Museu da Pessoa

Provando que o próprio povo existe e demarcando a própria terra

autoria: Museu da Pessoa personagem: Ilson Carneiro de Oliveira Nawa

Indígenas pela Terra e pela Vida
Entrevista de Ilson Carneiro
Entrevistado por Jonas Samaúma e Idjahure Kadiwel
Entrevista concedida via Zoom, 09/07/2021
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista ARMIND_HV005
Transcrita por Lidiane Ramos

0:11
P/2 - Bom dia Ilson
R - Bom dia.

0:20
P/2 - A gente está aqui muito feliz, para poder gravar este depoimento Wilson, aqui para o Museu da Pessoa, sobre a sua narrativa de vida. Bom, a gente tem que começar pelo início. Queria pedir para você falar seu nome completo, seu local de nascimento também?
R - Meu nome é Ilson Carneiro de Oliveira Nawa, nascido no município de Mâncio Lima, rio Moa, terra indígena Nawa, aldeia No Recreio.

1:07
P/2 - Você pode falar um pouco sobre a sua infância, sobre os seus pais, você está contando desse território, assim da onde você está falando, onde você nasceu? A gente quer saber um pouquinho mais sobre o início?
R - Eu nasci no município de Mâncio Lima, porque perto desse Mâncio Lima, só que eu nasci na aldeia mesmo, no igarapé no Recreio, eu nasci lá e passei o tempo da minha infância toda lá no igarapé no Recreio, e até hoje ainda moro lá, acompanhei um pouco do sofrimento dos meus pais, do trabalho na época. Eu comecei trabalhar eu tinha 10 anos de idade, quando eu comecei a andar na estrada com ele, ele cortava para ir, era canela para colher, eu e ele, eu tinha 10 aninhos de idade, já andava na mata, cortei seringa quando eu tinha meus 15, 16, até os 17 anos

eu ainda cortei um pouco junto com ele, trabalhei a vida toda naquela região, quando acabou a seringa a gente tirava caucho, que é uma árvore que a gente anelava e fazia borracha, e vendia, e aí quando acabou toda essa renda financeira, que foi a borracha, o caucho, a gente começou a trabalhar na agricultura, a farinha, no caso o feijão, o arroz, o milho, a gente vem sempre trabalhando nessa produção, na batata, até eu chegar nos meus 25 anos.

3:24
P/1 - Rapidinho. Antes de você chegar aos seus 25 anos, eu queria voltar um pouquinho. Você disse que com 10 anos, você começou a trabalhar na seringa. E até os seus 10 anos, antes de você completar 10 anos. Como era a sua vida?
R - Era mais ou menos, o que eu fazia antes dos 10 anos, era mariscar com minha mãe só, eu fazia mais isso, porque nesse período não existia a escola, porque era nesse período, que eu poderia estar estudando, mas nesse período não existia escola na nossa aldeia, e sempre eu ficava mais em casa com a minha mãe, mariscava com ela, eu era mais um parceiro de pegar alimentação com ela.

4:22
P/1 - E aquela história da antropóloga que te viu? Você tinha quantos anos?
R - Eu tinha 2 anos de idade quando a antropóloga Devai, fez o primeiro levantamento da terra indígena Nukíni, dos parentes lá, eu morava do outro lado do rio, eu tinha 2 aninhos de idade, quando a antropóloga foi lá e bateu uma foto minha, perguntou para minha mãe, meu pai se eu era indígena, eles falaram que sim, ela até perguntou se não iria passar para o outro lado do rio, para dentro da terra indígena Nukíni, ela falou que não, ia ficar daquele lado mesmo, eu tinha 2 anos de idade, quando já fui registrado como indígena pela antropóloga Devai.

5:20
P/1 - Tinha uma história que ela meio que previu, que você seria um cacique. Como é que foi isso?
R - Sim, ela até brincou com a minha mãe “ó, esse aqui vai ser o futuro cacique de vocês”, eu tinha 2 aninhos de idade, eu tinha os cabelos bem de indígena mesmo, daí ela disse “esse aqui que vai ser o cacique do futuro do povo de vocês” e bateu foto. Eu voltando antes dos meus 25 anos, quando começou o movimento do Parque Nacional da Serra do Divisor de cadastramento, quando foi descoberto que existia um povo indígena, dentro do Parque Nacional do Divisor, e foi nesse período que eu fui chamado para ser o cacique. daí minha falou: Olha, você tinha 2 anos de idade, passou uma antropóloga que disse que você ia ser o cacique, e agora estão te chamando para ser o cacique.

6:41
P/2 - Wilson, então nesse momento, dessa lembrança bem antiga assim da sua infância. Você está contando que a terra do povo Nukíni estava sendo demarcada, do outro lado do rio, mas a terra que você nasceu, a terra da sua aldeia, ela não foi demarcada, você está contando que ela foi integrada no Parque da Serra do Divisor, Você tem outra memória de como a sua comunidade foi começando a ser reconhecida, como um povo indígena que tem a sua terra, que tem que ser demarcada ainda na infância?
R - Sim, eu alcancei ainda, a terra indígena Poyanawa também, sendo demarcada na época, a terra indígena Nukíni, e na minha infância eu ainda lembro um pouco, quando eles estavam demarcando a terra dos parentes, e no momento eu nunca pensei que a gente ia passar por um processo desse, no momento em que eu passei a ser liderança, foi que eu comecei a resgatar um pouco da memória, “naquela época era oportunidade, se eu fosse grande na época”, de ter demarcado a terra indígena Nawa também, de ter feito o reconhecimento do povo Nawa, só que na época faltou uma pessoa para nos orientar, ou então o próprio povo se manifestar, no caso o meu pai, eu acho que eles tinham muito medo ainda de se identificar como povo Nawa, e só na minha época que eu fui pra cima mesmo, me identifiquei. Como a gente era um povo e eu ia ser o cacique desse povo, aí começou tudo, e até hoje estamos nessa luta. A questão é que o povo tinha medo disso, de ser identificado, o povo Nawa não queria lutar para demarcar uma terra, até porque na época era muito perigoso, eu lembro que no dia da demarcação dos parentes da terra Nukíni, os caras renderam o cacique, ficaram com ele 1:00 amarrado em um todo de pau, com uma arma na cabeça dele, então corria-se um grande risco na época da gente se identificar como indígena e correr atrás de luta para demarcação do seu povo.

9:35
P/1 - Railson, como assim! Essa história de amarrar o cara? Quem que amarrou esse cacique?
R - Os mandados dos patrões, os capangas, e não queria que a terra Nukíni fosse demarcada, porque ia tomar uma parte do seringal deles, e aí o patrão peitou os capangas para amarrar o cacique e render ele lá para ele abrir mão do território, mas infelizmente ele não abriu mão, ficaram com ele rendido lá umas horas, e ele falou assim, “se não me matar eu não abro mão de maneira alguma” e não abriu mão não, “pode matar, mas o território nós vamos conquistar para o povo” e aí eles fizeram só medo, só um susto, tinha muito esses mandados de patrão, tinha os seus capangas, amedrontar os caciques, já chegou até bater, fazer muitas coisas, tinham muito medo dessas reações dos patrões para cima dos povos indígenas.

10:57
P/2 - O Railson, eu fiquei curioso também, de você contar um pouquinho na verdade, ainda desse momento assim mais da sua infância. Se você tem lembrança dos seus avós, dos pais da sua mãe, dos pais do seu pai, se eles também foram uma referência assim da identidade, da narrativa do povo Nawa, como se afirmando, porque a gente está falando assim, do povo Nukíni, Kuianawa, outros povos indígenas do Acre tiveram reconhecimento, mais cedo na verdade do que povo da sua família.
R - Eu não cheguei pela parte do meu pai a conhecer os meus avós, nem minha avó e nem meu avô, eu tive o reconhecimento de conhecer algumas pessoas na minha infância, de 8 anos para frente que eu fui ter memória de saber lembrar das coisas, eles já tinham falecido, agora, pela parte da minha mãe, eu ainda conheci minha avó, meu avô é João Batista Carneiro, ele era um indígena mesmo, daqueles puro bendizer, o pai dele era bem da mata mesmo, e eu convivi um pouco com eles, e eles eram aquelas pessoas meio fechada, eles não gostavam muito de se identificar, mas eu perguntava muito para ele, o meu avô, como era que ele caçava na mata, ele era muito matador de anta, ele rastejava muita anta, ele rastejava aquele animal e sabia quando estava longe, sabia quando estava perto, ele me contava um pouco dessa história dizendo assim: “eu conheço pelo rastro, se ela pisar com o rastro aberto, é porque ela está longe, se ela fechar o rastro, é porque está perto” e comia muita carne assada. A cultura! Eles tinham um tambor grande, fazia caiçuma e passava a noite todinha, cantando e batendo naquele bumba até o dia amanhecer, e eles tinham uma buzina com um cano de bambu que eu ainda lembro bem, quando era para fazer as festas, eles avisavam para outros parentes que quando ele desce três buzinadas era festa, e quando desce só uma, era porque não tinha festa, então muitas vezes eu dormia, eu acordava e escutava eles fazendo a festa deles batendo no tambor, e de preferência ele fazia essas festas, quando matava alguma caça, ele fazia coivara e passava a noite comendo carne assada, e tomando caiçuma, e marrenta no tambor, eu lembro um pouco dessa história dele, não dava muita curiosidade de estar ali, porque a gente quando é criança, as coisas passam despercebido, às vezes a gente não sabe nem o que está perdendo. Dentro dessas histórias dos nossos avós, é mais ou menos essa pouca historinha que eu lembro, ele já era bem velho quando eu conheci ele.

