Museu da Pessoa

Passado que ilumina o futuro

autoria: Museu da Pessoa personagem: Cláudio Maçarico

Histórias Que Iluminam
Depoimento de Claudio Maçarico
Entrevistado por Felipe Rocha
São Paulo, 13/05/2016
Realização Museu da Pessoa
HQI_HV010_Claudio Maçarico
Transcrito por Karina Medici Barrella
MW Transcrições


P/1 – Primeiramente, seu Claudio, eu queria agradecer pela atenção, pela disponibilidade.

R – É um prazer participar dessas entrevistas que eu sei que são coisas importantes para a história do país, né?

P/1 – Eu vou começar perguntando o seu nome, o local e a data de nascimento.

R – Meu nome é Claudio Maçarico. Eu nasci em Apucarana, no norte do Paraná, e a data de nascimento minha é 16 de junho de 1952. Estarei fazendo 64 anos no mês que vem (risos).

P/1 – Um bom tempinho já. E vamos falar um pouco sobre os seus pais. Qual o nome deles?

R – Meu pai é do interior de São Paulo, ele é filho de portugueses, o nome dele era João Maria Maçarico e na verdade ele era um sapateiro, um fabricante de calçados porque ele era um artesão da arte dele. E foi uma história interessante dele com a minha mãe porque a minha mãe é do Ceará e eles vieram se encontrar no norte do Paraná. Acabaram se encontrando no norte do Paraná, que as irmãs todas da minha mãe são do norte do Paraná. E eles se conheceram, se casaram lá e formaram minha família no norte do Paraná, por isso que a maioria dos meus irmãos, acho que só dois são daqui de São Paulo, o restante nós somos todos do norte do Paraná. E minha mãe, o nome dela era Raquel Maciel Maçarico, uma pessoa maravilhosa que cuidou dos filhos como poucas mães se propõem. Teve nove filhos, eu tenho oito irmãos. E graças a Deus nós temos uma família maravilhosa, família que quando se reúne nos damos muito bem. Meu pai, infelizmente, não deixou nada de herança pra ninguém e talvez isso tenha contribuído pra que os filhos se deem tão bem como a gente se dá, entendeu? Tudo o que a gente conquistou foi em cima de muito trabalho, eu e meus irmãos. Mas o meu pai foi um batalhador, trabalhou a vida inteira, deu umas cabeçadas na vida, mas nada que desabonasse a conduta dele. Ele foi uma figura maravilhosa, sempre preocupado com os filhos, ele, a minha mãe. Então a gente tem só lembranças boas deles. Não é o fato da pessoa, do pai não deixar nada pro filho que vai diminuir o amor que o filho sente por ele, muito pelo contrário, acho que isso em alguns casos até, a gente tem muito carinho pela lembrança deles dois.

P/1 – Você falou que tem bastante irmãos. Como que é essa escadinha? Qual a sua colocação?

R – Na verdade nós somos cinco homens e quatro mulheres. Eu sou o sétimo da escada, depois de mim veio mais um irmão que nasceu já aqui no Estado de São Paulo. Teve um que nasceu em Maringá, uma época que a gente morou em Maringá, norte do Paraná. E os dois mais novos nasceram aqui no Estado de São Paulo, em Porto Feliz. Quando eles vieram lá do Paraná meu pai veio pra tomar conta de uma fabriqueta de calçados aqui no interior de São Paulo e acabou nascendo mais dois irmãos meus aqui. Então nós viemos em sete lá do Paraná, eu era o mais novo e aqui nasceram mais dois.

P/1 – Você sabe a origem desse sobrenome?

R – Maçarico? Na verdade maçarico é um pássaro e em Portugal tem muito desse pássaro. Então o português tem mania de pôr nome de fruta, de árvore, de bicho nos descendentes. Porque quando eu entrei na Light, por exemplo, lá na oficina onde eu trabalhava, tinha a parte de solda lá e tem o maçarico de solda. Então o pessoal falava: “Mas não é apelido seu?” “Não” “É porque tinha um rapaz que trabalhava com nós aqui na solda que o apelido dele era Maçarico, mas porque ele era soldador”. Eu falei: “Mas o maçarico da solda, o nome dele já é por causa desse pássaro porque o bico dele se parece”. Então o nome do aparelho de solda já é derivado dessa ave aí. E eu conheci meus parentes maçarico, o pássaro, na Bahia tem muito maçarico na praia porque eles botam os ovos deles na praia, é até interessante isso daí, eles fazem um buraquinho na areia e botam na praia, em alguma vegetação assim. Em Portugal tem muito maçarico, então meu nome é derivado desse pássaro aí, não é do aparelho de solda, não (risos). É engraçado isso, né, maçarico.

P/1 – Interessante. Então a sua família é de origem portuguesa.

R – Portuguesa. Meus avós são portugueses.

P/1 – Dos dois lados?

R – Não. A minha mãe já não, a origem dela é brasileira. Falam que na época do Lampião, do...

P/1 – Corisco?

R – Da época do cangaço lá. A família da minha mãe tinha muita amizade com esse povo aí, entendeu, porque eles eram do sertão do Ceará. A minha mãe era criança ainda na época do Lampião, mas eles conheceram. Mas a origem dela é do interior do Ceará, ela é de Baturité, uma cidade do Ceará.

P/1 – Interessante. Tem alguma história desse cangaço que ficou na família?

R – Não, não tenho, não. Só do relacionamento amistoso que era porque eles não tinham medo dos cangaceiros, segundo ela falava. Porque eles não mexiam com ninguém. Então minha avó também teve, naquela época era comum uma família ter dez filhos, né? A minha mãe também, acho que a família dela devia ter uns sete, oito irmãos se não me falha a memória, tudo ali, tudo nascido ali no Ceará. Não sei por que cargas d’água eles vieram parar no norte do Paraná. Era comum também na época o pessoal do Norte, Nordeste vinha, como vem até hoje. E vinham pra vários estados e eles vieram parar no norte do Paraná e lá ocorreu dela conhecer meu pai, né? Mas a minha mãe veio de lá mocinha, com uns 17, 18 anos e ela contava dessa relação que eles tinham lá na época do cangaço. Mas nada assim muito relevante, é só pra constar mesmo. Porque o cangaço, a gente assiste os filmes de cangaceiros hoje, eles criaram aquela coisa com os cangaceiros como se fossem terroristas, mas na verdade não era bem assim, era uma coisa mais... é que depois, não sei por que cargas d’água enveredaram por esse lado, como hoje talvez seja, acho que na Bolívia, né? A Bolívia acho que vive isso até hoje, essa questão das Farc, acho que era mais ou menos parecido com o cangaço. Mas nada assim, não teve nenhum relacionamento da família da minha mãe com eles, só o envolvimento, a convivência porque eles estavam ali. Mas era uma coisa interessante de você ouvir a história deles.

P/1 – E você estava falando que a família da sua mãe foi pro norte do Paraná, tal. Você sabe como eles se conheceram, que circunstância que foi?

R – Olha, eu sinceramente não sei te contar por que o meu pai foi pra lá, entendeu? Porque da família da minha mãe já havia alguns irmãos que estavam lá no norte do Paraná. Naquela época o norte do Paraná vivia uma riqueza muito grande por causa do café, o norte do Paraná era uma coisa, assim como São Paulo viveu também a era de ouro do café, era uma coisa, era muita grana que os caras ganhavam em cima do cultivo do café. E o norte do Paraná era riquíssimo em cima disso aí, foram criadas várias cidades, inclusive a cidade que eu nasci é uma cidade relativamente nova, se não me engano ela fez 70 anos agora, em janeiro desse ano, uma coisa parecida. E essas cidades foram todas fundadas por causa do cultivo do café. Maringá, Londrina, Apucarana, Cambé, e hoje são cidades relativamente grandes. Mudou tudo, agora já não tem mais nada a ver com café, o café não existe mais. Aliás, acho que nem São Paulo também, não se planta mais café em São Paulo. Café parece que sumiu do Brasil, hoje você importa café. Mas naquela época o café era o que mandava na economia brasileira. E eu acho que eles vieram, não tenho certeza, eu acho que eles vieram por causa disso, por causa da agricultura, pra tentar ganhar a vida em cima desse cultivo de café. Ela trabalhou na lavoura de café. E o meu pai também foi parar lá não sei te dizer, te juro. Se eu falar pra você que eu sei, não, estou mentindo. Não sei por que meu pai foi parar lá no norte do Paraná, mas se conheceram lá. O meu pai era muito ligado com futebol, ele vivia, ele sempre foi metido com coisa de futebol, sempre foi treinador de futebol, no interior de São Paulo ele era treinador de futebol, chegou a ser presidente de clube lá, sabe, ele adorava isso daí. Então talvez até isso tenha contribuído para que ele, não sei se ele foi pra lá por causa disso, mas eles se conheceram lá e acabaram se cruzando ali. Na verdade eles não se conheceram em Apucarana, eles se conheceram em Caiuá, uma cidade na divisa entre São Paulo e Paraná, não sei se você já ouviu falar. É perto de Presidente Prudente.

P/1 – Ali na ponta.

R – Isso, na ponta. Eles se conheceram em Caiuá, mas assim, nada que a gente saiba. Eu não sei te explicar por que eles foram se encontrar lá, mas acabaram se casando lá no norte do Paraná e morando lá por muito tempo.

P/1 – Você falou que o seu pai era sapateiro.

R – Era sapateiro.

P/1 – Como que você via ele fazendo trabalho dele?

R – O meu pai sempre foi dessa área, mas o que eu me lembro do meu pai, porque eu ajudei ele uma época, eu comecei a ajudar meu pai com oito anos de idade, entendeu? Mas isso já em Porto Feliz, porque eu vim do Paraná pra cá com seis anos de idade. Aqui em Porto Feliz ele tinha uma sapataria. Ele veio pra tomar conta de uma fábrica, mas não deu certo, não sei por que cargas d’água não deu certo e a gente passou por maus bocados por uns dois anos, a gente passou uma dificuldade muito grande. Não fugindo do assunto, mas a vantagem é que nós viemos morar numa chácara, uma chácara maravilhosa, aquilo foi a nossa infância, o começo da minha juventude foi ali naquela chácara, uma coisa linda, sabe? O meu pai plantava coisas, minha mãe plantava coisas, eles criavam vários animais, meu pai chegou a criar porco, galinha, então, a gente nunca passou necessidade, graças a Deus nós nunca tivemos assim, falar: “Não, nós passamos”. Não, não passamos. Nós passamos algumas provações com outras coisas porque ele não tinha como porque ele veio pensando numa coisa e chegou aqui não era o que tinham prometido pra ele. Mas aí ele abriu uma sapataria. E ele é um profissional excepcional, cara, meu pai fazia sapato pra pessoas com defeitos, pessoas especiais. Eu lembro de vários clientes dele, tinha um que tinha uma perna mais curta que a outra e ele fazia, ele fazia coisa perfeita. Ele fazia umas botas para os fazendeiros, os fazendeiros vinham tudo atrás dele. Ele tinha que ir até Sorocaba pra comprar os aviamentos que ele usava na sapataria, couro, tudo ele tinha que ir até Sorocaba comprar. Assim que eu adquiri, acho que 12 anos, 13 anos, não sei, que ele dava autorização para eu pegar o ônibus para ir até lá e eu que ia comprar as coisas pra ele em Sorocaba. Mas ele era um profissional muito bom na área dele. Só que era difícil, com nove filhos você pode imaginar a dificuldade, a maioria era criança. Depois que minhas irmãs foram crescendo, meu irmão foi ficando um pouquinho mais velho, aí uma já entrou numa fábrica, outra foi trabalhar, teve uma que veio pra São Paulo trabalhar aqui, aí a coisa começou a dar uma melhorada, mas foi difícil, foi bem complicado pra gente.

P/1 – Vamos voltar um pouquinho lá em Apucarana ainda. Você morou lá por alguns anos então.

R – Eu morei até os seis anos de idade em Apucarana.

P/1 – Você tem alguma lembrança?

R – Muita lembrança.

P/1 – Como que era a vida lá?

R – Difícil, difícil. Era muita provação. Mas a gente teve uma infância muito boa, cara. Eu não sei se é porque a gente era essa turma, era tudo assim, meus irmãos de dois em dois anos nascia um, então era aquela galera, aquela turma. E a gente brincava muito, cara. Quando você é criança você não percebe essas coisas, você não sabe disso. Você chega em casa tinha arroz e feijão, não tinha carne, mas tinha um ovo lá. Minha mãe sempre foi muito criativa nessa parte. Isso agora que eu percebo, né? Depois que você fica mais, mas na época você não se ligava nisso, cara. Quando eu era moleque, o que você quer fazer quando você é moleque? Você quer brincar, você vai na escola, brinca na escola, sai da escola e vai pro campinho jogar bola. E naquela minha cidade era uma cidade nova, era aquele centrozinho assim, a gente morava um pouco retirado. Você imagina, as casas tinham 200, 300 metros quadrados, tinha só a casa ali e aquele quintal enorme, maravilhoso, pra você brincar de carrinho, as coisas da época lá que a gente brincava. Hoje meu irmão me manda algumas fotos no Facebook hoje de Apucarana naquela época, aí eu fico olhando e falo: “Meu”. Eu era muito feliz, cara, era uma felicidade, eu não lembro nada assim de muito triste na época, a gente nunca teve perda na família, só coisa boa, entendeu? Só lembrança boa.

P/1 – Você falou que era uma cidade nova. Tinha alguma coisa pelo que você falou pelo auge do café. Então, por exemplo, você pega essas cidades do interior paulista já tem o trem, a ferrovia tal. Tinha essas coisas, ferrovia, energia elétrica?

R – Tinha. Tinha energia elétrica, tinha ferrovia. Apucarana é uma cidade planejada, é uma cidade plana. Você pega as fotos hoje de Apucarana e você fica olhando você fala: “Mas que coisa maravilhosa que era isso”. Até hoje se usa muito a bicicleta lá. E naquela época já se usava também. Eu lembro que meu pai tinha a bicicletinha dele lá, ele saía de bicicleta, voltava de bicicleta. A gente ficava ali confinado, ia pra escola, voltava. Eu acho que nem na escola eu estava ainda porque eu saí de lá de Apucarana eu não tinha sete anos completos ainda, então eu mesmo acho que nem na escola eu estava, naquela época não existia essa coisa de pré-escola como tem hoje, você ia pro primeiro ano escolar. Então era mais brincadeira mesmo, muita liberdade, muita liberdade, muita brincadeira, nada de preocupação, de falar: “Nossa, não vai ter comida na hora do almoço”, imagina, não lembro disso. Eu acho que nunca faltou na verdade, nunca faltou comida pra gente porque eu não lembro de ter passado fome na minha vida (risos).

P/1 – E a mudança pra Porto Feliz, como foi?

R – Então, isso foi em 1958. Um parente do meu pai, daqui do interior de São Paulo, na verdade eles são de Cerquilho e ele queria montar essa fábrica de calçados lá em Porto Feliz. E não sei por que cargas d’água o meu pai entrou na jogada, mas ele vinha pra tomar conta da fábrica, ele já tinha a profissão de sapateiro na época. E esse rapaz que abriu essa fábrica aqui em Porto Feliz, ele era sapateiro aqui em Porto Feliz também, tinha uma fabriquinha aqui, aí ele montou essa fábrica lá, mas o que aconteceu na verdade foi assim: “Seu João, pode pegar sua família e vir pra cá que a fábrica já está montada”. Só que na verdade não estava, entendeu? Faltava muita coisa. Foi aí que deu esse problema todo. Eu lembro que na vinda nossa pra Porto Feliz nós ficamos em Cerquilho, nós ficamos dois meses na casa de uma tia minha e a gente sofreu muito, cara. Isso aí acho que foi a pior etapa da minha vida, essa vinda do Paraná pra cá. Primeiro porque a gente não queria vir, você tem sua família lá, suas tias, suas primas, você nasceu lá. “Mas pô, ir pra São Paulo” “Não, tem que ir, tem que ir, tem que ir” e viemos. Viemos de trem, já tinha trem nessa época (risos). Só que paramos em Cerquilho, na casa da minha tia, porque essa chácara que eu falei que eu morei em Porto Feliz, que era uma maravilha, ela ainda estava ocupada, pra você ter uma ideia de como foi uma coisa meio tumultuada. Estava ocupada ainda então a gente não podia vir, tivemos que ficar na casa da minha tia e ali a gente sofreu um pouquinho, nem culpo ela por causa disso, é uma coisa meio... você imagina um monte de criança, você vai receber, então não deu muito certo essa transição. Mas aí acabou vindo, viemos para a chácara e aí foi aquela festa porque a chácara era uma maravilha. Na minha porta tinha um campinho de futebol, alguém que morava lá na chácara já deixou ela meio que preparada. E tinha tudo, cara, tudo o que você possa imaginar tinha naquela chácara, de fruta, tinha muita mangueira, muita bananeira, muita laranjeira, tinha tudo o que você possa imaginar. Então ali nós passamos, nós saímos de lá em 1961, acho que nós ficamos três anos nessa chácara aí. E foi difícil também, não foi uma coisa tão fácil porque meu pai chegou lá e a fábrica não deu certo, aquela coisa toda, teve esse período que ele teve que cuidar da vida dele, acabou abrindo uma sapataria lá. Mas é aquela coisa, nós continuávamos sendo criança, nós éramos criança, eu tinha sete anos, então tudo é farra. Você chega num lugar desses, a gente jogava bola com laranja, pra você ter ideia, não tinha dinheiro pra comprar bola. Mas tinha umas laranjas, na época eles chamavam laranja... era uma laranja usada pra fazer doce, elas eram umas laranjas desse tamanho (risos). Meu, jogar bola com aquilo. E brincadeira de pega-pega, de esconde-esconde, aquela coisa de criança, subir em árvore, uma maravilha. Aquilo ali foi um paraíso.

