Museu da Pessoa

O resgate das raízes japonesas

autoria: Museu da Pessoa personagem: Luzia Akiko Takauthi

P/1- Primeiro quero que você se apresente, diga seu nome completo, data e local de nascimento.

R- Data de nascimento e o local? Tá.

P/1- E o seu nome completo.

R- Tá. Meu nome é Luzia Akiko Takauthi. Eu nasci em cinco de janeiro de 1968, na cidade de São Paulo.

P/1- Qual é o nome os seus pais?

R- Meu pai se chama Takatoshi Takauthi e a minha mãe Toyoko Takauthi.

P/1- E onde eles nasceram?

R- Meu pai nasceu em Bilac, São Paulo e a minha mãe no Lins, São Paulo também.

P/1- Você sabe onde eles se conheceram?

R- Meus pais são primos de primeiro grau, então… sempre passaram a infância juntos e acabaram casando.

P/1- E você tem irmão?

R- Tenho um irmão mais novo que eu, seis anos e meio, mais ou menos.

P/1- E como é a relação de vocês? Com seus pais, com seu irmão?

R- É uma relação boa. Meus pais ficaram dezoito anos só com meu irmão, porque vivi fora, mas desde 2015 eu retornei ao Brasil porque meus pais ficaram com uma idade avançada e eu reparei que eu preciso estar presente, então tive que voltar a viver no Brasil novamente.

P/1- Você lembra da casa onde você passou sua infância?

R- Sim, meus pais moram na mesma casa ainda.

P/1- E como que ela é? Você consegue contar um pouquinho?

R- É uma casa térrea, pequena, com quintal. Sempre tivemos cachorros em casa. Agora meus pais já não tem condições de criar cachorros, então só eu que tenho na minha casa. E é um bairro tranquilo, só tem casas nessa rua, não tem apartamentos por perto. Tem no bairro, mas na rua mesmo não tem. É uma rua bem tranquila. Os moradores são bem antigos também, que nem a minha família.

P/1- E qual é o bairro?

R- O bairro é Imirim, na Zona Norte.

P/1- Então você cresceu na Zona Norte?

R- Sim.

P/1- E quais eram as suas brincadeiras favoritas?

R- Nossa, brincadeira de rua. De pega-pega, esconde-esconde, casinha, carrinho de rolimã, andar de bicicleta, fazer piquenique nos terrenos baldios que tinha na região, na época. Hoje já não tem mais, mas muitos dos terrenos que tem ali que hoje são construções, a gente brincava tudo ali. Os vizinhos, as minhas primas que passavam as férias junto. Tem muitas lembranças esse bairro. Eu não consigo me ver morando em outro lugar, apesar de ter ficado dezoito anos no Japão, que também é minha segunda casa, porque eu gosto muito… mas agora o Brasil é meu foco.

P/1- E você brincava com seu irmão? Você tinha amigos no bairro, vizinhos? Como era?

R- Brincava mais com meus vizinhos, porque o meu irmão, a gente tem uma diferença muito grande, quase sete anos. Então quando eu estava na infância, ele era bebê. Então brincava mais com os primos e os vizinhos ao arredor, ali do bairro mesmo.

P/1- E você tinha algum desejo, você pensava no que você queria ser quando crescesse?

R- Nossa, quando eu era criança eu queria muito ser professora. Depois advogada, mas onde eu me encontrei foi na Administração.

P- É Luiza, eu acabei deixando passar uma pergunta em branco, podemos voltar uma pergunta antes? Você estava falando do bairro e da casa. Se a senhora não se importar de fazer…

R- Não.

P- Porque agora que eu reparei que pegou um pouquinho, tanto da fita quanto do fio. Tudo bem, Luiza?

R- Tá

P/1- Claro, vamos voltar então.

P/1- Luzia, queria que você me contasse sobre a casa em que você passou a infância e o bairro.

R- Meus pais sempre tiveram a casa no bairro de Imirim, continuam morando na mesma casa até hoje e é um bairro tranquilo. Tem mais casas do que prédios de apartamento. Passei a minha infância toda brincando ali com as crianças, os vizinhos, que são meus amigos até hoje e a gente brincava de coisas de rua: pega-pega, esconde-esconde, barra-manteiga, essas coisas, queimada. As minhas primas quando passavam as férias em casa, a gente brincava de casinha. A nossa diversão maior era fazer bolos com terra, barro, florzinha, plantinha, tudo era diversão para gente. Hoje em dia está bem mudado, as crianças brincam de outras coisas.

P/1- E nessa época você tinha uns desejos? Você pensava no que queria ser?

R- Sim. Como eu estudava e brincava muito de escolinha, a princípio eu queria ser professora. Ai pensava em fazer Pedagogia e depois pensei em Direito, mas eu sou muito quietinha, tenho vergonha, então Direito não seria o ideal para mim. E aí eu me encontrei na Administração, porque aí tem uma mesinha… na minha época era máquina de escrever, uma máquina de contar, de fazer somas, e papéis; então eu me encontrei ali. Então eu fiz a Faculdade de Administração, gostei muito, queria fazer uma pós-graduação, acabei não fazendo e acabei indo para o Japão para trabalhar e lá fiquei, dezoito anos mais ou menos.

P/1- Já vamos para essa parte, só vamos voltar um pouquinho, tá?

R- Tá bom.

P/1- Qual é a sua primeira lembrança que você tem da escola?

R- Da escola… nossa. Acho que é a primeira professora que até hoje eu lembro o nome, porque era o pré-escolar e eu lembro das mesinhas quadradas e quatro cadeirinhas azuis ao redor. O nosso uniforme todo rosa xadrezinho. Lembro da lancheira e quando eu lembro, eu sinto o cheiro do lanche quando a gente abria a lancheira e o refrigerante tinha vazado, porque eram aquelas garrafinhas bem simples e às vezes molhava a sanduíche, mas era sempre o lanchinho que minha mãe fazia, ou comprava aqueles biscoitinhos waffle, que na época tinha um nome famoso… não existe mais, mas quando eu lembro disso eu sinto o cheiro do lanche. Eu acho muito legal essas coisinhas que a gente guarda na memória.

P/1- E porque essa professora foi marcante?

R- Nossa, porque a gente chamava ela de tia Regina. Ela era igual uma mãe para gente, não sei se porque era a primeira professora e eram poucas horas que a gente ficava na escola, mas marcava muito, porque ela levava a gente pela mão, fazíamos fila e ela abria a lancheira das crianças e fazia a gente comer. A gente tinha atividades de brincar no pátio da escola e era um pátio todo de areia, tinha muitas árvores… isso marcou bastante. É o único nome de professora que consigo me lembrar, apesar de que tive várias. Mas ela até hoje me marcou muito.

P/1- E depois você mudou de escola?

R- Sim, depois eu fiz o antigo Primeiro Grau, que hoje se chama Fundamental em uma escola e depois o Ensino Médio, que na minha época era chamada de Segundo Grau, em outra escola e depois um cursinho para vestibular, e a faculdade.

P/1- E nessa sua primeira escola, você lembra como você ia para escola?

R- Eu ia a pé com a minha mãe, porque era bem pertinho. Umas duas ruas atrás da casa dos meus pais.

P/1- E como foi o período nesta segunda escola? O que você tem de lembrança?

R- Na segunda escola também ia a pé, porque é pertinho, é no mesmo bairro. Dá cinco minutinhos da minha casa e eu estudei lá cerca de oito anos. Mudou bastante agora a escola, mas eu me lembro das escadas, da merendeira, dos lanches, da escola, o cardápio que era da semana, porque a gente recebia… na minha época não era almoço, era lanche. Das aulas de educação física, do uniforme… era muito bom também.

P/1- E você fez amigos nessa escola?

R- Sim. Tenho amigos que até hoje a gente tem contato. Tem uma amiga que a gente brinca que somos amigas há mais de 45 anos, porque nós estudávamos no pré-escolar juntas e aí cada uma seguiu o seu rumo, morou fora. Ela morou muito tempo em Londres e agora está no Brasil também, mas a gente tem contato sempre. Então é uma das amigas de muito tempo, mais de vinte anos. No caso dela 45 (risos).