15:16
P/2 - Você lembra se ele falava outra, ele falava a língua portuguesa e falava outra língua também?
R - Ele falava português muito pouco mesmo, ele falava mais a língua mesmo. A gente se lembra que muitas vezes, eles iam brincar com a gente e falavam na língua tradicional, e muitas vezes eu perguntava para minha mãe. Mãe, mas o que ele está falando? “Ele está falando isso…” se nessa época nós tivéssemos colocado em prática, hoje nós estaríamos falando a língua, mas eu já nasci em outra geração, e agora que nós estamos resgatando um pouco da língua, nós temos três professores da língua indígena, que estão trazendo essa cartilha diretamente para a escola, para renovar um pouco da cultura, a gente perdeu muita cultura, mas se Deus quiser vamos recuperar, a gente já está bem ativo dentro disso, repassando nas escolas, e alguns parentes estão portando a gíria aí bacana.

16:37
P/1 - O Railson você falou que você perdeu muito da cultura. Do que mais você lembra nessa infância, você bem criança, que tinha, que os mais velhos faziam, e que hoje não fazem mais, por exemplo?
R - Uma é a dança, como eu terminei de falar, as festas, hoje nós estamos começando a fazer os mesmos rituais, no caso é um pouco de uma lembrança, que a gente começou a colocar em prática, a pintura também, hoje nós estamos resgatando um pouco da pintura, que a gente via os nossos avós se pintando, outra questão é o rapé, que hoje é diferenciado, hoje usa o rapé individualmente, qualquer coisa já está tomando um rapé aqui, e eu sempre falando que eu alcancei os rituais, as roda de rapé, mas era para fazer uma cura, se a pessoa estava ruim, aquele que caçava, as vezes ficava ruim de matar caça, então se usava o rapé como defumação, para trazer as energias de volta e dar sorte, hoje, o próprio povo Nawa usam rapé, mas é assim...estou meio ruim, estou gripado, e já usa diretamente fora da cultura do meus avós, no caso ele tinha o dia certo de usar o rapé, que era para as curas, e algumas coisas espirituais. A gente continua usando o rapé, da mesma forma que eles usavam, eu tenho um pouco da lembrança, meu pai contou, a minha mãe ainda é viva também, ela conta um pouco da história do rapé, outra coisa que eu lembro também, a gente tomava o chá, mas tenho pouca lembrança para qual era a finalidade, mas a gente sabe, a gente chegou a ver tomar, até hoje tem, acho que umas três ou quatro pessoas Nawa que tomam o chá, mas eu venho dizendo para eles, não é para todo mundo estar tomando chá, porque é uma bebida sagrada, que meu avô falava, e tem que ter muito, muito, muito, muito cuidado, tem que ter muito respeito, porque ele dizia que era uma bebida muito sagrada, espiritual, tinha que ter toda uma dieta completa para poder usar aquela bebida, eu hoje como cacique, ainda não cheguei a tomar, por causa que eu lembro do que ele falava - “tem que estar preparado para poder tomar, se estiver despreparado pode dar problema” então eu ainda lembro um pouco quando ele falava disso.
Participando de uma reunião do daime, eu falei, (qualquer parente chega, pega, toma de qualquer forma, não sabe nem o que está fazendo, não sabe nem o pode acontecer, a reação que pode dar contra ele, não sabe que maneira que ele está preparando), então por esse motivo que os Nawas, nós temos a planta lá na aldeia, mas nós estamos se preparando para quando aplicar, aplicar com segurança e garantia. Os outros parentes estão preparando essa pessoa, que possa fazer esse ritual sobre a bebida, uns chamam de neo, outros chamam de cipó, são vários nomes, daime, cada povo tem um nome diferente, eu lembro muito disso, cansei de ir para festa deles, ele batia no tambor a noite todinha quase uma música, ele batia no tambor e cantava (música indígena), eu gostava muito, fiquei muito tempo junto com eles, eu era aquele menino curioso, eu gostava de estar no meio, ele judiava muito de mim, mas eu gostava de estar no meio, é um pouco dessa história.

22:36
P/2 - O Railson, um contexto que você está contando de muita riqueza cultural, mas também de violência, de você trabalhar desde cedo no seringal. Queria saber um pouquinho mais assim, tem a sua família, mas quantas famílias mais ou menos formam a comunidade do povo Nawa também?
R - Somos 78 famílias, e 522 pessoas, todo esse povo Nawa lá.

23:19
P/1 - Conta um pouquinho mais, do que você se lembra do seringal ? Como é que era a sua vida com 10 anos trabalhando no seringal, acompanhando seu pai, o que você lembra disso?
R -

Muitas vezes meu pai cortava, e eu ia colher com ele, colher é você tirar a tigela dentro da seringa e colocar dentro do vaso, esse é o balde, chamava de balde, e eu acompanhava ele, muitos dias eu dizia para ele: - pai, eu tinha muita vontade de ir tocar violão, falei rapaz eu vou colher esse mês todinho para o senhor comprar um violão para mim. “Que violão que nada, eu vou comprar uma faca de seringa”, faca de seringa é aquela de você cortar. Eu dizia para ele: - amanhã eu vou de novo, vou todo dia com o senhor, para o senhor comprar um violãozinho para mim. Até que um dia ele foi e comprou o violão, e eu aprendi a tocar, eu toco violão, depois eu comecei a trabalhar com ele, e disse: - agora eu quero um relógio, para eu saber que horas são, quando estiver na mata, depois ele comprou o relógio, mas era muito difícil comprar esse material naquela época, o relógio se chamava de oriente, tinha o seiko 5 e o oriente na época, eram duas qualidade de relógios que existiam, o meu era oriente, caríssimo que só, passei quase o ano todinho colhendo estrada para pagar, eu trabalhei muito sim com meu pai, ajudei muito ele, e a gente viu que era uma vida muito sofrida a dele, na época não existia o motor igual tem hoje, o nosso motor era o varejão, aquelas varas que tirava para varejar, naquelas canoas feitas de pau mesmo, então muitas vezes nós saiamos lá da colocação, para ir comprar as coisas onde estava o patrão, mas era de remo, éramos em 6 Irmãos, meu pai pulava na proa desse barco, e cada um de nós pegava um remo, e o Igarapé cheio, corria, e o remo comendo no centro, todo final de semana nós fazíamos essa correria, ia comprar as coisas e voltava para trabalhar a semana, era muito difícil a vida. Meu pai conta que vinha lá da aldeia Cruzeiro do Sul, era de remo, era de remo que eles iam, eles gastavam o mês todinho de subida, e ele quando chegava lá na comunidade, muitas vezes já tinha comido a feira que levava todinha. Hoje de motor nós gastamos dois dias, na época eles gastavam um mês de varejão, era muito difícil a vida, é tanto que eu vim ter um conhecimento da cidade, depois dos meus 15 anos foi que eu vim ter conhecimento, aí meu pai me trouxe, que eu vim saber o que era a cidade, de Cruzeiro do Sul, que Mâncio Lima nessa época, tinha alguns caminhõezinhos, não era nem município ainda, aí que eu vim saber o que era a cidade. Pai me leva para cidade? Eu quero conhecer a cidade, “mas é enrolada, você vai ter que pegar muito sol, então vamos de remo” e eu vim, mas só vim uma vez, não quis vir mais não, era muito sofrido,

o coro da mão do meu pai caia, para poder varejar, para chegar na aldeia. Nós não tivemos muito acesso na época, a educação não existia para nós. Saúde, nós nos curamos com remédio tradicional da mata mesmo, que meu pai conhecia, eu ainda cheguei a ver meus parentes morrendo, que na época não era uma malária, era impaludismo que chamava, uma doença com o nome de impaludismo, que pegava e morria porque não tinha o medicamento, era difícil, não tinha o acesso ao município para saúde, chegamos a perder vários parentes na aldeia por essa doença que afetou, e que nós não sabíamos da medicina para curar, perdemos também parentes, eu lembro que não existia o soro ainda para cobra, tinha só o remédio da mata e muitas vezes não dava o efeito, nós perdemos muitos parente por picada de cobra, estão todos enterrados lá na aldeia, tem um cemitério lá.

