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Museu da Pessoa Museu da Pessoa

Semeando conhecimento, colhendo trocas positivas

autoria: Museu da Pessoa personagem: Anônimo

Projeto: Diversidade e Inclusão no Mercado Financeiro – Banco Pan
Entrevista de Juliane Alves
Entrevistada por Bruna Oliveira
São Paulo, 26 de agosto de 2022
Entrevista n.º: PCSH_HV992
Realizada por Museu da Pessoa
Transcrita por Selma Paiva
Revisada por Bruna Oliveira

P/1 – Ju, para começar, eu gostaria que você se apresentasse, dizendo seu nome completo, a data e o local do seu nascimento.

R – Meu nome é Juliane Aparecida Alves de Assis, eu nasci em 23 de novembro de 1993, em São Paulo, capital.

P/1 – E quais os nomes dos seus pais?

R – A minha mãe se chama Maria Dalvani Alves Assis e o meu pai se chama Raimundo de Brito Assis.

P/1 – E como você os descreveria?

R – A minha mãe é uma mulher extremamente trabalhadora, um pouco brava, um pouco ‘barraqueira’, às vezes, mas de um coração muito bom. Meu pai também, eles têm isso em comum, tem um coração enorme. É um homem mais introspectivo, não é de falar muito, mas ele é super inteligente, então quando ele fala, todo mundo presta atenção no que ele está falando.

P/1 – E você sabe como eles se conheceram?

R – Sim, essa história é boa. Eles se conheceram quando eles moravam na mesma rua. Eles vieram do Nordeste para São Paulo e trabalharam na mesma fábrica, na época, uma fábrica têxtil. E no momento que eles se conheceram, não se deram muito bem, não gostavam muito um do outro, mas depois foram conversando, conversando e aí a família também, um do outro, se conhecia e tal. E a partir daí, foi história.

P/1 – E com o que eles trabalhavam?

R – Então, eles trabalhavam nessa fábrica têxtil, em funções bem operacionais. Eu não sei dizer ao certo o que eles faziam, mas era uma fábrica que produzia tecidos. Naquela época, eram funções bem operacionais mesmo, de manusear o tecido, manusear máquina, esse tipo de coisa.

P/1 – E você tem irmãos?

R – Eu tenho. Eu tenho um irmão mais velho, que é cinco anos mais velho do que eu. E ele não mora mais comigo. Eu moro com meus pais ainda, ele já é casado, agora vai ter uma filha, eu vou ser tia. Estou muito animada. E ele é o meu melhor amigo hoje. Meu irmão e meu melhor amigo.

P/1 – E como é que é o nome do seu irmão? E como era a relação de vocês, durante a infância?

R – O nome do meu irmão é Rodrigo. Quando a gente era criança, não se dava muito bem, a gente brigava um pouquinho, mas assim, aquela coisa normal, de irmãos. Quando a gente tinha que dividir alguma coisa, também era um pouco tenso, tinha que dividir bolacha, um salgadinho. Enfim, a gente tinha que dividir tudo. Mas a gente se divertia muito. Ele queria ter um irmão e veio uma irmã, uma menina, aí ele não ficou muito feliz com isso. Mas eu tentava ser o melhor “irmão” (risos) pra ele que eu podia ser, então eu brincava de tudo que ele queria brincar, de futebol, de ‘lutinha’, de videogame, de tudo quanto era “coisa de menino”, para ser a melhor irmã que ele poderia ter, já que ele não teve um irmão, então eu tentava ter esse papel. Mas a gente se divertia muito, mesmo com todas as brigas, com todas as coisas. Hoje ele é o meu melhor amigo, então deu tudo certo. (risos)

P/1 – E você chegou a conhecer os seus avós?

R – Sim, eu conheci os meus avós. Meu avô materno já se foi, ele faleceu quando eu tinha onze anos, mas todos os meus outros avós estão bem, estão firmes e fortes aí. Não tenho muito contato com os meus avós paternos, porque eles moram lá no Nordeste. Mas a minha avó materna mora aqui, mora bem pertinho de mim, inclusive. Então eu tive esse privilégio de conhecer todos os meus avós e tenho a memória de cada um comigo.

P/1 – E tem alguma história com a sua avó, de quando você era pequena, que você lembra com carinho, ou algum fato que você compartilhou com ela, enfim?

R – Na verdade, eu tinha muita, eu tinha mais aproximação com meu avô, o pai da minha mãe, esse meu avô que faleceu. Ele sempre me chamava de Julieta, então toda vez que eu ia lá, ele cantava uma música para mim, que era uma mistura de “boi da cara preta” com “Julieta”. Eu não lembro como era a música exatamente, mas eu lembro dele cantando “Julieta, Julieta”. E ele sempre me chamava de Julieta, meu nome para ele era Julieta. E todas as vezes que eu chegava lá, junto com os outros netos, ele sempre dava dinheiro para todo mundo. Então, ele dava uma notinha de dois, uma notinha de um real, na época. Imagina, uma nota de um real. Relíquia, né? E eu sempre ganhava a maior quantia. Então, no fundo, no fundo, eu sabia que eu era a favorita, mas eu não contava pra ninguém. Mas eu sabia que eu ganhava sempre a maior nota, que todo mundo mostrava ali os seus dinheiros, e eu sabia que tinha ganhado (risos) mais que todo mundo. Então, é uma memória que eu tenho muito forte, porque todas as vezes que eu ia lá era isso, a gente ganhava um trocadinho dele e ele cantava essa música para mim.

P/1 – E pensando na sua infância ainda, tem alguma comida, algum sabor, cheiro ou alguma data comemorativa que lembra essa época?

R – Tenho algumas memórias. Acho que a mais forte para mim é o bolo de água da minha mãe. Quando a gente era criança, a gente não tinha muito dinheiro e aí, todo final de semana, ela fazia esse bolo de água, que era basicamente colocar água no lugar do leite. Então, eram dez colheres de água ali, eu lembro, dez colheres de sopa de água, e era um bolo muito bom, uma mistura de bolo de fubá com bolo de cenoura. Eu não sei, o gosto era muito bom. Mas era um bolo simples, só que é uma lembrança, um gosto, um cheiro muito forte que eu tenho, associado a minha infância, que era o bolo de água da Dona Dalva.

P/1 – E você sabe por que você chama Juliane?

R – Sei. Meu nome é Juliane porque o meu irmão tinha uma amiguinha na escola, que se chamava Juliane e ele achava o nome dela lindo. Eu não sei nem se ele tinha um crush nela, não sei, mas ele adorava essa menina, sempre falava dela em casa, e aí ele falou assim: “Mãe, eu tenho uma amiga que se chama Juliane. Se o meu irmãozinho for uma irmãzinha, o nome dela pode ser Juliane?” E aí, quando eu nasci, a minha mãe não sabia o gênero de nenhum dos dois. Quando ela ficou grávida do meu irmão, quando ela ficou grávida de mim, ela não sabia qual que era o gênero. E aí, quando eu nasci, era uma menina, ela escolheu esse nome, Juliane. Então, meu nome é Juliane por causa da amiguinha do meu irmão, da escola.

P/1 – E chegaram a contar a história do seu nascimento? Você sabe como foi o dia?

R – Sim. Foi uma história bem tensa, aliás, e eu demorei muito para nascer. Aparentemente, eu fiquei ali, grudada na costela da minha mãe. Então, eles queriam muito que ela tivesse um parto normal e não tinha como ser um parto normal, e eles tentaram, tentaram, tentaram. Então, foi um processo de parto ali, bem dolorido e até um pouquinho violento, porque eles queriam muito que fosse normal e não tinha como. Então, a minha mãe conta que uma enfermeira chegou a subir em cima dela, assim, pra apertar a barriga dela, pra ver se eu saía. E até hoje ela sente dores disso, desse momento. Então, a história não foi muito bonita, do nascimento, (risos) mas eu consegui nascer, eu saí dali finalmente e estou aqui. Então, foi mais ou menos isso.

P/1 – E como era a casa onde você passou a infância? Você pode descrever como era?