P/1- E nessa sua última escola, você mudou porque acabou, é isso? Acabava o ano?

R- Isso. Acabava o período de Ensino Fundamental entre aspas né, porque na minha época era Primeiro Grau e depois tive que fazer o Segundo Grau em outra escola, tudo no mesmo bairro. Só a faculdade que mudei de bairro, porque ai da Zona Norte foi para o centro.

P/1- E como foi o seu Segundo Grau?

R- Nossa, o Segundo Grau foi meio complicado, porque é uma época que você tem que escolher qual faculdade você quer, qual a profissão e aí tem as notas do vestibular. Então a gente estuda com a intenção de entrar em uma faculdade gratuita, mas é complicado quando você traça todo seu caminho em escola pública e vai concorrer com alunos, candidatos melhor preparados do que a gente. Então acabei fazendo uma faculdade particular, mas logo em seguida arrumei um emprego, então deu para conciliar.

P/1- E nessa época em que você estava um pouco maior, como você se divertia fora da escola?

R- A minha diversão maior era os meus amigos e quando a gente tinha um pouco mais de folga, a gente conseguia descer para o litoral, passar o final de semana na casa de algum parente de algum amigo, que emprestasse a casa e a gente fazia essa forma de diversão. Para mim… Então, a diversão mais eram viagens para o litoral, ou para o sítio de alguém, porque eu não gosto muito de barzinho, de festas, sou mais na parte de tranquilidade (risos).

P/1- E aí depois você comentou que foi fazer cursinho...

R- Sim.

P/1- O que você sentiu de diferença? Como foi esse momento para você?

R- Nossa, é bem complicado, porque são tantas aulas e a gente percebe que falta muita coisa para aprender em pouco tempo, para fazer uma prova que vai mudar a sua vida totalmente. Então foram oito meses, mais aquela maratona de apostilas e simulados, foi bem corrido, mas valeu a pena.

P/1- E você lembra do dia que você tinha passado na faculdade?

R- Lembro. Eu me lembro que no dia do vestibular que eu e minha prima fomos fazer o vestibular, era à noite, minha mãe e minha tia foram esperar a gente no metrô, a gente já tinha dezessete anos, mas os pais, não sei se por serem pais orientais, ou se todos os pais são assim, ficaram esperando a gente no metrô para voltarmos e quando saiu o resultado, que nós passamos em uma colocação boa, nossa… foi muito bom, a gente ficou muito feliz.

P/1- Vocês comemoraram?

R- Sim, comemoramos, mas não dessa forma de raspar a cabeça, pintar o rosto… porque a faculdade que nós passamos não permitia isso, então foi bem tranquila a comemoração. Não foi essa “bagunça” que a gente vê hoje em dia. Naquela época também tinha, mas a minha faculdade era mais reservada.

P/1- E como foi para você entrar na faculdade, conhecer novas pessoas de lugares diferentes, outros professores?

R- Muito diferente, porque as aulas na faculdade têm outro propósito, então não mais aquela tão nostalgia como quando a gente é criança. Então são mais trabalhos, mais atividades extracurriculares, pesquisas, trabalhos de campo, as matérias são específicas para nossa profissão e depois chegou a parte de estágio também. Foi bem cansativo, mas hoje depois que passou tudo isso, a gente vê que vale a pena, tudo vale a pena.

P/1- E como foi a escolha do curso?

R- Olha, como eu sempre gostei de organização, de mexer com papéis, parte burocrática, eu me identifiquei bastante com o curso de Administração.

P/1- E aí junto com a faculdade começaram os estágios?

R- Sim.

P/1- E você comentou que logo conseguiu emprego. Qual foi seu primeiro emprego?

R- O meu primeiro emprego foi no Banco América do Sul, que não existe mais. Na época a matriz do Banco América do Sul era na [Avenida] Brigadeiro Luís Antônio e a maioria dos funcionários eram descendentes de japoneses. Então foi bem tranquilo trabalhar ali, porque eles têm uma metodologia que eu já estou acostumada. Então gostei bastante, fiquei três anos e meio lá, até praticamente o final da faculdade.

P/1- Como você conciliava essa rotina?

R- Nos três primeiros anos da faculdade eu estudava de manhã e trabalhava no Banco da uma da tarde às sete da noite. Era pertinho a Brigadeiro Luís Antônio e a faculdade, que era na Avenida… na Rua São Joaquim, na Liberdade. Então estudava até o meio-dia e ia a pé até o Banco, almoçava e trabalhava da uma da tarde em diante.

P/1- E você lembra o que você fez com o seu primeiro salário?

R- O meu primeiro salário? Acho que comprei tênis… fui no Shopping Center Norte, já ia sempre, mas comprava pouca coisinha com a mesada que minha mãe dava, mas meu primeiro salário eu comprei um tênis e blusinhas na lojinha da C&A, na época, para mim e para minha mãe, e fui no McDonald com as minhas primas. Me sentia tão importante por ter meu salário, meu talão de cheque, meu vale-transporte. Eu não estava formada ainda na época, mas me sentia já como administradora. (risos) Foi muito legal o primeiro salário, você receber o holerite e seu salário já estar na conta bancária e você poder usar cartão bancário, o cartão eletrônico e ter tanta independência. Foi bom (risos).

P/1- E como foi o final da sua faculdade? Você fez TCC?

R- Na minha época não existia TCC. A gente tinha que fazer o estágio, cumprir uma carga horária de estágio e… aí eu me demiti do Banco América do Sul, porque eu consegui um programa de trainee em uma companhia de Seguros Argo, que era… fazia parte do grupo do Citibank. E aí eu comecei a fazer o trainee ali e o programa de trainee já contava como estágio para a faculdade.

P/1- E aí você ficou quanto tempo nesse…

R- Lá eu fiquei seis meses. Entrou o Plano Collor, naquela época em que todo mundo ficou com cinquenta cruzados, cruzeiros... nem me lembro mais a moeda. E como eu era a parte do trainee, uma das mais novas contratadas, aí nós fomos os primeiros a serem cortados da empresa, demitidos né. Ai eu fiquei um tempinho sem trabalhar.

P/1- E aí logo que acabou de acontecer você foi fazer um intercâmbio, ou você continuou no Brasil trabalhando?

R- Eu continuei no Brasil, mas não trabalhando registrada. Eu dava aulas em casa, dava aula de matemática, de inglês… mas eu não conseguia outra colocação, estava difícil. Foi quando eu decidir ir para o Japão. Na época, todo mundo estava indo e eu tinha a chance por ser descendente e aí eu fui com a intenção de ficar um ano.

P/1 - Quantos anos você tinha nessa época?

R- Eu tinha 29.

P/1- E como foi essa decisão? Como foi o dia em que você contou para os seus pais que você ia? Porque o Japão?

R- Uma prima minha tinha visto emprego no Japão através de uma agência de empregos, lá no bairro da Liberdade, e me comunicou, me contou que estava pretendendo ir para o Japão e perguntou se eu não queria ir junto. E eu fiquei com medo, porque apesar de ser descendente de japoneses, é outro país, outra cultura e não é tão perto, é do outro lado do mundo, né? Então eu resolvi ir também. Aí em pouco tempo providenciei a passagem, negociei já o emprego e já sai do Brasil com tudo arranjado, desde o emprego à moradia e aí nós fomos em agosto de 96 para o Japão.

P/1- E como foi contar para os seus pais que você ia passar um tempo fora?

R- Então, minha mãe ficou meio preocupada, mas meu pai falou que era a chance de conhecer à terra dos meus avós, de aprender o japonês, de ver como é viver fora e sozinha, sem ter pai e mãe sempre por perto. Me apoiaram na decisão de viajar e morar fora por um tempo.

P/1- Essa foi a sua primeira viagem para fora do Brasil?

R- Sim, minha primeira viagem.

P/1- E o que você sabe da história dos seus avós? Porque indo para lá, você meio que resgata as suas origens também, né?

