso já tem muitos anos né, eu já falo assim.

P/1 - E te contaram como foi o seu dia de seu nascimento, dona Silvia? Falaram como é que foi?

R - Ah, foi bom, sabe. Não vou falar que foi assim, minha mãe assim, que era assim… antigamente o pessoal não contava para a gente as coisas que aconteciam, nós tínhamos que ficar mais reservados, não podia saber de nada, né. Era uma coisa assim mais encoberta, né, você sabe, antigamente os criadores não contavam pra gente as coisas, se a gente quisesse aprender a gente tinha que ver com os olhos e ouvidos, prestando atenção. Porque não contavam, não.







































P/1 - E falaram pra senhora por que te deram o nome de Silvia?





R - Não! Não falaram. Mas realmente quem me batizou, o padre, achou meu nome muito, assim, especial, um nome assim, bem né, muito bonito, era o que minha madrinha me contava, falava era assim, né, de certo, praticamente a minha mãe contou pra ela, já que eram irmãs, então às vezes, isso é só o que eu estou sabendo.

P/1 - E como era a infância lá na comunidade, dona Sílvia, conta pra mim? O que você fazia lá?

R - Ah, a gente brincava. A gente brincava e não tinha malícia, você podia brincar com homem, meninos, mocinha e rapazinhos, né. Podia brincar junto porque ninguém tinha malícia de ninguém, nem sabia, ‘’ah, não vou brincar, não, que pode acontecer isso ou aquilo, e isso é muito feio e muito cafona, menina mulher ficar brincando com coisa, com menino homem, isso não existe, não’’.

P/1 - Mas vocês brincavam do que naquela época?

R - Ah, brincava de pique-esconde, brincava de rodinha, de roda de flor, tudo que existia de criança. Que hoje os meninos não gostam, é só celular, e a gente nem pensava que fosse existir celular, né. Então a gente não tinha tempo. Então a gente ia pra escola, e chegava, a gameira da vasilha tá lá pra gente lavar. E ia lavar as vasilhas todas, nem existia bombril, era simbaíba do campo, uma folha cascuda que tinha pra gente arear os bancos.

P/1 - Ah, mas vocês usavam essa folha para arear?

R -.É! Para lavar as vasilhas, arear os bancos, arear tamborete, arear as coisas assim. Para varrer o terreiro, a gente cortava umas folhas de ramo no mato, e varria esse terrenão todinho, igual aqui era varrido, e era de bunda pra cima. Você desculpa o escândalo. Era de polpa pra cima, para a gente dar conta, e ai de quem não quisesse, e ai de quem reclamasse: “Ai, eu não vou fazer isso’’. Se chegasse uma visita, a gente não podia chegar nem na porta, pra escutar a conversa dos outros. Só passavam uma olhada pra você, e já sabia o que significava aquilo. Então a gente não “abeirava”. É igual eu estou falando pra você, são pessoas que não passavam as coisas para nós. A gente dissimulava na cabeça, tinha que seguir aquela origem, aquelas coisas que eles eram dos antepassados, era assim, então tinha que seguir assim.

P/1 – E aí, quando a senhora era pequena, nessa época da casa que está contando, como tinha que fazer para estudar? Porque a senhora falou de limpar o terreno, e para estudar como que fazia?

R – A gente ia de manhã, manhã cedo, porque a escola da gente toda vida foi cedo. A gente saía meu filho, toda molhadinha de aruvá, só Deus sabia cada tropeção, que chegava lá sem dedo, sem tudo, íamos cedo. A hora que a gente voltava a obrigação estava pra fazer, no final de semana a gente ia dar a faxina, mas de vassoura de rama, de folha de simbaíba, pra dar um ‘’grau’’ nos assentos. Porque realmente não tinha sofá antigamente, eram os banquinhos de pau, tinha os tamboretes que até hoje ainda usa, mas era tudo limpinho. Ninguém falava assim: “Ah, não vou comer na casa de fulano porque lá é ‘assim e assim’’’. Graças a deus não, nunca ninguém deixou de comer na nossa casa, porque se tivesse uma coisa que fizesse vergonha ou então porqueira.

P/1– Nós tínhamos comentado, mas agora pra ficar gravado vamos falar de novo, que escola vocês iam nessa época? Como era a escola, onde era?

R - Era lá na Lagoa de Santo Antônio.

P/1 – Como era essa escola?

R - Assim, de coisa bonita ou não?

P/1 – Não. Assim, como era a escola, por exemplo: a senhora contou que iam lá de manhã, pra escola. Aí chegava lá e tinha que fazer o que na escola? Como que era?

R – Às vezes ela passava trabalho pra gente, ensinava, era aquela cartilha que falava ‘’e pa pa po pa‘’, essa cartilha que usava. Então a gente aprendeu as letras salteadas, nessa cartilha, aí depois que foi modificando, os livros já com as linhas corretas, não eram separadas, eram corretas.

P/1– E lá na escola era a dona Maria Trindade que era professora?

R – Era Maria Trindade!

P/1 – A senhora conheceu ela?

R - Conheci perfeitamente.

P/1 – E como é que ela era?

R – Ah, ela era gorda, bem morena, bem fortona, bem do cabelo bem duro, e os filhos dela também eram assim, eram tudo gordona, e fortona, baixa, gorda.

P/1 – E ela era brava, ela era legal, como que ela era?

R – Nossa, e as palmatórias. As palmatórias tinham o cabo, tinha a rodela, colocava sua mão assim, ave Maria, se você falasse que a folha era feia.

P/1 – Mas a senhora já levou palmatória alguma vez?

R – Já, já ganhei a palmatória.

P/1 – Mas por que, o que aconteceu, dona Silvia?

R – Ah, porque a língua não parava na boca, às vezes falava uma coisa que não era pra falar, sabe, e aí éramos corrigidos. E isso foi uma coisa especial, porque a gente deve falar as coisas depois que alguém pergunta pra gente, ou então, a gente tem a necessidade de falar aquilo, entendeu, então eu aprendi. A história foi essa, e assim eu ensinei meus filhos.

P/1 – E como é que eram as outras crianças quando acontecia isso da palmatória?

R - Ah, todo mundo se brigasse, se relasse, a palmatória estava comendo. Ela era uma ótima professora, quem não aprendeu com ela… não precisava de outra escola pra aprender, não, porque ela era rígida pra gente, mas eu agradeço. Foi ruim as que não caiu, né, que ficou por cair. Mas todo mundo que foi na escola dessa senhora até hoje é um cidadão.

P/1 – E nessa época da escola tinha merenda? Tinha merenda lá na escola?

R – Não. Que merenda?!

P/1 – E, como é que é que vocês faziam, dona Silvia?

R – Que merenda?! Tomava um cafezinho com qualquer coisa em casa e ia. A hora que voltasse a gente vinha comendo fruta do mato, até chegar em casa.

P/1 – Aí, a senhora tinha me contado, como que fazia para ir à escola então? A senhora estava falando, e agora pra gente gravar, conta de novo, por favor, a senhora como que fazia para ir à escola?

R - Assim, como você quer que eu diga?

P/1 – É que a senhora tinha contado que ia a pé, como que fazia?

R – É, nós íamos a pé, meu filho. Saía dessa distância do morro grande, onde a gente morava. Depois que a gente mudou pro Santa Rita, mas era tudo a pé. Cortava ali por dentro do finado Marino preto, que o povo diz, que tem aquela casa bem no alto, indo daqui pra lá, ao lado esquerdo tem uma casa, e até quem mora lá é o filho dele, Daniel. A gente passava no meio do pasto dele, pra ficar mais perto pra gente, pra poder chegar na praia, atravessava a praia. E tinha dias que a gente chegava na praia e não podia passar, a praia estava cheia. A gente não podia passar na praia, esperava esvaziar, pra atravessar, e ir pra escola, porque não tinha ponte, não tinha nada.

P/1 – E a senhora estava me contando, tinha sapato nessa época, dona Silvia?

R - Ah, meu filho, um sapatinho assim, como diz? Tipo conga, que você já deve ter ouvido falar, né, conga. Aí a gente calçava. Chegava na praia, lavava o pé, calçava a conga e ia, entrava na escola. Quando a professora soltava a gente, né, a gente ia, tirava o sapatinho do lado de fora da escola, vinha com ele na mão. O embornal era com saco de açúcar, ou então fazia o embornal de alcinha, minha mãe fazia pra gente, hoje ainda usa, mas é diferente. Blusa, a minha mãe comprava o pano, ela fazia blusa branquinha pra gente, e aí, arranjava uma cuia bem fina, furava dois buraquinhos, e forrava o pedacinho de cuia com pano. Com o mesmo pano, pregava na blusa e a gente abotoava, e ia pra escola de boa.

P/1– Ela é um botão essa cuia?

R– Era um botão. Não tinha botão. Eu juro pra vocês que foi assim, minha vida foi assim. Mas agradeço tanto a minha mãe, que já tem mais de uns 30 anos que ela faleceu, mas eu agradeço a ela, por Deus primeiramente, porque ela fazia todo esforço para nós irmos à escola. Nós éramos os 12 irmãos, a minha primeira irmã morreu com sete anos, com apendicite, ela tinha sete anos, minha primeira irmã. Depois foi meu irmão, eu sou a terceira dos irmãos. Porque meu irmão mais velho… é igual eu estava te falando, ele morava em Brasília e morreu de parada cardíaca. Aí, meu terceiro também morreu de parada cardíaca. Então, eu tenho um que mora em Brasília, um irmão, e duas irmãs que moram em Brasília, e eu moro aqui, e minha outra irmã mora na cunha, nós somos quatro mulheres e dois homens.

P/1 - Então vamos falar da mãe, a senhora começou a falar da mãe. É, nessa época da infância, o que ela ficava fazendo na casa? Como é que era?

R– Ah, ela trabalhava pros outros, mexia com muita farinha pros outros, descascava mandioca, ralava mandioca no ralo, prensava naquelas prensas de pau, que vocês não conhecem, mas tem essa prensa de pau. Aí, colocava uma tábua por cima dessa massa, dentro dessa ‘’coisa’’ de pau, e colocava essa tábua, aí vinha com um pesinho, mais ou menos dessa altura assim, colocava, e tinha um pau grande atravessado assim. Aí, você enfiava um pau de um lado e do outro, e vinha com umas toras, igual essa aqui, e colocava por cima, desses dois paus atravessados pra massa secar.

P/1– E depois que a massa secava o que ela fazia?

R - Ah, tirava ela, passava tudo na peneira e ia pro forno, para torrar, era tipo um pau assim, desse tamanho, que a gente chama de facão. É tipo facão mesmo, mas era de pau, e tinha um rodo também, que hoje as pessoas fazem barbilho, pra pôr no focinho dos bezerros, para não mamar na mãe, né. Então era assim uma coisa meio lua, sabe. Aí, colocava um pau comprido, e a gente torrava, meu filho.

P/1– E vendia essa farinha?

R– Vendia. Vendia, meu filho.

P/1– E quem… E onde ia vender essa farinha?

R– Ah, em Paracatu, né. Porque sempre em Paracatu, em São Sebastião, no Alto do Açude. Porque esse alto do açude, esse açude aí, é antigo, é velho, né. Aqui no… Como é que chama aqui Alani?! Aonde a gente até estava falando que vocês iam, é bem aqui na beira, aqui, como que chama o lugar?! Cadê Alani para eu perguntar?

P/1 - Tudo bem, não tem problema, depois a gente pergunta.

R - Então, vendia para esses lados assim. Aqueles mais velhos que tinham dinheiro para poder pagar, né, meu pai ia com carro de boi, para levar as coisas para a cidade, para vender. Meu pai trabalhava com as pessoas que tinham um carro de boi, vocês devem saber o que tem no carro de boi. Aí, meu pai ia com esse carro cheio de coisas, para entregar em Paracatu, ali em Santana, que é uma coisa mais velha.

P/1 - Vamos falar o nome do pai e da mãe então. Qual o nome do seu pai e da sua mãe?

R - Meu pai era Henrique Crisóstomo Pereira.

P/1 - E da mãe?

R - Rita Alves Campos,

P/1 - Então vamos falar da mãe primeiro, porque a gente já estava falando da mãe antes de falar do pai, depois a gente fala do pai. É, a senhora conheceu a família da sua mãe, por exemplo: seus avós, seus tios, por parte de mãe?

R - Não. As avós eu conheci, por parte da minha mãe e por parte do meu pai, mas os avôs eu não conheci nenhum. Não conheci.

P/1 - Mas a senhora sabe se eles já eram lá da comunidade ou de onde eles eram?

R - Ah, eles eram da mesma região onde meu pai morou e nasceu. Igual eu te falei, meu pai nasceu na barra, lá perto da Lagoa Rica, você já ouviu falar?

P/1 - Já!

R - Pois é. Meu pai… A barra era um pouco depois da Lagoa Rica, então ele nasceu lá. A minha avó era Ana Patrícia Gomes, a mãe dele.

P/1 - A mãe do seu pai?

R - É a mãe do meu pai. E do lado da minha mãe era Maria Ferreira de Moura.

P/1 - E a da família da sua mãe era de onde, a do seu pai era da barra, e da sua mãe?

