Museu da Pessoa

Pronta pra recomeçar

autoria: Museu da Pessoa personagem: Amália Robledo

Memória Oral do Idoso
Oficina Cultural Mário de Andrade
Depoimento de Amália Robledo
Entrevistado por Fernanda e Josi
São Paulo, 25 de setembro de 1992
Realização Museu da Pessoa
Entrevista nº 1, fita nº 3
Transcrito por: Fernanda Regina

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Amália, gostaria que você começasse falando o seu local de nascimento, primeiro repetindo o seu nome, dando o seu local de nascimento e falando um pouco da sua infância.

R – Bueno, meu nome é Amália Robledo, nasci na Argentina e me criei em Buenos Aires também fui ao colégio, de primeiro grau, de segundo grau, na universidade, sempre em Buenos Aires. Me casei muito nova.

P/1 – Com quantos anos?

R - Com dezessete. Uma das minhas filhas já está com 33 anos, mas estou muito bem com elas, estou feliz, praticamente nos criamos juntas. Bom, como toda pessoa em geral na Argentina, sempre estudamos, porque a facilidade do meu país para estudar é assim... Muito fácil, não estuda realmente quem não quer, e eu desde minha infância, gostei muito de ler, de brincar, de sair com minhas irmãs. Sempre cito meu pai, ele me pedia “adiciona a leitura”. Eu li muito, me formei desde pequena, já estudei fotografia, estou fazendo agora Belas Artes, Pintura. Aos oito anos, eu já havia ganhado um prêmio escolar sobre desenho e pintura, que é o que eu faço atualmente. Bom, eu fui à escola primária como todas as crianças, no segundo grau entrei nas Belas Artes, que também fazia o segundo grau, depois terminei isso e já me casei. Então dei uma pausa, casar foi uma grande novidade, algo tão importante. Acho até os dias de hoje que a maternidade é um dom divino, a natureza das mulheres. Cresci junto com a minha filha, então, em torno dos meus vinte anos, voltei a estudar. Comecei a estudar na faculdade de medicina, para cursar Enfermagem, a profissão que eu mais amo. Acho que ser enfermeira de tão alto nível, como meu país forma as enfermeiras, é uma coisa a se apreciar. Sempre que me perguntam o que eu sou, a minha formação mais especial é a de enfermeira.

P/1 – Você trabalhou como enfermeira?

R – Sim. Trabalhei muito tempo. Acho que com 19 anos, com a minha filha bem pequenininha já estava trabalhando. Trabalhei sempre como enfermeira, depois à medida em que fui estudando, passei pela graduação, até estar com duas especializações na universidade, uma de Saúde Pública e outra de Psiquiatria. Me formei e comecei outra graduação, que foi Obstetrícia, também na Universidade de Buenos Aires, na faculdade de Medicina. Terminei isso e comecei uma licenciatura, que é um doutorado em Enfermagem, em Buenos Aires. Terminei essa formatura, sou licenciada em Enfermagem e comecei a estudar Psicologia, voltado para o social porque, para minha mentalidade de enfermeira, eu via muito o sofrimento das pessoas para se tratar. E o sofrimento para passar por uma doença é muito diferente de uma pessoa que tem dinheiro para uma que não tem dinheiro e nem trabalho. Então, comecei Psicologia Social, também me formei. Comecei a trabalhar em um consultório com meu marido que era cirurgião. Compartilhávamos o mesmo consultório, já tínhamos outra menina.

P/1 – Com quantos anos?

R – Aí já tinha 27. Bom, tem uma diferença de quase dez anos entre as duas, era muita diferença, foi um custo também criar as duas com tanta diferença, brigavam loucamente, mas hoje são duas irmãs que se amam muito. A última menina que tive, já casou. Casou tão nova quanto eu, eu não conseguia acreditar, não queria que ela se casasse tão nova, mas casou e agora ela está com trinta anos e já tem três crianças. Tenho um neto de nove anos, tenho outro de sete anos e tive um agora de um ano. Três homens... Mas sempre trabalhei no hospital, como enfermeira, depois trabalhei como obstetra também, fazendo partos, nascimentos. Durante três, quatro anos, trabalhei fazendo partos e acho que foi uma grande aventura de minha vida, essa experiência de trazer bebês ao mundo. Deixei isso por... Também pela minha vida familiar com meu marido, eram plantões enormes e exaustivos. Então, deixei e cursei Psicologia e comecei a trabalhar como psicóloga.