29:04
P/2 - Railson, queria te perguntar um pouco assim. Você

está relatando que você está conhecendo a cidade com 15 anos. Onde vocês moravam na verdade? É o mesmo lugar que você está agora? Como era na sua infância? O que tem mudado por aí?
R - É o mesmo lugar onde nós estamos hoje, que eu nasci e me criei lá naquela região, é a mesma colocação, é por isso que hoje eu conheço tudo lá na nossa aldeia, na nossa região, convivi esse tempo todinho junto com os outros parentes lá, e dizendo sempre para eles, desde criança que eu falo assim, a gente tem que cuidar do que é nosso, e hoje a gente está cuidando do nosso território, onde a gente nasceu e se criou, a gente tem cemitério dos nossos avós, tudo enterrado na aldeia. Eu estava conversando um pouco com os parentes, dizendo para eles - existe uma lei aí da década de 80, que só iria ter as terras demarcadas, se fosse de 80, 80 e pouco, nós estamos há 200 anos lá, por isso vocês não se preocupem, porque nós estamos aqui há 200 anos, não é só de 80 não. Mas tem perigo? Eu disse - não tem, podem ficar tranquilos, se tiver que existir a

demarcação de terra é a do povo Nawa, porque nós nascemos e nos criamos nesse território. Eu sofri muito na minha infância, na seringa, pescava muito com minha mãe, nós brocávamos o roçado, plantava na roça o inhame, a banana, toda vida eu trabalhei no pesado mesmo, toda vida eu fazia muitas empeleita, brocava com os parentes, ganhava meu dinheiro, e graças a Deus até hoje a gente conseguiu. Vivo voluntariamente, tenho trabalhado muito para o povo, para as organizações muitas vezes, muitas vezes eu nem lembro, eu nem faço essa questão de dizer, eu só faço isso se for pago, se for dinheiro. Eu tenho feito muita coisa que, a pessoa (32:03) Esse sonho de trabalhar e fazer as coisas, de ajudar o povo, tem que ser no dinheiro, cobrando 24 horas, tenho trabalhado muito me acostumei nessa vida.

32:25
P/1 - Railson, você falou que o mesmo lugar que você mora, mas você falou também que vocês moravam numa colocação de seringa. Nessa sua infância, vocês moravam na aldeia, ou já era a forma como organiza-se o seringal, quando você nasceu?
R - Eu falei na colocação, da aldeia, tudo se misturou. Porque esse seringal era do pai do meu pai no caso, quando surgiu as questão dos seringais, o pai do meu pai comprou esse seringal, ele já comprou de outro parente dele, então por isso que eu falo, nós vivíamos nesse seringal que era do pai do meu pai, como meu pai era

filho único, e quando o meu avô morreu, ele passou a ser herdeiro esse seringal, meu pai morreu está com 4 anos, e quando ele morreu já estava no processo de terra indígena, Parque Nacional, só que nós temos a documentação desse território do pai do meu avô, então toda a vida eles permanecerão lá, só que o seringal eles arrendavam dava para o patrão no caso, e é por isso que eu falo seringal, porque lá era um seringal, depois do seringal é que foi reconhecido como uma terra indígena lá na localidade, mas toda a vida os donos daquela propriedade lá, onde patrões e mais patrões entravam e saíam, era o mesmo povo Nawa. A gente só tinha um patrão chefe que era diferente, ele morava fora da terra, que era quem recebia toda borracha, era assim, mas o seringal mesmo, toda vida foi do povo Nawa, que era do meu bisavô, passou para o meu avô, e o meu pai como era filho único, quando

meu avô morreu, meu pai passou ser dono do seringal. Foi na época das nossas gerações, meu pai falou assim “Ah isso aqui tudo é nosso, eu tenho a documentação, eu sou herdeiro desse seringal”, eu falei - mas se virar uma (35:34...), o documento fica inválido. “Não vai” - mas mesmo assim tem que guardar os documentos, para provar que isso aqui é uma terra dos Nawa há décadas, então quando eu falar seringal, aldeia, é porque era só virando, era só passando de uma colocação para outra, mas as colocações, são dentro do mesmo Igarapé, porque o igarapé tem várias colocações, hoje nós temos Aldeia no Recreio, Aldeia Boca Tapada, e Aldeia 7 de Setembro, então cada aldeia dessa era uma colocação, mas tudo era do meu avô, aí ele arrendava.

36:31
P/2 - E ao mesmo tempo essas colocações, elas estão dentro do Parque da Serra do Divisor? E você se recorda quando esse Parque foi delimitado assim? Teve alguma questão sobre ter povos dentro dessa reserva?
R - Eles criaram o parque dentro dessas colocações, desses seringais, a gente não tinha muita influência com as autoridades, e assim que eles criaram o parque, subiu uma equipe do IBAMA para fazer o cadastramento das famílias, para ver quantas famílias moravam dentro do parque, porque só criaram um congresso, só fizeram um projeto, criaram a lei, o Parque, mas infelizmente eles não tinham os dados de quantas pessoas tinham dentro Parque, ou que moravam, eles foram fazer o cadastramento, que foi o levantamento de quantas famílias tinha dentro do Parque, as primeiras famílias que toparam de cara, fomos nós, e nossos documentos estava identificado como Nawa, os meus documentos. os documentos do meu pai, ele se identificava como Nawa, porque na época a FUNAI era quem registrava, quando eles pegaram a documentação que viram, já foram dizendo: - Vocês são indígenas? Somos, nós somos Nawa. “Ah, mas os Nawa tinham sido extintos, não existe mais Nawa!” Se não existe para vocês, para nós existe, porque ninguém acaba com o povo todo, de uma vez por todas, se não for Deus mandar um dilúvio, para acabar com todas as gerações. Ninguém acaba com uma família assim! Morrer, morreu muitos, mas os Nawa estão aqui, agora vocês acharam! Eles queriam que a gente saísse de dentro da terra, e viesse para o assentamento aqui no município de Mâncio Lima. A gente não sai não, por causa que nós nascemos e nos criamos aqui, nós gostamos daqui, nós sabemos o que dá aqui, o que nós plantamos, o que nós produzimos, infelizmente não podemos sair daqui, mas mesmo assim eles fizeram cadastro de todo mundo. Chegando em Cruzeiro do Sul eles convocaram uma equipe do CIMI para fiscalizar, foi a equipe do CIMI

conversou com a gente, indigenista,

depois o CIMI solicitou à Funai, a Funai foi lá também, quando a Funai chegou lá,

confirmou com todas as letras, que a primeira foi quando eu tinha 2 anos de idade, que fui registrado pela antropóloga. Quando a Funai chegou lá, a primeira coisa que foi puxada foi esse assunto. “Olha nós conhecemos esse povo aqui, desde essa década.” Eu até esqueço a data do ano...esse rapaz levou o jornalzinho, e esse rapaz aqui tinha 2 anos de idade, então a gente reconhece que esse povo está aqui, só que não sabia que era Nawa, não sabia que era um povo indígena. A gente foi fazendo discussões com o pessoal do Parque, eles não queriam reconhecer o povo Nawa, não queria rever o nosso direito. A gente ainda teve em 2003, 2004 e 2005 várias pegadas com o pessoal do Ibama, nós chegamos a ir para o pau com eles, a gente prendeu 5 voadeira deles, depois eles queriam emplacar nossa área de qualquer jeito, como Parque Nacional da Serra do Divisor, e nós prendemos eles de novo com 2 batelão grande, agarramos na beira, puxamos o barco para a beira, eles atiraram, e nós jogamos para beira mesmo, falei - mata um, os outros vão ficar vivo, e segurei mesmo. A gente tem uma disputa muito feia com eles ainda, por 3 vezes a gente teve que prendê-los, na flecha mesmo e na lança, até eles terem o reconhecimento e começar a respeitar, ele não queriam respeitar o povo Nawa, eles queriam levar o povo Nawa na peia mesmo. Por 3 vezes nós tivermos esse confronto com eles, e foi muito tenso, nós passamos uma semana com eles rendido, ninguém bateu em ninguém, não fez nada, só que enquanto o Ministério Público não determinasse um documento, enquanto a Funai não tomasse uma posição, ou mesmo o juiz federal, eles não podiam entrar lá dentro da aldeia, para fazer nenhum tipo de ação. Até que foi determinado pelo juiz, enquanto não se resolvesse a questão do povo Nawa, de demarcação, reconhecimento e respeito, não podia entrar nenhum tipo de órgão lá. Até que foi quebrando, e eles conseguiram reconhecer, voltaram o movimento no Parque de novo, mas eles estão dando um pontapé na gente, mas só que a gente não atina para eles não também, porque é um território nosso, nós nascemos e nos criamos lá, a gente tem uma geração morta e enterrada naquele território, então provavelmente dentro da terra indígena Nawa, não é todo mundo que entra lá para falar coisa que não agrada os indígenas não, porque nós pegamos o cabra mesmo, é um povo bacana, um povo respeitador, mas se o cara entrar para desrespeitar o povo, o povo pega ele, a gente já entrou em várias com fitas, já prendemos até Funai, é tanto que hoje nós estamos fazendo uma outra demarcação da terra por conta própria mesmo, a Funai não querem reconhecer, e também ninguém quer contato com a Funai para ser negativo com a gente, estamos trabalhando lá, fazendo a picada, levamos um grupo de repórter para divulgar para gente, porque tudo o que a gente faz, nós fazemos dentro da lei, é uma luta de 22 anos, não de 22 anos,mas é uma luta que vem há anos se arrastando, para o povo Nawa já chega, a gente vê que é tanta lei criada, tanta coisa, criando lei por cima de lei, se nós pegarmos algum caçador caçando, a gente toma a caça que tiver, porque as autoridades não nos ajuda, então estamos cuidando do nosso território.



