Museu da Pessoa

Paulistano de história tricolor

autoria: Museu da Pessoa personagem: Paulo José de Almeida

P - Seu Paulo, por favor, o senhor diria seu nome, local de nascimento e data?

R - Sou Paulo José de Almeida. Nasci em 13 de agosto de 1907. Na cidade de Tietê, no estado de São Paulo. Com quatro anos vim pra São Paulo, na capital.

P - Nome do seu pai, da sua mãe...

R - Meu pai era Francisco José de Almeida e minha mãe Delmira da Conceição Almeida.

P - O que ele fazia? O senhor seu pai.

R - Meu pai era viajante do comércio, minha mãe era dona de casa e fazia gravatas em casa pra ajudar meu pai nas despesas. Nós éramos onze filhos. Eu era o quinto deles.

P - E o senhor morou onde em São Paulo quando chegou aqui?

R - O primeiro lugar que eu morei em São Paulo, quando vim de Tietê, foi na Rua Sete de Abril, esquina com a Conselheiro Crispiniano, morei ali perto do... Em 1911 que eu vim. Eu me lembro até que nesse ano inaugurou o Municipal, em novembro, parece que dia onze de novembro, não me lembro bem o dia. E eu queria assistir porque tava... Sabia que ia haver muita, muita festa por lá. E a família que eu tava, minha madrinha, não queria que eu fosse... Então me puseram num banheiro. Quando eu percebi a tramóia, eu saí do banheiro e fui pelado lá pro Municipal. Fui pelado assistir a inauguração em 1911.

P - E como é que foi que o senhor viu essa inauguração?

R - O que eu vi era muita carruagem. O pessoal, aquelas roupas antigas, chegando, é o que eu me lembro. O Municipal é ali perto do Viaduto do Chá. Embaixo do Viaduto do Chá era uma chácara onde passava um filete de água... No Anhangabaú, ali tinha uma chácara onde eu ia buscar verduras lá, ali...

P - Como é que era a cidade nesse tempo?

R - A cidade era muito tranqüila, era pequena. Nós conhecíamos quase todos os moradores da cidade. Embora não nos déssemos, a gente conhecia. Era uma cidade pequena. Isso foi em 1911 e São Paulo tinha poucos habitantes. São Paulo foi crescendo. Nessa época, mais ou menos, aquilo começou a crescer. Quando acabou a escravatura, São Paulo sofreu muito, a lavoura, né? Depois começou a vir a colônia italiana e outras colônias, e São Paulo foi crescendo devagar.

P - Como é que era a vida na sua casa, a família, os irmãos? Como é que vocês brincavam lá no centro da cidade?

R - Brincávamos normalmente. Antigamente as casas eram grandes, os quintais eram grandes, não havia essa apertura de hoje, não havia apartamento. Eu me lembro do primeiro apartamento de São Paulo, na Rua Direita.

P - Quando foi?

R - Em 1918. Só tinha seis andares. Eu me lembro desse prédio, ainda está lá, logo no princípio... Era número seis nessa ocasião. Hoje, hoje, não sei, deve ser até ímpar, porque começa na Praça da Sé, é lado esquerdo.

P - Mas na sua casa tinha quintal?

R - Sempre teve. Sempre eu pagava...

P - Bem no centro tinha.

R - É, sempre havia muito quintal.

P - E a vizinhança ali, como é que era a vizinhança?

R - Era, era... Eu morava na classe média. Nós éramos da classe média, na Rua Vieira de Carvalho foi quando... Eu tinha 15 anos já, 16, foi quando eu comecei me interessar por futebol, comecei a me... Eu tinha nove anos, mais ou menos, comecei a me dar conta, por causa dos meninos de rua, que existia futebol. Onde existia o Corinthians, existia o Palestrino, e eu me tornei adepto do Paulistano, do glorioso Clube Atlético Paulistano.

P - O que que tinha na rua Vieira de Carvalho? Era um campinho?

R - Tinha um campinho ao lado do Marquesinho, quando o Feitiço começou a jogar. Era ao lado da Rua Major Diogo, ali no Centro, perto do... Ali perto do jornal, onde foi o jornal O Estado de São Paulo, era ali. Rua Vieira de Carvalho. Era uma rua ali. Ela sai dali, ela vai quase perto da Rua Augusta, no começo da Augusta. Morei ali e ali comecei a me interessar por futebol.

P - E aí começou a jogar?

R - Jogava pelada com os meninos, mas não, nunca fui bom de bola. Nunca tive... Eu comecei a... E foi o primeiro... Dali que fui assitir o primeiro jogo de futebol. Eu fui assistir no Parque Antárctica, que eu furava, era no meio do mato o campo do Antárctica, da Pompéia. Aquilo era mato. Eu sei que ia por ali com um menino e furava pra entrar no campo. Eu fui ver o jogo que o Palestra estava cinco pontos na frente no campeonato, na frente do Paulistano, e faltava, três jogos: O Internacional, que era o último colocado, o Corinthians, e o Paulistano. Então eu fui assistir a esse jogo. Eles mandavam vir com camisas de seda da Itália porque eles iam ser campeões esse dia, campeões de 1916. Iam jogar: com o Ipiranga, era o Gabeira. E apanharam de seis a zero. Domingo seguinte jogaram com o Corinthians, apanharam. No outro domingo com o Paulistano, o Paulistano ganhou. E aí que o Paulistano foi campeão, o primeiro do tetra campeonato. O Paulistano foi tetra campeão em 16, 17, 18, 19. Em 1920 perdeu no último jogo. Em 22 passou a ser campeão outra vez. Quer dizer que ninguém até hoje tem esse título do Paulistano, o tetra campeonato.

P - E o senhor lembra os principais jogadores desse time?

