Museu da Pessoa

Quando meus pais se conheceram

autoria: Museu da Pessoa personagem: Expedito Paulino dos Santos

P/1 – Seu Expedito, aqui comigo. O senhor pode deixar ele pra lá, conversa aqui, comigo.

R – Mas é pra eu contar do tempo do meu avô pra meus tios?

P/1 – Ah, sim, vai ser assim: eu vou perguntando e o senhor vai respondendo. É super tranquilo, se a gente acelerar um pouco a história, a gente volta pra trás um pouquinho, né? Mas agora, pra começar, eu queria que o senhor falasse seu nome completo.

R – Expedito Paulino dos Santos.

P/1 – E o senhor nasceu em que dia, mês e ano?

R – Foi em fevereiro, no dia 13 de fevereiro do 32.

P/1 – Trinta e dois. E onde é que o senhor nasceu?

R – Bem ali. Daqui a gente não vê os coqueiros, mas é bem ali.

P/1 – O quê que é aquilo ali que o senhor tá falando? Seria um hospital, ou não?

R – Era a casa do meu pai mesmo. Era mata, ele foi, situou e plantou plantas, frutas, coqueiros, essas coisas assim.

P/1 – Quem era seu pai, seu Expedito?

R – Luiz Paulino do Nascimento.

P/1 – Luiz Paulino do Nascimento. E a sua mãe?

R – Maria Conceição dos Santos.

P/1 – E o quê que eles faziam, seu Expedito? Qual que era o trabalho deles?

R – Era agricultura, ele trabalhava muito na agricultura, em plantar, pescar, caçar.

P/1 – A pesca e caça era pra...

R – Por exemplo, a caça... A pescaria ele ia, eu alcancei já meninotezinho, que nesse tempo não havia casa boa, era casa de palha. Na cozinha era cheio de casca, de cabeça de siri, que ele era pescador e caçador. Era cabeça de siri e rabo de tatu, de peba. Os três iam matando e botando tudinho pra amostrar à família quando crescesse. Eu sou o caçula e ainda alcancei, aí era tudo cheio de cabeça de camarão, rabo de peba. Via ele caçar, agarrava de peba como daqui acolá pra arrancar, a vida dele era assim. Outro, quando não era nos pebas, era nos jacus, caçando jacu. Todo dia era um, dois, até três ele trazia, todo dia assim. Quando era de dia ia pro serviço, trabalhar.

P/1 – E na atividade dele da agricultura, o senhor lembra o que ele plantava naquela época, antigamente?

R – Nesse tempo era a roça, a mandioca, que nesse tempo era farinhada. Todo tempo de agosto era o mês de farinhada, né? Antes fazia a farinhadinha, mas o tempo mesmo de farinhada era agosto aqui. Ele trabalhava tanto e fazia muita roça, fez um arriamento pra ele mesmo. De primeiro tinha o da sogra, ali, mas era fraquinho, ele foi e fez um pra ele. Plantava milho, feijão, jerimum, algodão, tudo eram as plantas dele, era agricultor. Nesse tempo tudo dava aqui, a gente colhia tudo. Carrapateira, mamona.

P/1 – A gente vai chegar lá, vai falar da farinhada. Depois o senhor vai explicar pra gente o quê que é a farinhada, pra quem não sabe o quê que é, né? Mas, antes, a gente tá na sua família ainda, lá no comecinho. O senhor falou do seu pai e da sua mãe, da atividade deles e eu quero saber quantas pessoas tinha nessa família. O senhor teve quantos irmãos?

R –

Seis; sete comigo, né?

P/1 – E o senhor era dos mais velhos, não?

R – Eu sou o mais novo, era o caçula.

P/1 – Você sabe como é que seus pais se conheceram, seu Expedito? Como é que eles se conheceram e se casaram? O senhor já escutou alguma conversa dessa?

R – Escutei. Nesse tempo o meu pai casou com outra, né? Aí, casou. E ele conhecia a mãe, que ainda era parenta, mas assim, conhecido mas por fora, não tinha muito... Aí, casou e com pouco tempo, um ano ou dois, por aí assim, uns dois anos, a mulher dele morreu de parto, de parto mesmo. Ficou o filho, esse ele criou e ficou homão, era tanto que ele embarcou pro Maranhão. Ele ficou por aí, ele morava pra banda aqui do Torente, eu disse que era a casa dos pais deles, aí sempre passava que era de curtir, ele passava. Quando foi num dia ele resolveu, nesse tempo não tinha esse negócio, ele resolveu, disse: “Olha, é minha prima, eu vou dizer uma prosa a ela”. Ele chegou, conversando por ali, por ali, com a mãe dela, tal, e os irmãos. Ele era muito trabalhador e era tudo da família, né, ele foi e soltou a prosa pra ela, se ela queria se casar com ele. Ela ficou assim, foi e falou pro povo dela, pra mãe e pros irmão: “Tu quer? Faz, que tudo é da família”. Aí foram e casaram. Ele casou-se: “Fica aí” “Não, eu vou fazer minha casinha” e fez mesmo, bem ali, pertinho aqui. A casa dele era ali, nessa estrada e ele fez ali. Aí, foi pra frente e morreram tudinho aí mesmo, tudo velho já. Morreram aí.

P/1 – Entendi. Bom, a gente tá ainda lá na sua infância, contando que viveu numa casa com mais seis irmãos e o pai e mãe, né? Seus pais eram agricultores. Como é que era o dia a dia nessa casa quando o senhor era pequeno ainda, criança? Como é que era? Sua mãe ficava mais em casa ou saía pra ajudar seu pai na roça, como é que era isso?

R – Às vezes, porque ela tinha que dar conta da (incompreensível), do almoço. No começo mesmo ela saía ajudar ele, quando não tinha família, quando criou a família, ela ficou em casa, né? Nós já ia no lugar dela, ela ficava em casa arrumando as coisas e criando, que toda a vida ela gostou de criar a galinha, o capote, o peru. Era assim, era cuidadosa, os bacurinhozinho, tudo criava. Ela não era agricultora, mas eu sei que ela vivia na agricultura fazendo tudo também.

P/1 – Como é que era essa casa que o senhor falou que era a casa que o senhor nasceu? Conta pra gente o quê que o senhor lembra dessa casa.

R – Rapaz, a casa, quando ele fez era uma casinha de palha, amarrada de vara, de taipa, né? Aí, com a continuação, ele foi melhorando, trabalhando e melhorando, foi, arrumou, fez a casinha de telha. De telha, de barro, aí fez a casinha mais, assim, de palha, de barro e de telha.