R - Minha mãe era aqui do Pinheiro mesmo. Aí tem Santa Rita e Pinheiro. Santa Rita, igual eu estou te falando. Foram as pessoas que fundaram Santa Rita, aqueles mais velhos que já morreram e eu não conheci. Mas fundou o nome de Santa Rita, que foi um milagre que aconteceu, os paus morriam todos amarelos. Eram muito velhos os paus, então iam amarelando, amarelando, amarelando, e morriam todos. Era um tipo de febre amarela. Então o povo falou assim: ‘’Nós temos que dar um jeito, como diz - Deus primeiramente - de concertar isso, então, vamos nos apegar à Santa Rita dos impossíveis, para ver se prospera’’. E assim aconteceu, criatura, aí não morreu mais nada, viu? E aí, lá afundou, tem a igreja até hoje. Afundou lá para fazer a festa de Santa Cruz, a bandeira levanta lá, o mastro está lá, e tem na frente da igreja uma imagem enorme de Santa Rita, fizeram algo do lado de fora da igreja, lá em cima na porta. Mas foi a promessa que foi válida, foi essa. Então antes eles afundaram, eles alcançaram a graça e afundaram como Santa Rita dos Impossíveis, e tem essa Santa.

P/1 - E como seus pais foram parar lá, seu pai é da barra e sua mãe de Pinheiro, como que eles pararam lá?

R - Ah, mas depois que casou, né… me comparando, é igual cachorro inteiro, sai de longe pra caçar a companheira, pois é. Mas não sei, eu tô fazendo uma comparação. Então, ele conheceu minha mãe que morava no Pinheiro, e casou. Meu pai casou com 21 anos e minha mãe com 15 anos.

P/1 - E aí, eles casaram e foram para Santa Rita?

R - Sim. E eles não voltaram mais para onde moraram. Ficaram em Pinheiros. Aí depois as coisas foram evoluindo, e eles mudaram para Santa Rita. Porque só em Santa Rita meu pai tinha mais de 60 anos.

P/1 - Ah, seu pai já tinha mais de 60 anos, ele ficou 60 anos em Santa Rita.

R - Aí, continuou lá, ficou velho, meu pai morreu com 101 ou 102 anos, por aí, eu sei que tem cinco anos que ele morreu.

P/1 - Seu pai e sua mãe contaram como se conheceram? Porque a senhora falou que ele foi lá em pinheiro, mas falou? Porque a senhora disse que eles não conversavam muito sobre isso.

R - Não conta, não. Essas histórias por debaixo dos panos, não contava pra ninguém, não. A gente não ficava sabendo.

P/1 - E aí, quando eles foram para Santa Rita, como é que fez lá, como montou as terras dele no Santa Rita?

R - Ele comprou um lugarzinho, construiu uma casinha. Nós vivemos a família todinha nessa casinha. Não vou dizer que era de Umbaúba, mas foi do pau mais frágil que podia ter. É igual eu estou te falando, a condição era fraquíssima, porque tudo que você fazia não valia nada. Você plantava muita coisa, mas ia vender a preço de banana madura, meu filho, hoje banana madura tá cara, é uma comparação que estou dizendo, mas antes era, né. Aí, você criava um porco, criava muita uma galinha, criava um cavalinho, uma coisa assim, para um dia você montar e ir nas necessidades mais longe, você montava e ia. Porque não existia carro, não existia nada, tudo era com as canelinhas batendo.

P/1 - E a terra que vocês tinham, dava para produzir coisas na terra?

R - Não. Muito, muito, não. Mas dava para nós vivermos.

P/1 - O que vocês produziam lá?

R - Era mandioca, tinha muita fruta no quintal, tinha muita fruta para a gente servir. A gente plantava mandioca, plantava milho, às vezes quando não dava para plantar, a gente ia em outro lugar e plantava na meia, com os outros. Mas sempre tendo a terra que Deus deu a gente.

P/1 - Mas aí era para vocês, vocês não vendiam esses?

R - Não, não vendia, porque não valia nada, igual eu estou falando ‘’Preço de banana madura’’, então deixava para servir dentro de casa, para não precisar comprar. Aí você vivia com aquilo que produzia. Era uma coisa assim, que não tinha nada para você por… Igual hoje ‘’Ah, se não por muita coisa aquilo não dá’’, antigamente, não, meu filho. Antigamente você podia plantar aqui no chão bruto, em uma coisa assim, sem por nada, que era uma maravilha, você colhia sem parar.



P/1 - E aí, a senhora estava contando que estudou, foi até que ano?

R - Até o terceiro ano.

P/1 - Aí, a senhora estava falando do seu pai, parece que ele tinha alguma coisa com você estudar, o que ele falava?

R - Não, ele nunca gostou. Porque ele foi criado igual se cria um animal, batendo, batendo. Era só na enxada, era só na foice, era só no machado, nisso e naquilo outro. Então ele reclamava muito para a gente, porque não teve o prazer de estudar. Mas meu pai era super inteligente, mas não teve uma escola porque o pai não quis colocar ele, porque tinha que trabalhar. E conosco ele queria fazer a mesma coisa. Não, a gente tem que mudar da água pro vinho, temos que ser alguma coisa. Se eu fosse pensar que meu pai nunca quis que eu fosse para a escola, eu seguiria o exemplo do meu pai pros meus, e não foi assim.

P/1 - E seus irmãos seguiram esse mesmo modelo?

R - Não. Ah, não, todo mundo foi pra escola, meu filho. Minha mãe não deixou de jeito nenhum. Minha mãe era uma oncinha na jaula, ela não deixou, não.

P/1 - Por que? Como é que acontecia, o que ela fazia?

R - Não. Ia pra escola. Ela trabalhava e comprava os cadernos para nós, comprava o uniforme e comprava o sapatinho, para nós irmos para a escola. E aí se não aprendesse, se ficasse brincando na escola, se não prestasse atenção na professora, ela ia na escola perguntar o que nós estávamos fazendo, se nós estávamos procedendo, se estávamos prestando atenção nas leituras, minha mãe foi desse jeito com a gente. Então eu agradeço muito a Deus aonde ela está. Mas foi por minha mãe. Então como meu pai não foi, não fazia esforço para que você fosse, não, ''Aí, eu não fui, então vocês não vão, é só pra capinar, cortar, trabalhar’’, em serviços gerais, serviços brutos, né.

P/1 - E todos os seus irmãos tinham que fazer isso, dona Silvia?



R - Todos os meus irmãos tinham que fazer isso! Tinha que fazer isso, mas a minha mãe fazia, porque a gente nunca foi desobediente com as pessoas, mas a gente fazia. Mas íamos à escola, primeiramente a escola, depois a gente ia fazer o que era para depois. Porque a escola não podia vir depois, a escola tem que ser antes.

P/1 - E o que a senhora gostava de estudar nessa época da escola?

R - Ah, gostava de aprender muita coisa, né. Hoje a gente já esqueceu a metade, porque cada dia que a gente vive vai saindo uma coisa da nossa cabeça da gente, né. Então, eu aprendi a ser educada, a ser fiel, aprendi, assim, que o que eu vou comprar, eu vou ter que pagar, não vou ficar furtando aquela pessoa, aprendi a ser digna, ser assim, em cima da pinta, porque eu não gosto de fazer coisa errada, para os outros ficarem chamando minha atenção, batendo na minha porta cobrando.

P/1 - E das matérias, o que a senhora não gostava na escola, que a senhora não ia bem?

R - Ah, eu não gostava de…Ai, meu Deus…

P/1 - De matéria, qual matéria, assim: português, matemática. O que a senhora não gostava?

R - Ah, matemática!

P/1 - Não gostava de matemática?

R - Ah, não entrava na minha cabeça de jeito nenhum, mas depois a gente vai pondo as coisas no lugar, vai ficando mais madura, a gente vê uma coisa assim e você tem que saber disso, você é obrigado a saber. Então você presta mais atenção, às vezes as pessoas dão uma dica para você, ajuda em alguma coisa, porque antigamente ninguém gostava de ensinar para gente nada. Você tinha que tirar da sua ‘’cuca’, né. Você tinha que aprender, mas era uma vez só que falavam com você, se você aprendeu, aprendeu. Se não escutou, não escutou, então, o problema era esse. Mas depois você vai meditando assim: “Não, eu tenho que saber isso, eu preciso saber aquilo’’, aí você vai meditando. Depois de você velha, caduca, aí você vai.

P/1 - A senhora me contou que os adultos gostavam de explicar só uma vez, né, estava explicando agora. E o que acontecia quando não conseguia entender o que eles falavam?

R - Ah, às vezes a gente não entendia e ficava com a cara para cima, sabe, “Mas será que fulano não entendeu?’’, eu falei. Às vezes quem tinha muita necessidade eles repetiam.

P/1 - Mas os adultos eram bravos naquela época?

R - Oh, meu Deus. Meu Deus, Meu Deus do céu. Nem falo com você, nem falo.

P/1 - É? O que eles faziam, dona Silvia?

R - Nossa, menino. Eu não estou te contando que a gente não tinha... Não tinha oportunidade nem de escutar se chegasse uma visita. Você não podia chegar nem na sala. Nem na sala para ver a visita. Aí, ele já olhava pra gente, e quando a gente apanha, levava um cascudo no globo. Então a gente não participava de nada, nada de assunto para lá. Se ela, minha mãe, fosse na missa com a gente, ou se fosse em um parente, ou se fosse em um vizinho passear, ela já cortava o cipó e colocava em cima da casa, ‘’ se vocês me fala isso, ou isso, se vocês não se comportarem lá, se vocês me fazem isso, ou isso, o cipó já está aqui’’, era assim. Então se ia na missa, meu filho, chegava lá e sentava igual sapo no ovo, né, ficava pertinho dela assim e não saia para nada, só levantava a hora que a missa acabava. Se a gente falasse ‘’ah, mãe, eu estou com sede'', não invente, claro que não. Porque você não tinha direito de levantar para beber água, é sentar lá igual estátua, até ir embora. E foi assim, meu filho, então era assim que eu fiz com meus filhos, foi assim. Então, eu me dediquei assim, igual eu fui, eu fiz com meus filhos.



P/1 - Então vamos lá, a senhora era criança, a gente estava falando da época da infância, depois a senhora cresceu um pouquinho, era mocinha. Como foi nessa época de mocinha, o que a senhora fazia?

R - Ah, eu sempre… Eu gostava… tinha minhas outras amigas que moravam perto da gente, eram os vizinhos. A gente era tudo mocinha, assim, de uns 11 anos, 12 anos, aí sempre aparecia uma festa, e meu pai gostava de levar a gente, né, ia com a gente. E tinha essa menina, que é até meia irmã de leite, que está até internada em Brasília, ela é irmã de Leide, e nós somos da mesma idade.

Então, ela era assim com meu pai: ela pulava até a janela - o pai dela se chamava Antônio do Carmo - ela pulava a janela para ir lá pra casa, pro meu pai levar ela na festa, porque o pai dela era um turrão, era rígido, era ruim, chamava Antônio do Carmo, que é irmão de Celso do Carmo, Louro do Carmo e Geraldo do Carmo, era dessa família, do Carmo.

P/1 - A senhora me falou que ela era meia irmã de leite, explica o que é isso, porque tem gente que não sabe.

R - Então, ela viveu… porque a mãe dela só criou três. Porque o homem era perdido demais na rua, igual cachorro. Então os filhos nasciam todos com problemas, não vingavam. Uns nasciam só à frente, outros nasciam… tinha a cabeça desse tamanho, eram dois metros de pano para fazer um chapeuzinho para ele, um boné, né, era bem grandão. Se chamava Antônio Luís, essa que está internada em Brasília se chama Maria Luísa, e tem a Marta e a Sanica. Sanica mora em uma cidade, Marta em Brasília, e essa mora aqui em Santa Rita, mas está internada lá, então era minha irmã de leite. Então, como minha mãe servia a população toda, porque minha mãe servia todo mundo ali, tudo era minha mãe. Minha mãe ajudava todo mundo ali, sabe, se tivesse com criança pequena, se estivesse para ganhar a criança, se tivesse que lavar uma roupa, se precisasse de qualquer forma de ajuda, minha mãe era a principal, era competente para isso, minha mãe era, sim. Então, para ela viver, a finada Angélica, que é a mãe dela, perguntou se ela podia amamentar ela, para ela, porque se não ela ia perder ela. E aí… Ela mamou no meu leite.

P/1 - Porque como vocês têm a mesma idade, ela tinha a senhora de bebezinha, e estava com leite.

R - Ela é do dia 04 de setembro, ela fez aniversário agora, 04 de setembro. Eu sou de julho, e Divina que mora perto da casa de Aparecida também é da mesma idade. Divina de Junho, eu de julho e ela de setembro. Então era uma carreira só de mocinha, tudo de uma idade só. Mas minha mãe que deu o leite, como dizem: ela tá viva até hoje. Minha mãe que deu ela a vida. Então, ela tinha a maior história com minha mãe, era: ‘’mãe Rita, mãe Rita, mãe Rita daqui e acolá'', ela tinha a maior história do mundo comigo, né, era uma irmã, que não era de sangue, mas era de barriga cheia.