R - Tinha o Formiga. Do título tinha o Friedenreich, Mário de Andrade, Rubens Sales, Arnaldo goleiro. Ainda não era Clodoaldo e Bartô, eram outros backs que eu não me lembro, me foge à memória, mas tinha o grande, o maior jogador brasileiro... Mundial de todos os tempos, maior que Pelé: Artur Friedenreich. Friedenreich foi o maior jogador que eu vi jogar. Eu vi jogar sempre, muito, era um espetáculo. Era do Paulistano, depois foi jogar no São Paulo, quando o São Paulo se fundou.

P - O senhor estudou em que colégio? Como...

R - Eu era um menino muito levado em São Paulo. Eu tenho um irmão até carioca, o único irmão mais velho era carioca, que meus pais se casaram no Rio de Janeiro. E ele já estava morando no Rio, ele estava no comércio e me levou pra lá, isso em 1920, mais ou menos. Me levou porque não aguentavam com a minha vida em São Paulo.

P - O que que o senhor fazia de travessura?

R - Eu dizia... Ficava jogando pelada na rua, faltava à escola, a escola pública que eu frequentava. Não sei. Eles achavam que lá eu estava melhor, e lá eu fui pro... Fui morar no Rio de Janeiro, que eu morei de 1922 a 1928. E nessa ocasião que me levaram pra lá, eu fui com a idéia do Paulistano na cabeça. E sempre com a vontade de voltar pra lá, até que me formei contador, perito contador lá, e voltei pra São Paulo, porque eu não aguentava, eu queria São Paulo. São Paulo é a minha cidade, apesar de eu ter nascido no Tietê.

P - E lembra um pouquinho do seu tempo de escola no Rio, como é que foi?

R - Eu fui um aluno bom na Academia de Comércio do Rio de Janeiro. Eu estava entre os primeiros lugares, ganhava prêmios lá.



P - E a mocidade naquela época? Era alegre, se divertia?

R - Alegre, eu fazia parte... Eu nadava, eu remava todo dia. Eu ia no Boqueirão do Passeio, eu ia à praia todo dia. Morava em Santa Teresa, mas tava sempre na praia. Me lembro em 1922, centenário do Brasil, foi a maior festa que eu assisti até hoje na minha vida. Centenário do Brasil, no Rio de Janeiro, ali em Santa Luzia, onde foi feito a exposição de todos os países, foi uma festa inesquecível. Foi a maior festa que eu assisti.

P - O senhor lembra...

R - Ah, me lembro dessa festa tim-tim por tim-tim. Eu não saía.

P - Conta um pouquinho...

R - Eu me lembro que a gente via ali a entrada da Guanabara, vinha mais de 25 navios estrangeiros, e eles ficavam iluminados todos à noite, toda volta, ficavam iluminados. Era uma beleza. Uma exposição muito bonita. E no dia 7 de setembro de 1922, dia do centenário lá de Niterói, que soltaram uma chuva de fogos de artifício, a melhor que eu vi até hoje, pegando todo o Niterói. Apagaram todas as luzes do Rio de Janeiro, apagaram todos aqueles navios, e vieram aqueles fogos com bandeiras brasileiras caindo. Foi uma coisa. Uma novidade lá. Linda. Nunca me esqueci dessa festa.

P - E o povo todo na rua?

R - Ah, já fizeram muitas festas, nenhuma como essa, nem a quarto centenário do São Paulo não bateu essa. E foi muito bonita também.

P - O senhor lembra como é que foi o quarto centenário?

R - Ah, eles compraram uns “negocinhos” prateados, fizeram uma chuva de prata. E também nós fomos aqui pra um canto, onde eles também soltaram muitos fogos, mas não foi igual ao Rio de Janeiro. Foi muito bonito, mas não foi igual. E assim foi, fiquei no Rio e voltei pra São Paulo.

P - Que acontecimentos foram mais marcantes na sua infância?

R - Olha, eu tive muitos momentinhos. Essa do Municipal eu nunca me esqueci. Eu tive... Eu era pequeno, eu tinha quatro anos, eu tive momentos muito alegres e muito tristes... Que meus irmãos em 18, na gripe espanhola... Eu perdi irmãos em uma semana. Foi uma tristeza enorme em casa, um irmão, uns menores, e um mais velho. Um que sustentava a família com 15 anos, em 1918.

P - Todos pegaram a gripe?

R - Em casa só eu e meu pai que não tivemos. Todos os outros caíram na cama, e perdi três irmãos, um com 15, outro com dois, outro com seis. Em uma semana. Esse foi um momento triste. Depois no Rio de Janeiro tive muitos momentos alegres lá, inclusive nessa festa. Meu estudo na Academia que foi de muita atividade. Eu era um dos primeiros alunos. Eu era mais pro bairrismo.

P - Como assim?

R - Porque eles mexiam com... Me deram o apelido de paulista, mexiam que São Paulo não valia nada, e eu então lutava por São Paulo pra ser um dos primeiros. Quer dizer, quando... Eu não ligava muito pra isso, mas quando eles começaram a mexer com São Paulo, mexeram com o coração. Aí eu fui em cima e fui dos primeiros alunos sempre.

P - Lá o senhor também frequentava o futebol?

R - Eu ia, eu ia para um jogo ou outro, principalmente se ia os paulistas lá, o Paulistano ia jogar, nesse tempo o São Paulo não existia. O Paulistano foi a Europa em 1925 e fez lá dez partidas, perderam só uma, mas a primeira foi a mais importante, o Paulistano foi jogar com o Selecionado da França. E joga Friedenreich, Araken, Patusca, Formiga, e outros. E ele foi jogar com... Foi no fim do ano, então tinha aquela lama da neve no campo, eles entraram todos de branquinho e logo no princípio a França marcou dois gols, e o Paulistano caía, ficaram todos enlameados e torcida começou a dar risada, uma risada debochada do... Eles se uniram no meio do campo e reagiram e ganharam da França de sete a dois. Foi o primeiro jogo. Isso está na história.

P - E o senhor acompanhou esse jogo como?

