Museu da Pessoa

Olhos de fotógrafa

autoria: Museu da Pessoa personagem: Rita de Cassia Barros Wanderlei

Depoimento de Rita de Cassia Barros Wanderley
Entrevistada por Fernanda
São Paulo, 18/09/2020
PCSH_HV911
Projeto Mulheres empreendedoras - Zona Norte
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Fernanda Regina

P/1 – Eu queria saber qual o seu nome completo, data e local de nascimento.

R – Meu nome completo é Rita de Cassia Barros Wanderley, nasci em 1° de março de 1968, em Colônia Leopoldina, Alagoas.

P/1 – Quais eram os nomes dos seus pais?

R – Meu pai se chamava Arnóbio Gama Wanderley, e minha mãe Maria Bel Barros Wanderley.

P/1 – Você tem irmãos?

R – Sim, nós somos uma família de quatro irmãos. Eu sou a mais velha, tenho mais dois irmãos e uma irmã.

P/1 – Você se lembra como era a sua casa de infância?

R – Lembro. Basicamente, a gente mora até hoje no espaço em que foi criado, na mesma… Duas ruas acima. Então, a gente tinha um quarto… Era uma casa bem pequena, era quarto, sala, cozinha, banheiro… Aliás, dois quartos, sala, cozinha e banheiro. Conforme foi crescendo, teve que aumentar um quarto, porque eram dois meninos e duas meninas e não estávamos aguentando ficar os quatro no mesmo espaço. Mas assim, quando éramos pequenos, tínhamos que ficar os quatro no mesmo espaço. Cada um na sua cama, mas no mesmo espaço.

P/1 – E o que seus pais faziam profissionalmente?

R – Meu pai era metalúrgico, e minha mãe sempre foi do lar. Antes de casar, no Nordeste, porque eles vieram… Eu vim no colo, e eles vieram para cá. Ontem eu ainda estava lembrando, e algumas vezes vou me emocionar, porque faz pouco tempo que meu pai faleceu, e foi uma coisa bem trágica. Então, nordestinos, sem instrução, alguns amigos vieram e falaram que estava tudo bem, então ele desembarcou no Tietê com duas crianças de colo. A minha nacionalidade é brasileira e a naturalidade é de Alagoas, só que assim, eu não tenho nenhum vínculo, já faz muitas décadas que nem vou para lá. Nem tenho visão, porque era tão pequena. Quando chegaram aqui, era cada um com um filho no colo, porque era só eu e um outro irmão, porque meus outros irmãos nasceram já em São Paulo. Ele sabia que precisava ir para Itaquera, mas não sabia onde era, não tinha telefone, não tinha nada, simplesmente pegou um táxi e falou para o taxista que tinha que vir para Itaquera. Ele chegou aqui em 1969… No enterro dele, nunca vi tanta gente, porque ele era um dos moradores mais antigos de Itaquera, ele viu Itaquera… Quando inaugurou o Itaquerão, na Copa, ele falou, "meu Deus, eu estou vivo para ver Itaquera chegar aqui". O maior orgulho dele era Itaquera. Então assim, não tenho lembrança nenhuma, porque era de colo quando cheguei aqui. Foi o estado que me acolheu e é o estado que tenho como origem. Eu me tenho… Não nego as raízes, somos nordestinos, temos todo esse contexto, temos família lá que não conhecemos e que graças ao Zoom agora estamos nos conhecendo, mas fomos criados aqui e acabamos ficando não só os dois naturais daqui, mas os dois que vieram também com eles.

P/1 – E quais eram as suas brincadeiras favoritas na infância?

R – A minha era fotografar. Eu costumo dizer que se eu não fosse fotógrafa, eu seria uma pessoa frustrada, porque nasci predestinada a ser fotógrafa. A minha irmã queria casinha, queria isso e aquilo, aquelas coisas de menina, e eu não queria, eu queria tudo… O meu era fotografar. Eu queria fotografar, queria uma máquina de escrever, queria iluminação, queria coisas ligadas à… Quando eu fui fazer Publicidade, ele achou um absurdo, porque eu tinha que ser professora, que era a profissão de quem era do lar. Então, você tem que ser professora, porque você trabalha meio período, e no outro meio período, você cuida da casa e tem que casar. Eu sou publicitária… Eu falo que sou solteira, porque não sou casada no papel, e aí tive um filho sem ser casada no papel… E aí, eu fiz tudo aquilo que uma família tradicional não… Eu lembro que tinha a fábrica de brinquedos Estrela e alguns amigos de infância dele trabalhavam na fábrica, então a gente tinha muitos brinquedos da Estrela, e a minha irmã sempre pedia a cozinha, o ferro de passar, aquelas coisas, uma boneca… E eu odiava boneca, achava aquilo um absurdo, porque ela não saía do lugar. Eu falava, "como que pode? Vou ficar brincando com um negócio que não anda?", então eu queria sempre alguma coisa que me levasse… Eles iam para Aparecida do Norte e tinha umas maquininhas que você ficava olhando e via umas imagens, então eu tinha uma coleção daquelas maquininhas, porque queria uma máquina fotográfica, queria ser fotógrafa. O restante não me interessava. Os meninos eram do futebol, não tinha jeito.

P/1 – Você lembra como foi a primeira câmera que você ganhou?

R – A primeira câmera que eu comprei? Foi suado, foi bem suado, porque eu juntei centavo por centavo, e assim, eu pedi cartão de crédito emprestado, mas eu não sabia que se eu não pagasse, o juros ia ser… Então aquilo que eu tinha juntado, não dava, tive que me virar nos 30. Lembro que não me deixavam trabalhar e eu tive que trabalhar escondido, porque tinha que pagar. Ficou isso assim, absurdo, não tinha condições. Ele nunca deixou, a gente tinha que esperar os 18 anos e bater de frente com ele, porque era realmente autoritário. Era de um autoritarismo que falava assim, "daqui, hoje ninguém sai desse x para frente", e ninguém podia sair. Então, eu esperava ele sair e ia atrás, porque eu estava indo contra aquilo que ele tinha determinado, mas eu ia. Fui e foi sofrido. Assim, eu tenho ela até hoje, porque ali tudo começou. Eu comecei a fazer umas cenas… Fui fazer um curso no Senac, e tinha que ser durante o dia. O Senac era próximo e o curso era bem básico. Foi onde começou realmente… Onde começou não, onde fechou que era aquilo que tinha que ser feito, que era aquela profissão que eu queria.

P/1 – Ainda um pouco na sua infância, você tem alguma história com os seus irmãos que você se lembra bastante?

R – Ah, a gente era mais ou menos… Assim, a cada dois anos eles colocavam um filho no mundo, um ano e pouco ou dois anos. Ainda bem que ficou no quarto só. E tinha aquela coisa básica, então assim, quando os presentes eram muito caros, como ele trabalhava sozinho, tinha que ser dividido. Então, bicicleta, não tinha como ser quatro bicicletas, não tinha como comprar quatros bicicletas, então eram duas. Isso foi um… Esses dias a gente estava lembrando e falando que foi um dos presentes que mais marcou os quatro. Só que eu tinha um irmão que hoje é o mais calmo, o mais zen, e ele era um terror, tocava o terror. Meu pai falou, "não é para sair do portão para fora com a bicicleta". Um dia ele foi lá, juntou a turma dele… Porque assim, era um modelo da Caloi que na época todo mundo queria, então ele juntou a turma dele e resolveu que iria descer uma rampa bem inclinada e sair ao lado da linha do trem, só que com alguém na garupa. Tinha tipo uma ponte para passar para a linha do trem, e ele esqueceu desse detalhe, então na hora que foi, ele caiu, se machucou todo, meu pai chegou, quase matou todo mundo, e prendeu as bicicletas. Então por conta dele, nós ficamos sem as bicicletas. Não ficamos nem um mês com a bicicleta. A gente chorava o tempo todo e nunca mais ele comprou uma bicicleta para gente. Depois de grande que cada um foi ter sua bicicleta, mas ele nunca mais comprou uma por conta do indivíduo que foi lá… Tem uma coisa pela qual eu sempre tive um amor platônico que é pelo Papai Noel. Eu monto a decoração em outubro e meu filho fala, "isso aqui já está uma escola de samba, não está mais uma decoração de natal", porque eu exagero, encho de luz, faço tudo isso desde criança. E assim, a gente escrevia cartas, colocava lá, aquela coisa toda, e esse meu irmão não dormiu… A gente dormia mais cedo, minha mãe colocava… Meu pai tinha história de boemia, passava certa hora e depois ia com a gangue dele fazer a serenata dele. A gente dormia, porque no outro dia, no pé da árvore, estava lá o nosso presente, e o bonito não dormiu essa noite. Meu pai chegava de madrugada e colocava. Ele falou assim, "vocês são um bando de bestas, um bando de bobos, porque Papai Noel não existe". Nossa, estava todo mundo contente, porque o Papai Noel tinha colocado presente. Ele falou, "eu não dormi, eu vi o pai colocando e a mãe arrumando tudo aí, são eles que dão para gente", aquilo foi tão… No fundo eu já sabia, mas não queria que ninguém declarasse, então foi muito frustrante, foi uma coisa marcante, porque ele foi lá e destruiu o Papai Noel. E ele fez com nossos filhos. Eu e minha irmã fazíamos a maior encenação para as crianças, colocávamos no Jardim, corríamos para colocar os sacos de presente. Ele falou, "Papai Noel não existe, vocês parem de fazer isso com as crianças".

P/1 – E como eram os natais em família? Conta mais um pouquinho.

R – Natal em família? Era assim, mais um Natal entre amigos, porque a família toda deles ficou no Nordeste, então a gente não tinha primos, a gente não tinha parente direto… Então, a gente não tinha um Natal em família, porque a família dele ficou toda no Nordeste, não tínhamos tios, primos… Tanto que a gente está se descobrindo agora. Tinham os amigos deles de infância. Teve a melhor amiga da minha mãe, que foi inclusive quem os acolheu assim que eles chegaram, até eles se alojarem, até… Meu pai já veio com emprego, mas não tinha… Ficou em todo esse tempo… Eles eram uma família muito grande, muito, muito numerosa, e a gente ficou… Adotou. Ficamos como primos, e até hoje temos eles como primos e como tios, mas não tivemos família de sangue mesmo próxima, não tivemos esse parentesco. Mas eram esses natais, jantava todo mundo cedo… A gente não teve aquele natal em família, porque a família deles ficou toda no Nordeste, então a gente não teve contato com primos, avós, tios. Eles tinham amigos, e quando meu pai veio, já veio com um emprego, mas não tinha moradia, então uma amiga bem antiga da minha mãe, acabou nos acolhendo por um período, até eles se estabilizarem, e nós acabamos lhes adotando. Era uma família enorme, tinha 14 irmãos que eram de dois casamentos, uma família gigantesca. Ela meio que acolhia todo mundo que vinha da cidade e nós acabamos adotando eles como família, até hoje temos eles como primos… A gente não se apresenta como, "ah, meu amigo", não, somos primos. No dia do velório da minha tia, todo mundo ficou cumprimentado a gente, porque acabou se criando esse vínculo muito forte, a gente foi criado… Para a escola, minha mãe levava todo mundo, ela ia buscar, e vice versa. Ela era costureira, ela que fazia as roupas e minha mãe bordava. Criou esse vínculo. Assim, essa era a família mais próxima que tivemos. Ficou até hoje. Hoje nós conhecemos alguém que vem para cá, "ah, sou seu primo", mas a gente não tinha esse vínculo. Era assim, tinha que ser cedo, porque ela era muito… A gente tinha horário para tudo, horário para comer, horário para beber, horário para dormir, então ela pegava aqueles… Ela era uma super-heroína, tanto que infartou com 54 anos, porque cuidava de quatro, aquela escadinha. Eu e minha irmã, embora a gente tenha quatro anos de diferença, ela nos vestia igual. Eram as duas meninas iguais e os meninos iguais, acho que ela queria ter gêmeos, só pode. Arrumava todo mundo, ia embora, e os presentes, a gente só recebia no outro dia, no dia 25. Íamos para a igreja… Para a igreja, tínhamos que ir duas horas da tarde, porque era de manhã, tarde e noite. Ia ela e os quatro filhos, mas ele não, ele não era ligado à religião nenhuma, mas ela ia de manhã, tarde e noite, e a gente também ia.

P/1 – Como era a sua relação com a sua mãe?

R – Olha, ela faleceu muito cedo, ela teve um infarto fulminante com 54 anos, então… Ela tinha 54 e eu tinha 28, então fazia dois anos que não morava mais com eles. Eu ainda não tinha meu filho, meu filho veio no ano seguinte. Graças a Deus que… Foi muito repentino, por ser uma pessoa muito nova, então assim… Era meio difícil, porque eu sempre fui "da pá virada" como eles dizem, fui a ovelha negra da família, porque era meu pai com aquele autoritarismo com a família inteira que ele tinha, e ela com aquela submissão que também só ela tinha, mas eles eram felizes do jeito deles. Hoje eu entendo que eles eram felizes do jeito deles. Ele falava e ela obedecia.

P/1 – Como eram os natais em família?

R – Os natais em família… Nós não tínhamos família consanguínea aqui em São Paulo, como a família ficou praticamente toda no Nordeste, o que eles tinham era os amigos de infância. Inclusive teve uma amiga da minha mãe que os acolheu quando eles chegaram, porque quando meu pai veio, veio com emprego, mas não veio com moradia. Eles vieram assim, "vamos tentar. Está todo mundo indo e dando certo em São Paulo, então vamos para São Paulo". Essa pessoa, essa senhora nos acolheu. Era uma família muito numerosa, tinha 14 filhos no total. Era de tudo que é tipo, de tudo que é tamanho. A gente ficava junto e fomos adotados como família. Não tivemos contato com primos, com avós e com tios, então ficou basicamente eles. Eles eram nossos tios, eram os nossos primos, e até hoje a gente não se apresenta como, "ah, é o amigo da minha mãe", não, a gente se apresenta como primos. _________ [00:19:20], como se fosse a nossa tia, porque cria um vínculo. Então minha mãe nos levava para a escola, e ela ia buscar. Ela era costureira e fazia a roupa de todo mundo para o Natal e para o ano novo e minha mãe bordava. E aí, minha mãe colocava eu e minha irmã vestidas igual, apesar de ter quatro anos de diferença. Todo mundo tinha que ser vestido igual. Os meus irmãos também, a mesma coisa. Os presentes a gente sempre recebia no dia 25, porque ela era sempre muito regrada, tinha horário para comer, horário para dormir, horário para tudo. Ela tomava conta dos quatro filhos do mesmo jeito, todo mundo penteado, com os bibelôs. Lógico que todo mundo não ficava do jeito que ela aprontava, mas ela tentava. A gente ia para a igreja, porque ela era extremamente católica, ia de manhã, à tarde e à noite. Ela ia e os filhos tinham que ir atrás. Meu pai nunca foi ligado à religião nenhuma, então ele não ia à igreja e não passava nem na porta. A gente ia para a igreja seis horas, depois todo mundo comia junto e ela se recolhia, porque eles acabaram morando na mesma rua. Minha mãe subia com os quatro filhos, meu pai ia para as farras dele e chegava de madrugada para colocar os presentes lá… Foi quando meu irmão contou para gente que o Papai Noel não existia. ________ [00:20:41]. Mas era um Natal na essência do Natal. Então, ela colocava os filhos iguais. Embora tivéssemos quatro anos de diferença, ela fazia questão de vestir todo mundo igual. A gente ia para a casa dessa minha tia onde todo mundo comia, ia todo mundo para a igreja, voltava, e se recolhia. Então para gente, o Natal mesmo era no outro dia, porque a gente acordava e lá estavam os presentes que queríamos, os brinquedos… A gente ia brincar, voltava para a casa da minha tia e lá estava cada um com seus presentes, então era ______[00:21:46] e todo mundo almoçava. Além deles, que a família era bem grande, era uma casa bem antiga e bem enorme, parecia um castelo, porque era uma das primeiras casas de Itaquera, e como ___________ [00:21:56]. Era uma coisa assim, bem… No final, tinha muita árvore. Vinha muitos amigos deles que vieram juntos, que cresceram na cidade e que vieram para São Paulo, então era a época em que reunia todo mundo, mas não era ninguém de família consanguínea mesmo, eram amigos deles de infância que vieram para cá. Na realidade, eles fizeram uma nova realidade, porque tanto os meus pais quanto eles, não tinham famílias consanguíneas aqui. Então o que acontece? Reuniam os amigos mais próximos e acabaram virando uma família. A família da minha mãe era com a qual a gente tinha mais contato.

P/1 – Como era...

R – Era um Natal com mais essência de Natal. Ela não dava tanta importância à festa. A importância era a essência do Natal, então isso… A gente cresceu, cada um tem uma religião, cada um seguiu seu caminho, mas todos têm uma religião, todos têm uma base filosófica, e uns preceitos morais, porque isso foi muito implantado em nós.

P/1 – E como era a sua relação com a sua mãe?

R – Era uma relação muito amorosa. Ela faleceu cedo, quando tinha 54 anos, com um infarto fulminante. Eu tinha 28 anos, mas na época, já não morava com eles há dois anos, eu já tinha saído há dois anos. Embora eu não seja casada, eu me declaro solteira, porque no papel, eu sou solteira, mas tenho um filho que faleceu… Meu Deus, que nasceu alguns meses depois, porque logo na sequência eu já engravidei. Graças a Deus, porque foi uma morte muito repentina. Eu sempre tive um temperamento muito forte, sempre tive o temperamento do meu pai, bem forte, e por conta disso, a gente batia de frente, porque ela era extremamente submissa, e ele era extremamente autoritário. Então ele dava ordens e ela obedecia. Hoje eu entendo que eles eram felizes daquele modo, que eles se compreendiam daquele modo. Naquela época eu não entendia, achava um absurdo. Ela colocava a mesa, e ficava ao lado dele, porque se ele quisesse alguma coisa, ela tinha que estar de prontidão. Aquilo para mim era um absurdo, então assim, eu acabava interferindo em uma relação que não era minha, porque eles eram felizes. Mas ela sempre foi muito… Na simplicidade do ser dela, os ensinamentos dela… Dele também, mas ele era mais power mesmo, que é o que eu sou. Ela era amorosa, era meiga, então assim… A gente morou em uma região que não era uma região… Embora no extremo leste, não era aquela região vulnerável, só que a nossa casa era a menor da rua, a mais simples, então tinha a casa do juiz, que até hoje… E todo mundo saía de suas casas, porque assim, eles tinham uma posição muito mais elevada que a gente e doavam roupas e sapatos para nós. Imagina, há 35 ou 40 atrás, eles já iam para os Estados Unidos fazer compras, e a gente não ia. Imagina, ele sozinho, criando quatro filhos, não tinha como. Só que assim, ela era de uma generosidade e de uma acolhimento tão grande, que todo mundo na rua ___________ [00:26:08]. Às vezes tinha 10 ou 12 crianças dentro de uma casa mínima, porque todo mundo queria ir para lá. Falavam, "nossa, mas tem doce lá", porque ela acolhia, ela fazia o lanche da tarde com o suco do limão que ela catava do pé. Ela fazia um bolo, um bolinho de chuva… Todas as crianças chegavam da escola e iam para lá, então assim, ela foi muitos acolhedora, muito amorosa… Então a lembrança que tenho, embora ela tenha ido tão cedo, é essa lembrança que tenho de agradecimento, de amor, de compreensão, de mãe mesmo. Foi rápido, foram 26 anos que fiquei com ela, porque aos 26 saí. Foram 26 anos, mas foram bem ricos.