P/1 - Aí, a senhora estava contando de quando vocês eram mocinhas, ela até pulava a janela para vocês saírem, o que acontecia?

R - É! Para o meu pai levar ela pra festa, porque o pai dela não levava ela em lugar nenhum, nenhum. E aí, antes ele dormia cedo, aí, enquanto ele dormia nós íamos para a festa. E quando já estava quase para ele acordar, porque já era o horário, ela chegava para pular a janela. Meu pai levava ela de novo, ela pulava a janela e deitava, como se não tivesse acontecido nada.

P/1 - Mas…E era festa do que, dona Silvia?

R - Era festa de forró, é!

P/1 - Mas era lá no Santa Rita mesmo essa festa?

R - No Santa Rita, no Pinheiro. Em Santa Rita, em tudo quanto é lugar tinha uma festa. Assim, se tivesse… eram só pessoas conhecidas, pessoas do lugar, né. Quem a gente já sabia a origem das pessoas. Então nós íamos de boa, a festa era toda de folha de bananeira, faziam um cruzamento lá de pau de lá. E colocavam tudo de folha de bananeira, cobrira tudinho, o sereno todo. Aí, amarravam uma lamparina no canto de um pau, amarrava no outro, outra era uma hora um lampião e, meu filho, o pau quebrava a noite inteira.

P/1 - E não tinha energia elétrica na época?

R- Tinha nada, filho. Que energia elétrica?! Lamparina! Que inclusive, estou até com um ali, se você não sabe o que é, é aquilo lá.

P/1 - E era tudo de lamparina na época?



R - Faziam um pavio de algodão, despedaçava um algodão, e aí, faziam… Ele tinha… dobrava e torcia, torcia, fazia o pavio, colocava no bico da lamparina, enchia de querosene ou de óleo e, meu filho, amarrava lá e o pau quebrava a noite inteira. E assim foi a vivência da gente.

P/1 - E a música, como era nessa época?

R - Ah, mas era música de sanfona.

P/1 - Mas tinha alguém lá que tocava?

R - Tinha, inclusive, tem até hoje. Mais novo, mas ainda tem, né, tem ainda.

P/1 - Mas aí, como chamavam as pessoas para ir à festa? Como faziam?

R - Uai, encontrava com um e falava, encontrava com outro e falava, né, e iam comunicando, porque era muita gente, muita gente. E eram muito comunicativos, porque ninguém tinha o ‘’bico torcido’’ com ninguém, era tudo em comunidade, era tudo, como diz… Na hora de Deus. Porque ninguém ficava brigando com um e com outro, parecendo cão e gato, não, não tinha, não tinha isso. Era uma coisa muito boa, muito, muito, muito boa, que Deus já pôs na vida. Então, a gente continuava assim. Então quando um se separava dos outros, nossa, era uma tristeza pra gente, né, a gente ficar separado das pessoas, porque éramos muito… éramos muito… Unidos. Não tinha ‘’he, he,he’’, não tinha feio ou bonito, não tinha preto, não tinha branco, não tinha aleijado, não tinha nada, não tinha rico, não tinha pobre, tudo era uma coisa só.

P/1 - Não tinha energia elétrica, então não tinha rádio lá, por exemplo, ou tinha, como chegou isso aí?

R - Ah, meu filho. Depois de uns anos para cá, como dizem, a gente já tinha uns 15 anos para frente, foi quando usou um ‘’renga, renga’’ de um rádio, né, aí, televisão não existia, quando surgiu televisão, nós saímos da nossa casa para assistir na casa do vizinho. E o rádio já começou assim, sabe, foi na minha idade, com uns 15 anos, porque às vezes, eu já tinha. Aí que começou, um rádio aqui, outro acolá, outro no Nordeste, no Ceará, outro na Bahia, e aí, como diz… A coisa foi evoluindo, foi evoluindo, cada dia mais Deus dava a permissão do mundo evoluir, e cada um foi tendo o seu.

P/1 - E quando a senhora teve o seu? A senhora chegou a ter um rádio também?

R - Tenho, eu tenho um rádio.

P/1 - Mas naquela época, o primeiro lá que a senhora teve, a senhora lembra como é que foi?





R - Ah, foi… Eu nem sei nem quem me deu esse rádio, não estou nem lembrando mais quem me deu o rádio.

P/1 - Mas nisso, a senhora já era casada ou ainda não?

R - Já! Já! Não estou falando com você de quantos anos? Assim, eu vivi com meu marido, e quando meu marido saiu, meu filho já tinha um ano, hoje ele já tem 44 anos, pois é, meu filho mais novo dos homens, ele tem 44, né. Então quando ele saiu, ele tinha um ano. Quando ele me deixou, né, com os meninos, aí, eu fiquei lutando com os meninos, trabalhando igual eu te falei, ia lá para os confins do mundo trabalhar, para dar para eles a escola, o que comer, o que beber.

P/1 - Tá. A gente vai falar mais sobre isso, então, vamos voltar para a época que você era mocinha. E aí, depois a senhora foi ficando mais velha, e aí, fazia o que… aí está com 15, 16, 17. O que aconteceu nessa época que a senhora já estava ficando adulta?

R - Assim, trabalhava, né.

P/1 - A senhora trabalhava com o que nessa época?

R - Trabalhava para os outros. Ia lá, quebrava milho para um, né, porque era muita roça de milho. Você ia, arrancava, quebrava milho, trabalhava por dia. Plantava muito feijão, aí você tinha que ficar de ‘’cadeira para cima’’ arrancando o feijão, fazia aqueles bandeirão de feijão, assim, e depois ia juntar esse feijão, e colocava em um terreno grande, igual aqui. Aí, batia de vara, arrumava aquelas varas grandes e “coisava” esse feijão todo nessa vara. E você ia trabalhando assim, e comecei assim: roçava de um pasto para o outro, e era de enxadão, porque eu não tinha ‘’coisado’’ a foice, né, e era de enxadão que roça esse pasto todinho, e era muito, muito, muito lugar que eu e minha menina roçava. Capinava, me quebrava para os outros, arrancava feijão, tirava lenha para vender.

P/1 - E ganhava um dinheirinho nessa época?

R - Ganhava, né, porque como diz… Era uma mixaria que pagava para você. Mas, pelo entorno de hoje, antigamente tudo era válido, tudo valia. Se hoje as coisas são mais caras, antigamente as coisas eram mais razoáveis. Se você está com 50 reais, nossa, você tinha um dinheirão. Você podia contar que estava com um dinheirão, se estivesse com 50 reais. Hoje, se você está com cinco mil, você não sabe o que faz com ele, né, era valorizado.

P/1 - Fazia o que com esse dinheiro que ganhava, a senhora falou que era uma mixaria, mas comprava o quê?

R - Comprava roupa, comprava meu calçado. Assim, de dentro de casa, tinha casado. Então, comprava minha roupa, comprava meu calçado. Ajuda assim, de fato para alguma coisa, ‘’ah, não, mãe. Estou com um dinheiro, eu dou para a senhora fazer isso’’, às vezes, o dinheiro dela estava pouco ou não tinha, então nós fomos vivendo assim, criatura.

P/1 - E depois conheceu o marido onde, dona Silvia?

R - Ele morava lá em Soares.

P/1 - Mas a senhora já conhecia ele antes ou conheceu nessa época?

R - Não, não. Foi através de uma tia dele que morou com a gente lá em Santa Rita, porque era perto, ela morou em uma fazenda, que hoje ela é de Castra… Foi de Castra para Zé, e depois… agora ela era de Cristiana Assunções, hoje ela é desse homem, Cristiana Assunções. Então esse casal morou lá, e esse pai dos meus filhos era sobrinho dessa senhora.

P/1 - Mas era de lá da região também?

R - É de lá em Soares.

P/1 - Então, mas era de lá?

R - Ele morava lá em Soares. E eles mudaram para essa fazendo lá em Santa Rita. Então, esse sobrinho dela ia nos visitar, e a gente ficou conhecendo, mas antes não tivesse conhecido.

P/1 - Mas aí, o que aconteceu? Casou, e depois o que aconteceu? A senhora e como foi o casamento?

R - Lembro do meu casamento, e tem a casa até hoje, onde foi o casamento. Lá no Santa Rita, tem uma casa bem grandona, era de Edmiro, era da família de Edmiro. Ele já morreu, mas a dona dele, Malvina, mora em Brasília, mas ela ainda tem a casa lá, onde foi o meu casamento. Meu casamento foi a cavalo, tive cavalgada de hoje, foi lá nesse lugar.

P/1 - Mas quem organizou essa festa, a cavalgada?

R - Ah, minha mãe e meu pai. Minha mãe, meu pai, minhas tias e tios, porque eu tinha muito, agora hoje de família, não tem mais ninguém, ninguém, ninguém, como eu digo: “É de mim para frente’’. A família mais velha da minha mãe e do meu pai não tem ninguém mais.

P/1 - Mas qual igreja a senhora casou, dona Silvia?

R - Eu casei na igreja da matriz.

P/1 - Lá na cidade?

R - É, foi…

P/1 - Aí casou lá e depois veio de cavalgada?

R - Vocês conhecem, né?

P/1 - Já, por nome sim. Aí veio de cavalgada de lá para cá?

R - Nós viemos. Deixamos os cavalos no lugar que podia deixar, o adequado de deixar. E aí a gente veio, todos de cavalo, para festa lá. Foi uma festa daquelas, foi uma “comedeira” que não acabava mais, viu, mas foi muita coisa, muita coisa mesmo. Queria que não tivesse acontecido, tenho um grande arrependimento da vida.

P/1 - Então me conta, o que aconteceu depois, porque a senhora está falando que tem um grande arrependimento. O que aconteceu, dona Silvia?

R - A gente casou, e eu fui embora para a terra dele, onde ele foi nascido e criado.

P/1 - A senhora morou lá no Soares?

R - Morei, morei muito tempo. Se eu falar todos os lugares que morei, vocês falam até que é mentira. Eu já mudei feito notícia ruim, já andei feito notícia ruim, tudo quanto é lugar, se você me perguntar, aqui ao redor de Paracatu eu já morei.

P/1 - Então me conta, a senhora foi morar lá em Soares com ele, e com a família dele, e o que aconteceu?

R - Nós ficamos lá um tempo, ficamos, ficamos, ficamos. Depois ele arrumou uma fazenda de pessoas que tinham mais dinheiro, mais trabalho, e um dia a gente poderia prosperar mais, né, como diz: “A gente subir mais’’, nem que fosse em um tamborete para cair… Então a gente foi, ficamos, ficamos, ficamos. Trabalhou, trabalhou, depois não deu certo, tinha a mãe dele, que era muito enjoada, era ‘’em-peidavel’’, enjoada que eu nunca vi na vida, porque como dizem: sogra… aí a gente mudava para outro lugar, morei na mucamba, aqui de Dedete, aqui, na mucamba aqui, para cá, morei dois anos. Morei em Soares um ano e pouco. Morei na mata preta uns sete meses. Sabe o que é a mata preta, né? Para esses lados aqui do ranchão, por aqui. Passava pela biboca, subia a estrada da biboca, a pé, vinha aqui para a rodovia, passava pela curva da morte, e vinha aqui para Paracatu.

P/1 - Mas nessas épocas vocês trabalhavam com que, como é que faziam?

R - Trabalhava com roça.

P/1 - Mas vocês paravam no lugar onde vocês iam e trabalhavam com a roça de lá?

R - É. Trabalhava plantando arroz, plantando feijão, plantando milho e tudo, tudo que existia…

P/1 - Mas vocês trabalhavam para os outros ou trabalhavam para vocês mesmo?

R - Trabalhava para os outros, né, era para o patrão. Nós tínhamos os patrões. Mas ele era uma pessoa assim, que parece que tinha formiga no pé, sabe, que não parava em lugar nenhum. Parecia que tinha um ‘’trem’’ que não deixava ele parar em lugar nenhum, às vezes, você estava bem que só, arrumava um pretexto, uma coisa, e você tinha que sair. Já como dizem: ‘’com a faca e o queijo’’ para você comer, porque as plantações todas plantadas, quase no ponto de colher, aí ele inventava uma história, meu filho, e saia. Deixava tudo aquilo para trás. Então as coisas foram andando assim. Morei com o finado cocar, lá no… passava pelo Espírito Santo, onde era o antigo matador, ia para aqueles lados lá, e morei por muito tempo. Aí morei no Caetano, que era do finado cocar, era cocar, mas ele era doutor, em Paracatu. Morei lá, então, meus filhos, um é nascido em um lugar, outros são nascidos em outros, é igual filhote de ema. É, meu filho, minha vida foi assim, minha vida foi sofrida desde esse comecinho aí. Aí depois nós mudamos para mucamba, e ficamos dois anos. Morei na Bela Vista por dois anos, nós tínhamos a casa lá, foram dois anos. Morei perto da igreja São Bom Jesus, aqui em Paracatu, perto do Santana por dois anos, aí não fiquei. Quando eu saí da Bela Vista… Eu tenho um filho que ele tinha um ano, mas ele é bem grossão, bem gordinho, igual esse aí, oh! Mas não estou falando que você é gordo, não, só estou fazendo uma comparação.