R- Sim, meus avós vieram em mil novecentos e… acho que foi na época… 1930? Eu não me lembro bem a data, mas a minha vó veio bem novinha, com dezesseis anos. Se casou no navio, porque tinha que vir casada por ser menor de idade e veio para conhecer, para trabalhar. A princípio também a ideia era voltar ao Japão, mas acabaram ficando, porque o que eles tinham de noção de Brasil era de uma forma e chegando aqui a realidade era bem outra. Então acabaram ficando, sem ter a chance de voltar.

P/1- E porque eles vieram? Você sabe?

R- Na época minha avó contava que estava na época de pós-guerra no mundo e o Japão estava passando muitas dificuldades e o governo japonês dizia assim: “Quem for trabalhar fora, tem um incentivo… o governo dá um valor em dinheiro para começar uma vida lá fora, por pouco tempo, para que o país se recupere e quando o país estiver melhor, vocês retornam para o Japão.” Então eles vieram para o Brasil para ajudar o Japão a se reerguer e trabalhar aqui, juntar um dinheiro e voltar. Mas depois acabaram ficando definitivo no Brasil. Não deu certo.

P/1- Você sabe o que eles imaginavam do Brasil?

R- Nossa, a minha vó contava que lá no Japão diziam que aqui tudo era farto, que tinha muito leite, que tinha muita comida, muito… porque no Japão pós-guerra faltava tudo e aqui diziam que tinha muita carne, muita verdura, muita comida, muito trabalho… que era um país que estava progredindo. Então eles acharam que aqui era onde eles iam fazer a vida deles. Vieram para cá, fizeram a vida, mas não foi tão simples assim e não era tão fácil assim; a comida não era tão fácil de conseguir e é diferente o jeito de comer, certos alimentos no Brasil é de uma forma, no Japão é de outra, os temperos são diferentes… é uma cultura bem diferente. Então sofreram bastante no início. Hoje já está bem diferentes. A viagem que eu fiz no sentido contrário, indo do Brasil para o Japão, foi sofrida, mas não tanto quanto os meus avós fizeram na época, no sentido inverso. Sofreram muito mais, porque o Brasil era bem menos… tinha menos progresso do que agora e eles foram para a parte rural, não vieram para cidade, então sofreram bastante.

P/1- E você sabe como eles decidiram ficar no Brasil e se eles voltaram algum momento, nem que seja para visitar o Japão?

R- Eles vieram e sempre foram para o interior de São Paulo. Desceram no porto de Santos e aí vieram direto para o interior de São Paulo. E aí foram trabalhar na lavoura, nas plantações e sempre tinham o sonho de voltar para o Japão, mas nunca dava e acabaram morrendo no Brasil, constituíram família no Brasil. Compraram casa, progrediram aqui e aqui ficaram. Virou a segunda pátria, o Japão ficou para trás. Nem chegaram a voltar para passear, nem para rever os parentes, perderam contato completamente.

P/1- E você conheceu os seus avós. Eles que te contavam histórias…

R- Sim, conheci mais as minhas avós, porque meus avós faleceram quando era muito pequena, então não tive esse contato de conversar. E mais a minha avó materna, que era mais próxima.

P/1- A sua avó materna que veio do Japão ou não?

R- Os quatro vieram do Japão.

P/1- E como foi contar para eles que você estava indo para o Japão?

R- A minha avó, na época, quando falei que ia para o Japão, ela até começou a me dar aulas de japonês. Me ensinar a escrever as primeiras letras em japonês, porque no Brasil a minha avó era analfabeta, mas no Japão não, porque ela estudou até… considerado nível médio no Brasil. Então ela sabia ler e escrever, só falava o japonês. Aqui ela falava o português todo misturado, um pouco de japonês, um pouco de português e errado, mas se virava bem: pegava ônibus, ia ao mercado, falava o português meio com sotaque… mas por eu dizer para ela que eu queria ir para o Japão, ela me deu pelo menos o básico de escrever e consegui ler algumas placas, algumas sinalizações no Japão, porque lá tem tudo ou em… tem três formas de escrita: a forma japonesa e a forma ocidentalizada. Mas a maioria dos comércios é nos ideogramas japoneses. Então me ajudou bastante para conseguir identificar comidas no supermercado, porque você sabendo ler é diferente.

P/1- E você foi para o Japão sem saber a língua, ou só um pouquinho.

R- Eu sabia bem pouco, sabia algumas palavras, mas não falar fluentemente. E ler algumas coisas também, pouco. Senti muita dificuldade quando cheguei lá, porque eu me sentia como se eu não tivesse braços, nem pernas, pelo simples fato de não falar. E eu tinha medo de falar qualquer coisa errada, pela cultura deles ser diferente e de alguma forma... eu ofender ou me passar por mal-educada. Foi bem difícil.

P/1- E me conta um pouquinho dessa diferença cultural, o que você sentiu, onde você ficou quando você chegou?

R- Eu me lembro de quando o avião já estava para aterrissar e lá de cima eu via assim, tudo era cinza. Porque os telhados do Japão são todos cinza, não é igual o Brasil, que são da cor alaranjada. Então parecia que era outro planeta e quando eu desci no aeroporto… eu saí do Brasil estava frio aqui, era inverno, agosto, e lá era verão; e o verão super abafado, quente, e quando a porta do aeroporto abriu, que a gente foi para o táxi, veio aquele bafo, aquele calorão, eu pensei: “Meu Deus, estou numa sauna”. E aí nós fomos ao mercado, fomos de táxi até o alojamento onde íamos trabalhar e parecia… era muito diferente, porque aqui você vê as placas, tudo escrito em português e lá eram todas aquelas letrinhas japonesas e muitos japoneses, hoje em dia usam cabelo de cor clara, tingidos de loiro e eu estava acostumada com japoneses de cabelo escuro, preto, e lá era bem diferente. Então foi uma mudança, muito estranha. E eu lembro que na época me falavam assim: “Olha, chegando no Japão não use óculos de sol, porque lá só o pessoal da máfia que usa óculos de sol”. E eu vi tanta gente com óculos de sol que pensava que todo mundo era da máfia, da Yakuza, e não é isso. Eram histórias, boatos, que ficou na minha memória e até você acostumar e ver que não é assim, que a realidade é outra, leva um tempinho. O meu primeiro ano no Japão foi muito difícil, eu chorava bastante, pensava em voltar todos os dias. Mas não dava né, tinha um contrato de trabalho de pelo menos um ano, então fui obrigada a ficar mesmo querendo voltar. Foi bem difícil (risos).

P/1- E como foi trabalhar lá? Trabalhava em inglês?

R- Olha, meu primeiro emprego foi em um hotel turístico e eu trabalhava com o kimono, que é aquela roupa japonesa, e eu não falava nada do idioma. Tinha conhecimentos de inglês, mas o inglês não é usado na cidade onde eu estava. Era uma cidade do interior do Japão, então o inglês não é fluente ali, é o japonês mesmo. Eu não me comunicava com as pessoas, mas eu fazia o trabalho de limpeza dos quartos pela manhã e a noite nós ficávamos nos salões de jantar. Nós colocamos as comidas nas mesas e quando algum hóspede falava comigo eu tinha que correr e chamar nossa coordenadora porque eu não sabia responder. Às vezes eu sabia o que ele estava pedindo, mas não conseguia falar para ele: “Espere um pouco”, “Eu vou trazer”, são coisas pequenas, mas que para mim eu ainda não conseguia me comunicar dessa forma e por ser hotel, eu tinha receio de falar de uma forma errada e não precisava ser assim, mesmo você falando errado, ou de uma forma precária, eles sabem que você é estrangeira, pela fisionomia, pelo seu jeito, porque você não tem os mesmos trejeitos, as mesmas atitudes que uma japonesa que está de kimono. Você chegou do Brasil, você gesticula muito e fala muito alto e os japoneses são diferentes, a japonesa é mais quietinha e fala devagar como se fosse uma câmera lenta e não gesticula tanto, não mexe os braços, mãos… e o brasileiro já é mais espontâneo. Então eu ficava me vigiando com tudo, para não mostrar tanto que eu era tão bruta, vamos dizer assim. Então até você aprender… demorei para aprender tudo.

P/1- E você trabalhava junto com essa amiga que foi do Brasil com você?

