Museu da Pessoa

Poesia na favela

autoria: Museu da Pessoa personagem: Giovani Mendes Bispo

Projeto KomBiblioteca
Depoimento de Giovani Mendes Bispo
Entrevistado por Lucas Torigoe e Jonas Worcman
São Paulo, 09 de abril de 2015
Realização Museu da Pessoa
KOM_HV002_Giovani Mendes Bispo
Transcrito por Karina Medici Barrella


P/1 – Primeiro, boa tarde para você, Giovani.

R – Muito boa tarde.

P/1 – Eu queria perguntar o seu nome inteiro, local onde você nasceu e data.

R – Eu me chamo Giovani Mendes Bispo. Nasci no dia 24 de outubro do ano de 1982 do século passado. Nasci num barracão de zinco, na Favela do Morumbizinho, um dos últimos bairros do Butantã. Sou o oitavo filho de uma família de 16 irmãos. Sou filho da Valdeci Mendes Bispo e pai ignorado.

P/2 – Você falou que seu nome é Giovani Mendes Bispo. Baffô é...

R – Baffô eu escolhi a dedo, mas era um apelido de infância do meu irmão, meu outro irmão mais velho, que depois ficou pra mim.

P/1 – E você sabe como seus pais se conheceram, sua mãe e seu pai?

R – Cara, não sei não. Sei que minha mãe veio pra São Paulo no ano de 78.

P/1 – Ela veio de onde?

R – Veio de Ibirapitanga, Bahia. E foi morar no Jardim Boa Vista. Ela e mais algumas pessoas iniciaram uma favela que chama Favela do Morumbizinho.

P/2 – Elas que iniciaram a favela?

R – É. Elas que iniciaram, não tinha muita gente, estava no início da coisa.

P/1 – Começaram a fazer casa lá.

R – É, elas começaram a invadir o terreno e fazer casa junto com alguns outros trabalhadores de uma empresa chamada Firpavi.

P/1 – E sua mãe conheceu seu pai lá, então?

R – Conheceu meu pai em São Paulo já. Meu pai é de Minas, mas eu não sei bem qual foi o contexto.

P/1 – E o que aconteceu que você falou que ele é desconhecido?

R – É porque meu pai não registrou nem a mim e nem meus outros dois irmãos que são filhos dele.

P/1 – Entendi.

P/2 – Não registrou, mas você conviveu com ele?

R – Não, não convivi, não tive convívio nenhum com esse meu pai, eu tinha 29 anos quando conheci.

P/2 – E como foi conhecer?

R – Ah, foi, sei lá, normal assim, conhecer o pai. Praticamente deu uma emoção, mas não muito, eu diria, porque eu já tinha ficado velho, eu não precisava mais daquela figura do pai que a gente precisava na infância. Então foi a mesma coisa de conhecer um estranho.

P/1 – E você cresceu lá no Jardim Boa Vista.

R – Cresci no Jardim Boa Vista. Nascido e criado.

P/1 – Como era na época da sua infância o Jardim, a rua? Em que rua?

R – Eu nasci na Rua André Dias.

P/1 – Ah, você nasceu lá mesmo.

R – Nasci num hospital aqui em São Paulo, acho que no Hospital das Damas, numa quinta-feira de 1982. E a infância foi difícil, uma infância com muita dificuldade por conta de ser filho de mãe solteira, de ter muitos irmãos, de ser um Brasil bem difícil. O Brasil dos anos 80 era mais pobre, eu diria assim.

P/2 – Era dificuldade de que tipo?

R – Ah, dificuldade que todo favelado passa, né? Dificuldade financeira, de ter acesso às coisas, à roupa, alimentação, ao lazer, estar exposto à violência diária, não ter uma casa.

P/2 – Por exemplo, a fome era uma coisa que realmente acontecia?

R – É, a fome era uma coisa constante porque em casa moravam 12 pessoas. Alguns agregados que passavam, algumas famílias que estavam com mais dificuldade, tios, primos que estavam chegando da Bahia e estavam por ali, e só minha mãe que trabalhava na época, e depois meu padrasto. Quando era só minha mãe tinha que se virar muito pra conseguir o básico.

P/1 – Qual era o núcleo duro? Era você, seus irmãos e sua mãe?

R – Minha mãe, meus irmãos e depois passou a ser meu padrasto.

P/1 – Quem são seus irmãos?

R – Meus irmãos são a Luciana, o Alex, Alessandro, a Daiana, o Rafael, Adriana, Mirele, a Givaldete e outros irmãos, estes que conviveram com a gente em São Paulo. E o Alex, que a gente morava na mesma casa. Os outros irmãos que eram mais velhos ficaram na Bahia mesmo, não chegou a ter um convívio sob o mesmo teto.

P/1 – E como era morar nesse mesmo teto, você e seus irmãos?

R – Na verdade era muito difícil. Na verdade a casa era a rua, só entrava em casa pra dormir mesmo, que era um barraco de três cômodos com 12 pessoas (risos). Tinha o quarto da minha mãe e do meu padrasto que rolava. No começo a gente dormia tudo no mesmo quarto, quando era só com a minha mãe, morava numa cama de casal num barracão sem cômodos, a gente dormia tudo numa cama só. Depois a gente mudou para uma casa de três cômodos na mesma favela, aí ficou o quarto da minha mãe e do meu padrasto, o quarto das crianças e a cozinha. Então era uma coisa assim, você acordava, comia, ia pra rua, voltava, comia e dormia. Mas ficava muito tempo na rua, na favela mesmo, mais em viela do que em rua.

P/2 – Eu ia perguntar da rua, que tipo de brincadeira rolava.

R – Rolava muitas brincadeiras. Rolava mãe da rua, a coisa que mais fascinava era o pipa mesmo, que mobilizava toda a comunidade, era o pipa. Rolava, a galera era nova, muitos jogos, bater figurinha, bola de gude, pião, iôiô.

P/1 – Jogava futebol também?

R – Futebol muito, na rua e na quadra. Futebol. A gente também nadava porque tinha uma pedreira abandonada perto de casa e rolava natação. A gente pegava fruta no pé também. O grande lance é que a gente morava no último bairro de São Paulo, era divisa com Osasco, e Osasco já rolava uns sítios onde a galera vendia porco, comprava passarinho, vendia passarinho. Então eu tive uma infância quase que rural porque eu nadava, montava a cavalo.

P/1 – Montava a cavalo? O pessoal de Osasco isso?

R – Com o pessoal de Osasco. Que a gente tinha uma pedreira, os cavalos fugiam e a gente pegava, ficava montando, brincando com eles até o dono vir buscar bravo e tal. A gente ordenhava vaca, via vários rebanhos assim. Pegava passarinho e revendia pra fazer uma grana, armava arapuca, tinha estilingue. Era uma coisa quase que rural o bairro, dentro da cidade.

P/1 – Isso com seus irmãos, seus primos, fazia toda essa?

R – Isso fazia mais com o pessoal da rua mesmo.

P/1 – Com os amigos.

R – Menos com os irmãos, cada um tinha um interesse diferente e tinha uma amizade diferente dentro da comunidade. A gente não andava muito junto.

P/1 – Que amizade você fez nessa época, na infância?

R – Época da infância tinha time de futebol, você andava com a molecada que jogava futebol com você, tem a molecada que jogava figurinha. A galera da sua rua que tinha mais ou menos a sua idade, que estuda mais ou menos na mesma classe na escola, que você vai andar no bairro.

P/1 – Você tem alguma história que você se lembra dessa época que você estava brincando? Essa, por exemplo, do cavalo.

R – Tem uma bem legal que a gente conta até hoje. É a história que a gente vendeu um cachorro pra comprar o uniforme do time que a gente montou, tá ligado? (risos)

P/2 – Vendeu o cachorro de quem, mano?

R – Então, tinha um cara que é até finado, o finado seu Zé. Ele gostava muito de cachorro, ele tinha um cocker, aquele que tem aquela orelha grande assim, caída. Ele tinha esse cachorro, o cachorro era bem famoso na comunidade, ele tinha uma relação da hora com o cachorro. E esse cachorro chegou a falecer, tal. Nós éramos moleques e foi um cachorro lá, tinha umas cadelas no cio e tal, aí desceu um cocker na favela, a gente achou o cachorro bonito e falou: “Vamos levar pro seu Zé que ele vai comprar, a gente passa lá no bar e tal”. A gente foi lá, levamos o cachorro pra ele. Era bem parecido com o cocker dele que tinha morrido, estava meio sentido, há pouco tempo. Realmente ele foi lá e comprou o cachorro, deu tipo 25 contos na época, um dinheiro legal. A gente foi lá, juntou pra comprar a camisa do time. Compramos a camisa do time, que era o Pérola, que a gente montou, eu com mais alguns amigos. O cachorro ficou duas semanas na casa dele, tal, o cachorro fugiu, foi pra rua de cima que era o dono dele, tá ligado? O cachorro voltou pra casa, o cara chegou a cobrar o dinheiro, mas a gente nunca pagou (risos). Mas era legal essa história.

P/1 – E o que era esse time que você fez?

R – Era um time de criança na época, a gente montou e chamava Pérola. A gente comprou um jogo de camisa com esse dinheiro e com mais algum dinheiro. Rolou uns dois, três anos e depois a gente desencanou.

P/2 – E como era a relação dos seus irmãos?

