Museu da Pessoa

Padrinho do Santo Daime

autoria: Museu da Pessoa personagem: Feliciano Silva de Freitas

P/1 – Feliciano, obrigada por sua generosidade em vir dar a sua entrevista pra gente. E aí eu queria começar de uma coisa muito simples, que você dissesse o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.

R – Meu nome completo, Feliciano Silva de Freitas, meu nome completo, eu nasci no Acre, no munícipio de Xapuri, Estado do Acre.

P/1 – Que data que você nasceu?

R – Em 1962.

P/1 – Qual é o nome dos seus pais?

R – Francisco Domingo e Elza Ferreira.

P/1 – Eles eram da cidade que você nasceu?

R – É, a gente morava, logo no começo, a gente morava no seringal, aí depois que a gente caminhou pra cidade.

P/1 – Então me conta um pouco o que você sabe da história do seu pai e da sua mãe, eles eram seringueiros, o que você conhece dessa história.

R – O meu pai, ele era seringueiro, e minha mãe também era seringueira, cortou muita seringa, eles trabalhavam na floresta.

P/1 – Você cresceu no seringal?

R – Aí com seis anos, com quatro anos de idade a gente se mudou pra Rio Branco, saiu de Xapuri pra Rio Branco, aí a gente continuou morando na colônia, meu pai se separou da minha mãe, aí depois ela arrumou outra família e daí eu não saí de perto dela. O meu pai, eu fui o caçula dele, morreu com 91 anos, eu continuei sendo o caçula, a minha mãe teve mais três irmãos meus.

P/1 – Então quantos irmãos do seu pai com a sua mãe tinham, quantos filhos?

R – Nós éramos quatro homens e duas mulheres, nós éramos três homens e duas mulheres, eram cinco, aí depois minha mãe teve mais três com outra família.

P/1 – O que você lembra da sua vida lá no seringal, quais são as suas lembranças da sua infância?

R – Lembrança, quando eu era pequeno, eu ficava em casa, aí meu padrasto botava o arroz no pilão, o piso da casa lá era um pouco alto, que é no meio do seringal, aí botava um litro de arroz, fez uma mão de pilão pra mim, aí botava um litro de arroz dentro do pilão pra mim pilar. Enquanto eles iam pro roçado, eu ficava sozinho nessa casa. Daí um dia eu terminei de pilar o arroz, o arroz ficava integral porque eu não tinha força de tirar a pele, daí ele ficava, eu só tirava a casca grossa de cima, ele ficava integral, aí um dia eu terminei, aquele negócio lá e saí pra ir: “Eu vou pro roçado, aonde eles estão”, aí meti o pé no caminho, tá, tá, tá, isso eu com cinco anos de idade. Aí só lembro bem que, quando eu cheguei lá, eu tive a maior peia, que aí o meu padrasto botou um paneiro em cima de mim, só que com o paneiro as abelhas entravam pelos buracos do paneiro, eu fiquei lá no meio do sol, sendo comido pelas abelhas, ele fez de maldade mesmo. Disse: “Olha, isso daí é pra você aprender, quando eu deixar você em casa, você ainda era pra ser comido pela onça”, quando a gente voltou, não vimos mais meu rastro, de tanto rastro de onça no caminho. Então foi assim, umas aventuras, né, que...

P/1 – As abelhas vieram te picar?

R – É, elas viam lamber, porque você suado, então no meio da floresta os animais vêm tudo pegar teu sal, aí dali você de vez em quando machuca um, ele te ferra porque eles estão ali colhendo sal, comendo, se alimentando, você aperreia, tal. Criança, sabe como é que é, né?

P/1 – Mas eu não entendi uma coisa, nessa época do seringal, que você era bem criança, a sua mãe já estava com outra família, com o seu padrasto?

R – É, com um ano e nove meses ela separou do meu padrasto.

P/1 – Do seu pai.

R – É, do meu pai.

P/1 – Você sabe o que aconteceu? Você soube essa história?

R – Não, não, acho que, assim, como, tipo, todos os casais, vai, vai até um tempo, tem uma hora que não dá mais certo, né? Aí um, cada um procura seu rumo, né?

P/1 – Aí ela casou de novo?

R – Aí ela casou de novo.

P/1 – Como que era o nome desse seu padrasto?

R – Meu padrasto, Francisco Chagas de Souza.

P/1 – Então no fundo, você acabou crescendo foi com ele?

R – É, fui crescendo com ele, até os meus quatro anos de idade, até meus dez anos, aí com dez anos eu saí de casa.

P/1 – Ah, é?

R – É.

P/1 – Então antes disso, me conta, você estava lá nesse seringal, você lembrou dessa história. Você lembra de mais alguma coisa?

R – Aí de lá foi quando a gente veio pro Acre, no meio do seringal, dessa história, aí foi quando eu vim pro Acre, daí que a minha mãe veio com o meu padrasto, aí juntou com ele, aí daí a gente foi caminhar no Acre, dentro da colônia, plantando, cultivando. Aí o padrasto, ele tomava muita cachaça, aí a gente se desentendeu um pouco, eu com dez anos, ele já vinha me botando uma programação pra mim cuidar da minha vida, pra mim ter o meu pão de cada dia.

P/1 – Ele batia em você?

R – Rapaz, uma disciplina sempre é bom, porque criança, ele tem que aprender de pequeno, se ele vai fazendo uma coisa e ele não é corrigido, entendeu, ele vai se acostumando naquilo, por isso que hoje em dia nós temos o que temos aí, de tanta degradação da humanidade, cada um pegando os caminhos diferentes, por isso. Porque a lei, ela é boa, mas tem hora que ela é falha, certo, por exemplo, eu tenho o meu filho e tal, quero educar ele, às vezes se eu dou um tapinha na bunda dele, está entendendo, se eu dou um conselho mais furtado, falo mais severo com ele, a justiça vai lá, ou o vizinho vê e já me denuncia e complica. Aí a criança vai se habituando aquilo, porque criança gosta de ser bajulada, isso é um bajulamento, você chega: “Menino, você tem aprender a fazer isso aqui”, entendeu, aí a lei grita lá: “Não, não, não, você vai ser preso”. Então o pai ficou hoje em dia assim, sem poder educar seu filho, por isso que hoje em dia nós estamos sendo purificados, nossa sociedade.

P/1 – Mas então voltando a isso, naquela época que não tinha a lei, como é que era essa educação? Quem é que puxava, o seu padrasto ou a sua mãe? Como é que era o seu dia a dia?

R – Sempre assim, porque o meu padrasto e minha mãe eram muito combinado, então se um apoia e o outro disciplina, aí você cria uma confusão entre os dois, e o menino vai ficar sempre rebelde, porque ele sempre vai se escorar naquele que apoia os defeitos dele, alguma coisa que ele fez sem saber, que criança tem vontade de testar tudo. Então ele vai fazendo as coisas. Esses dias eu estava, quando eu cheguei, mudando um pouco a história, eu cheguei no Rio de Janeiro, aí parei um táxi, aí disse: “De onde é que você vem?”, eu digo: “Venho do Acre”, ele disse: “Como é que você vem do Acre, rapaz? Como é que é aquela calamidade lá? A gente só vê a desgraceira pra lá, Ave Maria”. Aí eu digo: “Meu filho, eu vim em tele transporte, só que deu problema, até os tele transporte tão dando problema, não vê eu aqui parando o teu táxi agora pra tu me levar lá no ponto destinado”. Aí ele já começou a falar um monte de coisa, de educação, disso e daquilo, que o meu filho estava com celular assim na mão, fazendo joguinho, aí ele falou que: “O pai deixa o menino, sabe, pegar essas coisas e vê na televisão e tal, depois o menino vira um marginal, o culpado é você mesmo”. Eu digo: “É, realmente”, mas eu já vejo por um outro lado, porque eu venho contando, se os meninos tem vontade de fazer as coisa e tal e tu não vai dizendo pra ele: “Não, ah, meu filho, gestação é a cegonha que vem deixar”, então são coisas que os pais antigamente escondiam do seu filho, e o menino sempre vinha crescendo naquela mentira, né? Nunca tinha uma realidade: “Não, meu filho, aqui é ruim, aqui não presta, aqui é bom, ó, por aqui, então tu já conhece, pra quando tu ver: “Ah, não, meu pai já me avisou que isso aqui é ruim, então eu vou seguir pra esse lado, que ele disse que esse lado é bom”. Então essas coisas assim que a gente vai aprendendo na vida, né, então eu com o meu padrasto aprendi isso, ele e a minha mãe, eles eram muito combinados, quando dizia: “Menino, não faz isso”, “Olha, nem venha comigo, que ela está certinha”, aí pronto, aí ali eu já ficava.

P/1 – E quando você não fazia o que eles diziam?

R – Quando eu não fazia o que eles diziam, aí vinha a correção: “Olha, eu não já te avisei uma, já te avisei duas vezes, então agora não dá mais de azar, vamos ter um acerto de contas aqui”.

P/1 – Aí você apanhava como?

R – Aí apanhava: “Pega ali o cipó, menino, ali, pega ali a palmatória, pega ali a corda”, aí ia lá, mas, graças a Deus, se eu tivesse duas costas, que quando ele levantava a correia, batia assim na outra, tinha aprendido mais (risos).

P/1 – Aí era muito, na hora, como você se sentia?

R – Na hora eu fazia um alarme, eu já fazia, menino é a coisa mais inteligente do mundo, criança, porque ele aprende tudo. Então, quando eu sabia que eu fazia alguma coisa que eu ia apanhar, eu já me prevenia, eu já botava uma roupa mais grossa, eu já botava uma camisa. Então, quando ele me via arrumado: “Rapaz, tu aprontou alguma coisa, tu está muito arrumadinho, muito quieto, vem cá”, aí quando descobria, Ave Maria, quando eu vinha a correia vindo lá, eu já dava um grito e só Deus ouvia o meu grito (risos), às vezes nem doía a pancada que ele dava, mas só pra fazer caô, criança. Aí eu cresci naquilo, mas dou graças aos ensinamentos dele.

P/1 – Então nessa época eles estavam numa colônia, era uma colônia o quê?

R – Era um sítio, que a gente chama de colônia, nossa fazendazinha.

P/1 – Plantava o quê?

R – A gente plantava arroz, feijão, milho, macaxeira, abóbora, verdura, variedades, criava porco, galinha, pato, boi.

P/1 – Você trabalhava na plantação?

R – É, trabalhava.

P/1 – Você ia na escola também?

R – Ia na escola também, só que eu ia estudar à noite, de dia eu trabalhava e à noite eu estudava, aí eu desisti um pouco da escola por isso, porque era muito longe, a escola nessa época, dificuldade, aí quando eu cresci, já me encaixei mais pra trabalhar, pegar na agricultura. O agricultor, ele não tem tempo de estudar, sabe, de primeiro era assim, os filhos chegavam, aí o pai botava: “Meu filho, quem quer estudar?”, “Eu, pai, eu, pai”, “Você não? Então pro roçado”, sabe? Porque senão, quando o doutor chegar lá formado na universidade, sabe, se nós não tiver planta aqui, sabe, lá do mercado vai ser muito difícil pra ele chegar aqui, um mês de viagem, tal, então as coisas se unificaram, ele não vai ter o que comer e você vai ser perito nisso aqui, ensinar pra ele bem, meu irmão. Porque chega lá o doutor, sabe, 20 anos lá no reformatório, lá no colégio interno, e fica todo doutor, aí ele entra dentro de um roçado de macaxeira: “Meu Deus, estou morrendo de fome, meu Deus, o que que eu faço?”, e ali dentro do roçado de macaxeira, ele morre em cima da comida, ele é doutor, mas morreu com fome, dentro de um roçado de macaxeira, que ele não sabe que ali pode puxar que a comida está enterrada na pachamama. Aí então era assim de primeiro, todo mundo consciente, quando ele já sabia que ele ia ter que ser doutorado lá no roçado, aí ele ia ter que saber quando planta o feijão, quando planta o arroz, quando planta o milho, quando planta a cana, quando planta o mamão, quando planta a batata, quando planta a taioba, quando planta o tomate, quando planta o maxixe, quando planta o quiabo. Aí daí o rapaz me perguntou: “O que é que vocês comem lá?”, eu digo: “Rapaz, eu no meu prato, na minha horta tinha 25 qualidades de verdura, qualidade de verdura”, aí ele: “Ah, porque hoje em dia isso e aquilo, eu não como carne, a bíblia fala que não pode comer carne”. Eu digo: “Sim, meu filho, o senhor me diga se tem alguém mais vegetariano do que um boi. Aonde foi que o senhor já viu um boi comendo um churrasco? Aonde foi que o senhor já viu um boi fazendo qualquer coisa assim que ofende, que a carne dele seja prejudicial?”. Claro, hoje em dia é, porque hoje em dia o interesse dos latifundiários é dinheiro, né? O que eles fazem? Um boi, de primeiro, a gente criava ele natural lá, pegava, quando via: “Ah, o boi está meio assim”, “Ah, está com verme, então pega lá um pinhão roxo, pega lá um pinhão”, assa ali três caroços de pinhão, amassa, dá na comida pro boi, mata todos os vermes dele, remédio natural. Hoje em dia o que eles fazem? Pega aí dois mil sêmen, injeta tudo nas vacas, já vem com hormônio aquilo ali, altas químicas, quando dá com um boi, de primeiro, três anos pra gente botar um boi no mercado, hoje em dia, com um ano e meio eles já botam um boi, com mais peso, porque tem ali só química e água.

P/1 – Vocês criavam boi, vocês criavam o que mais?

R – A gente criava boi, criava pato, galinha, porco.

P/1 – Vocês criavam pra vender ou vocês matavam pra comer?

R – A gente criava pra vender, pra tirar o leite, a coalhada, o queijo, a manteiga, e o boi, ele serve também de, vai pro roçado, o rocado é longe, você joga uma carroça, dez sacos de macaxeira, ele traz pra fazer a farinha, joga lá dez sacos de milho, ele vem embora. Então ele é uma pessoa que te ajuda, além de te alimentar. Aí então a gente criava pra isso e fazia muito carvão pra vender também, colorau pra vender, produção de ovos, saí com dez, 20 dúzias de ovos.

P/1 – Então você não tem lembrança de passar necessidade?

R – Necessidade, graças a Deus, não, é uma coisa que eu fico muito triste, quando às vezes as pessoas: “Ai, que pobre, ai, que eu sou pobre, ai o que fazem pra transformar a vida do pobre”, eu digo: “Primeiramente é o psicológico, sai disso, sai de pobreza, de pensar pouco, vai trabalhar, põe na terra, tu acorda cinco horas, seis horas da manhã, sabe, os pássaros está tudo acordando, tá tudo com aquela alegria, né, então você vai acordar com o nascer do dia, os primeiros raios ultravioletas que traz a saúde, sabe? Agora tu acorda dez horas, dez horas tu já está com fome, o sol quente, entendeu? O tempo corre, as horas passam, todos dormem, não querem acordar, tu já está dormindo há muito tempo. Aí o que tu vai fazer? Tomar banho, escovar o dente, tal, tomar café, deu uma hora da tarde, tu já está totalmente atrasado pro almoço e sempre pra janta”. Aí então é esse o desequilíbrio que está tendo hoje em dia na humanidade, que eu, na minha caminhada, desde criança, com meus altos e baixos, eu venho, sabe, nessa definição aí, trabalho na terra, graças a Deus, saio assim, com o meu recurso no meu bolso pra mim viajar. Sempre o pessoal me fala: “Feliciano, vamos no Rio de Janeiro, Feliciano, vamos em Brasília, Feliciano, vamos em São Paulo”, eu digo: “Meu filho, eu só vou no dia que eu tiver uma mixaria no bolso, que eu não vou estar contando com coisa dos outros, o dia que eu tiver um pouquinho no meu bolso, aí eu parto pra lá, que a hora que acabar eu pego o ônibus pra trás”. Aí eu venho nessa missão, na minha caminhada.

P/1 – Vamos voltar, Feliciano, pro início da sua caminhada. Você falou que ficou até os dez anos em casa, o que aconteceu quando você fez dez anos?

R – Aí quando eu fiz meus dez anos, eu já tava um pouco encrencado com o meu padrasto, aí eu fui, avisei a minha mãe, eu digo: “Olha, mãe, eu tenho que ir embora, que a casa está pequena pra mim e meu padrasto”, ela disse: “Tá, tá, por quê?”, eu digo: “Por isso, isso e isso”.

P/1 – O que é: “Isso, isso e isso”?

R – Eu só dormia depois que eles dormiam, então lá na intimidade deles, que a minha mãe era muito mais velha do que ele, ele bem novinho, então ele tinha uma sede por amor demais, minha mãe já estava cansada, e: “Não, ou você vai ou então o primeiro a morrer é aquele ali que está dormindo”.