R – Posso. A casa que eu cresci era uma casa compartilhada, então era uma casa no quintal, com mais outras duas casas e era a menor casinha ali. Era uma casa de três cômodos e a gente passou boa parte da minha infância ali. Da parte que eu lembro. Tiveram outras casas, mas essa é a casa em que eu passei mais tempo, e era uma casa extremamente confortável. Era muito pequenininha, mas ela era muito confortável, era uma casa, um lar, que tinha muito amor, mesmo com pouca coisa. Tinha um quintal grandão, então eu jogava futebol ali, com meu irmão. Eu tenho muitas memórias boas dessa casa, eu gosto muito de passar ali em frente. Ela fica bem próxima de onde eu moro hoje, e aí, às vezes, eu passo ali só para olhar para ela e lembrar da minha infância. Então, eu tenho um carinho muito grande por essa casa.

P/1 – E como é que era o bairro, nessa época? Qual era o bairro e como é que ele era, nessa época?

R – O bairro é o mesmo bairro que eu moro hoje, se chama Ponte Rasa, zona leste de São Paulo. Na época que eu era criança, ele não era um bairro muito bom de se viver, era um bairro pouco violento, não era um lugar de ter muita criança na rua, só se estivesse com um pai ali do lado. Mas dava seis horas da noite, todo mundo entrava para dentro de casa. Então, crescer ali, para os meus pais, talvez pra minha mãe, tenha sido um pouco mais difícil, mas eu, na época, não enxergava isso, para mim era o bairro que eu cresci. Então, hoje eu tenho noção de como ele era violento, mas na época eu não tive essa visão, então eu não tenho uma memória negativa. Mas hoje é um bairro tranquilo, não é um bairro mais violento, não tem mais essas características, é um bairro bem tranquilo.

P/1 – E quais que eram suas principais, e as brincadeiras que você gostava mais, naquela época?

R – Aí, eu brincava de tanta coisa! Quando eu brincava sozinha – eu ficava muito tempo sozinha, e eu sempre fui uma criança de não me relacionar muito com outras crianças, eu queria sempre ficar perto dos adultos – eu brincava muito de escritora e de cantora, eu queria muito cantar. Mas quando eu brincava com o meu irmão, que era a criança ali mais próxima que eu tinha, a gente brincava muito de futebol, no quintal. Então eu brincava muito futebol com ele e, com as minhas duas amiguinhas da escola, brincava de elástico. Eu não sei se é uma brincadeira que existe ainda hoje em dia, mas basicamente é colocar um elástico, cada uma, uma pessoa aqui e uma pessoa aqui, colocava um elástico na perna e você ia pulando e fazendo várias coisas com o elástico. Eu nem me lembro como fazer isso, se alguém falar para brincar hoje, eu não sei, mas eu amava essa brincadeira do elástico. E uma vez – tem até uma história triste sobre isso – na escola, na hora do recreio, lá, do intervalo, estava brincando com essa minha amiga e um menino veio correndo e tropeçou no elástico, ele machucou o braço. Eu lembro que eu fiquei muito... me sentindo muito culpada por semanas, porque ele chegou a quebrar o braço, trincar o braço. E aí eu fiquei sem brincar de elástico por um bom tempo depois disso, porque fiquei bem triste. Por mais que eu não tivesse culpa, (risos) eu fiquei muito triste. Mas a brincadeira do elástico era minha brincadeira favorita.

P/1 – E o que você mais gostava de fazer, quando você era mais nova, quando você era criança?

R – O que eu gostava de fazer? Eu vou dizer o que eu me lembre aqui agora, mas eu gostava muito de cantar, eu cantava muito quando era pequena, sempre cantei. E aí eu cantava no banho, aí eu fazia shows para mim mesma, sozinha, no quarto, cantava na frente do espelho. Eu me imaginava – olha como isso vai longe! Até quando eu era adolescente – indo pra aqueles prêmios da MTV, sabe, ganhando prêmio. Eu amava cantar, e aí isso foi por muito tempo. Então, acho que era a coisa que eu mais adorava fazer, cantar. Eu amava cantar.

P/1 – E na infância tinha alguma profissão que você sonhava em ter no futuro, ou não era uma coisa que passava pela sua cabeça ainda?

R – (risos) Quando eu era criança, eu sabia exatamente o que eu ia ser da minha vida. Eu sabia que eu ia ter um emprego que eu gostava muito, que eu ia ganhar muito dinheiro, eu ia comprar uma casa para minha mãe. Então, eu ia ter um emprego bem executiva, que eu ia usar salto alto, que eu ia usar roupas bem bonitas. Na época eu pensava muito em roupa social, que eu ia usar roupa social, que eu ia usar salto. Então, eu sempre soube que, de alguma forma, eu ia trabalhar nesse ambiente corporativo. Mas, no fundo, no fundo, meu sonho era ser estilista, e eu desenhava e tal. Mas depois isso foi passando. Acho que era muito mais uma influência por causa da minha família, por parte de mãe, que todo mundo costura, trabalharam para marcas de roupas, de bolsas. Mas eu sabia que eu ia ser uma executiva. Não sou hoje, mas na minha cabeça eu ia ser. (risos)

P/1 – E qual é a primeira lembrança que você tem da escola?

R – Nossa, a primeira lembrança que eu tenho da escola! Eu lembro que, quando eu cheguei na escola, a escola parecia extremamente gigante, parecia um mundo muito grande, tinha muita coisa, era muito espaço. Eu era muito pequena, mas para mim era tudo muito grande, eu ia me perder ali, a sensação é que eu ia me perder ali. A primeira vez que eu cheguei na escola, essa era a sensação. E eu tenho essa lembrança da minha professora, que foi minha professora por muito tempo e depois virou amiga da minha família e tal. E eu me sentava na primeira fileira, ali na primeira carteira, e aí eu tenho uma lembrança, quando eu penso em escola, eu penso nela, assim, porque ela me ajudou muito a ser quem eu sou hoje. Isso, na primeira série. Mas eu tenho essa lembrança da escola ser um lugar muito grande, com muitas possibilidades de coisas para se fazer. Era isso que eu pensava. Doido, né? (risos)

P/1 – E onde que você estudou?

R – No ensino fundamental, eu estudei em uma escola que é aqui na minha rua, inclusive, que é uma escola bem antiga, minhas tias estudaram lá, quase toda minha família estudou ali, que se chama Marinha do Brasil. E aí, logo depois, eu fui pra uma escola um pouco mais longe do meu bairro, pro ensino médio, que chama Nossa Senhora da Penha. E aí, essa escola eu fui só, só fiz o ensino médio mesmo, mas foi uma escola extremamente importante para minha vida, porque ali na escola do bairro, ninguém sabia muito que você podia fazer faculdade, ali você fazia a escola e ia terminar a escola e achar um trabalho qualquer. Então, nessa escola que eu estudei no ensino médio, ela foi extremamente importante, para eu entender que eu poderia fazer mais coisas da minha vida. Foi pouco tempo que eu fiquei ali, mas foi incrível, me abriu muitas coisas, muitas oportunidades mesmo.

P/1 – Queria que você contasse uma história, assim, que você lembra da escola. Pode ser tanto da infância, do fundamental, quanto mais na adolescência, assim, do ensino médio. Alguma história marcante ou alguma matéria que você gostava, um professor, professora.

R – Nossa, eu tenho tantas histórias! Eu vou deixar as histórias tristes pra lá, (risos) vou contar uma boa história. Eu tinha um professor no ensino fundamental, que essa escola que eu estudava era muito precária, assim, era uma escola que os alunos faziam o que queriam da escola. Era uma época que não tinha muito, eles não tinham muito controle mesmo da escola, e aí tinha esse professor, que era um professor de História, que ele era muito dedicado e mesmo ninguém prestando atenção nele, ele fazia a aula dele ser a melhor aula que tinha. Eu lembro que eu esperava a semana inteira pela aula dele, e aí teve uma aula que ele estava trazendo ali, que ninguém, ninguém estava ‘dando a mínima’, eu era a única pessoa que estava prestando atenção naquela aula, e eu fiquei muito brava com a galera da sala. E aí eu lembro que eu gritei e eu falei para as pessoas pararem de falar, porque o professor estava tentando dar aula, e todo mundo tirou sarro de mim e tal, mas ele falou assim: “Não, Ju, está tudo bem. Você está prestando a atenção na aula, eu estou dando aula para todo mundo aqui, para todo mundo que quer prestar atenção”. E aí isso me ‘tocou’ tanto porque, se eu tivesse no lugar dele, eu teria ficado muito chateada. Imagina, você está falando para quarenta adolescentes, trazendo ali tudo o que você estudou, tipo, cara, o professor sofre muito. E eu era a única pessoa que estava prestando atenção nele, eu e um amiguinho lá, que era o CDF da sala. Mas aquilo me ‘tocou’, porque eu pensei assim: “Se eu estiver falando para cinquenta pessoas, mas pelo menos uma pessoa prestar atenção no que eu estou falando, eu estou fazendo a diferença ali” e ele fez a diferença na minha vida de uma forma que ele não sabe, mas eu sei o quanto ele foi importante para mim. Então, naquele momento, eu comecei a entender o estudo, a escola, as estruturas mesmo, de uma forma diferente, a partir dessa fala que ele trouxe, isso me passou muito.