P/1 – Tem alguma história dessa molecagem que você guarda?

R – Várias histórias de cair de árvore. Tinha uns primos meus que iam passar férias lá, eram meio malucos, daqui de São Paulo. Você imagina, o moleque sai de São Paulo, vai para um lugar desses aí, vai querer aprontar. Então aprontava muito. A gente ia pegar manga, meu primo uma vez foi pegar uma manga... e você sempre quer pegar a manga mais, tanta manga que tinha no pé: “Está vendo aquela lá em cima?” “Pode deixar que eu vou lá e pego”. Ele caiu lá de cima, cara, quase que morre. E várias coisas. Por isso que eu falei que meu pai foi sempre metido com futebol porque atrás dessa chácara tinha mais uma propriedade lá e atrás da propriedade tinha um campo de futebol que existe até hoje lá, que era um time de Porto Feliz. E ele começou a se enturmar lá com o pessoal. E ele sempre gostou, então ele chegou a ser técnico do time, o meu irmão jogou lá, depois eu joguei também no infantil uma época lá. Mas era assim, era uma farra, essa chácara aí era só alegria. Você chegava da escola, não tinha nem por que sair de lá porque tinha tanto espaço lá dentro pra você brincar de tudo que a gente não saía de lá, ficava confinado ali.

P/1 – Você também gostava muito de futebol.

R – Sempre gostei, sempre gostei, joguei muita bola. Até na Eletropaulo eu cheguei a jogar bola, aqui no Cambuci.

P/1 – Você jogava de que posição?

R – Na verdade eu era ponta, eu jogava tanto de ponta direita quanto de ponta esquerda, cara, eu jogava com os dois pés, não sei por que eu tinha essa facilidade. Não porque eu treinei, não sei, eu comecei a jogar lá em Porto Feliz, joguei no infantil. Depois quando eu estava na época do ginásio eu comecei a treinar no União, que era um time mais da elite lá, mais organizado, e o pessoal gostou de mim. Aí comecei a jogar no segundo time, que seria o time B hoje e depois acabei passando pro time titular. Mas era amador, disputava sempre o campeonato ali da cidade mesmo, das fazendas, tinha muita fazenda. Era gostoso, uma delícia, maravilhoso essa época aí. Mas eu sempre fui chegado no futebol, sempre gostei. Parei de jogar bola com 52 anos.

P/1 – Torce pra que time?

R – Santos (risos). Eu fui a ovelha negra da família porque minha família inteirinha é corintiana, cara, é inteira corintiana. Meu pai era, nossa, meu pai era daqueles corintianos ferrenhos mesmo, meus irmãos todos são. Mas eu, não sei por que cargas d’água, Pelé, né? Pelé, imagina, na época o Santos ganhava tudo. É a mesma coisa meus filhos, os meus filhos eram santistas também. Chegou em 91, 92 que o São Paulo estava ganhando tudo o meu filho mais novo chegou: “Pai, acho que eu vou torcer pro São Paulo”. Eu falei: “Olha, se você vai mudar você muda agora porque você é criança ainda, porque depois fica chato”. Eu falei: “Você vai torcer pro São Paulo mesmo?” “Vou”. No mesmo dia eu fui e comprei uma camisa do São Paulo pra ele e falei: “Está aqui”. Até hoje ele é sãopaulino roxo, entendeu? Mas assim, eu não ligo, eu gosto, torço e tudo, mas nada de muito fanatismo.

P/1 – Vocês ouviam muito futebol no rádio?

R – Sim.

P/1 – Como que era acompanhar o Santos?

R – Meu pai tinha um rádio Pioneer, são os Pioneer que tem hoje, a mesma marca até. Mas ele tinha um Pioneer que aquele radinho acompanhou a gente durante muitos anos, pra você ver como era boa a coisa (risos). Ele tinha esse rádio desde a chácara que nós morávamos em Porto Feliz. Eu lembro desse radinho como se fosse hoje. E ele grudava ali e eu ouvia os jogos junto com ele, que na época o Pelé, o Santos. Primeiro tempo, Corinthians e Santos, Corinthians ganhando de 2 a 0, ou o Palmeiras ganhando de 2, 3 a 0 do Santos. No segundo tempo o Pelé ia lá e acabava com o jogo, fazia quatro, cinco gols, ele o Pepe, meu. Então, nossa, adorava, cara, adorava. Ouvia todos os jogos ali do lado dele, no radinho dele, era muito gostoso.

P/1 – Era aqueles radinho de pilha?

R – Era elétrico, já era ligado na eletricidade.

P/1 – E vocês ficaram três anos em Porto Feliz.

R – Nós ficamos em Porto Feliz, não, ficamos mais... nós ficamos em Porto Feliz do final de 58 e ficamos até 71. Em 71 nós fomos pra Salto porque nessa época o pessoal já tinha... minhas irmãs já estavam aqui em São Paulo, as duas irmãs mais velhas, o meu irmão também já estava em São Paulo, se não me falhe a memória. E tinha um irmão meu que trabalhava em Salto e quando eu fiz 18 anos eu fui trabalhar em Salto também, em fábrica de tecidos. Então nós morávamos em Porto Feliz e íamos pra Salto todo dia, ia e voltava. Era complicado também, trabalhava a noite inteira, das dez da noite às seis da manhã. Mas foi uma época. Agora, uma coisa que em Porto Feliz, voltando um pouco, que foi uma época muito gostosa, cara, que eu sempre fui muito com negócio de ganhar dinheiro, cara, porque você não tem dinheiro, seu pai não tem dinheiro, sua mãe não tem dinheiro e, pô, você quer comprar um sorvete e você não tem dinheiro, você entendeu? Então eu queria ganhar dinheiro. Eu falei: “Pô, preciso arrumar um jeito de ganhar dinheiro”. Eu pensei em engraxar sapato, meu pai fez pra mim uma caixinha de engraxar sapato, aí chegava de sábado e domingo, eu ia do lado da igreja e nós levantávamos um troquinho legal engraxando sapato, sábado e domingo. Tinha um bar de frente que era muito frequentado, o pessoal ia jogar snooker, sabe? Eu me lembro como se fosse hoje, eu e a turminha ali engraxando sapato não tinha briga, não tinha nada. E voltava pra casa com uns troquinhos bons, entregava o dinheiro tudo na mão da minha mãe, dava tudo pra ela, não ficava com nada, ficava com uns troquinhos pra comprar umas balas, umas coisinhas assim, mas tudo lá. E eu sempre fui assim muito preocupado com isso, entendeu? Até hoje eu sou. Acho que você tem que prover a sua família de tudo, cara, dentro do que é possível pra gente, né? Trabalhar tanto que eu estou aposentado há quase 20 anos

e estou trabalhando até hoje, nunca deixei de correr atrás da coisa. Então em Porto Feliz eu fui engraxate, fui sorveteiro, pegava caixinha de isopor e saía na rua vendendo sorvete. Morria de vontade de chupar um sorvete e não tinha como porque se você chupasse um sorvete seu lucro ia tudo pro quiabo (risos). Eu lembro que esses primos meus daqui de São Paulo eram muito sem-vergonhas. E teve uma época que eles foram morar com a gente lá, eles ficaram dois anos morando com a gente lá e tinha um deles, um primo mais velho que os dois aqui, aí saía junto comigo pra vender sorvete, um dia de carrinho, outro dia de caixinha de isopor. Um puta de um calor porque lá em Porto Feliz é quente pra caramba, cara. E você com aquela caixa cheia de sorvete e não podia chupar um sorvete! O que nós fazíamos? Desembrulhava o sorvete, dava uma chupadinha, embrulhava outra vez e punha na caixa pra vender (risos). Então era assim, a nossa infância foi muito difícil em tudo, você se divertia muito mas a gente não tinha muito, tudo o que você ganhava você pensava em direcionar pra sua família, você entendeu, era complicado mesmo, não era nada fácil não, mas graças a Deus nunca faltou nada pra gente.

P/1 – E a escola, qual é a primeira lembrança de escola?

R – Eu fiz o grupo escolar lá em Porto Feliz, era muito boa a escola. A minha esposa é professora, até hoje ela é professora, então você fica lembrando da sua época. Ela também faz esses parâmetros do tempo que a gente fazia o grupo escolar na época, os professores que a gente tinha naquela época, maravilha, cara. Hoje acabou tudo isso aí, né, a escola está muito, decaiu demais o ensino. Era uma coisa tão bem feita, você saía da escola sabendo das coisas, você escrevia muito bem. Você vê, eu não fiz curso superior, eu fiz eletrotécnico só, segundo grau, mas eu tenho uma coisa de bom, cara, eu escrevo muito bem, sabe? Dificilmente eu cometo um erro de português, dificilmente, sempre fui muito bem em redação, essas coisas. Tudo isso graças à base que a gente teve, né? Eu lembro que a gente fazia muito ditado na época do grupo, a professora punha um cartaz lá, como se fosse essa foto aqui, e você tinha que fazer uma dissertação em cima daquilo ali. E isso no grupo, primeiro, segundo ano que você já começava a escrever mesmo, né? Então era maravilhoso. Ginásio, depois do grupo, naquela época nós tínhamos a admissão ginasial, hoje nem sei se existe, não existe mais nada disso. Você ia pro ginásio e o ginásio também era difícil, cara, não era fácil, não. Tanto que eu repeti o primeiro e o segundo ano, mas eu era muito bagunceiro, eu era bagunceiro. Eu sempre fui aluno de fundo de classe, eu gostava de sentar lá no fundão e fazer bagunça, o meu negócio era fazer bagunça. Estudar que é bom, nada. Mas eu tinha facilidade pra pegar a coisa, você entendeu? Tanto que os meus colegas ficavam puto da vida comigo porque às vezes eu faltava na escola, em vez de ir pra escola ia nadar, ia pro campinho jogar bola, mas chegava no dia da prova eu sempre estava com a matéria em dia porque eu copiava de alguém e estudava. Estudava, estudava, estudava Matemática, eu tinha muita dificuldade em Matemática, então estudava, estudava, estudava e ia bem na prova. E eles ficavam doidos da vida com isso, mas era uma escola muito melhor do que é hoje. Ginásio, principalmente, era uma maravilha, você saía do ginásio. Nós tínhamos francês no primeiro e segundo ano do ginásio e inglês no terceiro e quarto ano do ginásio, totalmente diferente. Hoje é oitava série. Naquela época não, você fazia o grupo, do grupo você ia pro ginásio e do ginásio você ia pro científico, o que seria hoje que... o que seria hoje o científico?

P/1 – O médio ou um técnico.

R – O técnico, exatamente. Você fazia o científico ou você fazia o pra magistério pra dar aula, que na época não tinha esse nome, era outro nome, mas era assim. Mas a qualidade do ensino era excepcional.

P/1 – Teve professor marcante?

R – Muitos, cara. Muitos. Professor de Português. De grupo eu tinha a professora Nair, que era essa que me ensinou a escrever, tinha uma professora do terceiro ano também que era muito legal, cara, não lembro o nome dela. Mas de marcante mesmo era a diretora. Eu levei tanta bolacha daquela mulher na orelha. Porque ela não admitia que você chegasse atrasado, se você chegasse atrasado um minuto na escola ela ficava na porta te esperando e dava na orelha da gente, mas dava cada tapa na orelha da gente, cara, se fosse hoje ela ia ficar presa (risos). No grupo, é, a professora Nair foi a que mais me impressionou pela qualidade dela, era uma excelente professora. E ela não era nova, na época ela já era uma pessoa mais idosa, mas ela era muito boa, cara, muito boa, eu adorava a aula dela. E ela dava Português, não dava uma matéria só na época, assim como é hoje, né, minha esposa também tem os alunos dela lá, é o período inteiro só ela. Mas na época não era só ela, na época ela era Português, depois tinha a parte de Matemática, História. Mas eu aprendi muito no grupo, aprendi muito, muita coisa no grupo. Hoje você fica vendo essa criançada hoje e fala: “Meu, o que aconteceu com o ensino?”, porque na nossa época era uma coisa tão mais séria. Você aprendia história, cara, você saía do grupo sabendo muita coisa de História do Brasil. Depois entrava no ginásio, você saía do ginásio sabendo muita coisa de Geografia. Eu lembro que eu fiz um mapa, eu sempre tive muita facilidade com trabalhos manuais, isso que me mantém empregado até hoje, cara, pra você ver como é engraçado isso, você se remete e fala: “Pô”. No ginásio nós tínhamos Educação Artística, nem sei se existe isso hoje, ainda tem, né? Adorava Educação Artística, os trabalhos que a gente fazia. E isso aí me ajudou profundamente acho que na minha vida inteira. Se eu estou empregado hoje é graças a isso, graças a essas coisas, muita coisa que eu aprendi no ginásio.

P/1 – E quando você começou a trabalhar você ajudava seu pai. Como era ir de ônibus? Foi uma aventura quando você ia buscar as coisas pro seu pai em Sorocaba?

R – Ah, era uma delícia, era uma delícia, cara! Imagina, você com 12 anos começa a sentir, fala: “Pô, eu não sou mais criança”, você começa a achar que você está virando gente, entendeu? Meu pai me levava até o ponto de ônibus lá, eu nem lembro se tinha autorização ou se ele conhecia o motorista. “Esse rapaz aqui, ó”. Chegava em Sorocaba sozinho, aí ia lá, eu sabia das lojas porque eu ia com ele, né? Então eu sabia onde ele comprava as coisas. Eu ia lá, ele marcava tudo no papel o que ele precisava, os cortes das botinas. Porque na época ele fabricava muita bota, muita botina, que lá era muito fazendeiro, em Porto Feliz. A maioria ia atrás disso, bota e botina. Então eu ia lá em Sorocaba comprar os cortes e ele montava, ele tinha as formas. Você chegava lá, ele pegava seu pé, cara, ele media um milhão de vezes seu pé. “Mas como você quer?” Tinha cara que tinha joanete, aqueles trecos, aqueles calos assim, ele fazia um bagulho na forma que quando o sapato ficava pronto o sapato já vinha com aquele formato. O velho era bom, o velho era ferrado nisso mesmo, muito bom. Então os caras adoravam ele, adoravam. Ele tinha uma freguesia, uma coisa de louco. Então era assim, eu ia lá pra Sorocaba, comprava tudo e vinha. Nessa época comecei a ficar mais esperto, porque aí você começa a conviver. Você vai fazer compra, já começa a fazer amizade com um, amizade com outro. Mas eu sempre fui muito responsável, desde essa época. Porque você tem que ser, você tem que ser responsável, não tem como você... você está lá vendo a sua família de certa forma está dependendo e você também, apesar de você tão criança, tão novo, mas isso já está na sua, você já traz isso e você não vê a hora de você conseguir fazer alguma coisa pra melhorar a qualidade de vida da sua família, entendeu? Então aquilo já está praticamente enraizado ali. Eu ia, não via a hora de voltar, isso pra mim era... você voltava, chegava tudo ali bonitinho. Meu pai me adorava, cara, ele me adorava porque eu fui o braço direito dele por muito tempo, né? Ele não tinha mais com quem contar porque o meu irmão mais velho já estava trabalhando fora, eu era o grande ajudante dele na época. E meu pai sempre foi uma pessoa com problema de saúde, tinha muita bronquite, fumava pra caramba. Então ele já não tinha aquela vitalidade de sair, viajar, então ele contava comigo pra isso. Eu ajudei ele até ele vender a sapataria dele.

P/1 – Que foi quando vocês saíram de Porto Feliz.