P/1 – Você ouvia ele falando isso?

R – Eu fazia que estava roncando, eu fazia que estava roncando, que naquela época era liberado, você podia ter toneladas de armas em casa, então lá ele era muito zeloso com as armas dele, então era uma 12, uma 16, uma 20, uma 24, uma 28, uma 32, uma 36, um rifle 22, um rifle 44 e o 38 debaixo do colchão dele. A faca dele, ele só acreditava que tava amolada quando ele passava assim no cabelo e ela tirava o cabelo, aí guardava. Aí quando eu ouvia isso, né, ele dizia: “O primeiro é aquele que está roncando ali”, que eu fazia que estava dormindo, né: “rrrrrrrr”, aí: “Esse que está roncando é o primeiro que morre, ele que morre”, aí, minha nossa, eu só pensava na 12, eu digo: “Rapaz, quando eu vejo o estrebuchar dela dentro do quarto, tu me abotoa com essa 12”. Ele dizia: “Meu filho, as armas têm que ser tudo pronta, tudo com cartucho, porque chega um bicho aí pra atacar a gente, a gente daqui que vai achar munição, um monte de arma desse, um monte de munição misturada, o bicho come a gente, então eu já deixo tudo pronto, você pegou daqui, já manda”, aí eu digo: “É do jeito que ele me ensina, eu vejo o estrebuchar da minha mãe lá dentro, eu pulo nessa 12 aqui: ‘Sai do meio, mamãe’” (risos). Aí então aí eu vim, e foi na época, graças a Deus, que eu conheci o padrinho Sebastião, né? Aí, como ele tomava daime também há pouco tempo, aí eu falei pra mamãe, né, contei toda a história, digo: “Olha”, contei essa história que eu estou contando, pra mãe, ela disse: “Você ouve isso tudo, meu filho”, digo: “Ouço”. Aí chamei minha irmã mais velha e meu cunhado, participei,: “Eu vou sair de casa”, “Então você vai passar, vai lá pra casa, você e sua mãe”, “Mas como é que nós vamos fazer?”, “Rapaz, na hora que o Seu Sebastião chegar”, nessa época ainda não chamava nem ele de padrinho, era Seu Sebastião: “Na hora que Seu Sebastião chegar aqui, é muito amigo da família da gente, eu toco no assunto”. Aí parece que ele estava já monitorado por Deus, com certeza, aí com a fé ele chega, né: “E aí, como é que está?”, eu digo: “Está ótimo, está beleza, eu queria que o senhor estivesse aqui porque eu estou me mudando com a minha mãe daqui”. Aí o meu padrasto: “Rapaz, trairagem, falsidade comigo e tal”, eu digo: “Não rapaz”, aí Seu Sebastião, na época ainda era Seu Sebastião, disse: “Não, Chagas, o menino sabe o que faz, ele sabe o que faz, pode deixar. Você não quer ir lá pra casa, não? Já tem quarto lá pronto pra você e o meu filho mais novo, um quarto bem grande pra vocês se embalarem e não topar a rede um no outro”. Eu digo: “Não, Seu Sebastião, eu tenho um compromisso com a minha irmã, eu vou ficar um ano lá com ela”, aí eu saí aos dez anos de casa.

P/1 – E levou sua mãe?

R – Levei minha mãe.

P/1 – E os seus irmãos?

R – Meus irmãos ficaram, né?

P/1 – Com o padrasto?

R – É, com o meu padrasto, porque ele era muito brabo, daqui não sai nada, eu digo: “Rapaz, eu quero só a minha roupa do corpo mesmo, não quero nada, o que eu fiz, aí fica tudo”.

P/1 – E a sua mãe foi, mesmo deixando os filhos?

R – Aí a minha mãe saiu comigo, disse: “Não, eu vou também, que eu já não”, ela sabia que eu sabia da história, disse: “Não vai dar certo isso aqui”.

P/1 – Ele batia nela também?

R – Não, não, não chegava a bater, não, só conversavam, mas, como ele sempre gostava de provar o que ele falava, ela ficava meio esperta: “Eu vou sair antes que assim que aconteça, é melhor se retirar”. Aí, graças a Deus, Deus foi me iluminando, meus caminhos, como sempre, aí eu saí, fiquei um ano lá com o meu cunhado.

P/1 – Morando com a sua irmã, você e a sua mãe. E aí, como é que foi? Era na mesma colônia?

R – Era, ficava a 40 minutos de distância da nossa colônia. Aí daí eu fiquei um ano lá com eles, gostavam muito de mim, que eu fazia tudo, fazia de tudo, aí disse: “Metade da tua diária eu te pago, a outra metade fica pras despesas, sua e da sua mãe, pra você gastar nem com uma agulha”, eu digo: “Ótimo”, aí daí fiquei. Com um ano acertei conta com ele e digo: “Estou partindo, meu irmão”, “Não, não, dobro o teu salário e tal, não faça isso, não, rapaz”, eu digo: “Meu filho, eu tenho que ir, porque senão eu fico um homem sem palavra, sou pequeno e tenho palavra”. Porque você começa a se acostumar: “Não, não, fulano, vem pra cá”, “Não, rapaz, eu tenho que fazer isso”, “Não, deixa pra tu fazer depois”, tu vai deixando e vai acumulando, aí tu vai se acostumando, deixa pra depois, gosta, deixa pra depois, gosta, aí daí você se acostuma, se habitua a aquilo. Eu digo: “As portas vai ficar aberta”, ele disse: “Claro”, eu digo: “Então eu gosto de sair assim, as portas ficando abertas, pra quando, se eu precisar, eu me recorro de vocês”, “Está bom”, aí eu saí.

P/1 – E sua mãe ficou lá?

R – Aí o meu padrasto tinha, com seis meses ele desistiu de ficar só, não aguentou os meninos e: “Aí, vem de volta todo mundo”, eu digo: “Eu não”, a mãe disse: “Mas, meu filho, as crianças”, eu digo: “Bem, pelos meus irmãos a senhora pode voltar, mas eu mesmo não vou, não, não faltou nada pra senhora até hoje, então, se a senhora quiser ir lá cuidar dos meus irmãos, eles são pequenos, estão sofrendo, a senhora vá, que eu de longe eu cuido melhor”. Aí daí um ano, amarrei meu saco, enfiei nas costas.

P/1 – Quantos anos você tinha?

R – Onze anos de idade, eu fiquei um, saí com dez, fiquei um ano com meu cunhado e minha irmã, que já é falecida, aí amarrei, botei o saco nas costas e pisei. Cheguei lá, Seu Sebastião estava na janela assim, digo: “E aí, Seu Sebastião, o nosso negócio?”, ele disse: “Está em pé, está aqui, seu armador é esse aqui”. Aí o filho dele sempre já ficava, um ano me aperreando: “Feliciano, vamos embora lá pra casa”, eu digo: “Não, rapaz, eu tenho que ficar um ano lá com meu cunhado”, “Mas que ficar um ano, rapaz”, eu digo: “Não, eu tenho que ficar um ano lá com ele”, disse: “O papai está pra ficar doido, quando vejo está o pai passando sebo lá no teu armador, aí vai no outro, passa sebo, aí passa óleo, aí balança o armador. ‘Papai, pra que que o senhor está fazendo isso?’, ‘Pra quando o Feliciano tiver se embalando aqui, não fazer barulho’”. Aí cheguei nessa bendita hora, disse: “Não, está aqui o seu lugar”, aí daí eu vim inserindo na comunidade, já com Seu Sebastião, já comecei a chamar ele de padrinho: “Seu Sebastião, posso te chamar de padrinho?”, “Pode, meu filho”, aí daí comecei com esse senhor, o qual já conhecia o Santo Daime, aí daí foi.

P/1 – Ele que conhecia, você não?

R – Eu conhecia já, que o padrasto chegou um dia muito bêbado, aí Deus guiou ele até o Seu Sebastião pra ele tomar o Santo Daime, foi a última vez que ele ficou bêbado assim, de não aguentar mesmo andar com as pernas dele, mas ainda aguentou, porque quando chegou, subiu as escadas: “Quero tomar Daime, Seu Sebastião”, “Aguarde um pouquinho que o senhor vai tomar”. Aí daí, como eu já conhecia o Santo Daime, meu padrinho Sebastião me conhecia e já tinha me oferecido há um ano, já tinha feito um quarto lá, Deus estava usando ele, aí hoje que eu me recordo disso, que vejo e agradeço a Deus por ter feito isso na minha missão, na minha vida. Aí fiquei dentro da casa dele, trabalhando com ele, ajudando, tudo o que era pra resolver, quando completei meus, aí já fazia saber de tudo, aí fui ali o braço direito dele, o resolve dele, quando tinha algum problema espirituais, assim, que pessoas, que nós é uma comunidade que recebe gente do mundo inteiro, né?

P/1 – Já naquela época?

R – Já naquela época, já naquela época, em 79, nós já recebia argentino, chileno, tudo o que era estrangeiro.

P/1 – Então vamos voltar um pouquinho só pra você me explicar. Como é que é a história do padrinho Sebastião? O que você conhece da história, como ele era conhecido no Acre? Conta um pouco sobre ele.

R – A história do padrinho Sebastião, assim, ele se identificou muito comigo, assim, por isso, porque desde eu criança que eu conheci ele, ele foi gostando de mim.

P/1 – Como ele era, da onde ele veio?

R – Assim, pra mim ele foi uma pessoa fantástica, até hoje ainda não vi, assim, um homem com uma fisionomia, com os feitos psicológicos dele, com o tratamento que ele tinha, com a humanidade, com o Santo Daime, da cura. Hoje em dia nós estamos muito danificado com o povo, uma história muito simples, todo mundo chega na beira de um rio, desmata a beira do rio, faz a cidade na beira do rio, aí a terra para de crescer porque as folhagens que faz a terra crescer, os barrancos do rio aumentar. Aí quando desmatam tudo, aí todo mundo é cientista, todo mundo é engenheiro, todo mundo é sábio, aí vai, faz isso, eles não sabem que dali eles estão danificando, estão cavando a sepultura pra eles, porque ali, a terra que vem lá dos alto, que batia naquela floresta na beira do rio, fazia crescer os barrancos, vai pro leito do rio. O que faz? Tapa o leito do rio, a água que vem, no lugar de cavar mais o leito do rio, ela não encontra espaço, ela vai subir, transbordar pra dentro da cidade.

P/1 – É isso que está acontecendo lá agora?

R – É isso que está acontecendo lá e em muitos lugares. Aí então, Sebastião, eu aprendi muito com ele nessa situação, do natural, prestar atenção na natureza.

P/1 – Mas ele, o senhor sabe a história dele, da onde ele veio?

R – Ele veio do Amazonas, é amazonense, ele veio através de cura pra sogra dele, porque lá não tinha mais rezador, não tinha mais feiticeiro que desse jeito, nos espíritos que chegavam na sogra dele.

P/1 – Mas ele veio pro Acre pra ajudar a sogra?

R – Aí daí, como um cunhado dele tinha vindo na frente pro Acre e tinha achado essas terras lá na Colônia Cinco Mil, que por isso que é Colônia Cinco Mil, que era comprada com cinco mil reis. Daí o cunhado dele disse: “Olha, Sebastião”, mandou um recado, voltou lá no Amazonas e disse: “Olha, lá tem umas terras boa, fértil pra trabalhar, vamos sair daqui desse seringal, que é muito longe, lá é mais próximo da cidade, com um dia nós chega na cidade, aqui é 15 dias, um mês de varejão”. Aí daí ele saiu com a sogra dele, e lá tem mais recurso, então também tem lá um feiticeiro, o Irineu, ele disse que cura tudo, aí daí ele veio através da cura. Quando ele chegou, ele já fazia trabalho de mesa, com Bezerra de Menezes, essas coisas, espiritual, mas não tinha aquela abertura, era mais aquilo ali, aí, quando ele encontrou-se com o Mestre Irineu, foi lá através de cura, aí foi quando encontrou-se com o Santo Daime, aí é onde ele seguiu a doutrina e que hoje em dia tem espalhado aqui em Brasília acho que uns dez, 15, 20 pontos do Santo Daime, comunidade, tudo isso, né? Ele foi uma pessoa que ajudou com o Santo Daime, ele mesmo, pra tirar as pessoas do álcool, pra tirar as pessoas da degradação que estamos hoje em dia, a humanidade, ter respeito mais um pelo ser humano, um pelo outro, por si mesmo, que primeiramente tem que se cuidar pra você poder dar a mão pro seu irmão. Aí então essa foi a grande missão do padrinho Sebastião aqui em cima da terra e deixou essa semente plantada no coração daqueles que quiseram seguir, muitas vezes eu queria sair de casa: “Padrinho, eu estou...”, discutia com os filhos dele por causa de A ou de B, aí eu chegava, arrumava um pretexto: “Padrinho, eu vou embora”, Por que, meu filho”, eu digo: “Ah, fulano e tal, seu filho”, aí ele: “Meu filho, ó, não te incomode, tu está morando na casa dele ou é na minha casa?”, “É na sua”, “Então não se incomode, não vá lá na casa dele, porque eu preciso de você dentro da doutrina”.

P/1 – Ele queria você na doutrina?

R – É, queria eu na doutrina: “Porque, na hora que chegar o recurso, meus filhos vão se sujar com o cocô do pinto”, e hoje em dia nós temos uma grande, grandes comunidades, tanto em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Minas Gerais, tudo que é parte, Bahia, tudo que é parte do Brasil e no exterior também, sabe? Então nossa comunidade, assim, ela, toda nessa forma, pras pessoas adaptarem mais, enxergarem um pouco, olharem mais para si, olhar nosso planeta.

P/1 – Como é que é a comunidade? Me explica como funciona.

R – A comunidade, ela funciona do jeito que eu estou lhe falando.

P/1 – A pessoa chega, mora lá, o que acontece?

R – A pessoa chega lá, por exemplo: “Qual é o seu problema, meu filho?”, “Ah, estou cansado da cidade, estou estressado, esgotamento físico, estou com esgotamento mental, estou isso, estou aquilo”, “Mas então você quer se curar?”, “É”, “Então aqui é um grande lugar, porque a floresta, ar puro, sabe, vai lidar com a terra, vai saber o que que tu está plantando, o que que tu está comendo”. Então a pessoa vai sair daquele estresse, ele vai pegar uma outra corrente de ar puro, então esse é o trabalho, que a gente apresenta, que a comunidade, o padrinho Sebastião deixou pras pessoas que chegam.

P/1 – Aí a pessoa trabalha na terra também?

R – Aí a pessoa trabalha na terra, se ele vê que não tem, muitos veem que: “Não, a terra não é pra mim, não, eu vou voltar pra minha universidade”, aí vêm, se formam, trabalham, constroem família, ficam bem de vida, voltam pra sociedade de novo, aí então é isso que é o trabalho do padrinho Sebastião, é o trabalho do Santo Daime, né?

P/1 – Que é qual? Explica pra mim melhor.

R – Esse que eu terminei de lhe explicar, eu vou explicar mais uma vez.

P/2 – Da doutrina mesmo.

R – Da doutrina, esse é o trabalho da doutrina, porque doutrina pra quê? Pra que doutrina se nós não vamos ensinar a pessoa plantar um jagube, se nós não vamos ensinar a pessoa a plantar um pé de macaxeira, se nós não vamos ensinar a pessoa a respira um ar puro, se nós não vamos ensinar que ele tem que plantar, quebrar aquele concreto lá em volta do Tietê e plantar um pé de árvore ali? Quebrar um concreto na sua casa, deixa umas folhagens cair ali no seu terreiro, poxa, tanta preguiça é essa que não pode varrer ali, juntar uma folhinha e botar no pé da árvore de novo, porque vai te trazer vida, vai te trazer vida pra ti, pros que ainda vão vir, pros teus netos, pros teus filhos. Então isso é a doutrina do Santo Daime, muitos pensam: “Ah, a doutrina do Santo Daime é pra você, é televisão de índio”, se fosse, meu filho, passava na parede pra todo mundo ver, mas é que eu estou passando uma coisa com Santo Daime, só eu e Deus estou sabendo, sabe, a senhora não vai saber, não, a não ser que eu abra a boca e queira contar pra senhora. Isso é a doutrina do Santo Daime, que o padrinho Sebastião fez, que o Mestre Irineu, fez não, faz até hoje porque ele deixou praqueles que quisessem seguir e trilhar nesse caminho. Eu não me arrependo até hoje, sabe, eu agradeço ao padrinho Sebastião, se não fosse por ele, eu não estava aqui.

P/1 – Por quê?