P/1 – Na adolescência, o que você gostava de fazer, para se divertir?

R – Eu era uma adolescente um pouco introvertida, assim, eu sempre fui muito tímida, então eu não era de sair, eu não ia em festa. Se tivesse também, minha mãe nem ia deixar eu ir. Mas eu gostava muito de... eu era um pouco nerd... eu queria muito aprender inglês e aí o que eu fazia era: eu ouvia muita música, eu gostava muito de ouvir música, então eu ouvia música o tempo inteiro, eu gostava muito de descobrir álbuns novos, então eu ficava ali, fuçando na internet álbuns novos, músicas novas, artistas. Tipo assim: eu era fissurada em música. E aí, a partir da música, eu coloquei na minha cabeça que eu tinha que aprender inglês. Então, eu aprendi inglês por causa da Avril Lavigne mais especificamente, mas por conta da música, porque eu adorava e eu queria entender o que tinha naquelas músicas. Então, eu ouvia essas músicas e traduzia essas músicas. Então, era basicamente isso que eu fazia, eu ficava muito tempo ouvindo música e ‘viajando nesse universo’, assim. Mas eu gostava desse mundinho meu, eu era bem introspectiva, mas não era uma coisa que me incomodava, eu gostava muito desse momento mais sozinha, sabe, mais eu comigo mesma.

P/1 – E alguma coisa mudou, quando você passou da infância para adolescência? Assim, de pensamento, de como você se via? Enfim.

R – Ah, mudou. Da minha pré-adolescência pra adolescência, em si, eu tive um momento ali na minha família que foi um pouco intenso, né? O meu pai teve um AVC, então eu e meu irmão, a gente revezava em cuidar dele ali, porque ele ficava em casa, minha mãe tinha que trabalhar. E aí eu meio que tive que crescer um pouco mais rápido, assim, porque tinha que cuidar dele e tal, e aí isso me fez pensar na vida de uma forma bem diferente. Se antes eu tinha muitos sonhos, eu pensava muito: “Ou eu vou trabalhar com moda e ser uma executiva, ou eu vou ser artista, vou cantar”. E aí, naquele momento, eu falei assim: “Não, eu preciso trabalhar com alguma coisa que me dê dinheiro. Eu preciso ter uma segurança, porque eu não posso deixar minha família”, sabe? E eu comecei a pensar em responsabilidade numa idade muito, muito precoce. Então, acho que o meu pensamento mesmo mudou um pouco, eu passei a ver a vida de uma forma mais adulta mais rápido, eu acho, por conta desse momento, desse AVC que meu pai teve.

P/1 – E quando você se formou na escola, como é que foi, assim, a partir do momento da sua formatura? Você já começou a trabalhar ou você foi direto para faculdade? Como foi esse momento?

R – Foi bem tenso. Quando eu estava pra me formar na escola, no ensino médio, eu descobri o ensino técnico, na época e aí eu falei: “Caramba, eu preciso muito fazer isso”, porque tinha um curso de moda que era na Penha, no bairro da Penha, que é perto de onde eu moro, aí eu falei assim: “Nossa, eu tenho que passar, eu tenho que fazer isso”. Então, eu fui fazer esse curso já quase terminando a escola, aí terminei a escola e estava fazendo o curso e aí, na metade do curso, eu arrumei um emprego, eu já estava para fazer dezoito anos ali, então foi tudo muito intenso, eu não tive muito tempo de pensar em faculdade, naquele momento que eu estava fazendo o curso, mas eu sabia que eu ia fazer Moda. E aí eu fiz o curso, para ter essa certeza e aí eu descobri que não, eu não ia fazer Moda. (risos) E aí eu já estava trabalhando e tal, estava trabalhando numa editora e eu trabalhava no setor de marketing, então ali eu descobri que talvez não fosse Moda o meu caminho e que era o Marketing, que eu nem sabia o que era, na época, mas aí comecei a trabalhar, a entender e aí eu descobri que eu tinha que fazer a faculdade de Publicidade. Então, termina o ensino médio, estou no ensino técnico, começo a trabalhar e aí, quando eu terminei o ensino técnico, eu fui para faculdade. Então, foi tudo muito intenso, assim, eu não tive muita pausa nesse momento, de você parar, ficar um ano, pensar, fazer cursinho, não tive esse momento. Tinha que terminar tudo o que eu estava fazendo e ‘correr atrás’.

P/1 – Você lembra o que você fez com o seu primeiro salário?

R – Aí, eu lembro. Meu primeiro salário eu dei uma parte pra minha mãe, eu sempre tive isso muito claro na minha cabeça, que eu ia ajudá-la, meu pai também. E com o resto desse dinheiro eu comprei muita roupa. Eu falei assim: “Nossa, agora é o momento que eu preciso fazer o que eu quero. Eu tenho dinheiro, eu vou comprar roupa”, e aí eu comprei muita roupa. Eu nem precisava, mas eu estava num lugar que era mais corporativo, sabe, então eu queria causar uma boa impressão. E o meu sonho sempre foi chegar numa loja, comprar o que eu quisesse, sem ter que pensar naquele dinheiro. E quando eu era criança, sempre tive aquele momento assim: “Ah, essa roupa é do Natal, essa roupa é do Ano Novo, essa roupa é do seu aniversário”. E aí, nesse momento eu falei: “Não, agora eu vou ter roupa para todos os dias, roupas novas”. E aí eu lembro que foi isso: eu dei uma parte para minha mãe e o resto eu gastei tudo, o que é terrível, mas eu realizei esse sonho. (risos)

P/1 – E você tem, assim, claro na sua mente, os motivos pelos quais você desistiu da Moda e quis entrar no Marketing? Ou foi assim, um caminho natural mesmo?

R – Cara, quando eu fui fazer o técnico de Moda, eu queria ser estilista, porque eu tinha muita ideia, e aí eu não era muito boa em desenhar, mas eu tinha muita ideia, e aí fiz e no meio do curso eu entendi, conversando muito com os professores, assim, porque todos os meus professores, a maioria, vinham do mercado e eles gostavam do mercado, só que o mercado era muito difícil para você trabalhar. E naquela época, sei lá, era 2012, 2013, era época de Fashion Week, a moda estava fervendo ali, né? Só que era um mercado muito elitista e eu era pobre, então, eu não ia conseguir, eu fui muito realista comigo mesma, aí eu falei: “Cara, você quer enfrentar isso daqui? Você vai sofrer muito e você não tem esse tempo, você precisa de um emprego que saiba que você vai conseguir ter dinheiro, e não pode ser uma coisa de longo prazo” e aí foi uma decisão que eu fiz, de entender o que ia ser melhor para mim, naquele momento. Então, eu desisti por conta disso, porque eu sabia que era um mercado muito difícil, muito elitista, muito de influência, de você conhece alguém dali, que vai te colocar em tal lugar. E fui para Publicidade, porque uma das minhas professoras falava isso: “Ju, você tem ideias muito boas, eu acho que você poderia fazer Publicidade”. E aí eu não sabia o que era, fui pesquisar, achei o curso legal e fui. Mas, assim: zero pretensão de ser publicitária, de... nada, não conhecia nada. Eu tive essa decisão por segurança mesmo, porque eu sabia que ia ser muito difícil, talvez eu não conseguisse realizar o sonho que eu queria, então adiei esse sonho e fui pra um lugar mais prático, né? Foi basicamente isso, assim.

P/1 – E como era a sua rotina, na época? Trabalhando, conciliando com o curso, e depois você parou de fazer o curso? Como foi esse momento do primeiro trabalho?