44:33
P/1 - Você contou, muito massa esse processo de demarcação, depois eu vou pedir para você contar em detalhes isso, mas voltando um pouco, queria voltar lá para esse período ainda das primeiras lutas Nawa, que você estava falando da marcação, mas antes que nem você falou que aconteceu aquele incidente com o cacique Nukíni que amarraram. Como alguém do seu povo acontecia esse tipo de coisa também, de ter conflito com patrão, ter ameaça?
R - Com nosso povo Nawa não aconteceu de render, mas eu já fui vítima, também dessa mesma ação, no caso dentro da luta do povo, lutando pela terra, como é uma área que ultrapassa a fronteira, eu também já fui atacado por um tiro, já me deram um tiro também, eu ia passando no rio e o cara atirou, porque muitas pessoas não querem que a gente tenha uma terra demarcada, que tenha direito, outros falam que o indígena tem mais direito do que o branco. Direitos são iguais, do jeito que tem a Funai para defender o movimento indígena, quando defendia, que hoje não defende mais, tem o sindicato, tem o Incra, a gente sabe que hoje dentro do meio ambiente tem o Imap, tem o próprio ICMBio, pelo lado branco se for buscar, tem mais entidades para se defender, do que dentro do movimento indígena, no movimento indígena a gente que tem alguns parceiros, mas o órgão principal é a Funai, é quem bate o martelo, e hoje a Funai não se importa mais com isso não.

47:11
P/1 - E essa história do tiro? Como é que foi? Quem te atacou?
R - É porque eu sempre venho falando, que eu não quero envolvimento de bebida alcoólica dentro da aldeia, eu não aceito isso, o tráfico de drogas, quando eu falo na minha reunião, eu digo assim - que quem quiser fazer a sua vida do jeito que quiser, só que eu também não aceito dentro da aldeia de maneira alguma, se a pessoa quiser passar no rio porque o rio é público pode passar, mas permanecer dentro da aldeia e eu souber, eu entrego para polícia, é mais ou menos esse tipo de ação que traz essa rixa deles para cima de mim, porque eu não acoito e não apoio, e se tiver algum parente querendo se envolver, eu lasco ele na polícia logo, e comigo é assim mesmo, bem reto isso, se o cara fugiu fora da lei, (eu, polícia no rabo dele) não dá certo. pode ser parente, pode não ser, e é por isso que eles tem raiva de mim, porque eu não acoito, porque se eu acoitar, chega um momento, que nem outras terras indígenas, está sem condições de se resolver os problemas, e já tem vários tipos de grupos, de facções e o vício dentro das terras indígenas, é por isso que eles têm raiva de mim, porque eu não acoito esse tipo de coisa.

48:59
P/1 - Cacique , dá para ver pela sua fala, que você é uma pessoa bem valente. Como foi que você foi se tornando isso? Como é que foi que você foi se tornando uma liderança? As primeiras vezes que você foi tendo essa postura de liderar, de enfrentar?
R - Eu sempre tive, desde o início que eu venho falando para o povo. Eu sou cacique, vocês que disseram que eu tinha que ser uma liderança, eu queria ser uma liderança para eu liberar o povo, ter respeito pelo povo, e o povo ter respeito por mim, mas eu também não queria ser um cacique dizendo para ele, para eu ter medo do meu próprio povo, tem vários caciques que eu conheço, que tem medo dos seus próprios parentes, então se eu se eu tiver medo de dirigir meu próprio povo, meus parentes, se eu tiver medo de falar alguma coisa para eles, a verdade eu disser o que tem que fazer, o que está errado, então eu não sou cacique, porque o povo toma aquela postura de falar assim, agora você é isso aquilo outro, você mente. Entendeu? Você rouba projeto. Eu tenho 22 anos de reunião, nunca nenhum parente meu, abriu a boca para dizer que eu sou isso, sou aquilo não, eu tenho todo o cuidado do mundo para eu não fazer as coisas, para o parente não dizer assim é, “tu é o primeiro que faz, por isso que eu faço”, então eu tenho muito cuidado como liderança, para não fazer certo tipo de coisa, muitas coisas eu evito, tem muitas vezes que eles gostam de fazer um torneio, um jogo, eu tenho até vontade de ir lá, mas depois eu não vou não, fico em casa, tem uma festinha lá eles ficam na festa deles, eu também não vou, é para depois não dizer “tu estava lá, tu é o primeiro”, eu tenho que ter muito cuidado, para quando eu for cobrar o parente, eu cobrar com todas as letras, para que ele não tenha aquela resposta para falar, eu tenho tido muito cuidado de trabalhar dentro dessa liderança, e o povo graças a Deus, que hoje o meu povo gosta de mim demais, por isso que, tem problema para resolver, eu trago o povo todo junto, nós resolvemos, se eu quiser 50 homens, tem 50 do meu lado, 100, é assim. Porque? Porque eu jogo limpo com eles, nem na época da política, falar um pouco da política, tem muito cacique que usa o nome da comunidade para fazer política, para ganhar dinheiro, para ganhar uma gasolina, e eu digo - nem na época da política, é o tempo mais sujo que tem, de mentiroso, eu não uso o nome de vocês. Se o político quiser conversar com o pessoal, eu não resolvo aqui na cidade, ele vai ter que ir na aldeia resolver com o povo, ele tem que ir lá e dizer para o povo, o que ele pode fazer se ele chegar a ser político, porque senão eu fico por mentiroso, vão dizer “não o cara prometeu isso, o cara se elegeu e não fez” - então vai lá dizer para o povo todinho ouvir, porque ficar por mentiroso, vai ficar você não eu. Eu venho trabalhando dessa forma com o meu povo, e é por isso que o povo gosta de mim, por causa disso.

53:05
R - O Railson como foi que escolheram, como foi que falaram, agora você vai ser o cacique, porque foi decidido?
R - Eu fiquei até impressionado, porque tinha vários parentes, aliás, eu sou um dos irmãos quase encostado nos mais novos, e eu tenho mais 2 irmãos que são mais velhos do que eu, tem 1 que já está se aposentando, tem 60 e poucos anos, passou essa avaliação por todo todo mundo, e chegou até a porta da minha casa dizendo. A Funai passava perguntando: - quem pode ser o cacique? A primeira indicação foi do cacique Nukíni, Paulo César Nukíni, e ele é o cacique da povo Nukíni, então a Funai antes de chegar na terra indígena, já perguntou para o cacique Nukíni se ele viu alguém que poderia ser um cacique do povo Nawa, ele disse: - olha, eu vou indicar uma pessoa, mas não tenho nada a ver com isso. Mas é pelos anos de trabalho que eu vivo aqui vizinho com eles, e conheço a história deles também, é o Railson! Eu nem sabia disso, A Funai entrou, foi conversando de casa em casa, e eu era o derradeiro morador do Recreio, quando chegou lá em casa, já chegaram com a decisão dizendo, “o cacique é você”, a gente vem perguntando ao povo quem pode ser uma liderança, e todo mundo vem dizendo que é você. Eu meio acanhado, com vergonha naquela época falei: - Bom, eu não sei nem o que é cacique. “mas você vai saber”, então eu aceitei e com uma semana me chamaram, eu desci para cidade, participei de duas reuniões, nas reuniões eu fiz minhas avaliações, dentro da necessidade, dentro do conhecimento do povo, o povo da comunidade gostou falando “é você mesmo”, e eu tenho buscado muitos benefícios para dentro da comunidade, na época a gente não tinha nenhum professor, na entrada como liderança hoje nós temos 16, a história mudou, nós não tínhamos pessoas nem com quarta-série na época, hoje nós temos pessoas já estudando aqui na universidade, fazendo faculdade, temos 8 professoras que estão terminando a faculdade, são 4 terminando a faculdade indígena, e 4 terminando a não indígena, que é o Pacó que chama, dentro da saúde nós temos 8 agentes de saúde, entre a AIS e Aisan, cada dia que passa ela está evoluindo, eu estou buscando mais benefício para a comunidade, mesmo a terra sendo demarcada, consegue pequenos projetos, consegue um kit de farinha, consegue uma cano, consegue um motor. Pelo lado do estado, eu tenho pressionado muito o governo, em 2019 foram construídas três escolas novas dentro da nossa aldeia, que ainda nem funcionou, eu busco muita parceria a nível de governo, do município, junto com a equipe do Cimi, a gente faz pequenos projetos, para produção para dentro da comunidade, eu tenho ajudado muito a comunidade, de peito aberto sem enganar o povo, tudo que eu faço eu jogo aberto para comunidade, eu falo, estou participando de uma reunião com o Jonas, e o menino, dizendo um pouco da história, qual a reunião, o processo, para o que serve, eu estou gostando da participação, se eu pudesse não faltaria a nenhuma reunião, ótimo para mim porque é um aprendizado muito grande, estar trocando experiência com o outro, com cada povo diferente, falando uma história diferente, é uma história muito valiosa para mim como liderança, ter esses contatos, eu quando faço a minha reunião, eu falo um pouco também do andamento, as parcerias que a gente busca também, é chão, é muita coisa para um cacique desenvolver, eu estava conversando que é uma agenda em cima da outra, tanto preocupado com a comunidade, mas tem que estar dentro do movimento também, para acompanhar um pouco dessa caminhada, do que passa pelo mundo inteiro. Cacique tem que ter o conhecimento de tudo.