R – A relação era meio de irmãos que precisavam se ajudar. A gente procurava não se atrapalhar muito porque a gente era muito atrapalhado. A gente não brigava, era uma relação de amizade, camaradagem, de respeito, mas cada um buscava uma coisa, a gente não tinha um projeto junto de irmãos, cada um era meio que na sua, cada um buscava uma coisa pra fazer e se dedicava a isso. Fora outras coisas que a nossa mãe dava pra gente fazer, que era vender coisa na feira pra levar um dinheiro pra casa, juntar ferro velho pra catar um dinheiro pra você mesmo. Pegar pipa pra vender, fazer balão, umas coisas que eu era mais solitário nessas coisas. Mas com os irmãos em conjunto a gente mais se defendia na rua e, de mais, vendia coisa que minha mãe botava a gente pra vender.

P/1 – O que era perigoso nessa época pra vocês?

R – Tomar um tiro na rua. Porque a gente morava na favela que era bem... a gente conviveu com muito tiroteio, a gente estava brincando e a galera invadia pra trocar tiro, a gente corria pra casa ou pra casa de um amigo, era bem isso. O que eu mais lembro da infância era a gente estar brincando e sair correndo da galera que estava trocando tiro e depois voltava pra catar as cápsulas.

P/2 – Mas eles entravam para atirar por quê? Era tráfico?

R – A gente morava na favela que tinha os ladrões que tinham rixa com outra favela e com outra favela. A galera tinha umas rixas de molecada, tipo, uma gangue de oito moleques, nove moleques, os caras tinham muita arma e tinham uma rixa com a galera. Naquela época todo mundo tinha revólver, era muito louco o tanto de arma que tinha na comunidade (risos). Eu lembro de ver sacola de arma, galera de 16, 15 anos, eles tinham sacolas de armas, tinha umas gangues, fazia pequenos assaltos, busão, roubava casa. Fazia altas paradas e tinha umas gangues que eles trocavam tiros corriqueiramente. E com a polícia também, quando a polícia invadia eles também trocavam tiro. Então a gente estava sempre brincando na rua e eu lembro que até oito horas da noite era o máximo que a gente podia brincar.

P/2 – E como era a sua relação com o pessoal da gangue?

R – Ah cara, a galera é bandido, anda sempre, sei lá, mandando você fazer mandala, tal, segurar droga, segurar arma, buscar tênis pra jogar futebol. Você fica meio que fazendo mandala pra galera, tipo, a galera fica mandando você pra, sei lá: “Compra uma cerveja lá pra nós” “Compra lá um cigarro” “Vai lá em casa pegar meu tênis” “Segura essa sacola aqui”, tá ligado? Quando você vai ver, três quilos de droga na sacola. “Olha aquela tábua ali”, aí tem um revólver embaixo da tábua, tá ligado?

P/1 – Você estava andando e do nada se trombasse com esses caras, eles pediam.

R – Então, você tinha que sair desses caras. Ficava meio que saindo dos caras, ou, em muita época a gente começava a andar mesmo pra conseguir algum espólio, tipo o cara roubava uma casa, a gente dava uns chinelos, uns bonés, um relógio, tá ligado? A gente dava uma blusa, um tênis. Rolava uns ganhos assim também de andar com os caras, então os caras meio que... só que sua mãe não podia saber que você estava andando com essa galera e tal (risos).

P/1 – Ela não gostava disso.

R – Não, as mães eram muito preocupadas com essa coisa do crime. Acho que foi a coisa que minha mãe mais se preocupou, a coisa que mais minha mãe se encanou foi o lance do crime, a gente está muito próximo do crime e a galera está começando. E tem muita dificuldade de conquistar as coisas, tal, porque a gente não tinha nada. Por exemplo, tinha um boné que era moda na época, a gente sabia que nunca ia ter esse boné. A não ser que a gente desse um jeito por nós mesmos, assim, não ia vir de mãe. Tinha um brinquedo: “Pô, minha mãe não tem como comprar esse brinquedo pra mim”, tá ligado? Acho que minha nunca me comprou um brinquedo, mano. Comprou roupa só no Natal, tipo roupa nova só ia ter no Natal e usava a mesma pro Ano Novo e o resto era tudo ganhado, você ia pra escola...

P/2 – E livro?

R – Porra, então velho, livro, eu acho que foi muito louco a história do livro. Lá em casa eu era o único que lia, então, eu ganhava livro de professor que sabia que eu lia, me dava alguns livros. Eu achava livro na rua e levava pra dentro da casa. Lia muito gibi. A Editora Abril ficava lá perto de casa, a Dinap, Distribuidora Nacional de Publicações, que era da Editora Abril, mas era uma distribuidora, botava os caminhões e levava pro país, então a gente invadia lá para roubar livro, revista, gibi, ficava nos caminhões, numa área muito grande. A galera que roubava pra revender, o que eles não conseguiam vender eles me davam: “O Baffô gosta de ler, vamos dar pra ele”. Então ganhei muito gibi, muita revista de uma galera assim. Meu irmão foi trabalhar no ferro velho. Ele pegava muito livro, aquelas Barsas, enciclopédia pra caramba, almanaque.

P/1 – Além disso, o que você gostava de ler de gibi, de literatura?

R – Eu gostava de ler tudo o que caía na minha mão. Eu era fascinado por leitura, não sabia que tinha essas coisas... não sabia nem que tinha literatura, que a galera dividia em literatura, subliteratura, não sei o quê. Eu lia Sidney Sheldon e pirava. Depois lia Thomas Mann. E lia algumas revistas que eu achava legais, umas revistas de comportamento. A mais louca foi a revista Simples que me deu um norte. Lia almanaque. Gibi, velho, li desde Tex, passando por DC, Marvel.

P/2 – Mônica.

R – Mônica pra caramba, muito Turma da Mônica, Maurício de Sousa. Maurício de Sousa, eu li. Da Editora Abril eu li muito Mickey Mouse, muito Tio Patinhas, Turma da Luluzinha. Porra, li muito gibi, Lucky Luke.

P/2 – E você lembra como, desses livros todos, como a poesia chegou em você?

R – Poesia chegou em mim, cara, eu já tinha lido todas essas coisas, tal. Já tinha lido muita coisa assim e a poesia chegou em mim através do rádio. Como eu era um cara insone, todos os meus irmãos estavam dormindo e eu estava acordado, sempre rolava isso.

P/1 – Por que rolava?

R – Eu tinha insônia, tinha dificuldade de dormir, então muitas vezes eu ia dormir seis da manhã, quando estava indo para a escola que eu estava pegando no sono.

P/1 – Você era criança ainda.

R – Era criança, tinha uns oito, nove anos, então eu ficava a noite inteira ouvindo rádio.

P/1 – Não acordava eles?

R – Então, tinha essa dificuldade de ouvir o rádio. Acordava, rolava briga por causa dessa coisa de rádio. Aí minha mãe tirou o rádio e eu passei a cantar na madrugada, ficava cantando de madrugada que nem um louco.

P/2 – E não lia, não?

R – Então, eu não varava a noite, eu lia muito gibi. À noite eu lia também, desenhava, ficava ocupando a coisa. Mas falando de poesia, a poesia entrou pela canção. Eu ficava repetindo canção que eu tinha ouvido de dia, muita MPB, ficava repetindo à noite, sozinho. E depois comecei a fazer umas canções, comecei eu mesmo cantar as canções que estava fazendo na hora. Fazia uma música no chuveiro, fazia uma música de madrugada. Aí já rolou, uns dias eu comecei a anotar essas coisas. Comecei a anotar as paradas.

P/1 – O que você cantava.

R – O que eu cantava. Fiquei anotando. Que eu cantava não, coisa que vinha na cabeça. Qualquer frase, uma frase só, ou um poema inteiro, fragmento, um relato.

P/1 – Nessa época da rádio você se lembra alguma música que te marcou, que você podia hoje pensar assim? Ou algum artista que você gostava, uma banda?

R – Pô velho, eu ouvia uma rádios que tocavam MPB. Marcou muito a poesia, muita música eu achava poético. O Sérgio Sampaio. Eu falava: “Nossa, que cara legal, que poesia louca”. Tipo Chico Buarque tocava e eu falava: “Pô, mano”. Esses mestres da MPB que foram marcando. Pô, construção legal.

P/2 – Tinha alguém que fazia música na comunidade?

R – Então cara, na comunidade tinha um senhor que tocava forró. Tinha dois senhores que tocavam forró, mas não era nada autoral, não tinha nenhum artista, que se declarava artista. Mas o legal é que tinha uma galera que veio do norte, que todo ano eles faziam uma Folia de Reis, mano, que é legal. A galera passava de barraca em barraca batendo pandeiro, fita, pífaro, eles construíam os pífaros assim, foi uma coisa que me atentou bastante, essa galera. Na verdade me amedrontava. Mas foi o primeiro contato com coisa cultural, que eu sabia que os caras faziam isso na Bahia e estavam trazendo pra São Paulo, estava mantendo. Os caras que eram encanador, pedreiro, outro trabalhava na Prefeitura de Osasco. E o outro era o seu Massu. Ele organizava uns arrasta-pé na casa dele, galera dançando, os filhos dele tocavam zabumba, triângulo, pandeiro, ele tocava sanfona. A gente era bem moleque e ia lá pra ver essas paradas, comer de graça, serrar um churrasco, refrigerante, tal. E a poesia entrou no rádio.

P/1 – Voltando um pouquinho, quando é que você começou na escola? Qual é a sua primeira lembrança de lá?

R – Primeira lembrança da escola, velho, foi eu ficando na pré-escola, minha mãe me deixando na escola e eu chorando assim.

P/1 – Você não queria ir? (risos)

R – Não queria ficar, acho que a minha primeira lembrança, tipo: “Fica aí e eu vou sair”. Tipo, podia ir me buscar depois, quanto tempo eu ia ficar ali.

P/1 – E como foi? Você se adaptou?