R – Quando eu comecei a trabalhar, eu estava pra finalizar o ensino técnico, e aí eu tive que mudar o meu curso, eu estudava à tarde e tive que mudar para noite. Então eu ia trabalhar, era lá na Rebouças e o meu curso era aqui na zona leste, e aí eu ia trabalhar, voltava e chegava em cima da hora do curso, mas consegui, terminei o curso, fiz meu TCC ali e tal. E logo em seguida eu comecei a fazer a faculdade, então aí foi meio que inverter, ao invés do técnico, era faculdade, mas era a mesma rotina: ia trabalhar, aí tinha que voltar para zona leste, porque era lá na Mooca, e ficava ali a noite inteira, na aula, depois voltava para casa e dormia tipo umas quatro horas, aí ia trabalhar. Foi bem tenso, assim, não sei como eu consegui fazer isso, sinceramente. Se alguém falasse para mim que eu ia ter que fazer isso agora, eu não sei se eu ia ter ‘pique’, porque eu chego muito cansada, mas foi um mal necessário, era um esforço que eu tinha que passar, sabe, eu tinha que fazer isso. Então, foi corrido, foi bem intenso, mas não me arrependo, faria tudo de novo.

P/1 – E quando você estava – você entrou em Publicidade – cursando, chegou a corresponder às expectativas que você tinha? É que você contou que não tinha muitas pretensões, (risos) mas você se identificou com o curso? Como foi o decorrer da sua trajetória, dentro da faculdade?

R – Então, na faculdade de Publicidade, quando eu entrei, eu não sabia nada. Eu não entendia o que um publicitário fazia, mas aí, ao longo do curso, eu fui entendendo quais eram as áreas, quais eram as possibilidades que eu tinha, de trabalho. E aí, o que mais me chamava atenção era a grade do curso, porque tinha muita coisa ali que era história, então era história da comunicação, a história do rádio, a história da TV, pesquisa, tudo isso me atraía muito. E aí eu me identifiquei a princípio com a área de criação, então ali eu entendi que eu queria ser redatora. Mas depois eu falei assim: “Não, eu quero ser criação mesmo, eu quero ir para design”. E aí, depois eu falei: “Não, acho que não é isso que eu quero, eu quero ser do planejamento, para trabalhar com planejamento de campanha. Eu quero fazer isso, é isso que eu quero”. Então, ao longo do curso, eu tive vários momentos ali, de: “Nossa, isso que eu quero fazer?”, que saindo dali, não foi nada disso. Depois eu fui trabalhar com uma coisa que eu nem aprendi na faculdade. Mas eu tive algumas identificações, então foi um curso que foi extremamente importante para eu entender, explorar coisas que nem eu sabia que eu poderia fazer. Eu sabia que eu gostava de criação, mas não sabia que eu era boa em criação, então aí eu consegui explorar e ter contato com várias áreas mesmo, de atuação. Mas no fim eu não atuei com nada do que eu pretendia naquele momento, eu fui trabalhar com redes sociais, com outra coisa, com análise de dados, mas foi muito bom, foi muito legal essa jornada, de entender várias coisas, de me identificar com várias coisas e saber que eu poderia voltar para aquilo ali, se eu quisesse, um dia. Por mais que eu não fosse atuar com aquilo naquele momento.

P/1 – E pensando na sua trajetória profissional, desde o começo da graduação, até o seu trabalho atual, para a gente conseguir dar conta de contar sobre toda a sua trajetória profissional, eu queria que você pensasse em três momentos que são marcantes dos seus trabalhos, do que você fez, até chegar na posição que você atua hoje.

R – Nossa, momentos marcantes, são vários. Acho que o primeiro momento que eu tenho, que foi muito marcante, foi logo no comecinho da minha vida, que eu era estagiária em uma agência de publicidade e eu trabalhava com eventos, e eu sempre tive muito medo de errar, sempre fui muito perfeccionista, e teve um dia que eu errei. Eu fazia o controle de todos os pedidos ali, de produção gráfica, então basicamente banners que eram para eventos, e aí um dia eu errei um pedido, deixei passar, não sei o que aconteceu. E aí, naquele momento eu falei assim: “Cara, ‘meu mundo acabou’ agora, eu vou ser demitida. Eu sou péssima, sou horrível”. E aí a minha chefe falou assim: “Ju, está tudo bem, a gente vai consertar. Isso aqui é só uma questão de organização e tal”. E aí, quando ela falou isso, eu falei assim: “Gente, eu pensava que ela ia ficar muito brava, que ela ia me demitir, enfim”. Aquele momento serviu para eu entender que está tudo bem você errar e você se permitir errar e não ficar só pensando no erro, sabe? Você: “Meu, errei, e beleza, agora eu vou consertar e vou tirar um aprendizado daqui, para não errar de novo”. E aí dali eu já ganhei um skill, e a galera no Pan brinca que eu sou muito organizada (risos). E aí eu tirei daquilo ali, daquele momento, porque eu falei assim: “Eu não quero passar por isso nunca mais”, daí eu virei essa freak de organização. E aí outros dois momentos, eu acho que eu passei na agência que eu trabalhei depois, eu trabalhei muito em agência, a vida toda, que foram, o primeiro foi o momento em que eu cheguei na agência, para trabalhar com dados e eu não tinha muita experiência com isso, só que eu aprendi tanto ali, aprendi tanto, que isso me ensinou que eu posso fazer o que eu quiser, desde que eu esteja comprometida com aquilo. E aí sair dali também foi um processo difícil, porque foi um momento de formação profissional muito grande, que eu tive nessa agência. E sair dali pra ir pra um outro lugar foi a primeira vez que eu tive que me despedir das pessoas, de deixar um lugar. E meio que eu estava me demitindo, sabe, pra ir pra um outro lugar, e isso foi tão difícil para mim, eu não sei por que foi tão difícil, mas foi muito difícil para mim. E aí eu tive que aprender a lidar com essa coisa de arriscar, porque eu sempre quis uma segurança, eu sempre quis ter um lugar ali, a minha ideia era passar quinze anos no mesmo lugar. E aí eu ia sair dali, de repente, pra ir pra uma outra coisa, fazer uma outra parada, ali foi um momento de arriscar, que eu tive que apostar, e eu tinha que apostar em mim mesma. Beleza que tinha gente apostando em mim, mas eu tinha que acreditar em mim, mais do que todo mundo. Então, acho que esses três momentos foram muito essenciais em como eu lido com as situações hoje, na pessoa que eu sou hoje. E eu ainda vou aprender muito, mas isso foi extremamente importante para mim, pra eu chegar até aqui, porque se eu não tivesse arriscado, se eu não tivesse saído dali eu não estaria aqui hoje. Então, tipo: como seria minha vida? Eu não faço ideia. Mas foi importante eu ter me arriscado, foi importante eu ter acreditado em mim mesma. Eu acho que esses momentos foram muito essenciais em formar a pessoa que eu sou hoje.

P/1 – Sobre a faculdade, uma coisa que eu acabei não perguntando, mas eu queria saber, é se mudou alguma coisa dentro de você. O curso, assim, ter feito a faculdade, o momento, como... quem era Juliane, naquele momento da faculdade?

R – Nossa, agora eu vou entrar num tema que eu nem sei se eu posso entrar, que é um pouco, é bem profundo, tá? Quando eu comecei a faculdade, eu era uma menina extremamente ignorante no sentido assim: eu não tive muita, muita educação mesmo. A minha escola ali no fundamental era muito precária, tinha várias aulas que eu não tinha, porque o professor não vinha ou porque, meu, ele desistiu de dar aula, então eu não tinha, eu não era uma pessoa muito inteligente, eu não tinha muito acesso. E aí, quando eu chego na faculdade, eu percebo que tem um mundo de coisas que eu não sei, que eu nunca soube, eu nunca conheci. E aí, quando eu entrei em contato com um documentário que o professor passou na época, que era o “Cidadão Kane”, cara, aquilo ali abriu pra mim um mundo de coisas de entender a história, não só a história da comunicação, mas da história do Brasil, sabe, a história, o papel da mídia no mundo, na sociedade. E aí isso fez com que eu virasse uma ‘chavinha’ da minha cabeça, até de ser mais crítica nas minhas opiniões, de entender outras coisas, de me interessar por política, de me interessar por coisas que eu nem sabia que existiam. Então, a faculdade foi extremamente importante pra eu virar essa pessoa que eu sou hoje. Eu fico muito grata e triste ao mesmo tempo, quando eu penso nesse momento da faculdade, porque eu sei que, quando eu consegui ter esse acesso, ali se abriu uma ‘porta’ infinita de conhecimento para mim e de oportunidades. E aí eu sempre lembro das pessoas que estudaram comigo na escola fundamental do meu bairro, que era essa escola precária, que eu sei que muita gente dessa galera não fez faculdade, né? Não foi pra faculdade, simplesmente porque nem sabia que poderia ir. Então, é meio que agridoce esse sentimento, mas a faculdade me trouxe esse mundo de conhecimento, que eu não fazia ideia de que eu poderia ter acesso. Foi, nossa, um ‘divisor de águas’, eu virei outra pessoa, completamente.