R – Porque eu vim pra fazer um trabalho de Santo Daime em São Paulo, tem muito tempo que o povo me chamava e eu vim pra isso, no qual eu encontrei várias pessoas maravilhosas, seu filho, então sou muito grato ao Jonas aí, por você.

P/1 – Eu queria voltar lá pra sua idade de 11 anos, 12 anos. Como é que foi essa sua iniciação com o padrinho Sebastião, o que era que você fazia? Você tomava o Daime, participava do rito? O que era? Como foi isso pra você? O que você começou a ver? Você consegue me contar bem explicitamente?

R – Eu, primeiro eu tinha um pouco, assim, dificuldade com o ritual, ficava naquela moleza e tal, procurava correr, procurava ir atrás de uma menina, não ficar desviando o pensamento da doutrina. Então, mas aí com o tempo fui pegando gosto, pelo o que eu sentia na hora que o Daime me mostrava: “Meu filho, vai por aqui, por aqui”, aí eu ficava pensando assim: “Mas, rapaz, tem fundamento”, aí eu ia analisar de novo, aí eu começava a prestar atenção, começava a voltar: “Vou prestar atenção, ver o que o Daime está me ensinando”. Aí começava a ter pessoas me dando testemunho, por exemplo, assim, chegava uma pessoa pra se curar lá, aí tinham quatro, cinco, fiscal, orador, tudo, aí eu ficava lá, a pessoa atuava com um ser lá que queria luz e tal e, como o povo estava tudo vendo a força física: “Rapaz, vamos pegar e vamos segurar”, aí o cara batia lá, o ser batia, quatro, cinco, dez homens. Eu lembro que eu estava jogando bola, meus 14 anos de idade, domingo eu gosto de jogar bola, né, estava jogando lá, pá, pá, pá, quando: “Ei, Feliciano, para aí, vem cá”, “O que é, rapaz? Estou jogando”, “Não, o padrinho Sebastião mandou te chamar”, eu digo: “Mas padrinho Sebastião não manda me chamar domingo à tarde, ele sabe que eu jogo, ele nem manda me chamar, ele sabe que eu estou no campo, não saio por nada”, “Rapaz, mas é negócio que o rapaz atuou-se lá, tem 20 homens, ele bateu em tudinho lá, está os caras tudo lá e ninguém encosta nele”, eu digo: “Mas se 20 homens não trouxe ele, rapaz, como é que eu vou trazer?”. Eu me olhei assim, eu só de bermuda, 14 anos, todo suado, disse: “Rapaz, o padrinho Sebastião mandou te chamar”, aí eu: “Vish, o negócio”, eu já olhei pro banco: “Fulano, entra aqui na minha vaga”, me benzi, saí: “Onde é que esse rapaz está?”, “Está lá na casa do chileno”. Eu tinha feito um campo de brachiaria só pra botar as vacas leiteiras pra aumentar o leite, aí vim correndo, do jeito que eu saí do campo eu saí correndo, quando cheguei no assento do campo, que eu olhei do outro lado, estava a roda de homem e o cara no meio, né? Aí ele levantou a cabeça e me viu correndo assim, aí ele só fez passar no meio dos caras assim, vum, assim, correu no meu rumo e eu corri no rumo dele, aí cheguei no meio do pátio, assim, pulou pra cima assim, pá, eu já caí por cima dele, batemos no chão, ele disse: “Com esse eu vou”, eu: “Graças a Deus”. Então uma coisa assim que eu aprendi, o padrinho Sebastião me ensinava: “Meu filho, não confie em força física, sabe, você confia em Deus, sabe, nunca perca a fé em Deus, porque, se chega um espírito aqui, só Deus conhece aquele ser, só ele, o pai, o criador, é que ele tem poder sobre aquilo, nós, matéria, nós não temos poder de nada, o espírito chega, pega, bate em nós, mata nós, nós não vamos fazer nada com força física, confie em Deus. Então qualquer coisa que você for fazer bote o nome de Deus na frente, bote qual der o nome ao poder, sabe, de Deus”. Eu sempre tive essa fé, quando, qualquer coisa, eu já me lembrava quando a mãe estava doente, ela dizia: “Ai, meu Deus” (risos), recordava, que a minha mãe fala muito em Deus, então sempre me segurava nessa força e graças a Deus tive essas bênçãos, esses testemunhos que na hora que eu me valia a Deus, me valia dele, ele me valia, né? Então, assim, dentro da doutrina do Santo Daime mesmo, desses dois homens que eu conheci, padrinho Sebastião e padrinho Irineu, Irineu Serra, que foi, que o Santo Daime, ele é uma bebida milenar, trilenar, aí, dos Incas, dos índios, passou pros índios. Só que aí quando o Mestre Irineu conheceu com os índios, ele teve uma visão com a Virgem Mãe, que tinha que trazer essa doutrina pros brancos, Santo Daime, e foi daí que eu com meus 11 anos, 14 anos, né, eu vivi dentro disso aí. Eu era o resolve do padrinho Sebastião. Aos meus 16 anos eu fui comandante da comunidade, tirei 48 famílias da Colônia Cinco Mil pra o Rio do Ouro, o primeiro seringal que a gente abriu, que na Cinco Mil estava tudo pasto, tudo campo, aí não tinha mais mata pra roçar, então plantava no campo, o legume não estava mais dando produção. Tem o livro da Vera Fróis, que ela escreve o primeiro depoimento do padrinho Sebastião: “Nós estamos saindo da Colônia Cinco Mil, porque os campos estão fraco, as terras estão fraca, nós vamos pra floresta, porque lá tem as seringueiras formadas e a gente vai zelar delas”, aí nós saímos pra floresta pra isso, pra tirar seringa, látex, e ter mais vida, ter mais vida.

P/1 – Quantas famílias você levou?

R – Foi 48 famílias, tem registrado no papel lá em casa, 48 famílias.

P/1 – Como é que foi que isso aconteceu? Você organizou?

R – Aí aqueles que tinham terras pequenas, porque o grande projeto do padrinho Sebastião, era ir pra uma terra devoluta, aonde ele pudesse dar cem hectares pra cada pai de família, e com título definitivo, e 50 hectares pra cada solteiro que fosse se formando de maior, todo mundo titulado, pras pessoas terem mais: “Isso aqui é meu, aqui eu posso fazer uma casa, aqui eu posso fazer raiz, aqui eu posso fazer um pomar, é meu, da minha família, dos meus filhos, dos netos”. Aí então o plano do padrinho Sebastião de sair da Colônia Cinco Mil foi esse e quando ele passou pra toda comunidade, as nossas terras lá, a nossa terra era maiorzinha, nós tinha 30 e pouco hectares, ah, quando o meu padrasto viu: “O quê? Cem hectares? Vamos na hora, nós vende isso aqui e vamos aplicar nessas terras”.

P/1 – Seu padrasto?

R – Meu padrasto.

P/1 – Ele foi com a sua mãe?

R – É.

P/1 – Ele veio também.

R – Foi todo mundo, aí então isso é um caso que eu estou contando sempre, e todas as famílias fizeram isso, vendeu as coisas que tinha pra gente ir pro Rio do Ouro.

P/1 – Vocês foram exatamente pra onde, Rio do Ouro?

R – Rio do Ouro é uma parte do Amazonas, é a cem quilômetros de boca do Acre, aí daí a gente montou essas 48 famílias, que tinha família que tinha 90 pessoas.

P/1 – Mas essa terra?

R – Era uma terra devoluta, terra da União, aí, como nós tínhamos lá entrado, autorizado pelo Incra, tudo direitinho.

P/1 – Foi autorizado?

R – É. Aí depois de dois anos que nós estamos com a comunidade formada lá, aí o Incra vai lá e diz que tinham se enganado: “Rapaz, nós se enganamos aí, meus irmãos, e vocês vão ter que sair daqui”, padrinho Sebastião: “Rapaz, mas nós estamos com a autorização de vocês certa”, “Mas agora que a gente foi ver, apareceu um título definitivo aí, um tal Rômulo Bonalumi”. Depois de dois anos, acho que 48 famílias, nós botamos Seringal São Sebastião Colocação Rio do Ouro, que o seringal é onde comporta várias colocações, colocação, uma colocação às vezes mora um, dois, três, uma, duas, três famílias, dependendo do tanto de estrada de seringa que você tira, né?

P/1 – A colocação fica...

R – Aí aqui é o central, aqui é o seringal, aí as colocações vão saindo, uma hora, duas horas, três horas de viagem.

P/1 – E aí depois o pessoal vem fazer a seringa.

R – É, aí vêm tudo pra o seringal aqui, traz toda a produção pra o seringal, pra sede. Aí daí a gente com dois anos, acho que por causa do nome, Rio do Ouro, o pessoal: “Rapaz, 48 famílias lá dentro, tá assim, formigando de gente no meio daquela mata, pode ter ouro lá dentro, compra logo tudo em volta”, aí lá vai nós: “Rapaz, é o seguinte, nós não gosta de briga, nós somos da comunidade, somos assim, da paz, então é o seguinte, arruma outra terra pra nós, a gente perde tudo”. Aí arrumaram Céu do Mapiar, era um igarapé chamado Mapiar, aí quando nós chegamos lá, padrinho Sebastião foi lá olhar, isso eu tinha 16 anos, aí aos meus 16 anos e seis meses eu me alistei, eu queria ajudar a comunidade, lá eu já era comandante, já tinha ensinado um monte de motorista já. Aí eu me alistei, digo: “Vou passar um ano fora, eu quero me formar”, aí fui lá, me alistei no dia do meu aniversário, pro Pico das Agulhas Negras, Rio de Janeiro, que era o quartel mais rígido que tinha: “Eu quero só o Pico das Agulhas Negras, tenho coragem, tenho mesmo, eu quero um negócio forte” (risos).

P/1 – Você foi morar ali perto de Resende?

R – Aí isso eu no Acre, no Amazonas, eu estava em Boca do Acre nessa época, que eu me alistei em Boca do Acre, só que eu escolhi: “Eu quero um quartel rígido” e passei como primeira, né? Aí faltando três meses pra eu me apresentar, aí foi Coronel Marinho, da Polícia Militar, Estado do Acre, Quarta Companhia de Fronteira do Estado do Acre e o delegado da Polícia Federal do setor de entorpecente, não sei quantos psicólogos, não sei quantos psiquiatras, não sei quantas, o reitor da universidade, eu sei que foi gente de tudo que era lugar, de tudo que era polícia.

P/1 – Foram lá?

R – Foram lá, né: “O que esses povo estão fazendo lá dentro? Tomando daime, usando santa maria”, aí chegaram lá, aí que viram nosso movimento, peguei todo mundo, levei na minha canoa, filmagem, tudo, aí na volta, fizeram 15 dias de pesquisa lá com nós, porque viram o nosso trabalho lá, que viram, entravam dentro do abacaxizal assim e se perdiam, tanto abacaxi maduro estragando. Disse: “Rapaz, esse povo está trabalhando mesmo”, o coronel viu, fez vistoria, os rituais, aí na volta, eu puxei, quando ele vai embarcar no carro, aí eu fui, puxei meu documento do bolso: “Coronel, eu estou precisando de um conselho, eu gosto de me aconselhar com as pessoas mais idosas e tal, então eu estou aqui”, “Primeira? Agulhas Negras?”, bateu no meu ombro assim, disse: “Meu filho, não tem quartel melhor pra tu seguir carreira do que o que tu está, não”. Aquilo me despertou, mais uma firmeza, né, que eu já tinha aquela base ali dentro, ali dentro todo mundo corria pra mim: “Não, mas Seu Feliciano”, eu disse: “Rapaz, eu tenho idade de ser seu neto”, “Não, mas você não é o comandante?”, “É, realmente estou nesse cargo aí, mas o coração é humilde”, aí: “Eu quero ir, eu quero ir só com a minha roupa do corpo, eu quero ir pra perto desse homem”, “Então está bom”. Então todos viam, né, o que eu vejo, no padrinho Sebastião, aquela pessoa com capacidade de pegar um pai de família que realmente não teve aquele despertar dentro da sua mente, sua célula, não sei se por A ou por B, que não desperta pro progresso, por exemplo, cultivar a pachamama, deixar lá a terra, saber como tratar ela pra que nós não fique tanto, né? Aí saber que nós, se botar todo mundo na cidade, nós vamos virar tudo doutor, quando nós for atrás de alguma coisa pra comer, nós não vamos ter, todo mundo doutor, pós-doutorado, morrer de fome. Então isso era a grande meta do padrinho Sebastião, sabe, transmitir isso pra nós, sabe, pra gente ter esse cuidado com essa coisa, que nem tinha a música, ele sempre lembrava disso: “Olha, a música da fulana aí, ó, leva um saco de dinheiro, troca por um quilo de feijão, isso vai chegar, meu filho”, hoje em dia a gente vê, você leva um saco de dinheiro no mercado, traz no dedo. Aí então foi isso daí que me deixou cada vez mais...

P/1 – Aí você acabou não indo então pro Exército, você acabou ficando lá?

R – É, aí com essa, o coronel falando isso pra mim, eu com 16 anos e seis meses, ele já era coronel, comandante, aí eu: “Poxa, eu vou ter que aceitar o conselho desse homem, aí daí me firmei dentro da comunidade, né? Aí quando chegou esse povo, pra retirar nós lá, aí a gente saiu, aí foi quando a gente encontrou essa outra terra, o Mapiar, no igarapé, aí lá a gente formou essa vila Céu do Mapiar. Aí depois que eu, meus 18 anos, 16 anos, quando terminei, saímos devendo, abrimos tudo do zero de novo, porque a gente já tinha gastado todo nosso recurso no primeiro seringal, pra fazer as casas, pra arrumar tudo. Aí quando nós pegamos esse chute do próprio governo, o próprio órgão lá, que era o Incra, que tinha autorizado, aí nós saímos, disse: “Bem, agora no Mapiar, meu filho, se vocês vierem com essa história depois de ser definitivo, aí pode ter certeza que aí você vão arrumar encrenca, porque a gente corre até aonde vê que pode, mas quando não dá mais de correr, a gente se vira”. Eu sei, então, é essa a minha humilde história que eu tenho pra transmitir até agora.

P/1 – Conta como foi essa chegada no Mapiar.

R – Aí no Mapiar já foi mais prático, porque a gente já tinha a base, como tinha jogado essas 48 famílias, como tinha transportado elas pra o Rio do Ouro, da Cinco Mil ao Rio do Ouro, que a gente entrava no Rio do Ouro lá, saía, pegava o caminhão na Colônia Cinco Mil, parava na beira do armazém, aí entrava no Índia Maria, andava três horas, conforme as águas, os balseiros tivesse caído, aí entrava no Trena, era outro igarapé, mais estreito, aí você viajava quatro, cinco horas, aí entrava mais no Rio do Ouro, era outro igarapezinho, mais estreito, então andava, navegava em três igarapés pra poder chegar na Colocação São Sebastião.

P/1 – E a casa vocês faziam como, com madeiras?

R – Serrada na madeira, serrava, na serra manual.

P/1 – Na serra manual e montava a casa.

R – Montava a casa completa.

P/1 – Quanto tempo demorava? Enquanto a casa não estava pronta, vocês ficavam morando aonde?

R – Chegava, a primeira coisa, rapidinho, você fazer um barraco comprido assim, de 30 metros, cobre com lona, arma as redes tudo ali, 40, 50 redes aqui embaixo, mais 50 redes em cima, uma em cima da outra, aí dali a gente já ia trabalhar, começar a fazer as casas, o roçado, era assim. Chega, faz o acampamento, vai um grupo de homem, 20 homem, chega ali, faz aquele acampamento, aí dali começa a disparar, cinco homens pra cá pra tirar madeira, cinco homens pra tirar pau, duas parcerias de serra pra serrar a madeira.

P/1 – Era isso que você coordenava, os trabalhos também?

R – Eu ficava mais na parte de viagem, como eu era o comandante dos barcos, aí eu ficava na parte mais administração da viagem, quantos dias ia gastar, que dia eu tinha que sair, quantas pessoas eu ia pegar na canoa, está entendendo, quantas pessoas eu ia pegar.

P/1 – Então aí vinham os homens e vinham as mulheres junto também, as crianças?

R – Não, a primeira viagem, assim, quando saía, ia duas cozinheiras, sabe, duas cozinheiras e 20 homens, 15 homens, que era pra chegar lá, está aqui o acampamento, rápido se faz um acampamento.

P/1 – As mulheres só iam pra cozinhar.

R – As mulheres iam pra cozinhar, pra não está empenhando um homem pra cozinhar, a mulher ficava cozinhando, lavando a roupa suja e daí os homens iam fazer os acampamentos e as casas. Aí, como no Rio do Ouro a gente já tinha já essa base, pra mudar pro Mapiar foi mais fácil, porque a gente já tinha uma base de mudança, né?