R- Sim. Ficamos juntas…

P/1- E ela sabia?

R- Também não sabia. Por isso nós ficávamos com turmas separadas. Eu com uma turma de japonesas e ela com outra, para que a gente aprendesse o idioma e a forma de trabalhar também.

P/1- E você ficou um ano neste hotel?

R- Sim.

P/1- E quando você começou a entender e conseguir falar um pouco?

R- Olha, depois de uma ano que eu só chorava e não tinha muitos amigos, pela falta de comunicação também, uma amiga que já estava no Japão há mais tempo com a família, mas em outra província, e que conversava comigo por telefone sempre, me deu a ideia de ir para onde ela estava. E ai eu saí do hotel onde estava trabalhando e fui para outra cidade para trabalhar em fábrica. E aí ficou mais fácil, porque eu morando com brasileiros, descendentes de japoneses, mas brasileiros que falavam o mesmo idioma e eram conhecidos, ficou mais fácil. E aí eu consegui estudar nas minhas folgas. Fazia aulas de japonês com ela também que me ensinava e aí começou a melhorar a minha comunicação. Aprendi a falar pelo menos o básico.

P/1- E como foi começar a trabalhar em fábrica? Sem ter… então você não tinha esse contato com a fábrica?

R- Não. Eu passei por várias fábricas. A primeira que eu trabalhei foi uma fábrica de bolos. Bolos, pães… fornecia esses produtos para as lojas de conveniência e era muito corrido, porque linha de produção são esteiras em que os produtos vêm rapidinho, em uma velocidade… e nos primeiros dias eu derrubava muito bolo, muita torta, porque eu não conseguia, eu não tinha essa coordenação motora de pegar de uma esteira, colocar com papel alumínio embaixo em outra esteira, era muito rápido. Mas com o tempo você vai aprendendo, é treinamento. E aí eu fiquei bastante tempo nessa fábrica, depois mudei para outra de componentes eletrônicos e ai o meu idioma foi melhorando mais e então nessa fábrica de componentes eletrônicos foi a que fiquei mais tempo trabalhando. Comecei a ler… quando entrei nessa fábrica já falava mais o japonês, já escrevia mais e comecei como… na parte de inspeção na parte de componentes eletrônicos. Trabalha com microscópio e pinça. O meu uniforme era como se fosse um astronauta, só os olhos para fora. Tinha que cobrir tudo, porque não podia ter nem um tipo de pó, nem pelinho de roupa, pois poderia estragar o componente eletrônico. Eu comecei do zero ali, nas primeiras funções, nas partes de embalagens e depois com o tempo eu fui aprendendo mais japonês, tanto para escrever como para me comunicar e aí passei à parte de chefia, de inspeção e treinamento. E aí eu ensinava o serviço para os brasileiros que estavam chegando para trabalhar pela primeira vez no Japão. Então eu fazia a tradução, ensinava o trabalho, fazia aquele período de treinamento todo. Fiquei bastante tempo nessa parte de treinamento lá.

P/1- E como você foi decidindo continuar? Porque como você comentou, no primeiro ano você já queria ir embora, voltar para o Brasil. Como foi a decisão de continuar no Japão?

R- Foi porque cada vez que eu ia aprendendo mais a dominar o idioma e me acostumando mais com a rotina do Japão, eu aprendi a gostar do Japão. E eu entrei numa rotina de trabalho, de passeios durante a folga e aquela tranquilidade de você conseguir comprar tudo que você quer, porque você trabalha e você consegue comprar tudo. E a gente não usa cartão de crédito, talão de cheque, você recebe dinheiro do seu salário na conta bancária e consegue comprar desde de um TV até um carro em um instantinho. Não é aqui que você economiza anos e anos e ainda fica parcelando. Lá você compra tudo, é muito confortável. Só precisa ter o cuidado de não gastar tudo, de economizar, senão você vive que nem no Brasil, vive para trabalhar e gastar. Não guarda. Agora se você tiver o objetivo de guardar todo mês um valor e comprar suas coisinhas, você vive confortavelmente. E aí já me situei no Japão e aí foi ficando… De um ano passou para três… pra cinco… e ficou dezoito. E nesses dezoito anos eu voltei três vezes para o Brasil a passeio. Ficava três meses, dois meses, depois retornava.

P/1- E no começo você ficou nessa casa, de uma brasileira…

R- Sim.

P/1-... de uma família. E depois você continuou lá, ou foi para outros lugares?

R- Não. Quando eu entrei nessa empresa de condensadores, micro condensadores, placas eletrônicas, eu já tinha uma independência financeira boa. Então eu aluguei um kitnet, morava sozinha e era só o meu cantinho, não dividia com ninguém. Não tinha que dividir cozinha, banheiro… era tudo só meu. Por isso que ficou mais confortável e eu consegui ficar mais tempo. E aí com o tempo você vai fazendo um grupo de amigos, eu comecei a namorar, cheguei a ficar noiva… mas aí, no fim, depois de dezoito anos vim embora, porque os meus pais têm uma certa idade, não podem ficar sozinhos assim, só com meu irmão, e os pais sempre precisam de filha. Pelo menos na família oriental é assim, a filha cuida mais dos pais do que o filho, então eu voltei para ficar com eles.

P/1- Antes dessa volta, queria saber se você conseguiu fazer amigos japoneses, se você conseguiu entrar bem na cultura e quem foi essa pessoa, como você ficou noiva, como você conheceu…?

R- Eu fiquei… nesse período que eu estava nessa fábrica eu conheci pessoas de vários países, porque eu fazia aula de japonês na prefeitura da cidade, então as aulas eram gratuitas, com professores voluntários japoneses e a gente pagava uma taxa, bem pequena, que era só o material didático, e o aluguel da sala que era manutenção da sala. E nessas salas de aula tinham pessoas do mundo inteiro, que vieram a trabalho ou para estudar e que tinham dificuldade para falar o idioma japonês. Então eu conheci pessoas da África, da Índia, de Singapura… fiz amizade com bastante gente. Com outros brasileiros… e no Japão conheci gente do Brasil inteiro, porque a gente tem impressão que só tem descendente de japoneses em São Paulo e no Rio de Janeiro, por exemplo… Mato Grosso… E eu conheci gente de Porto Alegre, de Manaus, de todo canto do Brasil; e que falavam o português com o sotaque da região e que sentiam falta das comidas da sua região: do açaí, do vatapá, do churrasco do gaúcho… então foi bem interessante conhecer vários japoneses com sotaques e culturas de outras partes do Brasil. Porque os imigrantes se espalharam pelo Brasil inteiro, né? Foi bem legal.

P/1- E em uma dessas suas voltas... como era esse choque cultural para você?