R – Não, a gente ainda ficou um pouco porque eu fui trabalhar em Salto, mas eu morava em Porto Feliz. Nessa época eu comecei a trabalhar em Salto. Quando eu fiz 18 anos eu já fui trabalhar à noite em Salto porque não podia ser menor de idade. E eu tentei até trabalhar de dia, mas você não conseguia, só tinha serviço no horário noturno, então eu tive que esperar. E eu tinha um monte de amigo meu que já fazia esse trajeto todo dia, eles lotavam uma perua, como é hoje essas lotações. E foi até uma coisa engraçada porque

a polícia rodoviária começou a barrar a gente, não podia fazer isso, as empresas de ônibus começaram

a reclamar que estavam fazendo essas lotações, não sei o quê, não pode, não pode e nós começamos a ir pelas fazendas, cara. A gente dava uma volta, cara, uma coisa assim... mas era gostoso porque era uma aventura, cara, você moleque ainda, então era assim tudo muito, tudo era farra. Mas ali eu comecei a ganhar um dinheirinho, já comecei a achar que eu era gente, entendeu? (risos) Ajudava a minha mãe, já sobrava um dinheirinho pra mim, pra sair, pra comprar uma roupa. Aí foi o começo de tudo, ali em Salto.

P/1 – Aí você começou a sair.

R – É. Em Salto a gente não ficou muito tempo, depois a gente acabou mudando pra lá, entendeu? A gente acabou mudando lá pra Salto. Meus irmãos mais velhos já estavam aqui em São Paulo e a gente já não tinha mais nada que nos prendesse lá em Porto Feliz. A gente pagava aluguel lá em Porto Feliz. O meu irmão já estava em Salto, o acima de mim, o mais velho já estava aqui em São Paulo. E a minha mãe também já estava, ela falou: “Olha, no final das contas o que nós estamos fazendo aqui em Porto Feliz? Então vamos pra Salto. Vamos pagar aluguel aqui, vamos pagar aluguel lá, pelo menos vocês não têm que ir e voltar”. Porque eu sofria muito, cara, eu sofria. Eu era muito raquítico, eu era magro, magro, magro e eu não conseguia dormir de dia, não conseguia, eu sofri muito com isso aí. Eu fiquei mais magro ainda, ficava doente, então minha mãe começou a se preocupar com isso, né? E aí nós fomos pra Salto, morar lá, alugamos uma casa lá. Ficamos em Salto... nós fomos pra Salto no começo de 71. Aí fiquei em Salto em 71, 72, aí meu primo já começou a agitar para eu vir trabalhar na Light, porque meu primo era da Light. Meu primo era muito apegado com a minha mãe.

P/1 – Era um desses primos que...

R – Não, era família do meu pai. Na verdade ele era filho de uma irmã do meu pai. E ele era da Light, o irmão dele era da Light aqui em São Paulo, na época ele já era Chefe de Departamento de Pessoal da Light. Meu primo adorava minha mãe, ele tinha um carinho tão grande pela minha mãe que era uma coisa que ajudou muito a gente lá em Porto Feliz, sabe? Ele ajudou demais a gente lá em Porto Feliz. E na época ele já era da Light também. Então ele falou pra minha mãe: “Manda esse moleque pra São Paulo, ele vai trabalhar na Light lá. O Durval arruma serviço pra ele lá”. Aí começou a amadurecer essa ideia, nós estávamos em Salto já nessa época. Em Salto ficamos lá, mas em Salto, aí é que está cara, aí foi a grande tragédia da nossa família porque nós fomos pra Salto no final de 71. Em 72, em junho de 72 a minha mãe teve um infarte e morreu lá em Salto. Então isso aí acabou com a família, entendeu? Minha mãe tinha 53 anos na época. Minha mãe sempre foi muito magra também, muito raquítica, ela sempre sofreu muito com problema pulmonar. E eu não sei se o fato de ter tanto filho também deve ter contribuído pra isso, né? Então isso aí desmoronou, foi uma coisa assim que ninguém queria mais ficar lá. Ela ficou enterrada em Salto muito tempo, agora há pouco tempo a gente levou ela pra Porto Feliz que eu tenho irmãos que moram lá em Porto Feliz ainda, tenho irmãos que ficaram lá. Você vê que a família é tão grande (risos) que teve gente que ficou lá e está lá até hoje, cara. E nós temos o túmulo do meu pai lá em Porto Feliz. E nós levamos o corpo dela. Minto, meu pai também foi enterrado em Salto e depois a gente levou os dois lá pra Porto Feliz.

P/1 – Como que foi esse baque? Como que foi pra você pessoalmente.

R – Ah, foi terrível, cara. Foi terrível. Eu tinha na época 20 anos, eu sofri demais, foi uma coisa assim que parece que o seu mundo vai acabar ali, você entendeu? Porque é uma cidade estranha, você está chegando ali. Nós fomos tão felizes lá em Porto Feliz, apesar das dificuldades, lá no Paraná, em Porto Feliz, passamos o pão que o diabo amassou mas muita alegria, muita felicidade, não tivemos nenhum, eu não lembro de nada triste lá em Porto Feliz. E foi chegar em Salto, cara, ela teve esse infarte aí e morreu e a gente ficou sem chão. Aí meu irmão não queria ficar mais, eu falei que também não queria mais, meu pai desesperado, cara. Porque imagina você perder hoje uma pessoa com 53 anos? Hoje as pessoas vivem 90, 80. Era muito difícil, cara. E a gente adorava ela, ela era uma pessoa maravilhosa, uma pessoa especial. E mãe, cara? Você imagina você perder sua mãe, você fica... então foi duro, foi duro mesmo, foi terrível, foi uma coisa que eu não gosto nem de lembrar, viu? Mas a gente foi rapidinho. Na época eu trabalhava ainda na fábrica de tecidos, aí a gente ainda tentou continuar, porque também a gente não tinha projeto nenhum de mudança, de nada, não tinha nada. Minha irmã morava aqui em São Paulo, mas morava com uma prima minha, na casa dela. Meu irmão também, o meu irmão mais velho já estava aqui também. Mas era tudo muito obscuro, nada de: “Não, vamos embora todo mundo”. Ir embora como? Não tem como! Você tem que ficar, enfrentar a situação e tentar organizar a coisa pro futuro. E foi o que a gente fez, eu fiquei, ainda saí dessa fábrica e fui trabalhar uma época na Eucatex. Porque nessa época a gente começou a frequentar a igreja católica lá de Salto, meu irmão já frequentava e eu comecei a frequentar também. A gente fazia parte do grupo de jovens, sabe? Foi uma época legal também, apesar das más lembranças, mas isso aí ajudou muito a gente. A gente começou a frequentar o grupo de jovens lá de Salto, fez muita amizade com essa turma, fazia encontros, então isso aí ajudou muito a gente a passar esse período turbulento.

P/1 – Trouxe uma certa paz.

R – Exatamente.





P/1 – Aí dentro desse grupo de jovens, um dos rapazes era chefe do Controle de Qualidade da Eucatex, lá de Salto, uma fábrica enorme lá. Ele falou: “Olha, por que você não faz um teste lá?”. Eu fui, fiz o teste, passei e comecei a trabalhar na Eucatex, já com um salário bem melhor. Ficamos um tempo lá, mas aí esse primo meu lá de Porto Feliz, um dia foi lá em casa fazer uma visita pro meu pai, ele sempre esteve muito presente na nossa família e ele esteve lá com meu pai e falou pra mim: “Você não quer ir pra São Paulo? Por que você não vai na Light?”. Eu falei: “Pô, na Light”. A Light na época era, você falar, pô, estava na Light, meu, é como hoje você falar que trabalha na Receita Federal, que é um puta de um emprego, sei lá.

P/1 – Era uma referência.

R – O cara falava que trabalhava na Light, ele já tinha crédito: “Pode levar o que você quiser”, era assim mesmo. Aí eu vim, fiz o teste aí.

P/1 – A Light fornecia energia pra todo o estado?

R – Sim, na época sim. São Paulo e Rio de Janeiro. Era tudo, tudo Light. Eu acho que não tinha mais nada, era tudo Light, cara. Não era como hoje. Talvez eu acho que tinha CPFL no interior, não lembro. Mas a Light mandava acho que em 80% do Estado de São Paulo. E aí meu primo foi lá, fez a oferta, eu vim fazer um teste aqui. Mas eu estava bem na Eucatex, eu trabalhava no Controle de Qualidade da Eucatex. Tinha um salário até que razoável. Mas não tinha nada que prendesse a gente lá, cara. Minhas irmãs estavam aqui, a gente com aquela lembrança da minha mãe, aquela coisa toda, então a gente fala: “Não, acho que é melhor a gente ir embora mesmo”. Tanto que quando eu vim, eu vim pra morar com essa minha prima também (risos). Porque a minha prima morava no Cambuci, que era onde eu vim trabalhar, nas oficinas do Cambuci. E ela morava na Liberdade, que é do lado. Então eu vim e fiquei junto lá. Também foi uma época meio chata, meio ruim, aquela coisa de você vir, se enfiar na casa de parente. Mas não tinha como.

P/1 – E foi a primeira vez em São Paulo?

R – Foi, foi.

P/1 – Como foi chegar em São Paulo?

R – Ah, você pode imaginar, né? Foi uma coisa assim, que você que mora no interior, apesar de ser tão perto aqui, Porto Feliz é aqui do lado. Mas hoje que eu estou aqui eu vou muito em Itu, que nós temos um museu lá em Itu e você vê pessoas velhas já, pessoas com 60 anos, 70 anos que nunca vieram em São Paulo, tem muito disso no interior. Então você não saía de lá, não que você não sonhasse com isso. Nossa, eu tinha uma coisa, minha irmã vinha pra São Paulo e eu falava: “Meu, quando é que eu vou conhecer São Paulo?”, a loucura de conhecer São Paulo porque a gente sabia que era uma coisa gigantesca, né? Então quando eu vim, cara, eu cheguei, a rodoviária era aqui do lado, a rodoviária era ali. Acho que você não conheceu essa época, né?

P/1 – Rodoviária do Bresser?

R – Não, não. Rodoviária aqui do Centro. Era aqui do lado, eu desci no ônibus ali. Era aqui do lado, era uma rodoviária bonita, na época ela atendia as necessidades de São Paulo inteira, saía tudo daqui, não tinha essa diferença que tem hoje, tem Rodoviária do Tietê, Rodoviária da Barra Funda que sai ônibus para um lado, tem a rodoviária que vai pra praia lá na...

P/1 – No Jabaquara.

R – No Jabaquara. Não, era tudo aqui, entendeu? Então quando eu vim de Porto Feliz eu desci aqui. Mas eu vim, fiz o teste, aí eu fiquei na casa dessa minha prima com minha irmã. Você imagina a situação, cara. Minha prima, lógico que não gostava, nem podia, né? Mas eu tive que ficar lá, eu fiquei uns seis meses morando com ela. Porque aí eu passei no teste, fui trabalhar e tivemos que ficar morando com ela. Ali também foi terrível, foi uma das coisas ruins que eu lembro da minha vida foi esses períodos que nem eu te contei que eu fiquei na casa da minha tia lá em Cerquilho, fiquei na casa dessa aí. Foi uma experiência muito ruim que até hoje eu falo: “Vai ficar na casa...” “Não, não vou”. Se for pra sair pra passear, ficar na casa de alguém eu não fico, cara, eu tenho esse trauma, você entendeu?

P/1 – Se sentiu meio desterrado.

R – Nossa senhora, pelo amor de Deus, cara. Como era ruim, cara, como era ruim. E não tinha o que fazer, você tinha que ficar. Chegava lá era mal recebido, aquela cara feia, aquela coisa. Não fazia comida pra gente. Eu era mocinho novo, sentia uma fome meu, que pelo amor de Deus. Chegava lá, nossa, não tinha comida, eu falava: “Ah meu Deus do céu”. Mas tudo bem, passou. Aí veio, eu entrei aí, aí veio meu irmão. O meu outro irmão, acima de mim, ele não veio pra São Paulo, ele ficou lá em Porto Feliz. Trabalhou em Salto, de Salto ele foi pra Itu, trabalhou em Itu, de Itu ele aposentou e mora em Porto Feliz até hoje. Então o resto da família já estava tudo aqui. Tinha uns irmãos que eram mais novos que não trabalhavam, que quando a minha mãe morreu a minha irmã mais nova tinha sete anos de idade. E o outro mais velho devia ter acho que dez, 11 anos, então era tudo criança ainda. Eu era o mais novo dos que trabalhavam, acima de mim todos trabalhavam, então a gente alugou uma casa aqui no Tucuruvi e viemos morar aqui no Tucuruvi. Aí trouxemos o pessoal lá de Salto, o meu pai estava lá ainda, meus irmãos mais novos, aí ficamos morando no Tucuruvi acho que uns... sei lá, eu morei no Tucuruvi oito anos, até eu casar. Eu casei em 1980. Mas aí eu já estava na Light.

P/1 – O que você fazia na Light?

R – Então, na Light foi engraçado cara, porque foi uma coisa assim, a Light ficou muito tempo sem admitir ninguém, ela ficou acho que vários anos sem admitir ninguém. E as áreas estavam todas defasadas de pessoal, estavam precisando de funcionáro pra trabalhar. Então quando eu entrei, eu entrei com uma turma e eu e mais um rapaz fomos designados para trabalhar nas oficinas gerais do Cambuci. Quando nós chegamos lá nós fomos tão bem recebidos, só faltava ter uma banda lá (risos) porque os caras estavam tão necessitados de gente pra trabalhar que foi aquela festa. Eu cheguei lá na Seção do Pessoal, o cara ligou: “Ô Fulano! Estão chegando dois rapazes aqui pra trabalhar com nós”. Cara, aquilo encheu minha bola, sabe? Eu falei: “Nossa!”. Eu estou chegando do interior,

morrendo de medo, um medo, puta que o pariu. Aí nós fomos recebidos aquele jeito, sabe? E isso aí ajudou muito no meu início lá porque eu me senti valorizado, me senti bem, né? Acho que não tem coisa melhor porque tem muito contrário disso, que você chega e já sente uma rejeição. Lá não, lá foi isso aí, sabe? Desde o dia que eu entrei na Light, cara. E aí eu comecei a trabalhar. Eu sempre fui muito fácil de fazer amizade com as pessoas. Aí me jogaram lá na área de produção mecânica. Porque as oficinas gerais era uma cidade lá dentro, era uma coisa imensa. Imensa, imensa, imensa. Eu cheguei lá e fiquei besta de ver aquilo. Eu falei: “Meu, como que pode uma coisa tão grande desse jeito no centro de São Paulo”. Porque tudo o que a Light fazia, que ela não encontrava no mercado pra comprar, pra fabricar, era feito lá no Cambuci. E a Light, meu, a Light tinha usinas de energia elétrica, coisas gigantescas, sabe? E não tinha quem fizesse as peças das usinas, então tudo era feito lá dentro. Tudo o que você possa imaginar em questão de mecânica e elétrica, manutenção mecânica, engenharia elétrica, engenharia mecânica tinha ali dentro. E tudo cara bom, profissional de mão cheia, cara que era super hiper treinado em fazer aquilo. Porque os caras vinham do Senai, né? A Light na época pegava molecada do Senai, ia pra lá, ficava fazendo estágio lá durante um ano e aí o que a Light fazia? Escolhia os melhores, separava e admitia os caras. Admitia os caras e punha os caras pra trabalhar com os bambambans lá, os caras que eram bons mesmo. Porque era tudo coisa de precisão. A eletricidade, cara, uma usina hidrelétrica. Você já entrou numa usina hidrelétrica? É uma coisa monumental, cara. O dia que eu entrei lá eu fiquei olhando e falei: “Meu, isso aqui”, você fica lá meio que embasbacado, você fala: “Puta, que coisa maravilhosa que é isso”. Então você vai se encantando com essas coisas, a parte elétrica, você fica meio que atordoado com as coisas e fala: “Pô, meu”. E uma empresa do gigantismo que era a Light era difícil, cara, a gente ganhava pouco, o salário não era legal. Porque eu fui trabalhar na parte administrativa, não tinha formação nenhuma, depois que eu fui fazer eletrotécnico, tudo, acabei nem exercendo a minha profissão porque eu já estava tão enfronhado na parte administrativa ali e acabei ficando por ali.

P/1 – Mas foi bom fazer o eletrotécnico?

R – Se foi bom? Foi, lógico que foi.

P/1 – Onde você fez, como que foi a decisão?