P/1 – Você estava contando que você decidiu se arriscar e sair da agência, né? E para onde você foi, e como foi esse momento, de estar aberta para uma possibilidade nova, de tentar o novo?

R – Engraçado porque, quando eu saí da agência, eu saí da agência pra ir pro [banco] Pan, então eu trabalhava com análise de dados, eu era BI (Business intelligence) ali, na época a gente chamava BI, hoje já nem sei... mas eu fazia análise da performance de conteúdo de campanhas, de tudo isso, e aí eu ia para o outro lado. Então, eu saí de lá pra trabalhar com conteúdo no Pan, eu ia ‘trocar o lado da mesa’, eu ia ‘trocar de cadeira’, eu ia sair de agência, pra virar cliente. Então, cara, foi assim muito difícil na minha cabeça, de entender como que isso seria. E eu era, estava muito insegura e eu pensava em todos os cenários de que poderia dar errado. Ansiosa, né, então eu sempre penso em tudo que pode acontecer, seja bom ou seja ruim. Mas foi a melhor coisa que eu poderia ter feito, porque eu já tinha feito tudo que eu podia fazer ali, sabe, já tinha aprendido tudo o que eu queria ali e eu queria fazer uma outra coisa, eu queria um desafio, eu queria uma coisa completamente diferente. Então, quando eu fui pro Pan, eu aceitei esse desafio, eu consegui ter tudo isso que eu queria. Eu fui pra fazer uma coisa diferente, pra ter contato com segmento que eu não tinha tido na época. Na agência, eu trabalhei com clientes de tudo que é tipo de coisa: de games, de varejo, beleza, todo tipo de coisa, mas nunca tinha tido um cliente do segmento financeiro, então eu tinha zero conhecimento disso. Educação financeira, eu não tinha, não conhecia nada! Então, quando eu fui pro Pan, era tudo do zero, era extremamente tudo do zero. E aí foi um momento de arriscar que deu muito certo, mas na época eu fiquei aterrorizada. Nossa, eu lembro que quando eu entrei no Pan, eu tive uma terapia antes de ir pro Pan, no primeiro dia, inclusive, porque eu falei pra minha terapeuta: “Eu preciso falar com você, porque senão eu não vou conseguir chegar até lá, eu estou muito nervosa”, mas deu tudo certo, né? Deu tudo certo, mas foi um momento importante. Então, eu sempre penso nisso, assim: se eu não tivesse tido essa força de me arriscar, essa coragem de me arriscar, teria perdido muita coisa, teria perdido muita coisa. Então, foi um momento... tudo tem um porquê, né? Eu acredito muito nisso, tudo tem um porquê.

P/1 – E faz quanto tempo, isso?

R – Acho que já tem uns três anos. É, vai fazer três anos que eu saí da agência, pro Pan. Um tempão. O tempo, no Pan é... a gente brinca que um mês no Pan é tipo um ano, então já são alguns anos. (risos)

P/1 – E qual é a função que você desempenha hoje, no Banco Pan? E como é seu trabalho, o seu dia a dia no trabalho?

R – Hoje, no Pan, eu estou dentro da área de conteúdo. Dentro do Marketing, a gente tem uma área de conteúdo e, dentro dessa área, eu cuido do planejamento de conteúdo como um todo. Então eu estou meio que com várias, com todas as ‘pontas’ ali, no time, seja produtos, seja influenciador, qualquer – redes sociais – coisa que tem conteúdo, eu estou ali e eu meio que ajudo a organizar todas essas ‘pontinhas’, para a gente ter um planejamento que seja 360°, olhar para o todo, mesmo. Então, é basicamente isso que eu faço hoje. Então, eu atuo não só dentro do meu time, mas com vários outros times, de outras frentes, de outras áreas, enfim.

P/1 – E de alguma forma você esperava trabalhar no mercado financeiro ou foi uma coisa, assim, completamente diferente do que você esperava fazer?

R – Cara, eu sempre... não vou falar sempre, mas quando eu estava em agência, a gente tinha ali algumas conversas e tal e eu falava: “Gente, eu nunca vou trabalhar num banco”. Não era nem assim porque: "Aí, o mercado não é uma coisa que me atrai”, mas eu tinha uma ideia de que, se você vai pra um banco, você tem que se vestir de um jeito muito, sabe, ‘quadradinho’ e eu não era assim, sabe, eu sou tatuada... aí eu pensava que eu ia ter que alisar meu cabelo, aquelas roupas, então eu sempre... eu nunca vi isso como uma possibilidade para mim, de trabalhar num banco, mas quando chegou essa oportunidade e eu entendi que o Pan não era esse tipo de banco, essa imagem de banco que eu tinha na minha cabeça, e tinha um propósito, tem um propósito que é muito forte com o meu propósito pessoal, eu aceitei na hora, assim. Mas é engraçado pensar que eu nunca imaginei que eu fosse trabalhar num banco, e aí hoje estou lá. (risos)

P/1 – Você estava contando agora que você tem tatuagem, enfim, e sendo uma mulher jovem e uma mulher negra, como que foi, assim, entrar nesse mercado financeiro? Se você sofreu alguma dificuldade, se você chegou a sofrer algum tipo de discriminação. Não só no banco, mas assim, na sua trajetória profissional, sendo jovem, sendo mulher, sendo negra.

R – Cara, na minha vida profissional, se eu sofri algum tipo de discriminação pela minha cor, algum tipo de racismo, eu não percebi. E eu descobri, eu fui entender toda minha a minha identidade, entender, entrar um pouco mais nessa pauta racial e começar a olhar mais para isso, muito tarde, então eu não tive isso. Se eu tive, eu não percebi. Mas teve um episódio: eu trabalhei numa loja de roupas lá na Oscar Freire, por um tempo, porque eu queria muito ter contato com cliente. Eu tinha isso na minha cabeça, que eu precisava ter um trabalho que fosse temporário ou não, mas que fosse ali, junto com o cliente, eu precisava de um trabalho que eu tivesse no atendimento de fato. E aí eu fui trabalhar nessa loja. Então, eu tinha terminado meu técnico na época, de Moda, era uma loja de roupas, eu falei: “Ah, legal, vou lá”. E aí, lá nessa loja, que era uma loja na Oscar Freire, eu atendia muita gente rica. Tinha uma galera ali mais ‘gente como a gente’, mas tinha uma galera muito rica, pelo lugar, pela marca também. E teve esse momento que – eu fui entender isso muito tempo depois – estava eu e uma amiga, só, na loja, atendendo, e era minha vez de atender, porque tem isso, em loja tem a sua vez, e aí entrou essa mulher que eu fui atender, fui abordar, só recebi. Eu falei: “Oi, tudo bem? Se você precisar de alguma ajuda, estou aqui. Meu nome é Juliane e tal” e ela, em todo momento, em todo o atendimento que eu tentei ter com ela, ela se esquivou, ela se recusou a falar comigo, até o momento que ela falou assim: “Ah, eu não quero ser atendida por você, eu quero ser atendida por aquela mocinha”, que era minha amiga, que é uma mulher branca, loira. Imagina, o pai dela era italiano, tinha descendência italiana. Então, naquele momento eu não percebi, mas depois, refletindo bastante, eu entendi o que ela quis dizer com isso, e aí isso até me doeu um pouco assim, mas é um problema mais dela do que meu, sabe? Só que foi um episódio que foi marcante. Mas falando da minha entrada em outros lugares e no banco, eu não tive isso, eu não percebi isso. O banco, inclusive, foi um lugar que, quando eu cheguei, eu imaginei que eu fosse ter olhares, não pelo meu cabelo ou pela minha pele, mas por ser tatuada, por exemplo, porque eu não imaginava que fosse um lugar em que tivesse muita gente tatuada, porque é um banco. Mas aí eu chego lá e não, tipo, tem uma galera que é tatuada. Tinha uma pessoa no meu time, no Marketing, na verdade, que tinha um black enorme assim, lindo, sabe? E aí eu falei assim: “Caramba, que lugar foda!” Eu não sei se eu posso falar isso. Mas eu fui muito bem recebida, eu não tive nenhum momento que foi desconfortável, que me trouxesse algum tipo de desconforto. Então, foi um lugar extremamente acolhedor, eu fico muito feliz de ter vivido isso naquela época que eu já estava insegura, né? Mas foi um lugar extremamente acolhedor, extremamente positivo, fui muito bem recebida. E depois a minha chefe, inclusive, falou: “Ai, eu gostei muito da sua vibe, eu gostei muito do seu estilo”. Então, assim: foi uma coisa que me ajudou, na verdade, na minha cabeça era um empecilho, mas na verdade não, não tinha nada a ver.