P/1 – Eu queria saber como foi o seu primeiro dia de aula, qual a primeira lembrança que você tem da escola...

R – Meu primeiro dia de aula foi frustrante, porque eu fui toda contente com aquela saia, de Konga, de meia, me sentindo, mas assim, eu tenho a estrutura bem __________ [00:27:30]. Toda contente que eu estava com a mochila e que estava toda pronta. Ele olhou e falou assim, "nossa, olha aquela menina lá, ela é bem magrela, mas ela tem mais batata de perna do que coxa". Nossa, eu cheguei em casa e chorei tanto, porque foi um dia tão esperado. _________ [00:27:46]. Do nada, ele olhou e falou da batata da minha perna. Eu cheguei em casa e chorei tanto, "eu não quero mais ter essa batata de perna grandona". Ela foi à escola para falar com o diretor para me deixar ir de calça comprida, e eram os meninos que iam de calça comprida. Desde aquele dia, foi normal, porque ele não olhou mais para a batata da minha perna, porque estava toda coberta. E eu era uma aluna assim, um pouquinho… Um pouquinho, não, era chata de montão, porque eu não admitia tirar notas baixas, então eu tinha que tirar notas altas, mas a turma do fundão… Depois eu virei a turma do fundão. Eu tinha que sentar lá na frente, na primeira cadeira. Meu cabelo era enorme e sempre liso, então era aquele cabelo que não tinha um fiozinho fora do lugar.

Ninguém podia encostar naquele cabelo, porque eu levava todo mundo para a diretoria. Nos primeiros anos, eu não tive muitas amizades, porque era uma pessoa muito chata. É duro admitir, mas eu era uma pessoa bem enjoada. Eu sempre tive uma saúde… Eu tinha bronquite, faringite, laringite, amigdalite… Tudo que é "ite" eu entrei na fila e peguei. E sempre fui muito magra, muito pequenininha. Ela falava, "nossa, mas ela vive doente", então eles tinham um certo cuidado comigo, maior do que tinham com os demais, mas por que? Porque eles falavam que por qualquer coisa eu ficava doente. Por conta disso, fui ficando meio folgadinha. É o que falo com meu filho, "você não vem com graça, que não sou sua avó". Eu fui ficando levadinha, porque eles não me batiam, porque eu era muito magrinha, porque iria ficar doente, e isso e aquilo, e eu dava uma aproveitadinha. Na escola, eu sempre tinha as melhores notas. Era A, B, C… Então, eu tinha que tirar A e B. Se eu tirasse C, a culpa não era minha, a culpa era do professor. Então eu chorava, chorava, chorava, chorava, chorava até minha mãe ir lá na diretoria e chamar o professor. Eles me davam outra prova, porque tirei C. Mas por que tirei C? Não era porque não tinha estudado direito, não é?! Eu queria A e B, mas foram poucas vezes que tirei o C, sempre tirei A e B. Assim eu fui até o quarto ano. No quinto ano, eu já comecei a ficar sem vergonha, já comecei a arrumar uma turminha, já fui mudando a história do lugar. Mas assim… Isso eu carrego comigo até hoje, gosto muito de ler, muito. Assim, nessa quarentena os primeiros meses foram ótimos, fiz um monte de cursos, me aperfeiçoei, procurei, porque assim, eu adoro ler, tanto que em matemática não sou muito boa, mas na literatura, eu sempre fui muito boa, porque sempre adorei ler. Então em algumas matérias, eu me sobressaí. Eu tinha que gostar, porque se não gostasse, também não me sobressaía. Mas assim, eu fiquei na escola até a oitava série, porque era duas quadras acima da minha casa, então todos nós estudamos lá. Depois, eu fui para um colégio mais distante...

P/1 – Você estava falando que ficou na escola até a oitava série.

R – Nessa escola eu fiquei até a oitava série. Depois, fui para alguns bairros a frente, porque fui trabalhar, então já saía do serviço e já ficava na escola. Eu fiz o segundo grau, e depois fui para bem longe fazer faculdade.

P/1 – Você falou que foi mudando a sua personalidade da infância na adolescência, me conta um pouquinho da sua adolescência.

R – Minha adolescência… Eu tenho uma personalidade bem… Já fui pior, mas muito parecida com meu pai, então assim, uma pessoa muito autoritária e ficava difícil esse convívio, porque a

adolescente é aquela que quer ganhar o mundo, ela achava que era a dona de tudo, então ia lá e fazia. Nem foi na adolescência, porque até os 18 anos, era aquilo que ele queria. "Vai cortar o cabelo?", então tinha que ser o corte que ele queria e se ele deixasse cortar o cabelo. A gente dependia 100% dele, porque ele não deixava ninguém trabalhar, então tinha que fazer o curso que ele queria… Tinha que fazer as coisas do jeito dele, e ninguém dizia "não". Minha mãe acatava, então a gente tinha que ficar quieto também, tinha que seguir as regras dos dois. Não tive uma adolescência assim… A gente não saiu, a gente não ia para aqueles bailinhos… O único lugar que a gente ia era pra igreja, porque ela nos levava e buscava. Se ele deixasse… Lógico que ele não ia deixar, mas cismei que iria em um carnaval, porque todo mundo ia para carnaval, todo mundo ia para matinê, por que eu não ia? Minha mãe disse, "não, você tem que falar com ele". Peguei, dei uma volta no bairro, demorei um pouco e ela falou, "não, ele não deixou". E como eu sempre era muito pequenininha… Tinha uma certa idade para entrar na matinê, e eu sempre apresentei ter menos do que tenho. Vim embora, só que ele era muito chato. Chegou uma certa hora, eu estava lá me divertindo, estava lindo o baile de carnaval. Olhei para um lado e tinha o juizado, e eles iam me tirar, e do outro lado meu pai com o cinto na mão. Eu falei, "meu Deus do céu". Então, meu pai era pior do que o juizado, era melhor ir com o juizado do que com meu pai, mas ele me pegou antes do juizado (risos). Era melhor eu ir, né?! Todo mundo ficou sabendo que ele era meu pai, qual era o meu nome… Chegou em casa e eu fiquei de castigo por muito tempo, porque ele falou que estava com tanta raiva, tanta raiva, que do jeito que eu era magricela, se ele fosse me bater, ia me quebrar, E falou, "foi só por isso que não te dei". Eu corria, porque sempre… Mas a gente nunca foi, não teve assim… Namorar também foi em uma fase bem mais tarde, porque não tinha como, ele não deixava sair, não deixava nada. Então assim, a adolescência foi mais tarde mesmo, até começar a trabalhar. Meu primeiro emprego foi com 18 anos. Na época, a computação se resumia à digitação. Eu fiz o curso, porque minha mãe ia levar, ficava esperando uma hora e ia embora. Não era deixar e buscar. Ele me deixou fazer, mas se ela se comprometesse. Tinha que ficar lá esperando para me levar embora. Assim, a gente não tinha espaço para paquerar, nem nada. Era complicado, ele tinha olhos aqui, aqui e aqui. Como ele conhecia todo mundo, não tinha nem como fugir. Foi mais assim, aquela adolescência… Teve uma época que chegou a TV a cores, mas a nossa era preto e branco. Eu vou tentar falar um pouquinho mais alto, é que meu tom de voz é baixo. Então a gente tinha umas vizinhas que tinham um poder aquisitivo maior e a gente ia assistir Sitio do Pica-Pau Amarelo. Como era tudo colorido, ia todo mundo para a casa delas. Assim, até grandes… Detalhe, mesmo que elas fossem pessoas que eles consideravam muito, a gente só podia assistir até terminar o Sítio do Pica-Pau Amarelo, que era de tarde, e então a gente tinha que se recolher. Elas faziam lanche, brincadeiras, levavam alguns amigos delas que eram da mesma idade da gente… No domingo, ele deixava um pouquinho mais, até Os Trapalhões. Quando dava o Fantástico, a gente tinha que… Ele chamava. Tinha uma escadinha e a gente pulava de um muro para o outro, para não precisar ir pela rua. E assim foi.

P/1 – Você falou que gostava bastante de ler. Você lembra de quais livros você gostava nessa época?

R – Eu sempre gostei muito de literatura, então assim, Monteiro Lobato, por conta do Sítio do Pica-Pau Amarelo, Machado de Assis, Clarice Lispector… Eu sempre gostei muito da literatura mesmo. Até hoje eu pego… Cada dia é uma memória, tipo uma memória musical. Cada hora que vem falar comigo, tenho uma música para encaixar. Têm dias que são de livros, e assim a gente vai. Mas é uma música… Eu tenho… Não, os quatro… Os quatro se interessaram por rock, então começou a rádio rock. Imagina uma casa com quatro filhos, uma casa pequena com quatro filhos escutando rádio rock. Chegou uma hora que ela falou, "vou curtir rock também". Tem essa construção através da literatura e do rock brasileiro, onde aprendi muito. Foi onde foi sendo criada a minha personalidade.

P/1 – Você falou do seu primeiro trabalho. Como foi? Onde foi? Você lembra o que fez com o primeiro salário?

R – Meu primeiro trabalho, que durou dez anos. Meu primeiro trabalho foi no Bradesco. Eu estava descendo a rua da igreja, e na época para usar orelhão, tinha que colocar ficha. Eu queria ligar para a minha avó no Nordeste, e eu ligava à cobrar. A menina estava com um monte de ficha, "não acredito que vai ficar aí uma hora", e eu tinha horário para ligar para a minha avó, porque na cidade também só tinha um orelhão. Com essa avó eu tinha uma afinidade mesmo estando longe. Tinha dia e horário certo para ir e atender à cobrar, e a menina lá com um montão de fichas. Ao invés de me irritar, comecei a prestar atenção na conversa da menina. Ela estava marcando uma entrevista no Bradesco, e quando eu me interesso no assunto, eu presto atenção. Se eu não me interessar, você pode me perguntar, que eu nem lembro. ________ [00:39:55]. Eu fiz aquele curso quando tinha acabado de fazer 18 anos, e não tinha documento, só tinha carteira de trabalho. Não tinha RG, não tinha nada, só carteira de trabalho. Minha mãe tinha tirado a carteira de trabalho comigo, mas ele já tinha deixado claro que filha dele não trabalhava fora, iria fazer magistério, casar, trabalhar meio período dando aula e meio período dentro de casa. E eu escutando a conversa da menina. Nem liguei para minha avó, fui para casa pensando no que a menina tinha falado, e falei, "mãe, eu preciso de dinheiro, porque tenho que estar na biblioteca para fazer um trabalho e tirar um monte de cópia", e ela me deu o dinheiro, um dinheiro pouco. E aí, eu saí de casa falando que iria para a biblioteca às oito horas da manhã. Eu nunca tinha saído de Itaquera, nunca tinha pego condução, não sabia o que iria fazer da vida, tanto que _________ [00:41:00] era uma coisa. Hoje a gente leva meia hora, mas era uma coisa assim, interminável, não chegava nunca. Comecei a passar mal, mas já sabia que passava mal quando viajava para lugares distantes. E com a minha carteira de trabalho, fui embora para a Cidade de Deus, uma coisa que eu nem sabia onde era. Fui de condução em condução. O dinheiro que eu tinha era só para ir, voltar e sobravam uns centavos que não davam nem para um pãozinho. Fiz o teste… Tinha um monte de gente e íamos passando de sala em sala. Eu fui passando de sala em sala e fiquei com mais umas cinco pessoas. Só que isso já era quase cinco horas da tarde. Eu não tinha comido, tinha bebido água, porque lá tinha água, mas não tinha o resto. Eu não tinha como falar com eles. Na realidade, eu nem lembrei disso. Okay, foi um saindo, outro saindo… Eram duas vagas. Saíram e ficamos em três, eu e mais duas, e então, eu e mais uma. Eu olhei para o lado e falei, "eu fui contratada. Se têm duas vagas, só tem eu e você, e todo mundo já foi embora, então fui contratada", e ela disse, "é, foi contratada", porque naquela época _________[00:42:30]. Se eu olhar o teclado, eu erro. Eu tenho que sair e digitar. E no celular, digitar com todos os dedos, então eu demoro muito. Fui contratada e ela falou assim… Só que eu peguei um emprego melhor do que o dela, porque tive 120 toques por minuto. Eles contavam os toques certos, e eu tive 120 toques por minuto. Na realidade, eu tinha o que? A vaga melhor que a dela, que era como digitadora no Santa Cecília, que era no Bradesco, só que o horário era das seis à meia noite. A condução terminava até meia noite. O metrô só vai até o Tatuapé, e de Tatuapé até em casa é mais uma hora. Tinha um ônibus que rodava a noite inteira. Quando cheguei em casa, tinha polícia, bombeiro, tinha guarda, tinha tudo e eu com a maior felicidade com a carteira na minha mão que eu já estava contratada pelo Bradesco. A felicidade durou até eu descer do ônibus, eu correr para um lado e meu pai para o outro, porque ele queria me estrangular. Cheguei em casa e falei, "mas pai, vou trabalhar no Bradesco",E ele, "eu não quero saber. Você pode ser a dona do Bradesco que você não vai trabalhar". E aí, nós fomos apelar para essa nossa tia, para todo mundo. Eu tinha acabado de fazer 18 anos e iria ter um emprego no Bradesco que todo mundo estava querendo. Ele falou, "não vai", e eu precisava do CPF dele, porque eu não tinha CPF, não tinha nada, só a carteira de trabalho. Até minha fome passou, e eu estava quase desmaiando. A polícia estava lá… Como ele sempre foi muito conhecido, os policiais eram amigos dele, todo mundo… E o policial perguntou, "por que você mentiu?", e eu disse, "por isso, ele não iria deixar eu ir". Ele dizia que eu não iria trabalhar, que não iria trabalhar, só que ele não poderia dar _______[00:44:21], quatro filhos, nem era porque não queria, era porque não tinha como. Quatros filhos, uma mulher, e ele sozinho. Não tinha, não tem milagre, não existe, não é nenhum doutorado, ele era um metalúrgico. Eu tinha um prazo para ir lá e ele falou que eu não iria, que poderia desistir, que eu não iria e não tinha conversa. Eu falei, "mãe, a gente pode mudar de vida, eu posso ajudar dentro de casa", e ele falou, "você quer ser dona da casa, aqui quem manda sou eu. Mulher não manda aqui em casa". Foi aquela briga toda, foi, foi, foi… Eu falei para minha mãe que eu iria roubar o CPF dele. Ela falou, "você é louca". Eu falei, "amanhã ele vai trabalhar", fui até lá e ele falando que não, que não, e eu voltei lá, porque já era para fazer a admissão para fazer os exames e começar na outra semana. Cheguei lá no RH e falei, "olha, meu pai falou que não vai deixar, não tem como", ela falou, "poxa, mas todo mundo quer essa vaga e você passou entre tantas", e eu falei, "nem fala mais que vou chorar mais ainda, mas ele falou que não tem como". Ela foi lá, e acho que me viu chorando tanto e tão desesperada, que voltou e disse, "olha, a gente tem uma vaga". A minha tia conversou, os amigos dele que hoje são padrinhos do meu irmão mais novo conversaram e tudo, o bairro inteiro conversando, e ele irredutível. Ele decidiu que se fosse em um horário de dia, ele iria deixar, ele iria até lá ver como era isso e iria deixar, ou alguém me traria para o Bradesco de Itaquera, que não tinha vaga. Eu fui até lá, ela pegou e falou assim… Eu falei, "ele disse que se fosse durante o dia, ele iria deixar", "mas você falou que vai ganhar adicional noturno? Explica para ele", porque ele trabalhava sozinho e tudo. Eu falei, "moça, com ele não tem conversa, não dá para negociar dinheiro com ele, porque ele decidiu". E eu ia fazer o que? Ficar chorando, chorando, chorando. Ela falou assim, "vamos fazer o seguinte, para redigir o horário é só aqui", porque era o núcleo do Bradesco, e tudo era feito manualmente, "mas a gente tem uma vaga na agência. A gente pode te deixar lá temporariamente, das 10 horas às 16 horas, e você fica lá. Quando surgir outra vaga de digitador durante o dia, a gente te chama". Falei, "tá". Nisso, eu já estava com o CPF dele que peguei escondido. Minha mãe falou que não, mas eu levei. Levei a minha carteira de trabalho e o CPF dele dentro dela. Fui até lá para desistir da vaga. Fui até o Tatuapé, andei para caramba… Assim, se eu pegasse o outro ônibus para outro destino, não iria ter dinheiro para voltar para casa. Cheguei lá, passei no RH, ___________[00:47:28], "você pode começar no mesmo dia". Eu fiz o exame e falei, "estou sem comer, pode dar alteração, porque estou sem comer, porque estou sem dinheiro". Na época, o Bradesco tinha toda alimentação dentro da copa na agência. Entrei na agência, eles me deram comida e eu fiz os exames. Fiz os exames, fiz minha admissão que era na própria agência, abri minha conta com o CPF dele e voltei para casa empregada. Esse homem falou de tudo, que eu estava passando por cima dele. Como ele falava para mim?! Ai, esses dias a gente estava morrendo de rir aqui… Nos finais dos dias dele, a minha irmã até gravou um áudio de pérolas dele, "formiga quando se perde cria asas, essa não vai muito longe". Falou para minha mãe, "eu não quero nem ver no que ela vai dar, porque isso vai ser uma mulher perdida". Nunca me chamaram de volta para Cecília, eu nunca tive outros cargos, porque já saí como gerente de poupança. Fiquei na mesma agência por dez anos, e aí assim, houve uma mudança de vida na minha família. O primeiro salário… Minha mãe queria muito um sofá de canto, porque era a última moda. A gente passava de ônibus, porque tinha um médico que… Aí eu já tinha convênio e pude colocá-la. O pessoal da rua passava e falava, "ela trabalha no Bradesco", então assim, a gente já pintou a casa, já fez… E o primeiro salário… O primeiro salário mesmo, sem sobrar nada, eu falei que iria até o médico, e o médico era na rua da loja em que ela viu aquele sofá. Eu falei, "mãe, vamos ver quanto está?", como ela ia lá, via o sofá e tudo… Eu comprei o sofá. Eu paguei com… Era cheque. Eu fiz um cheque de todos os meus centavos na conta. Foi o primeiro salário mesmo! ________ [00:49:32], e a gente foi embora. Uns dias depois, esse sofá foi entregue em casa. Quando cheguei… Eu gostava muito, muito dos Titãs. Têm uma música que é emocionante, porque quando cheguei… Estava lá o sofá. Ela não embalou, não mexeu. "Ô mãe _________[00:50:04]".