R- Muito difícil. Apesar de ser brasileira, nasci aqui, quando eu voltava parecia que a cidade estava muito mais suja, muito mais pichada e mais destruída, porque lá é uma forma diferente. Você vê as ruas, todos os monumentos todos perfeitinhos e aqui, cada vez que eu vinha parecia que aumentava mais. E o medo que eu sentia quando eu chegava no Brasil? Parecia que tinha uma etiqueta na minha testa: “Japonesa”. Eu tinha medo que iam roubar meu relógio, meu tênis, que iam me agredir por causa de um boné, de uma bijuteria… e não é assim, mas você fica com um terror tão grande, porque lá eu andava de uma forma tão tranquila e aqui meus pais falavam: “Cuidado com a bolsa! A bolsa sempre para frente.”, “Cuidado com o horário que você chega”. E eu não sou estrangeira no Brasil, mas eu me sentia e aí eu lembro que eu ficava sem pátria, porque no Japão eu sentia falta do jeito do brasileiro, da comida do Brasil, das pequenas coisas que tem aqui de… a gente sente falta de salgadinhos, de Fandangos, de Sonho de Valsa, de Bis, desses docinhos de boteco, do pãozinho francês… e quando a gente está aqui a gente sente falta da tranquilidade, do ônibus e do metrô que chega no horário certinho… porque você vai ao ponto de ônibus, tem o horário do ônibus, tipo, ele chega 19:01; se você estiver no ponto 19:01, ele chega 19:01, certinho. Pode estar nevando, chovendo… não importa as intempéries do tempo, chega certinho. E aqui você fica horas no ponto, na chuva, no sol. Lá não. Os pontos de ônibus tem cabine, tem banco com almofada, com ar condicionado, alguns, mas pelo menos um abrigo contra chuva você tem, aqui não. Às vezes nem ponto tem. Você sabe que o ônibus para li, porque todo mundo está parado ali. Então é uma mudança muito difícil, muito radical, é de oito a oitenta. Então eu me sentia bem aqui, mas faltavam algumas coisas e lá também faltavam algumas coisas, então não era um lugar perfeito de dizer… Todo mundo falava, meus amigos falam: “O Japão é ótimo, não voltaria nunca”, mas sempre falta alguma coisa. Porque lá você tem dinheiro, você tem poder aquisitivo para fazer de tudo, mas falta sua família, falta mais o contato de amigos, porque você não tem esse tempo de contato humano, é só trabalho. Você só tem um dia pra ter contato humano de amigos, que é seu dia de folga. E no Brasil não; você vai pôr o lixo para fora, você cumprimenta alguém. Alguém te encontra na rua, não é teu amigo, mas falam bom dia. Lá é tão corrido que as pessoas não falam bom dia para você, principalmente se é estrangeiro. Tem essa… até eles se acostumarem com você, demora. Eles são muito desconfiados. Não dão liberdade assim tão fácil. O brasileiro não, nem te conhece, mas já dá um sorriso, já dá um bom dia… é um povo caloroso, mas que tem muitas dificuldades aqui. Lá não, não tem muitas dificuldades, bem menos, mas esse contato humano é muito difícil. Tem um certo receio, não mostram muito os sentimentos deles; são diferentes.

P/1- E como foi começar namorar? E noivar?

R- Meu namorado era brasileiro… é brasileiro, ele não morreu (risos). É brasileiro também, foi para o Japão novinho, com dezoito anos. Não voltou nenhuma vez, está mais de 35 anos lá e não tem intenção de voltar para o Brasil. Acho que se voltar vai ter muito mais dificuldade, porque mudou muita coisa nesse tempo todo. E acho que por ser só eu e ele ali, mais próximos, chegamos até o ponto de um noivado. Mas como eu não via o Japão como moradia definitiva, então não fomos até o final. E eu voltei em 2015 e ele ficou. Então eu terminei, porque não existe esse relacionamento com dois oceanos entre a gente.

P/1- E como foi essa sensação de voltar, como foi chegar aqui?

R- Nossa, eu voltei a primeira vez em 2011, seria só passeio, mas eu não estava bem, eu estava com depressão, mas nem me dei conta que estava com depressão, achei que fosse cansaço mesmo, então vim para cá para tirar umas férias de uns dois meses. Mas naquele ano teve aquele terremoto grande, que teve o tsunami. Foi uma semana antes de eu vir para cá. A minha viagem já estava marcada, estava com malas prontas e aí teve o tsunami e eu lembro que quando fui para o aeroporto com uma amiga, que nós viemos juntas, todo mundo queria comprar a nossa passagem, porque todo mundo queria ir embora do Japão, com medo. Porque a gente ia ao mercado e só podia comprar duas garrafas de água, um pacote de arroz… tudo estava racionalizado. Não é que nem aqui no Brasil, quando tem alguma catástrofe, ou que nem essa pandemia do Covid, que todo mundo está estocando tanta coisa, lá o governo segura. Então você tem quantidades limitadas para comprar. E todo mundo queria voltar, os estrangeiros que estavam no Japão queriam abandonar o Japão rapidinho, porque acharam que ia ter mais tsunami. Só teve um, na região de Fukushima. Então eu vim para o Brasil e não me sentia bem aqui e ficava procurando as notícias na televisão brasileira do que estava acontecendo lá, porque tinha amigos lá, meu namorado estava lá também… e aí em dois meses eu voltei para o Japão. E lá também não me sentia bem. Fiquei mais três meses e voltei para o Brasil e resolvi ficar porque meus pais falaram: “Vamos fazer um tratamento, procurar um psicólogo, médico, para ver o que é isso, esse medo de sair e não estar bem aqui e nem lá, fica indo e vindo, como se fosse uma ponte aérea tão simples e tão fácil”. E acabei ficando para cá e fiquei uns três anos só em casa, só fazendo tratamento, mas eu não saia para lugar nenhum, nem para o quintal eu saia. Fiquei bem doente de depressão. E com o tempo... depois foi melhorando um pouquinho.

P/1- E o que você acha que pode ter acontecido nessa época para você não…

R- Eu acho que muitos anos trabalhando nesse ritmo louco de doze, dezesseis horas de trabalho, um dia de folga, que nesse dia eu me considerava gente, que eu podia dormir até tarde, comer no horário que quisesse… porque quando você está trabalhando, você tem o período de almoço, horário certinho, o horário de lanche, o horário de ir ao banheiro, porque você não pode parar toda hora e você não tem a liberdade de ir ao banheiro todos os momentos que você quer, principalmente se você está em uma linha de produção, você tem que pedir para alguém ficar no seu lugar. E o japonês não vê com bons olhos se você sai toda hora. Até quem fuma tem o horário certinho para fumar. E o meu dia de folga era um dia só, e esse dia era o dia que eu tinha que fazer mercado para a semana inteira, lavar a roupa, o uniforme, fazer limpeza do apartamento… deixar tudo pronto para que eu conseguisse me manter durante aquela próxima semana, até a próxima folga. Então era muito corrido e isso com o tempo, dez anos, doze anos, você vai ficando meio perturbada mentalmente. Foi por isso que eu achei que eu precisava de umas férias e que as férias no Brasil ia resolver, mas não era só cansaço, só estafa, era já problema de cansaço mental, doença mental. E ai minhas psicólogas, minhas tias, que também trabalham na parte médica, falaram que era depressão, que eu devia ficar um tempo no Brasil e descansar. E aí eu desfiz de tudo no Japão, entreguei apartamento e foi aquela mudança radical. E ao invés de melhorar logo que fiz tudo isso, piorou, porque eu desmanchei meu apartamento, despachei umas coisas para o Brasil, terminou o noivado e aí é ruim. Você chega aqui e fica meio perdida. Não sabe o que vai fazer, como vai fazer… e parece que tudo que você fez naqueles dezoito anos, foi em vão. Você fica com essa impressão.

P/1- E antes de você voltar para o Brasil, com o que você estava trabalhando lá? Era fábrica também?

R- Era fábrica; era na parte de inspeção na parte de componentes eletrônicos, mas eu já fazia parte de treinamento dos brasileiros que chegavam. A fábrica em que eu estava não recebia outros estrangeiros, só brasileiros. Não aceitavam filipinos, peruanos, por exemplo. Era uma fábrica mais rigorosa, vamos dizer assim.; eles não eram abertos a outras nacionalidades, mas só os brasileiros, porque eles já tinham um ritmo de trabalho com os brasileiros e eu já sabia mais japonês, já conseguia fazer tradução para algumas pessoas que não falavam o idioma, ajudar nessa parte, ensinar o serviço todo em português, porque os brasileiros não dominavam; até ensiná-los a escrever, porque tudo você faz pelo computador, ou digitando, ou escrevendo nos formulários, tudo em japonês; e não é com as letras ocidentais, são aqueles ideogramas japoneses, aqueles mais complicados, os kanjis. Então eu estava em uma parte mais confortável no trabalho, mas era muito estafante, muito cansativo.

P/1- E quando você chegou aqui, como foi se reestruturar? Esses três anos que você ficou mais em casa?