R – Me adaptei, cara, me adaptei pra caramba. Os professores gostavam muito. Eu julgo agora que eu era uma criança muito bonita, não sei por quê. Os meus professores eram sempre muito generosos comigo, me tratavam muito bem, melhor do que muitos outros alunos, sabe? Então foi muito legal isso. Minha primeira professora que eu lembro, a Noemi, uma professora bem legal. Não, a primeira foi a professora Vera, na infância. É uma professora que me passou muito carinho, sabe? Me deu muito carinho, coisa que era bem difícil de ter em casa, tu tem 16 irmãos, minha mãe estava sempre na correria, sempre estressada, tudo era na base do empurrão, do vamos lá, do acorda. Não tinha muito carinho. E essa professora passou esse imenso carinho, tal. E depois outros professores foram me cuidando, acho que perceberam que eu estava naquela fase de risco. E chegou a professora Bernardete, cara, que era uma alemã, isso foi na segunda série. Na minha primeira série foi muito louca, a escola, que eu era um cara muito empenhado, eu já sabia ler, na pré-escola eu aprendi a ler, então eu achava que eu era um cara muito espertinho porque eu aprendi a ler na pré-escola e a molecada, muitos não sabiam ler. Eu fiquei acho que um ano, um ano e meio, sabendo ler no meio de muita gente que não sabia ler. Falava: “Pô, galera está meio moscando, não sabe ler” (risos). E na primeira série, velho, eu só fiquei passeando, sacou, foi um lance muito louco. A professora era meio avançada pra época, ela pegava a gente e levava no colégio de freiras que tinha lá, a gente fazia bolo, via o cara tirando mel, tá ligado? Via a galera consertando livro, mexia com argila e tal, mexia com torno, tinha tear. Ela levava a gente pra ver os pássaros na pedreira que tinha lá. Tinha uma amiga nossa que ficou doente no meio da classe, que chegou até a falecer e a gente ia na casa dela visitar ela e tal. Ficava andando pelo bairro, vendo construções do posto de saúde. E no fim do ano ela reprovou todo mundo, reprovou a sala inteira, tá ligado? Rolou que ela meio que se apaixonou pela turma assim.

P/1 – Não queria que vocês fossem embora (risos).

R – Ela se apaixonou.

P/1 – E vocês ficaram mais um ano mesmo com ela?

R – Ficamos mais um ano. Só duas pessoas que passaram, que tinham saído da sala, tipo, os pais não gostaram da professora e mudaram de sala, eles passaram de ano (risos). Foi o Mazinho, Iosimar, e a Cleia. Eu lembro até hoje, foi muito frustrante. Eu gostava muito de estudar. Depois disso deu uma caída, sabe?

P/1 – O interesse, né?

R – É, o meu interesse pra ir pra escola.
P/2 – Depois do quê?

R – Depois de ter repetido a primeira série. Eu fui bem em todas as provas, todo mundo foi bem, e ela repetiu todo mundo. Aí deu uma caída no meu interesse pela escola, mas eu já gostava de ler, isso é legal. Na primeira série também eu tive uma professora bem legal de sala de leitura que chamava Maria José, que era bem legal. Eu lembro até do primeiro livro que eu cheguei a ler, que é O Cavalinho e o Camelo do Deserto. Era um camelo já experiente na primeira travessia de um cavalinho. Foi o primeiro livro que eu li na minha vida mesmo e foi bem legal, me marcou pra caramba e até hoje eu lembro desse livro. Queria até poder encontrá-lo de novo na biblioteca da escola, se eu pudesse.

P/1 – Qual era o nome da escola?

R – É o Solano Trindade. Escola Municipal de Primeiro Grau Solano Trindade.

P/1 – Você continuou lá depois?

R – Estudei até a oitava série. Repeti a primeira e a sexta.

P/1 – Como foi estudar lá, crescer lá?

R – Ah cara, foi legal, né velho, não tem o porquê. Mas o legal dessa escola é que eu conheci lá a professora Bernardete, que ela meio que me pegou pra instruir. Ela tinha umas coisas meio Waldorf, porque tinha uma escola Waldorf do lado da nossa escola, sacou? E na frente da comunidade. Tinha algumas coisas que ela fazia com as crianças e eu fui o primeiro aluno da experiência dela de dar aula, dar reforço escolar pras crianças da comunidade, fui o primeiro aluno. E ela era minha professora na escola também, na segunda série, então ela me ensinou muita coisa, tipo, olhar a hora pelo sol, sacou? Plantar, a gente plantava coisas. Matemática, ela ia na minha casa, me dava reforço em casa, falava com a minha mãe coisa de higiene, me levava pra conhecer a cidade, pra ir em shopping, pra ir no Pátio do Colégio, pra ir a museus. Levava a mim e mais umas seis crianças da comunidade.

P/1 – E nessa época você já estava no rádio, anotando as coisas que vinha na sua cabeça.

R – Nessa época eu estava com insônia, estava no rádio, mas não anotava nada ainda, anotar foi depois. Essa época já tinha insônia, estava no rádio, já tinha um interesse por MPB, por pintura, que meus irmãos não tinham, tipo, por leitura.

P/1 – O que eles estavam fazendo nessa época?

R – Ah cara, eles estavam sendo crianças, brincando, jogando bola, batendo figurinha, jogando tazz, fazendo umas coisas que criança fazia. Eu fazia tudo isso e ainda lia.

P/1 – Você fazia tudo e ainda...

R – Ainda conseguia ir.

P/2 – Você ia ler na biblioteca mesmo?

R – Na escola tinha biblioteca que era obrigado mesmo, que a classe ia pra biblioteca, sacou?

P/2 – Mas qual foi aquela história que você me contou uma vez de uma biblioteca que você ficava dias na biblioteca.

R – Então, biblioteca do Sesi, mas aí já é adolescência, com 17, 18 anos que eu ficava no Sesi.

P/1 – Você ficou até a oitava série no Solano.

R – É, fiquei até a oitava série no Solano Trindade.

P/2 – E Solano Trindade, fala pra gente como você vê a foto dele lá todo dia, assim?

R – É porque eu falo que a escola nos esforçou muito para eu saber quem era Solano Trindade, mas eu vendo assim, eu acho que eu que não era muito ligado, porque eu lembro que a Raquel Trindade ia todo ano lá, que acho que o aniversário do Solano Trindade, a Raquel Trindade ia lá pra levar coisa do saci, até o próprio Zinho Trindade ia lá na minha escola pra falar do saci. Tinha uma Semana do Folclore que a Raquel Trindade ia sempre lá falar do pai dela, levar os livros, era bem legal.

P/2 – Quem é Solano Trindade?

R – Solano Trindade é um poeta pernambucano, acho que um dos pais do teatro negro no Brasil, ele foi perseguido pela ditadura militar, inclusive. Fundou acho que o Núcleo de Artes no Embu das Artes, o Grupo Solano Trindade passou por vários lugares do mundo, tal. Acho que tem o Teatro Solano Trindade que ele fundou. É uma grande mentalidade negra, da causa do negro.

P/1 – E depois da oitava série você foi onde?

R – Depois da oitava série, cara, aí foi legal, mano. Eu fui para o colégio Oswaldo Walder, estudei só um ano lá e fui convidado a me retirar (risos).

P/2 – Por quê?

R – Então, cara, eu já tinha 18 anos, estava morando em favela com 18 anos, é muita coisa que você está vivendo. Eu era pichador, era da Mancha Verde, aquela coisa na rua, já fazia umas baladas, estava muito jovem, estava descobrindo muita coisa. Eu estava começando a fumar maconha, acampar, estava querendo abraçar o mundo. E eu me comportava na escola como eu me comportava no colégio. Como eu já trabalhava era um saco ir pra escola depois de ter trabalhado o dia inteiro.

P/1 – Você era mais maduro do que os outros, talvez?

R – Dos outros, meus irmãos?

P/1 – Dos outros, dos amigos.

R – Não, velho, eu era mais rebelde mesmo, estava o foda-se mesmo. Todo mundo estava nessa onda, uns levando a sério. Eu sabia que eu não ia ter condições de estudar, não ia ir para uma faculdade, apesar de todos meus amigos estavam entrando na USP, em alguns lugares que eu andava. Porque daí eu conheci alguns punks e comecei a andar com esses punks, comecei a ouvir vários sons, ia a festival, descobri a cidade mesmo, sacou? Ia a festivais, como eu pichava muro comecei a conhecer pessoas que tinham interesses culturais, comecei a agitar um luau lá na quebrada, agitar invasão cultural. A gente começou a andar com os punks, começou a agitar festival de banda. Eu trabalhava num lava rápido, a mulher morava longe do bairro e o meu irmão, isso no primeiro ano, o meu irmão era o gerente do lava rápido e tal, então a gente ficava com a chave. No domingo quando a mulher ia embora a gente agitava um festival de punk rock lá dentro e tal.

P/2 – E como é que se agita uma coisa assim? Porque você agitava muitas coisas, como é que faz para agitar uma coisa?

R – Você anda com a galera que tem interesse de estar. Por exemplo, eu andava com três, quatro bandas de punk, a gente tinha o porão do nosso, a gente transformou o porão num estúdio. Então a gente ia lá pra fumar maconha e pra tocar. Eu não tocava porra nenhuma, ficava só lá brisando, fazendo letra com os caras e tal, inventava as letras. Trazia livros, botava maconha na roda, botava assunto e ia trocando experiências artísticas e culturais. Falava de festivais que ia ter, marcava de ir pra festival. Tinha aquele festival da Rádio Mix que a gente sempre ia, que era altas bandas de rock.

P/1 – Isso em 2000 e pouco?