P/1 – Você estava contando a história do sofá. Você pode continuar contando essa história para a gente?

R – Então, eu não contei para ela que tinha comprado e pedi para entregar no nome dela. Entregaram e quando cheguei, ___________ [00:51:33]. Para ele foi um afronte. Imagina, uma mulher que estava trabalhando e desafiando. Quando terminou esse mês, eu já tinha tirado meu CPF. Fui lá, aprendi a tirar, tirei meu CPF e passei a conta para o meu CPF. Então, chegou no meu nome e no meu CPF. E aquilo assim, era um absurdo. Ele passou muito mais de um mês dando curva pelo sofá, porque não aceitava, porque eu desafiei ele, imagina, uma mulher que comprou as coisas para dentro de casa. Aquilo ali era a função de um homem. Quem eu estava pensando que eu era? Eu fiquei no Bradesco, me formei, fiz inglês, fiz curso de fotografia, comprei uma máquina profissional, paguei a faculdade, então assim, enquanto não me formei e fiz tudo que eu queria, não saí. Foram dez anos, e nesses dez anos, minha mãe não tinha mais que comprar roupa para gente…. Em São João… Ah! Na infância, era uma super festa na rua, porque ela era devota de São João, então assim, eram as festas que Itaquera esperava e fechavam a rua mesmo. E se fazia as festas de acordo com as festas do Nordeste, então você chegava lá, e era como se você estivesse no Nordeste. Tinha milho, tinha pamonha… Ela fazia tudo na mão, ficava dias fazendo. No começo era ela, depois mulheres foram ajudando. Eles pegaram um campinho de futebol que virou, vinha até a banda tocar de tanta gente que tinha. E aí, todo mundo tinha que ter roupa nova, porque era a festa mais importante depois do Natal para gente. Era a festa de São João que fechava. Então, ela não tinha mais São João e o Natal para comprar roupa, ela não precisava falar para ele, "eu preciso de um dinheiro para as roupas dos seu filhos, preciso disso e aquilo", e aquilo para ele era um absurdo. Durante um certo tempo, essa minha independência causou um transtorno para o casal, eles começaram a discutir mais, porque ele achava que ela não tinha que vestir. Eu era a mais velha de todos, então assim, meu irmão mais novo tem oito anos de diferença e tinha dez anos. Na época, o Mcdonald's tinha acabado de chegar ao Brasil, então imagina, a filha que era para comer um sanduíche… E eu não como carne, porque sou vegetariana desde o útero da minha mãe, não me pergunte porquê, não tem nenhuma razão, eu nunca aceitei carne. Quando eu ia para os amigos, porque eles faziam um almoço cada final de semana na casa de um amigo, ela já sabia que eu iria aprontar, porque eu cheirava, porque o pessoal falava assim, "ah, mas eu cozinhei a batata", mas tinha cozinhado com a carne, então eu não comia. E aceitar o frango e o ovo… Desde que comecei a comer comida de sal, eu colocava para fora, então não tem nenhuma explicação. A carne vermelha, durante algum tempo, ela teimou em introduzir e eu colocava para fora, então também… E ficou isso. Então, eu levava meu irmão… Tanto que quando minha mãe faleceu, ele tinha 20 anos, era mais novo do que meu filho agora. A gente ficou muito próximo, porque os outros dois já eram casados. Antes, era ele e ela. Com a ida dela, eu fiquei muito mais próxima dele, então a gente é muito mais… Embora passe a maior parte do tempo viajando, a gente ficou muito junto. Eu fazia de tudo. Ele chegava e eu tinha que trazer alguma coisa. Ele ia me esperar de madrugada no ponto também se eu chegasse uma hora da manhã, porque ele sabia que eu iria trazer alguma coisa para ele, um carrinho, um doce, ia trazer… A minha irmã ___________[00:56:10] 18 e 14, mas a gente tinha mais ou menos o mesmo corpo. Eu colocava minha roupa para ir trabalhar, e entrava às dez, então não tinha porque acordar cedo. Quando eu acordava… Não sei porque cismava de ver a roupa a noite. Depois que chegava da faculdade, ainda ia comer, arrumar e ia dormir. Deixava toda a roupa arrumadinha para quê? Para o outro dia, porque sabia que iria acordar em cima da hora. A minha independência começou ali e ele não aceitava, _________ [00:56:52]. A psicóloga veio falar comigo, "se você fosse um filho homem, seria o filho que ele pediu a Deus, mas é uma filha mulher. Ele queria tudo que você tem em um homem, a atitude, o fazer", porque não tem conversa, se eu caio… Eu vou chorar, eu vou cair, vou brincar e fazer de tudo para voltar. Então, isso incomodava demais ele, mas não por ele não me aceitar, mas por eu ser mulher. Então, com o machismo absurdo do século passado, para ele aquilo era um absurdo, ele morreu achando que isso era um absurdo. Quando eu decidi… Meu filho não tinha nem dois anos e eu decidi ficar sozinha, porque aquele casamento não iria dar certo, e eu não iria ficar. Aí, pronto. "Ficou louca de vez? Enlouqueceu de vez?". Ele nunca teve nenhum problema com meu filho, muito pelo contrário, ele foi assim, presente ao extremo, um amor fora do normal, mas comigo, não. Por que? Porque éramos tão iguais que chegávamos a nos chocar. Mas a gente entrou em um… Durante esses dez anos, teve uma mudança de vida. A gente mudou de padrão, não tinha mais aquilo de passar uma coisa para outra. Às vezes o sapato nem servia, mas tinha que passar, porque tinha quatro. De todo mundo, _________[00:59:08] e eu ia pagar. Então era o material dos quatro que ela ia comprar e ficou durante um tempo assim. A vivência foi mais da família mesmo, porque isso era dela. Lógico, aí eu já comecei a sair. Lembro que quando eu cortei o cabelo… Meu cabelo era na cintura, fio reto, parecia a Maria Helena com aquele cabelo liso. Logo de início eu não cortei, porque já estava chocando tanto que ele iria ter um colapso, mas resolvi cortar o cabelo e apareci com o cabelo aqui. Nossa! Parecia que eu estava em outra vida. Ele me abominou, porque "até cabelo cortou". Minha mãe não cortava, né?! Ela prendia, fazia um coquezinho e não usava batom, não usava nada, porque ele não admitia. E a gente foi crescendo, eu tinha 18 anos, meu irmão 16, minha irmã 14, só o mais novo que tinha 10, então da minha irmã para meu irmão mais novo, foi um tempo maior. A gente foi crescendo e cada um foi procurando seu caminho. Ele foi entrando mais em parafuso, porque conforme a gente foi ganhando mais autonomia, cada um foi escolhendo seu curso, e foi quando eu decidi que iria fazer Publicidade, e aí que ele surtou de vez, porque eu não iria fazer magistério e não adiantava, eu que iria pagar. Também se ele fosse pagar, eu não iria fazer nada, não iria fazer magistério. E o surto foi… Aí era mulher da vida, já estava em profissão de homem, tomando decisão de homem, fazendo… Não! E sobrava para ela, porque eu não admitia que falasse e acabava sobrando para ela. Foi bem, bem complicado com ele, mas lógico, o amor nunca faltou, incondicionalmente, o amor vinha acima de tudo, mas tinha essa divergência de opiniões que ficou. Ele queria uma vida… É a lei natural, a gente tende a progredir, não tinha como manter os quatro trancados dentro de casa, não tinha como decidir o futuro para cada um dos filhos. É a lei natural. Às vezes eu me pego fazendo isso com o meu filho, mas falo, "meu Deus, de novo, não. O filme não pode voltar". E assim foi até a fase adulta. Logo em seguida, ela se foi, e eu resolvi sair do Bradesco, pedi para que me mandassem embora, e fui fazer aquilo que eu queria e em que me formei, que era ser fotógrafa. E é o que sou hoje.

P/1 – Eu queria que você me contasse um pouco dessa época que você cursou a faculdade de Publicidade. Como foi?

R – Foi duro, porque eu tinha que contar só com o meu salário. Mesmo que ele fosse a favor, ele não iria ter como ajudar, a gente não tinha base para isso. Morando em Itaquera, trabalhando no Tatuapé e estudando no Pacaembu, eu fazia isso nessa idade. Eu saía do Bradesco às quatro e meia da tarde e só entrava sete horas, então eu demorava mais ou menos uma hora para chegar lá, chegava umas cinco e meia. No Pacaembu têm àquelas lojas de madame e eu acabei ficando super conhecida, porque eu entrava para pegar balinha e tomar cafezinho, porque eu pagava em URV, então nunca sabia quanto iria pagar de mensalidade escolar. Muitas vezes meu salário não dava, porque eu não deixei de ajudar em casa, eu tinha o comprometimento. Eu fazia empréstimos, e empréstimo para funcionários era mais barato, as taxas eram menores. Eu acabava fazendo empréstimos para poder pagar, porque era URV. Não tinha, "tá, eu recebi hoje, recebi R$300,00 então vou gastar R$100,00 de compras e R$150,00 da mensalidade", não, porque se eu recebesse hoje e deixasse para amanhã para pagar a faculdade, poderia ser que o URV tivesse dobrado de valor. Então, foi uma época… A gente fala assim, "o dinheiro está desvalorizado", a gente já esteve pior, a gente já esteve bem, bem pior. Você sabia que precisava da inflação para a roda girar, mas no período do URV, era um absurdo. Eu tinha X, recebi, então era assim, "vou deixar meu dinheiro em conta que ele vai valorizar junto com URV". Não, eu recebia aquilo ali, mas tudo que eu iria pagar… A gente não sabia. Era um absurdo. Foram três anos, e eu precisava do pessoal lá, dos amigos que iam para fora do país, que tinham uma situação melhor, que me davam roupas, que me davam sapatos. Disso eu não reclamo… Eu ficava

nos finais de semana dentro da biblioteca. A gente tinha biblioteca, não era Google. Então, ia para a biblioteca, pesquisava, fazia, pegava livros emprestados, chegava em casa e tomava até uma Coca-Cola e café, porque precisava virar a noite para no outro dia estar trabalhando. Assim, no Bradesco também, embora eu tenha ido para uma agência, eu fiquei só seis meses como escriturária, porque eu sempre tive essa personalidade de não entregar aquilo que me foi pedido, eu sempre tinha algo a mais. Eu procurava ver o que estava fazendo, então com seis meses, eu passei para caixa. Com mais oito meses, eu passei para gerente de poupança. Tinha propostas e serviços, que eram da agência dentro da empresa. E assim eu fui virando, então eu já tinha um salário maior. Foram dez anos… Todo mundo achou um absurdo, todo mundo foi contra, porque eu estava jogando fora uma profissão em que eu teria carreira. Muitos estão aposentados. Eu não vou aposentar, porque não aposentei até hoje, então não vai ter aposentadoria mesmo, mas não me arrependo. Eu não me arrependo e faria tudo de novo. Assim, eu saí do Bradesco, porque queria ser fotógrafa, não saí do Bradesco porque tinha emprego de fotógrafa, saí desempregada. Eu pedi para eles me mandarem embora, mas não tinha emprego, só que eu sabia que queria emprego. Eu peguei o jornal, que na época tinha umas folhas lá, "precisa-se de fotógrafa", era no Center Norte. Eles tinham um fotógrafo que hoje está na Europa, em Portugal, e a gente tem contato. Ele foi um dos maiores do Brasil. Ele foi um dos percussores da São Paulo Fashion Week. Eu e minha amiga Karen, a gente era super amiga, e nós assumimos o estúdio, então imagina, você termina a faculdade, mas não tem noção de nada vezes nada. E aí, você entrar no lugar de um cara super conceituado? Teve que estudar, teve que ralar muito. Assim, quando eu fui fazer faculdade, queria fotografia, mas a fotografia não era regulamentada. Eu

peguei e falei, "caramba, o que vou fazer? Jornalismo", porque na minha cabeça, Jornalismo tinha algo a ver com a fotografia. Cheguei lá e odiei, foram seis meses para o ralo. E na época não era assim, Jornalismo, Publicidade, Fotografia, não. Era Comunicação Social, que era Jornalismo, Rádio… Tudo junto. Fazia dois anos com tudo englobado e nos dois últimos anos,

a gente decidia o que queria fazer. Saí do Jornalismo e fui para a Publicidade que era um pouquinho mais perto da Fotografia. Quando terminei a Publicidade, a Fotografia foi regulamentada, e eu fui fazer Fotografia. Só que aí tinha como cortar matérias e tudo, e eu fiquei dois anos e meio, então fiquei com a graduação de Publicidade e Fotografia. Eu não sou publicitária, não atuo como publicitária. Tenho a formação acadêmica, mas sou fotógrafa. Têm algumas fichas que puxei lá em que sou CEO. Okay, quer que eu coloque? O CNPJ está no meu nome, mas eu, Rita, sou fotógrafa. Eu tenho que assumir aqui que esse foi um capítulo à parte que foi bem complicado, mas eu sou fotógrafa, tenho a graduação… Quando fiz o inglês… Porque assim, mesmo que eu não goste daquilo que fiz, se comecei, eu tenho que terminar, mesmo que eu me xingue, "o que eu vim fazer aqui?". Se eu começar, eu vou terminar. Inglês eu fiz por cinco anos, tenho a graduação e podia lecionar. Agora não posso mais, porque mudou, mas eu podia lecionar. Mas era porque eu queria terminar, e não que eu fosse fazer alguma ligada à área da pedagogia ou algo do gênero, porque eu não iria fazer isso. Até fiz durante uma época, porque na Fotótica eu estava começando, a gente estava no lugar de um cara bombástico… Lógico que quem fez foto com ele e ia fazer com a gente… Não era digital, que você fotografa e vê o que está fazendo, ou você sabe ou não sabe. Teve uma pessoa que foi que era da Secretaria da Cultura. Ela foi fazer umas fotos e falou para mim, "você já se imaginou dando aula?", eu falei, "nunquinha", e ela me explicou os processos das oficinas culturais. Então, para adquirir uma grana a mais… Porque eu continuava estudando, fazendo curso de aperfeiçoamento e tudo. Em seguida, eu ia fazer MBA, mas engravidei, então não… Foi tudo para o meu filho durante uns oito anos. Eu fui dar aula durante uns dois anos nas oficinas culturais de fotografia. Aí era outra… Então, a teoria era sempre aquela coisa bem quadrada… Eu preferia a prática do que a teoria, então eu saía com os alunos, a gente fazia museus, centros velhos, igrejas, então assim, eu dei aula de fotografia. Foram acabando as gestões, as oficinas culturais foram sendo tiradas dos cursos, depois voltou há pouco tempo atrás, mas já não era mais o momento, passou. Então assim, foi… Você fala para mim, "e o lado acadêmico?". A partir do momento em que me limito a não me render, eu tenho que resistir, cada dia é uma coisa nova. Cada dia é algo que vem e você nem imagina, então assim, o lado acadêmico não tem…

P/1 – Você falou desse interesse por fotografia desde a infância, você já gostava de brincar de fotógrafa. Eu queria que você falasse um pouco mais da fotografia na sua vida, se você quiser falar um pouco mais sobre esse tema.