R - Ah, sempre por telefone.

P - Como é que era?

R - Nesse tempo era só telefone, não havia o telegrama que vinha, não havia nem rádio, nem televisão. A gente... Quando o Paulistano jogou, o Brasil jogou em 18 no campo do Fluminense contra o Uruguai e ganhou o Sul Americano. Eu assisti na Praça Antonio Prado, tinha o jornal “O Estado de São Paulo”, que por telefone, escrevendo numa placa: “O Brasil avançou, grande defesa do...” Me esqueci... Parece que era... Uma coisa de Píndaro parece, grande defesa. Neco passa pra Friedenreich, até que veio gol de Friedenreich, Friedenreich marcou o gol.

P - E a praça cheia?

R - A praça cheinha.

P - E todo mundo fazia a festa.

R - Ah, gritavam, pulavam. Era assim antigamente. Muito depois é que veio o primeiro rádio e depois a televisão. Foi um grande jogo esse. Isso eu assisti da Praça Antonio Prado, em frente ao jornal “O Estado de São Paulo”.

P - E no Rio que o senhor assistiu o Paulistano jogar. Como que era o clima ao receber o time Paulistano?

R - Quando ele veio da Europa?

P - É.

R - Ah, ele foi muito homenageado. Ele pegou... O primeiro jogo dele foi no Rio contra o Fluminense, perdeu de um a zero, quando ele chegou. Eu até fui visitar os jogadores no hotel, jogaram com o Fluminense, o Fluminense ganhou de um a zero, e sempre acontece isso, o clube vem de uma... E apanha. Mas isso é da vida esportiva.

P - Claro. Agora, como foi que o senhor saiu da casa dos seus pais? Foi casado ou depois que voltou do estudo?

R - Meu pai já era falecido. Casei-me em 1934.

P - Até esse dia morou com os pais?

R - Sempre morei com meus pais, ou com meu irmão no Rio de Janeiro.

P - Como foi o seu casamento?

R - Um casamento normal. Eu casei com uma família acima do nível da minha. Meu sogro era secretário de Justiça em São Paulo, já era da política de São Paulo.

P - Como era o nome dele? Do seu sogro?

R - Carlos Augusto de Freitas Vilalva. Tinha um cunhado que era delegado de polícia, Durval Vilalva, “que morreu de avião”. Eu me casei com uma família até (?), certo. Uma certa mal-querença da família deles porque eu não tinha posição, mas no fim de três casamentos eu fui o mais querido.

P - Por favor, o senhor pode dizer qual a atividade que o senhor exerceu na maior parte da sua vida?

R - Eu trabalhei no comércio em São Paulo. Quando eu vim do Rio de Janeiro já era perito contador formado, fui trabalhar numa, primeiro numa casa filatélica, depois fui trabalhar no Tomaz Henriques. Essa casa de ferragem que existe até hoje. Depois fui trabalhar no banco Comércio e Indústria. Do Banco Comércio e Indústria, passei pra Caixa Econômica Federal, em 1934, onde trabalhei 39 anos sem faltar um dia. Hoje sou aposentado, sou “economiário” aposentado da Caixa Econômica Federal.

P - E o senhor teve quantos filhos?

R - Três filhos: uma menina e dois meninos. E eles me deram nove netos. E até agora catorze bisnetos.

P - E qual foi a coisa que o senhor mais gostava de fazer nesses anos que o senhor trabalhou e ficou criando sua família?

R - Eu tinha o hábito de fotografia. Eu fotografava muito. Eu tive grandes máquinas. Eu tive três Laikas, tive máquina Nikon e outras. Tive muitas máquinas. Hoje, no fim, eu só teria a Olimpus que eu considero a melhor ótica. É Olimpus, apesar que dizem que não acham a melhor máquina japonesa, não como máquina, mas como aparelho. Aparelhos são todos bons, mas não batem a Laika.

P - Mas e qual é a coisa que o senhor gostava mais de fotografar?

R - Eu fazia isso e música. Eu tinha aparelho de música muito bom. Eu me dedicava a isso. Eu ouvia muita música clássica. Eu tinha muitos discos.

P - As fotos o senhor preferia fotografar o quê? Criança, futebol, família, o quê?

R - Futebol não. Eu fotografava tudo: pessoas, crianças, paisagens. Eu fazia fotografias artísticas o máximo que pudesse.

P - E o senhor fez alguma exposição?

R - Como?

P - Fez alguma exposição?

R - Não, a única coisa que eu fiz foi mandar uns slides pro Japão e não ganhei prêmio, mandaram uns prêmios, achei umas fotografias extraordinárias em slides, mas eles não me deram prêmio nenhum. Mandei pro Japão. Fora disso não. Eu fazia pra amigos. Havia um casamento eles vinham me procurar pra tirar fotografias: “você compra tudo que depois te dou”. Não me davam nada. Eu fazia toda aquela despesa, no fim me aborrecia com isso e eu fui me afastando. Quando estava com as últimas máquinas Laikas, que eram... Eu tinha três e tinha mais de dez objetivas. Eu tinha objetiva de todo jeito. Um aparelhamento completo. Eu só não fazia era revelar, que eu não tinha lugar pra isso. Mas no fim eu vendi as máquinas porque eu fiquei com medo, duas vezes quase que me roubaram. Eu estava vendo que eu não podia sair com a máquina. Eu precisava tomar conta da máquina, não de mim. E hoje tá assim, pessoa que sai com aparelho na rua precisa ter cuidado se não roubam. Eles chegam perto e tiram.

P - O senhor pode considerar que, por exemplo, ao lado da fotografia, o futebol e o São Paulo foi outro hobby seu?