P/1 – O senhor lembra quantos cômodos tinha na casa?

R – (Contando) Tinha a sala, tinha dois quarto, um assim e um assim. Aqui era o corredor e pra cá era a cozinha, a cozinha de fazer as coisas.

P/1 – E fora a casa, como é que, o quintal tinha roça, como é que era?

R – O quintal tinha planta de roça, né? Tinha umas plantas de coqueiro, as fruteiras.

P/1 – Como é que era a sua infância nesse lugar com seis irmãos? Como é que eram as brincadeiras, como é que era isso?

R – Rapaz, brincadeira nesse tempo a gente não tinha quase direito de brincar, mais era ocupado pra ajudar ele. Aí, a brincadeira nossa era mais caçar de baladeira. Os mais velho já pescavam de anzol, iam pras lagoas, nesse tempo tinha muitas lagoas, eles iam pescar de anzol, iam pescar o caranguejo no mangue, né? Caçar, essas coisas, eu já não era muito bom, não, eu era bom na baladeira. Na baladeira, aqui na frente tinha uma mata que era do finado Miguel Alves, uma mata véia ali assim. Às vezes, a gente se ajuntava em até dez rapazotezinho, eu era dos mais novo, mas até dez rapazotezinho, cada qual com uma baladeira, pra saber quem era o melhor, atirava no punaré. Nesse tempo tinha punaré, muito, a gente balança um cipozinho e corria punaré pra todo lado. O que eu era esperto, era na baladeira. Às vezes, nós saía daqui pra praia ajuntar as pedrinha redondinha, bem alvinha, pra gente atirar. Porque era igual birro, era certeira, boa. Acertando na primeira a gente derrubava. Às vezes, pra ver quem era melhor, tinha uns que matava dois, coisinha pouca, outros matavam cinco e tinha os que era bom, tinha vez que eu matava até oito, dez, porque eu era melhor na baladeira e mais ligeiro, né?

P/1 – Essas eram as brincadeiras?

R – Era, brincadeira. E aqui, nesse tempo, ali, onde hoje é a pista ali, era a estrada, mas a terra frouxa, assim. Nós saía daqui, às vezes, nós saía e dizia: “Vamo ver quem é bom?”. Nós saía dali pra correr e ia inté acolá em cima, ou aqui pra baixo, descalço. E quem é que aguentava a terra quente? Ao meio-dia, ver quem era o melhor na terra quente. Os que aguentavam andava, o máximo que andava era 50 metros. A terra era quente demais no verão, aí outros saíam logo, abria, não ia pra frente, não. Era assim as brincadeiras nossa, de primeiro os rapazote não era assim. Tinha alguma brincadeira quando ficava rapaz ia pro, nós tinha aqui muito forrozinho, ia pros forró.

P/1 – Aí, já era quando tava crescendo mais?

R – Já era rapazinho, tipo rapaz, né? Rapazinho já. Aí é que ia pro forró.

P/1 – E como é que era isso de ir pro forró? Conta pra mim como é que eram as festas, essa coisa da diversão na época?

R – Não, as festas de primeiro podia ser forró, podia ser o que for, mas era bom. A gente ia, eu fui pouco, eu já fui com mais idade pro derradeiro, mas eu pelo menos quando ia, era bom. Nós começava cedo, seis horas começava. E não tinha zuada, não tinha nada. Brincava, nesse tempo era sanfona e violão, era assim. Aí, puxava, os que aguentava aguentava, os que não aguentava saía, ia tomar uma coisa ou outra, mas eu até bem sei, todo forró era bom demais.

P/1 – E o senhor conhecia alguém, dos músicos que tocavam? Conhecia algum músico nessa época?

R – Nesse tempo tinha Chico Margarida, tinha Antero e o... Manuel Arcanjo eu já disse, tinha outro, no São Pedro... Tinha um que chamava Caninana, esse aí era o melhor tocador, chamava Caninana.

P/1 – Por que que ele era o melhor cantador?

R – É porque ele tocava bom. Era dos mais véio, puxava a sanfona boa e cantava. Nesse tempo, até esses daí, esse Caninana e o Antero, o Raimundo Alves, que tinha o campo, aí eu vou mudar pro jogo. Tinha um jogo ali, esse Raimundo Alves fez um campo ali, mesma coisa onde tem a escola acolá, uma escola véia acolá, lá era o campo dele. Hoje é um coqueiral danado lá. Ele fez o campo lá, aí, todos os domingos tinha jogo. Era um tocando numas terras e outro n’outro, emendado, pra animar, todo tempo, né? Eu joguei, nesse tempo eu ainda joguei, não jogava ruim, não, mas o pai e a mãe não queria de jeito nenhum, não aceitava. A gente ia mas era escondido, não ia jogar assim, não. Os outros mais véio jogava porque... Mas eu, ele não deixava, não. Mesmo os mais véio eles não queria que jogasse. Agora, aconteceu que eu tava jogando e eu gostava mais de pegar, né?

P/1 – No gol?

R – (Risos) Aí, inté eu não era ruim, não, baixinho mas pegava bom, né? Aí, uma vez, esse Raimundo era um homem forte, grande, alto, né, que era o dono; nesse dia ele inventou um timezinho, de um e de outro, não era jogo sério, não, era um timezinho, como é que diz, um de um lado, outro d’outro. Agora ele foi jogar contra eu, eu pegando. Aí, eu disse: “Esse eu lasco cedo”, eu até errei. Daí, jogando, jogando, quando foi umas horas, deu desses, não sei como é que é, pra chutar de acolá pra cá, né, uma falta, e ele foi quem foi chutar. Ele disse: “Agora tá aí, véio”. Aí, eu não tinha medo, eu digo: “Pode mandar”. Quando ele botou a bola de lá pra cá, aí, mas aí, eu fiz por boniteza, não foi porque caí pela força da bola, não. Eu fiz por boniteza, pra negada achar mais, ter mais a vaia melhor, agarrar melhor, né? Quando ele chutou, que a bola vinha, eu abaixei, peguei de uma vez. Abaixei e caí, né? Peguei a bola, mas eu caí. Aí, as negada correram, era bem ali, meus pais correram, quando acabou-se o jogo que eu vim, chegou e já tava o boato que diz que eu levei uma bola e que o Raimundo ia me matando. Eu digo: “Não, eu caí pra fazer boniteza, mas a bola eu encaixei, não foi gol, não, eu encaixei. Caí porque quis mesmo” “Mas não jogue...”. Daí, pronto, não deixaram e eu não fui mais pra jogo, não, eu deixei ainda novo. Nesse tempo eu era rapaz mas, também, nesse tempo, quando os pais da gente dizia uma coisa, tinha que a gente cumprir, né? A gente não era... Porque eu mesmo, no tempo que eu vivia mais eles, levei uma lapada só. Daí pronto, não careceu mais. Hoje um menininho já desse tamanho já faz o que quer, né, não faz conta de pai nem de mãe. Nesse tempo a gente obedecia os pais.