R – Isso no ano de 99, 2000, quando eu tinha 18 anos.

P/2 – Você falou que foi nessa época que você descobriu a biblioteca, né?

R – Então, aí cara eu lia tudo isso aí que eu falei, todas as revistas, gibis, livros, Thomas Mann, lia muita enciclopédia, lia muito encarte de CD, capa de disco, lia tudo o que caía na minha mão, ia lendo. Minha mãe descobriu isso e trazia tudo o que caía na mão dela, os filhos da patroa liam e ela trazia pra casa, os caras iam jogar fora periódicos, jornal. Lia muito Caderno 2, Segundo Caderno. Essas paradas eu lia bastante. O Sabático. Comecei a ler essas paradas, mas lia de tudo, sabia muita coisa. Quando eu fui convidado a me retirar da escola Oswaldo Walder, acho que foi no ano de 2001, eu conheci uma professora de História que se chamava Ester, velho, que ela me falou assim mesmo: “Giovani, essas piadas que você faz me atrapalham, está atrapalhando a minha aula. Mas elas são inteligentes, cara, você tem uma coisa aí pra oferecer. Chega aí, vamos trocar uma ideia. Você está atrapalhando pra caramba a minha aula, certo? Você não vai mais entrar na minha aula, aula de História você vai ter presença em todas, vai tirar A em todos os trabalhos que eu der, em todas as paradas só que a gente vai fazer um trato, vamos ali”. Ela me pegou e me levou na biblioteca da escola e falou: “Ninguém usa isso aqui, velho, você já leu algumas coisas que eu percebi. Então vou dar uma galera pra você ler, sacou?” Ela me deu uma pilha de Caros Amigos, assim: “Isso aqui é pra você levar”. Aí que foi uma formação meio que política, eu fui lendo Caros Amigos, vi que tinha uma galera que publicava no final. Foi onde eu conheci o Ferrez, literatura marginal, a galera que estava fazendo coisa na Zona Sul, lá, que nem Sérgio Vaz. Tinha uma parte lá que você mandava o poema pra revista e tal e os caras publicavam na última parte e tal e isso muito me interessou. Eu cheguei a escrever os poemas, mas nunca mandei pra revista, mas eu vi que tinha uma galera em favela fazendo poesia, sacou? Ela me apresentou toda essa galera que eu devia ter lido e nunca tinha lido, que foi os Beats, o próprio Bukowski, Neal Cassady, Kerouac, Ginsberg. Me deu a biografia do Caetano. Eu li o Guimarães Rosa, li o Sertões. O Grande Sertões e o Sertões de Euclides da Cunha. Eu fui o aluno que mais emprestou livro da biblioteca em toda a história, do Oswaldo Walder, estudando um ano só lá. Depois eu saí da escola e continuei emprestando livro da biblioteca e tal. Essa foi minha formação mesmo, de mundo, foi quando eu conheci a professora Ester que ela me orientou a leitura, coisas que eu devia ler para estruturar a minha poesia.

P/1 – Nessa época você já estava fazendo poesia.

R – Já estava fazendo poesia imitando Drummond, imitando o Bandeira. Ela me apresentou o Paulo Leminski que foi a minha grande referência, foi onde eu consegui ser um poeta mais ou menos.

P/2 – Você lembra do seu primeiro poema?

R – O meu primeiro poema é uma coisa que falava assim: “Tubaína ácida destilada, de dia ou de madrugada” (risos), uma coisa assim.

P/2 – Mas você lembra da recepção quando você chegou e mostrou?

R – Não, não mostrei pra ninguém o primeiro poema, não mostrei pra ninguém, não. Eu fazia na pasta e colocava lá, ficava juntando poemas numa pasta.

P/2 – E qual foi a primeira vez que você apresentou?

R – A primeira vez que eu apresentei um poema a gente estava organizando o Jornal De Boa, a gente fazia lá na comunidade. Inventamos um esquema que era macarronada comunitária, a gente colocava a comunidade pra...

P/1 – Jardim Boa Vista.

R – E a gente descobriu um poeta lá no bairro que tinha uns cadernos de poesia e queria publicar. A gente deu uma mancada com esse cara, que a gente pegou os cadernos do cara pra editar, mandamos pro editor que a gente conheceu, depois o cara mudou, a gente perdeu o contato do cara, perdemos os cadernos do cara, de uma vida inteira!

P/1 – Ele era do Jardim Boa Vista.

R – Do Jardim Boa Vista, ferramos o cara, tá ligado? Ferramos o cara mesmo. Tinha um poeta, que eu nem lembro o nome dele agora, ele é até falecido já e tal, o cara tinha altos cadernos, a gente pegou pra publicar.

P/1 – Era boa a poesia dele?

R – Era uma poesia muito boa sim, cara, porque era muito ingênuo e ele fazia pra mulher dele, que era tipo 30 anos mais nova do que ele assim. E era uma coisa bem sentimental, uma coisa bem forte, mas era para a mulher dele.

P/1 – Bem romântica.

R – É. E como tinha essa força sentimental era boa, sacou?

P/1 – Aí não deu certo fazer.

R – Mas ele não é tipo ‘o maior poeta da história’, mas era uma poesia... não deu certo, velho. A gente foi pra Argentina, entrou no movimento Humanista, foi pra Argentina, ficamos uns dias lá e depois voltamos cheio de ideias, pegamos as ideias que estavam encaminhadas. Eu fiz o Jornal De Boa, como eu era poeta eu botei o primeiro poema que eu publiquei foi o Camburões vão às Favelas.

P/1 – Como ele é, você se lembra?

R – “Camburões vão às favelas. A mando de um sistema algoz. Sangue escorre em vielas de uma comunidade sem voz. Inocentes lotam celas e eles anunciam em outdoors. Liberdade é só um carro mais veloz”. Esse foi o meu primeiro poema que eu falei: “Pô, esse aí é um poema”.

P/1 – Dá para apresentar.

R – Dá pra apresentar. A galera do bairro gostou do poema, chegou a fazer uma nova edição, botei um outro poema – que eu não lembro qual agora. Aí o jornal não foi, não.

P/1 – Você falou do Leminski. Por que você falou que ele é especial. Que tem o Drummond, o Manuel Bandeira.

R – Porque o Bandeira e o Drummond têm aquele negócio da poesia linda, da poesia de vida, não sei o quê, aquela parada e eu ia imitar eles, mas acho que não tinha muita vivência e tal, e também estava começando a fazer poesia. Os versos não me agradavam, eu fazia um poema, olhava e, beleza... fazia um poema, olhava e beleza. Quando eu conheci o Leminski, velho, eu descobri a síntese. Eu falei: “Pô, velho, que legal, tem humor, tem síntese, nonsense, acho que dá pra fazer isso daqui”. Eu fui buscando mais a síntese e eu acho que funcionou, a galera me conhece pelos poemas curtos. Então o Leminski abriu, o meu grande estalo da poesia mesmo, de fazer coisa com competência foram os poemas curtos do Paulo Leminski.

P/2 – Quer aproveitar e falar os seus poemas curtos? Algum?

R – Eu tenho um poema curto que foi o que deu um grande espanto, que me projetou pra lugar nenhum, eu diria, projetou pra cima de um caixote talvez (risos), projeção pequena, mas: “Em casa de menino de rua, o último a dormir apaga a lua”. Aí tem: “O amor só com fusão”, que é do primeiro livro.

P/2 – Você pode contar então do “Em casa de menino de rua, o último a dormir apaga a lua”, como esse poema se tornou tão emblemático até em livro didático e tudo.

R – Pô, velho, como se tornou emblemático eu não sei, sinceramente, até hoje. Mas o que rolou, o que deu aquele boom, o susto mesmo assim, foi que eu morei no Rio de Janeiro. Eu fiquei muito tempo querendo ser poeta, falando da minha poesia.

P/1 – Em São Paulo, aqui.

R – Em São Paulo sendo camelô. E frequentando biblioteca, frequentando show, me instruindo culturalmente.

P/2 – Você era camelô?

R – Eu era camelô. Eu fui 12 anos camelô, isso tem até a ver com menino de rua. Eu vendi calça jeans, vendi relógio, vendi cotonete, tudo o que você pode vender em São Paulo eu vendi. Cueca, meia, boné, cinto, carteira, brinquedo.

P/2 – E onde você vendia?

R – Vendia na 24 de maio.

P/2 – E como é que você vende?

R – Primeiro você vai lá, pensa na mercadoria. Você adquire a mercadoria e oferece, vai pra rua, sai que nem um louco, pra todo mundo que você puder oferecer. Você oferece pra três mil pessoas no dia e vende dez, 15, o que você precisa.

P/2 – Três mil pessoas, mas é tipo isso mesmo, muita gente?

R – Muita gente, você fica o dia inteiro oferecendo, mano. Eu vendia calça jeans, eu falava tipo. “Calça jeans aí, mano? Calça jeans? Calça jeans? Quer comprar uma calça? Chega aí. Você quer comprar uma calça?” Ficava assim o dia inteiro até o cara falar: “Quero, vamos lá ver”. Quando o cara vai lá você mostra a calça, o cara se interessa, você tem o preço, porque você é camelô, então você vende, tá ligado? E outra, é um lugar que tem muita coisa, já tem gente querendo comprar, é meio que uma feira.

P/1 – Sempre, né?