P/1 – Mas as mulheres cozinhavam o quê?

R – O que a gente levava, nessa época, assim, a gente corria atrás de um açaí, corria atrás de um patuá, corria atrás de uma caça, então a gente chegava ali, as mulheres ia cuidar, arroz.

P/1 – Tinham os homens que cuidavam da caça e os que cuidavam da casa, era dividido assim?

R – Era tudo dividido, os homens que cuidavam da caça e os homens que cuidavam do roçado, outros que iam cuidar, por exemplo, o mateiro é aquele que vai pra mata fazer a estrada de seringa. Aí então cinco mateiros, a gente trabalhou com cinco mateiros, cinco toqueiros, o toqueiro é aquele que fica no pé da madeira aqui, enquanto o mateiro vai pra próxima madeira de seringa, aí bate lá, o outro responde aqui, aí se encontram, aí fica na próxima o toqueiro e o mateiro vai, até 300 madeiras, uma base de 15 quilômetros de estrada. Aí você vai pegando as madeiras, quando chega, tem que ter a base, você ir contando todas as madeiras, fazer uma perna de estrada, a estrada tem duas pernas, aqui é a boca, o espigão dela, às vezes você faz com espigão, chega aqui, faz um espigãozinho assim, dez madeiras, chega aqui: “Bem, agora eu vou pegar a perna direita”, aí você pega aqui, aí vai contando. Uma estrada com 250 madeiras, você vai contando aqui, 125, aí tu já começa a fazer o rodo, já pra ir voltando, né?

P/1 – Isso pra montar a estrada mesmo?

R – Pra montar a estrada no meio da floresta, assim, aí tu tem que saber.

P/1 – Pra não perder, né?

R – É, pra não perder, aí tem que saber, vai aqui, 125: “Tá bom, vamos voltar, porque com certeza nós do lado de cá encontra mais 125, vai ser uma estrada boa, com 250 madeiras”, estrada normal, ou 180, 250, até 300 madeiras o seringueiro, quando é bom mesmo, ele corta. Aí daí tinha a equipe da seringa, eram cinco mateiros, cinco toqueiros, então ficava dez homens pra ir cuidar das estradas de seringa, aí mais um tanto no roçado, aí já tinha as equipes, aí o Seu João Baé era da turma do roçado, né? Aí o pessoal chegava pro estrangeiro: “Você é de qual equipe?”, “Eu sou da turma de João Baier”, ele não sabia dizer João Baé, dizia João Baier.

P/1 – Os estrangeiros iam roçar também?

R – Ah, todo mundo, chegou lá, doutor, professor tem que ir lá: “Vê aqui como é que nós levamos o morango e o filé pra tua mesa, doutor, é aqui, ó, no meio do sol, começa com a enxada aqui, começa brocando, porque se não, se tu jogar o boi no meio da floresta, ele se perde lá, morre, então aqui tu tem que arrancar essas árvores todinhas, botar um pasto. Tu não acha muito bom quando chega lá: ‘Me dá aí um filé Friboi aí’, não acha gostoso? Então é nós que faz isso aqui, então tu tem que dar valor pro pobre, pro pobre não, pro trabalhador rural”, que eu tenho pavor dessa história de pobre porque só está decadência, então o produtor rural. Agora, se ele é preguiçoso, aí nós vamos ter que incentivar, estimular ele (risos) a largar aquela preguiça e começar a trabalhar, tanto numa área como na outra, se tu é doutor, se tu é médico, tu tem que ir pro tribunal, se tu é advogado, tu tem que ir lá, se tu é juiz, tu tem que ir no tribunal, então como é, tu vai ganhar nas nossas costas? Não, a mesma coisa é o produtor rural, ninguém vai chegar e te jogar uma bolsa de dinheiro pra tu ficar milionário ou tu adivinhar, dormir aqui, ver o número da Mega Sena, não, meu filho, vai suar, que aí depois, de grão em grão a galinha enche o papo. Então, se todo dia tu for lá naquela labuta da vida, pedindo a Deus saúde e tal, tua vida vai prosperando.

P/2 – Eu queria saber se no seu trabalho mesmo você recebia orientações do astral de como trabalhar na terra mesmo, na hora da doutrina, se você tinha visões de como trabalhar.

R – Rapaz, a gente tem, durante um trabalho de Santo Daime, você passa uma peneira na sua vida, você vê coisas, se você for bem, a mediunidade bem aberta, você vê se você já teve em outras vidas, em outras reencarnações, mas isso se você realmente tiver merecimento e fazer por onde, porque nessa doutrina também vale muito os nossos esforços, se você se esforça por aquilo, tem um objetivo, Deus vai te ajudar. Nunca esquecendo Dele, porque ele é que faz toda a conexão, porque se tu ficar só por aqui, vai ser só ilusão, ficar acreditando em Sai Baba, ficar acreditando em macumbeiro, feiticeiro, em xamã, quem deu alguma coisa pra ele, alguma oportunidade, que Deus dá uma oportunidade a todos nós, sabe, agora, se a pessoa não sabe zelar, aí é problema dele, Deus não tem mais essa responsabilidade. Então o Daime, ele é isso, ele te ensina a te livrar de tudo o que é ruim e como tu se dar com as coisas que realmente traz bons frutos, tanto pra ti, pra tua matéria, como teu espírito, tua família, teus amigos, até os que não são amigos seu, sabe?

P/2 – Mas já veio tipo um insight assim: “Nossa, eu vou plantar batata doce dessa forma”?

R – Não, já veio: “Puxa, cara, cria peixe, cria peixe”, a pessoa pode não comer carne, mas peixe ele come, entendeu? Então sempre vem essas luzes, você sai ali daquela coisa: “Não, eu tenho que fazer, tenho que fazer aquilo”. Aí sempre eu gosto de deixar essas minhas coisas bem resolvidas, definidas, pra que eu não leve isso pra lá, que o padrinho Sebastião sempre dizia: “Meus filhos, quando tu vier pra igreja, tu já tem seis dias na semana, tu tem 15 em 15 dias, que os trabalhos são de 15 em 15, então tu tem 15 dias pra cuidar do teu roçado, cuidar da tua macaxeira, botar comida pros teus filhinhos, pra quando tu vir pra igreja tu cuidar do teu espírito, cuidar da tua saúde material e da tua saúde espiritual”. Porque pra tu ficar aqui pedindo orientação pra luz vir te ensinar como plantar um pé de feijão, tu está perdendo tempo, sabe, então prepara lá teu terreno, quando tu vir pra igreja, esquece do teu roçado, teu roçado está pronto, porque ele está fechado pros bichos não entrar, entendeu? Então quando tu vem pra igreja, meu irmão, é pra tu cuidar da tua salvação, então você já tem que vir ali preparado pra cantar todos os hinos ali, não deixar nem um outro pensamento negativo entrar, que aí sim, quando tu sai dali, meu irmão, tu já sai pronto: “Rapaz, me lembrei que lá no bananal tem banana estragando, aí tu já vai lá, corta aquele monte de banana, tu vem feliz da vida, entendeu, vem feliz da vida, quando tu chega no trabalho, tu não tem peso, porque tua vida material está organizada, então quando você chega lá dentro do espiritual é aquilo, só alegria, só alegria.

P/1 – O que é o trabalho de, vamos dizer, limpeza ou crescimento espiritual? Me explica. Então você chegou lá, fechou a porteira, tomou o daime, o que significa largar toda essa parte do trabalho, da vida, ao que é que, por exemplo, você se dedicava neste momento?

R – Ali, eu vou me prevenir ali, por exemplo, das coisas do mundo, sabe, ali eu só vou ter olhos pra mim saber que eu tenho que amar o meu próximo, saber que eu tenho que entrar pra dentro do meu coração aqui, dentro do meu templo, fechar a porta e orar, entendeu? Porque, se eu ficar preocupado lá com o roçado, eu não dou tempo de seguir aqui a vida espiritual, sabe, nós já passamos 15 dias na vida material, fazendo amor, sabe, desfrutando da vida, bebendo, indo pras festas, fazendo tudo o que nós temos direito, o nosso livre arbítrio. Então por que na hora que nós vamos tirar um momento, uma noite pro nosso trabalho espiritual, nós vamos interferir outra coisa? Não pode, já está dizendo, a igreja, o trabalho espiritual, então tu vai lá pra alegrar teu espírito, sabe, pra dar aquela força pra, quando tu chegar no dia a dia, tu está feliz, não está: “Pô, rapaz, estou com uma moleza, rapaz, estou com uma assombração, eu tenho que ir num benzedor”, não. Então tu vem da igreja pra aquilo, pra pedir a Deus que te livre dos maus olhados, dos benzedor, das inveja, então ali tu está contrito com Deus e, como a doutrina nossa são os hinos, então a gente começa a cantar, não dá tempo. Eu já tive um trabalho que não deu tempo de eu tomar daime, sabe, cada hino que vinha era mais ensinamento do que o outro: “Rapaz, se eu for sair da fila, vou ter que esperar terminar o hino pra mim entrar na fila de novo, então eu já estou com a força”. Quando dava fé, dava intervalo, ou o cantor São João era menino: “Rapaz, já é o intervalo”, poxa, aí tomava daime antes de começar de novo, entrava no salão, até, quando olhava lá, aí vem aqueles raios ultravioletas cheio da cura, o dia nascendo, a coisa mais linda. Pronto, dali você reza, vai pra casa sossegado, toma o seu banho, pega sua fardinha, dependura lá, você tem 15 dias pra cuidar da tua vida material, dos teus que fazer, da tua escola, da tua universidade, do teu roçado, então por isso que não se pode. Padrinho Sebastião dizia: “Meu filho, não fica pensando: ‘Ai, meu Deus, me dá uma ideia, o que eu tenho que plantar pra mim ganhar dinheiro, sobreviver?’, não, meu filho, isso daí a gente pensa agora, nesse momento aqui, que é pra quando você chegar lá na igreja, tu já tem um objetivo”. Tu vai pra igreja fazer o quê? Qual é a finalidade? Algum de vocês poderia me responder isso com o pensamento de vocês aí? O que você acha na igreja?

P/2 – É pra me iluminar, ir me iluminar.

R – Então é isso, então se você vai pra igreja pra se iluminar, então você está dizendo, iluminação é uma coisa espiritual, trabalho ali, que tu vai resguardar pros teus espíritos, pedir reforço pra tua matéria, pra que ela saia dali tranquila, com toda a força, com toda saúde, pra você chegar lá tua casa, você está pronto pro seu dia a dia, você vai pro seu escritório, vai pro seu escritório, vai pro seu roçado, tu vai feliz da vida, que tu fez um trabalho, nada te atrapalhou, uma noitada daquela feliz, só falando em Deus, pedindo saúde, pedindo e rogando pelos irmãos. Então essa é a finalidade do Santo Daime, da doutrina, é você seguir aquilo ali, fazendo o bem à humanidade, a doutrina também vai muito dos nossos esforços, se nós não esforçar pra seguir a doutrina, não tem doutrina, não tem doutrina, se não tiver um santo, a igreja fica vazia, né?

P/2 – Eu queria perguntar se nessa época, na sua adolescência, teve algum ritual muito transformador pra você.

R – É, teve, teve, eu lembro uma vez que eu estava na minha oraçãozinha, que eu cheguei num ponto assim, era um palácio assim, tudo bem fofinho, sabe, assim, que você podia ficar relaxado, eu estava sentado num banco, assim, tinha os meus 14 anos, 15 anos de idade, aí digo: “Rapaz, mas estou dentro disso aqui, eu vou sentar numa poltrona dessas já, já e vou me relaxar, quer ver?”. Parecia que eu estava conversando assim, andando, que nem eu estou aqui, aí sentei, quando eu fiz assim, que eu relaxei, que eu abri o olho, eu estava assim, ó, já caio, não caio pra trás: “Meu Deus, o que estava acontecendo, o que era que eu estava vendo mesmo?” (risos). Aí então tem essas coisas, que você vê, então aquilo, não sei se é uma coisa que eu vou chegar ainda ou se foi num passado meu, no momento do susto eu não tive a oportunidade.

P/1 – Você voltou?

R – Eu voltei, eu não tive a oportunidade de saber se é uma coisa que ainda vem, mas eu espero que ainda venha, que isso é uma coisa tão boa, eu quero chegar lá (risos), chegar e: “Ô, aqui está ótimo”. Então é isso assim que a doutrina me firmou, padrinho Sebastião, sempre quando eu conversava com ele, às vezes vinha aquela miração, miração, aquilo: “Ô, meu Deus, eu vou ser perseguido, meu Deus, fulano, beltrano, ai, minha Nossa Senhora, eu vou me preparar, vou pegar esse bicho antes que ele me pegue”, aí ele gritava: “Aê, meu filho, não é agora, não, rapaz, é mais pra frente, prepara” (risos).

P/1 – Ele via?

R – É, aí eu... Um dia padrinho Sebastião estava dentro do trabalho, todo mundo mirando lá, aí ele levantou da cadeira dele: “Tem alguém capacitado aqui de receber o mundo inteiro como irmão?”, aí cantou um pedaço do hino: “Doutrinar o mundo inteiro, para todos aprender”, aí: “Tem alguém aqui capacitado de receber o mundo inteiro como irmão?”, vocês responderam não, com certeza, não estavam lá, assim foi quem estava lá, ninguém respondeu. Eu me invoquei lá, estava com uma sandália havaiana assim, eu botei o dedão do pé assim na alvenaria da igreja, assim, enfiei o dedão do pé no chão assim, aí estou aqui concentrado, deixa eu inteirar minha idade, meu padrinho: “O mestre levanta o braço no meio dos seus irmãos procurando um general para comandar seu batalhão”, aí deixa eu inteirar minha idade, vou levantar o braço. Rapaz, aí eu aqui sem me mexer, só no meu pensamento aqui, aí ele gritou de lá, ele dando a preleção pro pessoal, que não tinham levantado: “Desse jeito, desse jeito quer dizer alguma coisa, se acham alguma coisa, nem pra levantar o braço, nem o dedo, sabe, pra doutrinar, pra receber o mundo inteiro como irmão, não tem capacidade disso e querem ser mestre”, rapaz, e ele dando essa preleção, né? Quando eu fiz esse pensamento aqui, firmei o dedão no pé aqui, ele gritou lá: “É muito melhor está firmado no dedão do pé”, eu firmado: “Mas o pessoal está vendo, mas que negócio é esse? Tem alguma coisa errada”, aí cada vez mais ia deixando esse pacto com ele firmado de união, aí eu ficava na minha, só meditando. Então eu agradeço essas coisas que eu tive, né, essas propostas, hoje em dia, quando eu recebi, sabe, a pressão mesmo pra ver se realmente eu estava firmado em Deus ou se eu ia fugir da raia, que nem diz o ditado, eu agradeço a ele, eu digo: “Ô, padrinho, então agora que eu tenho que me firmar em Deus mesmo, que agora que está aparecendo a passagem que eu vi naquela época, que eu tinha 15 anos, hoje em dia está passando”. Depois de 15 anos, de 20 anos, eu fui recebendo as passagens que tinha que passar, dificuldade da vida, de perseguição, que eu via na miração: “Rapaz, eu vou partir pra cima agora, eu vou me defender agora, antes que assim aconteça”, aí ele: “Não, meu filho, mas não é agora, não”, aí: “Como é que tu tem que se preparar? Se prepara com Deus, meu filho, que é ele quem tem pra dar, o qual deram o nome ao poder, sabe, é só ele, só ele que nos protege”. Não existe, como é que se diz? Quartéis, aeronáutica, não existe nada disso que vai te proteger, a única coisa que te protege é teus feitos, teu pensamento, teu coração e Deus, conecta com ele ali, que aí ele vai te guiando teus passos. Então eu agradeço a isso, que eu tive uma grande benção na minha vida, encontrar com essa doutrina, o Santo Daime, o qual foi trazido pelo Mestre Irineu e padrinho Sebastião, então a minha história, ela é bem curtinha.

P/2 – Você conheceu o Irineu?

R – Peguei, tive o prazer e a benção de pegar na mão dele duas vezes.

P/1 – Então quando você estava com 16, 18 anos, o coronel pediu pra você ficar lá, você continuou no Mapiar coordenando os trabalhos?

R – Continuei no Mapiar.

P/1 – E aí, a sua vida, você casou, você teve filho, o que aconteceu na sua vida?

R – Aí daí quando eu deixei todo mundo pronto no Mapiar, daí eu desisti, peguei meu reservista, digo: “Bem, eu vou cuidar da comunidade, né?”, aí fiquei ajudando padrinho Sebastião, eu era uma pessoa mesmo ligada ao padrinho Sebastião, eu morava na casa dele, então todas as coisas que tinha.