P/1 – Seu Expedito, na sua época de criança tinha escola por aqui?

R – Tinha, tinha.

P/1 – O senhor chegou a frequentar a escola?

R – Eu passei dois anos na escola. Os meus pais botaram, mas nesse tempo a escola que tinha era assim... Primeiro que hoje foi de prefeitura, que até eu me alembro que mais que o pai das meninas, era quatro moças numa casa, o pai delas era Alfonso e a mãe Cena e as filhas, eram quatro filhas. Aí, a gente mais ou menos foi arrumado e botaram na escola. Lá na Maré, acolá, não sei se o senhor conhece e sabe onde é, longe, e eu morava ali. Aí, o pai disse: “Vamos botar os menino”, era eu e uma irmã, “vamos botar esses dois pra estudar lá”. Daí, eu fiquei assim, meio mole, disse: “Não, vamos”, daí eu fui. Ainda passei, o máximo que eu passei acho que foi dois anos que eu não aprendi nadinha, não. Mas eu era meio rude mesmo e ruim. Depois eu me arrependi. Eu ia pra escola, às vezes, eu mancava na escola, não brincava, fazia. Hoje nós acha ruim os meninos, mas são mais errados do que nós, porque eu ia pra escola, mas tinha dias que eu não chegava lá, do caminho eu voltava, até a hora de fazer aquela... “Estudou?” “Estudei”, mas não tinha ido.



P/1 – E o quê que o senhor fazia quando não ia?

R – Eu ficava escondido, fazia hora e vinha pra casa. Mas eles pensavam que eu ia pra escola, não iam descobrir, não iam nada. Pensavam que eu ia todo dia, né?

P/1 – E por quê que o senhor acha que (interrupção, barulho atrapalhando). O quê que o senhor acha que era difícil na escola nessa época, que o senhor acha que não deu pra dar sequência? O quê que era difícil na escola, que o senhor não gostava?

R – Não gostava porque eu não sabia como era. Nesse tempo a gente ia meio-dia, depois do almoço. Eu ia e estudava lá, a hora que tivesse, quando acabava, não tinha merenda, não tinha nada. A gente ia e, do jeito que ia, vinha, né? Mas as meninas não eram muito abusada, não, é porque menino é sem vergonha, não faz conta de todo tempo, não. Agora, hoje, os meninos não estudam porque não quer, porque é melhor, tem carro que vai deixar no colégio, tem tudo no colégio pra eles e não estudam, né? Tem muitos que não dão pra nada, eu me arrependi, mas o que eu aprendi hoje ainda serve, eu faço qualquer coisa.

P/1 – O quê que o senhor lembra que o senhor aprendeu na escola, assim?

R – Eu aprendi a ler, a escrever alguma coisinha, que não serve como hoje, não, que as leituras de primeiro não é como as de hoje, né? Não é. Agora, nesse tempo a gente tinha que estudar a carta de ABC todinha, tinha a tabuada pra gente estudar as tabuadas, guardar tudinho isso ali, tudinho. Aí, passava pra cartilha, eu li até o primeiro ano. A carta de ABC, a cartilha e o primeiro livro, aí, pronto.

P/1 – Teve alguma professora que chamou atenção do senhor, que o senhor lembra até hoje, que o senhor gostou, que foi legal ou não?

R – Não, tinha uma que sabia, que judiava com a gente também, as outras para atrás, mas tinha que a gente chamava de... Às vezes queria teimar com algum menino, quando era no outro dia tava feito lá e tinha um que era ruim, chamava atenção. Aí, parei. Nesse tempo, a penitência era no caroço de milho, de joelho, ou num quarto, né? E nesse dia era eu e a minha imã. A minha irmã foi pro caroço de milho. Eu digo: “Não, não vou, não, o meu joelho não dá pra isso, não. Não vou, não”, sustentei e não fui, não. Também foi uma vez ou duas, daí não fiz por onde zangar as tiazinhas, não. Mas tinha uma ruim.



P/1 – E o senhor lembra de alguma professora que o senhor gostou, que o senhor tem uma boa lembrança dela?

R – A melhor que tinha era a véia, a véia Sena, melhor que as filhas. Agora a Sena viu brigando comigo, tudo, ela disse: “Não, deixe o meu filho pra cá”, daí levava eu lá pra casa de farinha, eu sentava. Eu acho, eu aprendi por jeito dessa véia, que ela era já idosa, né? Mas tinha sido professora, acho que tinha sido professora, que ela sabia mais que as filha. Aí, me levava lá pra casa de farinha, disse: “Ande, pra cá, ocê vai aprender agora comigo”. Aí, eu ia, ela me ensinava: “Tá bom, por hoje tá bom”, daí saía. As meninas eram mais abusada, mas pra mim era boa, não sei se já morreu mais se morreu tá...

P/1 – O senhor lembra de alguma lição dessa época?

R – Não, não. Nesse tempos as lição eram, eu não tenho nem cabeça de como é, não.

P/1 – Bom, aí o senhor foi crescendo, foi pra escola por pouco tempo...

R – Pouco tempo, foi. Aí, foi que eu falei: “Vou mudar pra agricultura mesmo”. Aí o meu serviço era na planta, né? Na planta e depois, quando fiquei maior, trabalhava em moagem. Botar cana, coisa, daí eu aprendi a cortar cana; eu ia cortar cana, tinha semana de eu

cortar pra dois engenhos, cortava de domingo até quarta-feira, ao meio-dia, e de quarta-feira ao meio-dia inté sexta eu cortava pra outro. Porque moíam de segunda a sábado, agora, eu dava conta de cortar de domingo até quarta feira ao meio-dia pra um engenho, que era do meu sogro. Quando era de quarta-feira, de tarde, eu cortava pra outro.



P/1 – Isso já depois do senhor casar?

R – De solteiro até casado já.

P/1 – Então, vamo chegar nessa história do casamento. Você tava falando das festas agorinha, dos forrós, tal. E eu imagino que nos forrós tinha as paqueras lá, os namoros...

R – Tinha, tinha, tinha...

P/1 – Como é que era isso naquela época?

R – (Risos) Rapaz, será que eu me alembro? Mas se a gente não tivesse já certa uma, tinha que fazer força pra outra. Eu, pelo menos, eu era meio acanhado, mas era difícil eu,

fazer, modo de dizer, voltar em branco, né?