R – Ah, a decisão foi porque eu estava dentro de uma empresa de eletricidade, eu falei: “Como eu vou ficar trabalhando a vida inteira na parte administrativa?”, eu pensava em fazer coisas, eu pensava em fazer uma engenharia elétrica, né? Mas a grana era curta, a gente ganhava pouco, eu tinha a minha família aqui em São Paulo. Eu não consegui cortar o cordão umbilical, entendeu? Eu fiquei mantendo, eu e meus irmãos, mais velhos, a gente continuou mantendo a família, né? Então não sobrava muita coisa. Inclusive o curso técnico eu demorei um pouco pra começar a fazer. Mas eu fui trabalhar numa área com um pessoal tão legal, maravilhoso, sabe? Tinha serviço pra caramba, cara, trabalhava que nem uns loucos. Eu entrava sete horas da manhã, saía cinco horas da tarde, mas a gente trabalhava, cara, que tinha dia que não dava tempo nem pra parar pra almoçar, de tanto serviço que tinha. Porque tudo da Light, cara, você imagina hoje você pegar as empresas de energia elétrica do Estado de São Paulo inteiro, o que não tem de manutenção nessas empresas. Tudo era feito ali, tudo ali. Ia tudo pra lá. E nós, na mecânica, o meu serviço era receber esse material todo, catalogar tudo, colocar etiqueta, abrir ordem de serviço e mandar pra cada setor correspondente porque tinha determinada coisa que ia pra um lugar, tinha determinada coisa que ia pro outro, então o nosso serviço era esse. Meu, era uma coisa de louco, a gente trabalhava que nem uns loucos, não tinha tempo pra parar pra pensar em nada, entendeu? E isso aí foi, quer ver, foi uns cinco, seis anos nessa tirada aí. Agora tem um detalhe, depois eu vou te contar outro detalhe. Mas eu ganhava pouco pra caramba, por que eu fiquei tanto tempo na Light? Depois eu te conto. Então, aí você estava ali, cara, naquela pegada ali. Mas o pessoal era uma maravilha, era um ambiente maravilhoso, cara, era muito legal, muito companheirismo. E eles faziam muita confraternização, todo ano tinha confraternização, todo ano tinha viagem. Tem até umas fotos aí que eu vou te mostrar depois de viagem que a gente fazia: “Ah, vamos pra Poços de Caldas”, lotava um ônibus e ia pra Poços de Caldas. A Light mesmo proporcionava viagem. A gente ia pra usina de Cubatão, fazia aquele almoço maravilhoso. Era uma empresa maravilhosa, cara! Ela não pagava bem, não pagava mesmo. Não era só eu, não, todo mundo, até os engenheiros, tudo, ninguém ganhava um salário condizente. Mas por conta do ambiente que a gente tinha, daquela coisa, você acabava ficando ali. E eu acho que na época também o quadro do Brasil também não era nenhuma maravilha. Isso foi na década de 70, né? Você vê que em 73 nós vivemos uma crise de petróleo, foi quando eu entrei na Light. Então, isso aí também ajudou porque não tinha muito o que fazer. Você ia sair de lá pra entrar onde? A não ser que você fizesse um concurso e entrasse num banco Estado, alguma coisa assim. E eu acabei ficando. E eu conheci a minha esposa lá (risos).

P/1 – Como que foi?

R – Esse foi o detalhe, cara, aí é que tá (risos). Eu conheci ela lá. Foi engraçado porque eu entrei e ela estava de férias. E ela estava lá na mesma sala que eu trabalhava. Eu cheguei, só tinha homem, eu falei: “Meu Deus do céu, onde que eu vim parar?”, aí eu cheguei pro meu chefe e falei pra ele, meu chefe era um pretinho baixinho assim, cara, uma pessoa maravilhosa, cara, maravilhosa. Tinha um conhecimento da empresa, do serviço, de tudo. Ele que me ensinou tudo. Minto, na verdade quando eu entrei não era ele ainda, ele era o subchefe, tinha o seu Miranda, que era um portuguesão, ele acabou saindo em 74, acho que não faziam nem um ano que eu estava lá, ele se aposentou e logo que ele se aposentou ele morreu também, foi uma coisa muito chata. E depois esse rapaz ficou. Então eu cheguei lá e falei pro seu Nascimento, que era o meu mais próximo: “Seu Nascimento, não tem nenhuma moça aqui? É só homem”. Ele falou: “Não, tem a moça ali daquela mesa lá, ela está de férias”. Eu fui lá olhar, tinha umas fotos. Ela tinha muita foto em cima da mesa com criança, sempre gostou muito de criança. Eu olhei assim a cara dela eu falei, puta, não gostei muito da cara (risos). Fiquei na minha lá. Aí quando ela voltou, ela tinha ido passar férias lá em São Sebastião, numa prima dela lá. Ela voltou toda queimadinha, sabe? Na hora que ela voltou e que ela entrou assim na sala, eu falei: “Ué, quem é?” “Ah, é a moça lá da mesa” “Ah, é bonitinha, meu, gostei da fachada”. Aí comecei a me aproximar. Mas eu sempre fui muito besta pra isso, medroso pra caramba, né cara, falei, jamais eu ia chegar e falar: “Pô, eu gostei de você, queria namorar”. Imagina (risos). Tanto é que isso foi em 73 e eu comecei a namorar com ela em 76, olha só! Eu levei três anos pra chegar e falar. Mas nessa época ela já sabia que eu estava a fim, né?

P/1 – Não tinha concorrência lá dentro?

R – Não tinha. Até tinha, tinha os caras da oficina lá, a peãozada da oficina que era doida. Tinha uns caras que vinham lá atrás dela e ficavam lá fazendo papo. Mas era muita cobrança, chefe pegava no pé, não tinha essa liberdade toda, não. E meu chefe também não dava esse, tanto que eu tinha medo, né cara? A coisa mais difícil que tinha era eu sair da minha mesa e ir lá fazer alguma coisa na mesa dela. Mas a gente se conheceu lá. Começamos a namorar em 76 e nos casamos em 80, quatro anos pra casar e estamos casados até hoje, vai fazer 40 anos que a gente se conhece, que a gente começou a namorar. Eu casei vai fazer 36 anos já, estamos juntos até hoje.

P/1 – Casaram na igreja.

R – Casamos na igreja.

P/1 – Como foi o dia do casamento?

R – Do casamento? Eu tenho uma foto aí, vou te mostrar a igreja que eu casei lá em Bragança Paulista. É um clube de campo que tem lá, cara, que a gente foi passear uma vez, vimos aquela igrejinha pequenininha lá, ela falou: “Ah, queria tanto casar aqui”. E nós fomos conversar com o administrador lá e ele falou: “Ah, acho que não tem nada. Precisa marcar, tudo direitinho, ver o dia que vocês forem casar, se vai fazer festa, quantas pessoas, tem que organizar”. Acabamos casando lá. Uma igrejinha pequenininha, bem menor do que essa sala aqui (risos), mas foi muito legal, muito bacana, cara. Logo que nós começamos a namorar ela saiu de lá, ela foi trabalhar acho que na... ela foi pra Linhas Corrente, mas ela trabalhou numa empresa antes. Mas ela sentiu muito a saída de lá, sabe, porque na Light nós tínhamos um ambiente muito legal, cara. Todo mundo que entrava lá se saía sentia falta porque é difícil você achar uma empresa que te dava as condições. Meu chefe era uma pessoa maravilhosa, quando eu comecei a estudar ele chegou pra mim e falou: “Maça”, ele me chamava de Maça, ele falou: “Maça, faz o seu serviço aí, se você tiver alguma coisa pra estudar da escola pode estudar, tranquilo. Você fazendo seu serviço rapidinho aí não esquenta a cabeça, pode estudar”. Então era assim, sabe, esse companheirismo. Ele foi meu padrinho de casamento, era muito familiar. E tinha muito de família mesmo lá dentro. Você entrava lá, você conhecia o irmão, o outro irmão, tinha famílias inteiras que trabalhavam lá na Light.

P/1 – Tinha muita brincadeira?

R – Tinha, tinha muita brincadeira (risos). Porque oficina, cara, não tem como não ter, né cara? E o pessoal aprontava muito com os estagiários, na época era aprendiz do Senai que ia trabalhar. Nossa, eles sofreram na mão dos caras. E os caras falavam: “Pô, vai buscar tal martelo. Vai lá não sei onde buscar um martelo de vidro” (risos). Não existe isso. Então essa brincadeira, mas nada de maldade. Mas os caras sofriam, sofriam pra caramba. E era assim, lá na oficina era uma maravilha e eu trabalhava muito na oficina, eu descia muito pra oficina porque meu serviço era mais na oficina do que no escritório, né? O material todo que chegava eu tinha que ir lá separar, catalogar, então era tudo lá dentro da oficina. Isso aí inclusive me ajudou na época que eu aposentei porque eu acabei aposentando, eu consegui um tempo por causa de ruído, era muito barulho, entendeu? Então o pessoal que trabalhava na oficina, eles inclusive ganhavam um adicional por causa de insalubridade, de barulho, não sei o quê e eles aposentavam com cinco anos de serviço. Eu consegui acho que dez anos, você conseguindo provar que você trabalhou em área de ruído você adiciona mais quatro anos, entendeu, pela especial. Isso aí que me ajudou a aposentar, que aí eu juntei com o tempo lá de Salto, que eu trabalhei lá que também era insalubre. Lá era muito insalubre, lá era terrível, cara, fábrica de tecido, nossa senhora, é muito insalubre. Então eu juntei a acabei aposentando em 98.

P/1 – E nessa época a sede da Light ainda era lá do lado do Teatro Municipal, né?

R – Sim.

P/1 – Vocês iam muito lá?

R – Eu ia porque como eu estava ligado nessa questão da manutenção, aí já foi uma outra etapa porque teve uma época que eu fui comprador. Eles me tiraram dessa função e me puseram como comprador, porque o comprador já estava quase na época de aposentar então eles precisavam treinar alguém, então principalmente quando ele saía de férias eu ficava no lugar dele e o Departamento de Compras era ali, então tinha muita coisa que tinha que vir aí no escritório central pra dar entrada em compra de determinados materiais. Depois esses departamentos saíram daqui porque na época eles já estavam com a ideia de vender esse prédio, foi lá pra Brigadeiro Luís Antônio, lá em cima, quase lá perto da Paulista. Era alugado, na verdade lá, mas a Eletropaulo ficou muitos anos lá na Brigadeiro Luís Antônio. Aí eu ia lá na Brigadeiro Luís Antônio, mas eu vinha muito aí também, no prédio aqui onde é o Shopping Light.

P/1 – E como era o prédio? Porque é um prédio imponente.

R – Ah, o prédio é maravilhoso! Ele foi muito mexido na época da venda dele. Eles quebraram muita coisa. Mas aquele prédio ali, tudo o que tem ali dentro foi feito com material importado. Os azulejos de parede, piso, vinha tudo da Europa, cara. Tudo da Europa. Elevador. Tudo importado. Os mármores dos banheiros. Depois mais pra frente a gente vai falar sobre a Fundação e talvez você vai entender melhor o que eu vou te falar, mas os banheiros eram todos feitos com mármore importado da Europa, era uma coisa assim... porque a Light, na verdade, era uma empresa canadense, ela não era brasileira.

P/1 – Eu achei que ela era britânica, eu sempre achei.

R – Não, ela era canadense. Eles vieram pro Brasil na época que foram implantados os bondes aqui no Brasil, entendeu? Começo do século. Eles vieram, implantaram os bondes. Tanto que as oficinas gerais onde eu trabalhei, ela foi criada pra fazer manutenção de bonde. Os bondes no começo do século eram movidos a animais, eram os animais que puxavam. Depois, quando veio a eletricidade pro Brasil, eles eletrificaram os bondes, aí eles criaram as oficinas gerais pra fazer manutenção dos bondes. Então as oficinas gerais era uma coisa secular. Hoje não existe mais, foi tudo derrubado, que quando venderam no ano passado, ano retrasado, derrubaram tudo. Hoje só tem o terreno lá que a gente nem sabe o que vai ser feito ali, se vai ser feito prédio. Está lá parado. E a Light era canadense. Agora, o que tinha? Tinha muito engenheiro inglês, era tudo gente da Inglaterra ou era canadense, ou americano, principalmente pessoal de nível de chefia, não tinha brasileiro, era tudo importado. E o prédio que eles fizeram ali, cara, nossa, era uma coisa monumental. Você entrava dentro daquele prédio lá, você olhava aquelas escadas, tudo mármore, parede tudo azulejo. Depois que eu entrei aqui na Fundação que eu fiquei sabendo que aquilo tudo veio da Europa. Porque é assim, a Light era uma empresa que se eles viessem pôr um poste aqui, vinha um fotógrafo, tudo documentado. Tiravam foto. Então tem foto de tudo o que você possa imaginar de obra da Light e está guardado aqui na Fundação.

P/1 – Qualquer coisa que eles fizessem?

R – Tudo, tudo, tudo. Tudo eles fotografavam. Eles contratavam fotógrafos na época tinha um fotógrafo que chamava Gaensly, eu não lembro, ele era europeu, eu não lembro bem o país que ele nasceu, mas ele morava na Bahia essa época. Ele era uma fotógrafo já renomado e a Light contratou ele pra fazer esse trabalho de documentação. Então a Light até lançou um livro dele sobre essa documentação que ele fez. A Fundação lançou vários livros de São Paulo antigo. Agora há pouco tempo lançaram um aqui muito legal, cara. Porque esse primeiro livro que eles lançaram do Gaensly aí pegou bem no começo do século lá e veio acho que até mais ou menos 1940, depois lançaram um de 1920, 1940, então você vê o centro de São Paulo, você vê a Avenida Paulista, cara, o que era a Avenida Paulista. Tem uma foto aqui em cima, ontem eu estava vendo, nem sei por que aquela foto está em cima da mesa aqui no escritório, que tem a foto da avenida Paulista sentido Paraíso em 1920 e tem a outra do lado que é a atual. Cara, é muito legal isso, é muito legal você ver.

P/1 – E a Light era responsável por tudo.

R – Tudo.

P/1 – Desde fixar os postes...

R – É, a Light na verdade foi responsável pelos bondes, tanto que chamava de São Paulo Tramway, Light and Power, transporte em inglês, eu não tenho muita certeza, mas alguma coisa relacionada ou a transporte, entendeu, ligth, luz, and power, que é força, né? Tudo inglês. Até o limitada era escrito em inglês, o nome da Light. E era aqui em São Paulo e no Rio de Janeiro, né? E eles ficaram. Eles na verdade tiveram uma concessão do governo federal no começo do século pra atuar durante... porque na época quando foi “privatizado”, em 82 o Maluf comprou a Light. Comprou assim, simbolicamente. Mas por que? A Light já estava vencendo a concessão dela, entendeu? Mas foi desde o começo do século a concessão até 80... se não me engano a concessão ia até 85, uma coisa assim. Eu sei que estava vencendo. Então eles começaram a sair fora, abandonar, entendeu? Começou a sucatear. Eles falaram: “Não tem mais interesse, por que nós vamos ficar investindo numa empresa que nós vamos ter que entregar daqui três, quatro anos?”. Então chegou num ponto que o governo teve que intervir. Então o pessoal fala: “Ah, o Maluf comprou a Light pra ganhar dinheiro”. Não foi, não é verdade isso. Ele comprou porque se ele não comprasse nós íamos ficar sem energia. Então esse foi o lado negativo da Light aqui na Brasil. Mas a Light existe até hoje no Rio de Janeiro, apesar que foi vendida também, não é mais Light, não é mais canadense como era, entendeu? No Rio mantiveram o nome Light, mas na época ela foi vendida para uma empresa francesa, como aqui em São Paulo foi também, né? Depois que foi sendo repassada e no fim acabou caindo na mão da AES que é uma empresa americana. Mas a Light foi uma empresa maravilhosa enquanto ela durou, entendeu? Em todos os sentidos, cara! Porque a gente não pode no Brasil, cara, existiram muitas, assim como existem até hoje. Hoje mesmo nós estamos vivendo um período turbulentíssimo, né cara? Talvez, acho que a maior crise que a gente já viveu no Brasil a gente está vivendo hoje, principalmente crise econômica, né? Então você lendo os livros como eu li muito aqui na Fundação, eu li muito livro sobre a história da eletricidade no Brasil, o que se passou. Então ninguém sabe nada o que rolou dentro da questão de eletricidade aqui no Brasil. O Brasil foi um país difícil para essas empresas aí porque sempre tivemos crises econômicas, de cada dez anos nós temos uma crise econômica aqui no Brasil, né? Então quando existe essas crises as empresas sofrem demais, cara. Nós tivemos agora com a Dilma mesmo, ela não estava segurando a tarifa de energia elétrica? Segurou aí não sei quantos anos. Então a empresa fica amarrada, cara, porque ela tem um custo enorme. A produção de energia é muito cara, as empresas de energia pagam muito caro pela energia elétrica, você entendeu? Hoje mesmo eu estava lendo um editorial esses dias aí de um jornal, eles estavam falando sobre o problema atual da AES. Por quê? Porque existem os leilões de energia elétrica, você tem que comprar energia hoje a energia que você vai fornecer o ano que vem, porque é feito um leilão. Então você calcula mais ou menos o quanto você vai precisar de megawatts de energia pra você fornecer em 2017. E você pega sobre isso, você paga caro. E chega em 2017 a crise aumentou, está pior do que hoje, entendeu? Então, a energia que você vai fornecer é muito menor do que você imaginou que fosse e a empresa tem que pagar essa energia. A Eletropaulo está passando por um problema hoje, eu li no jornal esses dias. Isso aí vem desde o começo do século, sempre foi muito turbulento isso aí. Eu vejo alguns gráficos que nós fizemos de algumas exposições de 1950, 1960 que foi quando a energia pegou no breu mesmo, né, cara. Porque a energia no começo do século não era muito usada, ela começou a ser usada mesmo depois de 1930, 1940, que foi que a coisa começou a andar mesmo. Só que assim, ela sempre teve esse problema de tarifa, o governo nunca deixou as empresas cobrarem o que elas tinham que cobrar da tarifa por causa da inflação, porque nós sempre tivemos esse problema de inflação, sempre foi uma coisa que o brasileiro conviveu muito, a inflação sempre foi um grande mal aqui do Brasil e as empresas sempre sofreram muito em cima dessa questão de tarifa de energia, tem que comprar por um preço x e vender por um preço mais barato, entendeu? Então sempre foi muito turbulenta essa convivência de empresa com governos federais. Não é só energia, a água também, a Sabesp também.