R- Bom, eu fiquei três anos. Nesses três anos, doente, me tratando da depressão, não saia de casa. Ai aconteceu um episódio na família da minha tia, teve um AVC e a minha mãe, que é irmã mais velha, tinha que ajudar a irmã que teve o AVC, cuidar de mim, que não estava bem psicologicamente e ai acho que esse choque me fez ver que eu tinha que fazer alguma coisa, que não podia ficar só ali sentada no sofá, na cama, só na frente da TV, ou só no quarto… e eu tinha que dividir algumas coisas, ajudar a minha mãe também. Ou eu ajudava cuidando da minha tia, ou me mexendo, não dando tanto trabalho à minha mãe. Minha mãe já tinha, na época, 85 anos e se desdobrar para cuidar de filha (risos), adulta e doente então... Então esse baque da doença da minha tia me fez sair da depressão e ai eu comecei a correr atrás de muitas coisas. E ai eu prestei vestibulinho. Eu lembro que passe no curso do Etec, não cheguei a fazer. E aí eu comecei a frequentar o centro espírita, que essa minha amiga de infância, que a gente tem amizade de quarenta e poucos anos, ela me falou: “Vamos ao centro, para você conhecer gente, conversar”, e eu fui sem intenção nenhuma, não tinha nenhuma religião… fui criada na católica quando criança, mas depois com o tempo fui me afastando, foi só estudos e trabalho. E no centro espírita eu comecei a fazer amizade, comecei a fazer trabalho voluntariado e foi pelo centro espírita que eu tomei conhecimento desse projeto do Sebrae, porque tinha um cartaz ali que ia ter um curso de uma semana para futuros empreendedores, voltado para “1000 Mulheres Empreendedoras” e eu fui. Pelo centro… algumas mulheres foram e ai foi onde eu comecei a conhecer outras pessoas e outros projetos, outros… ter outros sonhos. Voltei a realidade de que talvez seja possível fazer alguma coisa no Brasil, que era hora de sair daquele meu mundinho confortável, na minha zona de conforto e colocar algumas coisas em prática, voltar a estudar o japonês, porque quando você fica muito tempo sem escrever, sem ler, você vai esquecendo; eu já estava três anos sem tocar nos livros de japonês, sem estudar nada e aí foi onde eu comecei a fazer muitas coisas diferentes.

P/1- E como foi essa decisão de fazer o curso “1000 Mulheres” e como que foi o curso? O que ele trouxe de experiência, de ampliar o mundo?

R- Eu conheci muitas mulheres, porquê? Por ser um Projeto “1000 Mulheres”, primeiro começou na Zona Norte de São Paulo, depois a Zona Sul. E aí, nesse grupo da Zona Norte, éramos 25 mulheres e foi um período de treinamento bem puxado, porque teve semanas que a gente ficou a metade do dia lá, no Sebrae, e teve uma semana que ficamos o dia inteirinho. E era curso atrás de curso, atividades… e eu conheci pessoas de vários lugares, de vários níveis financeiros, de outras raças… mulheres negras, de orientais só tinha eu de oriental; tinha de outros bairros, mas tudo aqui na Zona Norte de São Paulo e todos com… querendo fazer alguma coisa, mas não sabendo o que ou como fazer. E o Sebrae foi mostrando várias possibilidades e aí eles deram um projeto para a gente fazer. E então fomos divididas em cinco grupos de cinco meninas… cinco mulheres, e cada grupo tinha que fazer um projeto, um empreendedorismo, uma empresa, montar uma empresa e o nosso projeto, no caso, o meu grupo não foi o vencedor, mas ele foi muito bem-visto ali. Chamou a atenção de muitos investidores ali. E a gente começou a fazer algumas entrevistas com algumas mulheres que seriam… fariam parte do nosso projeto. Tinham alguns investidores interessados, mas aí chegou a pandemia e tudo ficou paralisado; e aí a gente está esperando para ver o que vai acontecer nos próximos meses, ou até no ano de 2021. A gente ainda tem esperança.

P/1- E o que te motivou a começar o curso? Por que você pensou no empreendedorismo?

R- Quando eu vi o cartaz deste curso, desse Projeto “1000 Mulheres”, eu pensei: “Ai, eu vou lá para ver o que eu posso fazer. Se eu posso abrir uma lojinha, se eu posso fazer comidas japonesas em casa e vender de porta em porta, por telefone. Ou fornecer as minhas comidinhas japonesas para algumas lojas de produtos japoneses. Ou se eu posso fazer trufas, chocolates”... alguma coisa para ter um rendimento e quem sabe virar um trabalho. E aí esse projeto foi muito interessante, porque eu deixei de lado um pouquinho de brigadeiros, comidas japonesas e doces e comecei a sonhar com esse projeto. Vi que talvez seja possível. Como que “brincando”, mas sendo treinadas ali; os instrutores muito empenhados ensinado a gente, como é o mundo dos negócios. A gente fez um projeto e começou do zero, foi desenvolvendo e aí fui vendo cada uma tendo um destaque, porque uma era mais falante, a outra era mais corajosa de bater com a cara e “vamos em frente”, outra é mais assim, eu sou mais receosa, tudo eu vou pisando em ovos, com cuidado, e outras são mais atiradas de não ter medo, já quebraram a cara várias vezes, mas estão ali firmes e fortes… caem, mas vão em cima atrás, até conseguir alguma coisa que dê certo. Então foi muito interessante, porque uma das meninas hoje está com o trabalho dela paralelo, mas não esqueceu o projeto da gente e está esperando para ver o que a gente pode fazer com o nosso projeto, se vai dar para tocar para frente nos próximos meses.

P/1- E qual é o projeto de vocês? O que vocês desenvolveram, pensaram?

R- O nosso grupo desenvolveu confecções de roupas esportivas, no caso legging e os tops de academia, com um material que era mais forte e não se torna transparente quando a pessoa está vestindo. Uma das meninas já tem a confecção, então ela já tem as máquinas. Outras meninas já tem outras atividades, ou algumas já… uma das meninas já se aposentou, mas trabalha com bolos, sem glúten, sem lactose… Tem outra que trabalha com venda de tupperware, produtos de maquiagem, de beleza; outra tem uma academia. Eu, no caso, só estava com minhas aulas de japonês e tradução. E a gente se empenhou, porque o nosso projeto é fazer essas roupas e mão-de-obra que a gente contrataria para esses projetos mulheres vulneráveis, em situação de vulnerabilidade. As mulheres que são ex-dependentes químicas, as trans, as homossexuais, as que estão em situação de perigo, porque sofrem violência doméstica e moram em abrigos, as que não conseguem emprego pela idade, pela falta de informação, de estudos e por idade… Então nós até começamos a fazer entrevistas com algumas ONGs, com algumas mulheres nessa categoria e tiveram dois investidores que estavam interessados, estavam entrando em contato com a gente, marcando entrevista para agente conversar, expor o nosso projeto… Aí entrou a pandemia e parou tudo. Ficou meio que congelada, mas a gente não desistiu do projeto ainda, nem o Sebrae também.

P/1- E como vocês pensaram nessas mulheres? Porque essas pessoas que estão na situação de vulnerabilidade?

R- O nosso grupo estava pensando no que fazer. Primeiro escolhemos o produto, que foram as roupas esportivas, e depois a mão-de-obra. E depois nós pensamos na parte social, porque essas pessoas em situação de vulnerabilidade causaria um impacto social muito grande, porque são pessoas que buscam emprego, mas que não tem condições. E o nosso projeto visa contratar essa mão-de-obra, treiná-las desde o início, pessoas que não tem formação, não sabem mexer em uma máquina de costura… nós daríamos o treinamento, aprender desde o início da confecção: cortar, costurar… e teriam um suporte de cestas básicas, vale-transporte e uma ajuda de custo, assim como às cinco componentes do grupo também. E aí nós fizemos um cálculo de quanto gastamos nesse projeto e nós fomos… não fomos o grupo que teve o projeto vencedor, mas o projeto chamou a atenção de vários investidores por causa do impacto social, pela utilização da mão-de-obra de pessoas vulneráveis, de mulheres vulneráveis, no caso.

P/1- E vocês pensaram também em ajudar essas mulheres na Zona Norte?

R- Sim. Essas mulheres em situação de vulnerabilidade seriam aqui da Zona Norte, porque nosso projeto é da Zona Norte. A Zona Sul também tem… eu não me lembro quais os projetos foram vencedores ali, mas elas também estão visando ali. Cada zona tem um foco no seu espaço, no seu perímetro.

P/1- O que significa para você ajudar mulheres da Zona Norte?