P/1 – É?

R – Eu sempre arrumava um par à noite na dança, gostava de pisar o povo e arrumar. Tinha gente daqui mesmo, tinha gente do Sardinha, acho que não conhece, não sabe onde é, é um lugar chamado Sardinha, lá eu arrumei uma que passei foi tempo em forró com ela.

P/1 – Então, aí eu queria que o senhor contasse, porque essas moças que o senhor dançava tinham nome, né? O senhor lembra do nome delas como é que era? Onde elas moravam?

R – Sei que uma era no Sardinha, mas os nomes... Eu não gostava bem de (incompreensível), não. Não me alembro, não.

P/1 – Mas o senhor lembra, tem uma lembrança de alguma festa que foi bem legal?

R – Foi muita, foi quase... foi muita festinha por aí afora que eu fui e tudo de bom.

P/1 – Não passava em branco.

R – Não passava em branco. Só as festas que dava ruim pra mim sabe aonde que era? Como ele tá perguntando, aqui na Maré, do João de Góes. Ali, no João de Góes, aqui na Maré, tinha uma casa que fazia festa todo resto de ano, ou de santo, quando vem mês de junho quase todo santo tinha uma festinha lá. Aí, eu sempre ia, mas eu era azarado pra cá. Quando eu ia, todo tipo de gente tinha uma besteira comigo, né? Tanto que uma vez, os meninos foram todinho e papai não deixou, eu era ainda novo, mas papai não deixou eu ir pra essa festa de jeito nenhum. Não deixava, né, quando foi um negócio bem de oito hora, por aí assim, pras nove, chegou o Daniel do Pecém. Chegou: “Cadê os meninos?” “Não tá”, aí disse: “Olha, eu ia cuidar pra nós ir pra festa lá no de Góes”. Eu disse: “Não, só tá o velho” “Deixa ele ir!”. Disse: “Não, ele não vai, não. Hoje ele não foi nem mais os irmãos e não vai hoje, não”. Ele disse: “Por que?” “Não, hoje não vai, não, que eu não deixei e nem deixo. Os outros foram pro outro canto e esse do João de Góes é que ele não vai” “Por que?” “Quando ele vai pra banda dali, toda gente é cheio de fuxico pra ele”. Aí ele disse:

“Não, deixa ele ir mais, modo de eu não ir só, compadre?” “Não”. Aí o véio inventou de não ter dinheiro, mas eu sempre tinha um dinheirinho, não era todo tempo. Aí, pai disse: “Ele hoje não vai, não, que tá inté liso, não vai, não”. Daí, esse véio foi e tirou dez mil réis. Nesse tempo dez mil réis era dinheiro. Aí, disse: “Pega, bora compadre, eu dou o dinheiro pra ele ir”. Aí, o velho foi e deixou, mas disse: “Mas tenha cuidado no menino”. Ele falou: “Não, ele vai mais eu, não tem nada, não”. Daí, ele foi, dá inté vergonha de dizer isso, mas é o senhor que tá perguntando, né? Daí, eu fui. Cheguei lá, o homem era doido pra ir pro jogo, esse homem era jogador, muito mesmo. Aí, ele foi, chegou no caminho, acolá na Maré, ele disse: “Expedito, chegar lá eu vou jogar, tu vai pra festa” “Rapaz, eu não vou estar perto de tu, não?”. Ele disse: “Pois vai. Mas se os caras que têm marcação com tu vier, tu me diz”. Ele diz: “Chega lá nós vamo, nós entra”. Daí, nós cheguemo lá, a festa já tinha pegado, ele disse “Pode entrar”, daí ele entrou mais eu. Isso aí eu me alembro demais, ele entrou mais eu “se tiver, tu aponta”.

P/1 – Se o que?

R – Ele disse “se os homem te ver tu aponta, viu?”. Eu digo: “Sim”. Daí nós saímos, assim, correndo a casa e, aí, quando eu fui passando por eles, assim, eu cutuquei pra ele, eu já tinha dado, sempre’ que eu ia dar de olho, daí eu dei de olho, eu sai e ele disse: “Tá certo, tu entra que eu vou pro jogo. Qualquer coisa, tu avisa, né?”. Eu digo: “Tá certo”. Aí, eu entrei, rapaz, e quando eu entrei, aí eu ia nos dois tonto, eram dois caras, saltaram de lado: “Hoje ocê aqui não brinca, não” “Não, rapaz, deixe de besteira, vamo brincar aqui”. Ele disse: “Não, aqui não é lugar de você”, que eles eram da banda de lá. Aí, eles acirraram e eu saí afastando, afastando, me encampuei e fui pra um canto, digo porque no canto eu fico mais guardado. Aí, as negadas danaram-se logo a zoar, de correr pro terreiro, aí disse:

“Quem é?”, disse: “É dois que tá com Expedito, ali, com besteira”. Ele saiu, quando ele chegou, abriu assim, as negas já tinham saído tudo e estava eu acantoado. Ele disse “Expedito, como é que tu tá? Ferido?” “Não, até agora, não”. Aí, ele só fez empurrar eles e disse: “Agora é comigo. Vocês não buliram, não fez nada até agora, não faz mais, não” e ele era ruim, né? Aí, botou o resto que tinha dentro das casas, eles abriram e não vieram mais pra festa, daí, continuaram e eu fique na sala e os dois não vieram mais, não. Eles saíram contra, mas não me feriram, não. Eu me encantoei e fiquei num canto e fiquei.

P/1 – Eu fiquei pensando aqui como é que era a arrumação pra ir pra uma festa de forró nessa época. Como é que era roupa, essas coisas, como é que fazia?

R – Rapaz, a roupa, por esse tempo não tinha roupa... Era boa pra nós, né? A roupa melhor que tinha, que saía, foi Volta ao Mundo, o pano melhor que tinha era Volta ao Mundo e um brim, que fazia umas roupas, assim, mais ou menos. Não é como hoje, umas roupas... Quando a gente era _0’31’’42’’’_, isso era roupa de gente, mas hoje toda roupa é pano bom, é de gente que pode, né?

P/1 – To curioso pra saber como é que as meninas bonitas da época se vestiam. O senhor se lembra?

R – Se vestia?

P/1 – Como é que elas se vestiam naquela época, as meninas bonitas daquela época?

R – Rapaz (risos)...

P/1 – Qual que era a roupa que elas usavam?