R – Olha, depois do meu filho e minha família, essa parte pessoal, a fotografia é o que dá sentido. De tudo que passei, principalmente nos últimos dois anos, se eu não tivesse a fotografia, eu não teria superado. Eu deixo bem claro para o meu filho, "você tem que fazer algo que ame, algo que realmente te dê sentido de vida, porque se você fizer algo por dinheiro, por valor, isso não vai ter fixação, porque o dinheiro é a consequência de um trabalho bem prestado, e você só vai ter um trabalho bem prestado quando você fizer aquilo que você realmente ama", porque assim, tiveram crises, ainda mais nesses últimos dois anos, que foram uma sequência de perdas, ________[01:12:56]. Como se eu estivesse dentro de uma bolha, em que tudo que está caindo, tudo que está acontecendo, não existe. Então, quando eu fui fazer, fiz os dois anos para contar a graduação e fiz mais alguns meses de especialização em moda, porque sempre foi a minha paixão, a direção de modelo, o que está acontecendo… Então, moda para mim, sempre foi… Eu trabalhei em estúdios em São Paulo… Tanto que trabalhei em um monte e achei que iria abrir um estúdio, mas tudo bem. Esse é outro capítulo da história. Eu trabalhei muito tempo com moda. Quando veio meu filho, não tinha mais como fazer. Como você vai… A moda acontece à noite, são os desfiles, lançamentos, _______[01:13:58]. Isso sempre fez parte da minha vida, de shows, de acontecimentos, eu queria esse mundo. Quando eu tive o meu filho… Eu já fui mãe com 30 anos, e tinha que decidir. Até porque eu não tinha dinheiro para decidir tarde e não iria ter paciência também. Fui ser mãe, então fiquei dois anos afastada. Fui ser mãe, amamentar o tempo que ele quisesse, fui colocar… Fui ser mãe. Eu sou mãe ainda, mas falei para ele, "sou uma mãe diferente". Começou a incomodar, porque eu tirava foto dele. Hoje ele não quer me ver nem pintada de ouro, assim, na parte da fotografia, de tanto que eu ficava em cima, fazia todo o movimento, mas eu nunca gostei. Tanto que um monte de gente fala, "ah, vai fazer newborn", mas não… A fotografia te dá um leque de opções, então assim, a fotografia social nunca foi a minha cara. Eu não critico, acho que cada um… Mas a fotografia social não faz parte do meu eu, eu Rita. Batizado, casamento, aniversário… Tanto que eu tive muito problema para o Sebrae entender. Todos entendem a fotografia como um cara de preto em eventos, e não sou eu. Devido à minha… Nessa parte, a Publicidade também me ajudou. Quando eu tive que sair da moda, porque eu estava lá trabalhando e ficava, "meu Deus, meu filho está na madrugada com uma pessoa que não sou eu. E se ele tiver uma febre? Não, não vou parar, porque amo a fotografia, é uma paixão, está no sangue, está no DNA, é aquilo que se não fosse, eu seria frustrada. Eu vou ser fotógrafa, mas não vou mais poder levar a vida que eu levo, porque não tem como". Imagina, a pessoa está saindo para trabalhar, e a mulher está chegando em casa. Os vizinhos, "nossa, a louca está toda cheia de glitter, chega de madrugada toda vestida de preto" (risos), ficou uma coisa… E eu tinha que me ajustar no meu momento. Se eu decidi ser mãe, eu tinha que fazer esse ajuste. Eu sentei comigo mesma e falei, "bom, é dentro da fotografia, mas onde eu vou fazer? Já sei, a parte publicitária". E aí, tem aquela história de ______[01:16:55] que era deste tamanho e fui… Na época, a gente não tinha Google, a gente tinha anuário, na associação das empresas. Eu fui até lá, comprei um anuário desse tamanho. O mesmo trabalho que eu fiz com o LinkedIn há 12 meses, eu fiz no anuário. Mapeei todas as empresas que possivelmente estavam de acordo com o meu portfólio, bati de porta em porta para apresentar e comecei. Só que nisso, eu fui bater na porta de um cara que além de ser empresário, tinha uma revista, e aí me puxou para trabalhar na revista. Eu fui trabalhar na revista. Da revista, eu fui para a Fashion Photo Book. Tudo que era book na vida, eu fui. Antes de eu… No estágio… Eu fiz estágio na agência do Washington Olivetto e fiz estágio na Folha de São Paulo. Eles pagam pouco, a imprensa além de sofrida e estar levando pedrada, ainda paga pouco. Diante da moda, que dizer, eu estava… E aí, eu fui viver minha adolescência e eu tinha dinheiro. O meu pai não me controlava nisso, então, o que a pessoa foi fazer em dois anos? O que não fez na adolescência inteira. Isso um pouco antes do meu filho. A minha mãe tinha acabado de falecer, eu aproveitei o gancho e fui para a noite. Eu gastei tudo e mais um pouco, e não era pouco, o que eu tinha, o que eu não tinha, porque eram roupas e sapatos de marca. Para os meus irmãos, eu não precisava mais, porque cada um já tinha trilhado o seu caminho. O meu irmão e a minha irmã já eram casados, um tinha casado há seis meses e o outro há oito meses. O meu irmão que tinha casado há seis meses, já tinha um filho de seis… Porque já casou quase tendo um bebê. Eu fui viver o mundo. Eu assumi alguns papéis que não me cabiam. Eu sempre fui uma pessoa ligada à espiritualidade. Embora tenha sido criada dentro do catolicismo, não segui. Tinha alguns fatos que não eram o que acontecia comigo, mas eu precisava viver aquilo, porque precisava ver o outro lado da moeda. Eu sempre gostei muito de show, então em shows eu vou até hoje, vou sozinha, "não que ir? Então eu vou sozinha", sempre fui em muito show de rock e reggae. Não fui usuária de nenhum tipo de droga. Durante esses dois anos, eu consumi a tequila, que eu achava que gostava, mas não gostava. Falei, "alguma coisa tenho que fazer",porque ia para show de rock e show de reggae e não fazia nada, não tomava, não fumava maconha… Alguma coisa eu tinha que fazer, se não eles iam me expulsar. Mas aí, assim, por ter essa personalidade muito forte, ninguém nunca me ditou regras do que eu tenho que fazer, do que não tenho que fazer. Nunca tive essa história de, "se não fizer a regra, não vai ser aceita na turma". Se eu não sou aceito na sua turma, sua turma também não serve para mim. Eu não nasci colada com ninguém. Meu cordão umbilical foi cortado quando eu nasci, então assim, o que eu quiser fazer, eu vou fazer. Se eu tiver que fazer sozinha ou acompanhada, eu vou fazer, e tudo bem. Não sei se essa minha verdade ajuda ou atrapalha, eu sei que tenho desde a época em que entrei no Bradesco quando tinha 18. Eu já estou com 52, então eu já tenho uma vida aí… A fotografia me deu status, a fotografia me deu dinheiro, a fotografia me deu prazer, e eu não soube usar até certo ponto. Enquanto eu era CLT, eu tinha que cumprir as regras deles, então não tinha muito o que fazer. Gastava todo o meu dinheiro, mas tinha dinheiro. Às vezes não, porque era uma mulher do futuro, gastava tudo no cartão de crédito, e o que vinha era para pagar as contas do mês passado. Assim ia. Acho que em 1998… Eu trabalhava em uma empresa já há um tempo, então o que eles fizeram? Eles mandaram todo mundo embora. Só que assim, embora por via de regra, todo mundo continuou no mesmo cargo, fazendo a mesma coisa. Mas todos nós tivemos que abrir um CNPJ e emitir nota para a empresa, então continuei sendo fotógrafa, mas não era mais CLT. Quando tinha uns dois anos mais ou menos falei, "eu já tenho o CNPJ", e na minha cabeça CNPJ e empresa eram a mesma coisa, "eu tenho CNPJ, sou eu que tomo conta do estúdio aqui, vou montar o meu", e aí montei o meu estúdio. Fiquei sem cargo, sem reserva, sem nada, fui lá e montei meu estúdio. Comprei tudo que tinha que comprar, porque máquina e essas coisas sempre foram minhas, mas não tinha iluminação, nem nada. Fui lá e montei o estúdio. Em dois anos, o meu estúdio fez isso… Só que da mesma forma que ele subiu, ele despencou. Então, em dois anos, eu estava com dez funcionários CLT, comecei a fazer fotos para sites na parte institucional das empresas, então montei como se fosse uma consultoria. Eu estava no Hospital Beneficência Portuguesa de São Caetano do Sul fazendo as fotos. Tinha uma equipe que fazia foto e vídeo de parto. Eu nunca tinha ouvido falar, porque no meu não teve nada disso, parto normal… Tinha uma mãe no cirúrgico dando um piti, porque a equipe deles tinha sumido, e ela tinha contratado essa equipe. Isso foi em 2008. Eu já tinha dois anos, desde 2006… 2008 foi quando começaram os trabalhos, fechei contrato com eles e chegou o diretor do centro cirúrgico e falou que eu tinha que fotografar o parto da mãe. A anestesista estava lá, e a mãe falou que ninguém iria fazer o parto dela se não tivesse fotógrafo, porque ela tinha contratado. Eu falei, "o que eu tenho a ver com isso?", e ele, "não, você que faz as fotos", "não, eu faço as fotos para o hospital, outro tipo de fotos, fotos institucionais para o site, e a parte publicitária. Eu só entrei no centro cirúrgico para ter o meu filho, porque ninguém iria ter por mim. Eu não vou". Eu só sei que foi aquele "vai, não vai". O diretor do hospital desceu e em uma situação clara ele deixou assim, "ou você vai para o centro cirúrgico ou a gente vai cancelar tudo agora". E a mãe e os familiares naquele transtorno. Eu falei, "gente, mas eu não…", eu peguei e fui falar com a mãe, "porque assim, e se sair alguma coisa errada? E vai sair, porque eu não vou ter coragem de olhar". Nisso, já estava preparada a cesárea e tudo e eu falei para ela, "olha, eu estou aqui, juro que estou de coração aberto, me colocando, porque eu sou mãe, tenho um filho que é um garotinho pequeno. Se eu tivesse condições, eu faria, mas estou sendo muito sincera com você, não sei se vou conseguir, porque nunca fiz isso na minha vida". Eu encostei na parede, coloquei a máquina no automático e falei, "meu Deus, me ajuda". Eu coloquei no automático e coloquei no motor drive. Eu coloquei o dedo ali, fiquei mais ou menos onde estava o foco daquela luz que eles colocam, enfiei o dedo naquilo e metralhei. Aquele cheiro de galinha queimada, que de olho fechado eu sentia toda arrepiada. Eu saí de lá, e me lavava, falei, "Nunca mais vou entrar nesse lugar". Cheguei aqui no estúdio e não vi o que tinha lá dentro. Eu peguei a mídia e contei toda a história para a arte final, "não sei o que tem aqui dentro. Faça o melhor que você puder

_________[01:25:42] que tem dentro desta mídia". Eu não sei o que ele viu lá. Ele fala que estava bom e realmente ele é muito bom. Ele fez tão bem, que nós ficamos lá até hoje, de tão bem que foi feito. Naquela época, tinha dois hospitais em São Paulo que faziam: o Santana, que é do doutor Amaro, então toda a equipe de filmagem é da família, então não tem como, e a Rede D'Or São Luiz. E tinha a nossa. O São Luiz e o Santana já eram _______[01:26:34] aqui na capital. Lá volto eu de novo, "bom, isso deu certo, a gente fechou contrato sem esforço nenhum, e é uma coisa que dá dinheiro, porque você vai registrar o nascimento do seu filho e contratar uma empresa". Eu sou exclusiva, então tenho o contrato… O advogado veio, explicou tudo. Eu montei minis estúdios dentro dos hospitais. O que vi? Que dentro da capital, eu não iria… Era de família. Por melhor que fosse o meu trabalho e mais diferenciado que fosse… Porque eu fiz um documentário de parto. Eu não fiz simplesmente o álbum com as fotos, foi um documentário, desde a hora que a mãe ficava internada, com horas, com fotos. Foi a onda de quando começou a entrar aqueles book-livros, que começaram a chegar e a gente começou a criar… Só que essas empresas de book-livros tinha padrões, e eu nunca gostei de padrão, então eu conversei com eles, "eu tenho um tanto de clientes por mês, tenho a arte finalista, tenho um pessoal de design aqui dentro, mas não quero… Concorda comigo que você fornece para mim, para o São Luiz, para o Amaro… Vai ser tudo igual, fábrica de salsicha". Porque foto de parto não é uma foto de modelo, não. É um passo a passo, eu vou ter que criar no produto que estou te enviando. E aí, a gente foi… Eles liberaram diante da… Nós criamos para cada parto um trabalho diferente, ninguém tem álbum igual. Tanto que eu tenho clientes que têm vários filhos, e ninguém tem o álbum igual. É o mesmo modelo de álbum, mas quando você entra, é cada um com a sua história, cada um com seu jeito. E como eu vi que não iria ter mais aqui, fui para grande São Paulo. Peguei o alto Tietê, Suzano, Vale do Paraíba, peguei o ABCD Mauá, peguei essas regiões. Como eu tinha a Beneficência Portuguesa, que é um nome muito forte no mercado, então eu chegava e falava, "eu trabalho na Beneficência Portuguesa". Tanto que quando eu decidi mudar o foco, o único hospital que fico e vou ficar até o final dos meus dias enquanto eles me permitirem, é a Beneficência Portuguesa de São Caetano do Sul, porque foi lá que tudo começou. É um hospital pequeno, que vou sozinha e dou conta… Foi e fechei… Um ano depois, eu tinha a Rede Amil, foi assim, um salto que eu nem esperava. Fechei contrato com… Eram hospitais… A coisa tomou uma proporção. Só que assim, nessa hora, o que tinha que ter acontecido? A Rita fotógrafa tinha que se retirar, porque a empresa cresceu, e a Rita fotógrafa não se retirou, ela continuou fotografando. A empresa não tinha administração. Eu ficava um mês ou um mês e meio sem dar as caras. E a equipe não era uma má equipe, só que precisava de liderança, do dono, precisava do líder, e isso eles não tiveram, porque eu não quis nem saber. Começou a ter atrasos, um monte de coisa… Em 2018, dia 27 de janeiro de 2018, ali eu comecei _______[01:30:26]. Começou a entrar a internet, dei um Nextel para cada um, porque mesmo estando longe a gente se chamava no rádio e tal, e a gente começou a fazer isso. Coloquei computadores com internet para ter essa interligação, e tive um gasto bem… Porque cada hospital tinha um mini estúdio montado, eu tinha que ter equipamento. E não tinha gestão. Não é que tenha sido uma má gestão, não tinha gestão, eu nunca... Capital de giro, precificação… Não tinha nada disso. Eu queria saber de fotografar, tinha um CNPJ, e pronto, acabou. Eu tinha uma equipe muito boa, com pessoas que eu treinei. Teve um tempo também em que as empresas faziam impressão de fotos, que tinha um lugar para montar o estúdio, eu entrava no estúdio, treinava o pessoal, deixava tudo certo e ia embora. Muitas dessas pessoas que foram mandadas embora, eu acabei resgatando e já tinha treinado elas, então não tinha mais o que treinar. Dia 27 de janeiro de 2018, teve uma reunião, e foram todos os prestadores de serviço, não só o pessoal de filmagem, mas todos para comunicar que a partir do dia primeiro de fevereiro, a Amil passaria a ser da Seisa. Na hora que eles falaram, a casa caiu, porque um hospital foi vendido para a Seisa e eles fecharam a maternidade, porque eles não querem maternidade, porque ela não dá dinheiro para o hospital, ela dá status, mas não dá dinheiro, e eles não querem. Na hora que falaram que foi vendido para a Seisa, foi como se alguém me empurrasse, a casa caiu, porque a Amil era que pagava tudo, os hospitais da Amil em que eu deitava e rolava. Todo mundo estava feliz, porque todo mundo tinha dinheiro, mas eu não tinha reserva. _________[01:32:58]. Onde é que eu iria colocar? Não tinha hospital. Eu não tinha como pagá-los, e nem tinha como trazer todo mundo para o estúdio. O que eu iria fazer? Andar pela cidade, pensando. Eu cheguei e assim, uma coisa que sempre foi muito clara... Eu nunca fugi daquilo que para mim é, "se plantei, vou ter que colher, e só pode colher quem plantou, eu não posso terceirizar isso". Cheguei, reuni todo mundo, falei o que tinha acontecido, como estava a situação, que eu não tinha dinheiro para pagar ninguém, só tinha o dinheiro da folha… Eu não tinha reserva, eu não tinha nada, não tinha… Não tinha. Equipamento fotográfico profissional não é uma coisa que você vende da noite para o dia, e mesmo que você venda, vai perder muito. Eu falei, "não tenho, não tenho nenhum bem. Tudo que tinha, coloquei aqui dentro, não tenho. O prédio não é meu, embora eu tenha colhido, mas o terreno é do meu irmão". Ele começou a trabalhar no escritório da USP e por lá ele ficou, então ele estava pagando a

manutenção do terreno e eu estava pagando o aluguel. Eu falei, "então, faz o seguinte, eu construo isso tudo do jeito que eu quero, dou estrutura para você conseguir mais, porque nunca sabemos o dia de amanhã"... Falei para eles, "é o seguinte, o que vamos fazer? Vai passar todo mundo para contabilidade"... Tinha funcionários de dez anos, que tinham começado junto comigo, de 2008 a 2018, isso é muito tempo. Falei, "vai todo mundo para a contabilidade. Eu não vou descontar um centavo independente do que aconteceu, mas a gente vai ter que parcelar". Como? Porque assim, quem tinha menos de um ano, a contabilidade me falou que você ainda consegue mandar para o escritório e ver o que faz. Agora, acima de um ano, era no ministério, eu não podia fazer nada. Eu não sei de ministério, não sei de nada. Tinha um monte de produto pequeno, que por preguiça de ficar tirando nota, não tirei nota. A Receita Federal _________[01:35:24]. Falei, "caraca, e agora?". O advogado da empresa e a contadora, sentaram e falaram assim para mim, "foi à falência, não tem o que fazer, não tem como pagar", e eu falei "como eu fali?", ela falou, "você faliu, não tem o que fazer. Você não tem dinheiro, vai ter que decretar falência do CNPJ e começar de novo", e eu falei, "mas se eu decretar falência, e quem esteve comigo até agora?", "mas você não tem como pagar", "tá, eu não tenho como pagar agora, mas posso parcelar", ela falou assim, "Rita, mas não é assim, rescisão não se parcela. Ou você decreta falência…", "infelizmente tem que ser assim, mas não concordo com isso", ela falou, "bom, é isso o que a justiça propõe. Você vê com o que você concorda, porque não tem de onde sair". Eu vim, conversei com eles, falei, "não vou descontar nenhum centavo e não quero lesar ninguém, só que não tenho como pagar. Se vocês quiserem ir para a justiça, eu _______[01:36:42]. Porque a empresa não faliu porque não tinha um bom trabalho, não faliu porque não tinha verba, ela faliu porque não tinha administração. E quem é que tinha que ter administrado isso? Era eu. E o que me dá o direito de punir os outros pelo erro que eu causei? Não sei o que vou fazer, mas vou fazer". Saí de lá e falei, "quem quiser protestar e me colocar no pau, tá legal, é vida que segue, não vou perder a amizade, não vou deixar de falar, porque é um direito de vocês. Só que assim, o que eu estou falando para vocês é o que eu vou falar para o juiz. O juiz vai estar ali e mandar me matar? Eu não tenho como pagar, mas eu vou pagar. Quando? Não sei. Como? Também não sei". Nisso, foram passando os meses, e eu fui até o ministério do trabalho, porque tanto a contadora quanto o advogado, falaram que não tinha o que ser feito. Eu falei, "alguma coisa você tenta, alguém vai ter que me escutar", e fui até o ministério do trabalho. Eles falaram que não podia ter isso, porque tinham muitos empregados e eu expliquei tudo. Falei com um homem lá que… Ninguém acreditava na minha história, e eu o dia inteiro repetindo a mesma história. Ele falou para mim, "olha eu estou há 30 anos na casa e nunca vi uma coisa dessa acontecer, o empregador vir aqui reaver o empregado", e eu falei, "moço, mas não quero lesar ninguém, Eu quero pagar o que devo, só não tenho dinheiro. Então, eu preciso que você parcele isso". Ele falou assim para mim, "volta daqui uma semana, porque é um caso novo, e a gente não sabe… O que vou fazer com você?". Voltei lá depois de uma semana. "Se os funcionários estiverem de acordo, o que a gente vai fazer? A gente vai fazer as revisões deles, dar baixa para que eles consigam outro emprego"…

P/1 – Você estava comentando como você resolveu o problema com seus funcionários.