P/1 - Ele é grande, fala que ele é grande.

R - É! Ele é bem grandão, um homão, viu. Então, ele tinha um ano, e eu falei assim: ‘’Isael, agora nós vamos embora para a casa do seu avô, de lá eu vou sair só de pé junto, não vou sair mais, já cansei, já cansei de mudar, sabe’’. Sabe quando você muda, que você não tem nada, você muda e não tem nada, você vai e não tem nada, nunca tem nada. Você vive na “precata”, de tanto mudar. Eu falei: ‘’oh, agora eu só saio daqui de pé junto, da casa de meu pai’’.

P/1 - Lá no Santa Rita?

R - Lá no Santa Rita! Ele tinha um ano. Ele tem uns 40 e tantos anos, uns 48 anos, por aí que ele tem. E aí, eu fiquei. Aí eu falei: ‘’ eu não vou sair, eu vou ficar aqui’’. E logo eu saí para poder trabalhar, igual estava te contando lá, ali no quintal. Para poder trabalhar, para poder fazer… porque a casinha onde nós morávamos era bem ruinzinha, já estava caindo na cabeça da gente, criatura, né. Então, não, ‘’eu vou ter que fazer uma casa pro meu pai’’, aí, já não tinha minha mãe, minha mãe já tinha morrido, ‘’ah, não, eu vou ter que fazer uma casa para nós, para pôr meu pai, como nós vamos deixar ele assim, seja lá como for’’. Aí, foi com essa peleja todinha, criatura, nesses lugares longe, que vinha de 15 em 15 dias. Aí fiz a casa lá igual eu te falei, fiz em 2009, uma casa muito bacana, viu, eu falei para você que tinha nove quartos, tinham 18 pessoas, que moravam dentro dessa casa, aí, em 2012 eu recebi… foi lá para nós trocarmos…Era Marcelo, ele era bem grandão, mas pensa numa pessoa especial da vida, que eu já conheci, que entrou antes na ETEM, foi Marcelo, era uma pessoa muito especial.

P/1 - Então a gente vai falar sobre isso, dona Silvia, deixa a gente só voltar. Então, a senhora voltou lá para Santa Rita, e antes disso a senhora falou que sua mãe tinha falecido já, né.

R - Já. Já tinha!



P/1 - E aí, o que aconteceu com sua mãe, porque a senhora estava nesse período de mudança com marido, vai para um lado, vai para o outro, e o que aconteceu com sua mãe?

R - Pois é. E ela permanecia lá, nesse lugarzinho que eu falei para você, onde a gente foi criado, que é a casinha caindo, ela permanecia lá. Depois, ela, como diz… Você não precisa saber disso, mas eu vou falar. Aí, ela ficou doentinha, muito doente. Meu pai era muito vadio, sabe, então ela teve um câncer, e aí, o pessoal não cuidou antes, porque quando a minha irmã descobriu, minha irmã que mora em Brasília, descobriu que ela estava precisando de um tratamento, ela levou, e ela ficou muito tempo lá, mas foi tarde. Aí, aquele incômodo já tinha ido pro sangue, então não adiantou o tratamento que ela fez. Aí, ela voltou para casa, mas não quis ficar morando com a gente, aí, ela quis morar com meu irmão, que mora na lagoa, e a nora. Então, eu junto dessa menina aqui, saímos todo dia de Santo Deus, para ir lá visitar ela de noite, na lagoa. Nós saíamos do Santa Rita, a pé, todo Santo dia, eu e ela, íamos visitar, eu e ela. Visitar como minha mãe estava, com minha mãe passou. Então ela ficou de cama 11 meses sofrendo, até que um dia, Deus lembrou que ela precisava descansar. Então, tem quase uns 40 anos já que ela morreu. Então eu permaneci lá, não sai, aí fiz a casa, pus meu pai, né, a outra acabou de cair. Aí eu fiz a casa, meu pai foi o primeiro que entrou dentro da casa, sem nem acabar de limpar, sem arrumar tudinho, mas meu pai foi o primeiro que entrou dentro da casa, e ficou lá. Aí, de lá, eu vim para cá, e fiz a negociação lá. Foram minhas netas e três filhos meus que participaram da combinação. Porque esse meu irmão que mora na lagoa, não participou de nada da combinação, que nós estávamos trocando lá por aqui.

E assim foi, foram minhas netas, minhas quatro netas mais velhas e ela, e dois filhos, que participaram da combinação.

P/1 - E quando… A senhora me contou, que quando foi morar lá no Santa Rita de novo, para montar a casa por seu pai, essa que você está contando, né.

R - Sim.

P/1 - Saiu de lá, do marido, da convivência com o marido. Ficou tudo bem depois disso?

R - Aí, depois… Ele… Eu falei assim: ‘’olha, eu vou para a casa do meu pai, se você quiser ir, você vai, e se você não quiser ir, não é obrigado, porque hoje nem pau a gente não arrasta para ser obrigado, se você quiser ir’’, aí foi.

P/1 - Porque a ideia da senhora era ir lá para Santa Rita, e se ele quisesse era para ficar lá?

R - É! Se ele não quisesse ir, ele ficasse lá onde a gente morava, na Bela Vista. Aí eu falei para ele escolher, porque eu estava indo para casa do meu pai, não estava indo em lugar diferente e, e também falei: ‘’oh, a coisa é de livre e espontânea vontade, não é porque a gente casou, que a gente é obrigado a viver sem poder, sem ter uma coisa assim de amor uns pelos outros’’, você me entende, então o caso foi assim. Então eu falei: ’’oh, vou para a casa do meu pai com meus filhos, se você quiser ir, você vai, se não quiser, você fica com a sua mãe, porque ela mora aqui, e você fica com ela’’. Aí, chegou lá. Aí, foi, um belo dia chegou lá, chegou lá atazanando, porque eu saía muito para trabalhar, porque eu precisava trabalhar, então, eu estava fazendo farinha, fui trabalhar na casa dessa Alice, que é minha comadre, e que morava lá, então eu trabalhava muito lá, porque eles faziam muita farinha. Então eu ia para lá, para trabalhar. Aí, um belo dia, eu estou lá até torrando a farinha, mexendo lá, aí ele chegou lá, aziado, xingando, xingando, amaldiçoando, falando coisas que não precisava ficar falando na casa dos outros, porque nós estávamos trabalhando. Eu não estava… Eu não estava fazendo uma coisa que não era meu dever, minha obrigação eu estava fazendo, estava trabalhando. Aí, ele chegou lá, chegou lá com aquelas histórias todinhas, né. Aí eu falei: ‘’oh, então, oh, você caça o seu rumo, porque o meu eu já cacei, você caça o seu rumo’’. E aí, ele ficou naquela resistência, naquela resistência, naquela coisa, e eu falei assim: ‘’ olha, a gente tem que ter muita fé em Deus, se não, nós fazemos coisas que depois, mais tarde, a gente se arrepende’’. Mas eu não me arrependo não, porque quando eu coloco alguma coisa na cabeça, só Jesus. Aí ele, meu irmão, esse, o caçula, esse irmão caçula que morreu lá.. E aí, ele viu que aquilo já estava muito grosso, aquela história, sabe, aquela ignorância, e aí, antes disso eu fui para Brasília com meus irmãos, meus dois irmãos. Fui… Eles faziam entregas do armazém lá, de finado Maroto, faziam aqui em Paracatu, de cereais, vinham com um caminhão lotado de coisa de arroz, açúcar, tudo… aí eles vinham fazer entregas. Então eles trabalhavam com esse homem. Aí ele falou assim: “Nossa, você nunca foi em Brasília, vamos um dia para lá’’, porque meus outros irmãos moravam todos lá, “Vamos lá para você passear’’, aí eu fui. E aí, ele ficou, e depois ele falou para minha mãe: “Ah, que uma pessoa igual eu, que tinha que matar ou bater’’, aí eu cheguei, fiquei lá só uns dois dias e vim embora. Aí chegou, minha mãe me contou, falando: “Mas isso não vai acontecer ‘’, “Ou ele vai me matar, ou então, eu mato ele’’. Aí assim aconteceu, aí, se não é esse irmão meu, que estava lá, eu ia falar com você francamente, eu ia ser criminosa. Porque, gente, ninguém sabe o que eu tenho aqui, a minha natureza como é. Eu sou boa demais, das pessoas…Não fico de ‘’nhem, nhem, nhem’’, não, mas não pisa no meu calo, não fala um uma coisa que eu não fiz, não pratiquei, não… Não… Não tinha certeza de Deus, que não teve nada. E a pessoa ficar aí julgando você, julgar é uma coisa muito forte.

P/1 - E aí, o que a senhora fez, dona Sílvia. O que aconteceu nesse dia?





R - Aí, meu irmão não deixou, né, me levou para dentro. Fez eu ficar sentada lá, e aí, para não fazer isso, porque ia complicar minha vida, que isso não ia ser bom, porque nosso pai não criou a gente assim, então eu obedeci a ele, né, e ele… Eu falei assim: ‘’caça um rumo enquanto é cedo’’, aí ele foi-se embora, até hoje, aí depois de muito tempo ele pediu o divórcio. E eu falei: ‘’perfeitamente’’. Fui indo assim. E a minha neta, ela trabalhava com o negócio de… Que ela fez… Esse negócio de trabalhar no cartório. Eu tenho essa neta ainda. Que começou a coisa no cartório. Então ele me arranjou o testemunho, para mim. E ele arrumou o testemunho para ele. Aí quando foi a hora de trocar o assunto lá, né. Aí, eu… ‘’Oh, Cadê?’’. Não teve boca para me responder. Porque eu estava certíssima, e já tinha muitas testemunhas a meu favor. Então ele seguiu a vida dele, né, e eu segui a minha.

P/1 - E me conta, quando a senhora saiu de lá, a senhora já tinha filhos, né? Quando se separou do marido.

R - Já. Já tinhas os meninos.

P/1 - A senhora tinha quantos filhos?

R - Deixa eu ver, oh… Tinha Eli, tinha Elza que é a minha filha mais velha, que ela trabalha em Brasília. Tinha o Eli também, que é o segundo, ele trabalha na RPM. E tinha essa aqui, tem um outro também que trabalha na prefeitura. Não. Aliás, já tinha todos, eu já tinha todos os meus filhos.

P/1 - A senhora tem quantos filhos?

R - Eu tenho oito… nove.

P/1 - Nove de sangue? Nove filhos de sangue?

R - Aham!

P/1 - E aí, esses nove. Quando a senhora separou os nove foram com a senhora para Santa Rita?

R - Ah, mas ninguém quis acompanhar o pai, ninguém. Eu falei: “Oh, tá livre e espontânea vontade, eu não sou tega e nem gavião, vocês decidem o que vocês querem. Se vocês querem ficar com o seu pai, podem ir. Se vocês ficarem comigo bem sempre. Acolho vocês, como eu acolhi no meu ventre’’.

P/1 - Eles eram todos pequenos nessa época?

R - Uai. A minha filha mais velha, hoje ela tem 59 anos, a minha filha mais velha.

P/1 - Eles têm muita diferença de idade, entre um e outro?

R - Ah, não é muita, não. Elaine, quantos anos você tem? Eu já esqueci.

P/1 - Ah, depois ela responde. Mas eles, mais ou menos assim: 50, 40?

R - É, é. Mais ou menos assim. Aquela ali tem 40… 40 e poucos anos, essa que tá aí dentro.

P/1 - Então, mas aí, nessa época que a senhora se separou eles eram crianças ainda?

R - É. Eles eram… Como diz… Precisavam de amor. Precisavam de carinho, precisavam de tudo. Mas todo mundo já estava na escola. Porque eu pus na escola, né. Eu registrava para eles irem para a escola. Porque se não, também, por causa dele, também não iam, também, não. Não ia também para a escola.

P/1 - Eles estudavam lá na Lagoa também, dona Silvia?

R - Estudavam na lagoa. Mas já não era de Maria Trindade, não. Já era outra professora, mas era na mesma escola. Eles estudavam lá, todo mundo estudou lá. Aí, depois, quando não tinha mais classe, eles foram para o Affonso Roquette. Pegavam ônibus.

P/1 - Aí, já tinha ônibus nessa época?

R - Aí, tinha ônibus. E pagava passagem para poder ir. Depois, quando Arquimedes foi prefeito, ele pôs os ônibus de graça, para os meninos irem pra escola. Então eles estudavam lá em Affonso Roquette.



P/1 - E antes quando tinha que pagar, como vocês faziam para arranjar dinheiro?

R - Ah, meu filho. Das graças de Deus. Do trabalho, do esforço, né. Da.. Como diz… Do Pão de cada dia, que dava. Você, ou vendia, ou você trabalhava para uma pessoa, você ficava com aquele dinheiro ali, para a necessidade de ir. Meu filho mais novo, esse que eu falei, que é meu filho caçula dos homens. Ele se formou agrônomo. Eu pelejei até… formei ele. A outra é professora, classe alta em Brasília. Porque eu fiz um empréstimo a mim mesma, e formei ela de professora.

P/1 - E aí, nessa época a senhora foi pro Santa Rita, os filhos foram todos com a senhora?