R – As roupas eu não sei nem de (voz de mulher ao fundo)... Eu não sei nem, nesse tempo tinha um tal de chita, um pano de chita, que era todo coloradinho, bonito, pra mulher tinha pano de tudo jeito, né? Mas não era pano como hoje, não, era um negócio, pano de linha. Nesse tempo, a roupa toda era de linha, agora não tem roupa de algodão, né? De primeiro as roupas era de algodão, de flor de toda cor, é.

P/1 – E como que o senhor conheceu a sua esposa?

R – (Risos) Ah, aí é um problema (risos). Eu cortava cana lá, eles tinham um engenho. E aí, eu tinha um amigo que casou com uma irmã dela, né? Aí, foram e falaram pra eu ir trabalhar lá, eu fui. Quando fui botaram eu logo com o facão, eu fui cortar cana. Cortar cana é cana que a gente achou no corte, né? Aí, já passa pra carnaúba, lá as carnaúba, ia pra lá que tomava garapa, né, elas iam fazer o almoço lá. Aconteceu um dia de ela é quem ia pra lá, aí, eu vim pra cá, eu morava ali, a gente vinha pra cá. Ela vinha, eu disse: “Eu vou pra banda de lá também”. Era bem novinha, bichinha nova ainda, era bem novinha mesmo, tava começando a se enfeitar.

P/1 – Ela era mais nova que o senhor?

R – É, era mais nova.

P/1 – O senhor lembra mais ou menos a idade, sua e dela?

R – Nesse tempo eu estava com 22 anos... Parece que era, 22 anos.

P/1 – E ela?

R – Ela talvez tivesse uns 18, por aí assim, quando nós casemos, né? Mas nós comecemos cedo. Aí, eu vim, peguei conversa com ela e tal, tal, daí comecemos e passou o tempo. Aí, fomos casados em 58, logo no ano seco, 58.

P/1 – Cinquenta e quanto? Ah, casaram em 58.

R – Cinquenta e oito, mas passamo muito já.

P/1 – Mas esse namoro nessa época era escondido, ninguém sabia? Como é que era?

R – No começo era assim porque ela era nova mas, daí, também todo dia eu ia pra lá, né? Aí nós ficava conversando, de namorado, eles ficaram sabendo, daí o pai respeitou e nós ficava no parapeito até a hora de eu vir embora.

P/1 – Como é que foi chegar no pai dela e pedir pra casar?

R – Aí, já era, tudo era primo, né? Aí, deixei, quando foi o tempo que eu tive vontade, fui e perguntei. Ele disse: “Já tão velho, já faz tempo” e foram fazer, aí foram cuidar”.

P/1 – É isso aí. Aí, o senhor casou e saiu da casa dos pais?

R – Saí. Agora quando eu pedi, que eu fui pra casar mesmo, aí, eu comecei a fazer uma casinha aqui distante, numa baixa acolá, que chama Baixa, Estrada da Mata, formigueiral doido, rapaz. E eu fiz, arrumei as madeiras lá tudinho, sem ninguém saber. E nesse tempo tinha um vaqueiro lá e quando foi um dia, morava lá, aí um dia ele disse: “Tu vai casar?”, eu digo: “Não” “E aquelas madeiras toda?” “Que madeira?”, porque eu tava botando escondido, ele disse: “Tu pensa que não tem fé não?”. Aí, ele era meu compadre, eu digo: “É rapaz, eu to montando”. Daí, eu fiz a casinha lá, passei 32 anos lá, nessa casa.

P/1 – Foi o senhor mesmo que fez a casa?

R – Foi, casinha de palha, nesse tempo não tinha telha, não, era com palha. Daí, com os anos, foi que eu fiz de novo.

P/1 – Onde é que ficava essa casa mesmo?

R – Era nessa terra aqui mesmo, lá na baixa da Almeja, mas lá eu fiz um sítio, situei toda a fruteira, mangueira, tem uns doze pé de mangueira, tem 20 e tantos pés de coqueiro e tinha limão, tinha goiabeira, toda a fruteira, que era a terra do meu pai, né? Com o tempo a mãe morreu, aí o pai foi, partiu, botou, eu ganhei aqui e ficou lá pros outros. Os outros foi e destruíram tudo lá, só tem os coqueiros e as mangueiras, tem outras frutas.

P/1 – A casa ficou pra quem?

R – Não, eu desmanchei. Que se eu não tinha desmanchando, eles talvez tivesse tomado. Não tomei porque tava com 32 anos lá, 20 e tantos coqueiros e umas 12 mangueiras, né, fruteira e tudo. Mas, com meu irmão eu não quis fazer questão.

P/1 – O senhor casou e o senhor continuou trabalhando na agricultura?

R – Todo o tempo, todo tempo...

P/1 – O senhor falou também da farinhada...

R – Porque no meu tempo que eu casei, do 58, pra eu dar conta. Cinquenta eu casei, 58 nasceu o menino, 58 mesmo. Pra fazer a vida eu comecei fazendo dois canteirinhos pra verdura, foi indo, fiz até 20 canteiros pra vender. Também vendia a cebola, o coentro, o tomate, o pimentão, a cenoura, tudo eu fazia, que lá é barreado, tudo dava, tudo isso eu fiz pra criar dez filhos, eu dei conta de tudinho. Tinha esses canteirinhos pra eu trabalhar, lutar. Tinha chiqueiro de cabra, chiqueiro de ovelha, um curral de gado, no inverno quando eu tava com umas dez cabeças de gado, eu tirando leite de umas quatro vaquinha. Eu tive bem, rapaz, na era de 60 e 70, né?

P/1 – Mas nessa época o senhor não trabalhava pra fora?

R – Ali eu não trabalhava fora, não, trabalhava só no que é meu mesmo.

P/1 – Trabalhava pro senhor?

R – Era, porque tinha que dar conta de tudo, né?

P/1 – Aí, o senhor vendia tudo o que excedia?

R – Eu vendia. Todo dia eu ia pro Pecém vender a verdura. Todo dia eu ia, bem cedo e de tarde, com oitenta, cem molho de verdura pra vender e tomate, pimentão... De lá eu trazia o peixe e a carne, as coisa de casa, tudo, eu trazia de lá. Aí, quando eu chegava, ia trabalhar, quando era uma hora dessa eu saía no campo caçar cabra, correr, ajuntar tudinho. Daí, foi o tempo que já era uns homem, já tinha os meninos que me ajudava, eu descansei muito. Passei um ano andando daqui, o Bolso, Travessão, inté os Prados, acolá, atrás de gado, de pé todo tempo. Por isso hoje eu vivo inutilizado das pernas.



P/1 – Por quê? O quê que aconteceu?