R – É sempre, você compra e revende. E logicamente a galera te ensina outros truques, de

ser carismático, fazer as coisas, negociar, tem toda uma coisa. Eu fiquei na 24 de maio, isso foi muito louco, eu fiquei na porta da Galeria do Rock por 12 anos, velho, então eu conheci muita gente, muita gente mesmo, da cultura. Porque tinha muita gente transitando, quando ia pra noite reencontrava as pessoas e tal. E fiquei muito tempo querendo ser poeta, vim aqui pra Benedito Calixto, eu ficava vendo o poeta Caco Pontes. Conheci o Renato Limão, isso tem que falar, conheci o Renato Limão em 2001, fazia muita baladinha aqui na Vila Madalena, tal e comprei um livreto do Limão enquanto era camelô. Comprei um livro do Limão, levei pra casa, achei muito louco de ver, achei muito louco a forma de escrever seu próprio livreto, xerocar e vender na rua. Aquilo ficou martelando na minha cabeça o maior tempo, eu falei: “Pô, vou entrar nessa”. Só que eu era camelô, eu ganhava muita grana, eu me mantinha bem, ganhava um dinheiro legal, ajudava em casa, andava com as roupas que gostava de andar, comprava minhas coisas e tal. E passei pra Vila Madalena, olha que doideira, foi bem legal, aí eu descobri que os poetas andavam no bar, ali no Baby Beef, tá ligado? De sábado o Allan da Rosa, Maurício Marques. Poetas e muito artista em geral, mas os poetas que eu me ligava Bill, Berimba, o Caco. O Pedro não, o Pedro eu acho que foi depois. O Caco, o Maurício Marques que colava umas coisas pela cidade, mais por Pinheiros mesmo, Vila Madalena.

P/1 – Nos postes.

R – Nos postes, ele colava. Eu me ligava e arrancava e tal. E o Binho fazia a postesia, tá ligado, botava os poemas no poste assim, eu via, ia trampar e ficava encucado com esse negócio de poesia, estava sempre ligado em poesia na cidade. Pichação eu estava ligado também, grafite, eu estava ligado na cidade, né, mano. Todo sábado eu saía do Centro, da 24 de maio, pegava meu dinheiro e ficava no bar, ficava bebendo perto dos caras, ficava ouvindo as conversas, tal. Os caras tinham um sarau que o Berimba agitava no Espaço Plínio Marcos, aquela poesia, os caras falavam, eu ficava ouvindo os caras falarem. Então todo domingo eu estava lá, os caras agitavam o CAI-MAL, eu ia nas festas que eram muito legais. Eu ficava quietinho mesmo, não me enturmava, ficava só olhando. Chegou um dia que o Maurício Marques falou assim pra mim: “Maluco, aí poeta, chega aí, velho, cola com nós, se enturma”, de tanto eu ir. Daí eu falei: “Ah mano, eu não sou poeta, não, eu não sei nada” “Não, você é poeta sim, pode andar com a gente, se enturma aí legal. Eu sou o Maurício”. Me deu até um livretinho, A Mandala que ele tinha feito e que era dele também. Depois ele chegou até a me dar o livro com a mina que eu namorava na época, deu pra gente e tal.

P/1 – Isso foi em que ano, mais ou menos, você lembra?

R – Isso aí é coisa de 2003, 2004. Eu fiquei com essa vontade de publicar, essa vontade de publicar. Chegou em 2007, 2008 eu não aguentei mais, eu fui lá e fiz o meu livreto. Só que daí eu fiquei com vergonha de apresentar em São Paulo o livreto (risos). Eu falei: “Pô, eu não consigo, vou ser camelô e depois vou virar poeta da noite pro dia, isso não existe, como o cara vira poeta?”, tá ligado (risos). Não fiz nada, fiquei guardando os bagulhos de novo (risos).

P/1 – 2008?

R – É, 2008. Em 2008 eu tinha uma amiga que a gente era muito parceiro de agitar as coisas no bairro, a gente agitava festival, agitava luau, tudo o que a gente agitava ela era parceira. O jornal ela estava envolvida, na macarronada, ela era muito atitude. E ela virou meio que hippie, tal. Como eu trabalhava na rua, eu estava de saco cheio de trabalhar na rua, eu estava querendo resolver a minha vida porque eu estava muito maloqueiro, gastando muito dinheiro com bebida, com droga. E eu precisava construir minha casa, a gente morava num barraco, eu falei: “Não, nesse ano eu vou acertar as coisas, vou ser um cara mais sério, vou dar um rumo na minha vida”. E ela me chamou pra passar quatro dias de carnaval em Paraty, 2008, começo do ano ela falou: “Vamos passar o carnaval em Paraty”. Eu falei: “Vou, não vou. Ah, vamos passar quatro dias de carnaval”. Só que daí a gente foi passar os quatro dias de carnaval e ela falou: “Sabe o que aconteceu, cara? Eu estou indo embora de casa. Passar carnaval nada, eu estou saindo fora, queria que você fosse comigo assim”. Eu falei: “Pô, você me ferrou” (risos). Porque ela era filha única, o pai dela tinha morrido uns meses antes.

P/1 – Quem é ela?

R – A Evelyn, amiga da época. O pai dela tinha morrido há pouco tempo, a gente era muito amigo, cresceu junto assim, eu era muito amigo da mãe dela ainda. E tinha a perda do pai dela, eu cheguei até a ver o pai dela falecendo, foi de tiro, tal. E foi muito louco, ela fugiu de casa, abandonou a mãe dela só que eu que estava levando ela sem levar, tá ligado? Pô, sem saber eu estava fugindo com a filha da Telma, tá ligado? Pô, como eu vou fugir com a filha da mulher, maluco? Era pra voltar pra casa. Aí eu fiquei perdido, maluco, fiquei meio perdidão. Tinha uma grana, fiquei uns quatro dias, depois fiquei mais uns três, quatro dias com ela, cinco dias, seis dias. Eu falei: “Quer saber maluco? Eu vou ficar aqui mesmo”. Eu falei: “Já que estou aqui mesmo a gente vai alugar uma casa, tal, vou fazer uns poemas”. Eu escrevi uns poemas, cara. Escrevi uns poemas em papel sulfite. Ela escreveu com a letra bonita, passava uma goma assim, eu queimava na fogueira que a gente fazia numa viela, envelhecia, vendia tipo uns pergaminhos poéticos, meus poemas. Eu tinha uns seis poemas que eu editava assim.

P/1 – Você se lembra de algum que você queria falar?

R – Tem um que é... como era no carnaval eu fiz esse poema que foi legal. “Carnal. Não há faculdade de anatomia no mundo que ensine mais que o mês de fevereiro”. Eu fiz nessa época aí, no carnaval mesmo (risos). E começou a vender, a parada vender, tal, só que ela falava: “Pô, Gi, você tem que declamar os poemas e tal, só vender assim não tem nada a ver, um poeta é aquele que declama e tal, tem que falar as paradas”. Eu falei: “Pô, vai lá gritar com força que nem um louco aí”, tive vergonha de falar o bagulho, velho. Um belo dia eu montava um varal poético perto de uma sorveteria que era bem chique, era Paraty, tal, cidadezinha histórica, aquela maquete toda para turista ver e tal. Chegou o fiscal da parada e falou: “Ó maluco, você não pode montar nada aí não porque você está pegando espaço do cara, o cara está pagando imposto”, essas papagaiadas que os caras falam, né? Eu falei: “Pô, mano, vai tomar banho”, estava com um esquema legal, estava rolando. Tinha o varal e chamava a galera pra ler os poemas e vendia o pergaminho lá e tal. O cara não deixou, eu fiquei bem frustrado uns dois dias, voltando pra outra parada, mas com o varalzinho andando. Um dia eu achei um guarda-chuva de uns chilenos que estavam dormindo meio que na rua, na pegada de arte de rua dormindo no sótão da peixaria e tal. Um dia achei um guarda-chuva, os caras ficaram dançando num lance coberto que tinha. Eu vi o guarda-roupa, andei com esse guarda-chuva bem uns dois dias na cidade, Paraty chove pra caramba, não sei se você já foi. Chegou dois dias eu vi os buraquinhos no guarda-chuva e falei: “Pô, mas se eu passasse esse varalzinho nessa parada ia ficar um bagulho itinerante, o cara não pode falar nada, o fiscal não pode causar com nada”. Fiquei andando com esse negócio e falando os poemas, apresentando pra galera debaixo do guarda-chuva os poemas e tal. Falava um, falava outro, ficava Mini Sarau, ficou Abrigo Antimediocridade, Abrigo Anticreu, Menor Sarau do Mundo, ficou chamando de várias paradinhas, depois ficou Menor Sarau do Mundo. Ficou chamando Menor Sarau do Mundo, Menor Sarau do Mundo, foi quando eu comecei a falar poesia mesmo, começou a rolar mais, a vender as coisas. A gente falou: “Dá pra viajar agora, dá pra sair de Paraty”.

P/1 – Se soltou mais.

R – É, a gente foi até Angra. Chegou em Angra eu fiquei na cidade, tal, ela queria ir pras ilhas porque ela estava com lance de ser hippie, então hippie quer ir pra praia, quer ir pra parada e tal. E eu comecei a vender e comecei a ouvir muito falar dos poetas do CCBB, poetas do CCBB. “Mano, tem uns caras no Rio de Janeiro, ficam lá no CCBB vendendo poesia, uma galera de poeta vendendo poesia na rua lá, mano. Uma turma, bem uns 15 poetas”. Eu falei: “Caramba, os caras vendendo poesia na rua, no Rio de Janeiro” e tal. Eu queria ir pro Rio, pra cidade e ela queria ir pras praias fazer uma pulseirinha e tal.

P/1 – Vocês se separaram então.

R – Eu falei: “Ah brother, eu vou ter que ir, eu estou nessa onda, vou ter que fazer minha onda mesmo”. A gente separou. Ela ficou por Angra e eu fui pro Rio. Aí eu conheci a galera mesmo, velho, e começou a minha história poética mesmo. Conheci uma galera que vendia poesia na rua, fiquei sabendo de altas histórias de gente que vendia também e foi isso.