R - Foi. Todo mundo foi comigo. Ninguém quis ficar não. Não. Ninguém quis ficar com o pai deles, não. Todo mundo ficou comigo. Mas não é porque eu escolhi, que só tinha que ficar comigo, eu falei: ‘’vocês escolhem’’. Eu não fui egoísta. Então, hoje o pai deles mora na Bela Vista. E eu falei: ‘’oh, não empurro. Não puxo, mas também não empurro, se vocês quiserem ver seu pai, não apego de vocês irem ver seu pai’’, mas só que, quase ninguém não vai. Acho que, né…

P/1 - E ele também não foi mais visitar os filhos, quando a senhora estava lá no Santa Rita?

R - Não, não. Não foi, não. Foi não.

P/1 - Porque depois desse episódio aí. Ele não foi mais lá?

R - Não. Não foi. Não procurou mais ninguém. Aí sempre essa aqui, que mora aqui, que sempre procurava. Eli, também, às vezes, sempre procura. Vandim que é a cara dele, é que procura, que sempre, às vezes procura, mas não é toda vez. Agora eu? Não! Essa aqui que sempre procurou. Porque ele até morou um tempinho com ela aqui. Aí, pediu se podia ficar. Eu falei: “Pode, pode ficar, ela vai olhar tudo, ela… É pai, né. Não vou impedir que ela não possa fazer isso, porque também já tá decadente. Tá pra lá do bagdá’’. Nossa, sou muito eu. Aí, ela veio, trouxe ele, cuidava direitinho, mas… Nossa, como se fosse uma criança. Aí, enlouqueceu, que queria voltar, queria ficar sozinho. Então vai sozinho. Mas ela vai… Ela recebe o dinheiro dele, leva o dinheiro, entrega ele na mão, compra as coisas que tem necessidade pra ele, traz a roupa todinha, dá desbaste na casa lá, quando ela e minha neta vai. Aí, ela zela lá da casa todinha, traz a roupa todinha, lava, para ele. Aí, quando… leva o dinheiro para ele, que recebe, aí, ela pega a roupa e leva. Então a vida tá assim. Mas eu nunca impedi, que eles não fizessem nada para ele. Agora, eu não, falei: ‘’vocês podem levar, a casa tá lá, se você… Podem fazer o que você quiser, mas eu não levanto nem essa folha, esse lugar para por aqui, porque eu fiz sozinha, então agora chegou a hora deu também não querer fazer, não sou obrigada a fazer, né, porque não tem necessidade de fazer’’.

P/1 - E a senhora falou então, foi lá para Santa Rita, os filhos todos eram crianças, foi pra Santa Rita…

R - É! Não, nossa. Os meninos, todos eram pequenos, né!

P/1 - E a senhora me contou até, que além dos filhos da senhora, ainda apareceu outras…

R - É. E ainda ficou esse menino morando com a gente por 20 anos.

P/1 - Então me conta, o que é essa história?

R - Era assim: a casa era igual essa aqui, ó, e passava um córrego. Era só pular o córrego e estava na minha casa. Aí, o padeiro morava do outro lado, e eu morava de cá. Aí, era só pular o córrego se não quisesse rodear. Então, morou com a gente por 20 anos. A gente cuidava dele como… Como se fosse meu filho. Hoje eu considero ele como meu filho. Ele mora em Luziânia. É carreteiro, muito especial, viaja por tudo quanto é lugar. Uma pessoa muito vista, uma pessoa muito inteligente, é que pai queria matar. Ele foi lá para casa porque o pai queria matar ele.

P/1 - Mas o que é que aconteceu pro pai ser assim?

R - É, mas é desses povos carrancudos, meu filho. Essas pessoas, que não tem Deus na vida, sabe. Que põe os filhos no mundo e é obrigada, é…A “esquartejar”, né. E a coisa não é bem assim.

P/1 - E ele tinha quantos anos, na época que ele começou a morar com a senhora?

R - Ah… Quantos anos, Alani? Que Carlinho tinha quando ele..

P/1 - Mas era criança?

R - Não! Ele era um rapaz assim.. Acho que nem 18 anos ele não tinha. Tinha, não. Ele podia ter uns 16 pra 17 anos, por aí.

P/1 - Sei. Era um mocinho. E a senhora me contou, que além dele, teve um outro também.

R - Teve, teve um outro, que ficou andando pelo meio do mundo, igual eu te contei. E aí, então, ele arrumou um serviço, junto com o meu menino, esse Paulinho, né, que eu falei que se formou de agrônomo. E aí, então, ele arranjava um serviço daqui, de roçar pasto, de quebração de milho, de roça, de tudo, né. Então ele ficava assim com esse menino, né. E foi uma pessoa muito especial Paulinho… Que todo mundo conhece ele por ‘’ Calango’’, mas eu não chamo ninguém por apelido. Ele se chama Edson. Ele mora lá no Passo do Meio, naquela firma que hoje vai fazer calcário lá. Pra lá da lagoa Rita, aqueles lados, desse povo de Glauba, por aí. Porque lá tudo agora já é… tudo lá é, já. Então ele mora lá há muitos anos. Mora sozinho e Deus. Precisa ver a casa que ele mora, que não é nem todas as mulheres… tem a casa igual à que ele mora, de asseada. Então ele mora há muito tempo. Que esse povo da RPN, que comprou lá. E ele fica vigiando.

P/1 - Mas quando ele era pequenininho, a senhora também olhou por ele?

R - Mas eu olhei. Cinco anos ele morou com a gente, cinco anos, mais ou menos. Ele tinha uns 12 a 13 anos, por aí, que ele tinha. Porque a mãe dele mandou ele sumir, ele tinha uns sete anos. E estudou por conta própria. Inteligente, sim. Inteligente. Ele ia nessa mesma escola que meus meninos iam, na Lagoa. Mas, só que, já não era de Maria Trindade. Já eram outras professoras, né. Que aí, então, ele estudou. Muito inteligente ele. Pensa numa pessoa especial, que ele é. Não tem uma moda. Aí ele morava com a gente, com essas 18 pessoas, que moravam nessa casa. As minhas netas eram todas mocinhas, todas assim, de nove e dez anos, 11 anos, 12 anos, por aí, e ele não saia nem do banheiro enrolado de toalha. Pra não passar dentro de casa, porque tinha as meninas. Era um respeito imenso que ele tinha, e tem até hoje pelas meninas. As meninas, ele considera como irmã, as minhas netas.

P/1 - E aí, me conta então, nós estávamos falando das crianças aí, pra você no Santa Rita. Depois as crianças foram estudar, e depois foram crescendo. Depois, todos os seus filhos casaram já, né?

R - Já.

P/1 - E aí, como foi essa época que eles eram adultos?

R - Só a minha mais velha que não. A minha mais velha nunca quis casar. E nunca nem fala em casar. Ela é solteirona. Ficava trabalhando aqui em Paracatu, então, tinha aquela Olga, que tinha o restaurante lá em Itamarati. E aqui perto da entrada do Morro do Horto também, foi… O marido dela se chamava…ora, como é que o marido de Olga se chamava?... Eu sei que ela trabalhou com essa mulher 11 anos, no restaurante. Então ela só vivia assim. Com o finado Dito barbeiro, que morava lá no Sabão, aqui para o bando do calcário, ela trabalhou quatro anos. Então, quando a minha filha começou a trabalhar, ela tinha dez anos. Todas as duas, tinham dez anos quando começaram a trabalhar, e até hoje. Estudou, aí ela estudou até um pouco para enfermagem, a minha mais velha, mas ela não quis exercer, né, deixou. Acho que, às vezes, não era o que ela queria. Então ela mora lá. Então hoje, ela morava com a minha irmã, há muito tempo ela morou com a minha irmã, há muito tempo, hoje ela alugou um kitnet, e mora sozinha. Lá no Pessu, que a cidade se chama.



P/1 - E os outros filhos? Aí, os outros casaram também, né?

R - Aí, todo mundo casou, né. Meu filho mais novo casou, o casamento dele foi até aqui, né. A esposa dele e de Unaí. Aí, a outra também, que mora no mesmo lugar… porque eles moram… tem seis casas lá no condomínio, lá no Paracatuzinho. Lá perto do bar da kenga, eles moram. Então, tem seis casas lá. É, ela tem a casa dela. Ela também que tá aí lavando a roupa, tem a casa dela. E os três homens também. Paulinho, Paulo Henrique, Vando, Isael e Elso, mas todo mundo conhece ele por gato. Mas mora lá.

P/1 - E todo mundo está encaminhado já?

R - Todo mundo tem sua casinha lá. Que atravessa, da “redopinha” do meu pai. Que a gente morou lá, ficou lá permanecendo e vigiando. Porque outras pessoas queriam tomar do meu pai, porque ele era velho, tudo, e não tinha mais uma fala… uma fala… Que… Que prestasse. Achou que se ele falasse a voz dele não era mais válida mais, né. E aí, então, a gente ficou permanecendo lá, vigiando, meu filho, vigiando esse lugar. Se não, os outros iam tomar. E aí, através dessa pelota que a gente tinha lá, que ela era uma “redopa”, que a gente era cercado pelo córrego todinho, a gente ficava no meio. O córrego passava em volta, em cima e embaixo. Então a gente ficava no meio. Então, quando dava uma enchente o córrego represava, a gente… não dava para passar para lá. Porque tinha o rio de Santa Rita no fundo. Represava o rio e vinha tudo para cá.

P/1 - E esse rio existe ainda?

R - Existe, mas poluído. Era um lugar especial para você. Mas a gente tinha cisterna de ‘’coisar’’ a água, dentro de casa, né. Nós não buscamos água, energia, nem nada. Era só para lavar uma roupa no rio. Mas o poço tinha 25 metros. O poço bordava em cima da água, de água. Então, a gente servia com essa água desse poço, a gente não precisava do rio. Então, a gente ficou, meu filho, permanecendo nesse lugar, vigiando, pra gente estar hoje, nesse lugar aqui que eu estou.

P/1 - Porque teve uma época que ficou só seu pai lá, na casa?

R - É. Ficou só o meu pai.

P/1 - Não tinha ninguém, neto, nada? Ninguém ficava com ele lá?

R - Não, Não. Todo mundo saiu, todo mundo mudou para Brasília. E aí, depois que eu mudei, que ele teve companhia. Aí, ele ficou com a gente cuidando. Então ele ficou doente, ele quebrou o fêmur, daí ele já estava de idade, né. Quebrou o fêmur. Então, ele… Nós… Já era aqui. Então essa menina aí, ó. Que ficava de cadeira de roda para aqui, cadeira de roda para aqui, cadeira de roda para acolá. Banho daqui, comida para acolá. Ir ao médico. E tudo era ela.

P/1 - Ela que cuidou dele no final, quando ele já estava doente?

R - Sim. Doente. Porque foi o pai que eles tiveram. Você me entende? Foi o pai que eles reconheceram, que foi pai deles… foi meu pai. E eles têm pai, mas quem eles reconhecem é meu pai. Meu pai era duro, era severo, batia, era implicador, gostava de ficar espancando, sabe. Mas é assim mesmo, a gente tem que aceitar tudo que Deus manda pra gente. Porque a gente não carrega a cruz, se a gente não aguenta ela. Deus não dá a você a cruz, se você não dá conta de carregar. Então, o pai que eles tiveram, foi meu pai. Então ela ficou cuidando dele a vida todinha assim, de cadeira de roda, porque ele quebrou o fêmur, levou ele, fez a cirurgia. Ficou muito bom, se recuperou rapidinho da cirurgia, viu?! Porque eu nunca vi uma idade que ele já tinha, ele ficar tão recuperado da cirurgia, que não teve nada de problema da cirurgia. Mas aí, com pressa disso, ele ficou com medo de andar. Ele ficou com medo de andar e caiu dentro do banheiro. Ela estava dando banho nele, falou: ‘’ vó, fica aí, que eu vou pegar a toalha, fica aí’’. Quando ela foi pra pegar a toalha, quando voltou ele já tinha escorregado no banheiro, tinha caído, e quebrou o fêmur. Aí… Mas logo levou ele. veio para casa. Mas aí, ele ficou com medo de andar e dar outro problema. Então, aí, ficou lá, e logo ele fez a cirurgia. Ele ficou lá… não chegou a ficar nem oito dias lá. Aí comprou, arrumou uma cadeira de roda pra ele. Aí, ela ficava, dava o banho nele. E aí, ia pra ver, que a gente cimentou um lugar lá, assim, atrás. Tirava ele do quarto carregado. Um pegava nas pernas, o outro pegava na cabeça, trazia, sentava na cadeira de banho, depois, a cadeira de roda já ficava lá, pertinho. Tirava ele, colocava na cadeira de roda, levava, vestia a roupa, dava pra ele a comida. Tudo. Trazia ele para fora, trazia ele para cá. Se fosse em um lugar, os meus primos pegavam ele, e levavam, colocavam ele no carro ou na moto, e levavam para onde fosse, para passear. Ele não ficava, assim, acomodado dentro de casa, também eu digo… Mas quem cuidou. Meus irmãos, os filhos que tinham, que tem… Esse que mora na lagoa, que te falei, e o outro mora lá. Porque só ficou dois, né. Nunca falou assim: ‘’deixa eu ir lá pra eu dar um banho no meu pai, porque lá dentro de casa só tem mulher’’. Era o marido dela, que mora nessa casa, que ele viajou hoje, né, por causa do trabalho. Era ele e ela.