R – De eu andar muito de pé. Depois foi que eu comprei um carro, botei os meninos pra escola, comprei o carro pra eles irem no Coqueiro, a cavalo, e o outro pelo Campo. Aí, foi que eu descansei mais.

P/1 – Esse carro é o carro de boi ou era um automóvel?

R – Era cavalo. Dois cavalos, um pra mim e outro pra eles ir pra escola. Nesse tempo não tinha carro, não, não ouvia falar em carro na época.

P/1 – Como é que era ter um carro desses, um puxado a cavalo, a carroça? Você mesmo que fazia? Tinha alguém? Como é que se fazia isso na época?

R – Não, a gente pra carroça tem... Tem muita gente que tem carroça aí com cavalo, arreia o jumento puxando, tem muito por aí, eu tive muito trabalho.

P/1 – Mas o senhor teve que comprar ou o senhor mesmo que fez?

R – Não, isso aí de carroça, não, eu comprei os cavalos, o animal, um pra mim e outro pros meninos. Mas carroça, eu fretava carroça pra botar as coisas, ou pra lá, ou pra cá, era assim.

P/1 – Legal. E aí, a coisa foi andando, sua história foi se desenvolvendo, o senhor ficou morando nessa casa do senhor até, mais ou menos? O senhor morou 30 anos nessa casa?

R – Foi, 32 anos.

P/1 – De 58 pra cá?

R – Sim, morei lá. Aí, 32 anos, daí foi que a mãe morreu, os meninos já ficaram homem, rapaz, moça, tudo. Pegaram em ir pra cidade, se empregar, estudar pra lá e hoje tá aí, tem professor, tem outro pra banda de lá, eu fiquei só com essa meninazinha aí.

P/1 – E o quê que foi? O senhor ficou 32 anos e o senhor veio pra cá? Por que mudou, o

quê que foi?

R – Foi. É porque aqui era meu e lá ficava, a terra lá ficava pros meus irmão, né? E eu saí de estar na terra, mais eu banquei besteira, se eu tivesse lá talvez ele não tivesse tomado lá mesmo, né? Mas eu queria situar aqui, né, eu tinha um sítio ali pra eu trabalhar. Aí, eu vim, fiz a casinha ali e a de lá eu desmanchei e deixei lá tudo cercado, ficou lá, agora acho que é abandonado, né?

P/1 – Bom, hoje como é que tá a sua situação? O senhor mora aqui, em Matões, como é que é a sua situação?

R – Rapaz, eu moro aqui, vim pra cá, aguentei até estar com uns dois a três anos e eu não trabalhava mesmo porque os meninos disseram que não precisava de eu trabalhar, que não dava mais. Aí, eu digo: “Não”, mas foi adoecendo as pernas, não trabalhei mais. Fiquei aqui, às vezes faço um servicinho, cerco por aqui, isso aqui eu cerquei tudinho. Tinha um sítio, até ano passado trabalhei no sitiozinho, né?

P/1 – Do senhor mesmo?

R – É, agora eu entreguei. Pra lá eu entreguei pra essa menina que tava aqui, essa que tava aqui, ela é casada e eu entreguei lá pra ela. Agora tudinho, vem cada qual as moradas deles por aí. E eu vivo aqui, comendo do meu aposento, as outras coisas eu acabei com tudo.

P/1 – Como assim?

R – Vendi lá, daí, peguei a renda, peguei a renda e rendei e acabou-se. Fiquei só aqui, comendo por aqui o que eu tinha feito e o aposento.

P/1 – O senhor tá aposentado?

R – To.

P/1 – Há quanto tempo?

R – Tá (fazendo as contas) faz 20 anos.

P/1 – Vinte anos?

R – É. Eu me aposentei com 60 anos.

P/1 – E como é que é a vida hoje em dia, aqui, no Matões? O quê que mudou da época que o senhor chegou aqui pra hoje?

R – Mudou que da época que a gente chegou pr’aqui a coisa era calma aqui, não tinha zoada. Aí era só a terra, a estrada era só a terra, né, areia, assim, mesmo... Casa tinha pouca. Nesse tempo, as casas que tinha, quando eu vim pra cá mesmo, tinha a casa dos meus tios acolá, ali, tinha acolá, a casa não junta à outra, né? E hoje tá quase feito aí, estrada pra zoada mais medonha do mundo, a gente quase que não pode dormir, de modo de tanta zoada. Agora já tem essa que passa aqui.

P/1 – O quê que passa aqui?

R – A estrada com o carro trabalhando todo dia aí. Caçamba botando terra, toda coisa de acolá pra cá.

P/1 – E como é que tá a situação aqui? A sua perspectiva de continuar aqui como é que é? A construção da siderúrgica, como é que isso tá afetando aqui a região?

R – Ah, tá boa, aqui não tá atingindo elas, não, estão dizendo que vai atingir pra frente, né? Mas, por hora, só tá atingindo no trânsito de carro, que vai pra todo canto aí e movimento, os povo mais novo tudo empregado, né? O negócio é isso aí, que de primeiro não tinha, negócio de emprego, dessas coisas, carro indo pra um canto e outro. E hoje, eu bem cedo me levanto, vou pro alpendre, tenho contado de 20 a 28 carros, até 28 eu tenho contado, ônibus que passa, só os ônibus que leva gente, né? Que dizem que lá é coisa medonha mas, por aqui, por hora, eles não estão atingindo bolso, daquele meio aqui. Por hora, aqui não tá... Só atingiu esses canos que botaram ali, na estrada, que iam botar a perder foi meu sítio aí, quase perdido aí, cheio d’água.

P/1 – Por quê? Como assim?

R – Porque pra passar o cano, o cano medonho, por dentro, veio de acolá e atravessou pra baixo. Aí, fizeram o cano, pra entupir, não deu, ficou o açude no sítio quase todo.

P/1 – E, aí, o senhor não tem mais esse sítio?

R – Não, é só um pedacinho hoje. No ano passando ainda plantei, da água pra cá. Fizeram uns (suspiro? _0’47’’22’’’_) de cimento, pra (de suspir? _0’47’’24’’’_) não sei o que e coisa, e tá lá Quer dizer, o que é ruim é isso, essas coisas tá atingindo aqui e tomando as coisas da gente.

P/1 – Como é que é essas coisas?

R – Dizem, aí eu não to com muito medo, não, porque diz que da estrada pra baixo, diz que vão carecer, né? Inté eu tenho um cunhado acolá, que nas Carnaúbas é um horror de casa, agora foi o jeito ele entregar, compraram, não sei como foi. Hoje iam assinar pra derrubar as casas, fica pro lado das Carnaúba, da onde vocês vieram, de acolá. Já fica acolá, aqui eu não sei, agora dizem que aqui não vai atingir, não, né? Não vai atingir mas o povo falando em mudar daqui lá pra perto de Caucaia, vão fazer uns coiso lá, umas casas.