R – Então, eu fui, cheguei e conversei com eles. Só uma que resolveu ir para a justiça, que era a mais nova. Ela foi para a justiça, o que era um direito dela, e o restante todo aceitou. Então assim, eu fiquei com nove… E de nove, tenho mais três para terminar o acerto. Até junho… Devido à pandemia, retardou um pouquinho, mas até junho termina. Essa que foi para a justiça, ela tinha um ano e dois dias, e a rescisão dela iria dar quase R$6.000,00. Na época, dava R$5.000,00 e pouco, não chegava a R$6.000,00, e ela pediu R$30.000,00 de indenização. Ela colocou umas coisas assim, surreais, e quando eu fiz a rescisão para ela assinar, ela falou, "ah tá, a diferença é o juiz que vai pedir?", e eu falei, "o juiz?". O marido dela deu um toque para ela que… O advogado já tinha me orientado, "então você vai ter que resolver na justiça, porque você corre o risco de pagar de novo dependendo do juiz, do que ele vai entender". Eu peguei a rescisão e falei para ela, "bom, vamos fazer o seguinte, __________[01:40:17]. Daí, eu peguei a rescisão na mão dela e falei, "bom, tanto essa parte, quanto a parte que você está requerendo, é o juiz que vai decidir. Então, já que você já colocou, a gente vai aguardar". No dia da audiência, os dois advogados conversaram, o meu com o dela, para tentar deixar em seis vezes, porque assim, eu tinha conversado com o restante do pessoal e eles concordaram em receber em alguns meses, então eles iriam declarar no ministério do trabalho que estavam recebendo, e estavam. Ela falou que não, que ela não queria um centavo a menos do que os R$30.000,00. Na minha lista, ela era a terceira e pulou para a última, simplesmente deixou para última.

A juíza já chegou e perguntou, "o fundo de garantia foi depositado?", eu disse "foi", ela falou "foi", e advogada dela disse, "não foi". A juíza disse assim, "foi ou não foi, doutora? Porque a empregadora está falando que foi, a empregada está falando que foi, e a senhora está falando que não foi". Peguei as vias e falei, "estão aqui". Ela falou, "não, foi depositado". Quem assinou a rescisão deles foi o ministério do trabalho, e ela não, ela pediu demissão e colocou no pau. Por ela ter pedido demissão, ela ganhou o direito de sacar o fundo de garantia. A juíza pegou, olhou, fechou, mexeu, leu, olhou para mim, olhou para ela, e falou assim, "olha, vou liberar os fundos de garantia, porque isso não diz respeito à empregada e nem à senhora. ________[01:42:45]. Vou fazer o seguinte"... Olhou para mim e falou, "12 parcelas de R$500,00 está bom para a senhora?", eu fiquei assim… Falei, "está ótimo". A advogada dela entrou em pânico, porque 12 parcelas eram exatamente a rescisão dela, só que eu iria pagar as parcelas em duas vezes - seriam os 15 em três, ou a rescisão dela em duas vezes, para que eu não tivesse que atrasar mais os amigos dela. Eu sou uma pessoa muito ligada à espiritualidade, e antes de ir eu falei, "sei que o erro foi meu, e não de ninguém. Eles estão no direito, então se realmente for para pagar... E se eu entro em parafuso? Então eles estão me dando um voto de confiança assim, surreal. Não vou lesar ninguém, não vou deixar de pagar até o último centavo que eu devo. Eu sei que é muita coisa para pagar, su nunca sonhei na vida dever isso, mas que eu pague por aquilo que devo, que eu pague pelos meus erros, mas não devo tudo isso para uma pessoa só". O que estava acontecendo não era uma questão de torcer para que a juíza fosse lá e me desse uma causa ganha, __________[01:44:33]. Aquilo que devia, eu paguei, só paguei em parcelas bem maiores, que nunca imaginei que iria conseguir em tantas parcelas. E ela recebeu o que era dela de direito, só que pagou a porcentagem dos advogados lá dela, o que não me diz respeito, porque cada um é cada um. Ela se achou no direito de fazer. Quem sou eu? __________ [01:45:34]. Então assim, foram essas experiências. Eu vim embora muito mal, entrei e chorei, tranquei tudo. Fui embora, e a minha vida inteira ficou, meu sonho inteiro ficou, e eu não sabia o que iria fazer, porque os dois únicos hospitais que eu ainda tinha, não cobriam, eu tinha que fazer mais. Lógico, todo mundo foi pegar seu fundo de garantia para seguir a vida e para procurar emprego. E até hoje, se eu precisar de freelancer, primeiro vou até eles. Se eles não puderem, chamo outra pessoa, mas em tudo que preciso na área da freelancer, primeiro vou até eles. Só que eu fui embora e fiquei quase três meses sem querer sair. Eu não ficava nem na cama, ficava no chão, chorando e olhando para o teto. Eu não tinha mais como levantar. Eu estava preocupada com meu filho… Meu filho é atleta de alto rendimento de natação, e desde os dez anos ele já tem uma vida totalmente voltada para o esporte. Ele já foi duas vezes campeão paulista, está entre os oito melhores do Brasil, então tem toda uma… Ele está com 22, então são 11 anos na natação. ___________[01:47:04]. Eu sou louca por banho, não consigo dormir sem tomar banho, e estava fazendo um esforço fora do normal para tomar banho. Ele chegou e falou assim, "você sabe que você está com depressão", e eu falei, "que depressão?! Me deixa em paz". Só que eu estava pensando e não encontrava saída, porque era muito dinheiro. Nem que eu vendesse a minha alma eu teria como. _________[01:47:45]. Eu não tinha funcionário, mas tinha folha de pagamento. Se usasse o fornecedor, tinha que pagar o fornecedor. Então aquilo… Teve um dia que eu acordei e falei, "eu tive e maior paciência com você. Você chorou, fez as burradas, e está nessa situação que foi você quem criou. Não era para fazer, mas fez. Eu tive paciência e você chorou, agora chega. Levanta daí e vai procurar uma solução, porque do jeito que está, não dá". Aí vim, porque era a uma rua da minha casa. Na hora que abri, meu Deus, estava cheio de poeira, aquela escuridão. E aí, chorei mais ainda, chorei, chorei, chorei, chorei, olhei para aquele monte de conta e falei, "quer saber de uma coisa? Eu vou pagar essas contas? Hoje não, porque não tenho dinheiro, né?!". Peguei as contas e joguei lá para os fundos. Fui lá na loja de R$1,99 porque eu não tinha muito dinheiro, comprei balde e um monte de coisa e fiz uma faxina assim, fora do normal. No outro dia voltei, tinha que trabalhar. "E agora, o que a gente vai fazer?". Elaborei uns emails, ___________[01:49:56]. Não tinha experiência com administração, e o negócio ia para baixo, e quantos anos iria ficar? Iria chegar uma hora que não teria mais anos para fazer tudo de novo. Peguei, fiz o anúncio, ________[01:50:40]. E aí, eu fui e falei, "não adianta eu começar tudo de novo se as minhas lacunas e faltas continuam,

se eu não consigo superar esse problema que causou esse transtorno. Isso vai virar uma bola de neve, porque vai ter uma hora que não vai ter como dar conta". Nisso, veio _________ [01:52:03]. Fui até o Sebrae, lá tinha um grupo de mulheres empreendedoras, e eu comecei a me envolver com isso. No Sebrae eu fiz o De Sampa, dele passei para o Mil Mulheres, do Mil Mulheres passei para o __________[01:52:46]. Faço tudo. O que eu fiz? Conheci muita gente do empreendedorismo feminino, esse universo à parte que descobri…

Eu nunca fiz uma precificação, "gente do céu, o que é isso? De onde vocês tiraram isso? Nunca ouvi falar" _______[01:53:32]. Nesse intermédio de 2008 a 2020, foi um turbilhão de inovação, que não teve como. Assim, consegui resolver lá, colocar tudo certinho, ir atrás dos meninos, reaver alguns equipamentos que vendi. Não é que voltei para a estaca zero, voltei para menos que a estaca zero. ________[01:54:22], e graças a Deus ele tinha uma aposentadoria que dava para segurar eu e meu filho, porque ele tinha 18 anos, e assim, a história com o pai dele ficou _______[01:54:32]. Eu comecei a seguir outro caminho. Conheci muita gente da gastronomia, mulher que faz marmita, faz biscoito… E eles pegavam sempre foto de internet, e isso começou a, "poxa, você tem o seu produto, você tem sua identidade", só que foto de estúdio é uma coisa cara e eu não sou sindicalizada. A gente que paga… A mulher que faz curso de empreendedorismo no Sebrae, não vai ter R$150,00 para pagar em uma foto, porque muitas vezes é o que ela ganha na semana. Como vai pagar em uma foto, se ela tem vários produtos? E o que eu fiz? Criei uma tabela, e fui… Acabei fazendo parceria com aquele pessoal do Marmita Colada Vegana. Eles me pagavam uma parte, e a outra parte para complementar, eles pagavam em produto. A outra que faz bordado, a outra que corta cabelo… Então comecei a ter essas pontas com elas. Nisso, eu fui aumentando meu portfólio e atualizando. Nesse meio tempo, o meu pai como comentei, foi ao médico e foi diagnosticado com câncer. Um câncer de pele raro. Ele faleceu em seis meses. Esse câncer se transformou em metástase e ele faleceu em seis meses, pesando 32 quilos. Então assim, eu tive que me mobilizar, porque eu como era a que estava nesses trâmites de horários, era quem poderia cuidar e comecei a acompanhar ele. Eu participei de tudo. Meu filho, que nada pela UNAERP, estava aqui em São Paulo, porque a faculdade estava aqui, mas ele foi para Ribeirão Preto morar lá em uma república. _________[01:56:54] e tinha que tocar. Então assim, nesse período de dez ou onze meses, eu mal produzi. Eu fui me capacitar, porque eu tinha que parar tudo e tinha que me capacitar na parte de administração, porque não adianta eu fotografar, porque sei que vou fotografar e a pessoa vai comprar, mas o que vou fazer com o dinheiro? ________ [01:57:29]. Um menino que eu acabei pegando como filho adotivo. Ele é muito mais velho que meu filho. Ele é do interior, então assim, meu menino era daqui e foi para o interior e ele é do interior e veio para cá. A gente pegou uma amizade muito grande, __________[01:58:04], está meio período. Teve meu pai que veio a óbito, e foi uma coisa muito, muito… Agora que estou saindo do luto. _________ [01:58:16]. Meu filho é atleta de alto rendimento, recebe uma bolsa, que não dá para ser integral. E como que faz? Eu comecei a participar cada vez mais de cursos, de capacitação, de buscar conhecimento, de fazer parte dos movimentos, de fazer acontecer. Ficou tudo resolvido, eu deixei a Fórmula Foto Estúdio para a parte de publicidade com foco em gastronomia. Então, hoje a Fórmula Foto Estúdio é especializada em fotos de gastronomia. Dentro, foi criada uma nova empresa, que se chama Repaginando a Página, que são fotos para perfis de _______[01:59:33]. Eu fui em um evento do LinkedIn, então começaram a falar do Pit. Eu nunca tinha ouvido falar do Pit. E falando, "a mãe não sei o que", e aquilo me incomodando. A Marcela que é uma querida, que adoro, amo de paixão. Eu falei para ela, "escuta, eu vou ter que fazer o Pit?", e ela, "todo mundo está fazendo o Pit", "mas eu não quero fazer. Eu sou alguém, eu tenho ambição. Aconteceu o que aconteceu, mas eu tenho uma profissão, eu sou alguém. Por que tenho que ficar falando, "e a Rita, mãe de fulano?! Eu não quero falar isso", "mas todo mundo está falando", "Mas eu não quero, então não vou fazer", "a gente entende o seu lado, mas aqui é um movimento de mulheres e de mães", e eu falei, "mas não é sobre mulher e mãe, eu sou empreendedora. Eu vou falar do meu negócio, da minha área, do meu serviço, daquilo que sei fazer dentro do empreendedorismo ou sobre a minha vida particular? Eu não vou falar", e aí elas deixaram eu falar do meu jeito. Porque assim, o que tem no empreendedorismo? É uma coisa de trabalho, a não ser que meu trabalho seja ligado à área familiar, que esteja vendendo algo diretamente para a família, o que não é o caso. E daí que eu sou mãe? E daí que eu sou mulher? O que tem a ver com isso? "Rita, mas não é desse jeito", "eu não estou condenando, eu bato palmas, acho legal, mas não é para mim e eu não vou vestir uma roupa que não me cabe. Eu vou ser falsa, não vou conseguir falar isso", e aí eles me deixaram falar do jeito que eu queria falar. E aí tinha a tal da foto. Por mais que eu seja fotógrafa, eu odeio que me fotografem. Todo mundo assim, aí pronto, lá vai eu de novo, "eu não vou fazer essa foto". Ela perguntou, "o que aconteceu, Rita?", "eu não vou fazer essa foto, "_______[02:02:07]". Fui embora. Eu subi com aquilo me matando, "mas espera aí, se nós _________[02:02:37], e eu estou fazendo foto para um perfil profissional, por que está todo mundo igual? Todo mundo tem a mesma profissão? É minion?", e aquilo foi me martelando, "não, não quero isso". Cheguei e falei com William. "E a foto?", eu falei, "não tirei e nem quero tirar", "qual a sua ideia?", "William, tem algo me incomodando a noite inteira". Só que nisso, eu já estava solteira. Meu pai se foi, eu fiquei em casa, meu filho… Agora que estou tirando os pertences, porque ficou tudo do jeito que estava. Só que tinha um cachorro, que ele chamava de Labrador. O cachorro, assim… Ele estava chegando longe, porque o cachorro se manifestava de uma forma só dele. Duas semanas depois, o cachorro começou a emagrecer e foi diagnosticado com um câncer raro também. Três meses depois que ele faleceu… Fez dia primeiro três meses, e o cachorro faleceu. Então, tudo que eu fazia com o meu pai, eu fiz com o cachorro, fui à quimioterapia… E aí, veio o falatório de que tinha que sacrificar o cachorro, todo mundo dizendo "tem que sacrificar o cachorro, porque você está muito abatida, porque você está abalada". O câncer do cachorro era na garganta e não passava mais… Primeiro foi por um tubo, depois por uma sonda… Ele ficou pele e osso. Meu pai faleceu pesando 32 quilos, e o cachorro pesando oito - o cachorro tinha 29 quilos. E eu não aceitei. Levava o cachorro para clínica, ia trabalhar, e a noite eu passava para pegar e ficava a noite inteira com o cachorro. _________[02:04:50]. Eu tive que pagar. Ele fez oito quimioterapias, e cada quimioterapia era R$150,00 eu não tinha de onde tirar, não tinha mais nada, e aí? Veio todo mundo para ajudar a sacrificar e eu falei, "não, pode desistir, não sei o que vou fazer ainda, mas não vou sacrificar", "a gente não vai ajudar, porque na verdade, vamos estar te prejudicando, você não tem condições de cuidar desse animal, nem financeira e nem emocional. Você está com esse animal morrendo, sendo que passou por tudo aquilo recentemente, não está certo", e eu falei, "não estou pedindo a ajuda de ninguém, e vou ficar com o cachorro". Eu nunca fui muito chegada a bicho, era o bicho no canto e eu no meu. Fiquei olhando para ele a noite e falei, "caraca, ele precisa ser internado. O que eu vou fazer?". Uma amiga emprestou um cartão e ficou uma fortuna, tive que pagar, não podia deixar atrasar. O que eu fiz? Fui ao laboratório, fui até a parte que dava brindes e peguei uns calendários para fazer. Comecei a anunciar em todo lugar, nas clínicas… A pessoa me dava a foto do animal, eu fazia a arte e entregava. Então assim, eu tirava o valor e dividia em três partes: o custo, uma porcentagem que eu dava para as clínicas que cuidavam de animais com câncer e o tratamento dele. Eu não consegui salvá-lo, mas dei o tratamento que ele merecia. __________[02:07:12]. Parava para ir à meditação, parava para ir ao núcleo que eu frequento uma vez por semana, e o restante… Esse negócio do calendário, saiu como uma pólvora. Da noite para o dia… Porque uma coisa que mal comecei, de boca em boca… Eu nunca fiz tanto calendário. __________[02:08:10]. Então assim, ele se foi. Foi um final muito duro, a gente ficou desolado de sábado para domingo, de domingo para segunda, e eu falei, "se você precisar ir embora, eu vou entender e vou agradecer por tudo que foi feito". Eu fui ao banheiro e quando voltei, ele já tinha ido. ________[02:08:45]. Eu vou rezar para os animais que não tiverem a mesma oportunidade que ele, porque ele se foi. Ele tinha que ir… Ele se foi com a mesma doença que o dono dele, pouco tempo depois do dono dele, enfim, é um ciclo. Chega uma hora que a gente tem que ir. É duro, mas a gente tem que ir. Ficou essa parte aí, que é esse trabalho que adoro e que é o máximo. Nesse trâmite todo, voltando lá ao ________[02:09:21]. Eu quero que através da sua imagem, a sua profissão seja reconhecida. Então, eu comecei a buscar parcerias, o Repaginando a Página tem toda a identidade visual, ele tem clientes… Como funciona? A partir do momento que você entra no Repaginando a Página, você vai passar por uma mentoria de coach voltada para _________[02:10:25], então é uma hora desse atendimento online e tudo vai ser feito dentro… Como se portar. Você vai passar por um consultor de estilo, e de acordo com o seu guarda-roupa e a sua profissão, é escolhido um número de sessão. __________[02:10:54]. Desculpa.

P/1 – Pode continuar de onde você parou. Você estava falando da...

R – Onde eu parei, gente?

P/1 – Você estava falando da reinvenção da sua empresa, do seu estúdio, das fotos profissionais...