P/1 – Eu queria que você contasse um pouco sobre os grupos de afinidade do Banco Pan, o qual você faz parte, falasse um pouco sobre.

R – Sim. No Pan a gente tem iniciativas, na verdade, ela acontece há um tempo, os projetos, os grupos de afinidades, mas quando eles se formam, de fato, isso foi final de 2019, começo de 2020, se não me falha a memória, e aí a gente tem quatro grupos ali: o grupo de equidade de gênero, o grupo de pessoas com deficiência, o grupo Lgbtqia+ e o grupo racial, que é o Afro Pan. E aí, o Afro Pan, eu começo a participar dele como membro, na verdade, em 2021 e aí eu era muito, eu sou muito intrometida, então eu era muito ativa, ali no grupo e tal, e aí me convidaram, junto com o Felipe, que é o meu colíder, a fazer parte da liderança do grupo. Então, eu saio de membro para liderança. E aí a gente começou um trabalho de dar mais corpo para o grupo mesmo, então foi bem ali, no começo do grupo, então a gente conseguiu estruturar bem as coisas que estavam no início, e aí o que a gente fez foi, brevemente assim: a gente tem três pilares, três direcionadores estratégicos nos grupos e aí a gente fala de atração e seleção, a gente fala sobre desenvolvimento e a gente fala sobre sensibilização, que é um pilar que a gente trata muito a comunicação. Então, nesse momento ali, de começar a fundar, trazer uma base maior pro grupo, a gente entendeu que, para começar a falar sobre isso, para começar a estruturar um pouco mais essa pauta, a gente tinha que conscientizar as pessoas. Então, nesse momento a gente prioriza um pouco mais esse pilar de sensibilização, porque a gente precisa conscientizar as pessoas. E como que a gente faz isso? Com comunicação. Então, a gente trabalhou uma agenda muito forte, de conteúdo mesmo, sobre a pauta. A gente traçou ali algumas editorias, alguns temas para a gente trabalhar. A gente fez uma pesquisa antes de traçar essa jornada de conteúdo, para entender quão profundamente ou qual que era o nível de conhecimento que as pessoas tinham sobre os temas que a gente julgava ser ‘chave’ para essa pauta. E aí, a partir dessa pesquisa, a gente começa a trabalhar esses temas. Então, inicialmente a gente trabalha esses temas com conteúdo via e-mail marketing, depois a gente começa a ir um pouco mais para ‘roda de conversa’. Então, aí surge o Café Preto, que é um evento que a gente tem hoje, que é incrível, que é o meu ‘bebê’, que é uma ‘roda de conversa’ que inicialmente surgiu para o grupo, dentro do grupo, e aí a gente entendeu o potencial e falou: “Não, cara, isso aqui é muito, muito legal, a gente tem que trazer isso pra todo mundo do banco”. Então, o Café Preto hoje é uma ‘roda de conversa’ em que a gente traz temas super complexos e, às vezes, sensíveis também, mas temas que são importantes, que são essenciais pra gente falar e que estão muito ligados com o nosso dia a dia mesmo, de trabalho. E aí essa ‘roda de conversa’ acontece ali, todo mês, mas nesse primeiro ano de Afro Pan, eu acho que o que deu start maior ali, que foi a ‘cerejinha do bolo’, foi em novembro, o mês de novembro, que é o mês da Consciência Negra. Então, nesse mês a gente já tinha trabalhado toda essa jornada de conteúdo, todos esses temas ali e aí, nesse mês a gente fez um mês especial, com quatro painéis, sobre temas que tinham a ver com o mercado de trabalho, mas traziam esse viés racial também. E aí a gente chamou uma galera ali, para palestrar, para falar sobre esse tema e foi incrível, foi um sucesso. E aí a gente termina essa, quase uma... como é que eu posso falar? Essa agenda de comunicação mesmo, que a gente trabalhou muito intensamente nesse ano, e aí agora a gente está indo um pouco mais para esses outros direcionadores, que falam sobre desenvolvimento e que falam sobre atração, porque a gente já fez esse ‘dever de casa’, as pessoas já sabem, já estão contextualizadas sobre esse tema. E aí agora a gente vai um pouco mais pra esse caminho, mas sem trabalhar a sustentação de conteúdo, porque a comunicação é viva, ela tem que acontecer, ela é dinâmica. É, mais ou menos, nesse lugar que a gente está agora.

P/1 – E pensando nessa sua atuação como co-líder do Afro Pan, eu queria saber se você consegue enxergar mudanças em questão de diversidade e inclusão dentro do banco. E, assim, em contato com outros grupos de afinidade, de outros bancos, se vocês conseguem enxergar mudanças estruturais no mercado financeiro, ou ainda é muito recente? Como que é?

R – Cara, essa questão de mudanças, quando a gente fala de diversidade, falar de diversidade ainda é uma coisa que parece um ‘bicho de sete cabeças’, mas é uma coisa nova, então a gente precisa ir com calma, ir estruturado, trazer os pontos que a gente precisa e considerar tudo que está acontecendo e todas as possibilidades, enfim. Dentro do banco a gente implementou várias relações ali, nós temos encontros mensais com todos os grupos, para falar sobre as ações que a gente apresenta, uma vez ali, no ano, e aí a gente vai trabalhando ao longo do ano essas ações. E a gente conseguiu ter uma abertura muito forte, com várias pessoas ali dentro. Tem um índice que eu não vou saber falar o número exato aqui, mas está em torno de trinta por cento, que foi... a gente conseguiu aumentar o número de pessoas pretas dentro do banco. Essa é uma meta que é uma meta da área de diversidade, de aumentar esse número cada vez mais, mas a gente, enquanto grupo e conscientizando ali todas as ações trabalhadas, a gente conseguiu ajudar a impulsionar essa meta junto com o time de pessoas. Isso é uma coisa que eu fico muito feliz de ver como o nosso trabalho impacta nessa mudança. Além disso, a gente conseguiu entrar um pouquinho... sabe aquela coisa de ‘plantar sementinha’ nas pessoas? A gente conseguiu ter essa percepção, com o feedback das pessoas que foram impactadas com as nossas comunicações, com as nossas ‘rodas de conversa’. Então, hoje se fala sobre intencionalidade de uma forma que não se falava, e é muito claro para gente que isso é fruto não só do nosso trabalho ali, como de outros grupos também, que falam sobre intencionalidade, mas é muito claro que isso é fruto desse trabalho, sabe, de conscientizar as pessoas sobre intencionalidade, sobre vaga afirmativa, sobre você pensar em contratar uma pessoa, por exemplo, entender o que é um viés inconsciente. Então, todas essas coisas que a gente fez, todas essas ações que a gente fez, a gente consegue ter essa percepção de mudança, tanto nesses índices que a gente tem, que acompanha, quanto nesses feedbacks, que são muito importantes, de você ver a galera trazendo coisas que eles não sabiam e agora eles falam pra uma outra pessoa. E aí você começa a falar assim: “Aí, nossa, viu aquele negócio ali de processo intencional? Nossa, nem sabia o que era isso”. Teve um Café Preto que a gente fez, que era sobre racismo algorítmico, e aí foi incrível essa ‘roda de conversa’, porque tinha muita gente da área de tecnologia, que não tinha ouvido falar nesse tema. E está tudo bem, porque é um tema extremamente novo aqui no Brasil. E aí, quando a gente trouxe esse tema, depois a gente começou a ter conversas sobre isso com pessoas que estão atuando diariamente no design de produtos, que estão atuando na tecnologia, que estão desenhando e programando coisas. E aí, ter essas pessoas sabendo o que é esse tema, levando isso para o seu dia a dia, pra sua tarefa, isso é incrível. Então, são várias coisas, são conversas, são os índices, é você olhar, é você andar no banco, você ver as pessoas, você ver os coletivos que se formaram ali. Os grupos foram muito além de “um grupo para falar sobre racismo, um grupo para falar sobre como é ser uma pessoa LGBT”, virou um grupo, virou uma comunidade, virou um grupo de apoio, sabe? E aí isso, cara, é tão potente, traz tanta oportunidade para as pessoas, de se conhecerem, de trocarem, de entender o que o outro faz, de você se conectar mesmo com as pessoas. Então, sim, eu vejo muitas mudanças desde que a gente começou esse trabalho, desde que a área de pessoas começa esse trabalho também, sobre diversidade, e eu acho que ainda tem muita coisa para a gente fazer, tem um caminho bem longo pela frente, tem muita coisa para ser feita, mas a gente está nesse caminho e está nesse caminho de uma forma muito consistente e muito estruturada. E aí, falando sobre se conectar com outros grupos, a gente tem uma – o Afro Pan – aproximação muito boa com o grupo de afinidade racial do BTG, o Afro Blacks, o BTG Blacks. E aí é muito legal trocar as coisas, sabe, entender o que eles estão fazendo lá e aí eles verem o que a gente está fazendo aqui e aí a gente pensa: “Cara, e como que a gente faz alguma coisa junto, uma collab?”. E aí você vai conectando pessoas. E a gente foi trocando muito com outras empresas também. Alguns grupos vieram atrás da gente para entender o que estávamos fazendo e a gente também foi atrás de outros grupos, de outras empresas, fazer esse bench mesmo, de entender como eles estavam construindo, para que a gente olhasse e pensasse: “Tá, onde que a gente está? A gente está bem, está no comecinho, tem que evoluir?” E aí a gente entendeu que está todo mundo no mesmo lugar, estamos numa média, sabe, todo mundo está fazendo coisas,