E eu, como já não aguentava carregar mais, fazia outras coisas. No lugar que ela fosse fazer ‘’aquilo’’, eu fazia ‘’aquilo’’ no lugar dela, pra ela cuidar. Ela dava banho nele, ela vestia, ela.. Tudo. Até mingau ela dava pra ele na boca. Mas os meus irmãos não. Aí, depois de tudo, do acontecido todo, ninguém ia ver, assim: ‘’ deixa eu ir lá ver se meu pai morreu’’, pelo menos. Veio aqui quando meu pai morreu, tem cinco anos. Tem cinco anos que meu pai morreu. Agora em abril fez cinco anos. Eles vieram no dia que meu pai morreu. Porque velou ele lá em São Pedro, porque a gente paga o plano, então, ele foi enterrado na Lagoa.

P/1 - Foi enterrado naquele cemitério lá da igreja?

R - É. Lá na Lagoa. Porque os pais dele, mãe dele, o pessoal dele, todos foram enterrados lá. Então, nós velamos ele no São Pedro, e veio, e enterrou ele na lagoa.

P/1 - Mas quando ele morreu, ele morreu por quê? O que aconteceu quando ele faleceu?

R - Assim, ele tinha muito problema de rim. E aí, ele fazia xixi toda hora, toda hora, e o único remédio que ele tomou na vida, era puran. Foi até o último dia, quando ele faleceu. O único remédio que ele tomava. Meu pai nunca sofreu uma dor de cabeça, meu pai era sadio de tudo, de tudo que você pensar. Foi mais da velhice mesmo. Do trabalho. Porque ele trabalhou igual um cavalo. Mas foi da velhice mesmo. Mas de maus tratos e de falta de cuidado, não foi, não.

P/1 - A senhora falou que ele faleceu com mais de 100 anos, é isso?

R - 101 parece. Que eu estou lembrada, acho que é 101. Porque tem cinco anos que ele morreu. Ele é de 18 de…Dia 15 de junho de 1915, que ele é. A data de nascimento dele. Ele não esquecia pra nada. Qualquer hora que você chegasse aqui, se você perguntasse pra ele, ele falava com você direitinho, a data do nascimento e de quando.

P/1 - Ele estava consciente, ele era lúcido?

R - Estava! Ele era consciente. Ele não tinha cabeça ruim, não. Ele… depois que ele começou a ter o mal de Alzheimer. Começou a esquecer as coisas, começou, assim… Quando a pessoa tem esse mal. Mas graças a Deus, ele não tinha mais doença nenhuma, nenhuma, nenhuma. Porque ele só tomava puran. Porque o médico passou esse remédio pra ele, até a hora que Deus o chamasse.

P/1 - Então, dona Silvia, aí, vamos falar agora da comunidade. A senhora tinha começado a contar quando teve que sair de lá. Vamos falar como que aconteceu isso. O que é que deu, pra ter que sair de lá?



R - Pois é. A gente não queria. As minhas netas, tinham a maior adoração. Que até ontem de noite ela esteve aqui. Aí, a gente ficou conversando ''vovó, mas é um lugar que eu tenho saudade’’. Toda vez que elas passam lá, acho que é aquela saudade que tem. Que eu não sei o que pode acontecer. Porque foi um lugar onde elas nasceram, se criaram, ficaram grandes, já saíram todas grandes. Com diz: de responsabilidade. Aí, tinha aquele amor do mundo, com os vizinhos, e com o lugar, que foram nascidas e criadas. Foi lá onde elas cresceram, foi lá que elas foram pra escola, né. Então elas tinham aquele amor, por aquele lugar. Mas, ela… Ele… propôs, porque lá estava em ato de risco, né, da barragem desabar.

P/1 - Mas vocês sabiam que iam montar a barragem lá? Como é que foi?

R - Mas lá já tinha. Já tinha a barragem. Eles ficaram com medo da barragem encher e prejudicar nós. Porque era a favor. Lá onde nós morávamos…

P/1 - Mas vocês estavam perto da barragem?

R - …Era favor. É de lá… A gente via passando tudinho lá. Carro, tudo andando. Dava pra ver tudinho. Então, eles ficaram com medo de nós sermos prejudicados. Então, antes que acontecesse… Aí que falava: ‘’e antes que o mal cresça a gente corta a cabeça’’. Então eles ficaram com medo do mal, né. Aí, então, já propôs, se nós queríamos dispor de lá.

P/1 - Aí, não era vender na época, a senhora explicou que era outra coisa que eles faziam…

R - É. aí, eles falaram que, como o lugar dos outros vizinhos eles compraram, porque eram lugares maiores, entendeu? Eram maiores, então tinha que ter uma negociação diferente. E como eu não queria sair, nem meus filhos, ninguém queria sair. Eu falei: “Oh, eu posso até sair, mas se eu arranjar um lugar que ao menos imite o meu lugar aqui. Não é grande, mas eu tenho amor. Aí, se vocês garantirem, que vão fazer isso pra mim, aí nós vamos fechar o negócio’’. Aí, sim. Aí, foi, mexeu, mexeu, mexeu, aí foi embora. Aí, depois, retornou a voltar lá, de novo. Eu retornei a falar as mesmas coisas, igual detetive. Não mudei de assunto, e nem mudei de ‘’coisa’’, e nem aumentei e nem deixei de falar o que eu tinha falado da primeira vez. Bom, mexeu, mexeu, mexeu, eles diziam assim: “Ah, essa mulher é dura de roer mesmo, essa mulher é testuda, ela é dura de roer’’. Bom, ficou, ficou, ficou, ficou assim, uns 15 dias. Aí, eles retornaram. Eu sei que eles foram lá sete vezes. Era um pezão de manga igual esse no terreno. Mas você podia jogar farinha. Era uma roda de samigue. No meio do terreno tinha uma mesa de roda de semique. Que a gente colocava lá, pra ficar embaixo. Porque era um pezão de manga, que já tinha não sei quantos anos, que tinha esse pé de manga lá. Ainda tem até hoje. Então, nós ficamos na beira dessa mesa negociando, negociando. Aí, falavam as mesmas coisas. Quando foi na quarta vez, ele falou assim: “É, se você não quiser assim, do jeito que nós falamos, o negócio tá fechado’’. Mas eu falei assim: “Olha, eu não largo a minha família por nada e nem pra nada, porque você vê aqui, nós somos 18 pessoas nesta casa. Eu não me desfaço da minha família, eu não me desfaço deles, porque eles não são de saco, para vocês colocarem para lá e deixarem. Eles são meus filhos, e sempre vão ser meus filhos, então, eu quero minhas ‘coisas’ todas unidas. Se vocês tiverem uma condição, de arrumar um lugar… E ir pra cidade eu também não vou, não. Eu quero ir pra roça, quero ficar na roça. E se vocês tiverem um lugar para eles, cada um fazer uma casinha… Para eles fazerem uma casinha, para todos eles entrarem debaixo, para que, quando eu morrer não ficar pensando assim “Eu deixei meus filhos sem um lugar para eles ficarem’. Porque não foi assim que eles foram criados. Se vocês garantirem, de vocês me fazerem essa proposta… Essa conversa, então, o negócio tá fechado. Mas se não for, não tem negócio, porque eu não quero sair daqui, não pretendo, e eles também não querem sair. Mas se você… se a conversa ficar em pé, tudo bem. Se vocês me aceitarem, eu posso até estar passando o assunto. Mas a minha cabeça só topa assim, o meu propósito é esse’’.



P/1 - E aí, como é que foi, depois, quando achou essa terra aqui. Como é que foi?

R - Aí, ele mandou, né… aí, ele veio olhar. E meu filho trabalhava de trator, arando terra, né, porque ele trabalhava na prefeitura. Meu segundo filho. Trabalhava por aqui tudinho. Então ele já conhecia aqui tudinho, porque ele arava terra por tudo quanto é lugar aqui. Porque ele trabalhava na prefeitura. Então, ele falou assim: “Mãe, tem um lugar lá em São Sebastião, e… Acabei até de passar lá, hoje. E mora lá seu Abílio da Emater’’. Que era dona, finada, Olga. Que era companheira dele. Que ele mexia com negócios da Emater, que era negócio de planta, né. Da Emater. Eles mexiam com esse tipo de trabalho… “Então, tem seu Abílio, que mora lá, e ele disse que já está velho e cansado, e aí, ele não está dando conta de cuidar mais das coisas. Aí, ele está querendo vender lá. Tá querendo negociar lá. Quem sabe a senhora não fala com Marcelo, e aí não dá negócio’’. E aí nós fizemos, né. Aí, Marcelo foi lá em casa, a gente conversou com ele, e ele prontificou, deu a liberdade pra gente ir olhar né, “Vocês podem olhar, porque são vocês que vão morar’’. Porque, antigamente… primeiramente, nós olhamos lá na beira da rodovia, um sítio. Hoje, é um policial que mora lá. Lá perto da rodovia, onde tem um restaurante, bem na beira da estrada.

P/1 - Mas era grande lá?

R - Não era pequenino também, não. Dava até para você criar umas duas galinhas, dava para criar umas duas vacas, por aí. Mas só que a escritura de lá era meio enrolada, e a gente estava com pressa. A gente estava com pressa. Falei: “Já que a gente tem que morrer, que não adoeça, né’’, a gente já tinha que sair mesmo, a gente tinha que sair logo. Aí, então, a gente olhou lá, foi primeiro lugar que a gente olhou, mas não deu negócio. Aí nós viemos para cá. Até o genro dela, que nos trouxe até aqui de carro, para nós olharmos. Nós olhamos aqui… aqui não tinha nada não, meu filho. Aqui era só cassutá. Que você não aguentava nem andar, porque era um mato, que se chama timbete, que prega na gente, todo cheio de espinhos. Menino, você não podia andar, que você saia todo pregado. Você tá de saia justa. Mas não tem nada, não. Tudo acaba, né.

P/1 - Mas isso aqui era tudo, tudo mato?

R - Tudo. Não. Um matão. A frente aí, você não via nada, nada dessa vista. Era só mato na beira de tudinho. A casa era no meio, você nem sabia se tinha casa. Pelo lado de trás da casa, ali, era uma hortaliça que tinha. Plantava horta lá. Mas a horta era só mato quando eu vim para cá. Era só mato. Porque eu saí de lá para capinar ali. E ali para fora, tudinho era mandioca. Era tudo assim, um matão, sabe. Era muito mal cuidado, porque ele não estava aguentando mais mexer, e deveria ser pão duro, mão de vaca. Não abria… Como diz: ‘’não comia banana, para não jogar a casca fora’’. Aí, ele não queria pagar, dizem que… aí, ficou esse cassutá aí, essa coisa aí. Então, o meu menino viu, e falou que ele queria trocar ou vender, fazer alguma coisa. E a RPN ficou sabendo, e Marcelo veio diretamente, né. Aí, nós viemos, olhamos. E falamos o que tínhamos visto, que agradou o lugar, e tudo. Aí, a gente falou com ele, ele veio aqui e negociou, né.

P/1 - Para trocar a terra, né?

R - É. E nós trocamos. Negociou, ele aceitou a negociação assim. E aí, ele… O meu menino andava também por tudo quanto é lugar, chão levando. Então, ele descobriu esse lugar lá no Paracatuzinho. Um lugar abandonado, sabe. Um lugar grande abandonado, mas tinha abacate, tinha pé de laranja, tinha pé de goiaba, tinha pé de cajamanga, tinha muita coisa no quintal. Mas estava um lugar abandonado, só tinha colonião lá. Tanto que lá para ‘’coisar’’, fazer as casas, tudo, teve que entrar o trator, com a retroescavadeira, com tudo, com maquinário mesmo, para poder arrumar lugar, né, para poder fazer a casa. Aí, eles fizeram as seis casas lá, para os meninos, ele aceitou. Aí, eu vim… E aí, olhou, essa aqui. Aí, ele já tinha feito essa aí igual eu te falei, que ele fez a casinha com quatro cômodos. Mas como eu não queria morar aqui, queria emendar essa casa aqui… fazer uma emendação que pensasse que era latada, uma latada de chuchu. Falei: “Não! Chuchu eu planto aqui mesmo, porque latada eu não quero, eu quero minha casa ‘assim, assim, assim, assim’, se puder assim, não quero latada, não vou plantar abóbora, não vou plantar chuchu, não vou plantar nada. Para que essa latada que eu quero, para que essa coisa emendada. Eu tinha minha boa lá, não precisava nem de estar aqui, tendo esse tipo de conversa, né. Porque eu lutei para ter uma coisa boa, porque eu precisava acabar de viver’’, então…

P/1 - E como que resolveu depois, dona Silvia?

R - Aí, ele aceitou, deixou eu trazer a casa que eu tinha lá todinha. Aí, chamei meu sobrinho, e ele veio. Aí, o meu menino pegou as madeiras, os ‘’trem’’ tudinho no caminhão, né. Trouxe tudinho, aí, trouxe as telhas todinhas. Nós… aqui, para pôr… Nós lavamos 6 mil telhas, na mão, 6 mil telhas.