59:20
P/2 - Eu estava ouvindo você contar dessa sua atuação, apesar de não ter um reconhecimento oficial da terra, enfim, do estado, você tem conseguido fazer uma série de conquistas para o povo. Eu queria entrar nesse assunto que você comentou, que o Jonas falou que tem realmente maior interesse. Como surgiu essa inspiração para você iniciar esse processo de autodemarcação do território? Você tem uma referência para se inspirar nesse processo político? Como tem sido construído? Desde quando? Como você pode contar essa história para a gente?
R - Um pouco da alta de marcação, primeiro eu participei, eu passei por uma reunião sobre essa estrada, que via Cruzeiro do Sul a Apucaua,

foi a primeira parte preocupante, que eu participei dessa reunião aqui, respeito esse projeto, passa muito perto da terra indígena Nawa, foi aonde eu me preocupei e também tomei uma decisão, por que eu fiquei pensando, como é que um projeto do governo federal assina um decreto, a construção de uma rodovia que passa por dentro de uma terra de preservação ambiental, que esse é o Parque Nacional, onde vai destruir várias aves, várias espécies vão ser destruídas, vários Igarapés vão ser tampados, e a destruição de mata, floresta vai ser inesquecível, muita zoada na mata das máquinas, vai espantar a alimentação, a caça que tem na mata tudo, vai se acabar porque elas vão embora, fogem, e também as ameaça que essa estrada vai trazer diretamente para dentro da nossa terra, e o governo acha que está tudo bem, tem que ser feito beleza, e não quer dar o reconhecimento de uma demarcação, de uma picada, que ninguém vai fazer deriba, para demarcar uma área para o povo sobreviver, 522 pessoas e toda essa geração está crescendo da noite por dia, e é vida, então no lugar de estar dando direito de um povo com a vida, que é vida, está tirando a vida do povo, eu fiz uma reunião na comunidade e chamei todo povo, e comecei a participar um pouco da situação, do que ia acontecer e disse para o povo: - eu acho que não dá mais para esperar pelo presidente, mas pela Funai, ninguém dá uma resposta para nós, e não adianta nós demarcarmos uma terra, nós estamos com 22 anos de luta, e vamos esperar mais 22 anos? Depois que não tivermos mais nada dentro dessa terra para nós sobrevivermos, nem caça, nem pesca, nem nada. Depois que invadirem tudo? E aí nós vamos querer demarcação de uma terra? Depois que não tiver mais nada dentro parente? Eu acho que está na hora da gente se reunir, e demarcar a nossa terra por conta própria, fazer autodemarcação dizendo que daqui para cá é a terra indígena Nawa, daqui para cá é Parque Nacional da Serra do Divisor! Quiserem tocar fogo, que toquem, mas essa hora que nós vamos ter que cuidar dela, porque o presidente não está nem aí para quem tá sofrendo as ameaças, e ele não está nem aí, ele quer se aparecer e dizer assim - “eu consegui uma estrada em Cruzeiro do Sul” - ele quer ganhar as eleições, quer nome, não está nem aí para desgraça dos pobres, que estão na fronteira arriscando suas vidas para sobreviver. Eu sempre fui mais pela parte pobre, porque eu sempre fui pobre até hoje, eu prumo pela classe menor, então vamos demarcar nossa terra, vamos fazer a fiscalização, não vamos deixar mais ninguém entrar, se não for o povo, para tirar uma vara, uma espécie de nada, e nem se quer uma caça, vamos cuidar, está na hora da gente cuidar, por quê eu pensava que o Parque, era uma área de preservação ambiental, mas infelizmente está servindo para rodovia, está servindo para os fazendeiros fazer fazenda, porque desmatar todos os anos para fazer fazenda, agora mesmo eu passei por dentro da desmatação. Eles desmatando plantando capim para criar boi? E o nosso gestor que são pagos para isso não cuida? Nós temos fiscal? É pago para isso, não serviu para fiscalizar nada aqui. Na mesa deles está dando mais de um palmo de altura de documento, que eu repasso para eles dizendo o que está acontecendo no Parque Nacional da Serra do Divisor. Nada! Você vê no rio os visitantes passam é poluindo, joga de saca de lixo, passando na porta da casa da gente, nós vamos tomar providência disso, e depois da autodemarcação para nós chamarmos atenção dessa população, que chama de fiscal de ICMBio, gestor do parque, nós somos capazes de fechar o rio Moa, para dizer a impureza que esses visitantes estão jogando no rio, para nós bebermos da água, porque nós não temos água tratada, nós bebemos a água do rio, então é muito arriscada nossa vida, até na água que nós bebemos, porque é muito poluída por esses caras que passam aí, eu já estou cansado de sofrer, eu não aguento mais estar dizendo: Vamos cuidar disso. Tem que ter uma fiscalização, tem que ter uma ordem de levar o lixo para Serra do boi trazer para o município de Mâncio Lima, não jogar no meio do rio, depois nós vamos lá beber a água, nós não temos poço artesiano na nossa aldeia, nós bebemos água do igarapé, é uma decisão para o nova tomada fazer, porque nós somos obrigado a fazer, não quer dizer que a gente está fazendo isso desacatando as leis, desacato à autoridade não, nós estamos fazendo isso porque é obrigatório, ou faz ou a coisa pega fogo, porque se corresse tudo bem, nós não estávamos sofrendo, o tanto que eu estou sofrendo hoje nessa área de fronteira para demarcar essa terra, porque se a gente tivesse os fiscais, fiscalizada e estava tudo bem junto com o povo, só aguardando, só que chegou o momento que estourou, não deu mais para aguardar, essa decisão que eu digo para vocês que eu tomei, para fazer a autodemarcação, e para dividir o Parque para uma terra indígena, mas eu estou aberto para qualquer diálogo, com o gestor do Parque, para cuidar, ter parceiro tudo, eu não tenho nada contra, agora eu queria que eles cuidassem, que nem os Nawa estão cuidando hoje do seu próprio território, eles não ganhassem só o dinheiro do governo e não fizesse nenhum tipo de ação, eu falando um pouco desse relacionamento da lei hoje, eu vou falar para vocês que é muito importante isso, hoje nós temos uma base do 61 Bis das forças armadas lá no São Salvador, quando os parentes que vem descendo muitas vezes traz 1kg de carne para comer na cidade, que o índio gosta de carne, eles tomam, 1kg de carne, eu me perguntando dentro de mim mesmo, eu tenho 48 anos eu nunca vi eles tomarem e nem prender um traficante de pelo menos 1 Kg de cocaína, os cara passam na porta, o cara bagunça, e dentro do meu reconhecimento, aonde eles estão tomando 1kg de carne dos parentes que estão descendo...durante anos eles nunca fizeram uma apreensão por tráfico de droga, passa toneladas e mais toneladas na porta, então assim meu amigo, ele só ganha o dinheiro do nosso Brasil, só gasta dinheiro a toa, coloca 100, 200 homens lá em uma base, que passa de ano em ano que não prende nada, mas eu conversei com o tenente, pedi ajuda dele, preciso da ajuda de vocês, preciso que vocês me acompanhem nessa área de fronteira, para vocês conhecerem a realidade, e saber por onde é que está passando as coisas, agora para isso, eu preciso que você seja meu parceiro, porque se você não assinar o termo comigo, dizendo é parceiro do povo, só pela minhas informações, eu não dou para ele de maneira alguma, mesmo porque eu tenho medo que é muito perigoso.