todo mundo está tendo várias ideias e trabalhando para que essas coisas aconteçam. E não tem uma fórmula, não tem uma ‘fórmula de bolo’, uma ‘receita de bolo’, uma fórmula certa, mas está todo mundo fazendo, então a gente não está longe de ninguém e nem abaixo de ninguém também, a gente está num lugar muito bom e eu arriscaria dizer até que a gente tem muitas coisas dentro da nossa estrutura hoje que outras empresas grandes não têm. Isso, olhando para todos esses lugares, fazendo esse bench que fizemos, essas conversas que tivemos, muita coisa sendo feita, que tem lugares que não têm. Então, acho que está todo mundo no mesmo caminho e é um caminho que, cara, é longo, mas ele está sendo construído junto. E isso eu acho que é uma coisa que não tem volta. E não tem mesmo, não tem como ter volta (risos). É daqui pra frente.

P/1 – E pensando na etapa de sensibilização que você estava contando, eu queria que você falasse um pouco sobre como é para você esses momentos do Café Preto, como você se sente, qual o sentimento de estar ali?

R – O Café Preto nasceu dessa troca entre o grupo e virou esse lugar de encontros de várias pessoas, de várias áreas. Tem gente que fala, manda uma mensagem, sabe, falando assim: “Meu, quando que é o próximo Café Preto? O que vocês vão falar?” E aí isso é muito legal, porque você entende que as pessoas querem, elas querem saber mais, elas querem aprender. E dessas ‘rodas’ que a gente teve, dessas conversas que a gente teve, a sensação que eu tenho, toda vez que eu estou ali, é de que a gente está construindo uma ponte de – talvez seja muita pretensão falar isso – conhecimento, de conexão com as pessoas, que talvez elas não tivessem acesso, por falta de oportunidade, sabe? Tem muita gente que quer conhecer, que quer saber um pouco mais sobre a pauta racial, que quer entender, que quer aprender e que só não sabe como chegar nesse lugar, e eu acho que o Café Preto tem essa função, ele chega até você. Ele está ali e pra quem quiser ver. E, quando a gente termina uma conversa, acho que é nítido, você olhar nas pessoas e a interação que a gente tem, ao longo das conversas, é muito surreal, é uma troca muito grande. As pessoas perguntam muito, elas começam a trazer exemplos, aí elas trazem histórias, aí vira uma coisa assim colaborativa, que é a proposta, que é o que eu gosto. Eu não gosto de chegar lá e falar: “Ai, uma pessoa está dando uma palestra e fazendo uma apresentação no PPT”. A proposta é que realmente seja uma troca, para que todo mundo aprenda junto. E, quando a gente termina essa conversa, você vê as pessoas saindo dali, falando daquele assunto e aí vai saindo no corredor e vai conversando sobre aquilo e aí depois manda um Teams e fala: “Nossa, eu vi o Café Preto de hoje e aí eu fui pesquisar sobre isso e aí eu aprendi tal coisa” e aí você vê que tipo: você ‘plantou a sementinha’, sabe? Então, eu saio dessas conversas com a sensação de dever cumprido, mesmo. Eu fico muito feliz, eu fico muito feliz com todo o feedback, toda a interação que a gente tem, o engajamento que a gente tem. E é meio que um ‘filho’ mesmo. Café Preto ele é tipo um filho meu. Toda vez que acontece, eu fico extremamente feliz. Eu só não choro, porque senão estraga a minha maquiagem, mas eu fico muito feliz. Todas as vezes eu saio dali com a sensação de dever cumprido.

P/1 – Ju, e pensando na sua trajetória profissional, assim, em toda sua trajetória, eu queria que você falasse para mim quais foram as principais barreiras e dificuldades que você enfrentou.

R – Trajetória? Ai, cara, foram muitas, né? Mas, assim, eu acho que a pior parte de você sair de um lugar onde você não... como eu posso falar isso? Eu cresci uma pessoa pobre e aí eu comecei a ter acesso por sorte, à educação e aí você chegar no mercado de trabalho, sabendo que você está assim, sei lá, degraus, muitos degraus abaixo de outras pessoas, é extremamente... te dá uma sensação de insegurança, sabe? E aí você tem que ‘correr atrás’, você tem que, meu, acreditar em você e ‘ir atrás’ e ser ‘cara de pau’, porque você vai chegar lá e muitas vezes você não vai conhecer ninguém ali, sabe, e no mercado tem muito disso, é influência, é você conhecer alguém que te coloque em tal lugar. Não em todo lugar, mas a maioria é assim. Então, a dificuldade para mim foi entender que eu tinha esse atraso em relação a muitas pessoas que conviviam comigo ali, naqueles espaços. Tipo: eu trabalhei com pessoas que, meu, viajaram para a Disney quando tinham quinze anos, que foram para sei lá quantos países, que tinham estudado na melhor universidade e eu tinha sido cotista, sabe? Então, eu tinha que entender toda essa história minha e olhar para ela como uma força e não como uma fraqueza, e não como se tivesse abaixo dessas pessoas. Então, acho que eu tive que aprender a lidar com essas diferenças, entender que, se eu estava naquele lugar ali, eu poderia competir com as mesmas pessoas. A gente estava no mesmo lugar, a gente só tinha histórias diferentes. Mas essas diferenças, esses degraus, eram difíceis. Essa insegurança que você sente, sabendo disso, pode ‘travar’, pode te atrasar, mas eu olho para minha trajetória, sabendo que eu não sou melhor e não sou pior do que ninguém, só tive uma história diferente.

P/1 – E como é seu dia a dia, hoje?

R – Nossa, o meu dia a dia hoje? Intenso. Tipo uma rotina? Eu acordo, aí eu tenho que ouvir uma música, porque eu sou ‘movida’ a música, já falei. Aí eu vou pro banco: pego o metrô, pego o ônibus, vou para o banco, trabalho. E aí, quando eu volto para casa, eu gosto de ter um momento meu. Eu sou meio doida, mas eu tenho uma vibe bem assim, de espiritualidade, sabe? Então, eu gosto de me conectar comigo, eu gosto de meditar, de ouvir uma musiquinha mais calma, baixar a luz, e aí é o momento que eu preciso desconectar. Que eu fico o dia inteiro muito ligada com muita ideia, com muita coisa na minha cabeça. Então, quando eu chego é o momento que eu tenho de me desligar do mundo. E aí eu tenho que ler alguma coisinha antes de dormir. E aí, no dia seguinte começa tudo de novo, mas tem alguns dias que eu tiro para estudar, eu estou fazendo uma pós agora. Mas basicamente é isso, é igual a vida de todo mundo, que é você acordar, trabalhar, voltar para casa, fazer uma coisinha, dormir.

P/1 – E nas horas de lazer, o que você gosta de fazer?