P/1 – Você continuou morando com ele?

R – Continuei morando com ele, né? Aí daí quando a gente pagou todas as contas no Mapiar, que eu ensinei os meninos a dirigir, já tudo com carteira, já, marítima, aí nós temos dificuldade do Santo Daime, porque a gente tinha deixado um plantio na Cinco Mil, tinha deixado um plantio no Rio do Ouro e era muito longe pra pegar. Ele disse: “Rapaz, a única pessoa, quem é que sabe procurar, conhece na mata, conhece folha na mata nativa?”, eu digo: “Rapaz, eu, eu tenho coragem de encarar isso daí”, aí ele disse: “Está bom”, então eu digo: “O pessoal já está aí, eu vou fazer um feitio na Cinco Mil pra trazer um daime e trazer umas mudas pro Mapiar”. Aí, como a minha mãe era parteira, ela viajava no seringal, onde tinha uma pessoa pra fazer um parte, aí ela saía do seringal, ia na Colônia Cinco Mil fazer o parto daquela pessoa, voltava, nessa época coincidiu da minha mãe ter ido fazer um parto numa menina lá, e caiu da escada, fraturou uma costela.

P/1 – Ela?

R – É, a minha mãe, aí me avisaram lá que a minha mãe estava só esperando eu chegar pra morrer, estava só esperando pedir a benção, aí eu viajei dia e noite, viajei dois dias, um dia e duas noites.

P/1 – Você viaja como, era a pé, era de barco?

R – Não, de barco, de Boca do Acre pra Rio Branco.

P/1 – A Boca do Acre é de rio, você vai pelo rio.

R – É, Rio Purus, Rio Purus, aí sobe pro Rio Acre, aí vai bater em Rio Branco. Aí daí eu vim, viajei duas noites embaixo de chuva, aí cheguei aonde estava a minha mãe, graças a Deus, cheguei, era tudo conversa, minha mãe tinha saído do hospital, estava bem, mas foi tudo guiado por Deus. Aí, está bom, vamos fazer o feitio, vamos, cheguei lá, aí era o Seu Nonato, compadre Nonato e o finado Francisco Correia: “Rapaz, sabe andar na mata?”, eu digo: “Sei”, aí: “Vamos procurar umas terras aí”, aí saímos, eu falei com o dono da terra: “Rapaz, te vira aí”, eu com 20 homens, falei com o dono da terra, disse: “Rapaz, pode entrar aí, os caras aí da União do Vegetal tira muito material”. Aí daí foi a minha ficada na Cinco Mil, que eu fui fazendo daime, aí fui, minha mãe estava ali, aí já foi pegando, aonde eu passei a minha juventude toda, na Colônia Cinco Mil mesmo, aí fui pegando gosto daquilo ali, já tinha deixado todo mundo já bem no Mapiar, tinha feito toda a transição do povo, ensinado os motoristas, todo mundo certo. Aí eu fiquei fazendo daime, fui pra mata, dei sorte.

P/1 – Lá na Colônia Cinco Mil.

R – É, na Colônia Cinco Mil, fui pra mata, dei sorte, encontrei muita rainha, encontrei muito jagube, aí daí pronto, já me botaram como jagubeiro oficial, aí daí a gente começou a fazer daime, foi o primeiro centro que foi aberto no Rio de Janeiro, perto de São Conrado, ali, Paulo Roberto, aí depois Visconde de Mauá, com o Alex, depois em Brasília, com Fernando La Roque, que saiu do planalto, aí daí foi espalhando, espalhando.

P/1 – O que você fazia, você pegava a planta?

R – Pegava o material na mata, procurava, achava, aí trazia, fazia a confecção do Santo Daime, aí mandava pro Mapiar dois mil litros de daime pra eles despachar.

P/1 – Aí você ficou mandando pro Mapiar então?

R – É, fiquei mandando, trabalhando pro Mapiar.

P/1 – Mas aí Mapiar não plantou o daime?

R – E mandando mudas também, hoje em dia tem um grande reflorestamento, um grande plantio no Mapiar, eu fui um grande incentivador dessas, do daime eterno, e até hoje, aí daí eu fiquei, sempre as pessoas que precisavam na época, eu não tinha mais tempo nem de me coçar, só era na mata e batendo cipó, na mata e fazendo feitio, então...

P/1 – Isso na Colônia Cinco Mil?

R – É, e temos bons êxitos porque as pessoas que: “Ô, rapaz, graças a Deus, o meu filho só vivia na cachaça, só vivia no crack, hoje em dia voltou a estudar, está se formando, está trabalhando”, aí cada vez mais me firmava, nessa história do mestre e do padrinho, que eles deixaram essa missão aí. Hoje em dia, aqui em São Paulo, tem mais de 50 pontos de Santo Daime.

P/1 – Mas quando você vem aqui pra São Paulo, você vem fazer o que nos pontos?

R – Foi a minha primeira viagem a São Paulo, minha primeira viagem a São Paulo, estava há muitos anos o pessoal me convidando pra vir, eu digo: “Rapaz, ainda não é a oportunidade, não é a minha vez ainda, no dia que for pra mim vir a São Paulo, Deus vai me levar”. Aí agradeço a ele por está aqui, por ter vindo agora, essa viagem, que eu vim até o Rio de Janeiro, era até o Rio de Janeiro, eu vim pra Brasília, porque o meu filho fez uma cirurgia lá com três anos de idade, hoje em dia ele tem 11, aí daí eu comecei vir pra Brasília. Minha mulher veio duas vezes, aí pegou um pânico de avião lá e aí eu fiquei vindo trazer ele, aí de lá foi ampliando, aí quando foi, conheci umas pessoas no Rainbow, que é uma, comunidades alternativas, aí eles queriam conhecer o Acre, fazer lá no Acre, aí eu fui, digo: “Pode, eu tenho 12 hectares lá, tem a parte da igreja também, que abre”, aí aconteceu o Rainbow, no Acre. Aí foi aonde eu conheci o Ricardo, aí conheci várias pessoas, aí: “Não, padrinho, mas o senhor tem que sair. O senhor nunca saiu?”, digo: “Não, rapaz, eu vou só em Brasília porque o meu filho faz tratamento, de seis em seis meses eu tenho que ir lá, né?”. Em Brasília tem um campo muito grande também, que aí tem um grupo lá de 60 pessoas, tem mais, Brasília tem a base, eu não dou nem conta de ir visitar todo mundo que quer a minha visita em Brasília, quando chega assim: “Padrinho, vem pra cá, padrinho, vem pra cá”, eu não consigo, a agenda já vem curta ali, eu tenho que voltar. E agora eu vim, vinha só até Brasília, aí, como eu tenho uma filha que está fazendo Medicina agora, ela é farmacêutica formada e vai fazer Bioquímica agora no Rio, e a outra está fazendo Música, , aquela que tu viu, a Mariana, que estava aqui.

P/1 – Lá aonde, no Rio?

R – No Rio de Janeiro, lá na casa dos Gracie Imperial, não sei se vocês conheceram, já ouviram falar.

P/1 – Os Gracie do jiu-jitsu?

R – É, Carlos Imperial que lançou o Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Elis Regina.

P/1 – Ela está na casa deles?

R – É, aí lá na Cinco Mil, eu tive, aos 14 anos, de conhecer ele, teve lá, levou o filho dele pra se tratar lá, que é o Marcos Imperial Gracie, aí daí a gente fez uma amizade muito grande. Aí juntando isso, aí eles me convidaram, o Rainbow me convidou: “Não, padrinho, você tem que visitar o ENCA, que é uma comunidade maior”, aí eu fui pro Espírito Santo, foi a minha saída, além de Brasília, foi 2014, aí fui no Espírito Santo, aí fiz um trabalho muito bom lá com o pessoal, fui bem recebido no ENCA, dois mil rastafáris lá, tinha de tudo que é lugar, tudo que é doutor, tudo que era psicólogo, psiquiatra, de toda a parte do mundo, aí fui muito bem também. Aí fui reforçando mais, disse: “Não, tem que ir no Rio de Janeiro”, aí eu liguei pro Marcos lá do Espírito Santo: “Marcos, como é que está aí? Pode me receber com 25 pessoas?”, disse: “Posso sim, padrinho, pode vir”, Ave Maria, foi quando eu cheguei até, fui no Espírito Santo, aí fui no Rio de Janeiro, a minha primeira ida no Rio de Janeiro, 2014 também, Espírito Santo, Rio de janeiro. Aí daí, quando foi agora, que eu vim de novo, disse: “Não, padrinho, você tem que ir em São Paulo agora, você já foi lá no Rio duas vezes, já foi lá no Espírito Santo duas vezes, em Brasília o pessoal já toda vida, o senhor só fica lá”, eu digo: “Está bom”, aí eu estava no Rio, aí o Ricardo me ligou: “Não, o senhor tem que ir lá, tem que ir lá” e eu: “Está bom, meu filho, vamos”. Aí dei mais uma esticadinha na minha agenda pra chegar aqui e graças a Deus foi bem proveitoso, ontem a gente fez o trabalho com 40 pessoas, amanhecemos o dia, todo mundo ficou feliz da vida, então é isso aí que a gente, que eu falei lá no trabalho, a gente tem que levar aquela sementezinha, né?

P/1 – Quando você organiza um trabalho, qual que é o seu papel?

R – Meu papel é orientar as pessoas que estão tomando daime pela primeira vez, as pessoas que já tem um seguimento dentro do daime não sabem como lidar com essa situação. Então o meu papel é esse, é tentar mostrar pras pessoas que o trabalho de um daimista quem dirige não somos nós, matéria, apenas nós somos um zelador, somos um aparelho que está ali, Deus é quem guia, quem manda, é quem conhece você, conhece cada um de nós. Então conforme idade, teu merecimento, teus esforços, teu pedido, tua relação com Deus, sabe, ele vai te dando aqueles ensinamentos, pra você sair de lá feliz da vida e chegar em casa com um sorriso aqui, sabendo que tem que acordar cedo porque a coisa mais bonita é o nascer do sol, não é isso? Aí então é isso aí que a gente... E ontem eu tive um problema, quando eu cheguei pensando nos meus passos, assim, pra trabalhar, eram 600 pessoas num aberto assim, pra gritar: “Viva ao grande espírito, grande espírito, viva a cura”, aí quando eu cheguei, a casa, os prédios de lado, e o cara: “Pelo amor de Deus, fala baixo aqui, que a vizinha”. Aí, eu comecei a entrar em depressão, eu digo: “Minha Nossa Senhora, meu Deus, me socorre, terapia”, aí: “Mariana”, ela: “Que isso?”, “Terapia, vamos começar a falar baixo, que eu estou passando mal”, porque no hinário eu tenho que cantar alto pra ficar animado, pra força, se encher de energia, aí quando o menino saía, eu: “Rapaz, você quer fazer eu levantar pra o cara sentar, faça isso sempre, vem cá, meu filho, vem dirigir aqui”. Porque no fundamento da história, quem dirige os trabalhos, um daimista que se preza, não é ele, é Deus, qualquer setor de macumba, de bruxaria, de pajelança, o cara está ali no, como é que se diz? Num castelo de areia, ele não está na rocha, ele está confiando só nele ali, não, precisa confiar em si próprio, mas quando você está com Deus, porque Deus é tudo, Deus é matéria aqui na terra e todos nós, então a gente tem que ter essa equilibridade, que a carne aqui, mas Deus está aqui, sabe, ele é vida, se ele sair de nós, é igual essa luz, apertou na tomada, ela desliga.

P/2 – Você pode contar aquela história que você contou do pajé, daquele seu encontro com o pajé?

R – É a ilusão, as pessoas: “Ah, é um índio, é um pajé, Ave Maria, esse aqui faz chover, faz fazer sol”, está bom, aí sempre eles me procuravam, eu tenho uma ligação muito grande com os indígenas. Aí quando eles queriam Santo Daime forte, eles diziam: “Pajé”, me botaram como pajé, condecoraram várias vezes, colocaram cocar na minha cabeça, tudo. Eu tenho um pouco de sangue indígena, que a minha avó, ela foi pega na bala, o meu avô veio do Rio Grande do Norte, um compadre dele mandou chamar ele, que era pra ser guarda-costas dele, aí então, naquela época, na Amazônia, os patrões chegavam, trazia aquele soldado da borracha, quem não vai pra guerra vai pro Amazonas cortar borracha. Aí quando chegavam lá: “Ó, 15 homens aqui, vai lá na aldeia do cacique tal, diz pra ele mudar a aldeia dele a dois, três, cinco dias de viagem, que ali vai ser um grande seringal”, “E aí, se eles reagirem?”, “Mete bala”, assim chegaram nessa aldeia, o compadre do meu avô falou com o cacique, o cacique disse: “Negativo”, pá, pá, pá. Aí quando vinham correndo, naquela correria, terminando de matar os que estavam se levantando lá, aí o meu avô viu essa indiazinha, jogada no chão, se não fosse ele, ela tinha ficado no chão lá, aí ele olhou assim, disse: “Rapaz, eu vou levar esse negócio pra mim”. Aí quando botou na estopa, o compadre disse: “Rapaz, compadre, tu está doido? Mata logo esse diabo aí, rapaz”, disse: “Que nada, rapaz, eu vou levar pra mim criar”, “Esse diabo aí vai te matar”, “Eu já matei a aldeia dela, eu mato ela também, rapaz”, aí depois dos 16 anos, ele casou com ela.

P/1 – Ele criou ela?

R – Ele criou ela e aos 16 anos casou com ela, aí veio o meu pai, minhas tias, então tenho um pouco de sangue indígena, né?

P/1 – Você chegou a conhecê-la?

R – Não, conheci só o meu avô, ela não deu.

P/1 – O que aconteceu com ela, ela morreu?

R – Morreu, morte natural mesmo. Aí chega, aí eu sei que tenho esse agrego, com a área indígena, aí chegou um pajé lá, disse: “Pajé, você tem um daquele lá, forte”, eu digo: “Tenho, pajé, normal”, “Então vamos fazer um trabalho aí”, “Bora”, aí cheguei lá, ajeitei tudinho, fiz a fogueira, começou a primeira rodada de daime, quando a força foi chegando ali, ele se incorporou assim, aí hablo com as meninas, as meninas se levantaram rápidas, umas morenonas, cada qual mais linda, cabelão assim, na cintura. Aí ele chegou pra mim: “Pajé, vou conhecer a área”, eu digo: “Pajé, durante o ritual, no trabalho, não se pode sair pra conhecer a área, não, Pajé”, aí ele cresceu assim em cima de mim, era lutador, e os braços dessa grossura: “Eu sou pajé”, quando ele fez aquilo, assim, eu me assustei: “Meu Deus”, digo: “Pajé, então, pelo amor de Deus, me dá só um segundinho aqui, eu consultar o nosso pajé maior”, aí eu: “Meu Deus, é contigo”, na hora que eu lembrei de Deus, ele caiu na minha frente, bluf, de joelho, aí eu falei pras meninas: “Pode sentar”, aí as bichinhas sentaram lá (risos). Aí vamos cantar, vamos cantar, vamos cantar, o dia vinha raiando, eu entrei no cruzeirinho, ali na área do mestre, aí chega na hora de rezar, eu olhei pra ele, ele olhou pra mim, eu peguei na mão dele, levantei, ele ficou a base de três horas de joelho, eu não pude meter a mão, porque foi Deus. Então daí veio a orientação pra mim: “Na reza você estica a mão pra ele”, na hora da reza, né, aí eu estiquei a mão, ele deu a mão, agradeceu, aí terminamos de rezar o trabalho, ele me agradeceu: “Poxa, Pajé, eu quero desse, viu, Pajé”. Aí então é assim, sabe, eu sempre aviso pras pessoas, que estão tomando daime, que não se leve pela ilusão, acredite em Deus, por isso que é daime, dai-me fé em Deus, dai-me saúde, dai-me paz, dai-me compreensão, dai-me coragem, então dai-me tudo de bom, então essa coisa que o daimista tem que pedir pra você, o seu discernimento, tanto o lado material. Eu vou ser daimista o resto da minha vida, quer me matar, quer me enforcar, já mataram Tiradentes, já mataram Ulisses, já mataram Tancredo, já mataram um monte de gente, mataram o homem mais importante, que era Jesus, então, meu irmão, mas só que vontade e ponta de cigarro é o que mais sobra, então só vai, a única coisa que morre na véspera é peru, dia 24, que dia 25 é natal. Aí então a gente sempre, eu tenho essa fé em Deus e procuro me precaver, que é o que os hinos, né, pedem, pra gente ter mais calma, pra gente acreditar em Deus, ser humilde.

P/1 – Os hinos, você faz os hinos ou você recebe os hinos?