P/1 - Que vocês tiraram de lá para por aqui?

R - Que tirou de lá, trouxe, e nós ficamos nesse tanque aí, ó. Aí, era um pezão de amora, que tampava isso aqui tudinho. Agora não tem, porque apodreceu, e a gente cortou. Aí, então, a gente ficou lá embaixo, lavando essas 6 mil telhas na mão, só com escova. Para poder pôr na casa.

P/1 - E essa parte aqui do fundo, a senhora falou que depois teve ajuda. Como é que foi, quem ajudou. Como é que foi?

R - Aqui?

P/1 - É!

R - Aqui foi meu sobrinho que também fez. Porque a cozinha de lá, eu trouxe para cá. A madeira que era da cozinha de lá, eu trouxe para cá. Que está aí, tá aí. Nessa casinha aí do fogão, aí, ó. Aí, então, depois que fez essa ‘’coisa’’ todinha, ele fez o fogão. Aí, para mim, fez a casinha e o fogão. Mas tudo de lá que eu trouxe.

P/1 - E faz quanto tempo que a senhora está aqui nessa terra?

R - Tem dez anos.

P/1 - E aí. Como foi a vida, a partir daí?







R - Dia agora… Dia 2 de fevereiro fez dez anos que eu moro aqui. Ela tem 11 anos, ou 12 anos. Acho que ela tem 12 anos e eu 11 anos. Porque ela mudou um ano antes de mim. Pois é, aí já trouxe minha caixa de água, trouxe a bomba, né, tem a bomba ali no poço. Tem um poço aqui. Porque quando a água da rua falta, a gente… socorre aquela lá. Vai lá, liga a bomba, e aí vem e enche essa caixa aí. Tem a caixa lá dentro, e tem essa aqui fora. A caixa do banheiro lá dentro, lá na sala, do banheiro que eles fizeram, né. E lá atrás tem esses dois tambores, de 200 Litros, que a gente vai enchendo, permanecendo a água, para a gente ir movimentando: lavar a roupa, lavar a casa, aguar as plantas. Então, é assim! Porque água aqui, nunca vi faltar desse jeito igual eu tive.



P/1 - Aqui tem faltado água?

R - Ah, nossa. Essa semana todinha, foi uma peleja. Ontem ela nem lavou roupa, lavou a casa. Hoje que ela tá lavando a roupa. Ontem limpou, lavou… limpou a casa. Hoje que ela está lavando a roupa.

P/1 - E a senhora me mostrou o terreno lá no fundo, e aí, como é que começou a cuidar das coisas aqui da terra? O que a senhora foi fazendo no terreno aqui?

R - Aí, foi plantando milho, foi plantando uma mandioca, foi plantando alguns pés de coisa… Acerola. Alguns pés, às vezes, até morreram, mas já vieram os outros novos. Aí tem uma casa do outro lado ali que não te mostrei, mas vou te mostrar, que é da minha irmã, que fez a casa lá. Mas hoje meu irmão de Brasília que vai morar lá. Ele veio, acabou de arrumar a casa, porque a casa não tinha área ao redor, então, meu irmão que mora lá. Aí, com diz:… Já aposentou também. Aí vem morar ali. Depois vou levar lá, depois mostro para você. Então, os pés de acerola aqui, quando da acerola, você não dá conta, você põe 30, 40, 50 litros de acerola, por dia, se você quiser pegar. Então, aí, as meninas pegam e fazem poupa e amarra no saquinho. Compra o saquinho, e faz as poupas, põe no congelador, e aí, vende. O pessoal vem comprar. De tumarín também.

P/1 - Mas o pessoal que vem aqui ou vocês levam para algum lugar para vender?

R - Não. Alguém procura. Às vezes, alguém vem buscar. Eles vêm pegar aqui. Outros encomendam, às vezes tem a pessoa aqui… aí, pega e entrega. Leva. A pessoa entrega para a pessoa que encomendou. E por aí, meu filho.

P/1 - E a senhora estava me contando do milho, teve ano que deu milho, mandioca. Também tudo vendia?

R - Deu. Deu. Mandioca, nossa… Nossa, nós fizemos uns sete ou oito sacos de farinha, da mandioca aqui. Aí, depois, de uns tempos para cá, a mandioca não quer viver, pegar. Porque sabe o que fez, nós capinamos tudo de enxada, limpamos tudinho de enxada, mas como a coragem dos outros não deu para fazer isso, aí bateu veneno na terra. Então, a mandioca não deu certo com o veneno, que bateu na terra. Então, tá esperando o veneno se acabar na terra, para poder plantar novas mandiocas. Então as mandiocas não querem viver. Aí, cebola… Você tá vendo ali, você viu, né?! Aí, minha menina faz uma plantação de cebolas. E aí, tem onde entrega, né, os molhos de cebolas que apanha. A encomenda. Tem o dia das encomendas, de apanhar, ela apanha uns 30, 40 molhos de cebolas. De folha e cebola. Aí, tem um restaurantinho da colega da gente que encomenda, né, ela faz comida, para o pessoal ir comer. Então, ela encomenda cebola, caldo e tudo. Ela já encomenda. Ontem mesmo ela levou, uma sacolada, de folha e cebola para essa senhora, lá na Bela Vista.

P/1 - E o milho, porque eu vi que milho também estava lá…

R - O milho não prestou muito, não. Por causa do sol. O sol veio muito na hora que ele necessitava da chuva. Então, deu o milho, mas não foi como na primeira vez. Na primeira vez, na segunda vez, que a gente plantou aí, pegava era carro… é carro de milho. Não era saquinho, não. Era carro de milho que pegava aí. Porque o meu menino criava muito porco. A gente criou muito porco aqui, e galinha também, então não precisava comprar… comprar milho. Era só… quase o milho do quintal, dava para dar pro gasto. Aí, pegava, fazia pamonha, fazia angu, uma pessoa carregava, o vizinho vinha e quebrava, os parentes, né. Mas ainda sobrava coisa para a gente fazer. Mas agora com esse período, né, nós capinamos. Porque teve coragem, eu e meu filho mais velho. Capinou todinho esse mandiocal, todinho assim. Mas as mandiocas eram todas dessa grossura assim, ó. Os pés eram dessa grossura assim, que era. Os pés. Eram de todas as qualidades de mandiocas. Mas eram todas mansas, não tinha uma mandioca brava, eram só mansas. Então, foi da época que deu muita coisa, deu muito rendimento, deu… prosperou, né. Agora, de uns tempos para cá, né. Aí, que não quer, estão esperando o veneno, como diz: se acabar na terra. Aí, para poder plantar.

P/1 - E a senhora me contou que lá no fundo também tinha açafrão.

R - Que… não… foi, meu primo, que é o genro dela, que plantou um açafrão lá. Quando eu vim lá do Santa Rita, eu trouxe uns 50 litros de açafrão pronto. Porque lá também tem a origem do açafrão. Era a origem do açafrão lá. Então eu já vim trazendo ele pronto. O ano passado nós não fizemos, porque no ano retrasado nós fizemos. Porque tem que passar um ano, para depois no outro ano. No ano passado nós não fizemos, nesse ano, ele e as meninas fizeram. Porque nem eu não estava aqui. Eu estava em Brasília, com a minha menina. Então, eles que fizeram aqui, mas eu que em-litrei. Aí, eles levaram, né, foram dois sacos, desse de 50 quilos. Levou dois sacos e meio de açafrão, ali em um moço, para moer. Então, em-litrei o açafrão até, e fiquei enfiada.



P/1 - E a senhora me contou, né. Estava falando agora, que em um ano produz açafrão e no outro não pode. E como vocês sabem dessas coisas? Como vocês aprenderam?

R - É porque, ele tem que… Assim, você arranca as moitas, ele todo. Então, no arrancar das moitas você deixa uns dentes na terra, para quando vier a chuva, ele nascer todinho. Então, para você mexer no ano seguinte ele quase não tem raiz. Você tem que deixar ele de um ano para outro, para ele dar renda, para ele prosperar, para ele dar rendimento. Então, a gente vem, restoa, faz tudinho, e é tudo lascado, na mão, com faca. Arranca, lava, tira aquelas barbas da batata tudinho, é muito asseado. Põe nesse tanque aí, lava tudinho, põe nas vasilhas aqui embaixo, aqui, no prato. Aí, ele escorre a água todinha, aí depois, você… Você ir lascando, aí, vai ficando as batatinhas pequenas, vai ficando, né, vai ficando. Aí, tem até aquele saco ali, ó, tá as batatinhas para retornar a plantar. Assim que o meu primo, que é genro dela, que faz. Ele que plantou. Aí, desse lado aqui, dessa… Aqui, ó. Tudo era cheio de açafrão, e lá naquela gruta que eu te mostrei.

P/1 - E para ele virar aquele pó, como é que faz?

R - Moído, meu filho.

P/1 - Aí, mói, depois disso… Mas ele não vai no fogo, nem nada, ele só seca e depois mói?

R - Não! Aí, tem um plástico. Tem um plástico bem grandão. Você abre lá no quintal. Deixa ele aberto lá no quintal, e vai despejando o açafrão, lascando. Leva no carretão e despeja lá. Aí, a hora que já tem a porção, que já dá para abrir, aí, você abre ele todinho no plástico. Quando é de tarde, você vai lá e junta ele todinho, porque ele não pode pegar sereno.

P/1 - Ele só pode ficar no sol?

R - É, só pode ficar no sol. Aí, de tarde, antes de ir para boca da noite, você vai lá e tampa ele todinho. Aí, quando é de manhã, a hora que o sol abrir, tiver… Você vai lá e abre ele todinho, esparrama ele todinho. E é assim esse trabalho, meu filho.

P/1 - Aí, depois que seca, você tem que moer tudo?

R - Aí, depois que ele seca, você assopra ele todinho, porque sai aquele farelinho fino. Assopra ele todinho, ensaca, e leva para o moedor.

P/1 - E aí, é isso que vende depois?

R - Vocês querem ver?

P/1 - Depois eu quero ver. Não. Depois, depois, senta aí dona Silvia. Depois você mostra, por favor. Então é isso. Aí, vende esse açafrão?

R - Vende. Do ano que nós vendemos, desde quando nós viemos de lá, eu estava vendendo a 50 reais o litro, de 51.

P/1 - Por que você engarrafa ele, é isso?

R - É. Porque é tudo no litro de 51, de pinga 51, você conhece, né?

P/1 - Sim. Aí, depois…. a senhora tem, a senhora me mostra depois, né?

R - Sim. Tenho, sim.

P/1 - Então, depois me mostra.

R - Aí, ele… Ele. A gente põe, arranja um funil, vai pondo nele e enfiando um pauzinho de taboca, e batendo nele, assim, no chão, para ele ir. Porque se a gente põe ele frouxo, e for para vender, a gente não vai vender a alma. A gente quer vender uma coisa cara, mas uma coisa digna, que 1 litro de açafrão pode durar até três meses, quatro meses. Você me entende? Porque é bem ajeitadinho. Não é para um lado, deixando para um lado, não. É socadinho, ajeitadinho, tudo com rolo especial. Pois, é. Então, é esse trabalho todo. Então, no ano passado, nós vendemos tudo a 50 reais. Agora que a minha menina falou: “Não, mãe, agora a gente não vamos passar por menos de 60 reais, ou 80 reais’’, porque dá muito trabalho, muito trabalho mesmo. Porque ele dá trabalho. Porque uma coisa pura, sem mistura nenhuma, nenhuma, de nada. Porque antigamente, muitas pessoas faziam muito açafrão, mas depois na finalidade, estoca fubá. Eles misturam fubá, de milho, para poder render. Eu não. Eu não quero ser uma coisa a Deus, não. Não quero pagar a Deus uma penalidade que eu faço com o ser humano, que tem o mesmo trabalho que eu também tive. É luta também, igual eu tive. Não sou assim. Sou de… Nossa, como diz… Eu não sei nem o que eu posso ser. Eu tenho um ódio, uma coisa tão grande, de gente desonesta. Nossa senhora. Gente desonesta para mim… não fica perto de mim. Porque eu odeio desonestidade. Então, até isso você tem que saber, “Não, eu tô vendendo, mas é uma coisa que eu sei que é bom, e é puro, não misturo com nada, e é bem ajeitadinho’’. Depois eu vou te mostrar.

P/1 - E, então, vamos falar da comunidade agora. A senhora tinha começado a contar sobre a festa de Santa Cruz, que é uma festa típica lá do pessoal de Santa Rita, né?!

R - É, é. É uma festa de muitos anos.

P/1 - Então, me conta como é que é?

R - Porque não tinha nada lá onde é a igreja hoje. Faziam as festas, as atividades, o juizado que tomava conta da bandeira, que era o juiz de responsabilidade daquela festa. Então, faziam uma baiuca de ramo, sabe. Era bem lá… é amplo lá, é muito bonito lá. Então, era tipo esse pé de acerola, e aí, você arrumava um tanto de ramo, e fazia o lugar de você fazer o suco, fazer o café, pôr o saco dos biscoitos, levar as vasilhas todinhas. Então, começou desse jeito. Então… aí, afundou Santa Cruz, depois a promessa de Santa Rita. Porque os paus estavam morrendo todos de febre amarela.