R – Ah, novidade: eu gosto de ouvir música. Eu gosto de desenhar, às vezes, eu pego as minhas coisas de desenho, não desenho tanto, mais, como na época que eu fazia Moda, mas eu gosto de desenhar, para me expressar mesmo. Eu gosto muito de ver séries e documentários. Eu adoro documentário, mais do que filme, mais do que qualquer coisa. E eu gosto de ficar com os meus gatos, e meu cachorro também. Tenho vários gatos e um cachorro. Então, umas coisas simples. Eu gosto mais de ficar em casa mesmo, fazendo essas coisinhas que alimentam a alma, sabe?

P/1 – Ju, e essa você só responde também se você quiser, se você tiver a fim. Você tem algum relacionamento?

R – Não, estou solteira. Desde o começo do ano, eu estou solteira. Solteiríssima. Estou bem, estou livre. (risos)

P/1 – E como que o Covid, na época, mais restritiva da pandemia, impactou sua vida? Tanto nos aspectos profissionais, quanto na vida pessoal mesmo.

R – Cara, a Covid foi muito difícil, porque eu tinha acabado de entrar no banco, fazia três meses e aí, do nada todo mundo tem que ir pra casa e aí não volta mais para o escritório. E aí, essa virada de rotina foi extremamente difícil para mim, eu não conseguia aceitar que eu tinha que viver no meu quarto, sabe? Eu dormia no meu quarto, eu vivia no meu quarto, eu trabalhava no meu quarto, era tudo no meu quarto. Isso foi horrível para mim. Mas eu acho que o pior para mim foi esse impacto que isso teve, na minha saúde mental. Eu sofro muito com ansiedade e aí depois eu descobri que eu sou bipolar, então, nossa, a pandemia veio para destruir tudo. Tudo que eu conhecia, tudo que eu sabia da vida, eu tive que refazer: a minha rotina, o que eu gostava de fazer, como que eu ia trabalhar. Foi muito difícil. E o meu irmão trabalha num hospital, então eu ficava todos os dias muito preocupada, sabendo que ele estava lá, sabendo que todos os dias ele estava em contato com uma galera. E, nossa, foi horrível, eu fiquei muito ‘lelé da cuca’. E aí a pandemia também meio que dificultou essa conexão com as pessoas, então acho que não só com trabalho. O trabalho também foi difícil, ter que se conectar com as pessoas pela internet e essa rotina nova, mas a minha relação com os meus amigos e com a pessoa que eu me relacionava na época. E, nossa, foi extremamente terrível. Nossa, sofri muito, sofri muito. Depois eu entendi que... a gente terminou, essa pessoa que eu me relacionava, e a pandemia teve um impacto muito grande nisso. Então, ela foi uma... ah, foi tipo um novo capítulo na vida, de você reaprender tudo o que você sabia, que você ter que viver tudo de novo, fazer tudo do zero, desde como eu vou me relacionar com as pessoas quando eu voltar a ver essas pessoas, até o próprio jeito de você fazer as coisas. Então, às vezes, ainda é difícil pra mim estar em um metrô e segurar no negócio do metrô, sabe, ou de chegar em algum lugar, comprar um refrigerante e não poder limpar aquele refrigerante, (risos) sabe assim? Eu tenho algumas coisas que meio que ‘bagunçaram a minha cabeça’, mas foi um momento que trouxe muita reflexão também, acho que pra todo mundo, mas difícil, foi bem difícil.

P/1 – E quais são as coisas mais importantes para você, hoje?

R – As coisas mais importantes? Primeira coisa é a saúde da minha família, isso é extremamente importante pra mim. Acho que depois disso seria a minha saúde mental, principalmente. E eu acho que depois seria você estar tranquilo, eu estar tranquila com as coisas que eu quero fazer, assim. Eu tinha muito uma coisa de fazer coisas que eu não queria, ir a eventos que eu não queria, me conectar com pessoas que eu nem tinha muito interesse e aí, depois da pandemia, eu entendi que tempo de qualidade era extremamente importante, então eu não me coloco mais em situações que eu não me sinta confortável. E aí isso é uma coisa que eu prezo muito, é uma coisa que é importante para mim: respeitar as minhas vontades, é muito isso. Mas a saúde da minha família, a minha saúde mental e respeitar as minhas vontades, o que eu quero fazer e o que eu não quero fazer e está tudo bem.

P/1 – E quais são os seus maiores sonhos, hoje?

R – Aí, meu maior sonho hoje é que a Rihanna volte a cantar, porque eu fiquei muito triste quando ela parou de cantar (risos) e foi virar empresária. Mas isso vai acontecer, com certeza! Agora, falando sério, meu maior sonho na verdade é conseguir... é muito profundo isso, mas é conseguir chegar lá no fim da vida, olhar para trás e falar: “Nossa, eu fiz tudo que eu queria”. Isso, para mim, é tipo um sonho, porque eu não gosto de ficar com um “e se?” na minha cabeça. Então, se eu puder sonhar muito grande, é isso: é saber que eu fiz tudo que eu queria fazer, que eu vivi todas as coisas que eu queria viver, que eu conheci o máximo de lugares possíveis, que eu poderia.

P/1 – Essa próxima pergunta é um pouco mais reflexiva, mas é: qual o legado que você deixa para o futuro?

R – Nossa, intenso isso, hein? Caraca, eu não estava pronta para isso. Eu acho que cada interação que a gente tem com as pessoas, marca aquela pessoa de alguma forma. E eu gosto de acreditar que, com cada pessoa que eu me conectei, de alguma forma eu deixei alguma coisa positiva para aquela pessoa. Então, eu acho que, se eu puder ser pretensiosa, que o legado que eu deixo pro futuro é você se conectar com uma frequência que seja positiva, é você não se deixar abalar. Eu sempre tento trazer isso para as pessoas que eu me conecto, eu sempre tento trazer um pouquinho de alegria e de otimismo, que seja, como uma boa sagitariana, para essas pessoas. Então, acho que o legado que eu deixo é esse: você sempre olhar o ‘copo meio cheio’.

P/1 – A gente já está terminando, tem mais só duas perguntas. A primeira delas é mais livre: eu queria saber se você quer deixar alguma mensagem ou contar alguma coisa que eu não tenha te perguntado.

R – Uau! Eu acho que eu quero deixar uma mensagem. Às vezes, a gente olha para gente e fala: “Nossa, eu estou no pior momento, está tudo dando errado, nada dá certo pra mim. Meu Deus, eu sou péssima” e aí a gente vê as coisas de um jeito que parece que não tem uma solução. Todo mundo chega nesse momento de: “Nossa, agora não tem o que fazer, não tem mais solução, não tem jeito”. E aí, toda vez que eu estou nesse momento, eu penso em momentos que foram parecidos com esse e o que aconteceu depois, e aí o sentimento é sempre esse, de que não vai dar, de que não vai dar certo, não vai ‘rolar’. E aí eu me acalmo, porque eu sei que nada é para sempre, sabe, é um momento, e aí eu sei que vai ter uma resposta, que vai ter uma solução, que eu vou conseguir passar desse momento. Então, é um exercício que eu faço de todas as vezes que eu estou me sentindo muito mal, muito down, ou sem esperança, eu penso no pior momento que eu passei e aí eu volto para esse lugar e falo: “Não, beleza, eu passei por esse momento, que foi o pior momento da minha vida e eu estou aqui e deu tudo certo. Olha o tanto de coisa que aconteceu depois, que foram legais”, sabe? Então é isso, é tipo: vai passar, vai dar certo e você já passou por tanta coisa, cara, você vai passar por mais essa. Eu sou muito sagitariana, me desculpa. (risos)

P/1 – A última pergunta é: como foi contar essa história hoje e revisitar um pouco da sua trajetória?

R – Nossa, foi intenso! Eu achei que falar da gente mesmo é muito difícil, porque você nunca fala de você, a gente não se vê como uma outra pessoa, então é difícil falar de você mesmo, assim, abrir as coisas, mas também foi legal de lembrar de coisas que eu nem lembrava mais de coisas da minha infância, momentos da vida profissional. Então, foi meio que fazer um pequeno filme da minha cabeça, que foi legal. Eu acho que eu cheguei nervosa de falar sobre a minha vida e eu saio feliz, porque você olha para as coisas que você fez e você fala: “Caramba, eu sou foda, consegui!”. Então, eu estou feliz, foi divertido, foi intenso, mas foi muito legal, foi muito bom. Ah, uma palavra muito boa pra isso: foi refrescante. Sabe assim? Tipo: saio daqui renovada. É isso, renovada. Foi renovador.

[Fim da Entrevista]