1:10:52
P/1 - Agora você poderia detalhar um pouquinho como é que você fez essa autodemarcação? Porque foi esses dias que você fez isso.
R - Foi, começou no dia 22 de Maio, e nós começamos do Igarapé no Recreio, até o Igarapé Jesumira, que é o divisor da terra, a terra indígena Nawa ela começa no igarapé Jordão, tem o No Recreio e o Igarapé Jesumira, na área em frente ao rio Moa, no fundo ela sobe pelo Igarapé Jesumira, e pelo Igarapé Jordão chegando lá na fronteira, subindo pelo No Recreio nós tiramos o Igarapé No Recreio, Igarapé Jesumira, terminamos. Do Igarapé no Recreio o Igarapé Forquilha e o Igarapé Tapada, e é o divisor até a cabeceira do outro Igarapé que se chama de Jordão, nesse território nós gastamos 220 dias, só que a autodemarcação, agora estamos fazendo dentro de um processo bem bacana, nós estamos só “brocando” por baixo, faz a trilha bem larga, broca por baixo, e só tirando os pau do meio da trilha, não estamos fazendo derrubada, porque a gente achou que fica mais bonito, e é uma coisa mais para proteger um pouco o meio ambiente, para não estar derrubando pau tampando o Igarapé, fazendo esse tipo de coisa, naquele igarapé a gente coloca só as pontes, que a gente chama de ponte, e só limpando mesmo por baixo, só fazendo a picada por baixo, limpando, tirando os pau até chegar no travessão do divisor, gastamos já 200 e poucos dias, mas o restante que falta fazer, a gente ainda leva o resto desse ano, vai levar um tempo ainda para terminar, tem uma parte que é meio grande de lateral pela parte, mas eu acho que daqui até o final do ano... porque nós temos dificuldade de chegar até lá nesse período, porque no rio é muito seco, a gente tem que esperar um pouco, dar uma água para poder subir com material, de casa para lá a gente tira 1 dia de viagem.

1:14:09
P/1 - Agora você falou também que estava fazendo um processo de fiscalização. Na terra tem invasão de grileiro, de madeireiro, tem esse tipo de coisa também?
R - Tem, dentro da terra estava tendo, estava caçando para negociar no município, não o próprio povo, mas pessoal do assentamento, o próprio pessoal aqui do município sai daqui para ir caçar lá, matavam 6 antas e traziam para vender no município, eles estavam também utilizando a madeira para fazer comércio aqui na cidade, estão trazendo madeira para vender, pegamos umas duas vezes, prendemos a madeira, ainda está presa lá, eles tiram lá e traz para vender aqui na cidade, para fazer casa, negociar, fazer alguma coisa, tudo isso a gente pediu, a gente conversou dizendo para eles que daquele travessão, daquela demarcação ali para lá, eles podiam fazer o que quisessem fazer, que não era responsabilidade minha, era do ICMBio, mas daquele travessão para cá, que é dentro da terra indígena Nawa, nós não queríamos mais nenhum tipo de ação, caçada para vender, pesca ilegal, tiração de madeira, e provavelmente aquela área ali que a gente estava ali cuidando, seria uma área de Proteção Ambiental, é uma área de proteção para quando a gente quiser ir lá, a gente ir ver, nossa área lá a gente tem cuidado anos e anos, ela tem muita, muita riqueza, muita madeira, agoano, cumaru, cedro, você vê na beira do rio, é muita caça, muita caça, agora que nós subimos, descemos, vimos um veado na beira do rio, na praia mesmo, um veado em pé olhando para a gente, nós estamos lá veio uma anta no porto, só que ninguém filmou isso não, mas é uma área muito rica, e tem que ser cuidado, porque se não cuidar os caras invadem.

1:16:38
P/2 -O llson, eu fiquei curioso assim, que você está contando, que esse processo ele veio muito do desmonte da política ambiental, do desmonte, do desleixo de cuidar de um Parque Nacional como esse, inclusive com esse plano de fazer essa rodovia em Cruzeiro do Sul, então é uma coisa que obriga vocês a se auto-organizarem por causa da falta de cuidado no exterior, você mencionou esse tenente no caso. Eu queria saber se tem algum tipo de organizações, instituições que estão sendo aliadas, parceiras do povo Nawa nesse processo que vocês estão tendo autonomia de fazer autodemarcação? Está tendo algum tipo de apoio de qualquer organização?
R - Nós temos a organização do Cimi que sempre nos apoiou, tem o Cimi, tem a CPI Acre em Rio Branco, que é organização do movimento indígena, e eles também nós apoia, nós temos a Sema que é outro órgão aqui do governo, que sempre nos apoia, e diante disso a gente está tendo o apoio agora do Moisés também, e eles falaram que se a gente quiser o acompanhamento dele até para a proteção ao povo nessa fiscalização, vai que encontra um cara doido aí que queria atirar nos Nawa,

fazer alguma coisa, eles deixaram bem aberto, que é só fazer uma carta e mandar para o comandante que ele autoriza eles a nos acompanhar, porque eles estão vendo a realidade. Estão sabendo que

a verdade é essa mesmo, e o ICMBio até agora não se manifestou, se apoia, se é contra, se é a favor, eu vou entrar em contato para sentar com eles, para colocar a coisa na mesa, e a Funai também vou conversar a respeito disso, eu quero receber pelo menos um não deles, para depois não falar que é porque “você fez a coisa por conta própria” só que a Funai sabe e não se manifestou até agora, até para entrada do nosso repórter lá dentro, que foi para a gente fazer a divulgação das coisas, não de terceira, mas mostrar de primeira, como a gente está trabalhando, as organizações, como está fazendo o movimento lá dentro, a Funai foi contra a entrada deles, eu falei, só quem manda lá somos nós, não é a Funai não, fizemos um documento com abaixo assinado, todos os parentes assinou, cacique, professor, agente de saúde e mandamos, - os caras vão sim, se vocês não querem trabalhar não atrapalha, sempre a gente resolve dessa maneira, mas a gente tem pouco apoio das entidades, eu conversando aqui a câmara de vereadores de Mâncio Lima, eu conversando com eles, pedi apoio para o município, não

financeira, mas um apoio de reconhecimento, se ele reconhece o povo, o que eles acham se o povo merece uma terra demarcada ou não, eu pedi para o presidente da câmara fazer um documento de reconhecimento, ele falou que está fazendo o documento, o prefeito vai assinar como nosso apoiador também, dizer que está pronto para nos apoiar, está dentro dessa luta, a gente está conseguindo um pouquinho daqui, um pouquinho dacolá, a gente está conseguindo um pouquinho de apoiador, mas nós temos feito a maioria por conta própria mesmo, reúne um parente daqui, reúne um parente dilá, um dá tanto, outro dá tanto, e a gente compra o combustível, compra alimentação, e a gente está indo, nós somos um povo unido na hora de resolver as coisas, a gente faz uma cota de dinheiro, pega um tanto de um, um tanto do outro, faz as compra e entra para trabalhar, nós não vamos brigar mais pela demarcação, nós vamos brigar pelo documento, a demarcação nós estamos fazendo.

1:21:53
P/1 - Você quer falar mais alguma coisa sobre isso, porque a gente deu uma pulada para os dias de hoje, sobre o que você está fazendo, mas eu queria saber se você teve alguma outra luta importante, desde que você teve alguma outra conquista nesses 20 anos, algum outro embate que você fez na sua história?
R - Foi uma luta desses 22 anos, não só a conquista da terra, mas foi um grande conhecimento de experiência que eu tive, a gente teve muito conhecimento de vários parceiros, hoje a gente tem uma população muito grande, reconhecida, que eu reconheci, que faz parte do movimento, vários caciques na luta, não foi só dizer assim não, “entrei para conquistar sua terra”, eu conquistei várias coisas, foi uma conquista de várias coisas, uma conquista dentro de todo o movimento, conquista dentro da educação,

foi uma conquista muito grande dentro da saúde também, é uma conquista da produção, de troca de experiência com vários caciques, a gente já se encontrou com vários deles, cada povo em uma luta diferente, e as parcerias que a gente tem tido com o governo estadual, a CPI que é um dos nossos parceiro,