R – Os hinos, eles são as correntes que vêm na hora que você se conecta aqui com Deus, ele, você começa a ouvir ali, é uma coisa que você, não sai mais da sua cabeça, quando é música assim, se você não correr lá, anotar, você esquece, mas o hino você não esquece. Eu recebi um hino, o Alfredo, toda a vida que ele recebia um hino, ele passava pras cantoras, aí nesse dia a gente recebeu esse hino, meus 14 anos de idade, aí eu, tinha eu, ele e outra pessoa, a gente estava consagrando Santa Maria, nessa época eles tinham muito medo de andar no Santa Maria. Aí quando chegou lá, a gente tinha que fazer um grande negócio lá, tinha que comprar castanha, tinha que comprar produção do seringal lá e levar mercadoria, né? Eu com meus 14 anos eu já botava os pais de família já no negócio, já tinha ideia de como fazer as coisas: “Ó, aqui eu vou comprar, o grosso aqui eu compro barata, então eu posso chegar lá, pagar um pouco a mercadoria lá do agricultores mais caro e posso vender o produto pra eles mais barato”, “Mas rapaz, é mesmo, faz aqui o preço”, “Aí o lucro é esse”, com meus 14 anos de idade já tinha contabilidade já pronta na minha cabeça. Aí daí fretamos um caminhão e fomos, quando chegamos lá: “Cadê a Santa Maria, cadê a Santa Maria?”, eu digo: “Rapaz, vocês não trouxeram, não?”, disse: “Não, Ave Maria, vou quebrar as ordens, rapaz, quebrar as ordens”, “Pois é, eu não quebrei ordem, não, eu pedi a Deus proteção, está aqui”, aí fomos lá, sol, lua, estrela, sol, lua, estrela. O hino começou a descer, aí eu, pá, olhei assim pro Alfredo, e ele percebeu, disse: “Ou é teu ou é dele”, aí: “Esse cara está sabendo o que está dizendo mesmo”, tal, acabou ali, fomos, viemos embora, aí esperei um dia, dois dias, três dias, quatro dias, cinco dias, seis dias, sete dias, oito dias, nove dias, eu perguntei às meninas: “Cadê, tem hino novo aí do Alfredo?”, “Tem não”, “Tem hino novo do Alfredo?”, “Tem não”. Eu digo: “Rapaz, esse cara não sabe o que estava dizendo, não, ele falou só no rumo, aí quando eu encontrar, onde eu encontrar ele agora vou perguntar”, aí eu saí assim, tá, tá, tá, de cabeça baixa, levantei, aí o Alfredo, eu digo: “De quem é?”, “Esse é teu”, digo: “Então está bom, então vou cantar agora pra você, que você falou que é meu, que você ficou falando lá: ‘Ou é dele ou é dele’, eu fiquei na minha até você dar pra outra pessoa”, “Não sei do hino”, eu digo: “Então vamos cantar, aí cantei o hino pra ele, o 59 no hinário do padrinho Alfredo. Esse hino, padrinho Sebastião me acordava quatro horas da manhã pra ir cantar pra ele, ele passava debaixo de 50 redes, pessoas dando tudo da vida pra ter um momento com ele, um particular, ficavam ali esperando várias horas pra ter aqueles minutos com o padrinho e tal, contar seus problemas, pegar suas orientações. Aí era quatro horas da manhã, ele saía por baixo das redes, ia lá na minha rede, aí eu já levantava o mosquiteiro: “Pegue o teu pandeiro”, aí eu pegava o pandeiro, ele já estava com o violão agarrado no braço, lá pra fumaceira onde faz borracha, o látex, aí chegava lá: “Canta o teu hino”, eu, pá, aí já estava já meio chateado: “Poxa, padrinho, mas por que o senhor tem que cantar meu hino?”, “Tu não gosta, não, do teu hino?”, “Gosto”, “Então canta”. Aí hoje em dia eu agradeço porque pessoas lá que tinham a maior vontade de ter aquele minuto com ele, eu, todo dia ele ia na minha rede me chamar, então era muita especialidade pra mim, então eu tinha que dar alguma coisa de mim, me entregar mesmo de corpo e alma pra repor, o que esse homem estava confiando em mim, sabe? Deixava de confiar nos filhos dele pra confiar em mim, pra falar isso pra mim, pra dar os testemunhos que ele me dava, então me sinto inteiramente grato por ele, de hoje em dia eu está aqui, porque, se não fosse por ele, não tava aqui hoje, então essa é a verdade.

P/1 – Sua mulher, você acabou casando então lá na Colônia Cinco Mil, como é que foi?

R – É, daí...

P/1 – Você foi ficando por lá.

R – Fui ficando na Colônia Cinco Mil, aí foi onde eu conheci minha esposa, lá na Colônia Cinco Mil.

P/1 – Ela era da Colônia Cinco Mil?

R – Não, ela tinha conhecido o padrinho Sebastião em 80, 82, 83, por aí, foi quando ela tinha conhecido o padrinho Sebastião, tinha andado na Colônia Cinco Mil, eu até vi ela uma vez de passageira, que eu estava no barco já pra descer, e estava ela e outra pessoa, outra colega dela dando tchau lá na beira do barranco, eu: “Vamos embora, vamos embora”. Aí depois de dez anos foi que eu vim encontrar com ela, 13, 15 anos, foi que eu vim encontrar com ela na Colônia Cinco Mil, que ela veio na Colônia Cinco Mil e, como eu já estava lá, né, aí daí deu certo, foi uma benção na minha vida.

P/1 – Ela tinha vindo da onde?

R – Ela era do Acre, só que ela morou um tempo em João Pessoa.

P/1 – Como ela chama?

R – Maria Inês.

P/1 – Ela foi parar lá na Colônia por quê?

R – Ela foi, ela conhecia uns amigos que falavam da Colônia Cinco Mil, aí ela foi uma vez lá, tomou e gostou, aí passou um tempão fora, depois de 15 anos ela voltou, aí por causa do Santo Daime, foi pra lá.

P/1 – Ela voltou por causa do Santo Daime?

R – É, voltou por causa do Santo Daime, aí se hospedava lá na minha casa, quando ela chegou, ela tinha duas crianças, uma de três anos, uma de um ano e pouco.

P/1 – Ela já tinha esses dois filhos?

R – Já tinha essas duas filhas, se hospedaram lá em casa, que lá em casa era aberta, assim, a casa era grande, só morava eu e minha mãe, aí o pessoal chegava: “Rapaz, não tenho aonde ficar”, “Rapaz, vá lá pro Feliciano, vá lá pra Elza”, aí daí ela foi lá: “Não, tem um lugar lá pra ficar?”, “Tem”, o marido dela falou comigo, ela ainda era casada. Aí com o tempo lá eles se separaram, coisa deles lá, e fiquei mais de três anos sem ter nada, só irmã mesmo de doutrina mesmo, as meninas pegavam, toda criança gosta de mim, então na hora que eu me fardava todo de branco, as meninas me davam os braços, saíam do braço do pai dela pra ir pra igreja comigo, o pai delas não gostava de ir pra igreja, o esposo dela, aí saía Maria Inês e os meninos. Aí o pessoal ficava brincando comigo: “Rapaz, agora virou capote, virou jaca, está criando o filho dos outros”, eu digo: “Rapaz, as crianças gostam de mim, rapaz, eu vou fazer o quê? Eu vou trancar as crianças?”. Velho, as crianças, todo mundo gosta de mim, aonde eu estou está cheio de gente, então tem que abraçar mesmo, e o mestre estava dizendo, doutrinar o mundo inteiro, é de grande a pequeno, então não tenho que escolher idade, nem tamanho. Aí só sei que daí o pessoal começaram, como ela separou e ficou lá em casa, ficou por lá e a gente tinha uma amizade mesmo, aí o pessoal começaram a despertar uma coisa: “Feliciano e Maria Inês estão namorando, Feliciano e Maria Inês estão namorando”.

P/1 – E você estava?

R – Não, não, até que um dia a gente chegou a tocar nesse assunto: “Rapaz, o pessoal já casaram nós e batizaram e nós nunca tocamos nesse assunto”, “Pois é, pra ver como é que é o pessoal”, aí daí começou a nascer aquele clima, aí graças a Deus deu certo, hoje a gente tem 20 anos, temos três filhos maravilhosos.

P/1 – Mais as duas dela.

R – Mais as duas dela, aí daí: “Não, já tem duas meninas, está beleza, vamos esperar um menino”, aí vem a Mariana: “Ainda não foi dessa vez”, aí tentar mais uma vez, aí lá vem a Lua Rita: Ô, ainda não foi dessa vez, pô, quatro mulher”, “Rapaz, tu para porque tu só faz mulher mesmo, mulher também, aí só tem mulher”, eu digo: “Rapaz, é Deus que sabe, vamos ver, ou é quatro ou é cinco mulher, negócio de par não, tem que ser ímpar”, é a presença de Deus (risos). É o pai, a mãe e o filho, então é ímpar, aí está bom, aí daí veio o Sol, né, aí a gente fechou pra balanço.

P/1 – Ele está com que idade?

R – Ele está com 11 anos, fez agora, fez o ano passado, dia 10 de dezembro. Aí aos três anos de idade ele pegou um cisto na coluna dele, aí o médico veio pra, levei ele pro médico: “Não, tem que tirar, porque isso aqui dá isso, dá aquilo, dá aquilo, daqui a dez dias está sarado”, “Beleza, doutor”, aí daí ele fez a cirurgia.

P/1 – Em Brasília?

R – Não, em Rio Branco, aí daí ele fez três cirurgias, e nada de sarar, eu digo: “Mas doutor, o senhor disse que era só um cortezinho, está com três cirurgias que o senhor faz”, ele disse: “Meu filho, o que eu podia fazer pelo teu filho eu já fiz, essa doença é assim mesmo, o máximo que ele vai aguentar é seis meses, você curte ele esses seis meses”.

P/1 – Falou assim?

R – Falou desse jeito, depois de um ano que a gente estava naquela peleja de hospital e consulta e gastando tudo o que tinha.

P/1 – Desculpa, o cisto era um câncer?

R – É, não, não era um câncer, era esse cistozinho que sai dentro da gente, que não é maligno, é benigno.

P/2 – Você não pediu no daime pra curar?

R – O daime, ele cura, mas aí hoje em dia nós temos a medicina também aí, né, então é uma construção, porque aí daí já foi tudo dado por Deus, então a gente tem que fazer um bom uso dessas coisas, aí pra você não ficar com aquela coisa: “Ai”, o preconceito, o medo, aí veio toda essa junção de coisa. Aí: “Não, vamos levar logo pro médico, vamos ver se já dá uma melhorada”, aí a gente levou ele pro médico, aí aconteceu esse acidente aí, esse acidente, aí eu fui lá, desliguei o soro, ele disse: “Você está ficando doido?”, eu digo: “Não, antes que eu fique doido com o senhor, é melhor eu tirar o meu filho daqui, eu vou curtir ele, vamos, meu filho, curtir, com agulha não dá, não”, arranquei aquela coisa, “Maria Inês, pegue aí, assina aí qualquer coisa, responsabilidade inteira minha”. Aí fui pra casa, aí levei ele pra igreja, fizemos o hinário de São João, batizei ele, aí daí, encontrei um amigo meu lá, ele disse: “Feliciano, rapaz, tudo bem aí?”, eu digo: “Não está, não, é que o meu filho, o médico deu seis meses de vida pra ele, três cirurgias nas costas”, “Passe amanhã no meu escritório”, aí eu fui lá, né, porque ele hoje é o governador do estado, Tião Viana.

P/1 – Era o Tião?

R – É, sempre foi meu amigo, sempre trabalhei com ele, aí tive essa benção, fui lá e ele me enviou pra Brasília, quando eu chego em Brasília, o médico disse: “O médico matando essa criança com um cistozinho desse, só que vamos trabalhar aqui, porque a infecção já danificou muita coisa dele aqui”, aí curou a infecção, foi lá, tirou o cisto, com 15 dias o meu filho estava sarado, né? Aí então a minha fé, porque chegavam pra mim, aí já vinham através da minha esposa: “Olha, diz pro Feliciano ir batizar o menino lá, com São João, que o menino não vai aguentar, vai morrer pagão, ele vai ficar culpado, diz pra ele se conformar, vamos fazer isso, vamos fazer aquilo”, eu digo: “Rapaz, é o seguinte”, as pessoas vinham falar alguma coisa: “Você nem me fale, porque a minha vontade é de ir lá e meter-lhe a porrada logo, porque qual é o pai que nos últimos suspiros do filho não vai acreditar em Deus? Eu, rapaz, foi Deus que me deu ele, então eu só vou acreditar na hora que eu ver ele no caixão, que Deus me livre, mas negócio de comer dúzia de feijão, vim dizer que o meu filho vai morrer, que eu tenho que me conformar, enterrar meu filho vivo, está doido, é?”. Aí daí viemos, com a benção de Deus hoje está correndo, jogando bola, aí nessa missão aí foi que eu vim, conheci Brasília, daí fui conhecendo o povo, conheci Espírito Santo, aí fui conhecer Rio de Janeiro.

P/1 – E agora São Paulo.

R – Aí com esses amigos que eu fui fazendo de São Paulo, aí quando foi agora Deus me deu essa oportunidade de chegar até aqui através desse trabalho.

P/1 – Vamos falar nas outras duas filhas, três, quatro filhas?

R – Quatro, aí então hoje em dia, a mais velha, que é a minha enteada, a Joanita, né, ela formou-se arquiteta, trabalha lá.

P/1 – Lá no Acre ela se formou?

R – Lá no Acre, ela fez a primeira obra, ficou a coisa mais linda lá, inaugurou a Casa do Índio, fez a reforma na Casa do Índio.

P/1 – Lá em Rio Branco?

R – Lá em Rio Branco.

P/1 – Eu conheço.

R – Pois é, agora a reforma foi ela que fez, a minha filha.

P/1 – Que bacana!

R – A outra fez, farmacêutica formada, aí agora está fazendo Bioquímica.

P/1 – Lá em Rio Branco também?

R – Não, aqui no Rio de Janeiro. Aí a minha primeira, que é a Mariana, aí está fazendo violão aqui no Rio de Janeiro também, fazendo curso de corte e costura, ela tem 19 anos, e a Lua Rita, que fez 18 agora dia 17 de março, ela está já, terminou o fundamental, e agora já vai fazer já pra faculdade.

P/1 – Você já sabe o que ela vai fazer?

R – Rapaz, ela ainda está indecisa ainda, mas ela quer na parte de massagem, assim, essas coisas assim, ela ainda não se definiu mesmo o que vai fazer, ainda tem esse ano ainda pra ela terminar, pra ela decidir.

P/1 – Deixa eu só entender uma coisa, na verdade você mora ainda na Colônia Cinco Mil?

R – Moro na Colônia Cinco Mil.

P/1 – E a Colônia Cinco Mil é perto de Rio Branco então?

R – É, são dez quilômetros da cidade, 12 quilômetros.

P/1 – Então, por exemplo, elas moram lá, elas moram com vocês?

R – É.

P/1 – Aí elas vão em Rio Branco, elas estudaram em Rio Branco então?

R – Estudaram em Rio Branco, agora, o ano passado foi que eu dei um incentivo pra elas virem aqui, porque a pessoa tem mais condições aqui, um ensinamento melhor, e lá, como tinha uma pessoa profissional que vinha fazer, dar aula na casa no Marco, que ele tem um estúdio, um estúdio, aí daí: “Poxa, Feliciano, rapaz”, quando passei por lá, a família dele, a mulher dele disse: “Que pessoa alegre, é bom que eles ficassem com nós, aqui tem mais condições da menina estudar”, aí eu, pra dar um incentivo pra elas também: “Está bom, então vocês ficam aí”. Aí a Lua ainda continua estudando lá, aí eu tava guardando um dinheiro, e fiz um presente pra ela agora, eu já estava pra viajar, não falei nada, aí já perto do aniversário dela eu digo: “Você vai pro Rio de Janeiro passar seu aniversário lá com as suas irmãs”, ela: “Ai, pai, não acredito”, aí está toda feliz lá no Rio de Janeiro, passando lá as férias. Aí eu vim, tive em Brasília, desci pro Rio pra visitar as duas filhas que estavam lá, a Mariana e, aí, quando recebi o convite aqui de São Paulo, aí desci pro Rio, aí ficou lá a Lua, o Sol, que é o que veio pra fazer tratamento em Brasília, e a Neusa, e eu vim com a Mariana pra cá, o carro só tinha uma vaga, só tinha duas vagas, era eu e a Mariana que vinha pra fazer esse trabalho.