P/1 – Você estava falando desse período que a mudança de Light para a Eletropaulo é por volta dos anos 80.

R – 82.

P/1 – Enquanto ainda é Light esse período foi basicamente todo o período da ditadura militar.

R – Sim.

P/1 – Era uma relação difícil também?

R – Sim, sempre foi, sempre foi. Mas nesse período aí nós tínhamos... o problema maior eu acho que sempre foi a questão da inflação alta, nós sempre tivemos inflação muito alta aqui no Brasil. E o governo sempre segurou a tarifa, o que ele podia segurar ele segurava, entendeu? O que não dava pra segurar eles liberavam. Mas a tarifa de energia sempre foi uma coisa muito defasada aqui no Brasil nesse período aí, então as empresas sofreram demais com isso. Tanto que você vê a Light, a Light poderia ter continuado aqui em São Paulo, que São Paulo é uma potência, né? Você fica imaginando: “Pô, mas como é que uma empresa de energia vai passar dificuldade com tudo o que ela vende de energia aqui em São Paulo?”, se você parar pra pensar é verdade mesmo, como é que pode? Se você não pagar sua conta de luz eles cortam a sua luz. Mas o problema é o custo de uma empresa de energia é muito alto, a manutenção de uma empresa de energia, principalmente da geração de energia, é uma coisa fabulosa, é altíssimo, altíssimo. Mesmo na distribuição, que é o caso da AES hoje. Porque na época da Light ela era tudo, ela era produtora, transmissora e distribuidora. Porque nós temos a produção, que são as usinas, temos várias usinas, tem Itaipu, tem tudo quanto é usina de produção de energia. E não é da empresa que distribui. Vamos supor, nós temos Itaipu. Itaipu é binacional, a energia de Itaipu, por exemplo, é vendida em dólar, cara. Ela não é só brasileira, ela é do Paraguai também. E nós temos as usinas do rio Paraná, por exemplo, que foram todas construídas pelo Governo do Estado. O Governo do Estado de São Paulo construiu muita usina, principalmente nas décadas de 70 e 80, isso que praticamente salvou o Brasil por muito tempo. Porque o sistema brasileiro é todo interligado, então essas usinas é que seguram. Se não existissem essas usinas aqui no Estado de São Paulo o Brasil já tinha sofrido apagão aí, não teria energia pra suprir toda essa demanda que nós temos. Então as empresas, na época a Light era produtora, que ela tinha várias usinas, e era distribuidora também, ela produzia e vendia. Então para uma empresa dessa não continuar no país, cara, é porque a política energética do país é muito desfavorável porque tem tudo pra ser uma coisa rentável, mas não é. A AES está ameaçando sair fora do Brasil porque encontra essas barreiras, é uma coisa que você acaba achando, você que tem um conhecimento um pouquinho maior que já trabalhou, você fala: “A empresa tem razão, cara, porque é muito instável a política energética. Hoje é uma coisa, amanhã já não é mais”, tem essa questão. Nós tivemos isso no governo atual, da Dilma, de ficar segurando tarifa de energia, não só de energia, de gasolina, de petróleo, pra depois. Aí o estrago já está feito, entendeu? É difícil você recuperar. E você vê, cara, nós tivemos várias pessoas no Brasil que foram muito idealistas nessa questão de energia elétrica. Nós temos um livro aqui na fundação que é do Eloi Chaves, acho que

você nunca ouviu esse nome, né? Esse cara é exemplar, ele era um político aqui de Jundiaí, mas no começo do século, acho que foi 1910, década de 20, ele começou a se voltar pra área de energia elétrica. Ele começou a comprar pequenas usinas no interior de São Paulo e nós temos uma que está com nós hoje, usina de Rio Claro que ele comprou e investiu. Ele era muito rico, de uma família muito rica, ele vendia propriedades pra jogar tudo lá. Por quê? Porque não ganhava nada, ele não tinha retorno. A família dele brigava com ele porque ele só gastava dinheiro naquela usina e ele: “Não”. E eles venderam aquilo, ele já tinha morrido, mas o filho dele vendeu acho que passou pra Cesp, acho que foi na década de 70, 80 que ele vendeu pra Cesp, entendeu? Mas foi a vida inteira. Você vê que são pessoas idealistas, que gostam da coisa, que querem. Ele foi dono de muitas pequenas empresas de energia elétrica aqui na área de Rio Claro, Piraju, Campinas. Então o Brasil sempre teve esses pioneiros, sabe, esses caras que batalharam a vida inteira para tentar fazer e isso ajudou muito. Depois essas empresas foram todas, as grandes empresas, no caso a Cesp acabou aglutinando e comprando todas essas usinas, ficaram muito tempo na mão da Cesp também.

P/1 – E como foi pra você, que trabalhou muitos anos na Light e aí mudou pra Eletropaulo. Como que foi a...

R – A transição? Olha, pra nós foi muito bom, pros funcionários foi muito bom porque o que a Eletropaulo na época, assim, passaram-se alguns anos, acho que uns quatro, cinco anos que a coisa começou a melhorar, mas por quê? Porque a Eletropaulo, o que eles perceberam? Que os funcionários estavam muito desmotivados. Eu, por exemplo, já estava lá há quase, eu sou de 73, eu estava há quase dez anos trabalhando lá. Mas assim, o salário muito pequeno, ninguém ficava. A Light mesmo, no final do período dela aqui, o pessoal entrava, ficava um, dois anos, aprendia alguma coisa, porque lá você aprendia muita coisa, o cara que entrava lá, técnico em eletricidade, eletrônica, você entrava, aquilo era uma escola maravilhosa, entendeu? Parte de mecânica também. Porque ali no Cambuci nós tínhamos a parte elétrica, fazia manutenção de transformadores de alta potência, de baixa potência e tinha toda essa parte de distribuição, isso é muita coisa que vai, chaves de ligadoura, um monte de coisa, uma infinidade. Por isso que eu falo que o custo da eletricidade é muito alto. E são materiais caros, é tudo muito caro. Hoje se usa muito alumínio na distribuição de energia elétrica, mas na época era tudo cobre, cara, não tinha, não existia fio de alumínio na distribuição de energia. Muito por causa de roubo de cabos, que até hoje existe muito isso, então eles começaram a usar muito alumínio. Mas na época eu lembro que eu fazia compra, eu te falei que eu era comprador, né? Cara, você ia comprar material, você ia comprar solda prata, contato de prata, meu, era umas coisas assim, um custo gigantesco, era uma coisa muito cara. Eu falava: “Como uma empresa consegue se manter tendo um custo desse?”, e até hoje é caro, o custo da eletricidade das empresas de distribuição de energia gasta muito dinheiro com manutenção. Eles arracadam muito porque estamos pagando um custo razoável pela energia, mas o gasto que eles têm com a manutenção não é uma coisa assim. E voltando ao que você tinha perguntado da transição. A gente ganhava muito pouco na Light, o pessoal entrava lá pra aprender ali no Cambuci. Engenheiro entrava lá, ficava um ano, adquiria aquele conhecimento todo na parte de mecânica ou de elétrica e depois ia embora pra outra empresa, não ficava. E aí a Eletropaulo começou a se incomodar com isso, falou: “Pera aí, nós não temos um corpo de funcionários especializados, que é o que precisa uma empresa dessas”. Uma empresa dessas precisa de funcionário treinado, precisa cara que fica ali 15 anos, que morra ali dentro e que trabalhe a vida inteira ali dentro (risos), porque é um ramo muito complexo. Aí ela começou a investir no quadro de funcionários e começou a melhorar pra gente, entendeu? Eles fizeram um plano de cargos e salários. Pra você ter uma ideia, eles implantaram um plano de cargos e salários, foi em 1988 se não me engano, que o meu salário dobrou. Dobrou, cara. Por quê? Porque eu estava naquela função há trocentos anos, não tinha mais como crescer, eu cheguei no topo. E aí eles implantaram esse plano de cargos e salários com as divisões em cada função. Tanto é que eu passei do que eu era na época, acho que era assistente administrativo, alguma coisa assim, e eu fui ser analista administrativo, que já era uma função quase no topo da carreira administrativa lá, mas com um salário muito melhor, muito melhor. E na época eu já era coordenador de uma área lá. Então em 88 aconteceu isso, os engenheiros todos receberam um aumento de salário gigantesco, foi uma coisa que aí mudou completamente. Porque nesse período daí do fim da Light até a Eletropaulo começar a fazer isso foi um período muito morto dentro da empresa, muita gente saindo, o pessoal relaxou porque perdeu completamente a motivação do trabalho mesmo, foi um período meio turbulento dentro da empresa. Mas depois quando implantaram esse plano de cargos e salários, aí deu um up, o pessoal já falou: “Pera aí, vamos voltar”. Aí voltou a ser uma empresa maravilhosa. Aí foi só coisa boa. Depois que teve essa mexida. Porque todo ano tinha esse plano, eles fizeram um Plano de Maturidade, então você tem tantos anos na sua carreira, aí todo ano você tinha uma avaliação, o seu chefe fazia uma avaliação do seu trabalho e em cima dessa avaliação aí você era classificado lá dentro desse plano, então o pessoal começou a caprichar mais, ser mais assíduo, não tinha mais falta, pessoal não faltava no serviço, tudo pensando nisso aí. A gente falava: “Tem Maturidade em novembro, então vamos caprichar”. E realmente, cara, funciona porque depois que implantaram isso aí a empresa mudou da água pro vinho. E na verdade nunca foi uma empresa ruim, nunca foi. Até hoje eu levanto a mão pro céu de ter tido esse privilégio de ter trabalhado numa empresa como a Light, como a Eletropaulo. Privilégio. Hoje eu vejo meus filhos e eu tenho dó deles porque pra nós que trabalhamos lá foi um prêmio. Depois desse período a gente viveu um período muito bom e também nós tivemos sempre um sindicato muito atuante e convivendo muito bem com a empresa também, então sempre tiveram bons aumentos, chegava na época do nosso dissídio sempre fizeram bons acordos, você entendeu? E a empresa nesse período aí, acho que nós estávamos vivendo um período bom dentro do país também porque não lembro nada de muito relevante na parte econômica nessa época, não lembro direito, mas acho que não foi tão ruim porque a empresa sempre foi muito generosa com a gente nesse período aí. Mais pra frente veio a parte de venda da empresa, aí já voltou a ser um, que talvez você vá fazer alguma pergunta mais pra frente. Mas nesse período de transição teve esse período ruim, depois começou a melhorar e ficou muito bom e a gente. Se você visse a oficina, a oficina sempre foi um lugar de muito trabalho, você entendeu? Muito trabalho. Eu chegar pra você e falar: “Não, a gente passar”, nunca teve isso, cara. A gente sempre teve muito trabalho, mas nada que impedisse você de ter as brincadeiras lá dentro, coisa que faz parte do convívio ali. Porque a maioria é homem, acho que 95% dos funcionários eram homens, as mulheres ficavam lá confinadas dentro dos escritórios (risos). Mas ali na oficina era só homem, então é natural que tenha essas...

P/1 – Você tinha comentado antes do futebol dentro da empresa. Como era?

R – Nós tínhamos campeonatos. Porque era assim, dentro da oficina tinha Caldeiraria, Solda, Pintura, Máquinas Operatrizes, Ajustagem, cada setor desse tinha um time. Cada time bom que os caras conseguiam formar! Porque nessa época teve muito pessoal que veio do Chile pro Brasil, vinha pra trabalhar na Eletropaulo. Tinha chileno na Solda, na Caldeiraria e eu acho que eles mesmos traziam os amigos deles, os parentes deles, então começou a encher de chileno no Cambuci. Vou te contar, o pessoal era bom de bola, viu? E a gente fazia campeonato lá dentro. Tinha uma quadra lá dentro e a gente fazia os campeonatos lá dentro lá, campeonato interno.

P/1 – Dentro do...

R – Dentro do complexo nosso, do Complexo do Cambuci.

P/1 – Não, era em várzea, essas coisas.

R – Não, não. A gente jogava lá dentro mesmo. Era futebol de salão. Tinha lá, nessa época eu já não jogava mais futebol de campo porque eu sempre gostei muito de futebol de campo. Mas quando eu entrei na Light eu comecei a jogar futebol da salão na Light e eu nunca mais me interessei por futebol de campo, sempre gostei de ficar jogando futebol de salão. Então nós tínhamos campeonatos ali, meu, saía cada briga lá dentro, cara que você não pode imaginar, viu? Era uma coisa assim, muito. Mas era gostoso, cara, o pessoal ficava, o pessoal da oficina, quando tinha campeonato mesmo ia chegando nos jogos finais, a quadra fechava de gente em volta, e era aquela torcida, aquela coisa, puta, era muito gostoso.

P/1 – E tem alguma história legal desse período?

R – Ah cara, história legal que nós formamos um time muito bom no escritório. Isso foi em 76, nós conseguimos formar um time lá maravilhoso, cara. Era eu, o Augusto, uns caras bons de bola lá. E nessa época a gente fez um campeonato lá que nós aceitávamos times de outras áreas da Light, em 76 era Light. No escritório central aqui tinha uns times que ninguém ganhava desses caras, ninguém ganhava. Tinha a Seção de Cópias que naquela época era um setor de cópias, de xerox, olha só como era a coisa, não existia, era tudo na base do mimeógrafo, não tinha cópia, xerox, uma coisa surreal. E tinha setor de cópias que os caras tinham um time imbatível, ninguém ganhava desses caras, ninguém ganhava. Aí eles foram disputar o campeonato lá no Cambuci com nós. E nós enfiamos um saco nos caras, bicho, ganhamos dos caras, mas aquilo virou, saiu no jornal. A Light tinha um jornal, olha só, tinha o jornal da Light, era uma coisa fantástica. Eles imprimiram, você ia lá, você ligava lá no Jornal da Light e falava: “Pô, tem uma amiga minha aqui no setor, eu queria que vocês fizessem uma entrevista com ela”. E os caras iam, bicho. E eu indiquei essa moça que hoje é a minha esposa (risos). Eu e um amigo meu: “Vamos pôr a Irene nessa fria aí”. Aí ligamos lá e falamos: “Pô, temos uma moça aqui que é muito legal, ela gosta muito de criança. Por que vocês não fazem uma entrevista com ela?”. Aí foram, cara. Isso acabou virando piada e ela tem esse jornal guardado até hoje. Mas assim, os campeonatos eram muito legais, cara. E as brigas saíam, era uma coisa terrível, cara, saía cada briga, aqueles caras tudo de oficina, cada puta troglodita, você podia esperar o que, né? E os caras ainda iam na rua antes do jogo tomar uns gorós na rua e depois voltava pra jogar bola. Então saía muita briga lá dentro.

P/1 – Esse ano que vocês jogaram com o pessoal de cópia vocês ganharam.

R – Ganhamos. Nosso time era muito bom.

P/1 – Como era o nome do time?

R – O nosso time era Prodesp. O de cópias era Cópias mesmo. O nosso era Prodesp porque era Produção, Desenho, porque no setor que eu trabalhava a gente tinha Produção, Desenho e o que mais que era mesmo? Não lembro o restante, mas era Prodesp, até formava. Porque já existia o Prodesp na época que acho que era um setor do governo, não sei se era da Receita, tinha um órgão que chamava Prodesp. Mas era um time bom. Nós saímos pra disputar jogos fora. Enquanto nós conseguimos manter os jogadores unidos, a gente ganhou muito campeonato, muito jogo, time bom pra caramba.

P/1 – Mas essa final foi contra qual?

R – Essa foi memorável.

P/1 – Como foi o jogo?

R – Nós saímos de lá. Acho que nós ganhamos de 4 a 1 dos caras. E aí foi legal porque estava a oficina inteira torcendo pra gente, entendeu? Porque os caras eram de fora, né? E eles disputaram campeonato lá dentro e ficaram pra final com a gente. E aí a gente ganhou dos caras. Mas foi uma farra, saímos de lá e fomos pra churrascaria, tudo o que merecia nós fizemos, foi muito legal. Aquilo lá ficou gravado na história.