R – Tá, e aí, ________[02:11:50]. Fiz a parceria para o meu projeto, o pessoal está super dentro, e fui lá. Então assim, entrei com o ecoturismo na Cantareira, fui fazer parte do projeto Mil Mulheres agora como madrinha, então fiz um trabalho junto com a Aldeia de Jaraguá, onde têm pessoas que estão ajudando eles a abrirem a loja virtual, e dando oficinas para que eles aprendessem a fotografar os produtos para subirem para a loja virtual. Foi feito esse trabalho na Aldeia de Jaraguá e na Brasilândia. Fiz esse trabalho junto com o Mil Mulheres. Fui chamada para… Eu sempre quis ficar atrás das câmeras e a vida está me levando para frente das câmeras. Eu grito, esperneio, bato o pé, eu não quero, falei, "gente, não nasci para ficar ______[02:13:08]". Me deu muita rentabilidade, me deu um retorno muito bom, então assim, surgiu um programa de rádio para fazer. O primeiro programa… Meu pai foi sepultado no domingo, e na segunda eu estava na rádio até porque tinha um contrato, eu tinha assinado, e ninguém esperava que iria acontecer, ninguém esperava naquele momento, mas eu fui e consegui. Apesar de tudo, quando entrei no estúdio, eu consegui fazer o programa sem passar a emoção daquilo que eu estava sentindo. Quando terminou, eu desabei e chorei muito. Mas naquele momento eu consegui a proposta do que eu tinha para fazer dentro do programa, dando dicas de fotografia, de posição, de direção… ________[02:14:17]. O restante, se desse eu fazia, se não desse, vida que segue. E aí, vieram os grandes projetos. Esse ano eu passei por uma nova fase de vida, meu filho tem que seguir a dele, porque já está com 22 anos. Queria muito, muito que continuasse, mas uma hora a gente tem que soltar, né?! Chegou a Covid

convidando a gente a se arrebentar. O senhor Covid chegou aí e eu costumo dizer que apesar da quarentena, apesar do Covid, dentro… Lógico que todo o planejamento que foi feito, que todo aquele trabalho não aconteceu. Apesar de… Eu não peguei empréstimo. Estou tendo lucro? Não, porque eu tenho um passado que me acomete, ainda tenho mais um tempo pela frente com o meu passado, que assim, foi um aprendizado ruim. A vida é a única escola que te ensina de tudo, ela não deixa nenhuma matéria, nenhuma lacuna, mas cobra muito caro. Então está aí. Eu paguei para ver… O primeiro do Repaginando… ________[02:15:59]. Voltei da quarentena, mudando de cor, porque não sou dessa cor, porque fui fazer os cursos, "vou tomar um sol", só que passaram os 40 dias e as férias acabaram. "Ih, alguma coisa está errada _______[02:16:33]". Para eu não dar um tiro de tanto que já dei nos meus pés… Já não tem mais onde atirar. E eu descobri que a pessoa tem que estar no LinkedIn. Eu posso estar no Facebook, Instagram, Whatsapp para uma vitrine de interação, mas eu tenho que estar para fechar negócio, no LinkedIn, ali que estão. Eu tinha um LinkedIn e nem sabia, porque quando fui fazer, já estava registrado. Liguei para uma ex colaboradora e falei, "a gente tem LinkedIn?", ela falou, "tem Rita, eu abri tudo", e eu, "e onde é que está?". Eu não mexi nas coisas, tem coisa que está do jeito que eles deixaram. Dois anos depois e está lá. Fui, peguei a senha e estava uma coisa bem grotesca. Eu transformei, separei o perfil da Fórmula, o perfil do Repaginando… _________[02:18:10]. Nutricionista, sommelier, consultor de… Coisas que eu sabia que existiam na área de gastronomia. Criei um calendário de acordo com o curso. Não é assim, "fui lá" como sempre fiz. Se acho que dá para fazer, eu faço, só que se acho que não dá para fazer, não faço. Mas consegui dar uma segurada. Intensifiquei os 21 dias lá para dar uma segurada no meu "jeito Rita de ser" e assim, toda essa programação… Acho que na metade de abril, entrou no ar um perfil totalmente profissional no LinkedIn, que é onde eu atuo, que é onde interajo, que é onde grande porcentagem dos orçamentos começaram. Então, estou seguindo o calendário, estou seguindo à risca quem realmente entende, quem realmente fez e deu certo. Olha, estava com 1.483 seguidores. Abril, maio, junho, julho, agosto…. Cinco meses. _______[02:19:33] no LinkedIn, no Facebook e no Instagram, que não vejo quem está e quem não está, não vejo as tags, mas estou lá. Então, estou seguindo à risca a programação, estou tendo a interação, estou interagindo com as pessoas, comecei a fazer editoria dentro da minha área. Então, são professores meus que hoje estão em Portugal, que estão em Tóquio. Eles estão fora do Brasil, professores de gastronomia e de fotos… São todos da área da gastronomia e fotografia. Não é que eu tenha aprendido tudo de administração, mas hoje já sei como é, não é mais aquele bicho que vai me comer a qualquer momento. Eu já sei que está lá, já sei a precificação, já sei quanto vale a minha hora. No momento, eu aprendi… Não é que tenha aprendido tudo, mas aprendi muita coisa. Falei, "bom, só que qual é a minha profissão? Eu não sou administradora, e não vou ser administradora. Só que eu preciso entender, porque hoje sou tudo. Amanhã, se o negócio virar, eu vou poder direcionar alguém, não por amizade ou por ser alguém especial, mas porque a pessoa tem competência para aquele cargo". Hoje eu sigo dentro da Fórmula Foto Estúdio uma visão europeia, então eu trouxe tudo aquilo que está sendo usado lá fora que aprendi. Acho que está em um momento retrô dentro da fotografia. Os europeus… E não chegou aonde tem que chegar. Não é que eu seja contra. A gente tem um grupo de fotografia que é da Associação Brasileira de FotoPublicidade, que a gente se reúne. Eu não sou contra o Photoshop, eu não sou contra o manipulador, eu não sou contra o auditor de imagem, não é nada disso. Só que para mim, ou você é fotógrafo ou você é editor. São duas profissões diferentes que se completam. Eu posso ser fotógrafa e editora, só que não posso ser um "editógrafo", isso não existe. Lá fora, têm os movimentos feministas, movimentos das mulheres, e o Photoshop foi proibido. Ou o fotógrafo sabe fotografar, ou ele vai ter que aprender, porque na Europa, não existe mais Photoshop. Se você chegar em uma agência usando Photoshop, você não vai ser usado, porque as mulheres entenderam que, tudo bem, existe a Gisele, linda, maravilhosa, que _______[02:22:31]. Aquilo não é a Gisele, mas ela está igual a Gisele, porque está "photoshopada", e não é assim. Eu particularmente não gosto de ninguém com cara de museu de cera. Então, em muitas coisas a gente está se adaptando. Esse trabalho que eu faço, dentro do Repaginando, na Europa já está há um bom tempo, e no Brasil está chegando agora, que é essa pegada de ________[02:23:08] tudo esterilizado, tudo higienizado. O fundo eu coloquei móvel. Na hora que a pessoa acabar, se quiser, leva com ela. Então, na parte de gastronomia, as pessoas estão me procurando para os dois, tanto para o Repaginando, porque precisam atualizar o perfil nas redes sociais, e eu aproveito e já coloco a foto de gastronomia junto. Então, apesar da pandemia, eu estou conseguindo trabalhar. Diante de um cenário… É o que falei, ________[02:24:14]. Tanto na parte administrativa, quanto na parte de fotografia. Agora, a aposta do… ________[02:24:28]. A gente já estava esperando tudo isso que ele fez, mas a gente estava esperando daqui a uns anos, né?! Ele chegou e falou, "é agora, a tecnologia é agora, não tem jeito". Então vai ter vídeo, porque fechei algumas parcerias, uma produtora, onde a gente vai filmar… A gente já vai até o próprio local de trabalho da pessoa e faz a filmagem para transformar em um filme e colocar no YouTube a propaganda dele, mas dentro do próprio ambiente dele. Então, foi criado um estúdio móvel, porque nessa parte de ação dos vídeos

a gente vai até o ambiente de trabalho. Estamos esperando um pouco a pandemia dar uma… Estamos esperando um pouquinho. A gente vai até lá, que é um pouquinho afastado de São Paulo para estar fazendo esse trabalho, que é em vídeo. E dentro da Fórmula Foto Estúdio, que tem foto de gastronomia, eu particularmente não gosto de fazer foto de sorvete que é feito com purê de batata e corante. Eu quero sorvete, sorvete. Assim, têm algumas coisas que… Eu sou da época do filme. Não tinha essa… Ou dava certo, ou você fazia e se ferrava. E aí, qual é a proposta dentro da Fórmula Foto Estúdio? É eu levar a mídia… Para isso, marco algumas reuniões de marketing com o dono da empresa, para entender o que realmente quer, eu já fotografar e mandar a mídia para ele. Eu não vou ver mais, não vou editar, não vou fazer nada. Eu vou fazer o que está sendo feito na Europa. Isso vai ser uma inovação, porque a partir do dia primeiro, eu vou estar vendo isso. Assim, vai sair um pouquinho mais caro? Vai, mas você vai ficar com a sua mídia. Só que para isso, vai ter que ter algumas reuniões para que tudo esteja lá e para que tudo fique perfeito, o local, a iluminação, tem seu prato, tem seu horário. Então, essa é a proposta que está sendo feita. E está aí, meu livro da vida. Agora, estou bem feliz, porque meu filho é um ser iluminado, maravilhoso, com a fotografia já estou conseguindo a força que preciso, e reaver a minha linha... A certeza que tenho quando abro meus olhos é a de que eu tenho uma página em branco no livro da vida. O que vou colocar nela, cabe a mim. E agradecer… Agradecer às raízes. Até reclamam comigo, porque nessa pandemia, _______[02:28:07]. Falei, "mas eu nunca neguei que sou Wanderley". É que fica esquisito, se eu colocar Rita de Cassia Wanderley, vai ficar um nome desse tamanho. Se eu colocar Rita de Cássia, é uma coisa comum. Se eu colocar Rita Wanderley, eu já tenho trauma da época que eu fazia inglês, que colocavam Wanderley de Cássia, e eu ficava vermelha igual um pimentão, porque todo mundo achava que era um homem, ninguém sabia quem eu era. Eu coloquei Rita Barros. Mas assim, eu sou Barros, que é da minha mãe, de português e índio… Indígenas! Fui corrigida na Aldeia de Jaraguá, que eles não são índios, são indígenas. Foi um povo assim, que me apaixonei. _________[02:29:15]. Tenho essa gratidão por essa família que conheci pelo Zoom, já que a gente não teve contato e nem foi criado junto. Eles têm uma situação financeira mais privilegiada, eles têm lojas, então vêm de lá para cá… Depois de grande, eu tive contato com eles, não tanto… São as minhas raízes nordestinas. Eu sou de lá, né?! E também paulista, eu também sou daqui, fui criada aqui, nessa terra que me acolheu. Tudo que tenho hoje, eu devo a São Paulo. Nossa, não trocaria por nenhum lugar do mundo. Acho que o que está faltando… Esse momento que estamos vivendo, é um momento crucial, é um momento _________[02:30:20]. Cada um tem suas preferências… Mas a gente não entendeu é que… Principalmente dentro da arte, principalmente dentro da imprensa. Tem muita gente que estudou comigo, colega que está ali fazendo trabalho que teve que apanhar para estarmos com a máquina na mão. O plano de cada um vai ser colhido. Apesar de tudo isso, a gente tem uma terra… Eu tenho muita fé de que vai se resolver, porque isso não é um efeito natural, não é uma causa natural. A gente tem de tudo… Não é uma terra seca, sombria… Eu tenho fauna, eu tenho flora, eu sou brasileira, e assim, conforme diz o nosso hino, a gente não foge à luta. Um filho forte, não foge à luta. Eu sempre amei ser brasileira. Para mim não existe o nosso leste e oeste, é Brasil, é guerra, é gente. Eu tenho trabalhos voluntários, e me chamaram também para uma entrevista para falar sobre esse tipo de prestação de serviço. Eu não me sinto à vontade para falar, não coloco nas mídias, porque é uma sensação minha. Eu não acho legal ficar falando. Eu faço, e acho que é o mínimo diante de tudo que passei e que a vida me deu. Poder estar ali, participar… Eu não me sinto à vontade para falar dessa parte. Tem um projeto de fotografar a _______[02:32:50]. Eu comecei a observar a mulher, eu comecei a perceber que a gente precisa ter atitude e oportunidade. Então, como falado na feira do empreendedor, não se está pedindo esmola, não está pedindo o que não é dele. A mulher que é maltratada, a mulher que é crucificada, não está pedindo esmola, porque tudo isso aqui é nosso. Ela só está querendo oportunidade, porque todo mundo é capaz. Ninguém aqui está pedindo esmola, porque eu tenho um jeito de contribuir e sei que posso, você tem outro… A gente precisa de oportunidade e respeito. Eu tenho que te respeitar… Tudo bem, eu não agrado todo mundo, _______[02:34:27]. Eu não posso ser a Rita… Tem hora que tenho que me segurar, mas a minha essência e os meus valores, eu não tenho que mudar, porque a sociedade diz que tem que ser assim, porque dizem que tem que ser assado, porque não vou ser aceita pelo grupo se eu… Não! Eu tenho valores, tenho princípios. Eu sou um ser humano, tenho sangue que corre…. Então, não. Tem uma pessoa aqui do grupo, que é do Repaginando a Página, __________[02:35:03]. Porque a cor é diferente da minha, porque ela é diferente de mim. Eu achei aquilo um absurdo. Falei com ela, e ela, "é, eu escutei ele falar que a gente tinha que morrer", e eu comecei a ver, pesquisar mais. ________[02:36:04], que a Janaína

tinha me relatado, e eu fiquei dizendo, "nossa, é verdade. Nessa época, a gente ainda tem isso", ________[02:36:20]. Eu posso contribuir para que o meu filho respeite todo mundo, porque foi criado dentro disso, porque ele não é obrigado a amar, mas é obrigado a respeitar, isso eu sempre deixo claro, "você não precisa amar todas as pessoas que estão perto de você, mas precisa respeitar. As pessoas precisam de respeito, não interessa quem seja". Assim, nessa pandemia, uma vez ao mês eu continuei fazendo trabalho voluntário mesmo à distância. O que muito me surpreendeu foi que ele fez comigo um dia e falou para mim, "nunca mais na minha vida, quero parar de fazer esse trabalho", e eu nunca chamei. Eu nunca divulguei, tem gente da família que não sabe os trabalhos que eu faço. Mas como estava na pandemia sem fazer nada comigo, e ele fez… Para mim, é tão gratificante, saber que de uma forma indireta, eu consegui passar para ele valores que não são sobre dinheiro, não são bens, não são as escolas que estudou, ou a festa de aniversário que teve, são os valores. Por mais fundo que se caia, por mais crise que a gente tenha, esse tesouro não se tira de mim. Assim, tem essa aposta junto com a Helena, que eu comecei a conversar bastante com ela, e ela falou que assim que voltar, estará aberto para fazer a exposição. Eu tenho o propósito de fotografar 500 mulheres em cadeiras de rodas, mas não simplesmente porque estão em cadeiras de rodas, são mulheres que têm histórias, que não se prenderam a pernas, que não se prenderam a braços, que têm algumas deficiências, mas que deram a volta, que saíram, que venderam água no farol, mas que estão ali contando suas histórias. Então assim, eu vou fotografar essa 500 mulheres com o depoimento delas, vou fazer essa exposição, e como tenho muito contato, tenho muita ligação com a Índia, faço tudo que é da Índia… Têm algumas produtoras lá que ficaram sabendo do que estou criando, me procuraram, e isso não vai ser só uma exposição, vai ser um livro. Então assim, tanto esse livro, quanto a exposição, tudo que acontecer e trouxer, vai ser para ajudar as pessoas. Eu passei para a parte do advogado, para ver se eu consigo colocar o nome do movimento de "Liberdade, liberdade! Abre as asas sobre nós. Eu não preciso de _______[02:39:33], eu preciso de atitude". Acho que tenho um pouquinho disso, e quero passar. E por enquanto é só. Ainda vai ter mais.

P/1 – Eu queria saber, para você, qual foi o momento mais importante da sua trajetória de empreendedora?

R – Momento mais marcante? Foi quando abri tudo, não via ninguém, fui, limpei sozinha. No outro dia, eu montei o portfólio virtual, entrei em contato com empresas, e fui bater nas portas. Então, eu vi que… Acho que falei em algum momento que não, mas eu vi que sim, que eu iria voltar. Acho que tive que fazer como a águia. Eu me recolhi, troquei meus pelos, minhas penas, minhas unhas, e agora estou retornando. Então, o momento mais marcante foi aquele momento que cheguei, em que tudo tinha acabado, estava tudo no chão, e que decidi que não, que eu não iria voltar como muita gente falou, "vai procurar um emprego", "muda de área", "faz outra coisa", não, o meu lugar é aqui. Eu fui capaz de com toda negligência, fazendo tudo errado… Mas deu certo. Lógico, deu certo por um tempo. Não precisava estar nessa situação, mas estou, não adianta ficar chorando pelo leite derramado. Dez pessoas que… Não estou falando que eram as dez… Mas eu gerei. O que mais me emociona é ver esse carinho que eles têm comigo, porque eu entendo o lado deles, tem gente que não recebeu inteiramente até hoje. Quer dizer, eu ferrei, inconscientemente, mas ferrei… Deles preocupados com a situação, de me ligar, mandar mensagem, saber se estou bem… _______[02:42:10]. Só que você tem princípios, né?! Acho que se eu não tivesse dito a verdade, se eu tivesse chutado o pau da barraca, chamado todo mundo na sala, fechado a portas, e vida que segue… Mas e a consciência, como fica? Esse momento foi um momento em que decidi que não iria trabalhar para ninguém, que eu iria me levantar, mesmo _______[02:42:47].

P/1 – E como foi participar do programa Mil Mulheres?