P/1 – A Colônia Cinco Mil hoje como é que funciona? Vocês moram lá, todo mundo continua fazendo o que, plantando, de que vivem as pessoas que estão lá, a comunidade?

R – Hoje a comunidade, ela está um pouco decadente, assim, porque as pessoas, assim, eu ajudei até o que eu pude, aí depois de uns anos, que eu vi que eles não estavam querendo mesmo fazer do jeito que o padrinho Sebastião começou a comunidade, que era plantar a nossa sobrevivência e daí o que fizesse do daime pra gente ter mais condições pra ajudar as pessoas que precisam, são carentes, que precisam de uma caridade, a gente ter condições de ajudar, não esperar que a pessoa que está carente dê recurso pra ele ser tratado. Então todas as comunidades estão passando por essa dificuldade.

P/1 – Por que está esperando que as pessoas que vêm que tragam o dinheiro?

R – Que as pessoas venham, que apareça um estrangeiro milionário, que tenha um irmão, um parente dependente, que venha atrás de cura.

P/1 – E que ele pague então por isso?

R – E que ele pague por isso, né? Aí então hoje em dia as comunidades estão muito decadente disso tudo, tanto no lado católico como no lado adventista, os macumbeiros, sabe, é uma coisa muito séria, sabe, e está lá, no apocalipse, na escritura: “Muitos vieram em meu nome”, sinais dos tempos, é todo mundo querendo ser pajé, todo mundo querendo ser xamã, todo mundo querendo ser o maior curador do chão e esquece do grande curador, que deu a oportunidade pra eles e eles estão jogando pelo ralo.

P/1 – Então a comunidade parou de trabalhar, de plantar?

R – É, tem aquelas coisinhas, né?

P/1 – Pouquinha coisa.

R – Aqueles pouquinho assim, mas que nem a gente tinha produção, até antes de eu entrar nessa dificuldade com o meu filho, de correr, abandonar tudo, eu tinha 25 qualidades de verdura na minha horta, eu comercializava, as pessoas vinham, eu tinha um pesque e pague, as pessoas vinham comprar na minha porta o peixe, eu tenho um cupuaçuzal que esse ano eu tirei a base de 300 quilos de polpa.

P/1 – Então você continua fazendo isso?

R – Eu continuo fazendo a minha missão, que foi o que sobrou, que aí o meu roçado de arroz acabou, o roçado de macaxeira acabou, porque eu tive que largar tudo, viajar, vim, passo 30 dias em Brasília, quando eu chego em casa, o mato, tenho que fazer novos caminhos, que o mato já comeu tudo. Aí então eu fiquei só com os bens de raiz: o cacau, o cupuaçu, a pupunha, aquilo dali, o bananal, aquilo dali que você vai fazendo no momento, e como eu tenho profissão também de carpinteiro, pedreiro, aí eu faço minhas obras, faço minhas empreitadas.

P/1 – Então você vive disso?

R – Aí eu vivo disso, e a outra parte, sempre tiro um tanto pra ajudar as pessoas que chegam, ensinar como plantar, cultivador mesmo da rainha do jagube, a matéria prima de fazer o Santo Daime, então a gente, estou nessa labuta ainda e despertando agora pessoas novas, novas comunidades que realmente não queiram entrar nessa situação. Como agora, eu cheguei, os meninos: “Padrinho, a gente vai cobrar quanto?”, eu digo: “Cobrar o que, meu irmão, cobrar o que, meu filho? Trabalhos espirituais não se cobra, trabalhos espirituais, no dia que você está, você, sabe, puder deixar até sua carteira em casa, pra ir sem nada, sem relógio, sem nada pra você está livre lá, prontinho pra Deus, entendeu?”. Mas tu vai pra um trabalho espiritual, chega lá, tem que entrar ali: “Rapaz, tu tem que pagar tanto, se não tu não vai participar do trabalho”, que loucura é essa? “Mas padrinho, é do jeito que eles fazem aqui”, eu digo: “Então fique com eles, vai lá, chama uma igreja deles lá, convide seu povo pra lá, eu nem vou lá, se for pra pagar, não”, se alguém quiser contribuir, tiver condições pra que ajude nas velas, pra que ajude lá numa passagem de uma pessoa que não tem condição de chegar até a cura, eu vou, mas se disser que vai cobrar, eu vou ficar com vergonha, chega lá, eu aqui rezando, cantando e os caras: “Puxa, será que eu não vou participar se eu não tiver o dinheiro?”, que é isso, meu filho? Aí então eu ainda continuo nessa missão, por isso que agora eu vim.

P/1 – Lá na Colônia está assim agora?

R – Na Colônia está assim, aí a gente está até assim um pouco, aí eu fui me afastando das comunidades, porque eu vi que estavam muito decadentes, só querendo fazer daime, fazendo daime três por um, daime cinco por um, daime mel, daime gel, aí os caras ficam tudo agora: “Qual é esse, qual é esse?”, porque tudo tem um preço elevado, né?

P/1 – Quando você faz a preleção ou quando baixa essa iluminação, você não consegue que a Colônia, que as pessoas despertem pra não fazer isso ou isso vai acontecendo de qualquer maneira?

R – Eu sou chamado de doido, depois que eu disse: “Olha, eu não vendo, eu não faço isso”, “Rapaz, tu viu o doido agora, ele vai sustentar o povo com o daime”, eu digo: “Eu não preciso sustentar ninguém com o daime, rapaz, o daime é uma coisa espiritual, sabe, então eu tenho que ter condições pra mim fazer meu Santo Daime, pra mim ser o exemplo”. Agora, muitas coisas, assim, a humanidade hoje está assim, o cara diz: “Rapaz, cuida da tua vida que eu cuido da minha”, ele vedou, eu não posso mais falar nada com ele, só posso: “Oi, bom dia, boa tarde”, deixo ele brincar de daime, eu não tenho tempo pra isso, sabe, pra brincar com o Santo Daime, que me trouxe até aqui, sabe? Porque tenho uma experiência muito larga, assim, de todos os propósitos, de todos os testemunhos que eu tive na minha vida, sabe? Se fosse com outras pessoas, eu vendo com outras pessoas, eu ainda ficaria na dúvida, foi com fulano, mas foi comigo que aconteceu, então eu estou entregando na mão de Deus e procurando aqueles, incentivando as pessoas que estão tomando pela primeira vez: “Olha, se guarde disso, meu filho, não vai querer juntar um grupo pra tu ficar esnobando desse recurso, sabe, arrume um grupo que cada um olhe, meu filho, vai lá pra tua chácara, planta a tua horta, vai lá pro teu escritório, faz teus trabalhos tudo organizadozinho, sabe, pra tu poder ter teu tempo livre, pra quando tu está lá comungando o Santo Daime, está só agradecendo ali a tua saúde, não tem outra coisa pra pedir pra igreja, pedir tua saúde, sabe? Aí quando tu vier pro teu dia a dia, sabe, tu não está estressado, não está com dor de cabeça, não está preocupado”. O cara passou ali, olhou pra mim: “O que é, bicho, qual é a tua?”, não, já começa um desentendimento ali rapidinho, então você vai pra igreja pra agradecer aquela saúde, pra saber que tua matéria está boa, teu espírito está perfeito, aí você vem pra cá pra sua família com um sorriso dessa largura, chega em casa com seus amigos, recebe: “E aí, como é que foi?”, “Nada, meu amigo, outro veio, só o próximo”.

P/2 – Eu queria perguntar como foi o seu primeiro contato com o kambô.

R – Meu primeiro contato com kambô, as pessoas já ouvia falar, as pessoas sempre falavam: “Pô, Feliciano, tu já tem um trabalho muito grande aí, falta só tu, tu já é um pajé, então tu tem que tomar o kambô, tem que aplicar o kambô e tal”, “Não, meu filho, agora, por enquanto eu estou só em análise com o kambô, que eu já tenho a minha medicina, já tenho o Santo Daime, eu já tenho a Santa Maria, então eu tenho que me firmar aqui nessas coisas primeiro, pra mim poder, não adianta eu querer abraçar o mundo com as pernas, sabe, não vai dar certo, então vou analisar, vou estudar, eu gosto de ver as coisas direitinho”. Aí dez anos trabalhando com kambô, vendo os caras aplicar e tive a benção que lá na minha área, como é muita floresta, aí os pajés chegava pra mim: “Feliciano, tu tem kambô aqui”, eu digo: “Sim, vamos conhecer”, aí fui lá, eles me apresentaram, disse: “Ó, é isso aqui”, aí tiraram, fizeram todo o ritual, e daí eu continuei, né? Aí daí eu resolvi me aplicar, eu já estava vendo a cura que as pessoas estavam, quando tomavam, eu ficava ali vendo, até quando puxava aquela bílis do fígado, aquela amarela mesmo assim, daí eu digo: “Ah, então realmente tem fundamento. Aí daí foi quando eu, já tinha na mão, já tinha essa experiência, tanto com os indígenas como as pessoas que aplicavam, brancos, que tinham aprendido com os indígenas, há dez anos aplicando, sempre me pediam: “Ô, Feliciano, lá tem tanta kambô, me arruma, me ensina”, “Vamos lá”, ajudava a tirar, fazer todo o trabalho com o pessoal. Aí daí foi quando eu consegui me aplicar a primeira vez, eu mesmo me apliquei, aí me senti bem, quando saiu aquela bílis do meu fígado ali, eu me senti maneiro, aí foi quando eu comecei a usar, tem cinco anos que eu uso kambô, e aplico nas pessoas.

P/1 – É o que kambô?

R – Kambô é uma rã que tem na floresta, que ela tem uma medicina que ela vai buscar o teu, a tua bílis no fígado e aumenta a tua imunidade.

P/1 – Então é uma coisa pra você ficar mais forte?

R – Pra ficar mais forte e ser imune às doenças, aí tem uma briga muito forte aí com a Anvisa, com as farmácias porque tudo que vem de medicina, os farmacêuticos não querem, se é uma coisa natural, ele não querem, porque aí vai mexer no bolso deles, vai cair produção.

P/1 – Mas não tem indústria farmacêutica fazendo pesquisa lá aonde você está?

R – Tem, ah, fizeram, isso daí já fizeram muito, já.

P/1 – Tem uma briga lá com isso, não?

R – Sempre tem, sempre, porque vai mexer no bolso deles, mexer lá na prateleira, aí eles têm o maior cuidado, aí bota a Anvisa em cima e tudo que é de lei pra prejudicar, é uma coisa que, se é uma coisa natural, uma medicina que você não danifica, e só tem se você tiver uma floresta, se você não tiver uma floresta, você não tem rã. A última agora, eu busquei ela com 30 metros de altura.

P/1 – A rã fica a 30 metros?

R – É, ela fica, porque ela fica olhando pro céu, esse é um tipo de sapo diferente.

P/1 – Mas ela fica perto da água também?

R – É, fica perto da água, sempre aonde tem água, ele fica lá em cima quando nasce a lua, aí ele fica lá em cima cantando, olhando pras estrelas lá e pra lua, uau, uau, a noite todinha, seis horas ele começa a cantar, fica a noite todinha cantando, os últimos cantos dele cinco horas da manhã, cinco horas da manhã ele dá aquele uau.

P/1 – Você pega a rã, o que você faz com ela?

R – Pego ela, tiro a medicina dela, né?

P/1 – Mas você mata ela?

R – Não, Deus me livre.

P/1 – Você tira como?

R – Ali, quando você pega ela, você começa a estimular ele ali, encosta nele ali, aí ele já vai soltando.

P/1 – É uma coisa pra ele se proteger de você?

R – É, pra se proteger, aí quando ele solta aquela medicina, aí você lentamente vai, colhe ela, com carinho, pra não machucar a pele dele, porque ele fica branquinho por cima, aquele leite, você colhe aquele leite, bota numa palheta, aí dali é a medicina, né?

P/1 – Aí você injeta ou você passa?

R – Não, você faz três furinhos assim, aí põe, pega a corrente sanguínea, aí vai trabalhar, aumentar tua imunidade, puxar, você tem que tomar pelo menos um litro e meio d’água pra estimular, afrouxar bem as suas veias, poder tira a bílis. Daí então essa é um pouco da experiência que a gente tem com essa medicina aí da rã.

P/1 – Feliciano, vou te fazer uma pergunta, agora está acontecendo isso com as comunidades, você está vindo muito, como você tá vendo o mundo agora? Qual que é a sua missão daqui pra frente?

R – A minha missão daqui pra frente é plantar essa sementezinha na cabeça, no coração das pessoas que querem, realmente cada um se voltar pra o seu dia a dia, sair da mão dessas pessoas, chegar lá e diz: “Ô, padrinho, senta com ele, ô, padrinho, vamos fazer aqui um negócio aqui pra ter um recurso aqui, pra comunidade crescer”. Agora é o que eu estou fazendo na Colônia Cinco Mil, cheguei lá, eu digo: “Bem, o que é que eu quero fazer?”, “Ah, não, eu não quero título definitivo, eu já tenho documento daqui”, eu digo: “Cadê? Me prova”, “Não vou te mostrar”, “Tá bom”, aí eu fui lá, setor de terra, né, aí eu digo: “Eu moro aqui há tantos anos, essa área aqui, tal e eu preciso dela, o usucapião, vê aí o que eu posso fazer”, “Ah, essa terra é do Estado, você não pode entrar com usucapião, não pode abrir processo em cima do Estado”. Eu digo: “Rapaz, você que pensa, vou processar o Estado, eu vou processar todos os órgãos que mexem com terra e vou processar também os funcionários, sabe, que estão atrapalhando, eu não tenho direito?”, “Tem”, eu digo: “Então, se tiver algum vizinho meu que não quer assinar, também eu vou processar ele, se tiver o cara da igreja, também eu vou processar o cara da igreja, sabe, quem não quiser assinar pra mim eu vou processar, porque está me impedindo de eu progredir, rapaz. Qual é a tua? Tu, além de ser preguiçoso, quer me ensinar a ser preguiçoso, me forçar a ser preguiçoso”. Porque eu, com a minha terra documentada, sabe, eu tenho condições de plantar, eu posso fazer uma casa definitiva aqui, porque eu sei que ninguém vai me molestar. Aí eu digo: “E vocês, que são os órgãos competentes, estão dando margem pra isso daí, depois pode acontecer um acidente, a culpa é da justiça, a culpa é de vocês, sabe, porque, se vocês que são competentes de me dar, sabem que eu tenho meus direitos, por que vocês não me dão meu direito?”, “Ah, Seu Feliciano, calma, estamos terminando de ligar os processos aqui, tal”. Agora eles mandaram um recado lá pra casa: “Seu Feliciano está aí?”, a Maria Inês disse: “Não, ele está viajando, saber da saúde do Sol, vai chegar em abril”, disse: “Olha, quando ele chegar, manda ele vir aqui, que nós vamos resolver o problema dele”.

P/1 – Então você está tirando título definitivo da terra?