P/1 – Já veio alguém da empresa ou de alguma associação conversar com o senhor aqui?

R – Não, comigo, não. Comigo eles não vieram, não. Eles fizeram assinatura pra mudarem, pra essas casas sem dono, mas eu não assinei e nem vou assinar, não, que eu não quero ir, não.

P/1 – Mas como é foi essa história? Como é que eles chegaram aí? Que documento é esse que eles trouxeram?

R – Rapaz, eles fizeram... Das terra eu tenho os documento, dessas coisas eu não sei, não, que quem conversa com eles é aí, as meninas, comigo eles não tem que conversar de negócio dessas casas, nem nada, não. Isso aí eu to por fora. As meninas que eles já conversaram, parece que assinaram, não sei quem foi.

P/1 – Mas o senhor disse que não tem vontade de sair?

R – É, o meu dizer é esse, não tenho vontade de sair pra eles botarem tudo abaixo. Se não tiver pra onde ir.

P/1 – Bom, o senhor falou que teve quantos filhos mesmo?

R – Dez.

P/1 – Dez filhos. Algumas estão aqui com o senhor. Algumas são professoras? Como é que é a ocupação deles?

R – Tem essas duas aí que é professora. As outras trabalham em emprego melhor, essa aí trabalha em agricultura, no barzinho dela, é assim.

P/1 – E as suas filhas que são professoras, você disse que trabalharam em que escola mesmo? Em uma escola indígena?

R – Foi, elas trabalharam, começaram na escola paga por conta mesmo dos alunos. Agora é indígena, eles mudaram pra essas coisas.

P/1 – E como é que é a relação com as populações indígenas aqui? O senhor conhece indígenas aqui? Como é que é isso?

R – Aí, disso aí eu sou meio amarrado, eu sou meio atrasado, não compreendo direito, não.

Não compreendo, não.

P/1 – Mas, ao longo da sua vida, o senhor já chegou a tomar contato com populações indígenas ou não?

R – Não, desses que vieram é esses de trabalho daí do sítio, que fizeram de negociar a terra, desse negócio aí, nunca teve conversa, não.

P/1 – Entendi. Bom, então, hoje o senhor tá aposentando e como aposentado como é que é o dia a dia do senhor? Que horas o senhor acorda, como é que são as suas atividades aqui? O quê que o senhor faz?

R – Bom, a minha visão é só por aqui mesmo. Eu me deito às oito horas, oito pras nove horas eu to deitando. Também me levando às seis horas. Seis horas eu já to correndo as coisas por aí.

P/1 – Então, quando o senhor acorda, o quê que o senhor vai fazer? Como é que é o dia a dia?

R – Eu fico só andando por aí. Às vezes vou até acolá na casa de uma filha. Trabalhar eu tenho vontade, mas não posso, não, não me deixam, não.

P/1 – Quem é que cuida aqui do quintal, da casa do senhor? Como é que isso?

R – A casa é essa daí. Agora o quintal, a limpeza, eu pago pra fazer. Ainda ontem aquele pé de pau caiu, quarta-feira caiu ali, a frente. Eu falei com um, ontem veio, limpou ali a frente todinha. Agora ele ficou testemunha, que antes dele fazer a limpeza, que eu gosto de estar com ele todo limpinho.

P/1 – Entendi. O senhor falou também que o senhor mora aqui e a sua esposa mora em outra... Como é que é, como é que funciona?

R – Não, ela tem recurso dela, ela vive também trabalhando, pagando trabalho do outro, trabalha muito, ela é da agricultora.

P/1 – Sua esposa é agricultora?

R – É.

P/1 – Ela trabalha ainda ou tá aposentada?

R – Ela tá aposentada, também vive meio doente (interrupção, pessoa falando com o entrevistado).

P/1 – O quê que ela teve que ela ficou doente?

R – (Risos) Eu só vejo as meninas, eu não falo com lá, mas as meninas têm de ir.

P/1 – Falando em doença, tentando voltar um pouco no tempo, como é que era que vocês faziam aqui pra medicar as pessoas? Como é que era isso, quando alguém ficava doente na família? Isso lá na família dos pais. Como é que era isso, como é que era essa história aí?

R – Rapaz, nesse tempo doutor quase não tinha. Vez em quando, quando era doença mais branda, mais coisada, era por aqui, um chá de uma coisa, um chá de outra, tinha cabeça de nêgo, batata de purga... Pra coisas mais maneira, tinha uns rezador que rezava, rezavam muito pra quebrar mais a força. Aí, quando era demais, que não podia, às vezes ia na Caucaia procurar pelo doutor, de uns tempos desses pra cá eles levavam pra lá e examinavam. Era mais ligeiro, também não tinha muito aperreado. Hoje é que pra ir passar um dia, dois, lá, sem atendimento. Mas, primeiro ia, dava o remédio, uma injeção, uma coisa e voltava.

P/1 – O senhor falou que teve dez filhos, né? Eles nasceram em hospital ou nasceram de parteira?

R – De parteira, todos os dez, não careceu. Hoje é que o povo vai tudo pra lá, né? Os meus, graças a Deus, foram tudo das mães de pegação, todos eles.

P/1 – E o senhor lembra de algum parto, de participar dos partos? Como é que eram os partos? Quem que fazia? O senhor lembra o nome da parteira, quem é que era que fazia?

R – Rapaz, eu me alembro bem de uma que pegou bens uns quatro, a Maria Gonçalves, minha vizinha, morava perto. E tinha outra que era do Pecém, mas não me alembro do nome dela também. E outra de São Pedro, foi três que pegou. Mas foi tudo em paz, ia na rede, quando chegava pronto, era vapt vupt, como diz (risos). Graças a Deus não teve aperreio.

P/1 – O senhor não chegou a participar dos partos, não? De ajudar?

R – Não, senhor. Eu ficava só por fora, não carecia de eu entrar, não. Chegava ligeirinho e atendia. Era. Isso aí eu não posso contar nada porque eu não assisti nenhum, ficava por fora. Chegava, mandava, pronto.

P/1 – Bom, o senhor tá aqui já há tanto tempo, já conhece bastante o lugar.

R – É.

P/1 – O senhor tem alguma coisa que o senhor acha que poderia melhorar aqui no lugar, já que o senhor tem netos também? Como é que o senhor imagina que vai ser Matões pros seus netos? O quê que você acha que os seus netos vão poder experimentar aqui, viver?