R- Eu tenho impressão, posso estar errada, que a Zona Norte tem carência muito mais do que a Zona Sul, porque a Zona Sul é a Zona em que tem o pessoal mais rico, onde o pessoal tem mais poder aquisitivo, e a Zona Norte tem menos poder aquisitivo. E projetos para pessoal da Zona Norte existem, mas não na mesma proporção que exista para a Zona Sul. Eu acho que a Zona Norte tem muito mais carência. Por isso a gente visou nessa parte de mulheres vulneráveis, porque a gente viu agora que muitas mulheres são arrimo de família, são elas que comandam a família. Às vezes a maioria não tem marido, então elas sustentam os seus filhos, às vezes até a mãe dela, os sobrinhos… e a mulher topa tudo, vender balinha no semáforo, faz doces, faz bolos, faz uma faichinha aqui, outra ali… e aí vai sustentando, vai tocando a vida. Não tem medo das intempéries, vão com a cara e a coragem. Porque não tem outro jeito, né?

P/1- E como a pandemia afetou esse projeto de vocês? Nesse aspecto mais profissional e pessoal para você.

R- Olha, todas nós, as cinco, a gente tinha uma expectativa de começar um negócio, de ter um… uma turma para trabalhar, para lapidar essas mulheres, para que depois que elas trabalhassem um período de tempo com a gente, de seis a oito meses, por exemplo, que elas pudessem ser encaminhadas para outras atividades, em outras empresas, outras fábricas. Aprendessem a costurar com a gente, por exemplo, e chegassem a conseguir emprego, seja na parte de costura ou em qualquer outro campo, mas que ela tivesse a auto-estima dela melhorada e que ela visse que é possível arrumar outro emprego. E quando chegou a pandemia, que tudo ficou paralisado: “Olha, a gente ia ter reunião dia tal, mas foi cancelado. Vamos ver no que vai dar, porque não pode mais se encontrar.” e os investidores também ficaram comigo, porque todo mundo sem dinheiro, tiveram que mandar embora seus empregados e ficou tudo paralisado. Uma das meninas até teve os seus produtos, bolos… caiu bastante o movimento. A outra estava a academia a ser inaugurada, teve que parar porque ficou tudo proibido. Acho que faz um mês e pouquinho que deram autorização… o governo autorizou as academias voltarem às atividades e ela está começando, engatinhando… A gente vê pelo Facebook dela que está acontecendo muitas coisas legais, então cada uma de nós está tocando de alguma forma, tentando se manter, seja com ajuda emergencial ou não. Ou com alguns bicos, algumas atividades paralelas, mas a gente sempre pensando: Quem sabe o ano que vem? Porque esse ano praticamente morreu, não tem mais o que fazer, mas tendo contato sempre com a Joice do Sebrae, vendo como estão as coisas… está começando a voltar os treinamentos lá no Sebrae. Tem vários cursos gratuitos que estão voltando a ter treinamento presencial; alguns ainda estão online, mas presencial está começando aos poucos, com restrições. Então, pouco a pouco estamos retomando. Vamos ver como vai ser o dia-a-dia agora.

P/1- E como foi o seu dia-a-dia nesse momento pandêmico?

P/1- O meu é estudar japonês, em todos os momentos, continuar estudando o centro espírita, que eu faço curso lá também. O voluntariado do centro parou, porque a gente não pode mais ir; o centro espírita está com as atividades fechadas e faz um mês, mais ou menos, que um casal de amigos meus, que estavam em Araçatuba, vieram para São Paulo para tentar alguma coisa aqui, mas a minha amiga está perdida, não sabe o que fazer, se São Paulo, se Araçatuba. Vieram para cá e hoje, inclusive, estão indo embora para Goiânia. Eu vim para entrevista e deixei eles lá com a chave da casa, com meus cachorros, e eles ao meio-dia vão embora para Goiânia para ver se há possibilidades lá também. Eles viram aqui que existem algumas possibilidades, o marido dela viu que trabalhar de Uber aqui dá. Ele ficou um mês aqui trabalhando com o Uber; ele teve mais resultado do que em Araçatuba, então é viável ele trabalhar aqui como Uber, mas talvez fique em Goiânia. Ainda estão decidindo entre Goiânia ou São Paulo. Então foi um mês bem corrido, mas eu estou conciliando a maior parte das minhas atividades em casa. Dando aula algumas vezes, porque o pessoal também acabou ficando sem dinheiro e estudar línguas não é prioridade agora, a prioridade é se manter: gastar o dinheiro com alimentação, com aluguel, com água, luz, gás e estudos é para depois. Eu vejo que as pessoas veem assim, não é um item de primeira necessidade. Idioma é uma das coisas que ficou para depois, se sobrar dinheiro, se der… Algumas pessoas estão querendo ir para o Japão agora, então começaram a procurar tradutores, porque existem documento que precisam ser traduzidos do português para o japonês, então aos pouquinhos algumas pessoas estão me procurando e eu consegui ajuda do governo ao Auxílio Emergencial, que é o que está bancando algumas coisas na minha casa. Eu não pago aluguel, mas tem as despesas do dia-a-dia e vamos ver o que vai dar no ano que vem. A última das hipóteses que eu e minha amiga estamos pensando seria voltar ao Japão. Mas para mim é quase impossível, porque eu não posso deixar os meus pais sozinhos, com a idade que eles estão, então tem que ser Brasil. Vamos ver qual vai ser o nosso destino ano que vem.

P/1- E o que você gosta de fazer nas suas horas de lazer?

R- Eu gosto de cozinhar. De fazer comida japonesa, de cuidar dos meus bichinhos, que eu tenho dois cachorros… ficar na casa da minha mãe, porque pela idade da minha mãe e do meu pai eles não saem quase, ficam a maior parte em casa, então a parte de coisas da rua, mercado, farmácia, banco… tudo sou eu que faço. Algumas partes o meu irmão ajuda também, mas a maioria sou eu: limpeza da casa… porque minha mãe já não tem idade para cuidar de uma casa sozinha. Os afazeres domésticos do dia-a-dia ela faz, mas o grosso fica para mim, então eu tenho que conciliar duas casas: a minha e a dela. E quando eu estou fazendo aula, ou alguma coisa, eu levo os meus cachorros para casa dela, ficam lá, e quando eu não estou dando aula, eles ficam em casa comigo. Eu falo para minha mãe que eles são os netinhos que eu não pude dar, então são os avós dos meus cachorros (risos).

P/1- E para você, o que é ser uma mulher empreendedora?

R- É um estímulo, mas também demonstração de coragem e força, porque a mulher por ser mulher já enfrenta muita coisa. É muita difícil. O homem não dá espaço para mulher galgar nada, ela tem sempre que provar três vezes mais. E não é só no Brasil, no Japão também é assim. O nosso salário era trinta por cento menos, aqui eu não tenho ideia se tem essa diferença, mas no Japão é diferente. Mas a gente fazia as mesmas atividades, seja suja, pesada, mas o nosso salário sempre foi menos, trinta por cento menos. Então eu vejo que aqui você tem muito mais dificuldade, porque você cuida da casa, você cuida dos filhos, quem tem filhos, ou dos bichinhos, quem tem bichinhos… tem atividades 24 horas e o homem não. O homem trabalha e chega em casa, tem a comidinha pronta, tem a roupa lavadinha e a gente não, a gente faz tudo. Então trabalhamos 24 horas por dia. É muito puxado e é matar um leão todos os dias. É um preconceito muito grande, eu sinto assim.

P/1- E o que representa a Zona Norte e o Imirim, que eu acredito é onde você cresceu, ai teve que ir morar no Japão, mas voltou e voltou para o seu bairro natal… o que ele representa na sua vida?

R- Eu gosto muito da Zona Norte, em especial o Imirim. Meus pais, meus avós, meus primos todos são do Imirim. De ponta a ponta, da Avenida Imirim, do começo ao fim, seja nas ruas intermediárias, tem parente meu. Então a gente vai a pé a todos os lugares, dá para ir a pé. E eu conheço tudo, sei onde tem tudo que eu preciso. Eu não consigo me ver morando em outro bairro. Eu gosto de outros lugares para passear, o bairro da Liberdade, por exemplo, eu gosto muito, me identifico bastante porque muitos dos cursos que eu faço é no bairro da Liberdade. O bairro de Santana, também Zona Norte… é tudo pertinho ali do Imirim, então eu só vejo como moradia o Imirim. Outros lugares só a passeio, outros estados também só a passeio (risos).