P/2 – Você acabou nem contando a história do menino de rua, você quer contar?

R – Ah, como nasceu o menino de rua. O menino de rua nasce depois disso aí, velho. Eu comecei a andar na rua mesmo, a morar na rua, dormir na rua, dormir em hotel, ir pra cidadezinha pequena, passar dois dias lá, o festival está rolando e voltar, dormia na casa de amigos.

P/2 – Vendendo livro?

R – Vendendo livretos, só folhetos. Vendendo livreto por aí. Eu cheguei a ir pra Brasília, até com o Caco Pontes. Eu fui do Rio pra Brasília, de Brasília fui morar em BH. De BH fui morar em Ouro Preto, tudo vendendo livro, fiquei tocando festival e vendendo livreto, vendendo livreto. Aí eu conheci o Renato Limão, isso é muito louco, eu encontrei o Renato Limão em BH, começamos a manguear junto e tal. Voltei a morar em Ouro Preto de novo. E de Ouro Preto eu vim pra São Paulo. Fui para uma Flip.

P/1 – Em Paraty.

R – É. Fui de Ouro Preto para uma Flip em Paraty. Nessa Flip eu conheci o Berimba mesmo, legal, a gente começou a trocar ideia, tal. Ele falou da possibilidade de publicar da Não Funciona e tal. Na Não Funciona que saiu o impresso mesmo. Ah tá, beleza. Eu publiquei na Não Funciona uns poeminhas, tal, legal. Passei dois anos nesse rolê, em 2010 eu volto pra São Paulo. Em 2010 ou 2009? Não lembro agora, acho que no fim de 2009. No meio de 2009 eu volto pra São Paulo, aí eu escrevi o Menino de Rua. Escrevi o Menino de Rua eu namorava a Ciça na época, uma pessoa bem legal. Escrevi Menino de Rua e falei: “Caraca, que legal, mano! Essa riminha aqui ficou muito louca. Legal, mano, que dá hora”.

P/1 – E o que você fez com ela?

R – De manhã ela acordou para ir trabalhar e eu mostrei pra ela. Falei: “Ó Ciça, fiz um poeminha legal”. Ela falou: “Legal, tem uma historinha”. Falei: “Legal, tem historinha, estava aqui sentado com essa porra até agora, velho”.

P/1 – Aí você terminou com ela (risos).

R – Eu deixei o poema na gaveta, fiquei: “Vou colocar esse daí na gaveta então”. Um dia eu fui pro Rio de Janeiro sem ela saber, sem nada. Fui eu e o Thiago Calle pro Rio de Janeiro, outro poeta. A gente foi pro Rio, eu lancei um livretinho na hora lá, a gente ficou mangueando, ficou na escadaria do CCBB escrevendo os poemas. Eu falei: “Ah mano, devia botar o Menino de Rua, então, vou pôr esse poeminha”. Ficamos mangueando três dias, ficamos um fim de semana no Rio, era um feriado de quatro dias. A gente ficou o feriado no Rio, ficamos mangueando, mangueando, vendi uns 300 livretos no fim de semana todo. Voltei pra São Paulo, fiquei mais uns seis meses em São Paulo, aí falei: “Vou morar no Rio de novo”, decidi voltar pra morar no Rio. Quando eu volto pro Rio pra morar a molecada pirava nesse livretinho, por causa desse Menino de Rua, o livreto estava bombando. “Giovani Baffô é um cara lá de São Paulo”. A molecada estava pirada, a poesia da rua, os moleques querendo me conhecer, conhecia poema meu, não sei o quê. E ficou esse menino de rua, menino de rua, lancei o livro com o Berimba.

P/2 – Como foi o lançamento do livro?

R – Desse livro do Berimba, onde foi o lançamento, velho?

P/2 – Como foi, o que rolou.

R – Como foi? Não lembro onde foi o lançamento não.

P/1 – Mas qual era o livro?

R – Delitos e Deleites.

P/1 – Isso em 2011?

R – 2010. Não lembro onde foi o primeiro lançamento. Porque teve vários lançamentos. Eu lancei no Binho, lancei lá na favela onde eu moro, lancei no Bar do Berimba. Foi pequeno lançamento, nenhum lançamento grande, vendia cinco, seis, dez.

P/1 – E o que é Berimba?

R – Berimba é o meu editor, o cara que lançou a poesia Maloqueirista, tal.

P/2 – Com o Renato?

R – Com o Renato Limão.

P/1 – E o que é a poesia maloqueirista? É um selo?

R – Poesia maloqueirista é um coletivo de poetas que depois passou a ser multiartístico. E depois virou selo cultural também.

P/1 – Começou quando isso?

R – Acho que começou em 99, ou no ano 2000, 99 pra 2000.

P/1 – Quem que toca, como é que acontece?

R – Então, agora virou uma bagunça da porra (risos). Agora é uma coisa que ficou meio que aberta, meio que movimento. Mas quem toca assim o selo é o Caco Pontes e o Berimba de Jesus, que assumiu a coisa. Mas tem a Aline Binns que é atuante também. Eu publiquei coisas, fiz coisas com eles. O Jonas, que é da nova geração, a Juliana Bernardes. Tem uma galera, Naiara, Samuel, Alê, passou uma galera, videomúsico, produtores, designers, tem uma gama de gente assim.

P/1 – Como é que está nesses anos de 2010 até hoje, como é que está o circuito de poesia, de arte aqui em São Paulo?

R – Ah velho, acho que a coisa mais quente que tem em São Paulo agora é esse movimento de poesismo, movimento de saraus em periferia, nem periferia mais, é sarau na cidade toda de São Paulo, até na Grande São Paulo. Acho que está bem quente o mercado e tal, tem várias pessoas lançando seus livros, muita gente se encontrando pra falar da parada, muitas reuniões com o governo mesmo, com a galera e tal, está bem efervescente a coisa, tipo tem muita gente falando de poesia, falando poesia, escrevendo poesia, agitando sarau.

P/1 – Conta pra gente como que acontece. Hoje como que você, uma pessoa que está começando iria produzir um livro de poesia aqui em São Paulo.

R – Agora a gente não precisa mais sair de cara e bater na porta de uma grande editora, você ter o livro, tal, a gente pode bater na porta de vários amigos que você faz, por exemplo, nesses saraus que a galera frequenta, você vai lá e tem cinco, seis editores, 90 poetas.

P/1 – Assistindo.

R – Eu acho que está muito fácil entrar no meio, está bem mais fácil entrar no meio literário hoje do que há, vamos dizer... eu entrei há 12 anos. Antigamente a galera pensava na editora, a não ser que soubesse quem era Chacal, quem era Ana Cristina César, tinha que ter uma pesquisa legal se você quisesse editar o seu livro, você ia para uma editora. Hoje não, você vai pro seu editorial, tem vários amigos que podem fazer o seu livro. A gente tem o advento da gráfica rápida que pode fazer 50 exemplares, não precisa ter mais tanta grana e tal e designer tem pra dar com o pau pra montar coisa, né? Acho que está bem efervescente e está muito mais fácil do que, diria, só basta querer hoje ter perseverança porque tem muita gente com interesse em sarau hoje, então pra agitar as coisas hoje está muito fácil se você tiver vontade de querer surfar uma coisa, de moda, mesmo, se tiver interesse você consegue.

P/1 – Você organiza algum?

R – Então, eu organizo o Sarau da Viela, que é bem desorganizado pra falar a verdade, e também o Menor Sarau do Mundo, que não deixa de ser um sarau, né, mas é uma diversão.

P/1 – Ele acontece em vários lugares então?

R – O Menor Sarau do Mundo?

P/1 – É.

R – Acontece debaixo de um guarda-chuva.

P/1 – Que nem quando você começou, em Paraty?

R – A mesma história até hoje, mas menos do que eu fazia antes.

P/1 – E vocês se apresentaram onde, que você acha marcante?

R – Ah velho, eu acho a Bienal de Artes (risos).

P/1 – De São Paulo mesmo?

R – É. A Bienal de Artes de São Paulo foi tipo da porra, velho (risos).

P/1 – Vocês se apresentaram lá, como é que foi?

R – Então velho, foi um lance que a galera fez com a periferia, tal, acho que reverberando aquela coisa dos pichadores e tal, reivindicando espaço pra outros artistas da Bienal, naquela parte da periferia e tal. A galera fez a parceria com a Agência Solano Trindade, de mulheres, é uma agência de fomento à periferia, tem 28 anos na Zona Sul e tal. E a galera me convidou, convidou a mim e a outros periféricos pra participar da Bienal e tal. Só que quando é pra Bienal é muito louco (risos), poeta de rua na Bienal você fala: “Caramba, estou vendo o artista mesmo, está acontecendo”. Com cachê e tudo, saí no catálogo. É uma coisa que, sei lá, eu nunca imaginei que eu pudesse fazer como poeta, como artista, estar numa Bienal de Artes é uma coisa que meio que marca. Não me deu porra nenhuma em nada (risos), mas...

P/1 – Como é que vocês organizaram? Foi como o Menor Sarau do Mundo normal?

R – A gente fez o Menor Sarau do Mundo e o Jazz na Kombi, que é outra intervenção que a gente tem lá, que eu também criei com outros amigos.

P/1 – Como que acontece o Jazz na Kombi?

R – O Jazz na Kombi a gente tem a proposta de levar pequenos festivais de jazz pra cidade, ocupar o espaço público com pequenos festivais de jazz, transferindo o cotidiano pro jazz.