P/1 – Eu esqueci de perguntar antes. Você veio pra São Paulo, tal. Você via jogo bastante no estado, essas coisas?

R – Não, não. Para não falar que eu nunca fui, quando eu vim aqui pra São Paulo eu fui com um primo meu no Parque Antarctica assistir a um Corinthians e Palmeiras que teve uma briga. Em 73 isso. Teve uma briga, cara, mas uma briga perto da gente. Naquela época o pessoal entrava com bandeira no estádio e você via nego com pau de bandeira batendo na cabeça do outro, sabe? E olha, demorou para eu voltar, demorou muito tempo para eu voltar em estádio. Eu fui depois, fui várias vezes no Morumbi. Parque Antarctica mesmo eu nunca mais voltei, mas eu fui no estádio da Lusa assistir jogo do Santos, fui no Morumbi, meu filho é sãopaulino, né? Eu ia com ele assistir São Paulo. E fui na Vila Belmiro.

P/1 – Você conseguiu ver o Pelé jogando ao vivo então?

R – Não. Por incrível que pareça não consegui, não consegui. Porque o Pelé parou em 74. Não é que ele parou, ele saiu do Brasil em 74. Eu tinha vindo pra São Paulo em 73, então não deu pra ver.

P/1 – E ele era o grande ídolo.

R – Ah, ele era uma maravilha, né? Você vê o Pelé jogando hoje ainda, você assisti aos jogos dele e fala: “Pô, não é à toa que o cara é considerado o rei do futebol”. Porque o cara era fantástico. Copa de 70 eu estava lá em Porto Feliz ainda, morava lá. Putz, isso foi a coisa mais deliciosa em questão de futebol que eu vi na minha vida, foi a Copa de 70, cara! A seleção do Brasil era uma coisa maravilhosa, como jogavam bola. Pelé, o Pelé estava no auge da carreira dele, nessa época ele estava com 31 anos se não me engano. Jogou muita bola. Pelé, o Gerson, Rivelino, o Clodoaldo. Esses dias eu vi, no final de semana passado eu vi o Clodoaldo dando entrevista dentro da Vila Belmiro, ele está velho pra caramba. Puta, esse cara jogava uma bola, meu. Ele acabava com o meio de campo de qualquer time, muito bom.

P/1 – Vocês estavam em Porto Feliz, como você acompanhou a Copa?

R – Então, foi engraçado que lá não tinha televisão. A Copa foi em junho, quando foi em abril minha irmã apareceu com uma televisão lá em casa, novinha. Puta cara, aquilo foi uma coisa que marcou, puta que delícia, né meu? A gente ia assistir seriado na casa do vizinho. Ninguém tinha na verdade, televisão era uma coisa que muito pouca gente tinha. Geladeira não tinha! Ninguém conseguia comprar uma geladeira, era uma coisa difícil você adquirir uma geladeira (risos), era difícil. Devia custar muito caro, não sei por que era tanta dificuldade você ter uma coisa dessas. Televisão ainda era uma coisa mais assim, porque não era costume mesmo das famílias terem televisão. Você tinha muito rádio, as mulheres ouviam novela em rádio, tinha muito programa bom de rádio, de música, cantoras. Mas tudo no rádio. A televisão estava entrando, na verdade. Então na véspera da Copa de 70 a minha irmã me compra uma televisão. Meu, aquilo foi a coisa mais deliciosa que aconteceu na nossa casa por um bom tempo (risos). E nós assistimos em branco e preto, hein? Branco e preto, não era colorido não. Mas, pô, você já pensou assistir a uma Copa pela televisão, cara? Foi uma coisa muito legal, muito bom mesmo. Na época eu lembro que eu fazia datilografia, olha só, ia pra escola de datilografia. Aí saía da escola, os caras já estavam tudo enfileirados cantando o hino nacional pra começar o jogo. Meu, o que eu corria da escola pra minha casa pra chegar lá e assistir ao jogo (risos). Acendia vela, ajoelhava na frente da santinha, rezava (risos), era uma coisa assim, muito legal, era muito gostoso. E aí o Brasil campeão, você imagina a festa, que farra que foi. Mas a seleção de 70 era muito boa, bicho.

P/1 – Teve algum lance dessa Copa que é o que você lembra?

R – Ah, vários, vários. Vários lances. Porque o Brasil sofreu um bocado. O primeiro jogo nosso se não me engano o Brasil já estava perdendo de 1 a 0. Mas tiveram vários lances magistrais, uma coisa maravilhosa. Os passes do Gerson. O primeiro gol nosso contra a Checoslováquia, que foi o primeiro jogo do Brasil, um puta golaço do Pelé, não sei se vocês chegaram a ver esse lance aí que é um lance que ele mata no peito e troca de pé no ar, cara. Você chegou a ver esse lance aí? Porque eles passam isso direto, até hoje eles passam. Mas ele sobe numa altura e lá em cima ele estava pra bater como o pé direito e ele troca de pé no ar, cara! A hora que ele cai, que a bola quica no chão, ele já bate com o pé esquerdo e faz o gol. Um puta de um lance maravilhoso. O gol do Gerson no final contra a Itália foi um puta de um golaço também. Tiveram vários. Rivelino fez cada puta gol. Foi uma seleção inesquecível, cara, muito legal mesmo. Depois dessa Copa aí, esse foi o tri já, o tricampeonato. Mas o tetra foi legal, lá nos Estados Unidos. O penta foi legal, mas nada que se compare, nada que se compare. Porque naquela época tinha seleções muito boas, a Itália tinha um puta de um time. A Romênia, cara, tinha um timaço. O Brasil sofreu pra caramba pra ganhar da Romênia. O Peru tinha um timaço, Uruguai tinha um timaço. Você vê que eram vitórias de 1 a 0, 2 a 1. Inglaterra, puta de um time. Copa de 70, Inglaterra, um timaço, timaço. O Brasil ganhou de 3 a 1 mas sofreu pra caramba pra ganhar da Inglaterra. Mas nós tínhamos um puta time, nós tínhamos uma defesa maravilhosa, cara. O goleiro nem era lá essas coisas, não. O Felix não era, não era mesmo. Mas a defesa era muito boa, o meio de campo era maravilhoso e o ataque então, nem se fala. Pelé, Rivelino, só fera, só fera mesmo.

P/1 – Voltando agora pra Eletropaulo, você comentou da venda. Primeiro tinha outra questão, você tinha falado uma hora que você iria falar depois do porquê você ficou muito tempo na Light, era a questão da sua esposa.

R – Sim.

P/1 – Ah, tá, então a gente já cobriu. Então vamos voltar pra venda da Eletropaulo que você falou que foi outro momento.

R – Sim. A venda da Eletropaulo foi em 98. Na verdade, eles começaram a dividir a empresa em 95, quando o Mario Covas assumiu o Governo de São Paulo a ideia dele já era vender tudo. Na verdade o governo nessa época vendeu foi tudo, eles venderam gás, venderam as empresas de telefonia, a Telesp, venderam tudo. E a empresa de energia ele dividiu em cinco empresas, se não me engano. Quatro ou cinco empresas. Foi a Bandeirantes, foi a Emae, a AES Eletropaulo e a de transmissão, como que chamava mesmo? Me fugiu o nome agora. Acho que foram quatro empresas que foram criadas já dividindo a Eletropaulo. Então nessa época já foi um fuzuê danado lá dentro porque começou aquele burburinho: “Vai mandar todo mundo embora”, “Quem tiver tempo de aposentar sai”. E a gente não tinha intenção de sair da empresa, nunca passou isso pela minha cabeça, porque uma empresa desse naipe, nós tínhamos tudo lá, nós éramos muito sortudos. A grande verdade é essa, nós éramos sortudos de trabalhar dentro de uma empresa como a Eletropaulo, cara, que ela sempre foi muito generosa com a gente, uma empresa que nunca atrasou um salário, nunca atrasou. Pra você ter uma ideia, na época da inflação alta, galopante, em 1994, você não viveu isso também, você é muito novo. Em 94, está aí, dias atuais, momentos bem recentes. Em 94 a inflação nossa era de 30%, 40% ao mês. Dá pra você imaginar isso, cara? Vamos supor, você recebe mil reais hoje, no final do mês, faz as contas pra você ver, quatro vezes 40% a menos você receberia no seu salário, se o seu salário não fosse corrigido. A Eletropaulo era a única empresa que corrigia mensalmente o salário, ela corrigia. Aliás, ela corrigia o nosso vale do dia 12, quando você recebia o vale ele já vinha corrigido. Ninguém fazia isso, ninguém, ninguém, nenhuma empresa, ninguém corrigia mensalmente salário, o nosso salário era corrigido mensalmente. Se fosse 30% a inflação eles corrigiam 30%. Eles criaram até uma tabela de salário pra facilitar a classificação de cada salário dentro de cada tabela. Então no dia 12 saía uma tabela, você ia lá e você já sabia quanto ia ser seu salário no dia 12. No dia primeiro era corrigido novamente pela diferença do dia 12 até o dia primeiro. E assim sucessivamente. Então, chegava no fim do ano, nós temos a Fundação Cesp, que nós éramos, eu sou coligado até hoje porque eu sou aposentado inclusive pela Fundação Cesp também. Só que a gente pagava e pagava uma grana razoável, entendeu? Pra você ter uma ideia em 98 foi o último ano meu na Eletropaulo eu paguei 450 reais de Fundação Cesp, é o plano de aposentadoria nosso, 450 reais em 98, não é um dinheiro desprezível, cara, era uma grana boa que a gente pagava. Só que hoje eu sou aposentado e eu recebo pela Fundação também, entendeu? Eu recebo pelo INSS e pela Fundação. Mas eu paguei desde 1974 isso aí, paguei durante 24 anos. E pagava assim uma quantia boa, razoável. Tanto que teve várias pessoas que abandonaram isso aí: “Ah, isso aí não vai dar em nada, vou parar de pagar” e depois se arrependeram profundamente. A Fundação Cesp é uma fundação muito bem administrada, consolidada, uma coisa que eu já estou aposentado pela Eletropaulo desde 98 e nunca, todo mês você chega lá e a sua aposentadoria está lá. Então a gente tinha tudo isso aí, chegava no final do ano ela te dava presente pros seus filhos. Era uma coisa assim, chegava na portaria tinha uma carreta da Sadia com um peru pra cada funcionário, uma cesta de Natal para alguns funcionários. Era uma maravilha, cara, não tinha por que você sair, entendeu? E além do que a gente ganhava bem, no final das contas a gente estava ganhando bem lá. Então quando o Mário Covas falou que ia dividir as empresas, puta que o pariu, foi uma tristeza, uma coisa assim, os caras queriam matar o Mário Covas (risos), nossa, cara. E aí começou essa, nossa, aí foi terrível, cara, foi terrível, terrível, porque aquela incerteza, sabe. E a coisa andando e todo dia reunião. “O sindicato vai fazer reunião pra explicar como é que vai ser a divisão das empresas”, não sei o quê, e todo mundo falando que ia todo mundo ser demitido, então criou-se um clima insuportável lá dentro. Como na época eu já tinha esse período lá do interior e mais o período da Light, da Eletropaulo, tudo, eu tinha condições de aposentar não integralmente, eu ia perder, tanto que eu perdi uma boa parte do meu salário, mas eu achei melhor sair e garantir. E eu fiz o certo porque muita gente foi mandada embora depois, quem não saiu foi mandado embora. Realmente foi um período terrível, cara, eles simplesmente detonaram. A partir do momento que a empresa era vendida, que dividiram em quatro empresas. “Vamos vender a parte de geração”, não conseguiram, a Emae é do Estado até hoje, cara. Foi a única parte que não conseguiram vender da empresa, foi a parte de geração, que é a parte mais custosa, ela só da custo pra empresa, ela não dá quase... não que não dê dividendos, dá, mas não é o filé mignon da coisa, você entendeu? Aí tem a parte de distribuição, era Cteep, não sei se você ouviu falar, hoje já não é mais, hoje é a Isa, uma empresa boliviana, se não me engano, que comprou essa parte de distribuição. Você vê como mudou o cenário da distribuição. Aí a parte de distribuição mesmo que era o filé mignon da coisa, na empresa não era a AES Eletropaulo, se não me engano era uma francesa que comprou, ADF, de France, se não me engano, chamava uma coisa assim. Eles compraram, eu acho que eles compraram São Paulo também. Eu sei que eles ficaram no Rio muito tempo, não sei se estão até hoje, mas foi uma empresa francesa que comprou e depois acho que a AES assumiu, acho que foi por aí. Mas aí já mudou o cenário, mudou a coisa, é uma outra empresa já com outras, entendeu? Os funcionários que ficaram. Tem muita gente da minha época que ficou e está lá até hoje, mas teve muita gente que foi demitida. E aí muda tudo, muda tudo, é outra missão, é outro objetivo, é uma empresa multinacional, tem aquela coisa de você ter que prestar conta com sua matriz. E em contrapartida tem aquela dificuldade toda do Brasil ser do jeito que é também, né cara? Essas crises que a gente tem, as empresas de energia sofrem muito com isso.

P/1 – E quando ocorreu a venda da Eletropaulo em 98, um pouquinho depois, você saiu, o que você fez, como que foi?

R – Então, foi assim. Porque eles criaram um incentivo de aposentadoria e eu assinei esse incentivo porque eu tinha medo, né, estava todo mundo com medo. Mas aí na época o que aconteceu? A Fundação estava sendo criada nessa época, em 98, que na época era o David Zylbersztajn, não sei se você já ouviu falar dele, ele era Secretário de Energia na época. E o acervo histórico da Light, o acerto documental de tudo o que você possa imaginar é muito, muito rico, muito grande. E importante porque você vê uma empresa que tem São Paulo toda documentada, cara. Até hoje, hoje mesmo eu estava conversando com um colega meu aqui de cima e ligaram na hora que eu estava conversando com ele. O cara ligou pra saber se a gente tinha o mapeamento aéreo de Sorocaba, olha só. Nós não temos, mas daqui de São Paulo nós temos. São Paulo e redondezas. A parte subterrânea da cidade de São Paulo é toda documentada. O pessoal vai no nosso arquivo, quando vai ser construída alguma coisa de prédio, ou então obras de grande estrutura no centro de São Paulo eles têm que ver o que tem embaixo, né? Você não pode ir fazendo buraco sem saber o que tem embaixo de tubulação, de distribuição de energia, de gás e não sei o quê. E a Light tinha tudo isso aí documentado e está guardado até hoje. Nós temos o acervo nosso. Hoje está em um depósito porque nós tivemos um período de mudança também, que nós éramos lá do Cambuci, aí a Eletropaulo vendeu o prédio do Cambuci, a gente acabou indo pra Penha e depois vendeu a Penha também e a gente acabou tendo que deixar isso num depósito e está guardado até hoje. Mas essa documentação é uma coisa fantástica, tem tudo. Tudo era documentado na Light no começo do século. As implantações das linhas de bonde, você vê aquela pessoal todo. E até a fotografia era uma coisa nova, então você vê o pessoal tudo parado olhando pro cara, pro cara tirar foto, sabe? Os funcionários todos ali pondo aquelas linhas de bonde, colocando iluminação. A iluminação foi uma mudança de cada década mudava. Acho que nem de década. Porque o começo do século teve muita mudança, teve muita invenção. A própria invenção da lâmpada, acho que foi no final do século XIX, mas você vê que é uma coisa até recente. E foi feito muita experiência com essa questão de iluminação pública. Tinha iluminação com arco voltaico, que era esse negócio de carvão, umas coisas rudimentares, cara. Mas no centro de São Paulo isso aí. E aí criaram uma coisa moderna. Parecia como é hoje com a questão da, porque até pouco tempo nós usávamos lâmpadas incandescentes, não existia nada de diferente. Aí surgiram as lâmpadas econômicas que aquilo foi, e realmente é muito melhor, muito mais eficiente, muito mais econômica. E hoje é o LED, né? Hoje as lâmpadas fluorescentes já estão ultrapassadas. Na minha casa mesmo eu já troquei tudo porque você pega hoje, você não precisa nem trocar uma lâmpada dessa, você não precisa trocar sua luminária pra colocar uma lâmpada de LED. Existem lâmpadas de LED que você pode usar nessas luminárias mesmo. Nessa época foi mais ou menos parecido com isso, entendeu? Foi assim, foram acontecendo coisas novas e foi mudando tudo muito rápido, né, cara. Então foi um período maravilhoso assim pra indústria. Nossa, a indústria, a energia elétrica foi tudo pra indústria. Mas o Brasil foi devagar, nós não tínhamos estrutura, nós não tínhamos usinas pra suprir essa coisa toda de energia elétrica, foi muito difícil, foi muito complicado. O Brasil sempre teve problema com energia elétrica. Hoje nós temos sobra, mas infelizmente por outros motivos. Nós temos sobras por questões econômicas, porque as empresas estão parando.