Conheci na mesma Universidade de Buenos Aires, que era praticamente minha segunda casa, Rolando Toro, que era um antropólogo chileno, o criador do Sistema Biodanza. O conheci e foi algo assim... Fiquei deslumbrada com sua personalidade, seu pensamento sistêmico de englobar uma pessoa em sua totalidade, que tinha muito a ver com a minha profissão de enfermeira e também estava ligado à minha profissão de psicóloga social. Tinha muito a ver com meu estilo de vida. Eu fui sempre uma pessoa de muito fogo, de muita coragem na vida, de muita alegria, de muita criatividade, desde pequena fazendo fotos, pintura, desenho, canto, coral... Participava da universidade e nas bibliotecas públicas. Digamos que minha vida é bem acelerada na questão da criação, então a Biodanza veio para completar um sentimento e um pensamento meu. Então, abandonei tudo, abandonei a enfermagem, a psicologia, a psicoterapia e me dediquei à Biodanza. Já seria, mais ou menos, anos 70, prefiro não falar datas, porque já me confundo... E comecei a trabalhar com Biodanza, com um grupo de adultos, trabalhava toda a semana, todas as noites praticamente, comecei a viajar pelo interior do meu país, dando Biodanza também, até que aconteceu algo... Faz dez anos que meu marido faleceu, assim, de repente. Novo, estávamos numa fase muito feliz porque minhas filhas estavam em uma época que tinha passado a adolescência e já estavam morando sozinhas, as duas. Nós estávamos viajando e ele morreu, para mim, foi o momento mais dramático da minha vida.

P/1 – Como ele chamava?

R – Miguel. Miguel (Bar?), médico cirurgião. Para mim, até o dia de hoje, eu acho que é uma dor que vou levar para o resto da minha vida. Eu queria morrer com ele, minhas filhas já estavam crescidas, estava tudo certo, elas já tinham seus apartamentos, e eu me conformei que já estava tudo bem para que eu morresse. Mas não era minha hora. Passei três anos arrasada, abandonei tudo e depois de três anos comecei de novo, achei que era demais chorar tanto, sofrer tanto, como psicóloga comecei a funcionar e a recriar-me, minhas filhas me ajudaram muito e também a grande família da Biodanza, os lugares incríveis que trabalhei, que não me abandonaram, minhas duas irmãs: Blanca e Júlia, que são dois amores da minha vida, me ajudaram e saí. Saí e estive por dois anos viajando pela Europa, viajei nos anos 87, 88, 89. Fiquei vivendo na Itália, na Suiça e em Paris, trabalhando com Biodanza. Já conhecia muito o Brasil, eu já tinha vindo com meu marido e com minhas filhas desde pequenas. Eu gostava muito disso, não era tão estruturado como é o meu país, eu achava legal que eu não precisava estar sempre maquiada, penteada, com a roupa combinando, como é no meu país e na universidade onde eu trabalhava. E aqui não, esquecia de me pentear, esquecia de me arrumar, de me maquiar e isso começou a me fazer me sentir mais descontraída. Começou aí meu amor frenético pelo Brasil e comecei a viajar muito para cá, comecei a fazer um grupo e isso se expandiu, eu acho que sei passar muita coisa da Biodanza, a Biodanza é um sistema de renovação da vida e acho que tenho os elementos, como docente, como mulher na vida, como mãe, como psicóloga, tudo para aplicar nesse sistema. Então, foi uma coisa que explodiu, me fazendo vir cada vez mais. Só que minhas filhas me cobram demais.