P/1 – Vocês vão pra onde?

R – De preferência praças públicas.

P/1 – Quais vocês já foram fazer?

R – A que deu mais certo de público foi a Praça Roosevelt, chegamos a ter dez mil pessoas mais ou menos. E o mais legal de fazer foi na favela onde eu nasci, que a galera respondeu bem, o festivalzinho na comunidade é bem legal de fazer.

P/1 – Você está namorando agora?

R – Agora eu sou um homem casado (risos) e com filho.

P/1 – Quem é a sua esposa?

R – A minha esposa é a Ana Carolina Naete, acho que é um misto de esposa e produtora também. E ela está grávida de quatro meses agora.

P/1 – Como você conheceu ela?

R – Conheci ela num bar chamado Lapeju, em São Paulo. Na Rua Frei Caneca.

P/1 – Como é que foi? Você viu ela, conheceu ela, era amigo de alguém?

R – Eu estava na balada, ela também, a gente se olhou. Era uma balada dançante, chamei ela pra dançar, a gente dançou e foi rolando. Depois a gente foi se encontrando, trocou telefone e fomos nos vendo assim, depois namoramos e casamos (risos).

P/1 – Você estão tendo um filho agora, é isso?

R – É, a gente vai ter um filho.

P/2 – Importante que ela é do coletivo também, né?

R – É, ela trabalha bastante junto com a gente no Viela e no Jazz na Kombi também. E me apoia muito no trabalho como poeta, sendo organizadora e editora das coisas que eu faço, produtora no caso.

P/1 – E como ela é pra você?

R – Ah velho, ela é uma grande companheira, uma valiosa companheira. Ela impulsionou minhas coisas, acho que é uma parceria legal mesmo.

P/1 – Você quer fazer alguma pergunta quanto à poesia?

P/2 – Eu tenho algumas perguntas. É que eu vou no sarau também, a ideia é que você contasse a sua história de vida e depois a gente vai pegar a história do sarau mesmo, lá. Mas eu queria que você se aprofundasse e contasse algumas histórias, porque eu sei como é vender livro na rua. Então contasse algumas histórias de venda de livro na rua mesmo, das coisas que acontecem mesmo.

R – Então, uma história bem legal de vender livro na rua. Primeiro foi uma que eu estava vendendo livro na porta da faculdade lá no Rio de Janeiro, Faculdade Estácio de Sá. Eu tinha escrito um poema que era bem hermético, que chama “O Rinoceronte Branco”, que eu não lembro agora, mas ele é bem hermético, ele fala do rinoceronte branco, tal, dando um sorriso não sei onde, uma coisa bem doida. E eu vendi um livreto e peguei dois amigos, vendi o livreto pros dois caras, daí o cara comprou um, ficou bem animado com os poemas, tal. O outro comprou só pra ajudar mesmo um maluco de rua, depois ele me chamou de canto e falou assim: “Ô brother, chega aí, velho. Você é da onde?” “Ah, sou lá de São Paulo e tal, estou tentando a vida como poeta no Rio, estou passando pelo país divulgando meu trabalho”. O cara falou: “Mano, você tem que procurar um emprego, velho, esse negócio de poesia, rinoceronte, você está viajando” (risos) “Isso daí não vai te levar a nada, cara, esse negócio de rinoceronte aqui, rinoceronte ali, você não está falando nada com nada, você está viajando. Se eu fosse vocês arrumava um emprego, tal, você vai se dar bem, vai se vestir melhor, vai se alimentar e tal” (risos). Eu falei: “Pô, o cara não entendeu nada, velho. O cara é um maluco” (risos). Isso foi muito louco. E outra vez que eu estava mangueando, então pra misturar o Crioulo. Eu era camelô, eu tinha publicado o livro e fiquei meio indeciso porque o livro me dava muito menos grana do que ser camelô, eu fiquei naquela: “Pô, abandono tudo de vez”, porque eu fiz meu rolê todo, depois voltei pra São Paulo, tentei fazer o negócio da poesia, fiquei muito duro em São Paulo, não estava mais viajando, estava morando com a minha mãe de novo e tal. Eu falei: “Vou voltar a ser camelô porque ficar vendendo livro aqui em São Paulo não vira, você se cansa, não vende nada e é mó dívida que tem”. Voltei a ser camelô, só que já com livro. Vendia coisa na rua e depois vendia o livro à noite. E voltando ao Menino de Rua, o Crioulo tinha um amigo meu que também era camelô, que já tinha tentado ser rapper, sabe, ficou muito tempo tentando ser rapper, tal e não conseguiu. Só que ele conheceu muita gente no Rap nesse meio tempo e conheceu também o Crioulo. O Crioulo foi lá na barraca dele um dia que eu estava conversando e ele falou: “Ô mano, tem um amigo meu que escreve uns poemas legais e tal, velho. O cara está ali, vou te apresentar a ele”. Ele me apresentou pro Crioulo, o Crioulo falou: “Mano, está com o livro aí?”, eu falei: “Estou”, vendi o livro pra ele. Quando eu vendi o livro pra ele, depois eu trombei de novo na rua outro dia. Ele falou: “Velho, gostei daquele poema O Menino de Rua, vou fazer alguma coisa com ele um dia”. Isso ficou. Depois de um ano eu fui num show ali na Aclimação que ele falou o poema do Menino de Rua. Depois que ele falou esse poema o bagulho deslanchou mesmo, a parada começou a ficar doida pelo poema e tal.

P/1 – Você estava no show?

R – Eu estava no show, isso que foi o mais doido. Ele me apontou assim na plateia e falou: “Levanta a mão aí, esse cara aí, Fulano de tal, já vi ele vendendo cotonetes, vendendo relógio, já vi ele vendendo calça, já vi ele vendendo o que for, mas no livro dele tem um poema que é assim, tal”. Ele falou na CBN também o poema, depois a Ana Maria Braga falou, saca? Esse poema tem gente com cartaz com ele em Hong Kong, em Paris, em Londres, na Suíça, Japão, na Bélgica, tá ligado? A galera faz o poema e manda foto.

P/2 – É mesmo?

R – É muito louco, velho. E o que mais, Jonas, você tinha perguntado?

P/2 – Calma, você não acabou a história do Crioulo, que ele colocou na música também, né?

R – É, depois a gente chegou a fazer parceria mesmo, ele botou numa música e tal, nos dez anos do coletivo, Michoni, o coletivo?

P/1 – Daniel Michoni está com a gente aqui (risos).

R – Do Instituto. Vai ser um disco do Instituto e tal. Foi muito louco, né, porque o Ganjaman falou: “Sou seu fã, velho, você é bom pra caramba e tal” (risos) “Eu finjo que acredito que você é meu fã (risos)”.

P/1 – Que música que ele colocou?

R – Vai Ser Assim, né velho? O Crioulo fez toda a música, fez toda a parada, eu só entrei com o poema mesmo. É quase que um enxerto na música. E é isso. Isso também é bem legal, de ter conseguido botar dois poemas diferentes em livros didáticos, um pela Rede Estadual do Amapá, outro pela Rede Estadual do Ensino em São Paulo, foi um projeto de São Paulo, não sei se foi pro estado todo.

P/1 – Qual foi o poema?

R – O poema é o Menino de Rua. De novo o Menino de Rua (risos). Só que esse aí foi pro Amapá. Em São Paulo foi o “Brilhava alta e bela, não era a lua, era só uma janela”.

P/2 – Ele falou que é massa a história da Ana Maria Braga também. Se você pudesse contar pra quem não conhece.
R – Cara, a história da Ana Maria Braga eu não sei como é que foi, porque eu não tenho a história da Ana Maria Braga, eu tenho a história da pichação eu diria, né? (risos) Porque eu conheci a Dafne, uma grande artista, a Dafne Cristina, a gente morava junto, uma anarquista que me ensinou muita coisa, ela esculpia, pintava, desenhava, montava figurinha, montava cenário, uma artista completa. E ela estava com um projeto de escrever os poemas dela na cidade, fotografar os poemas na cidade e transformar isso num livro, com os poemas na cidade, tal. E um dia eu fui com ela, eu fui com ela pichar, pichava os poemas que ficavam juntos. Ela pichou no cemitério, o muro era muito grande. Eu falei: “Vou fazer um também aí, Dafne”. Eu fiz bem rápido, sem nenhuma pretensão. “Em casa de menino de rua o último a dormir apaga a lua” e tal. Alguém tirou uma foto e postou na internet. Essa foto virou viral, deu mais de um milhão de compartilhamentos e tal. Só que eu não assinei. Aí deu tanto compartilhamento que chegou no Facebook, na rede social, chegou na Ana Maria Braga: “Olha que coisa legal que eu achei”, isso ela explica no programa. E ela terminou um programa, uma sexta-feira falando justamente esse poema e tal, contou uma historinha lá e tal. E é bom falar do Michoni também, o Michoni está na minha história, porque a única coisa que me deu esse programa, eu falei um poema na Globo. Inclusive nesse ano eu botei três poemas diferentes na Rede Globo, velho, isso foi incrível (risos), consegui botar três poemas diferentes na Rede Globo, isso é muito louco, né? Em um ano.

P/2 – Quais foram os outros dois?

R – Foi o Menino de Rua, “Quem mora na rua anda o dia inteiro pijama”, e o “Rio insisto, às nove e quinze o relógio da Central imita o Cristo”.

P/2 – E como você colocou eles lá?

R – Então, eu fui numa Flip, fui entrevistado por uma repórter da Globo, a gente estava fazendo a Flip, eu falei dois poemas na entrevista, passou no RJTV. E depois a Ana Maria Braga falou o meu, que foi o terceiro. Então eu botei três poemas na Globo.