R - Ah, o São Paulo esteve sempre presente. Eu lutei muito pelo São Paulo, mas lutei muito. O Paulistano... Em mil novecentos, mais ou menos 29, 30, o Antonio Prado Jr., que era presidente do Paulistano, acabou com o futebol porque disse que não aguentava a “politicalha” que existia, que era Corinthians, Palestra... Pra eles era isso, tinham juízes muito safados, nós tivemos juízes muito... João Etz, coisa horrível, era muita coisa horrível. Então ele acabou com o futebol e liberou os jogadores. Então os jogadores, Friedenreich e outros. Aqui existia um clube que eu era sócio atleta do Paulistano nessa ocasião.

P - Sócio atleta?

R - Atleta. Eu fazia lá luta. Procurei ser atleta, mas não consegui nada.

P - O que o senhor tentou?

R - Heim?

P - Tentou que tipo de atletismo?

R - Não entendi.

P - Que tipo de atletismo o senhor...

R - Corrida. É, mas não deu. Eu entrei pro Clube Atlético do Palmeiras, não é este Palmeiras. Palmeiras que tinha ali na Ponte Grande, pra aproveitar o rio Tietê, que era limpo, pra poder nadar, remar. Então era sócio também do Tietê, Tietê não, Palmeiras. Palmeiras tinha 80 sócios, e estava em situação financeira ruim nessa ocasião do Paulistano. Então os jogadores do Paulistano, o Cunha Bueno e mais outros diretores lá, foram ao Palmeiras e propuseram: “se vocês mudarem o nome, fizer uma combinação, nós viremos todos pra cá”. E aceitaram. Aí fundaram o São Paulo Futebol Clube. E eu tornei-me sócio do São Paulo. Em 31, fomos campeões.

P – Quantos? Eram muitos sócios naquela época?

R - Heim?

P - Eram muitos os sócios naquela época?

R - Éramos uns 500 mais ou menos. Ainda não dava pra ter grandes coisas não. No Paulistano tinha muito mais. Nós éramos uns 500 sócios mais ou menos no São Paulo, mas em 1932, um diretor do São Paulo, por causa de uma dívida de 200 contos, vendeu o clube pro Tietê. Foi uma coisa sábia até que aconteceu, porque o Fábio Prado era prefeito de São Paulo, quando ele vendeu, nós, o Bartholo, o Brisola, o Monsenhor Bastos, Porfírio da Paz, e todos nós são-paulinos nos reunimos e lutamos, fomos à justiça e ganhamos, pra acabar com aquele negócio do Paulistano. Aí Verdiê, que era presidente do Tietê, mais o Fábio Prado, nos chamaram lá na Prefeitura, que era ali na Rua Líbero Badaró, para uma reunião, para aceitar tudo. Foi o Brisola lá. O Brisola é o pai desse atual Brisola do São Paulo. E fomos lá e eles propuseram: “Olha, vamos fazer o seguinte, vamos ficar um ano como está. O Tietê continua a jogar com o nome do São Paulo, o futebol, depois de um ano o Tietê faz uma assembléia e vocês fazem outra, se um dos dois não quiser que continue isso, volta tudo como era antes”. Nós aceitamos. Nós não tínhamos dinheiro. Nós que estávamos lutando, tinham aqueles diretores que saíram, e então aceitamos e pedimos um documento. Fábio Prado disse: “Ah, não serve a minha pessoa? Pra que documento?” E nós caímos na (?). Falou assim: “Bom, então vocês dão baixa lá na ação”, que nós tínhamos ganhado, “nós queremos dar baixa aqui”. Quando se dá baixa de uma ação não se volta mais. E nunca mais nos deram confiança.

P - Passado um ano...

R - Nunca mais deram confiança pra nós, safadeza do clube, do Clube de Regatas Tietê, que eu não entro lá até hoje por causa disso, desse Fábio Prado, que foi prefeito, de família importante aí. E nós continuamos a lutar, até que fundamos o Clube Atlético São Paulo, o pessoal não podia pôr São Paulo, fundou o clube, mas não ia, com o Manoel de Carmo Meca, que era... Foi o primeiro presidente, até que em dezembro de 34 fundamos este São Paulo, em dezembro, dia 16. O Manoel do Carmo Meca foi o primeiro presidente; teve Isidoro Normais, tesoureiro; Francisco Pereira Carneiro, secretário; teve o... Monsenhor Bastos nunca fazia parte da diretoria, era do Conselho, o Frederico Menzen; o Brisola e nós. Aí fundamos o São Paulo. No dia 25 de janeiro de 1935 jogamos com a Portuguesa Santista, no Parque Antárctica,e ganhamos de três a dois. E esse jogo quase não se realizou porque eles não tinham permitido que a gente jogasse, que tivesse jogo, que o Sr. Porfírio da Paz teve que ir à Avenida Paulista, onde havia um desfile militar, com o governo do Estado, obter ali num pedaço de papel, uma ordem pro jogo se realizar. Esse foi o primeiro jogo do São Paulo. Aí nós viemos. A primeira sede foi ali na Praça Carlos Gomes, num porão, onde tinha uma mesa velha e uma cadeira só. Pra reunião, precisava ver, pra um descansar havia troca de hora. E ali então nós começamos nossa vida, onde veio... Vieram alguns jogadores que foram chegando: o King, aquele grande goleiro, veio do Paraná todo cabeludo. Começamos ali, fomos lutando sem dinheiro. Paralelamente a nós ia o outro clube, o Estudantes Paulista, porque quando acabou aquele São Paulo que era no Tietê, a maioria dos jogadores foi pro Rio de Janeiro, fizeram a grandeza do Rio de Janeiro. Sabia disso? Aí que o selecionado carioca começou a vencer, com esses jogadores, Hércules, e outros jogadores. E os outros que ficaram em dois clubes paralelos, um era o Estudantes Paulistas, o outro era o São Paulo. O Estudantes tinha pessoal rico, pessoal de dinheiro. E nós o pessoal pobre, mas nós tínhamos o nome de São Paulo, quer dizer que o carisma ficou com a gente. Eles não tinham gente quando iam ao jogo. Até que chegou em 38, no apartamento de João Junqueirinha, que era um jogador do São Paulo, onde eu ia muito. Lá eu conheci José de Godói, que era do Estudantes, que era amigo do João Junqueirinha. Eu era amigo também do Paulo Meireles que era, já falecido, que era jornalista do Diário do São Paulo. E ali nós fizemos uma trama, porque o São Paulo e o Estudantes não podiam se ver, os diretores, mas nós... Eu, como do São Paulo, eu dentro do São Paulo, mexendo com o São Paulo... O Godói do Estudantes, mexendo com o Estudantes. E o Meireles, que era um jornalista. Nós tivemos um trabalho até que fizemos a fusão, em 38 saiu a fusão. Em 1938 ficou Estudantes, nós é que desaparecemos e o Estudante continuou, porque o Estudantes tava um ponto na frente do Campeonato Paulista, então demos preferência a nós sairmos, mas ele, com o nome de São Paulo, e tudo ficou igual ao que o São Paulo queria. E nós não fomos campeões porque fomos garfados pelo Corinthians no último jogo. O Carlitos marcou um gol assim ó, o juiz aqui ele assim ó marcou um gol com a mão assim. Ele ficou chamando o Carlito "maõzinha de ouro". Aí transferiu o jogo pra terça-feira pra continuar, e na continuação foi que ele marcou gol, normal. Houve um jogo com o Palmeiras, em 50, que nós fomos roubados pelo juiz inglês. Era o último jogo, o São Paulo precisava ganhar, empate não servia. O Teixeirinha, que era nosso ponta, pega uma bola as tantas no segundo tempo, driblou dois jogadores, primeiro um beque, depois driblou outro, avançou e marcou o gol, o juiz anulou. Depois foi tomar uísque lá na... O juiz inglês foi tomar uísque lá no Parque Antárctica e, em 1950, tirou um tri-campeonato nosso.