R – É, que aí, quando eu falei pra eles, eu digo: “Olha, tudo o que eu prometo, doutor, eu faço, eu estou dizendo que eu vou processar o Estado, vou processar todos os órgãos que se meter e se brincar, eu vou processar a lei, eu vou, porque você está me prejudicando, meu filho, não matei, não roubei, eu quero produzir, eu quero crescer, vocês querem morrer de fome, porque vocês são da lei, no dia que vocês quiserem lá comer um negócio, não tem, porque a terra está aí, ó, entregue aos marginais, porque, se a pessoa não quer documentar uma terra, ele é uma pessoa desequilibrada, sabe? Por que eu não quero documentar a terra da minha igreja? Me diga, doutor, qual é a finalidade, eu não quero documentar a terra da minha igreja? Não é a pessoa ser a toa? Então eu vou processar todo mundo”. Aí eles ligaram pra mim: “Poxa, Feliciano, vocês me pegaram, você pegou nós, a gente tem que ir pra lá, me espera lá na Colônia”, foram lá e botaram as pedras, fizeram georeferencial, passaram 15 dias trabalhando, mediram, memorial descritivo, eu digo: “Bem, agora está começando a andar, a regularizar”, eu vou chegar lá, vamos resolver de uma vez. Aí então sempre eu venho assim, porque é o incentivo que o Santo Daime me diz, é não temer o perigo, que você vai lá no salão cantar. Então a minha grande, voltando à pergunta que a senhora fez, o meu grande, a minha grande fé é que eu vou conseguir mudar isso aí, que no próprio instante que eu tiver o meu título definitivo, que eu vou ampliar o meu negócio, aí eu vou mostrar pra eles, eu digo: “Está aqui, ó, eu estou sobrevivendo, está aqui minhas filhas, sabe, tudo formada”, no dia do hinário estão todas lá cantando e fardadas, agora, o filho do padrinho está aqui, ó: “Sou o rei do computador”, eu digo: “Tá, tu é empregado em qual departamento, qual?”, “Não, não, eu trabalho”, eu digo: “Pois é, meu irmão”. Aí o outro pulou de lá: “Não, Feliciano, mas se nós não vender cinco litros de daime, nós passa fome”, eu digo: “Que vergonha, meu filho, não fala que é daimista, não, não fala que é da minha igreja, não fala que me conhece, porque isso é uma vergonha, meu irmão. Minhas filhas estudam, minhas filhas tão formadas, são mais novas que vocês, tiveram menos oportunidade, porque enquanto os recursos vinham pros padrinhos, nós não via os recursos”. Então eu tive que ralar com as minhas próprias mãos pra que as minhas filhas não faltassem à aula, pra que eu conseguisse levar elas todo dia e trazer, sabe, graças a Deus, Deus me abençoou e hoje tenho uma formada e bem empregada, tenho a outra que já terminou de se formar, as outras duas bem adiantadas nos estudos, o Sol também está bem adiantado. Então, assim, eu só tenho que agradecer, a minha confiança é essa, de eu fazer tipo modelo, que eu fiz com a minha floresta, tem lá anotado o padrinho Sebastião dizendo um pouco da minha biografia que eu fiz aí, comecei, ele falando lá no texto que as terras estavam devastadas, que já não produziam mais, aí eu estou botando lá as minhas fotos com um monte de cacau, com um monte de pupunha, com um monte de abacate, com um monte de cupuaçu, assim, eu no meio, hoje em dia, as terras que não produziam voltam a produzir. Então eu confio nisso, que o daime me ensinou como chegar nesse ponto, então eu quero ampliar me negócio, então hoje em dia eu já posso mostrar isso daí, os caras chegam, aí eu mostro a foto: “Isso aqui não tinha uma erva daninha”, sabe, que era pra mim poder rodar o laço pra pegar os bois, pegar as vacas, correr atrás de bezerro, não, era tudo pasto mesmo, você olhava assim, coisa verdinha, não tinha uma árvore, hoje em dia, tu vai andar no meio das árvores, árvore dessa grossura, com 30 anos de idade. Levei muito nome de preguiçoso: “Pô, Feliciano, depois que tu saiu do Mapiar, rapaz, tu virou preguiçoso. Cadê os campos daqui da Colônia Cinco Mil?”, eu digo: “Rapaz, agora eu estou sendo estudante da natureza, estou vendo aí quantos anos ela vai se reproduzir”, “Ah, história de preguiçoso”. Eu digo: “Muito bem, mas deixa eu com a minha preguiça, vai lá, derruba lá, vê o que o padrinho disse aqui, ó, porque ele estava saindo daqui, porque as terras não produziam, era tudo campo, tudo derrubado, aqui, palavra do padrinho, está aqui anotado, aqui, hoje em dia está aqui, ó, está vendo um monte de cupuaçu aí, está aí vendo um monte de cacau, está aí vendo um monte de coisa plantada aí, tudo que plantar dá, meu filho, só basta você ter coragem e parar dessa ilusão de estar esperando uma pessoa milionária, uma pessoa que venha através do daime pra te manter, sai disso, cara”. Eu sinto é com vergonha dessas pessoas que vestem a farda, sabe, e o padrinho cansava de dizer nas palestras dele: “Meu filho, vai se vestir de cordeiro pra ficar comendo as ovelhas”, em outras palavras, ficar se aproveitando das pessoas, do que as pessoas têm. Então hoje em dia a gente está nessa febre, mas, como tem uma palavra que eu sempre gosto de me lembrar dela, a hora do apuro é a chegada de Jesus, né, então eu confio nessa força, que uma hora ele vai chegar e o povo vão se acordar, realmente vai ser assim, né? Eu digo: “Ó, vocês aproveitem bem, que o bom tempo de vocês está acabando, que quando eu chegar nas comunidades agora, eu vou chegar assim”, por isso quando eu cheguei agora em São Paulo um monte de cara: “Olha, rapaz, cuidado com esse cara, esse cara é o terror” (risos). Aí eu agradeço a Deus, né, sempre por me manter humilde, me proteger, porque eu mesmo, se fosse por mim, eu já estava em outra situação, mas, como eu espero por ele, graças a Deus, tenho essa virtude, ele me protegendo, me levando pras pessoas conhecer, tem muita gente, agora conheci essa peça rara aí, teu filho aí, que: “Não, você tem que ir, você tem que fazer essa entrevista”, eu agradeço a ele.

P/1 – Então aproveitando esse mote, você acha importante poder ter contado a sua história? Pra que você acha que pode servir isso?

R – Eu acho importante, assim, pras pessoas que um dia quiserem ouvir, não é muita coisa, não, sabe, mas um detalhe sempre é esse, sabe, a gente tem deixar isso bem definido, que os doutores precisam do produtor, os deputados precisam dos produtores, sabe, porque senão eles não vão sobreviver, se eles não melhorarem a vida do produtor, eles não vão sobreviver, sabe, porque quando chegar lá... A minha vizinha chegou lá em casa, que eu moro numa vila de oficiais, a minha casa, eu moro na Colônia, mas essa casa é de receber o povo, as crianças ir pra escola e voltar, é o ponto de encontro da cidade, aí eu cheguei da Colônia com um monte de cupuaçu, arrodeei lá: “Tome, vizinha, aí”, “Que coisa cheirosa”, eu digo: “Pois é, fazer um suco, faz creme”, “Tá bom, eu gosto mesmo”. Depois de dois dias ela bate lá na porta: “Vizinho, teus cupuaçu já amoleceram?”, eu: “Mas vizinha, pelo amor de Deus, já está passando”, “Mas eu aperto eles”, eu digo: “Minha filha, aqui tem que quebrar, é uma casca, dentro” (risos). Então é o que eu terminei de dizer, o doutor vai morrer dentro do macaxeiral, o doutor morre dentro do cupuaçuzal e não toma o suco, não come um creme, não come um salame de cupuaçu, então os doutores, eles têm que ver isso, sabe, que eles têm que proteger, sabe, o produtor, sabe, é a peça rara dele, é quem alimenta ele, sabe, é o cara que cuida do boi, é o cara que cuida do morango, é o cara que cuida da batata, é o cara que cuida da pera, das frutas que ele mais gosta, sabe, é o produtor. Então essa, é assim, eu fico feliz por essa gravação, por essa entrevista, que as pessoas possam um dia acessar isso e ver que realmente é uma pessoa que, humilde, sou humilde, sou humilde de Jesus, estou aqui deixando essas palavras aí pra quem quiser fazer proveito, saber que é isso, não tem como dizer pra mim que é mentira, não tem, sabe? Está aqui a beirada do rio todo florestado, Deus já fez as coisas, a natureza perfeita, as folhagens vão caindo, vai aumentando a pachamama, vai aumentando a terra, tu arranca todas as árvores daqui, a terra vai diminuir, a terra vai diminuir, então quando a água chega, que procura os barrancos dela, vai pra dentro das casas, não tem mais barranco. É muito simples, o homem estuda, estuda pra se destruir e esquecer que os alimentam, que é o produtor lá que alimenta o doutor, que alimenta o juiz, que alimenta a humanidade e se alimenta, tem que ter esse incentivo, não ser denegrida a imagem dele: “Ah, aquilo é pobreta, mora na Colônia, um coloneiro, um pobreta lá, Ave Maria, vish, vai roubar nós, é pobre, vai assaltar nós”, jamais. Você vê que sempre quando está envolvido em algum assalto, você olha, é classe média, às vezes o pai não pro cara ir curtir uma rave, aí: “Vamos embora assaltar aquilo ali, que eles roubam mesmo, vamos assaltar um carro forte que isso daí é nosso mesmo”, entendeu? Aí está criando essa opressão, está criando esse desequilíbrio da humanidade. Hoje em dia não se confia mais na polícia, polícia não confia mais em quem eles protegem, porque ele não sabe se ele está protegendo um cara que vai dar um tiro nele ou se ele está protegendo uma pessoa de bem, então tá tudo isso, a gente não confia mais, sabe lá se o policial ou se ele é um cara defensor nosso. Aí tá isso, segrega aí, totalmente desencontrada, eu quero dar esse apelo aí, né, que a gente respire, entre pra dentro de si, realmente ver o que tu quer, sabe, abre um espaço pra ti mesmo, pra ver se tu quer mudar alguma coisa pra melhor na tua vida, sair um pouquinho, parara esse medo de viver dentro dessa coisa que você só vê pedra em volta de você e barulho de coisa elétrica, quando você abre aqui, é os barulhos das descargas, né? Então é uma coisa assim, você tem que sair um pouco, pegar uma floresta, dar aquela respirada, cair dentro de uma água corrente, hoje em dia está danificado, como eu estava falando lá no Rio de Janeiro: “Ave Maria, os acreanos são muito imundos, os acreanos vai pro banheiro, sai, não lava as mãos”, eu digo: “Tu vai na porta, tu fica observando ou tu tem alguma câmera dentro da porta das pessoas, quando a pessoa, no banheiro, pra tu identificar isso, botar isso, botar que os americanos fala isso?”. Eu digo: “Eu não preciso de americano pra mim sobreviver, primeiro lugar, outra coisa, não adianta o sujo falar do mal lavado”, quando eu cheguei no ENCA, dois mil rastafáris, dois mil seguidores aí sem doutrina, duas mil pessoas, quando eles gritaram lá: “Vamos quebrar a babilônia, vamos destruir, porque essa babilônia só traz doença, só traz isso, vamos destruir a babilônia”, aí tá, tá, tá, e eu ouvindo, cada bichão maior do que não sei, dois metros de altura, os cabelos arrastando no chão. Aí: “Eu tenho faculdade disso, eu tenho faculdade daquilo”, eu digo: “Meu Deus, tudo inteirado. O que eu estou fazendo aqui?”, quando gritaram: “Ahô, grande espírito, e aí, padrinho?”, eu digo: “Ahô, grande espírito”, “Está com nós?”, eu digo: “Com certeza, mas vamos abrir aqui um parêntese, vamos lembrar aqui do nosso rei, Roberto Carlos, o que é que ele canta na música dele? Um erro não conserta o outro. Então como é que nós vamos sair daqui e quebrar a babilônia? A pobre já está destruída lá, nós vamos chegar aqui, dentro de uma hora se quebra tudo, e aí, o que nós fizemos? Qual foi a vantagem?”. Aí eles ficaram assim, eu digo: “O homem já está dizendo que um erro não conserta o outro, então vamos fazer o seguinte, apanhar as nossas picaretas, quebra lá aquelas calçadas, planta um pezinho de árvore ali, um pé de fruta, o resto do concreto, pra não ser sujeira, faz uma mandala em volta e canta ali praquela árvore crescer e te dar um ar puro. Ahô, agradecimento”, aí todo mundo gritou: “Ahô”, né, aí já mudou totalmente, duas mil pessoas, mudou a cabeça deles assim: “Não, a gente tem que ver com outros meios mesmo, o padrinho está certo, a gente levar, já está feito o negócio, então pra gente chegar e...”. Aí terminando a história das imundices dos cariocas, aí digo: “Meu filho, nossa bacia geográfica aí, a maior bacia do planeta aí, do Brasil aí, sabe, esse monte de água linda, eu não posso nem tomar um banho, porque tu joga a tua bosta dentro da coisa mais sagrada, que é o mar, tu vem falar em higiene pra mim. Sabe, a gente pula dentro do mar, sabe, Deus já fez até o mar salgado, porque ele já previu tudo, sabia que a humanidade ia pirar e jogar todo detrito dentro do mar, por isso que o sal vem já pra cortar um tanto da impureza, por isso que a água do mar é salgada. Como é que vocês fazem um negócio desse? Ainda vem falar que vocês são isso, são aquilo, vocês são burros, sabe, imundo, porco, sabe, porque agora pula dentro do mar: ‘Ai, que água boa, gostosa’. Que isso? Então procure um pouco, rapaz, cuida do teu detrito, pega ali, ó, tu cavou um palmo e meio de barro ali, um buraquinho desse tamanho ali, sabe, tu num espaço assim, de cinco metros, tu vai viver a vida todinha ali e tudo vai virar adubo, quando tu chegar com mês que tu for abrir aquele outro buraco, já virou estrume, já virou terra. Tu para de poluir os rios, para de ficar fazendo fedor, que aquela água vai pros esgotos, dali vai apodrecendo tudo, dali vem as larvas, vem as doenças, vem tudo o que é sujeira, tanto material como espiritual, eles vêm ali, tudo acompanhando, um vai empurrando o outro, onde um está o outro está”. Aí então a minha esperança é que alguém, um dia, essa pequena viagem que eu estou fazendo de 2014 até agora, é pouco tempo, a doutrina tem 60 anos aí, tempo que o povo estão viajando, estão viajando aí, eu fiquei quieto em casa, mesmo, me preparando psicologicamente. Eu digo: “Rapaz, eu vou sair por aí, o bicho é doido, ó”, aí em vez de vir, como é que se diz? Somar com a galera, já vem dizendo que eles tão errados, esse bicho é pirado, então é isso que eu tenho muito cuidado, demorei bastante, eles me convidavam, eu digo: “Não, meu filho, eu não vou, eu só vou no dia que eu tiver uma mixariazinha, vou começar a juntar aqui, o dia que eu tiver uma mixariazinha no bolso, porque, quando eu chegar lá, eu não vou dizer: ‘Ah, fulano’”. Eu cheguei no Espírito Santo, aí o pessoal: “Pô, padrinho, estou preocupado com o senhor, padrinho, pelo amor de Deus”, tal, eu digo: “Mas, sim, qual é a preocupação, meu filho?”, “Não, porque quando padrinho Alfredo vem aqui, quando padrinho fulano vem aqui, ele chega, olha aqui a minha comitiva, tem que voltar tal dia, e nós estamos sem um centavo aqui, nós vamos no banco, faz empréstimo e tal, nós ficamos tudo enforcados aqui, porque tem que mandar vocês de volta pra casa”. Aí eu digo: “Minha filha, relaxa, relaxa, porque eu não sou esse padrinho, eu saí de casa porque eu tinha dinheiro no bolso, eu vim pra cá pra te fazer uma visita, pra compartilhar contigo, eu não vim aqui atrás do que é teu, sim, eu vim aqui atrás do que é teu, teu bem-estar, a tua amizade, a tua felicidade, é isso que eu vim pra cá. Não foi por isso que você me chamou pra cá?”, “Foi, padrinho, ô, era a luva que faltava pras nossas mãos”, aí já, o Espírito Santo todo já queria que eu ficasse lá, eu digo: “Não, eu não posso, eu tenho meu lugarzinho, a minha sementinha está plantada”. Aí e então é essa a humilde mensagem que eu vou deixando aí pra vocês, pra humanidade, pra um dia vocês se lembrarem de mim e ver que tem algum futuro nessas minhas palavras, sabe, são poucas, mas espero que dê um fluxo bastante positivo pra o nosso planeta, que é pela cura do planeta que a gente está, não só do planeta como de quem vive em cima do planeta, nós, seres humanos que estamos aqui nesse planeta, passageiro. Porque, como eu digo, pessoal, rapaz, são só cem anos o máximo que a gente, sabe, o ser humano alcança, então a gente viver esse pouco tempo, sabe, perturbado, atribulado, querendo perseguir o outro, irmão, cuida da tua vida, senão, quando chegar o dia de prestar conta, tu não fez 10% da tua vida, tu ficou aqui perturbando os outros, vagando, então chega mais pra dentro de ti, mais ser humano, seja mais racional, nós somos tudo animais, mas temos que procurar nossa racionalidade, pra gente poder apresentar alguma coisa pros nossos filhos, os amigos dos nossos filhos, pra Deus, sabe, é o grande fiador nosso, que manda nós na fiança e a gente aqui, né, nesse paraíso, porque é um paraíso desse, a gente danificar ele, deixar danificado: “Não, venha o dilúvio, que venha fogo”, repara, no lugar de você pedir, um conserto, um equilíbrio, não, você já: “Não, eu quero é que Deus mande logo, que seja em fogo, que seja em água, dilúvio, acabar com tudo logo”. O que uma pessoa dessa pensa da vida? Destruir, então eu não concordo com o seguimento que está tendo, os padrinhos que me perdoem, os mestres, os xamãs, sabe, mas vamos botar nossa comunidade pra trabalhar, sabe, se eu tiver errado, a senhora pode me dizer, sabe, uma comunidade que todo mundo tem o seu trabalho, todo mundo tem sua casa, todo mundo tem seu recurso, uma comunidade que ninguém tem recurso, que ninguém tem, quer trabalho, ninguém tem casa e quer fazer que cura? Sem palavras (risos).

P/1 – Obrigada.

FINAL DA ENTREVISTA