P/1 – Você é um ator global, quase.

R – Eu sou pop. Voltando pro Michoni que está no estúdio, lembrando, a única coisa que eu ganhei com essa exposição midiática foram cinco livros que eu mandei pra família do Michoni em Natal, tá ligado? (risos) Foi a única recompensa que me deu essa fala da Ana Maria Braga. Então ser global não está com porra nenhuma.

P/2 – Ficou conhecido, né?

R – Não, o poema ficou conhecido, velho? Eu acho que o poema ficou mais conhecido a partir da foto do que do programa, né?

R/2 – E ela não citou, né?

R – É. E ela me colocou como anônimo, sacou? Então acho que isso, porque se a galera dava uma googlada lá, aí ia ficar um viral, mas se fosse uma coisa que eu tivesse, um blog lá, iam me achar na hora que davam um clique lá ia ser legal, mas não rolou. E foi muito louco porque eu mandei os e-mails pra ela, mais de mil e-mails, ela nunca respondeu (risos).

P/1 – Giovani, como é que está hoje a correria?

R – Cara, velho, como está hoje, né? Eu não consigo distribuir meus livros por nenhuma editora. E também cansa vender livro na rua, cansei mesmo, não consigo mais sair de casa animado, empolgado pra encontrar as pessoas na rua, falar da história do livro e tal. Então o livro está muito devagar, a distribuição, porque eu fazia sempre no mano a mano. Eu acho que eu sou mais produtor do que poeta, sacou assim? Estou escrevendo bem pouco, pensando bem pouco em literatura ao longo do dia, queria construir mais. Vou lançar um livro infantil agora, estou ilustrando.

P/2 – Sobre o que é o livro infantil?

R – Sobre o bicho, velho. Eu fiz uma historinha com bicho, umas coisas oníricas, tem umas coisas pra molecada dar risada, é infantil mesmo. A minha mulher é professora infantil, então é coisa pra criança de três a cinco anos, seis anos no máximo, que é tipo, chama Sonho de Bicho o livro, tem o “Cavalinho Pocotó, que sorria com dentes de dominó”, apresenta alguns personagens pra crianças, mas coisa bem rápida, coisa de duas linhas. “Rita, a centopeia maratonista”.

P/1 – Tu está ilustrando e fazendo a...?

R – Não, um amigo meu está ilustrando, eu estou fazendo os poemas junto com os pitacos da minha mulher. E eu estava falando...

P/1 – De como está hoje.

R – De como está hoje. Então, hoje eu sou um produtor cultural e gozo de um certo prestígio mini midiático, assim, por conta do trabalho poético (risos), dos três livros lançados. Acho que eu sou um poeta que a minha poesia transita bem dentro do meio, dos saraus, eu acho que eu sou bem falado aí.

P/2 – Vou perguntar uma coisa que eu gosto de perguntar, que é assim: Qual foi a coisa mais bonita que você acha que a poesia te trouxe?

R – A coisa mais bonita que a poesia me trouxe, velho. Cara, teve uma coisa que rolou que foi bonita, bem legal. Foi lá em Rio das Ostras, na época que eu estava vendendo poesia na rua assim, tal, vendendo muito livreto, vendendo meio que na manguinha, a toque de caixa, porque era festival e tinha que fazer dinheiro tudo no fim de semana, manguinha, manguinha, manguinha muita gente. Vendi muito livreto. No meio dessa galera vendi para um casal, depois no outro dia do festival encontrei esse casal de novo na rua, o casal andando assim na rua, ele falou: “Ô poeta, que legal, velho! A gente levou o seu livreto pra casa, a gente leu, tal. A gente acha que não foi honesto com você porque a gente deu umas moedinhas bem pichulenta assim, a gente quer dar uma grana legal pra você, queria te pegar uma cerveja, conversar, saber a sua história mesmo porque acho que a gente não te respeitou tanto que a sua poesia merece”. Rolou meio que um reconhecimento assim (risos), teve um carinho, meio que por curiosidade. A gente foi para um bar bater um papo bem franco, a galera me deu uns 10, 12 contos, que era o almoço na parada. Isso foi bem bonito. E a poesia me deu muita amizade, assim, muito auxílio, a gente encontra gente muito humana que me tirou de várias enrascadas. Porque quando você vai pra rua, você já vendeu poesia na rua, sabe como é. Você vai pra rua, fica meio ao deus dará, pode rolar e pode não rolar, tem dia que rola e tem dia que não rola. Tive amigos poetas que, o Heyk Pimenta me acolheu na casa dele, tal, foi bem legal, eu estava passando uma fase bem, pagando um hotel, vendendo livreto, então tinha uma hora que eu estava só fazendo isso, só vendendo livreto, almoçando, pagando hotel, vendendo livreto, almoçando, pagando hotel e não conseguia mais, entrei numa...

P/1 – Espiral.

R – Numa piração, não conseguia mais conversar com as pessoas, descobrir coisas, ler, sacou? Fiquei no Rio de Janeiro trabalhando de domingo a domingo, Dia das Mães, Dia dos Pais, tinha que me manter muito assim, a poesia. O Heyk falou: “Mano, vem pra casa, cara. Fica no apartamento um tempo aqui, eu estou tranquilo, não precisa nem ajudar no aluguel, nem nada. Você paga só as contas que você for subir, você se organiza aí e tal e depois você vai viver a vida”. Isso foi bem legal, encontrei muita gente camarada que se preocupa com a história. E esse fôlego foi onde a gente realizou muita coisa junto, realizei coisa com o Heyk Pimenta, ele organizou uma coleção, que é coleção de eventos de rua que publicou mais de 20 autores, se não estou mentindo aqui, mas mais de 15 com certeza. E daí eu consegui entrar meio que nessa coisa de produzir mesmo, porque antes a gente só produzia o seu livreto, não conseguia influenciar pessoas e levar pra fazer coisas na rua, juntos.

P/1 – Quais são seus sonhos hoje?

R – Cara, meu sonho é conseguir dar uma vida digna para o meu filho agora. Eu quero ser um poeta nacional mesmo, acho que não é nem de hoje isso, eu quero ser um poeta reconhecido, não quero ser só mais um poeta, sacou? “Ah, o cara publicou ali, em tal lugar”. E por isso que eu preciso escrever outros livros, preciso me dedicar à minha poesia, não me desgastar todo produzindo eventos.

P/1 – Você já sabe o nome do seu filho, já sabe se é homem ou se é mulher?

R – Se for mulher vai ser Mafalda, se for homem vai ser Thelonius.

P/1 – Thelonius?

P/2 – O que é Thelonius?

P/1 - Thelonious Monk.

R – Thelonius Monk também, mas é do Mensageiro também, o significado.

P/2 – Mensageiro?

R – É, Mensageiro.

P/1 – E como última pergunta, como foi contar a sua história hoje?

R – É então, contar a minha história no Museu da Pessoa. Cara, então, depois que eu entrei pra onda da poesia eu contei muito a minha história por aí, né velho? Mas pra ficar gravado, pra ser acessado por outras pessoas, pra ser um documento mesmo, Museu da Pessoa, velho, eu acho que é meio assustador e edificante, porque eu poderia falar muito mais coisa da minha vida aqui hoje que eu não consegui acessar, então fica uma coisa meio que um fragmento de vida mesmo, mas é quase que assustador e dá direção, meio: “Tá, você está no caminho certo, alguma coisa você fez nessa vida pra galera estar interessada em contar a sua história”. E é bem legal, eu acho que eu lutei muito pra ter uma história pra contar, eu acho que eu tinha tudo pra ser realmente anônimo, como a Ana Maria Braga falou, e eu tive muito medo de ser anônimo. Como a gente era muito pobre, muito ninguém, a gente era meio que esquecido na comunidade, não podia dar muito pitaco, ninguém ia muito na sua. Lembro que minha mãe queria agitar muita coisa para o bem da comunidade, entrar com cooperativa, mas não tinha voz na comunidade, não dava muito valor, a gente não tinha uma autoestima legal. Eu lembro que eu fui me reconhecer como gente mesmo assim, cara, quando eu tinha 17 anos que eu tive a minha primeira namorada, que era uma moça muito bonita do bairro que deixou de namorar um dos caras mais bonitos do bairro, topetinho, gelzinho, ela se ligou em mim. Ela falou: “Você é um cara legal, vamos namorar”, que nem eu botava fé em mim (risos), não botava mesmo. Eu achava que eu era pichador, que eu ia pra escola de samba pra ficar nos ensaios brigando, ia pra balada pra brigar, andava em muita turma, tá ligado? Era um cara que era muito violento, não botava muita fé em mim então andava em bando. Depois conheci essa galera e falei: “Não, preciso ficar em casa lendo, ficar só pra mim mesmo, eu consigo ser um cara sozinho e vou ser alguém na vida”. Eu sempre tive uma coisa com mercado de trabalho, de ser mais um numa firma, de ser mais um numa fábrica e tal. Isso foi uma coisa que eu lutei muito assim, porque eu trabalhava, meus irmãos todos entravam na firma e tinham um salário garantido. Eu desafiei minha família de estar sempre pingando. Fui pra rua descolar um dinheiro, sacou, não tem uma coisa garantida. Senão eu tinha encerrado na lanchonete, por aí, fazer um balcão de loja qualquer, que eu não sabia fazer nada, não tinha formação nenhuma. Então acho que contar a minha história como poeta, como produtor cultural é gratificante, me dá um norte, acho que até uma âncora assim, poder ficar bem nesse mar de acontecimentos. Preciso ir.

P/1 – Obrigado Giovani.

FINAL DA ENTREVISTA