P - E ficou por isso mesmo?

R - E adianta alguma coisa? Aqui tinha o João Etz, aqui que roubava para o Palmeiras, primeiro o Palestra Itália, depois o Palmeiras, e para o Corinthians, não adiantava nada, até hoje, até hoje. O São Paulo foi prejudicado este ano, com o Corinthians. Ele ganhou o jogo de um a zero e perdeu de um a zero. Palhinha marcou um gol legítimo e o juiz anulou, depois o Neto marcou um gol impedido, o juiz deu, e nos tiraram do Campeonato Paulista, porque eles não queriam o São Paulo. Também esse jogo domingo agora, o Palmeiras mereceu ganhar, mas o São Paulo foi muito prejudicado pelo juiz, este último de domingo passado.

P - Por que o senhor acha?

R - Ah, o Juiz, um tal Dionísio, essa... Me lembrou essa época. O São Paulo foi muito prejudicado, já não falo sobre o resultado. O Palmeiras, os gols deles foram legítimos. Aquele do Palhinha, de fato, ele foi com a mão, mas não era pra expulsar, era pra dar, apitar uma falta. E seja como for...

P - E por que o senhor acha que o São Paulo é tão perseguido assim?

R - Heim?

P - Por que que o sr. acha que o São Paulo...

R - Por que eles acham que o São Paulo tá ganhando muito, eles dizem aí, “O São Paulo já tem muito campeonato, chega”. Eles não falam, eles não sabem disso, eles falam isso, mas não faz mal, agora domingo nós vamos ver, domingo é no Japão. É jogo duro.

P - Agora, voltando um pouquinho na história, o senhor, como é que era a vida nos primeiros jogos do...

R - Ah, é uma vida de muito de sacrifício, aí que eu vim a falar do Mateus Serroni, roupeiro, e da mulher dele Catarina. Grandes figuras no São Paulo do início. Eles moravam na sede do São Paulo.

P - Em que lugar?

R - Moravam lá num quarto, lá tudo isso.

P - Quando a sede era onde?

R - Ali na Praça Júlio Mesquita, depois do Canindé. E ele... A dona Catarina lavava todos os uniformes do São Paulo, todos os domingos, o São Paulo não tinha muito uniforme, porque não tinha dinheiro, aquilo era contado, e ainda fazia comida pra alguns jogadores. Eu fiquei sabendo agora pelo Bauer que foi o Minelli quem tirou dona Catarina do São Paulo, que era cozinheira lá no Morumbi, marquei um traço negro pro Minelli. A consideração que eu tinha pelo nome dele acabou, porque dona Catarina era ainda maior que o marido, o Mateus Serroni. Foram grandes. Eles merecem uma estátua lá no Morumbi. Ele ajudaram muito o clube, deram muito de si sem dinheiro, São Paulo não tinha quase dinheiro pra dar pra eles, só depois, no Canindé, quando houve a fusão com o Estudantes, que vieram, aquele... Paulo Machado de Carvalho, aquele pessoal todo, é que aí começou o São Paulo a crescer em dinheiro. Daí que veio o Cícero Pompeu de Toledo, aquela luta pra fazer um estádio. Olha, o campo do Canindé que todo mundo pensa que nós tiramos de um clube alemão, não é verdade. Nós compramos de um italiano o Canindé. Comprou... Duzentos e poucos mil cruzeiros contos de réis naquela ocasião, compramos de um italiano o Canindé, depois vendemos, e não foi pra Portuguesa que nós... Vendemos para outro, outro que vendeu pra Portuguesa. E o Cícero Pompeu de Toledo, a luta pra fazer o Morumbi, até que eles tentaram primeiro ir pro Germânia onde está o Pinheiros, onde está o Pinheiros hoje, mas houve um político aí esportivo que quando estava quase pronto fez fracassar, depois quisemos ir pro Ibirapuera, tava tudo pronto, nós fomos pegar onde está o ginásio tudo, toda aquela área onde estão os militares, tudo aquilo o São Paulo tava pegando, quando o Porfírio da Paz, que era vereador, na última hora deu pra trás, graças a Deus, porque o São Paulo foi pro Morumbi. Depois aí tinha o Jardim Leonor, tinha aquela praça que tinha que ser para um lazer, qualquer coisa, São Paulo pegou aquele pedaço com o Adhemar de Barros. Depois ele comprou o Jardim Leonor, o restante, era um pedacinho pequeno, comprou o restante. Aí o São Paulo plantou logo em seguida, também com muito sacrifício, plantou o campo de futebol. E teve essa sorte que Deus acompanhou de fazer os tubulões, os oito tubulões, que nós dávamos cimento, dávamos tudo que podia, ferro, cada um dava um pouco de coisas. E o São Paulo não tinha ainda o Laudo Natel lá. Fizemos os oito tubulões, sabe que os tubulões que sustetam o estádio que é a coisa mais cara, é por isso que hoje ninguém pode fazer um estádio, a não ser um estado, o governo, né? Um clube é difícil porque custa muito dinheiro e pra nós foi na época que aquilo foi baratíssimo, e aquilo ficou plantado, ficou lá, ficaram muitos anos lá aqueles tubulões.