P/1 - Ah, eu lembro, a senhora me contou. Mas, assim, na festa, o pessoal organizava como, para fazer essa festa. Como eles se organizavam, como vocês combinavam isso?



R - Ah, mas os vizinhos eram muito perto. Muito comunicativos. A gente já estava por dentro daquela coisa que ia suceder, né. Aquela, aquela coisa que já ia fazer no dia da festa. Porque sempre que levanta a bandeira de Santa Cruz, é dia 3 de maio, que levanta a bandeira.

P/1 - Mas eles passam o ramo para quem vai cuidar da festa, não é?

R - Vai, passam o ramo. Assim que… Assim… Eu e você somos os juízes, né. Aí, na hora que o outro está entregando a devoção dele, que ele já terminou a subida e a descida, aí passa para mim o ramo, e eu passo para você também. Então, desta feita nós dois vamos ter a responsabilidade…

P/1 - No outro ano, né?

R - Porque eles não têm mais não.

P/1 - Mas aí, é na festa do outro ano, né?

R - É. Do outro ano. É outra responsabilidade, daquela pessoa que pegou o ramo. E por aí vai. E por aí vai.

P/1 - Aí, lá na festa, o pessoal reza primeiro, isso?

R - Reza. Reza ladainha e levanta a bandeira, viu?! Tem o pau enorme de pôr a bandeira lá em cima. Porque de quando eu fui juiz, ainda tem o pau até hoje.

P/1 - Ah, mas a senhora chegou a ser juiz lá também?

R - Fui, eu fui juíza de Santa Cruz, de Santa Rita. Fui juíza lá, meu filho. E aqui… lá, nós fizemos uns seis sacos de biscoitos. Só biscoitos que fala ‘’peta’’, lá. Eu morava lá. Foi tanta gente na minha casa, que tinha um morador lá na frente, que se chama Zé Romero, hoje ele mora na cidade, mas ele mora no Cunha agora. Então o carro ficou da minha porta, até a casa do seu Zé Romero, de cá. Que não tinha aonde você pisar, que você estava pisando em gente. Foi muito especial. Foi uma história longa, mas graças a Deus, fui feliz. Realizei o que Deus queria para mim.

P/1 - E nessas antiguidades, como é que o pessoal lá, tinha bastante gente morando no Santa Rita?

R - Tinha, ih. Menino, o que um conversava o outro escutava. Era uma casa quase dentro da outra, meu filho.

P/1 - Mas tinha bastante família lá?

R - Tinha muitas famílias. Só uma vez de lá, que saiu de uma vez, que essa ida… do período da minha… saiu nove famílias, de uma vez. De uma vez.

P/1 - Dessa época que a senhora saiu de lá?

R - Dessa época. Saiu nove famílias. E todas na redopa, todas eram casas uma quase dentro da outra. Assim, que se você gritasse, escutavam.

P/1 - Mas lá, esse pessoal que saiu a senhora falou que todos eram área de risco ali, da barragem.

R - Todos eram. Todos moravam na área de risco.

P/1 - E todos tiveram que sair de lá?

R - Todo mundo teve que sair. Essa senhora mesmo, que eu estou te falando que é Alice, que era minha comadre, e tinha essa Aparecida também, que era, também. Os meus primos, minhas tias, os meus tios, que moravam mais afastados de mim. Como daqui nessa casa, um pouco mais dessa casa de Benjamim, um pouco. Só lá saíram cinco famílias, só desse lugar, só. Fora para cá, pra onde a gente morava.

P/1 - E essas famílias estão onde agora? A senhora está aqui em São Sebastião, e as outras?

R - Ah, menino. Foram todas para a cidade. Todo mundo.

P/1 - Dispersou o pessoal?

R - Todo mundo comprou a casa, teve o dinheiro para comprar, né. E eles antes disso, já tinham a casa de aluguel lá, essa família da minha mãe. Já tinha a casa de aluguel lá. Então, cada um tem três casas, cada um tem quatro casas, dessa família, que o dinheiro deu para comprar.



P/1 - Entendi. Mas assim, todo mundo saiu de lá e foram para outros lugares de Paracatu?

R - Foram. Cada um caçou um bairro para morar.

P/1 - E como é que está a comunidade agora? A senhora chegou a voltar lá depois, lá no Santa Rita?

R - Ah, mas tá muito fraquinha. Os que ficaram, que ainda moram, né. Ficou muito fraquinha, mas sempre quando tem uma atividade, é muita gente, porque no Engenho do Padre tá “assim” de gente. Então, as coisas como são bem associadas, as pessoas se juntam, as pessoas permanecem a mesma coisa de antes. As pessoas têm fé. As pessoas caminham até Deus. Então, passou uma festa agora, que foi… Era marido da minha neta… Que foi lá em Aparecida, sábado passado. Você precisava ver aquele tanto de gente, que você olhava assim, e você só via cabeça de gente lá nessa festa. Muita gente. Ele era juiz da Santa Cruz. Filipe, ele se chama. E ele foi juiz junto com Aparecida. Então a festa foi lá na casa dela. Porque quando é para subir, pode ser na igreja, lá, para subir a bandeira. Pode ser lá na igreja. A festa, as atividades podem ser na igreja. Mas para descer a bandeira, tem que ser na casa da juíza. Então as coisas são complicadas, é tudo no seu devido lugar. E desde o começo de antes foi assim.

P/1 - E a igreja lá, como ela era antigamente, ela era desse tamanho que ela é hoje, como é que ela era?

R - Ih, meu filho. Ela era, como diz… não estou, não estou querendo aparecer, mas era pouco maior que essa cozinha aqui. Mas o tanto de gente que ia. Depois teve a associação, teve o pessoal que colaborou, que deu uma coisa, deu outra, deu outra coisa, deu outra e outra. As pessoas que moravam lá antes. A igreja hoje é linda. A igreja cresceu. A igreja é linda.

P/1 - A senhora me contou da associação. A senhora viu a associação nascer, a senhora viu como é que aconteceu?

R - Não. Eu vi quando começou. Porque era bem fraquinha. Logo a RPM entrou, aí ajudou a avançar, ajudou a crescer as coisas que tinham necessidade. O lugar da igreja foi doado para um homem que morava embaixo da igreja. Que venceu também. Ele se chama Abel. Seu Abel. Ele não existe mais. Mas antes, antes de tudo, dessa feita, dessa baiuca de rancho, todo o terreno era dele. Então, ele doou esse lugar lá. Para ter essa prestividade da festa.

P/1 - E a associação, quando ela nasceu, o que ela estava procurando, o que ela reivindicava, o que ela estava pedindo na época que ela nasceu?

R - Ah, assim, porque a gente pensou que todo mundo ia ficar quietinho, que ninguém ia sair do lugar, que todo mundo ficava no lugar quietinho, que continuava as mesmas coisas que eram de antigamente, que não ia mudar nada. E assim a gente pensou, mas todo pensamento é torto, né. E aí, foi assim, foram aparecendo compra, tipo: Mario Farias que foi o primeiro que vendeu, que mora lá perto do morro grande. Foram os primeiros a vender. E foi abafando, foi apertando feito pinto no ovo. Foi apertando, apertando, até chegar em nós o aperto.

P/1 - E quando tinha a reunião lá na associação a senhora chegou a ir alguma vez?

R - Ia, nós íamos, sim.

P/1 - E o que o pessoal conversava lá mais ou menos?

R - Ih, era tanta coisa que eu nem sei… acho que muita coisa, nem que fosse para a minha cabeça.

P/1 - Mas dava certo, dava briga, como é que era?

R - Não. Não dava. A gente escutava tudo. Mas graças a Deus, era uma coisa assim, que não tinha violência. Era uma coisa assim, muito de Deus, todo mundo participava das coisas, e não tinha briga nem nada, tudo terminava na santa Paz. Então, não tem assim, da gente contar violência, porque não tinha. Porque o que um vizinho falava todo mundo aceitava, né. Ninguém ultrapassava, ninguém queria ser melhor do que ninguém, você me entende? Ninguém queria ser melhor do que ninguém. Ninguém pisava em ninguém. Ninguém queria diminuir ninguém. Todo mundo enxergava da maneira que você é, e fosse. Então, a comunidade era muito boa.

P/1 - E o Santa Rita hoje, tem pouca gente como a gente está falando?

R - Tem pouquinha, pouquinha, pouquíssima gente. Tinha Irineu que morava, né. Irineu que morava lá, e até mudou para a cidade e morreu. Também já tinha vendido lá. Que era vizinho de Ildeu, era uma pessoa muito especial, finado Irineu. Ele gostava muito da reunião da RPM. Era assim, uma pessoa muito respeitadora. Então, tem pouquinha, pouquinha gente lá.

P/1 - A senhora tinha comentando que a mãe do seu Ildeu, a senhora também conheceu.

R - Nossa, era uma excelente pessoa, Abadia, era Abadia que ela se chamava. Foi no ano retrasado que ela morreu. Foi dia 22 de fevereiro. Porque ela morreu em 2000 e… Nós estamos em 2022… 2019, não… foi em 2020.

P/1 - E lá, a senhora voltou a ir lá depois, para ver como suas terras estão ou nunca mais voltou lá?

R - Não. Sempre. Às vezes. Porque eu tenho minha família também, minha neta que mora lá. Aí sempre eu passo. Mas me dá muita saudade. Aí, tem Aparecida também, como você sabe. A gente passa na porta para ir para a casa dela também. Sempre a gente passando, né. Mas é muita saudade, muita, muita. Minha neta esteve aqui ontem de noite, e ela falou: “Vovó…’’. E a gente falou que nós íamos conversar com vocês, né. Aí, ela falou: “Vovó, porque eu trabalho no ônibus…’’, né, porque ela é monitora do ônibus, “Então, eu não vou escutar, vovó’’. Mas eu tenho saudade, a senhora fala para eles que eu tenho saudade demais de lá.

P/1 - A casa que vocês tinham lá ainda existe ou não, já acabou?

R - Não, não. Só… Nós arrancamos tudo. Só tá o alicerce.

P/1 - Não. Foi. Porque a senhora falou que trouxe as coisas para montar essa. Aí, não sobrou mais nada, nada?

R - É. Trouxe tudinho. Não, não, não. Só ficou a base do tijolo que começou a parede, só.

P/1 - E a terra, porque a terra vocês cuidavam lá, né, e aí?

R - Ah, eu cuidava. Mas as plantas, muitas mangueiras já morreram. Muitos pés de acerola também, mas ainda tem muita coisa lá também, que ainda existe. Mangueira. O córrego com a água suja, porque a gente lavava as vasilhas no córrego. O corregozinho era bem bom, meus meninos ficavam tomando banho lá de cachoeirinha lá dentro. Era muito bom lá. Meu pai ficava sempre embaixo de um pé de caju que tem bem na beirinha da estrada. Tinha um banco. Ele gostava de deitar nesse banco, colocava as penas nesse pé de caju, né. Era muito, assim, muito bom. Muita saudade, sabe. Mas, vai lá no meio, na beirada e no canto. Como diz: “ Eu estou bem, porque ainda está dando para eu viver, eu estou bem, tem que falar que eu estou bem.

P/1 - Vou fazer as últimas perguntas, pra gente terminar. Então, dona Sílvia, uma pergunta que a gente sempre faz para todo mundo: o que a senhora gostaria de deixar como legado? Então é assim, da sua vida, das coisas que a senhora viu, do que a senhora aprendeu. Depois que a senhora for embora, o que a senhora gostaria de deixar para o mundo, para as pessoas?

R - Uai. Tem que deixar boas memórias, boas atitudes, boas obras, né, que eu fiz. Para eu deixar, para as pessoas enxergarem. Se algumas pessoas aceitarem e admitir que eu preciso ser vista e elogiada pelo que eu estou falando. Agora, se os outros… Eu não sei. Mas eu deixei boas obras, boas coisas que eu já fiz, bons trabalhos, boas vivências, com todo mundo, graças a Deus, né. Bom caráter que eu tenho, graças a Deus. Sou muito digna, viu? Das coisas, viu? Sou muito certa. Só não tenho paciência. Porque eu já falei para você que eu não tenho mesmo. Não tenho. Nunca existiu paciência, tudo meu. Eu não sei esperar, não sei mandar, e não sei pedir.

P/1 - Aí, a última pergunta que a gente vai fazer agora para a senhora, dona Silvia. O que a senhora achou de contar a sua história de vida, de sentar aqui e contar a sua história?

R - Uai. Eu achei assim… uma coisa assim, é, especial. Porque a pessoa me procurou… E, eu achei assim, que eu não ia dar conta de falar, que eu ia me vestir assim, de uma palhaçada, de uma caçoada, de uma conversa boba, de uma conversa sem proveito. Assim, achava assim, que a pessoa não podia se dedicar a ouvir o que eu queria dizer, né. O que eu disse e quero dizer. Então é “assim e assado’’, não estou falando vantagem, e nem estou falando desvantagem. Eu estou falando do que eu fui e sou, e as que eu vou deixar.

P/1 - Muito obrigado, dona Silvia!