P/1 – E como você acabou caindo na Fundação?

R – Então, a Fundação estava sendo criada em 98.

P/1 – Com o nome que tem hoje?

R – Na época era Fundação Energia e Saneamento. Não, minto, desculpa. Era Fundação da Energia, não tinha Saneamento. Saneamento foi depois que a Sabesp entrou. Na época que foi criada a nossa Fundação era Fundação Energia só. Tinha a Comgás e as empresas de energia elétrica. A Eletropaulo, a Emae, todas as empresas de energia elétrica. Agora na época o Governo do Estado criou essa fundação porque eles tinham medo que esse acervo todo que eu estava te falando caísse nas mãos dessas empresas estrangeiras e eles não dessem o devido valor pra isso, entendeu? Mas na verdade não aconteceu isso, a Eletropaulo sempre apoiou muito a Fundação, a Eletropaulo foi uma das empresas que mais apoiou a Fundação. A Emae apoiou bastante também apesar de toda a dificuldade que passou a Emae. A Cteep também apoiou relativamente bem por um período mas a gente teve... É porque foi assim, eles criaram a Fundação e eles praticamente obrigaram essas empresas a manter essa Fundação durante cinco anos. Então todo ano eles tinham que dar um aporte pra manter essa Fundação. Só que a Fundação era muito grande, nós começamos a receber usina do interior, recebemos a usina de Salesópolis, recebemos usina em Rio Claro, recebemos usina em Brotas, pequenas PCHs que eles chamam, pequenas produtoras de energia elétrica, mas são umas usinas muito lindas, maravilhosas. São pequenininhas mas um lugar muito bem cuidado. Uma dessas é a usina de Rio Claro foi esse Eloi Chaves que eu te falei, que foi um cara que deu a vida dele por essa usina.

P/1 – E essas usinas vão pra Fundação como patrimônio.

R – Passaram pra Fundação. Porque nessa época elas já não produziam mais nada, elas já estavam desativadas, já faziam parte mesmo de um patrimônio das empresas, então as empresas passaram algumas dessas usinas pra nossa Fundação.

P/1 – Como foi a sua entrada na Fundação?

R – Nesse período eu estava pensando em assinar a demissão voluntária da Eletropaulo, eu tinha entrado com meu pedido de aposentadoria, mas no primeiro momento eles indeferiram porque eles não aceitaram uma documentação que veio lá de Salto. Tinha todo um processo lá e num primeiro momento eles não aceitaram essa documentação, então eles indeferiram meu pedido naquela época lá. Eu falei: “Vou ter que assinar a demissão voluntária e ter que sair”. O pessoal da Fundação estava indo lá pro Cambuci porque a sede da Fundação inicialmente foi no Cambuci. Eu nessa época estava cuidando da segurança da área, você entendeu? Eu que cuidava de toda parte de segurança, de estacionamento, era tudo eu que administrava, que era um pepino que você não pode imaginar. E o pessoal estava chegando lá meu, um monte de gente, todo mundo de carro, queria por o carro lá dentro, foi um fuzuê danado e eu tinha

que, eu fiz aquele meio de campo, eu ajudei bastante o pessoal na chegada deles lá. Eles estavam reformando a área que eles iam, então foi um período que eles deram um bocado de trabalho pra gente também (risos). Aí quando eu comecei a amadurecer essa ideia de sair da Eletropaulo, porque era uma coisa muito difícil, uma decisão muito complicada de se tomar, cara. Eu falava: “Como eu vou pedir pra sair de uma empresa dessa?”. Mas ao mesmo tempo você ficava com medo de ficar. “E se eu ficar e esses caras me mandam embora e eu não vou ter nada?”. Então era melhor você tentar alguma coisa enquanto você estava lá dentro, entendeu? E foi isso que eu fiz, né? Aí o Renato, que era um dos diretores da Fundação, um dia ele estava passando por ali e eu falei: “Pô, Renato, tem como você arrumar um serviço pra mim na Fundação?”. Ele falou: “Por quê?” “Acho que eu vou assinar a minha demissão voluntária”. Ele falou:

“Você é louco, cara?”, foi totalmente contra na época. Eu falei: “Renato, a gente não tem muito pra onde correr, a empresa está vendida, eles estão falando que vão mandar todo mundo embora da segurança, a parte da segurança não vai ficar ninguém. Eu acho que eu não vou ficar aqui para eu ver isso acontecer”. Na primeira vez que eu conversei com ele, ele não quis nem ouvir: “Não, você está sonhando, você não vai sair, nada”. Mas aí foram passando os dias e eu todo dia falando: “Renato, e aí meu?”. Aí um dia eu acho que ele se cansou e falou: “Você está a fim de sair mesmo?” “Eu estou Renato, eu não estou brincando, eu acho que eu vou sair da Eletropaulo”. Ele falou:

“Então vai lá e vamos conversar com o Armando, vamos ver o que a gente pode arrumar pra você, cara”. Aí eu fui lá, ele falou: “Olha, nós estamos precisando de alguém aqui na parte de manutenção. O que você sabe fazer?” “Eu sei fazer tudo, cara. Tudo”. E graças a Deus eu me dou bem com essas coisas, eu sempre fui muito curioso, atirado pra fazer as coisas, eu não tenho dificuldade com isso. E na época como eles estavam implantando a Fundação eles não tinham nada, eles não tinham mobiliário, eles não tinham porra nenhuma. E a Eletropaulo, por outro lado, estava fechando escritório aqui, fecha escritório ali, a coisa estava. Então eles mandavam tudo lá pro Cambuci. O Cambuci era uma área imensa, imensa. Nós tínhamos lá uma parte de carpintaria que na época já estava desativada, então esse mobiliário todo estava indo pra lá. Tinha que ir lá escolher uma mesa porque cada dia que passava chegava um funcionário novo na Fundação (risos). E eu falei pra ele, eu falei assim: “Eu sei fazer tudo, parte elétrica, telefonia”.

Eu sei mesmo, não inventei. Eu só não sei fazer serviço de pedreiro, isso eu nunca soube e nem quero aprender, mas o resto eu me dou bem com tudo, principalmente parte elétrica, eu gosto demais de parte elétrica. Instalação residencial, adoro. Se você me der uma casa para eu fazer instalação é tudo o que eu gosto de fazer.

P/1 – Na sua casa o senhor mesmo fez.

R – Eu mesmo, eu mesmo faço. Troquei a instalação na minha casa todinha. E gosto de fazer e fazer bem feito, você entendeu? Então eu não tive dificuldade nenhuma com isso aí. Ele falou: “Mas você sabe mexer?” “Sei”. Ele falou: “É, mas nós temos as usinas, precisa viajar” “Vou. Faço qualquer coisa, cara”. Aí eles me arrumaram lá na Fundação. Eu fui, assinei a demissão voluntária, chorei que nem criança a noite inteira quando eu cheguei em casa, aí passei a noite chorando, foi uma coisa traumática, sabe? O dia que eu saí da Eletropaulo eu chorava que nem criança, minha esposa não sabia mais o que fazia. Como que pode, cara, você gostar tanto de uma empresa e você ter que assinar um negócio pra você sair dela? Então foi uma coisa assim, terrível, terrível. Mas na época não tinha muita opção, você tinha que tomar uma decisão. Mas aí eu acho que Deus é tão bom com a gente que eu sempre trabalhei muito, sempre trabalhei muito, desde criança que eu te falei que eu ajudava meu pai, eu já fiz de tudo. Já engraxei sapato, já vendi sorvete, já vendi banana, já vendi vela na porta do cemitério. Tudo o que você possa imaginar para eu tentar ganhar alguma coisa, eu só não, que nem hoje a molecada sai por aí roubando. Não, eu sempre fui pro lado de ganhar a minha vida honestamente, você entendeu? Então acho que Deus foi bom comigo porque aí eu entrei na Fundação ganhando pouco, em vista do que eu ganhava na Eletropaulo era um quarto do que eu ganhava, mas pelo menos é alguma coisa, vou receber. Na época era 13 salários que você ganhava de incentivo, aí eu recebi esse incentivo, eles me pagaram todos os meus direitos. O que eu fiz? Quitei a minha casa, que a minha maior preocupação era a minha casa, que eu ainda devia uma parte do financiamento dela. Primeira coisa que eu fiz: fui lá e quitei minha casa, isso aí já tirou um peso da minha cabeça. Minha esposa trabalha, sempre trabalhou também, então a gente falou: “Bom, a gente vai tocar a nossa vida”. Aí fiquei, entrei na Fundação em outubro de 98. Mas aí a Fundação estavam sendo montados os museus, nós tínhamos o Museu de Itu que estava pra ser montado, estava em reforma, iam montar e todo esse acervo que chegava lá no Cambuci, eles não tinham quem mexesse nesse acervo e estava tudo muito deteriorado, muito sujo. Peças museológicas mesmo, da parte elétrica, que somos muito voltados pra parte elétrica, luminárias antigas, peças de iluminação, de residência, tomadas, mas coisas assim, muito antigas. Só que estava tudo muito, porque ficou tudo muito tempo jogado isso aí lá em Jundiaí. Tinha muita coisa guardada. Aí o Renato, esse rapaz, falou: “Maça, será que você consegue fazer essa parte de limpeza dessas peças e até conserto de alguma coisa que precisar, que estiver quebrado, que vai entrar no museu? A gente precisa fazer isso aí e a gente não tem quem faça”. E eu peguei a comecei a fazer. E eles gostaram, entendeu, gostaram. Eu dava um trato nas peças, dava um capricho lá e já deixava ela em condição de ser exposta. Nossa, trabalhei pra caramba.

P/1 – Que tipo de peça que tinha?

R – Ah, cara, tudo o que você imaginar de parte elétrica, de distribuição de energia, luminárias. Esses postes ornamentais que têm no centro da cidade, parte deles tem na distribuição também, no museu. Mas era muita coisa, cara, não parava de chegar caixa. Eu fiquei vários meses trabalhando até dez, onze horas da noite pra dar conta disso.

P/1 – Sozinho?

R – Sozinho. Lá no Cambuci. E não ganhava extra, não. A promessa era que depois eles iam dar essa folga. Nunca tive (risos). Mas foi uma coisa tão boa pra mim naquele período meio turbulento ali também de saída da empresa, que você fica meio sem saber o que vai ser da sua vida e de repente cai isso na sua mão e você dá o sangue pra coisa fluir. Mas aí eu tive uma recompensa que eles me passaram, já aumentaram meu salário porque eu já não era mais técnico de manutenção, eu era restaurador. E na verdade era mesmo, o que eu fiz de coisa, tudo o que está no museu, tudo passou na minha mão, tudo. Por isso que o Renato tem muita estima até hoje por mim, até quando vocês me ligaram eu pensei que ele tivesse indicado. Mas o pessoal de Itu tem o maior carinho comigo porque eu faço manutenção até hoje lá do Museu de Itu. Então tudo o que está lá no Museu fui que dei um... e até hoje a gente vai lá, parte de iluminação, eu vivo mexendo lá. Aí as meninas têm o maior carinho. E essa moça que me indicou pro Museu, foi indicação das meninas de Itu. Mas então, nesse período aí foi legal também porque me senti valorizado, o pessoal reconheceu meu trabalho lá. Tanto que eles nunca, a Fundação sempre teve muita rotatividade de funcionário, gente que chegou e saiu por vontade própria ou por vontade da empresa de não corresponder à expectativa, mas eu nunca tive ameaça nenhuma de nada, eles sempre procuraram. Agora mesmo teve um, eu comentei com você naquele dia lá, tinha passado um momento meio ruim aqui, foram 12 funcionários demitidos. E eu estou aí. Hoje eu sou prestador de serviço, eu não sou mais funcionário, mas eu sou prestador de serviço quase exclusivo aqui da Fundação. Eu praticamente presto serviço só pra Fundação. Mas estou há 18 anos aqui já.

P/1 – E como que é tratar com esse acervo? Porque você estava falando das coisas e você está mexendo ali, como você disse, é história viva, praticamente. Como que essa recompensa que o que você ali mexendo é o que está no Museu?

R – Ah, é muito legal, né cara? São coisas interessantes. Eu acho assim, o Museu da Energia, na verdade, pra maioria do público ele é meio que, não digo que seja desinteressante, mas é estranho porque você entra lá e fala: “Pô, Museu da Energia”, o que você vai ver? Você vai ver coisa de energia elétrica. É luminária antiga, são peças que não são conhecidas do público em geral, mas as pessoas que têm algum conhecimento o pessoal valoriza muito isso aí. Mas o Museu, além dele ser interessante, do acervo que está ali dentro, os nossos museus são prédios históricos. O prédio de Itu é maravilhoso, cara, é um prédio centenário, é de 1850. Então tudo é bonito. O acervo é bonito, a gente faz umas exposições muito legais. Geralmente na parte de baixo do Museu de Itu tem exposição, que nem tem aqui fora, não sei se você reparou, mas tem uma exposição ali que são das, como chama? São depósitos de gás que nem tinha? Agora me fugiu o nome, aqueles balões.

P/1 – Gasômetro?

R – Gasômetros. No mundo inteiro tem fora aqui. Uma coisa linda, maravilhosa. Se você olhar. E são coisas recentes as fotos. Então por aí você vê como o pessoal aí fora valoriza essa questão da memória. O brasileiro infelizmente não tem essa cultura da memória, de você valorizar. Você fala: “Uma empresa como a Light, por exemplo, é uma coisa imensa, o que tem de memória uma empresa dessa”. Tanto memória pessoal de funcionários e coisa, como de material mesmo. Só o que tem de história dentro desse prédio do Shopping Light, você não imagina. Você olha cada coisa que tem ali dentro tem uma história, entendeu? Você olha uma cúpula de vidro: “Pô, de onde veio isso aí?” “Veio da Suíça. Esse azulejo veio da Alemanha em 1910”. Os banheiros, as peças dos banheiros, se você visse as peças do banheiro da Xavier de Toledo você baba, cara, você baba. A gente guardou isso daí lá no Cambuci. Eles guardaram até o, sabe esses mictoriozinhos que têm no banheiro masculino, que os homens chegam e fazem xixi ali? Até isso guardaram. Tudo guardado. Teve uma época que nós tínhamos 50 desses lá no Cambuci (risos). As pias dos nossos banheiros, você entrou no banheiro? Essas pias aí são da Xavier de Toledo. Aqueles mictoriozinhos que têm ali do lado são da Xavier de Toledo. Tudo o que foi feito na Fundação foi usado coisa da Xavier de Toledo. As divisórias dos banheiros, aqui acho que não, mas no Museu de Itu, Salesópolis, é tudo que saiu da Xavier de Toledo. Então a Fundação recebeu esse dinheiro das empresas mas gastou muito dinheiro na montagem dos museus e na reforma dessas usinas, todas as usinas foram reformadas. Talvez aí tenha sido o grande pecado da administração da Fundação no começo, foi ter gasto todo esse dinheiro com essas reformas e hoje nós estamos vivendo um período meio de penúria aí porque nós não temos mais dinheiro pra manter a nossa Fundação, infelizmente, e as empresas também, por questões econômicas também não estão mais podendo, ou não estão mais querendo fazer essa ajuda aí. Mas o período do começo da Fundação foi muito trabalhoso, eu trabalhei demais. Demais, demais, demais. Eu pensava comigo: “Caramba, saí da Eletropaulo pra vir me matar aqui”, mas eu me matava de trabalhar, trabalhava pra caramba. Mas com prazer, você entendeu? Porque o trabalho nunca me assustou, eu sempre fui um cara que sempre tive muito prazer, eu gosto de trabalhar. Tanto que se eu não gostasse eu não estaria hoje, até hoje trabalhando. Eu estou aposentado há tanto tempo e estou trabalhando.

P/1 – E como é você resgatar uma peça, uma luminária que estava lá jogada e devolver o brilho dela, literalmente no caso?