P - O senhor e mais quem participou disso?

R - Ah, todos os grandes. Como que chama? Bastos Menzen? Porfírio da Paz, Jaime Rose, o Cícero Pompeu de Toledo, Valdir? Aquele que foi presidente do São Paulo, Cury, né? Aquele que foi presidente do São Paulo caiu fora depois, ele e o filho.

P - Aidar?

R - Aidar, ele, e depois veio o Laudo Natel, trouxeram o Laudo Natel, a cabeça de negócios do Laudo Natel, com atrás dele o Banco Bradesco, ele começou a vender o São Paulo, ele vendia os lugares do estádio, pra Antárctica. Antes de ter, ele já tava vendendo e recebendo e foi construindo. A cabeça do Laudo Natel foi importantíssima, ele foi construindo o estádio, foi fazendo até chegar esse colosso. Hoje o São Paulo é uma potência e não deve nada a ninguém.

P - O senhor me diga uma coisa, o Adhemar era são-paulino? Adhemar de Barros, ele era são-paulino ou não?

R - Eu sei que ele era.

P - Mas...

R - Não, não, mas não foi isso. Isso foi negócio, foi... Ele vendia o Jardim Leonor lá pro Morumbi.

R - O senhor se lembra como que era com o senhor Bastos? Dá pra fazer um...

P - O senhor Bastos, ele era importante, ele era da Igreja da Consolação. Eu o levava das reuniões do São Paulo à noite pra Igreja da Consolação ele fazia, às vezes levava os jogadores pra dormirem lá, pra fazer concentração, lá dentro, lá atrás da igreja. Ele tinha uma... Trabalhava com galinhas e pintos, ganhava dinheiro com isso. Como é que se chama mesmo?

P - Granja.

R - Uma granja. E muito dinheiro desse ia pro São Paulo.

P - Essa granja era aonde?

R - Eu não me lembro bem onde era.

P- Como é que um padre entra no futebol assim?

R - Pois é, não tem só ele, tem outros. Ele gosta, gostava. Era roxo, era de dizer palavrão, quando estava no jogo.

P - E o senhor o viu entrar no São Paulo ou ele já estava quando o senhor chegou?

R - Ah, foi tudo junto. Essa família são-paulina, em 1931, 32, quando houve aquele negócio, que estava o Estudantes e tal, uma foi no Estudantes, outra... foi se aglutinando. Isso vem do Paulistano. Nós trouxemos isso do Paulistano. O Paulistano tinha grande torcida.

P - E o Monsenhor torcia muito nas...

R - Torcia. Ele ia. Porfírio da Paz. Porfírio da Paz começou com Manoel Raymundo a torcida uniformizada, foram eles que iniciaram, em São Paulo. Iam com as bandeiras ficavam do lado. "Uai que pai que shaik uai que uai que pai que shaik que uai que". Ficavam ali torcendo pro São Paulo, depois começaram as outras torcidas.

P - Esse aí era o grito da torcida?

R - Era, era.

P - Como é que era?

R – “Uaique paique chaique uai que paique shaique uaique, aranbatan, aranbalan, reco-reco, rico ra-ra-ra-ra São Paulo”, mais ou menos, porque tem umas falhinhas aí.

P - E tinha outros gritos de guerra assim?

R - Era esse o principal.

P - A torcida toda sabia?

R - Ah, sabia.

P - Senhor Paulo, e da onde vem a história da torcida pó de arroz?

R - Torcida?

P - Pó de arroz.

R - A pó de arroz, olha, não começou bem conosco, começou mais com o Fluminense no Rio de Janeiro, e depois passaram pro Paulistano e pro São Paulo porque achavam que nós éramos da... Éramos almofadinhas, não éramos não, nós tínhamos de tudo, tanto que hoje o Fluminense ainda responde. Eles entram em campo com talco e joga talco, como o Santos era chamado de peixeiro, eles não gostavam, depois eles mesmos começaram a se chamar de peixeiro, foi a maneira de monopolizar os outros. Mas pó de arroz foi com isso, e como foi o mais querido da cidade. Isso foi quando inauguramos o estádio do Pacaembu, quando na inauguração tava uma festa enorme. Era lindo o Pacaembu. É lindo até hoje, mas ele é um estádio completo, não tem a quantidade de lugares, tava lá até o Getúlio Vargas, eu até falo esse nome porque não gosto do Getúlio Vargas, mas tava lá ele pra inauguração. Então começaram a entrar aqueles clubes todos... “Festa, festa, lá - lá - lá – lá” e faziam volta lá e um dos últimos a entrar por causa da letra S foi o São Paulo. Entrou o São Paulo minguadinho com onze jogadores, um diretor e mais uma outra pessoa lá, pouca coisa, quando ele entrou no estádio, o estádio veio abaixo, eu chorei esse dia.