nós temo a Sema, a UPi Acre, MAI Acre, nós temos que a OPIRJ, que é organização dos povos indígenas da região do Juruá, que é uma associação, através do Cimi também a gente tem uma conquista, não só do povo do Cimi, foi uma conquista também de conhecer algumas ongs de fora de projeto financeiro, e a gente montou uma parceria para ajudar dentro das comunidades, alguns projeto, foi uma conquista geralmente do mundo inteiro, de reconhecimento e de sabedoria também, e cada dia que passa a gente está com mais uma conquista, então o nosso encontro aqui Jonas, para mim é mais uma conquista, é sabedoria, mais parceiros, a gente vai pegando esse conhecimento, que eu considero como mais uma conquista do povo, a gente hoje está trabalhando, está dentro desse processo, com cada parceiro desse que nos apoia, e que nos ajuda também, contribui com alguma coisa, é uma divulgação, um ensinamento, uma pergunta, até uma pergunta já é uma conquista, “perguntou, você respondeu, o cara já falou, eu não sabia disso, mas hoje estou sabendo”, então já conquistou aquilo.
1:26:10
P/1 - O Railson é muita conquista mesmo. Dentro de todas essas conquistas, teve alguma que tem alguma história interessante, alguma coisa que te marcou, que você gostaria de compartilhar?
R - Tem muitas histórias que a gente não consegue esquecer, eu fico pensando, uma conquista dentro da educação que nós não tínhamos, a oportunidade de ver um professor do próprio povo, ensinando tantos parentes, para mim isso eu não esqueço nunca, eu fazer uma conquista dessa, e hoje minha própria filha já foi minha professora, eu não sabia ler, ela tinha aquele a “Façanha” que chamava, que dava aula para o idosos, ela se inscreveu e passou, é uma conquista, eu aprendi algumas coisinhas que a minha própria filha me ensinou, dentro da educação é uma conquista marca muito, a gente ficar pensando o tempo todo, que no caso era para eu ser o professor dela, e ela que foi minha professora, isso tudo é fruto da conquista do povo Nawa, tudo isso tem na terra indígena, educadora, 16 professoras, que infelizmente não existia, não tinha ninguém, tem muita conquista dentro da luta.

1:28:31
P/1 - Então conta um pouquinho dessa conquista na educação, de ter professor indígena, da sua filha ser a sua professora?
R- A Secretaria de Educação do estado mandou pedir duas pessoas do povo Nawa, para dar um treinamento para vir dar aula dentro da aldeia, na época a gente mandou Adecilda Carneiro de Oliveira, e a Lucila, as duas fizeram curso, treinamento, e foram, elas tinham a quarta-feira e foram dar aula, e dentro disso o estado fornecia umas formações, todos os anos tem a formação delas, até elas concluírem o magistério indígena que é o segundo grau, quando elas concluíram, eles mandaram chamar outra etapa, sempre foi chamando dentro da necessidade de aluno, o estado foi chamando mais professor, lá precisa, tem tantos alunos, precisa de mais professor, até chegar a esse nível hoje de 16 professores.

1:30:00
P/1 - O cacique, então como foi que se deu essa batalha pela educação indígena? Primeiro, o que motivou? Como é que foi essa luta para conseguir isso? Como é que aconteceu?
R - O primeiro incentivo é que nós não sabíamos ler, o povo não sabia ler de maneira alguma, a gente viu muitos parentes, tudo adulto sem saber ler, e tinha muita dificuldade de sair porque não tinha conhecimento, e os pais desses alunos não tinham condições de manter eles fora, e foi a primeira coisa que eu falei, nós temos que ir buscar uma parceria do estado para o professor dar aula dentro da aldeia, e que de preferência seria o próprio povo, e que fique permanente aqui dentro da aldeia, para ensinar o nosso povo, que o nosso povo não sabe ler, e nós precisamos muito da educação, para nós desenvolvermos o movimento. Como é que nós vamos sem saber ler, conquistar alguma coisa? Isso foi a primeira coisa que veio na cabeça, nós precisamos de pessoas que saibam

ler, que tivesse a educação dentro da aldeia, para nossas crianças começar aprender ler, e diante disso também falei, “ olha, vamos conversar a lutar também pelos professores, para falar um pouco da língua do povo Nawa, para que isso não venha ser extinto, não se acabe, é um pouco dessa cultura. Tinha um livro, um caderno anotado com algumas palavras que nossos parentes falavam, nossos avós, tem uma prima que era muito curiosa, ela tinha estudado aqui no município, ficou moça, fez a quarta série aqui e foi embora para aldeia, era só ela que sabia ler, muitas vezes ela ia conversar com nossos avós e anotava tudo, algumas palavras que eles diziam, ela escrevia tudo, foi aí que a gente começou a descobrir um pouco da nossa origem, da língua, como se fala o nome de algum animal, como era que ele fazia o ritual, para o que servia, hoje a gente ainda tem esse caderno de anotações, ela já faleceu mas na época que foi chamada as duas professoras, elas copiaram em outros cadernos e

começaram dar aula, um pouco da língua indígena, falando um pouco da história do povo, até que o estado contratou 3 professoras só para língua indígena, elas estão trabalhando na aldeia, foi uma conquista muito grande, de 1999 para hoje são 16 professores formados, na aldeia nós temos 128 alunos que já sabem ler, dentro da nossa aldeia nós já temos o ensino médio, nós temos duas turmas do ensino médio, é uma conquista muito grande, para quem não tinha nada, em 2019 a gente conseguiu 3 prédios novos pelo estado, é uma conquista grande do que nós vivíamos no passado dentro da educação, a gente aumentou, cresceu.



1:34:53
P/1 - Mudando para outra coisa cacique, teve uma história que era do café Nawa. Teve uma tentativa de apropriação de uma empresa desse café?
R - A gente tem o café Nawa aqui em Cruzeiro do Sul. Na época era os Nawa que produziam o café, e quando os Nawa saíram de Cruzeiro do Sul, permaneceram colocando o nome do café Nawa, porque meu avô falava que o café Nawa, era a grande produção do povo, produzia muito café, torrava no tacho e vendia para os parentes, mas não tinha uma empresa registrada, não tinha nada, quando essas grandes empresas chegaram, montaram a empresa, registraram tudo e nós perdemos o valor de preço, não foi nem o valor do café, foi o preço, e os Nawas deixaram de produzir, e as grandes empresas ficaram usando o nome do povo, do café Nawa, hoje tem o guaraná Nawa.



1:36:36
P/1 - Vocês fizeram alguma mobilização contra isso na época?
R - Não, a única coisa que nós fizemos, foi a questão do

teatro dos Nawa em Cruzeiro do Sul, na inauguração do teatro completando 100 anos, a gente escreveu uma carta e relatamos,”como está o nome do povo, e não convidaram o povo para participar!” Tem ano de resistência do teatro dos Nawa, foi relatado porque não entraram em contato com nós, pediram desculpa, mas que da próxima vez, a gente seria convidado, e foi somente isso, a gente só lembrou ele, que a participação do teatro, dos 100 anos tem que ter participação sim, e era um símbolo do povo, é o nome do povo que estava lá.

1:38:09
P/1 - Cacique, só para gente ir fechando, você falou que teve muito aprendizado junto com outros caciques de outro povo. Teve algum aprendizado que você poderia contar aqui, algo que marcou?
R - Aprendizado que eu falo é conversando, tomando experiência de outros caciques mais velho do que eu, quantas vezes eu ia lá no cacique Nukíni, que era Seu Humberto, e ele dizia, “você ainda vai passar por muita coisa, porque ser cacique é uma vida muito complicada”, e eu perguntava para ele - conte um pouco que é para eu ir tomando experiência, de como é o movimento de um cacique, o que para fazer, como é para ele reagir junto com a comunidade. Tinha aquelas histórias que ele contava para mim, “Olha eu passei por isso, consegui isso, faltou isso aqui”, e muitas vezes ele contava algumas histórias dele, da luta, do sofrimento que ele passava, na época as coisas eram mais difíceis, conversando com cacique aqui do Puyanawa, são os dois cacique que eu tinha mais contato, é o Mauro Puyanawa, ele também conversava muito comigo, eu fui pegando a experiência deles, eu acho que é por isso que hoje eu tenho realizado um trabalho muito importante dentro da comunidade, eu não tenho saído muito do ritmo deles, que eles diziam que era para fazer daquela forma que era difícil dar errado, conversei também com cacique Fernando de Katukina, aqui da BR, que é um grande parceiro, faleceu esse ano, cacique antigo mesmo, eu conversei muito com ele, então eu peguei muitas experiências deles, do que eu poderia fazer, do que eu não poderia. Eles falavam, “Cacique, tem coisa que você pode avançar, mas tem coisa que você não pode, você tem que ir controlando uma administração com seu povo, que não agrade todos, mas pelo menos 100% fique do seu lado, porque o restante vai vir ao redor”. Eu vejo muito cacique novato que de repente espatifou, o povo fica com raiva dele, e não anda para frente de jeito nenhum, é só confusão entre parentes. Essas experiências que eu disse, de sabedoria que eu peguei desses caciques, foi o que me fez trazer uma organização para dentro do povo, de trazer o respeito, de conversar com as pessoas, eu era meio bravo, mas a gente tem que dizer, e a gente também tem que ouvir, era o que mais diziam para mim, “você tem que escutar mais do que falar, porque se você escutar, você vai ter uma resposta, porque você vai falar, mas se você não escutar, é muito difícil você acertar o que vai falar, primeiro tem que ouvir para poder falar”, foi sempre falando isso para mim, o Fernando de Katukina, foi um cara que eu estive muito tempo junto com ele, e ele falou muito isso para mim, experiência de cacique mesmo, ouro. Em Rio Branco tem o Manuel Kaxinawá também, hoje ele é assessor do estado, do povo indígena, muito experiente, o Antônio Apolinan, Ashaninka eu já conheço bem, então como cacique já foi na gestão do Bank, cara muito bacana, também tenho conversado com ele bastante, ele tem me dado muitas orientações, como dar continuidade, como caminha um movimento indígena, dirigir um povo.