R – É lindo, é lindo, é prazeroso. Você vê essa peça exposta numa vitrine ali. Não, eu entro no Museu de Itu, agora foi, no final do ano passado foi mudada a concepção do Museu, ficou muito pouca coisa da exposição antiga, mas essa exposição ficou desde a criação da Fundação, quer dizer, foram 16 anos, 17 anos. Então eu entrava lá e falava: “Pô, meu, isso aqui é a minha história, da Fundação, tudo o que está aqui passou na minha mão”. E passou mesmo. Tudo. Tinha muito medidor, uns medidores de energia, uma coisa esquisita pra caramba, mas eram peças bonitas. Porque as peças de energia elétrica, elas são todas de latão, cobre, tudo material nobre, não tem nada de, muito pouca coisa de ferro. Então você pega um medidor de um voltímetro de 1920, cara, nós ganhamos muito lá da oficina do Cambuci, de outras empresas de energia que mandaram pra nós. Aí você pega aquilo tudo sujo, tudo cheio de pó misturado com graxa, com não sei o quê e você limpa aquilo, cara, você dá um trato nele. E eu pegava, tirava ele da caixa, limpava tudo, deixava aquilo brilhando, tirava o vidro dele, limpava o painel, deixava ele. E o pessoal, a minha chefe na época, que era a doutora Vera Ferraz, ela que foi uma das fundadoras da Fundação. Eles eram da Eletropaulo, eles vieram do Departamento de Patrimônio da Eletropaulo, já existia esse departamento dentro da Eletropaulo. Aí quando foi criada a Fundação eles foram lá pro Cambuci e montaram a Fundação lá no Cambuci. Nossa, ela ficou maravilhada, falou: “Nossa, Maça, mas você é muito caprichoso”. Eu falei: “Eu sou mesmo, sou. Esse é um dom que eu tenho desde

moleque, eu gosto, adoro, gosto de deixar tudo”. Eu sou assim com tudo, com meu carro, com minha casa. Você entra na minha casa, você não vê nada quebrado, se quebrar hoje amanhã já está consertado, entendeu? Eu não gosto de ver nada fora do lugar, nada quebrado.

P/1 – E qual foi a peça mais curiosa que você encontrou?

R – Ah cara, a peça mais curiosa (risos) foi uma bomba de... aquilo foi muito engraçado. Porque nós tínhamos um depósito lá no Cambuci e tinha várias coisas lá que eram peças interessantes pra entrar no acervo. Porque lá no Cambuci nós tínhamos um mini museu lá também, nós tínhamos algumas peças que eram expostas lá do lado de fora, inclusive. Então podiam ser coisas maiores, podiam ser coisas no museu, por exemplo, aqui, já não dá pra você por coisa muito grande, em Itu também, não dá pra por coisa pesada. Mas lá no Cambuci dava porque ficava no pátio lá fora, então a gente optava por coisas mais, uma roda de turbina, uma coisa assim. E tinha uma bomba (risos), na verdade era uma bomba de ar, depois que a gente ficou sabendo que era uma bomba de ar, porque você chegava lá e você via aquele treco, aquela roda lá, mas o que é isso aqui? Aí a gente começou pesquisar pra ver o que era aquilo e descobriu que era uma bomba de ar. E eu estava com a museóloga no dia que nós fomos olhar, cara. Mas estava tudo muito preto de sujeira, uma sujeira que você não conseguia identificar nada ali dentro, de pós misturado com graxa, com coisa. E ela falou: “Ó isso aqui, olha como está isso”. Pegou e levantou o negócio assim. Eu não falei pra ela na hora, mas era um rato morto, seco (risos), era um rato, cara! Aí ela pegou e voltou lá, a hora que ela soltou eu falei pra ela: “Dona Sílvia, você sabe o que é isso aí que você pegou?” “Não é um pedaço de pau?” “Não, é um rato” (risos). Rapaz do céu! Aquela mulher quase morre. E essa bomba foi uma das coisas que mais me deu trabalho, mas foi uma das coisas que mais ficou bonita. Porque ela era linda, linda, linda. As peças dela tudo de bronze, latão, ela só tinha uma roda enorme de ferro porque aquilo, aquilo na verdade ela tinha dois pistões embaixo, depois de limpo é que a gente foi ver o que era mesmo aquilo. E depois a gente achou foto dela. Não tem o rio Pinheiros ali? O rio Pinheiros tem umas grades na usina lá que tem ali pra segurar a sujeira que desce do rio, elas param ali naquelas grades. E antigamente, isso em 1930, até 40 acho que foi feito isso aí, o pessoal ia com umas barcaças assim e tinha uns mergulhadores, os escafandros, tudo. O escafandro, cara, se você ver o escafandro é a coisa mais linda do mundo. A peça é toda de cobre e as peças que o protegem o vidro, o visor dela é tudo de latão. Eu poli isso, mas ficou lindo, lindo, lindo. E essas bombas, qual era a função dela? O cara ia em cima da barcaça, quando o cara pulava na água eles rodavam aquelas rodas e mandava ar pro cara. Os pistões embaixo ficavam fabricando ar pro cara que estava mergulhando lá pra limpar as grades, você entendeu? Era uma coisa, nossa, dizem que morria gente. Eu não sei se é verdade, mas os caras falaram que morria muita gente nesse serviço, que era um serviço terrível, você imagina? Você naquela água poluída dentro de um treco daquele e recebendo aquele ar maravilhoso, o ar devia ser muito, sei lá, pouco e além de ser pouco um ar de péssima qualidade, misturado com cheiro. Mas foi legal porque a gente acabou descobrindo de fato o que era essa bomba aí, depois nós expusemos ela no pátio, eles fizeram um painel assim dos caras mergulhando, dos barcos. A parte fotográfica da Fundação é muito legal, muito bonita. Eles fazem umas exposições maravilhosas das usinas. Tem cada coisa muito linda. Então essa aí foi uma das peças mais exóticas que eu peguei lá, mais interessantes.

P/1 – Você falou que lá no comecinho na Light você organizava, catalogava as coisas pra repassar. Você acha que isso ajudou depois a mexer com o trabalho de museu? Porque tem muita atividade comum de catalogação, organização.

R – Sim. É o que eu estava te falando, eu sempre tive muita facilidade na organização, cara. Quando eu trabalhei em Salto, por exemplo, eu trabalhei em fábrica de tecidos em Salto. A minha primeira função foi trabalhar num almoxarifadozinho pequeno do tamanho da metade dessa sala aqui da fiação, eu fui trabalhar na fiação. Mas a fábrica de tecidos também é muita peça, muita coisinha, os teares quebram, é uma infinidade de peças, uma coisa gigantesca. E eu cheguei lá, aquilo estava virado de cabeça pra baixo. Eu cheguei e eu comecei a organizar aquilo, a pegar peça por peça, peça que eu achava, eu nem conhecia na verdade, mas eu ia pelo visual, falei: “Ah, essa aqui é igual essa”. E geralmente as peças eram numeradas. Então eu comecei a separar tudo, organizar tudo. Na época tinha Sedex, era Sedex que chamava? Tinha um arquivozinho que tinha gavetinhas assim, eu comecei a organizar e colocar nome em tudo, colocar numeração. Então tudo isso aí, essas coisas que você aprende durante sua vida e você procura fazer bem feito, isso aí com certeza futuramente vai te ajudar em alguma coisa, entendeu? Se você faz alguma coisa, seja lá o serviço que for, mas você faz com prazer, você faz bem feito, isso aí no futuro vai te ajudar. Ou na sua vida profissional, ou na sua vida pessoal, vai te ajudar. E comigo foi assim, cara, porque depois eu entrei na Eletropaulo, esse serviço de catalogação também, era um serviço chato, cara, era um serviço chato, difícil, porque a Eletropaulo usava, a área de distribuição da Eletropaulo usava umas ferramentas manuais e quebrava muito isso aí, a gente chamava Chave Y35. Chegava de caminhão isso lá pra consertar. Mas cada peça dessa tinha um número, não era uma coisa que você podia pegar e: “Joga tudo junto”. Não, tudo era numerado. Porque a Eletropaulo sempre teve muito cuidado com a parte patrimonial dela, você entendeu? Então tinha muita coisa que fazia parte do patrimônio, tinha a numeração lá então você tinha que ter um cuidado danado. E outra, como era muito grande a empresa, você chegava, vamos supor, numa ajustagem que é quem fazia o conserto dessas chaves, tinha dia que eles estavam com 200 chaves dessa lá na bancada deles e era 20 da regional Penha, na época a gente chamava Área 1, Área 2, Área 3, cada área dessa englobava um certo número de bairros, entendeu? Vamos supor, a parte central era regional Centro que a gente chamava, era Área 1. Área 2 já era mais pro lado da zona oeste, até Osasco ia. Área 3 era a parte da zona leste. Área 4 era o ABCD. Então ali tinha coisa de tudo quanto é lugar. Se você não tivesse um cuidado mínimo, cara, aquilo virava uma bagunça. Então tinha que ter muito cuidado com essas coisas, uma coisa muito minuciosa, muito cuidadosa, apesar de ser um serviço que não deixava de ser grotesco porque eram coisas pesadas, você tinha que ir lá, separar coisa. E era motor, era não sei o quê, nossa, era muita coisa. Agora aqui na Fundação também, com certeza no começo da Fundação, quando começou a chegar essas peças eu ajudei muito o pessoal na parte de catalogação de tombamento, que era feito tombamento das peças, você recebia uma peça, aquilo era fotografado, numerado. Depois ou ia pra o nosso acervo no museu ou ia pra nossa reserva técnica que tem até hoje. Temos reserva técnica em Rio Claro, temos reserva técnica aqui, então é muita, mas chegava muita coisa também, viu? Chegou muita coisa das empresas, cara. Porque é aquela coisa do apego que as pessoas tinham com as coisas. Vamos supor, esse relógio por exemplo, esse relógio veio de alguma área da Eletropaulo, é um relógio que deve ser da década de 30, 40, por aí. Aí o cara que trabalhava na sala com esse relógio, quando ele saía da empresa ele queria levar pra casa dele, a vontade dele era essa (risos). Mas como não podia e ele ficava sabendo que nós tínhamos a Fundação, eles: “Eu estou com um relógio aqui, tem uma peça assim, assado, eu queria doar”. Eles levavam pra lá e a gente tinha que catalogar tudo isso, media. E foi um serviço bem grande também, você entendeu. Na época tinha bastante gente, tinha estagiários que ajudavam nessa parte de catalogação. Mas não foi fácil não, foi um trabalho árduo também, viu?

P/1 – Puxado.

R – Limpeza de tudo.

P/1 – Seu Claudio, a gente vai já encerrar, vou fazer algumas perguntas pra concluir. Hoje o que o senhor está fazendo, além de trabalhar aqui, o que o senhor faz de lazer? O que você gosta? O que importa para o senhor? Seus filhos, o senhor tem filhos?

R – Eu tenho dois filhos, apesar de não ter neto porque nenhum casou ainda. Na verdade tem um que está praticamente casado, que é o mais velho, o Tiago. Ele trabalha em Santos e mora na Praia Grande. E eu comprei uma casa em São Sebastião, logo que eu saí da Eletropaulo. Uma das coisas que eu fiz com o dinheiro que eu recebi da Eletropaulo, e fundo de garantia também, foi comprar essa casa aí porque sempre foi um sonho, você entendeu? Como nós temos a nossa colônia dos eletricitários lá perto, eu ia muito lá, adorava, meus filhos adoravam aquela colônia, a gente se divertia muito lá e a gente gosta muito do litoral norte, a minha esposa sempre teve o sonho de ter uma casa lá. E foi até uma surpresa pra ela que eu fiz, um presente que eu dei pra ela. Na época ela achava que eu não tinha mais dinheiro pra gastar nada porque eu quitei a minha casa, gastei uma grana razoável pra quitar a casa que eu moro e aí eu falei: “Agora acabou o dinheiro”, mas eu ainda tinha os trocos lá guardados, eu falei: “Não, eu vou comprar uma casa na praia pra ela”, que sempre foi o sonho dela. E a gente vai muito pra lá. Apesar que a gente viaja também. Eu viajei muito antes de comprar essa casa, viajava muito, principalmente aqui dentro do Brasil. Meus filhos, nossa, eles tiveram uma infância maravilhosa, cara, porque ou a gente ia pras pousadas da Fundação Cesp e a Fundação Cesp tinha umas pousadas maravilhosas, maravilhosas. Você ia pra lá, nossa, era show de bola. E tinha muitas pousadas, as usinas. Salto Grande, por exemplo, você conhece a cidade Salto Grande? É aqui na divisa com o Paraná. Tem a usina lá, até hoje existe a usina lá. Então essas casas eram as casas que os engenheiros que vinham da Inglaterra, da França, quando estavam montando a usina, eles ficavam hospedando nessas casas aí. Ai a Fundação fez uma pousada nessas casas e nós fomos pra lá duas vezes passar férias. Show de bola. Campos de basquete, de futebol, piscina, nossa, coisa linda, cara, coisa linda. E a gente se divertia demais. E aí depois que eu comprei essa casa lá em São Sebastião a gente deu meio que uma parada de ficar saindo porque você tem que ir, mas você tem a sua casa lá, você quer ir pra lá. Mas é gostosa lá também, é muito bom.

P/1 – E quais são seus sonhos hoje em dia?

R – Meus sonhos? Ah cara, olha, eu estou vivendo um período meio chato aqui da Fundação de ver essa situação que nós temos aqui hoje,

isso está me incomodando demais, isso era um sonho que eu não queria ter sonhado, eu sempre achei que essa Fundação ia muito longe porque é muito legal isso aqui, cara. Se você ver o acervo que tem essa Fundação, é um pecado acontecer o que está acontecendo com a Fundação. Nós estamos em risco de fechar. Eu acho que isso aqui, se continuar do jeito que está não vai muito longe, infelizmente. Então o meu sonho era encerrar a minha carreira com a aposentadoria da minha esposa que vai acontecer agora no final do ano. Ela vai aposentar e a gente ia parar junto. Mas eu não sei como é que vai ficar essa situação. Mas eu sempre fui uma pessoa muito simples, eu não tenho muito, tanto que eu nunca, Europa mesmo eu não conheço. Minha esposa conhece, já foi duas vezes pra lá, eu nunca fui. Tenho vontade de conhecer alguns lugares do mundo, Itália, por exemplo, tenho muita vontade de conhecer a Itália, tenho vontade de conhecer Portugal. Mas não é uma coisa que me, eu tenho vontade de viajar pelo Brasil, tem muito lugar bonito aqui no Brasil que eu não conheço. Então, vamos supor, nós estamos aqui e eu não conheço Mato Grosso, por exemplo. Eu conheço Sul, alguma coisa do Nordeste, mas é assim, meu sonho é aposentar de vez, porque eu já sou aposentado, mas aposentar uma segunda vez, continuar com saúde, que eu tenho hoje, graças a Deus eu tenho uma saúde boa, nunca me afastou do serviço por nada. E ter a família que eu tenho, continuar com a minha família. Se por ventura vier os netos, logicamente que a gente vai adorar, mas se não vier também, nem por isso a gente vai deixar de ser. E eu sou muito otimista, cara, sou muito otimista apesar de toda essa turbulência que nós estamos vivendo aqui e o país está vivendo também. Eu tenho muita fé que a coisa ainda vai melhorar, você entendeu? Por exemplo, aqui segunda-feira parece que tem uma reunião pra ser discutido alguma coisa, eu estou com muita esperança que isso dê certo, que isso permaneça, entendeu? Eu quero sair daqui vendo meus colegas bem, empregados, ganhando a vidinha deles aqui e isso aqui continuar maravilhoso como sempre foi.

P/1 – E pra encerrar mesmo, perguntar o que você achou de contar a história?

R – Eu acho muito legal! Eu já fiz isso com aquele livro, acho que todo mundo tinha que fazer isso. Porque isso é uma forma de você por a sua, a pessoa passa a vida dela e ela fica com aquilo guardado. E tem gente que tem histórias maravilhosas pra serem contadas. Eu garanto pra você que tem história muito mais bonita do que a minha, muito mais maravilhosa do que a minha e a pessoa não vai porque não tem oportunidade de fazer, né cara? Então cada vez mais eu me sinto, eu sempre me achei e agradeço a Deus por isso, de ter tido o emprego que eu tive, entendeu, sempre fui privilegiado, nunca reclamei disso. Depois que eu vim aqui pra Fundação também, isso aqui é uma maravilha, cara, isso aqui é uma beleza. Então graças a Deus eu fui privilegiado, entendeu, nessas questões. Fui indicado para fazer esse depoimento nos cem anos da CPFL, fizeram um depoimento muito legal. Eu não vi a exposição, mas tem um depoimento meu de corpo inteiro lá porque eles fizeram uns painéis nos pilares a imagem da pessoa, então estou eu e mais, sei lá quantas, mais cem pessoas, todo mundo que trabalhou na parte, nas empresas de energia elétrica, todas as empresas do Brasil inteiro deram depoimento nessa, aí o Renato me indicou para eu dar o depoimento lá também. E agora apareceu essa oportunidade de falar com vocês também. É um prazer, uma coisa maravilhosa. É um trabalho muito legal. Pra te falar a verdade eu já tinha ouvido falar do Museu da Pessoa, mas eu nunca me interessei em saber. É um museu físico?

P/1 – A gente tem um portal, mas tem a sede física.

R – Tem também, né?

P/1 – A história do senhor vai ficar lá. E eu queria agradecer muito por tudo aí.

R – Que é isso, é um prazer.




FINAL DA ENTREVISTA