P - Que bárbaro.

R - Veio abaixo.

P - Por quê?

R - Porque era o São Paulo. O Getúlio perguntou: “Que clube é esse?” Aí eles disseram: “É o São Paulo Futebol Clube”, pro Getúlio. É nosso inimigo, inimigo de São Paulo. E entrou e foi uma grande festa. Aí o Thomas Mazoni, no dia seguinte na Gazeta pôs: O clube mais querido da cidade.

P - Aí ficou o apelido.

R - Ficou.

P - Desde essa época?

R - Desde essa época. Foi uma coisa emocionante. Foi lindo, e depois quando veio o Leônidas também. O Leônidas o São Paulo comprou quando já estava no Canindé, já estava com o Estudantes. O Estudantes já não existia mais. O dia que chegou o Leônidas, eu fui o único que foi recebê-lo na Estação da Luz. Da Luz não, no Brás, porque aquele tempo não vinha de avião não, vinha de trem. Chegou ele com o Sílvio Caldas. Foi uma festa muito bonita ali no Canindé. Eu me lembro...

P - Tinha muita gente esperando?

R - Foi.

P - Tava cheia a estação?

R - Cheia, e ali o Canindé ficou cheio. Ele custou 200 contos de réis naquela época. Era uma fortuna. Como se custasse hoje milhões de dólares, uma fortuna. E ele deu muito campeonato pra... Pelé é tido como maior jogador, mas pra mim ele não bateu o Friedenreich. Foi Friedenreich, pra mim. Ele foi mais ou menos igual ao Leônidas, sendo um pouquinho superior. Eu quando falo isso do Pelé, o considero um grande jogador, eu não falo... Porque ele foi um grande jogador, mas ele não foi superior ao Friedenreich, mas quem foi quase igual a ele foi o... Esse que chegou? O Leônidas da Silva. Leônidas da Silva foi grande.

P - Ele inovou o futebol? Ele fez novidades?

R - Ah! Tinha cabeça. Ele fez aquele gol de bicicleta, foi dele. Ele revolucionava o jogo, como o Pelé revolucionava, como Friedenreich revolucionava, e tinha outros, outros jogadores que não eram do São Paulo, que não eram do Paulistano que também revolucionavam, tivemos grandes jogadores.

P - O senhor deu uma idéia de quem era o Monsenhor Bastos... O senhor poderia dar uma idéia de como era o Cícero Pompeu de Toledo?

R - Era o quê?

P - Como ele era, o Cícero Pompeu de Toledo?

R - Ah, era um homem... Ele era um tabelião. Era o sexto tabelião de São Paulo. Era muito ativo, de fato sabe que ele morreu de câncer na cabeça, não é?

P - Ah é? Não sabia.

R – É. De câncer. Infelizmente nós o perdemos. Ele foi um grande, até foi dele que começou o Morumbi. Foi ele que implantou, incutiu na cidade a idéia do Morumbi, e eu indiretamente quase o tirei da presidência, porque eu era conselheiro lá no Canindé, e no dia de eleição, eu devia ir lá e eu fui jantar na casa de uma família amiga e eles não me deixaram ai, eu tinha que... Eu lutei pra sair: “mas eu tenho um compromisso, eu tenho... lá no São Paulo tem uma eleição, eu preciso estar lá, eu tenho um compromisso”. E eu precisei pular o portão da frente, até me machuquei um pouco pra poder fugir de lá, mas cheguei e peguei um automóvel, o automóvel deu encrenca, precisei pegar outro pra chegar no Canindé. Quando entrei, estavam encerrando a eleição. Era o Cícero Pompeu de Toledo e o... A gente esquece o nome do outro lá que eu ia votar, eu ia votar no outro, já faleceu. E quando cheguei, tinha acabado a eleição e empataram, quer dizer que se eu tivesse votado o outro ganhava.

P - Ganhava.

R - No empate quem ia era o mais velho, o mais velho era o Cícero, graças a Deus, porque daí veio o Morumbi.

P - Então ele foi um bom presidente mesmo?

R - Muito bom. Aliás, a gente quando votava, quando ia votar, até hoje quando voto, não guerreamos o outro, achamos todos são-paulinos, todos bons. Nós não fazemos... No São Paulo não há essa guerra, quando há... Eu fui oposição há pouco tempo lá numa eleição, contra o Juvêncio, mas por causas sociais ali, não por causa de são-paulino, porque nós continuamos a dar a eles apoio na parte futebolística, tudo isso. Nós não temos esse espírito de guerrear o clube. Nós não fazemos como certos clubes que vai comprar jogador pra perder jogo, nós não, pelo contrário... Nós queremos que o São Paulo ganhe.

P - Quais foram os cargos que o senhor ocupou no São Paulo esses anos todos?

R - Que cargo? Eu fui... Lutei no princípio, na fundação, era uma luta... Trabalhava muito. Eu era importante na Caixa Econômica, sabe?

P - O senhor foi conselheiro no Canindé?

R - Fui ao Canindé, só uma... Porque não podia, não tinha tempo. No dia da inauguração, porque tem uma ata que foi assinada. Eu não assinei porque eu levei lá um médico da Caixa para fazer parte, peguei lá o Meca e voltei pra... Era perto da Caixa, que era ali na Praça da Sé, pra trabalhar, onde eu passei a noite trabalhando, eu ainda não tinha tempo.

P - Qual é a lembrança que o senhor tem que mais marcou esse seu... Essa sua vivência no São Paulo?

R - Olha, tem tantas. Tem muitas pra... Primeiro foi quando nós conseguimos pôr o São Paulo de pé, em 34/35, e pusemos o São Paulo prá lutar. Depois certas vitórias, quando ganhamos do Estudantes, em 38, de um a zero, foi uma vitória muito importante porque eu tava querendo ganhar do Estudantes, porque a gente tava na luta pra fazer a fusão e fizemos. E os campeonatos sempre foram marcantes. Eu não tenho jogador predileto. Eu gosto de todos.