R – Rapaz, a vontade é... Porque os netos mais velho que eu tenho uns já são empregados, vive empregados; tem dois já aqui na escola, né, dois netos. E tem outros que também trabalha, foi empregado e agora é por fora, trabalhando a custo, assim, os outros, mas têm os carrinhos dele, também. Acho que dá pra ir vivendo, né? Eles não querem é negócio de agricultura, como nós. Isso aí é que não tem mais meio de levantar de jeito nenhum pra gente.

P/1 – Por quê?

R – Porque acabou-se tudo. Nesse tempo que eu trabalhava tinha uns 15 engenhos pra moer cana. Casa de farinha, quase toda casa por aqui tinha casa de farinha pra se fazer farinha; de vez em quando fazia, toda semana tinha farinha. Mas a safra de farinha era mês de agosto, tinha vez que tirava o agosto e deixava pro outro mês, fazendo farinha. Moagem era de segunda à sábado, todo o tempo, eu vendi muita rapadura, levava até São Sebastião espalhando rapadura, vendendo. Hoje não tem; tem uma casa de farinha e engenho não tem nenhum, acabou-se tudo. Como é que vai pra frente, mais, né? As terras tudo desse jeito. Porque eles não vai se deixar plantar.

P/1 – Pra onde foi tudo isso, será?

R – Foi abaixo mesmo, acabaram com tudo. Os véio foi morrendo e, aí, os novo foi tendo que se empregar, ou caçar um emprego, coisa, foi abaixo, deixou ir abaixo tudo. Não teve um que levantasse.

P/1 – Seu Expedito, o que o senhor espera da vida pra daqui alguns anos?

R – Rapaz, olha, eu não espero mais nada. Eu espero só mesmo aguentar o tempo até quando Deus quiser. Melhora, pra mim, a melhora é essa mesmo. Eu não vou mais trabalhar, né? E, aí, tem que aguentar desse jeito mesmo.

P/1 – Agora a gente tá terminando, eu queria que o senhor contasse pra gente o que o senhor achou de contar a história nesse dia aqui, nessa tarde pra gente. Como é que foi?

R – Não esperançava assim, mas tá bom demais. Não sei se gostaram mas tá bom demais. Tá bom demais, porque história a gente conta assim, e gostei. Se vocês tiverem gostado também. Agora mesmo eu contei foi dos meus tios, dos avôs, e tal, do começo, mas essa já serve, né?

P/1 – O senhor pode falar, eu ia perguntar justamente isso agora, alguma coisa que eu não perguntei e que o senhor poderia querer falar. Que história é essa dos seus tios que o senhor tem pra contar? Que é do começo, como assim?

R – Rapaz, se eu foi contar é do tempo véio dos meus avôs pros tios, né?

P/1 – Como é que foi isso? Que história é essa? Pode contar um pouquinho pra gente?

R – Os meus avôs vieram, como eu disse, negócio de Jaguaribe, né? Vieram, apossaram dessa terrinha ali, arrumaram as terras e aterraram tudinho, as coisas de boi. Daí ficou, criaram família. Eu tinha os meus tios, eu tinha três tios homem, Zé e João e Pedro. Agora esse Zé aprendeu bem, foi inté delegado. João Rafael, véio, que era o meu tio, por isso nós fiquemos nesse aí, era trabalhador, caçador, matador de veado e tudo. No meu tempo de brincadeira – voltando pra brincadeira – nesse tempo era proibido o rapaz sair assim, os pais queriam privar. Ele queria sair, os pais diziam: “Não, não vai, não”. Ele inventava, botava um pirão na rede e ia pra festa, antes do dia amanhecer, chegava em casa. Às vezes, o véio brigava e ele disse: “É pra matar um veado, caçar uma coisa”. Aí, logo na boca da noite, quando o véio se deitava, ele ia, botava um pirão na rede e ia pra festa. Nesse tempo tinha caça, ele cedo vinha, de madrugada, pegava a espingarda, ia pra mata e quando amanhecia o dia, tava com um veado, jacu, coisa. Animava o véio e o véio pensava que ele não tinha ido pra festa, desse jeito. E, aí, por isso é que nós fiquemo tudo nesse, coisa assim de eles ter a rede de ser atirador. Meu também era da mesma forma.

P/1 – E foi passando, de geração pra geração?

R – É. O meu finado Dedé era muito, sabe? Nesse tempo tinha jagunço, coisa assim, jagunço, negócio que tinha as guerras, as coisas, tinha jagunço pra perseguir. E nesse tempo andavam perseguindo aqui, no lugar todo, e o véio, eles perseguiam assim, sempre passavam. Aí, quando foi uma vez, vinham e ele ia na estrada, daí, avisaram pra ele que cuidasse. Ele sabia, aí ele foi e ficou na estrada, em pé. Em pé mas arriado num cupim, né? Aí, os jagunço mesmo vinha, quando foi passando disse: “Eu to conhecendo, tu quer escapar, fica aí, que eu não digo nada, não. Fica aí”. Daí eles passavam, quando eles passavam, eles saiam e iam pra casa. Nesse tempo era assim, hoje não tem quem faça isso.

P/1 – Não tem?

R – Tem não.

P/1 – Por quê?

R – Porque não tem quem saiba, os velhos morreram tudo.

P/1 – E ninguém aprendeu?

R – Ninguém aprendeu. Então, ainda ficou alguns que sabia, que a maioria já morreu tudo, não ensinou pra ninguém.

P/1 – E por que que o senhor acha que não ensinou pra ninguém?

R – É que não tinha quem interessasse, os novos não foram interessando, eles não ligavam mesmo.

P/1 – É isso aí, seu Expedito, eu acho que a gente chegou no fim. Queria agradecer ao senhor, por disponibilizar a tarde pra gente, por receber a gente na sua casa. Então, a gente, do Museu da Pessoa, agradece o senhor poder participar desse projeto, de contar a sua história de vida pra gente. E a gente vai levar a sua historia adiante, pra que outras pessoas possam escutar ela.



R – É que aí já sai pra frente, né?

P/1 – Pra não deixar se perder, né?

R – (Risos) É, tá bem.

P/1 – Quem sabe os netos, os bisnetos vão poder...

R – É, porque esses novos talvez nem saibam nem contar mesmo nada, né?

P/1 – Tá certo?

R – Esses novos só querem brincar e não tomam na cabeça nada.

P/1 – Então, tá certo.

R – Tá bom. Desculpe se não prestar as conversas assim, mas...

P/1 – Que isso! Foi muito legal, foi muito bom.