1:43:22
P/2 -

Bom, você trouxe muita coisa nessa manhã aqui para gente. Queria perguntar assim, eu achei muito curioso, você falou que tinha o café Nawa, até o guaraná Nawa, tinha o teatro Nawa, só que o reconhecimento do povo Nawa está demorando na verdade. Eu queria que você pudesse falar,

qual a importância desse tipo de reconhecimento na verdade? Você está trazendo todas essas conquistas, até o reconhecimento e apoio de vários caciques de outros povos indígenas Acreanos. Queria que você pudesse dizer qual a importância desse outro reconhecimento formal, na verdade do povo e da terra?
R - Muitas vezes eu pergunto para mim mesmo. Por que tanta demora? O reconhecimento de demarcação da terra Nawa, porque nós temos prova suficiente desde quando eu tinha um 1 ano de idade, em Cruzeiro do Sul para onde você vira, você vê a referência dos Nawa, o teatro Nawa, era uma maloca do povo Nawa onde eles fizeram o teatro, o povo de Cruzeiro do Sul inteiro sabe que aquilo ali era maloca do povo Nawa, então não é novidade, o guaraná Nawa também, o povo de Cruzeiro do Sul, todo mundo sabe que é um símbolo do povo Nawa, o guaraná, o café Nawa, em Rodrigues Alves tem outro “estirão” que chama de “estirão” dos Nawa, lá onde tinham várias malocas do povo Nawa também, chegando na aldeia a gente tem prova suficiente a respeito do povo Nawa, que são as lideranças falando da onde veio, até onde chegou, o projeto fala dentro da lei, que da década de 80 a lei permite a demarcação das terras indígenas, nós estamos quase há 200 anos, até agora. Nós temos vários machados, depois eu vou até trazer um para apresentar para vocês. Machadinho tradicional dos meus avós, de cortar lenha, feito de pedra do povo Nawa, nós temos pote ainda do povo, nós temos uma história em aberto, que o mundo inteiro sabe. Tem o povo Nawa, existem os Nawa, tem o nome dos Nawa, tem o símbolo dos Nawa. Por que os nossos governantes não dão a oportunidade de demarcar a terra Nawa? Nós não queremos mais Cruzeiro do Sul, não estamos atrás de teatro, do guaraná, do café, nós estamos atrás de uma terra onde nós estamos sobrevivendo, para a gente cuidar dela no outro canto, porque onde nós estávamos já foi devorado tudo, a gente sabe que não tem nem uma pequena oportunidade de conquistar Cruzeiro do Sul mais, mas sim aonde nós estamos localizado hoje, onde nós estamos cuidando há mais de 100 anos, para mim a gente tem um símbolo do povo Nawa, muito esclarecido para todas as autoridades, sem eles querer ouvir, sem eles querer dar o direito, mas nós estamos aí na luta, nós não desistimos, vamos conseguir a demarcação da nossa terra, e também vamos calar a boca de muita gente que fala que os indígenas quer terra para desmatar, quer terra para fazer fazenda. Eu quero dizer que o povo Nawa

eles preservam, eles cuidam, e infelizmente eles não vão veem o reconhecimento do povo, que é necessário uma terra para sobreviver, mas nós vamos estar aí nessa luta, se Deus quiser a luta não vai parar, vai continuar até o dia que eles reconhecerem dizendo “agora estou vendo os Nawas como um povo que cuida, não que estoura tudo, que vai destruir suas terras”. Eu digo uma coisa para você, o cara me disse que o direito dos povos indígenas está acabando, porque o Índio quer luz, quer energia, quer não sei...eu para ser sincero eu disse, e digo o povo Nawa é velho porque nós temos coragem de trabalhar, e o que nós temos lá dentro é às custas do nosso suor, da nossa produção, do pouco que nós produzimos, e hoje nada que o agricultor produz, dá dinheiro, a farinha você tem que vender pela metade, o arroz e o feijão também, agora vai comprar nos comércios que você cai para trás, mas nós estamos aí, quero dizer para vocês voltarem abertos para qualquer pergunta, o que precisar eu não temo falar, em nenhum tipo de entrevista, porque nós somos limpo, eu não tenho precisão de falar coisa com coisa para se dar bem, estar mentindo não, faço entrevista com cada uma das pessoas que precisar, porque nós somos povo bonito, nós jogamos limpo, não tenho que esconder, porque o nome todo do povo Nawa, está até na cidade, em todo canto em Cruzeiro do Sul tem o símbolo dizendo que é os Nawa, então eu não tenho por que inventar e dizer que o povo Nawa está sendo construído há 22 anos, 22 anos é a luta para demarcar terra só.

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P/2 - Maravilha Cacique. Queria perguntar assim como encerramento, se o Jonas também não quiser complementar. A gente começou falando da sua infância, dos seus pais, do seu avô. Eu queria perguntar dentro desse horizonte que você trouxe tanta luta, tanta conquista. O que você sonha para os seus filhos? Que tempo você sonha para que siga essa continuidade?
R - Agora mesmo eu conversando com o pessoal, nós fomos com um grupo de Nawas, e eu falo para ele com todas as letras. Eu luto, eu brigo para um futuro melhor do meu neto, dos meus filhos, do meu povo. Para não chegar a acontecer o que eu vejo aqui dentro da cidade, as crianças aqui entrando para o caminho errado, as meninas se prostituindo, a gente vê cada coisa aqui dentro da cidade, que jamais eu quero ver o meu povo dessa maneira, o futuro da minha geração, o futuro do povo, eu quero uma vida digna dentro da aldeia, pessoal trabalhando, estudando, plantando, tendo o que é seu, sem precisar estar dentro da cidade fazendo as coisas que não deve ser feito. É vergonhoso para uma liderança, que a maioria do seu povo vive na cidade fazendo coisa que não é certo, que não é legal, já tem alguns parentes não do povo Nawa, mas de outros povos, que a gente vê acontecendo dentro da cidade, de ver o movimento. O que eu quero para o meu povo não é isso, eu quero que meu povo seja um povo digno, feliz dentro da sua terra, estudando e trabalhando dentro da honestidade, é isso que eu quero para o meu povo, eu até digo assim, eu tenho 48 anos de idade, e às vezes eu falo com os parente, a minha filha mais nova ela tem 21 anos, eu vejo que eu estou nessa luta por amor, não por dinheiro, porque eu quero ver vocês vivendo bem, porque como eu não tenho mais filho pequeno, eu posso sair até de dentro da aldeia e ir embora, eu tenho casa aqui na cidade, mas só para eu me hospedar, eu não quero cidade, eu quero estar na aldeia, eu digo para eles, vamos trabalhar, vamos ser honesto. O futuro da minha geração é eu ver a nossa dança tradicional, falando a língua, os costumes, agora a gente está fazendo uma associação para trabalhar dentro da cultura, trabalhar com artesanato mesmo, e estou lutando muito para trazer, não o povo tradicional como antigamente, mas eu quero 50%, que o povo Nawa volte a ter o costume tradicional dos nossos antepassados, a gente já tem um bom começo, 20% da população que faz lança, faz flecha, faz a pintura, que canta e dança, trabalha na miçanga, faz a caiçuma, já faz o rapé, a gente está trazendo essa cultura de volta. Daqui a 2 anos, eu tenho certeza que a gente tem 50% de cultura recuperada, porque a gente está fazendo muito, é trabalhar um pouco dentro da cultura, e mostrar que a gente é indígena e que tem os seus costumes, a gente está trabalhando dentro disso, a gente tem um grupo de pessoas que estão 24h, trabalhando com artesanato, temos bastante artesanato sendo feito, e quando estiver tudo prontinho, vamos divulgar, não para comercializar, mas para pelo mostrar para o mundo que o povo tem um pouco da cultura. É isso o que eu quero para o futuro da minha geração, do meu povo, tradição mesmo.