P/1 – Elas moram onde?

R- Minhas filhas moram em Buenos Aires, meus netos também, minhas irmãs também, somos todos Argentiníssimos. Ela fala: onde você mora? Eu falo, eu vivo em Buenos Aires, sempre em Buenos Aires. Minha filha estava reclamando: “Mas este ano, você ficou mais lá do que aqui”. Elas estão reclamando, só que agora, também por congressos médicos, conheci alguns médicos da sociedade de geriatria que me convidaram para fazer umas palestras e aí realmente estou mais no Brasil do que em Buenos Aires. Mas eu estou felicíssima aqui, eu pinto, desenho todos os dias. Eu acho que tenho que dizer que sou uma pessoa feliz, faço o que gosto, tenho um monte de gente que gosta de mim, que estão me esperando no aeroporto toda vez que chego ou que parto. Agora estive um mês em fortaleza, foi uma dor enorme deixar fortaleza, onde eu preparei toda uma exposição e dei aula para idosos. Já faz uns sete anos que estou me dedicando na Biodanza em idosos, como aplicação. E aqui no Brasil, já faz uns cinco anos, só que antes eu fazia muito esporadicamente, e agora fico praticamente direto, vou à Buenos Aires cada dois meses, três meses, fico um mês, mas já estão me esperando todos os grupos aqui. Fiz um trabalho maravilhoso no Centro de Saúde, (hersa 1, 2?), no Centro de Saúde de Pinheiros, Centro de Saúde Jardim Aeroporto e Centro de Saúde Vila Mariana. Eu faço a fundação, crio, abro o grupo e depois coloco um professor da escola desta orientação. Agora estou em Pinheiros, só que estou programando também um convite que tenho para o ano que vem. E hoje tenho esse convite para aqui, (para outra festa de lidos?), eu já pensava em trazer outra amostra do meu trabalho e não deu certo. Mas agora eu achei a senhora Ika Fleury, e ela me falou “Como eu gostaria de conhecer esse trabalho, tanta gente fala dele” e isso eu acho que me abriu as portas, todo mundo está esperando agora que eu faça a amostra de Biodanza. E eu estou superfeliz de fazer com que aqui as pessoas conheçam esse trabalho.

P/1 – Se você pudesse mudar alguma coisa na trajetória da sua vida, o que você mudaria?

R – Sabe que acho que nada? Estou tão feliz e fui tão feliz. Fui feliz casada, tive filhos, tive tudo. A vida me dá de graça as coisas, mais a cada dia, e ter a vida... Estar aqui falando, estar com vocês, estar fazendo meu trabalho, eu acho que é um presente mesmo. Tenho tanto amor, chega um momento que me sufocam de beijos e carícias, me fazem presentes. Que mais alguém pode pedir da vida? Me deu filhas tão lindas, trabalhando e fazendo suas vidas. Então, dor sempre há na vida, faz parte da vida, mas eu não mudaria nada e só tenho que agradecer a vida.

P/1 – Queria que você me dissesse, qual a importância, pra você, de dar esse depoimento pra gente? Como você está se sentindo?

R – Ah, eu me sinto muito bem porque eu não conhecia vocês, mas Terezinha que está aqui me falou “Olha, Amália, seu trabalho, gostaria que falasse”. Eu disse: “É sério?”, eu sempre pergunto “É sério?”, ela disse que era muito sério. E quando a outra menina disse que era da (oficina três dios?), que eu adoro e faço muita coisa na Universidade Livre da Música, sempre que estou aqui, que dá tempo, estou fazendo algum curso. Então foi mais fácil vir até vocês e acho que essa mensagem dá para muita gente, eu pude transmitir essa vivência de vida e ajudar as pessoas a serem felizes porque quando alguém está feliz é melhor, é mais bondoso, é mais fraterno, não faz mal. Eu acho que ser feliz é uma obrigação do ser humano. Então estou feliz de falar com vocês e que possa chegar a mais gente.

P1 – Obrigada.