P - Se o senhor tivesse que fazer um time hoje com todos os tempos, qual seria a escalação? Um jogador lá de...

R - O time ia ter 200 jogadores.

P - São tantos assim os bons? O senhor se sente totalmente realizado, ou o senhor tem um sonho que gostaria de realizar?

R - Do São Paulo?

P - Não, da sua vida.

R - A minha vida é só a família, felicidade pra ela, pra todos. Eu me preocupo muito com eles. Eu ajudo muito indiretamente um e outro, sabe? Os que tão mais necessitados eu estou ajudando. Eu como sou viúvo. Eu sou bem aposentado. Eu fui chefe importante na Caixa. Eu sou bem aposentado, recebo bem e sobra um pouco, viu? Moro com a minha filha, ajudo um pouquinho lá, apesar que ela não precisa. Ela também é aposentada. Ela é duas vezes aposentada, por ela e pelo marido que foi, que foi de, foi também funcionário, então ela recebe duas aposentadorias, uma como funcionária e outra como pensionista, ela ainda recebe mais do que...

P - E se o senhor está realizado, qual é o sonho para o clube?

R - Para o clube? Grandeza. Sempre pra frente, sempre pra frente. Que Deus proteja sempre aqueles, abençoe aqueles que foram, que já morreram, e que abençoe o que estão lá e façam com que eles caminhem sempre pra frente. São Paulo sempre em cima, são-paulino até a morte.

P - O senhor gostaria de acrescentar mais alguma coisa ao seu depoimento?

R - Falar do São Paulo?

P - Faltou alguma coisa? Já falou tudo?

R - Todo esse tempo houve passagens que a gente tinha que chutar mais. Eu por exemplo houve um momento cruciante que o São Paulo, antes da fusão, eu ganhava 1200 contos na Caixa Econômica, era um ordenado bom, tava com família, três filhos, eu dava 600 contos por mês pro São Paulo. Eu tirava isso da minha família, e eu não ganhava nada, eu não era nada perto do... Não do... Junto como Porfírio eu era, porque o Porfírio também não ganhava pouco, Monsenhor Bastos e outros lá, o Menzen, esse Menzen... Eu morei em Vila Clementino de frente à casa dele, eu conhecia ele, conhecia a família dele. Ele tinha um dinheiro guardado pra comprar uma casa com a mulher sabendo. Sem a mulher saber, ele pôs tudo no São Paulo e nunca mais... Quando... Ele não comprou a casa.

P - Essa história não é do Porfírio?

R - Não, essa história é o Menzen, Frederico Menzen, isso pouca gente sabe, eu sabia... O Porfírio era um lutador, era militar, ganhava pouco... Tudo que ele ganhava era do São Paulo, ele foi um grande são-paulino...

P - Mas não foi ele que fez o hino do São Paulo?

P - Mas não foi a casa dele que foi vendida?

R - Eu não sei.

P - Só a do Menzen foi?

R - O Menzen não foi vendida, ele não comprou.

P - Ah, não comprou.

R - Ele tinha um dinheiro guardado prá comprar e ele pôs o dinheiro no São Paulo e não comprou a casa dele. Isso eu sou testemunha, pouca gente sabe disso, porque eu morava perto dele. Eu ia à casa dele às vezes, morava quase em frente, lá em Vila Clementino.

P - E o senhor quando ia pro jogo, o senhor brigava?

R - Heim?

P - O senhor ia na torcida, brigava?

R - Não, muito pouco, eu fumava demais, eu fumava cinco maços de cigarro por dia, hoje não fumo. Se quisessem saber onde eu estava sentado era só ver onde tinha, sei lá, porque eu acendia um, apagava o outro, nervoso... Discutia às vezes, mas eu geralmente, eu gostava de ficar separado, no Pacaembu eu ficava em cima atrás das cadeiras, tinha um lugar ali, eu ficava sempre junto com o Lima Duarte e pouco se conversava, ele mudou, ah, esse era são-paulino roxo e torcia assim. O Lima Duarte, esse...

P - Sei, o ator.

R - Lá do meu lado, nós ficávamos, ficava ali. Eu tenho um companheiro que era da Caixa, era advogado. Ele, Luizinho, foi jogador do São Paulo, é meu colega. Está doente. Eu tinha um colega, ia ao Pacaembu, mas não via jogo, ele ficava de costas, só quando davam um grito que ele ficava nervoso, havia isso de particularidade. Eu tinha esquecido de falar de um grande ponta do São Paulo, Canhoteiro. Canhoteiro foi um grande jogador, isso eu não falei outro dia, e precisava falar. E além de outros, esse jogador, esse Bauer, esses foram maravilhas. Eu não faço um time só pra mim, todas as épocas, eles tiveram suas glórias. Zizinho jogou um ano em 57 e deu o campeonato pro São Paulo, como Bela Gutman, Bela Gutman foi um grande... Ele modificou o futebol brasileiro, o Bela Gutman, através do São Paulo. Depois tivemos o Cilinho, temos esse Telê, e outros, temos diversos, grandes.

P - O senhor saberia dizer aquele que foi o melhor técnico nesse, nesses anos todos?

R - Olha, um que me marcou muito, eu tô achando que foi o Telê... Achei o Cilinho grande. O Cilinho que fez o Muller e outro. Ele pegou, ele pegava a meninada... Eu gostei muito do Cilinho.

P - Ele pegava os pequenos e...

R - Ele pegava crianças e fazia jogar. Ele não gostava muito do jogador de nome. Cilinho foi grande, foi campeão.

P - Então, nós queremos finalizar e agradecer muito ao senhor pelo depoimento que foi...

R - Ah, falar do São Paulo sempre é muito exuberante. É gratificante.

P - Nós agradecemos muito o seu depoimento.

R - Muito obrigado pros senhores.