P/1- Em que lugares você costuma e gosta de frequentar lá na Zona Norte?

R- Lugares? Eu gosto muito de andar ali no antigo Carandiru, que é o parque da juventude, gosto do shopping. O center Norte é... desde que começou a ter o Center Norte, eu lembro que eu saia da faculdade, do cursinho, descia do metrô na estação Tietê e ia a pé. Na época tinha até um micro ônibus que levava da estação do Tietê até o shopping. Os meus amigos de faculdade, de curso, de trabalho, a gente almoçava no Center Norte, andava para fazer compras no Center Norte. E tem o bairro da Vila Nova Cachoeirinha também, que é bem perto; a gente costuma fazer muitas compras ali. Tem o Tucuruvi, que tem um shopping novo, né? Quero dizer “novo”, porque eu testei a pouco tempo de retorno ao Brasil. E tem tantas coisas interessantes na Zona Norte e tem também muitas coisas que eu não conheço ainda, que eu fico pesquisando na internet. Agora que meus amigos ficaram um mês aqui, eu pesquisava tudo para poder levá-los para conhecer: a Serra da Cantareira, o Horto Florestal, restaurantes que são famosos aqui na Zona Norte, que o pessoal tem especialidades de comidas, de danças… agora tem o CTN também na Zona… é considerado Zona Norte também porque é bem pertinho, Barra Funda é bem ali do lado. Então tem muitas coisas legais ali. Tem lugares que dá para você fazer caminhada, pra você… tem bibliotecas muito boas na Zona Norte, escolas boas. Tem escolas tanto públicas quanto particulares; as escolas mudaram bastante. Tem muitas atividades de igrejas, de centros espíritas, voltadas às pessoas que você não paga nada; desde ginástica, tricô, violão… se você procurar e não ficar só em casa, você acha muita coisa para fazer na Zona Norte.

P/1- E antes da pandemia, quais eram os trabalhos voluntários que você fazia no centro espírita?

R- Eu ajudava na lojinha de roupas que tem no centro e nos eventos. Eu era da parte do evento, então quando tinha alguma festa, teatro… então estava sempre ali ajudando. Agora com a pandemia está tudo fechado, então o voluntariado está meio que parado por enquanto. Tem um pessoal que faz separação de cestas básicas, mas com a pandemia não podem ir muitos voluntários, então cada semana é selecionado um grupinho de pessoas que vai para separar e fazer cestas e para entregar as cestas às famílias carentes, porque o centro da assistência todo mês. Eu não faço parte dessa turma de cesta básica, só dos eventos e fazia parte do trabalho na loja de usados que tem ali… Mas agora só ano que vem talvez (risos).

P/1- E quais são os seus sonhos?

R- Meu sonho é poder me sentir produtiva de novo. Eu dou a aula de japonês vez ou outra, porque parou bastante, mas eu queria muito ter um horário fixo de trabalho. Horário de começar e terminar e… ir progredindo e você vê resultados, progressos… conhecer mais gente, ajudar mais gente, se for possível, continuar com o voluntariado, terminar meu curso de cuidador de idosos que estou fazendo também... Estava né? Parou por causa da pandemia, mas esse curso é mais para… não para trabalhar como cuidadora, mas para ter noções de como cuidar dos meus pais na hora que eles mais precisarem, porque agora eles estão lúcidos, estão se movimentando sozinhos, mas uma hora vão precisar de alguém para dar banho, para dar comida, para dar suporte se tiverem problemas específicos que vai acontecendo com o avançar da idade. Então a gente precisa ter esse treinamento, vamos dizer assim, para a gente conseguir conciliar e não ficar em desespero, eu acho. Porque ser cuidador de idoso não é fácil; vejo pelas aulas que estamos tendo,

estava tendo, agora só online. Mas que é difícil, porque são crianças grandes e que você não pode ficar dando bronca, porque você… ao meu ver seria uma falta de respeito dar bronca toda hora, mas você também não pode ser tão mole e deixá-los fazerem o que quer, porque eles têm o jeito deles, que é diferente. Tem a teimosia… então tem que aprender a conciliar isso. Envolve Psicologia, envolve um monte de coisinhas (risos).

P/1- Você gostaria de acrescentar algo mais? Alguma história que não tenha instigado, alguma nova página na vida...

R- Bom, o que eu queria deixar de… talvez até como forma de agradecimento, é esse projeto ter surgido. Eu não tenho noção se já existiram outros, mas eu achei muito interessante por ser voltado para mulher e ter proporcionado para nós a chance de sonhar de novo. Eu falando por mim, especificamente, porque eu estava em um período pós-depressão e de estar confusa e não saber o que eu quero… e como chegar ao que eu quero e como voltar a sonhar. E eu acho que o centro espírita me deu esse alicerce, esse apoio espiritual e o Sebrae me mostrou que é possível, mesmo que não tenha dinheiro nenhum, você pode começar do zero, com tipo cinquenta reais e comprar uma barra de chocolate, umas forminhas e fazer um pouco de bombom e vender e talvez nisso começar alguma coisa, ou fazer um pãozinho, e depois, chegando a algum lugar maior. Então não é impossível. Se você tiver vontade e tiver alguém te dando apoio, te dando alicerce, te estruturando, te ensinando, mostrando que é viável, eu acho que a gente consegue sim. E o Sebrae me fez isso, o centro espírita me fez isso, me fez voltar a sonhar e ter esperanças de que alguma coisa de bom vai acontecer. Pode não ser hoje, pode ser que não seja amanhã, mas se a gente batalhar uma hora acontece. Cair do céu não vai, a gente tem que batalhar com certeza e correr atrás. Buscar as pessoas preparadas para ajudar a gente.

P/1- E Luzia, o que você acha da proposta de mulheres empreendedoras serem convidadas a contarem suas histórias de vida, através de um projeto de memórias?

R- Nossa, eu fiquei muito surpresa, quando me mandaram mensagem falando desse projeto. Eu falei: “Nossa, por que eu?”, porque eu não tenho nada de concreto, não fiz grandes conquistas e participei de uma forma bem reduzida no projeto, porque eu sou bem quietinha. Tem uma pessoa do meu grupo que era muito... é muito mais falante. Passou por muitas coisas; já abriu até um empreendimento, tem muito mais conteúdo, vamos dizer assim. Fiquei surpresa e fiquei muito feliz. Não sei ainda se eu estou fazendo certo, se vai valer a pena para vocês, se vai ser interessante… e eu fui pesquisar, porque eu nunca vi o Museu da Pessoa. Eu falei: “Onde fica? Porque nunca vi”. Fui procurar na internet, ai eu vi que é um museu virtual, que não é um que as pessoas visitam. E ainda não conversei com a Joice do Sebrae, contando essa novidade… Mais para frente, não sei se nesse final de semana eu consigo conversar com ela para contar. Talvez ela até já saiba se eu fui uma das escolhidas; não sei qual foi o critério das escolhas, mas eu fiquei muito feliz, muito gratificante, foi muito legal.

P/1- E o que você achou de ter participado dessa conversa?

R- Gostei muito. Apesar de estar um pouco nervosa (risos). Mas eu gostei muito. Espero que seja de alguma valia.

P/1- Com certeza. Todas, todas, todas histórias de vida importam e acrescentam, né?

R- Sim.

P/1- Então ter você aqui com a gente é um privilégio. Tenho certeza que sua história vai... todo mundo que ouvir vai se inspirar. Muito obrigada por ter topado participar, por ter dividido a sua história de vida com a gente. Muito obrigada, mesmo! Em meu nome e em nome do Museu.

R- Poxa, quem agradece sou eu, pela oportunidade de conhecer lugares diferentes, um novo museu que eu não conhecia e pessoas interessantes. Sempre é bom conhecer gente, culturas, histórias de vidas, compartilhar. Muito bom, obrigada.