R – Fazer parte do programa Mil Mulheres, foi uma realidade à parte. Na hora que eles me convidaram, eu fui como uma participante… Como digo? Eu fui mais para ajudar. Eu não fui para usufruir, mas o que acontece? Eu acabei usufruindo, porque _______[02:43:43]. Aquelas mulheres em situações que eu nunca vi. Graças a Deus, eu nunca tive a violência doméstica, nunca precisei… Meu filho nunca passou maus tratos de padrasto, então, são vivências que você fala, "caramba". E não é que dá certo? E esse projeto é um projeto grandioso, porque ele ajuda as mulheres… Ele faz uma diferença na vida das pessoas, que quem _____[02:44:25], com certeza não tem a menor noção dessa superação mesmo. Que diante de tudo que estou vivendo, aquelas histórias eram tão grandiosas, que se tornou tão minúsculo… __________[02:44:50]. Porque assim, dentro do projeto Mil Mulheres existe a crença de que sim, é possível. Sozinho? Não. É o que eu tenho, o que você tem, o que a outra tem, o que nós temos como comunidade feminina. Dentro da Brasilândia, foi criado cada produto… E eu faço parte do grupo deles, até hoje faço parte, participo, então quando eles mandam, "deu certo, a gente está fazendo isso e aquilo". Às vezes eles me mandam os produtos, eu tiro foto, mando para eles, vou em algum lugar e entrego... É lógico que esses produtos não são cobrados, acho que é uma colaboração de tanta coisa boa que elas me passaram, aquela energia, aquela união, então é assim. Aquela pessoa que tem um forno, ganhou de repente de uma patroa e está lá na comunidade o forno... Só que ela só assa pão, e aquela que está lá dentro do mesmo curso, faz bolo… "Pode usar o meu forno, porque meu forno é industrial", então isso teve muito lá dentro e isso eu trouxe. Hoje em dia eu faço parceria, porque sozinho, a gente não vai. Vai, mas vai demorar muito. Assim, vai demorar e eu não vou desperdiçar tempo, porque de repente você vê e fala, "e se você fizesse assim?", "é mesmo, eu nunca pensei", e dá certo assim. É maravilhoso ver o que dá certo, ver o que pode… Tinha uma lá que fazia brigadeiros, todo mundo fazia brigadeiros… Eu passei para ela a minha vivência como vegana, como é difícil. Agora está mais… Agora, imagina há anos atrás o que não sofria a pobre coitada, eu era só uma esquisita que não comia carne. E aí, ela me falou, "você não acredita que eu montei uma página só para brigadeiros gourmets veganos. Você não tem noção do que estou tendo, até meu namorado está me ajudando", então assim, essa caracterização, essa ajuda mútua que é o foco dentro do Mil Mulheres, faz a diferença. Sem contar que faz toda uma metodologia de conhecimento, porque não é você ter o seu produto, você ter o seu serviço. Se você não tiver a metodologia do aprendizado e de administração… E não é aquela lá que a gente vê na faculdade, é dentro da realidade das mulheres que estão usando aquilo, das pessoas… Nem é só mulher, tem homem também. A gente fala de mulheres, mas é toda a comunidade se envolvendo, então faz diferença, faz muita diferença. E esse projeto… Volto a dizer, a minha vivência dentro de Jaraguá e dentro da Brasilândia. Eu tive essas experiências no dia da feira de empreendedorismo, tive contato com o pessoal daquela outra lá no Morumbi que esqueci o nome… Paraisópolis. Então assim, dentro da realidade, o projeto conseguiu fazer com que as pessoas entendessem a metodologia e colocassem em prática. Não é só o simples fato de eu ter esse conhecimento e engavetado. Eu estou recebendo a oportunidade de ir lá, criar e colocar em prática. Esse projeto não é simplesmente algo que está sendo apresentado, ele é aquilo que todos estão procurando. Não é o dar, não é eu ir lá e colocar certa quantia na sua conta, é eu te dar oportunidade, eu te capacitar para que você caminhe com as suas próprias pernas. Esse projeto é extremamente importante, e esse projeto não pode parar, porque ainda tem muita gente que tem que ser capacitada. Ele não te dá, ele te capacita. _________[02:49:51]. Eu não tenho que estar na sombra de ninguém. Eu tenho que fazer minha função bem feita? Sim, tenho que fazer, mas não preciso estar à sombra de ninguém. Eu sou um ser único. Então, esse projeto capacita, é extremamente importante, ele tem que ter continuidade. A visão dele é a melhor.

P/1 – Eu gostaria de saber se tem alguma coisa a mais que você queira registrar na sua história de vida que eu não perguntei.

R – Mais do que o tanto que eu falei? Chega, né? Basta, né?

P/1 – O que você achou desse projeto de registrar a história de vida de mulheres empreendedoras?

R – Eu achei simplesmente o máximo a iniciativa que vocês estão tendo, porque têm histórias assim, surreais, de acontecimentos que você jamais imagina, então isso só vem a agregar e valorizar, porque cada um tem sua realidade e cada um ter sua oportunidade de vir e contar… É uma valorização de você ver que sua história é algo importante para alguém. Maravilhosa a iniciativa. Vocês estão de parabéns.

P/1 – Obrigada. E o que você achou de contar a sua história?

R – Apesar dos contratempos que tivemos, que não foram poucos, e foram desafiadores, eu achei super interessante. Acho que esse é o caminho, vamos ter que nos adaptar mesmo, não tem como, é uma fase de adaptação, mas é uma realidade que vai virar o normal. Achei super interessante. Peço até desculpas, porque algumas vezes me emocionei bastante, mas ainda está muito recente. Têm coisas que eu nem lembrava mais da infância e vocês acabaram relembrando… Foi bom. Foi uma coisa diferente, eu gostei.

P/1 – Eu queria te agradecer em nome do Museu da Pessoa. Apesar dos problemas técnicos que a gente teve, a entrevista foi muito boa. Não sei se você está me ouvindo agora, mas espero que sim.

R – Eu que te agradeço. Apesar de tudo, foi bem produtivo, uma experiência que gostei.

P/1 – Então, a primeira pergunta é sobre como era a sua relação com o seu pai. Você pode desenvolver um pouquinho para nós?

R – Bom, a minha relação com ele era um pouquinho conturbada, por conta dos dois terem um gênio muito forte, praticamente iguais. Era aquela história, ele tinha uma visão de mulher como a minha mãe, e como em partes, a minha irmã: que a mulher tinha que casar, ter filhos, que eu tinha que fazer magistério, trabalhar meio período, e meio período cuidar de casa e marido. E aí, a pessoa não aceitava isso, e isso criou muitos atritos. De tão iguais que éramos, acabávamos nos chocando. Nos últimos dias de vida dele, devido ao câncer que ele teve… Não sei se ficou registrado. Eu acompanhei tudo, foram os seis meses mais intensos da minha vida. Agora que estou retomando, porque não dá para ir com ele. Assim, eu estou retomando a minha vida agora, minha loucura de sempre. Para muitos é loucura, mas para mim é uma coisa super normal. Quando a psicóloga chamou para conversar, chamou primeiro ele, porque já estava o acompanhando, e depois me chamou, como eu era a que mais participava, que mais estava presente, que fiquei morando com ele, que fiquei os últimos dias com ele mesmo. Ela me passou que se eu fosse um filho homem, era o filho homem que ele queria, era o maior orgulho, mas como eu era uma filha mulher, eu era a maior frustração que ele podia ter na vida dele. Assim, um filho homem ter atitude para fazer, para mandar calar a boca, para não se curvar, era isso que ele queria. De uma filha mulher, isso era um absurdo. Era absurdo ele ter uma filha mulher que fazia tudo que eu fazia. Para ele, era o fim do mundo. Nós sempre tivemos esse impasse, desde que me entendo por gente, porque assim, eles vieram de uma família que tinha que dar a bênção para os tios, padrinhos, para os pais, beijar a mão… E aquilo para mim conforme fui crescendo, eu falava, "mas você não é padre, porque tenho que beijar?". Tem um tio meu que fiquei uns 12 ou 15 anos sem falar com ele, porque ele queria me bater e eu falei que se ele me bastasse… Minha mãe disse, "não bate, porque a gente nunca teve esse costume de bater", e ele falou, "não, mas ela é desrespeitosa". Ele veio do Nordeste e achava que aquilo era um absurdo. Os tios batiam nos sobrinhos. Eu falei para amanhã mãe, "se ele me bater, eu vou dar uma cadeirada nele", e ficou aquilo. Quando meu pai chegou ___________[00:03:01]. Ele me colocou de castigo, lógico, me chamou atenção, e eu parei de falar com meu tio. Então, eu não só dei não dei a bênção, como parei de falar. É uma coisa pela qual estou fazendo terapia, porque não foi legal para mim, então não quero que isso seja passado para o meu filho, é um temperamento bem… Como ele qualificava, como ele falou nas suas últimas palavras, "um cavalo indomável, que ninguém consegue colocar arreio". Ele achava que eu era um cavalo indomável, mas esse temperamento era dele, e eu trouxe, carreguei isso. Meu filho já não tem e estou fazendo terapia para que ele não tenha mesmo, porque não é uma coisa legal. Não é só meu eu, não é só minha opinião, é a dos outros também. Então, ficou esse impasse, ficaram as boas lembranças, porque ele foi o melhor avô que meu filho poderia ter e um pai legal também. Se não fossem os atritos tão fortes, dessa personalidade tão igual, porque os iguais se repelem mesmo, não tem jeito, é uma lei física. Foram mais lembranças com ele do que com a minha mãe, porque minha mãe faleceu aos 54 anos, eu tinha 28 anos e já não morava mais em casa. Eu convivi com a minha mãe e com meu pai até os 26 anos, então com ela, tive 26 anos de vida, e com ele, 52 anos… 50 anos, porque dois anos eu fiquei fora, foi o tempo em que tive o meu filho. Mais uma coisa, mais uma bagagenzinha que ele levou lá, porque o relacionamento já não ia bem, já não ia dar certo, então, entre o relacionamento… Quando há uma criança dentro de uma casa, com uma estrutura de pai, mãe e filho e não é um lar, isso não é uma concepção de família para mim. A concepção de família para mim são pessoas que habitam o mesmo local, e mesmo com ideias diferentes, mesmo com objetivos diferentes, conseguem se integrar e ter amor acima de tudo. Então, não é a residência, não é uma casa, é o lar. Isso foi um propósito que trouxe e falei para ele, "se não puder ficar aqui, vou ficar em outro lugar". Como meu filho era muito pequeno e ele sempre foi apaixonadíssimo pelo menino… Eu, ele até iria deixar ir para outro lugar, mas o menino, ele

não iria deixar (risos). Acabamos ficando nós

dois, foi quando me identifiquei… Esses dias, eu estava até passando para o meu filho, que estava passando por essa fase do relacionamento de saber se vai atrapalhar a faculdade ou não… Eu falei, "olha, não é a quantidade, é a qualidade, então você tem que ver o quanto isso te faz feliz. Eu me encontrei, e realmente hoje posso dizer que sou feliz. Tudo que procurei na minha vida, estava na minha religiosidade, na ioga, na meditação". O pessoal fala, "mas você ficou sozinha". Eu não sou sozinha, o fato de não ter outro relacionamento, não quer dizer que eu seja sozinha, é uma opção de vida. Eu sempre fui muito clara sobre minhas opções de vida e uma delas é a minha profissão. Acho que esse é o meu maior exemplo, porque já nasci predestinada a ser fotógrafa. Se eu não fosse fotógrafa, eu iria ser uma pessoa completamente frustrada. Para você ter uma ideia, eu estou direto, desde quarta-feira, dormindo uma ou duas horas da manhã e acordando seis horas. E nesse pique, parei agora um pouquinho, porque já tinha me comprometido com você. "Você sente dor? Você sente cansaço?". Você vê que sinto, porque a aparência não tem jeito, você fica com a olheira que parece a máscara da tiazinha, mas eu gosto, eu me sinto bem, me sinto realizada, então isso não me pesa, isso não é um fardo. Muito pelo contrário, isso me dá alegria. "Quando você teve férias?", acho que eu estou de férias desde que comecei a fotografar, porque não tenho isso como um trabalho. Para mim, é uma realização. E a outra realização pessoal é a de ser mãe. Quando decidi que iria ser mãe… Eu já fui mãe com 30 anos, então eu já fui mãe um pouco tarde. __________[00:07:40]. Tanto que nos primeiros dias, ele foi na perua, e meu sobrinho que é meu vizinho falou, "por que você deixa seu filho ir assim com estranho?". E com aquilo, eu fui trabalhar assim, acabada. Eu chorei, chorei, chorei, chorei e voltei para a escola, falei, "gente, não dá", porque eu aguentei o máximo ficar afastada, mas tinha que voltar, eu necessitava voltar, era a minha profissão. Eu rica e sem a fotografia acho que não daria para conciliar, mas eu também era mãe. Aconteciam os eventos à noite, nos finais de semana, e eu fui para universidade. Minha primeira formação acadêmica foi publicitária,

por conta de conciliar e ficar mais perto dele. Quando cheguei na escola nesse dia, ele estava brincando como se fosse o maior paraíso, como se eu nem existisse. Eu falei, "ah, é assim? Então tá, todo dia você vai para a escola", porque ele precisava… Ele ficou na escola. Desde que começou na escola, aprendeu a ler, a andar, a comer na mesma escola, até sair de lá e ir para a faculdade, então foi a mesma escola que o acompanhou. No começo, ele ficava 12 horas, depois eu consegui uma pessoa que era super amiga da minha mãe para ele não ficar tanto tempo, e ter identidade de casa. Então, ele começou a ficar meio período, seis horas. Aos 10 anos, ele foi federado, porque ele é atleta de alto rendimento de natação. Ele foi federado pelo Sesi São Paulo, e tinha que atravessar da escola até o Sesi, e lógico, eu não queria que ele fosse sozinho. Ele almoçava na escola, a perua buscava ele e ia até o Sesi. Depois, entrou uma alimentação diferenciada, e aí, meu pai pegava, levava a comida dele carimbada e tudo pelo nutricionista, meu pai levava até o Sesi, porque era sócio, ficava lá sentado, porque todo mundo o conhecia… E para ele, foi um terapia, porque foi logo quando ele se aposentou.

P/1 – Rita, deu uma travada aqui na parte do seu pai indo levar a comida para ele, travou. Você pode repetir essa parte?

R – Ele levava no Sesi e ficava lá. Então, eu já dava o dinheiro do lanche dos dois, ele ficava na lanchonete do Sesi até ele terminar o treino, jogar pebolim, tênis de mesa e sei lá o que inventava, e eles chegavam em casa sete e meia ou oito horas da noite. Eu ficava com dó, mas para ele acabou sendo uma terapia, porque ele tinha acabado de se aposentar e ficou meio perdido.

Então, ele tinha um compromisso, não podia fazer nada, porque tinha um horário. O Ian ia de perua, saía do colégio, já ia para o Sesi,e ia embora. Ele tinha um compromisso e não podia se atrasar, aquilo para ele, virou uma rotina. Você não o pegava de meio dia e meia até sete horas da noite, porque ele estava lá no Sesi. Fui voltando, voltando, voltando, o Estúdio foi cada vez mais… Graças a Deus ele foi dando certo, e os dois ficaram muito parceiros, muito juntos. Essa cumplicidade dos dois para mim foi muito importante, porque não fiquei dividida entre a profissão e o filho. Ele teve o maior amparo, o maior companheiro que ele podia ter no mundo, estava ali. Ele já estava federado, já tinha o esporte como base, e eu voltei de cabeça para a minha profissão, que é aquilo que… Lógico que aos domingos eu não trabalhava. Os domingos eram do Ian e ele decidia o que a gente iria fazer, mas por mais cansada que eu estivesse, por mais carregada que estivesse, por mais decisões que tivesse que tomar na segunda-feira, o domingo era dele. Agora, o domingo é meu, então eu trabalho, sábados, domingos e feriados, e tudo bem, está tudo ótimo, estou adorando, mas enquanto teve esse tempo aí até os 18 ou 19 anos, nós tivemos essa rotina. De manhã, a gente sempre teve o comprometimento… Eu sempre fiz questão dele ter essa educação cultural, que é uma coisa que gosto, da educação religiosa. Para mim, tem que ter base, então enquanto ele estivesse comigo, teria que ter essa religiosidade. Agora, ele escolhe o que vai fazer, como eu escolhi e foi totalmente o oposto da minha família, é claro. Esses princípios morais, esses princípios básicos, eu acho que o ser humano tem que ter, porque acima de tudo… Eu não estou criando o meu filho para mim, porque queria que ele ficasse para sempre. Mas ele é um cidadão, então tem que aprender a respeitar as pessoas como seres humanos, tem que saber que tem alguém ou que além… Independente da sua crença, independente do seu credo, existe algo que você tem que se importar sim, porque o universo te cobra, a vida te cobra, e não te deixa sem resposta. Não sou eu mãe que vou cobrar, não sou eu amiga que vou cobrar, é a vida. Ela é a melhor escola do mundo, mas tem um preço muito, muito caro, então você tem que se preparar para pagar, porque nada passa por ela despercebido. Na profissão, ele tem que ser bem resolvido, tanto que desde criança, ele já tinha… Embora ele seja atleta de rendimento, desde criança ele quis ser engenheiro civil, e eu estou acolhendo tudo que pode ser possível. Dentro da realidade, meu pai não queria que eu fosse fotógrafa, mas minha mãe queria que eu fosse feliz, então dentro da realidade dela, ela me deu muito apoio. Até certo ponto, no começo, no meu primeiro emprego que foi no Bradesco, que quase derrubou o bairro inteirinho… Que eu não ia, eu não ia… Eu tinha que ter o CPF dele. Eu saí de casa falando para eles que eu iria fazer um trabalho de escola. Eu saí muito cedo, e não tinha celular, não tinha como me comunicar, não tinha telefone, não tinha nada. Eu escutei uma conversa no dia anterior, porque a menina estava falando no orelhão e eu estava esperando. Ela começou a falar que o Bradesco estava recrutando na Cidade de Deus. Eu tinha acabado de fazer 18 anos, e falei, "ah, vou trabalhar no Bradesco". Como? Ninguém me convidou, mas eu disse que iria trabalhar no Bradesco. No outro dia, eu saí, mas não sabia ir para a Cidade de Deus, porque nunca tinha saído do bairro. Peguei um troquinho e falei com a minha mãe que tinha que pegar condução, porque era em outro bairro que eu iria estudar. Mentira! Uma mentira boa. Eu fui, só tinha a carteira profissional e o RG. Fui até a estação de trem do meu bairro e perguntei como fazia para chegar em Osasco, na Cidade de Deus, e o cara me deu os caminhos do trem. Como era integração, eu peguei o trem e fui embora. Fui indo, fui indo, cheguei na estação de Osasco e, "não, você vai ter que pegar o ônibus". Fui até lá… Fiquei o dia inteiro. Eu tinha acabado de fazer um curso contra a

vontade do meu pai, mas a minha mãe contornou do jeito dela e falou, "isso ela tem que aprender, porque é bom para a escola", e eu fui. Só que era em outro bairro e ela tinha que ficar esperando terminar para poder voltar e deixava os outros três em casa, porque caso contrário, ele não iria deixar. Está bom, perfeito. Cheguei lá, tinham 120 pessoas e tinham 10 vagas… Acho que eram 10. É, devia ser isso. Começou a sair pessoas, e eu fui ficando, saindo pessoas e eu fui ficando, só que assim, eu não tinha dinheiro para comer, era horário de almoço e eu não tinha. Comecei a

beber água, peguei os cafezinhos que passavam e tomei, e fui ficando, fui ficando, a sala foi esvaziando, esvaziando, esvaziando e eu fiquei entre as cinco, então já saí de lá empregada, só que isso já era quase seis horas. Eu cheguei em casa e já eram quase oito horas da noite. Era umas duas horas de lá até a minha casa de trem. Eu nunca tinha pegado… Enjoei no ônibus, porque não estava acostumada a pegar condução, foi um "auê", mas eu cheguei muito feliz. Eu cheguei de lá com tudo pronto para começar no outro dia, só que era na Santa Cecília, das seis à meia noite. Quando eu cheguei, o bairro já estava de ponta cabeça, ele já estava infartando literalmente, e com uma cinta, porque ele falou que iria me arrebentar. Eu falei, mostrei a carteira e ele falou… Aí ele ficou mais irado. Quando eu achei que ele iria ficar contente, porque eu consegui um emprego no Bradesco, um emprego em um banco… Imagine só, 30 e poucos anos… Não, 30. Há umas três décadas atrás, imagina, minha mãe ficou radiante, meus primos ficaram "como assim você conseguiu? Quem te indicou?", e eu, "ninguém, eu que fui lá". E ele querendo me matar. Eu saí correndo, eu de um lado e minha mãe do outro, e foi aquele "auê", mas eu precisava do CPF dele e ele falou que não iria, muito menos para chegar de madrugada, "pode tirar o cavalinho da chuva". Eu chorei muito, minha mãe chorou, mas ele estava irredutível. No outro dia, eu fui lá e falei com a menina do RH que eu não podia ficar, que era para ela tirar o carimbo, porque meu pai não autorizou. Ela falou assim… Contei mais ou menos a história e tudo e ela falou, "olha, eu tenho uma agência perto da sua casa. Não é no mesmo bairro, mas é em um bairro próximo. Se a gente tiver como, você fica nessa agência?", porque eu iria entrar como digitadora, e ainda tinha o adicional noturno, o salário era muito bom, mas nem isso convenceu ele. Ela falou, "a gente te deixa lá um tempo até surgir uma vaga diurna", e eu falei, "então está bom, eu fico nessa agência", e fiz a minha admissão. Mas eu já estava com o CPF dele e ele não sabia, porque alguma voz me dizia que eu ia ter que ir, então ele não sabia. Na realidade, eu tinha a intenção de que? De que ela me mudasse de horário, eu já fazia a admissão, e durante o dia, ele nem precisava saber onde eu estava, minha mãe iria segurar as pontas. Só que a noite não tinha como, ele iria chegar em casa e eu não estaria. Já fui direto para essa agência, fiz minha admissão e tudo, e voltei para casa. Falei para ele o que tinha acontecido, e o escândalo estava pronto, porque eu desobedeci de novo, porque ele falou que eu não iria trabalhar. Qual foi a parte que eu não entendi? Ele tinha que desenhar para mim que eu não iria trabalhar? Eu ia estudar, fazer magistério, arrumar um emprego de professora e iria namorar e casar com alguém que ele escolhesse, lógico. Eu falei para ele que não tinha mais jeito, não tinha mais jeito, que eu teria que ir. Foi aquele "auê" todo, e eu fui, fiquei por 10 anos lá custeando os meus estudos, porque ele jamais… Primeiro, que minha mãe não trabalhava, ele não admitia, ela tinha que cuidar da casa, então ele dava conta de quatro filhos e a esposa. Ele não tinha verba para custear. E eu queria fazer Publicidade e aquilo também foi um choque, porque o tão sonhado magistério que ele queria, foi para Publicidade. Profissão de homem, de mulher sem vergonha que quer viver no meio de eventos… Ele acabou comigo, mas eu fiz. Eu fiz seis meses de Jornalismo, não gostei e fiz Publicidade. Quando estava terminando, a Fotografia foi regulamentada, então eu fui fazer Fotografia, fiz mais dois anos e meio de especialização em moda. Nisso tudo, teve o transtorno dele… "Aquilo não era profissão, eu não queria saber de nada com"… Mas assim, era o jeito dele. Nessa época, eu conseguia isolar em partes, porque ele descontava tudo na minha mãe. Aí eu tinha que tomar a frente, porque o circo estava armado, mas sobrava para ela, porque eu não obedecia. Como eu era mais velha, o Bradesco foi um divisor de águas financeiramente, porque a gente vivia só com o salário dele e seis pessoas é muita coisa. Eu comecei a mudar o modo de vida, a comprar as coisas que minha mãe queria, os móveis diferentes… A gente só comprava roupa duas vezes ao ano, porque os nordestinos têm muito enraizado neles essas festividades, então a gente só podia comprar roupa em junho, que era de festa junina, e ela que cuidava da festa da rua, ela que fazia todo o movimento. Todo mundo enfeitava, fizeram um campinho exclusivo para essa festa, com fogueira gigante, e começou a vir gente de todos os lugares. Então, a gente comprava roupa em junho e em dezembro. Não

por não querer, mas por

não poder mesmo, a situação era assim… Eu sempre falei que ele passou fome em outra encarnação, viveu na guerra ou alguma coisa, porque ele estocava as coisas. Ele tinha um pavor de passar fome, que era uma coisa assim, não tem nem como explicar. Ele estocava mesmo gás, óleo… Era uma coisa absurda. Parecia que ele iria para guerra, que o mundo iria acabar e que ele tinha que estocar. Ele sempre teve pavor de passar fome. Entre você sentir frio e andar descalço, e passar fome, você vai sentir frio e andar descalço, porque fome não vai passar. Fome a gente nunca passou, nossa mãe sempre cuidou bastante da nossa alimentação. Eu sempre fui vegetariana. Na época, não existia esse termo, eu era uma esquisita que não comia carne. Então, dentro da realidade, ela foi criando… Porque a preocupação de pegar uma anemia, de pegar uma doença, de pegar alguma coisa era muito grande. Eles saíam aos finais de semana para visitar os parentes deles e os amigos que vieram juntos do Nordeste, e ela já levava uma sacola de frutas, porque além de eu não comer, as pessoas falavam, "ah, cozinhei a batata", mas cozinhavam a batata com a carne. Então, eu cheirava as coisas na casa dos outros, o que era uma coisa muito desagradável. Então, para ela não passar por isso, o que ela fazia? Levava minha sacolinha de frutas, "não, ela não quer, já tem aqui o dela". Eu era sempre a esquisita que não comia carne, até que hoje todo mundo fala, "nossa, legal, você sempre foi vegetariana". ___________[00:24:22], eu nunca aceitei. Ela contava que quando começou a dar comida de sal, não tinha um porquê de eu não aceitar. Eu não aceitava e tudo bem. Assim, foi nessa transição quando me formei e pedi para o Bradesco me mandar embora… Foi outro choque, porque ele já tinha acostumado comigo no Bradesco, já tinha acostumado com o padrão de vida, depois de todo aquele "auê". Mais uma vez eu escutei alguém falando que a Fotótica estava contratando fotógrafo, isso foi na condução, não foi no orelhão. Eu cheguei e falei, "vou trabalhar lá". Descobri onde era… Aí já tinha as páginas amarelas, já tinha telefone, era outra realidade. Eu descobri onde era, fui até lá e levei meu portfólio. Na época eu fui bem atrevida, porque quem estava saindo da Fotótica era o _______[00:25:18], Eu eu achei que… Falei, "não, tudo bem". Tenho uma super amiga, que a gente virou super amiga lá, amiga mesmo. Eu fiquei lá por mais uns três anos, cheguei no Bradesco e pedi para ser mandada embora, porque não podia pedir uma demissão de 10 anos e um pouquinho, eu não podia pedir demissão.

Eles falaram, "e daí?", e eu falei, "e daí que vocês têm que me mandar embora", "como assim, você que manda?", "não, mas preciso ser mandada embora, já arrumei tudo para ir", "então pede demissão". Eu estava trabalhando e precisei me desligar para poder me ligar aqui. Eu comecei a ir para a loja deles no Center Norte, onde tinha o estúdio, só que na parte da noite. Eu já saía do Bradesco e ia direto para lá. Ao invés deles me mandarem embora, eles me mandaram para uma agência duas ruas depois. Eu nunca exerci o cargo de digitadora, porque entrei na agência e na agência fiquei. Fui para outra agência, não me mandaram embora, falaram que não iriam mandar, que não tinham motivo e não tinham como me desligar. Nessa outra agência, aproveitei que eu não tinha amizade, não tinha vínculo, cheguei para o gerente e falei para ele me mandar embora. Ele falou, "mas por que vou te mandar embora?", e eu falei, "porque se não, vou vir vestida como punk". Ele ficou me olhando… Eu estava no tapete verde, que é a gerência de poupança. Falei para ele, "estou falando a verdade, porque preciso ser mandada embora", ele começou a dar risada e me levou para almoçar. Ele falou assim, "de verdade, por que você quer ser mandada embora?", "meu sonho é ser fotógrafa, sempre foi, e só fiquei no Bradesco todo esse tempo porque eu precisava custear meus estudos e precisava tirar a minha família de uma situação economicamente muito complicada, mas agora surgiu a oportunidade e não posso ser mandada embora, porque preciso desse dinheiro". Eu já tinha comprado minha câmera, imagina como eu estava com essa câmera. Com cartão de crédito assim, o que era uma câmera de R$5.000,00 virou R$15.000,00 mas eu tinha que ter. Eu falei para ele, "preciso de mais equipamentos, porque tenho a câmera e a lente do kit, mas não tenho flash, não tenho nada". Ele super entendeu, subiu no segundo andar onde era o RH, e falou, "pode fazer a dispensa dela". E ainda fui na outra agência, voltei lá para afrontar, porque é lógico que a pessoa não pode ficar quieta, né?! Fui lá falar com o gerente geral. Bati em cima da mesa e joguei minha carta. Ele falou, "o que é isso?", e eu falei, "minha carta de alforria", "ah, você não tem jeito mesmo". Eu ia embora, porque assim, o que eu queria… Lógico que foi muito importante e eu sou muito grata à vida. Muita coisa aconteceu na minha vida pela passagem no Bradesco que me deu estabilidade, que me deu recursos para construir o meu sonho, mas a minha vida não era ali, a minha vida se resume à fotografia. Eu tenho amizade até hoje, não deixo porta nenhuma fechada. Eu não costumo ter amizades passageiras. Meus amigos… Todo mundo é meu amigo, mas assim, amigo, amigo, amigo, tenho aqueles amigos de infância, amigos de Bradesco, amigos de Fotótica… Não é todo mundo que passa na vida, mas em todo lugar que passo, tenho amigos de verdade. Tanto que nessa crise em que estamos aqui na Fórmula, se eu não estivesse fazendo aquilo que realmente amo, aquilo que dá sentido para a minha vida, eu teria fechado as portas, porque tanto o contador quanto o advogado da empresa falaram, "Rita, é insano o que você está fazendo", e eu falei, "mas eu vou conseguir. Se eu consegui uma vez, vou conseguir de novo. Eu não vou fechar as portas". Eu tinha 10 funcionários CLT, nenhuma noção de administração, então não tive capital de giro, não tive caixa dois, não tive nada. Enquanto estava ganhando, tudo muito foi muito bem, obrigada. Estava todo mundo recebendo e todo mundo feliz. Só que na hora que chegou a crise e que o negócio apertou, não tinha como manter e não tinha como mandar embora, porque eram pessoas de dez… Eu cheguei a abrir, porque sou uma pessoa extremamente transparente. Às vezes isso é legal? É, mas às vezes isso pesa. Eu cheguei e falei, "está acontecendo isso, isso e isso, não tenho dinheiro para isso, isso e isso, quem quiser ir para a justiça, a amizade continua a mesma e a consideração continua a mesma, porque é um direito de vocês. Vocês não podem pagar pelo meu erro. Tinha necessidade de eu estar passando por isso? Não, mas como não houve a administração, como eu queria fotografar e esqueci do outro lado… Porque eu tenho CNPJ, então não posso mais só fotografar. Embora por mim, eu ficaria sem aparecer por aqui um mês ou um mês e meio, porque meu negócio é fotografar". Eu tinha uma empresa com um monte de responsabilidades, com um monte de pessoas que dependiam de mim, e não me atentei a isso. Isso tudo aconteceu um pouco antes da pandemia, a pandemia só veio agravar mais ainda, colocar ainda mais no buraco e cavar para ver se ele tem fundo. Eu acabo escalando igual uma lagartixa, não adianta. Eu cheguei para eles. Dos dez, uma tinha um ano só, mas ela já tinha intenção… Eu fiquei sabendo de que ela iria trabalhar, que ela e o marido dela tinham outros planos e que ela iria me colocar na justiça de qualquer forma. Ela foi, não deu em nada, e a rescisão dela que propus pagar em duas vezes, acabou sendo parcelada em 12 vezes por decisão da juíza, não minha. Mas como a juíza acatou, quem sou eu para falar alguma coisa? Então assim, antes de entrar na sala eu falei, "Deus, que seja feita a sua vontade. Eu estou aqui para pagar até o último centavo do que devo, mas é para pagar o que eu devo, e não o que a pessoa se acha no direito de extorquir", porque você trabalhar um ano e pedir R$30.000,00 de indenização é muito forte. Chegou lá, houveram umas contradições dela e do advogado dela. O meu advogado até propôs R$15.000,00 para ela em seis vezes, e ela falou que não, que queria R$30.000,00. Quando entrou na sala, foi decidido pela juíza e não por mim, que seria o valor da rescisão em 12 vezes. Por tudo que eu tinha, as provas que eu tinha colocado, e pelo que ela tinha pedido, diante de toda… Já paguei, graças a Deus, e hoje tenho dos dez… A primeira seria ela, mas eu fui para o Ministério do Trabalho. O gerente ou sei lá, da delegacia do trabalho falou que em 30 anos, nunca viu o empregador ir atrás, porque era sempre o empregado. Eu falei, "não, eu tenho ciência, só não tenho como pagar". Então foi feita uma rescisão lá… "Se eles estiverem de acordo, a gente faz uma rescisão para liberar eles e liberar a carteira deles para seguirem a vida", e eu tenho esse comprometimento. Não tenho funcionários fixos, porque eles ainda prestam freelance para mim, mas tenho folha de pagamento, então tenho que honrar essa folha de pagamento, e graças a Deus falta pouco. Apesar da pandemia, porque a gente teve que dar uma segurada devido à pandemia, mas está indo e assim, eu choro, sofro, grito, nego, mas me reinvento. Com essa pandemia toda, o que fazer presa? O que sei fazer? O que gosto? Até tentei fazer outras coisas, mas não dá, eu não consigo. Tento de coração mesmo, mas não tem como, eu sempre acabo pendendo para o lado da fotografia, seja ele qual for. Como me reinventar? Nos dois primeiros meses, eu fiz alguns vários cursos de capacitação, porque tinha que ficar dentro de casa mesmo, e não tinha o que ser feito. Depois, dentro do LinkedIn eu fiz um curso muito grande, porque sei onde está meu público, sei quem é meu público, então fiz… Eu me reinventei. Aquela Rita administradora, aquela Rita CEO não existia, então assim, eu não me redescobri. Eu não posso redescobrir algo que nunca foi descoberto. Então, eu me conheci nesse lado e vi que também sou capaz em uma coisa… Sou infeliz? Não, mas é preciso para que não cometa o mesmo erro no futuro, porque eu vou continuar. Eu não tenho previsão. Até que a vida me pare, eu vou continuar. Independente da idade ou do tempo, até que a vida me pare, eu vou continuar fotografando. Agora que eu entendi, que __________ [00:34:52], para que não aconteça o que aconteceu, para que eu não complique a vida de outras pessoas. ________[00:35:03] e existe a Rita fotógrafa, uma precisa da outra, porque se eu não tiver a fotografia, não tenho trabalho, e se não tiver administração, não adianta ter fotografia que a casa vai cair. Então essas duas se uniram. Hoje, eu estou trabalhando muito, muito, muito dentro da fotografia, só que assim, os clientes estão voltando bem devagar. Um dos fatos de que não admitia fechar as portas foi que a Fórmula não chegou ao estado que chegou por falta de cliente, por falta de trabalho, por falta de valores, por falta de dinheiro, não, ela chegou por falta de administração. Um absurdo isso. Eu tinha um negócio super bom, que dava super certo, e falei, "não, quero que isso aqui dê errado", abri uma cova e joguei dentro. Então isso é um absurdo. Se eu fiz isso, eu vou ter que desfazer isso. Eu não aceitei fechar as portas, eu não aceitei simplesmente… "Ah, mas você pode ir lá decretar falência", foi isso que os dois órgãos que estavam comigo que são os responsáveis… Eu super entendo, porque é a missão deles. "Declara falência e abre outro", "não, eu não vou declarar falência e abrir outro. Por que eu tenho que simplesmente fechar as portas e esquecer o passado se fui eu que causei isso? Não. Se eu derrubei, eu que levante". Estou indo. É fácil? Não, tem dia que me falta forças, eu vou, volto de novo, começo. Agora estou prestando serviço para essas plataformas de… Eu assino contrato de contabilidade, então não posso falar o nome. Essas plataformas de alimentos, essas plataformas de aluguéis, e o movimento está intenso. Então assim, eu sempre acho uma saída, mas todos os caminhos levam à fotografia. Meu filho está amando… Porque assim eu fico com tempo livre, fico seguindo ele como se fosse um GPS. Como esse mês está intenso, ele está dando graças a

Deus, porque tem mais trabalho, eu fico ocupada, não encho o saco de ninguém e fico extremamente feliz. Essa é minha trajetória. Não sei se respondi dentro de todo esse contexto às suas perguntas.

P/1 – Sim, você passou por todos os pontos. Eu fui olhando as perguntas e você conseguiu lembrar de todas essas histórias que você já tinha contado. Eu amo a sua história, amo sua força de vontade, é muito bom te ouvir sempre, sempre.

R – Eu que te agradeço muito, muito, muito pela oportunidade de estar aqui falando, ora se emocionando, ora tocando o barco, mas de pé.

P/1 – Foi muito bom te ouvir.