Museu da Pessoa

O ouro do Jalapão

autoria: Museu da Pessoa personagem: Durvalina Ribeiro de Souza

Projeto: Mercado Livre - Biomas que Transformam
Entrevista de Durvalina Ribeiro de Souza
Entrevistada por Grazielle Pellicel
Local: São Paulo (SP) / Palmas (TO)
Data: 10/06/2022
Realização: Museu da Pessoa
Código da entrevista: PCSH_HV1207
Transcrita por Monica Alves
Revisada por Grazielle Pellicel

00:00:21
P/1 - Oi Durvalina, Tudo bem com você?
R - Tudo!
P/1 - Que bom!

00:00:26
P/1 - Para começar, eu gostaria que você dissesse seu nome completo, sua data e local de nascimento, por favor?
R - Durvalina Ribeiro de Souza, nascida em São Félix do Tocantins. Nasci em 1974, hoje estou com 49 anos de idade.

00:00:50
P/1 - Seus pais te contaram como foi o dia do seu nascimento?
R - ‘Falou’ não.
P/1 - Ninguém falou alguma coisa assim: “Aquele dia eu tive que ir até a casa, a parteira veio”, nada assim?
R - Não, ‘falaram’ não.

00:01:09
P/1 - Qual é o nome da sua mãe? Você pode falar um pouco sobre a família dela?
R - Minha mãe é Alzira Ribeiro Pereira.
P/1 - E como era a família dela?
R - A minha mãe veio de uma família humilde, uma família que sempre trabalhou na roça para poder ter a sobrevivência. Com vinte anos, ela casou e foi ter filhos; ela teve dez filhos, e vivos tem sete.

00:01:45
P/1 - E seu pai, qual que é o nome dele?
R -

Jaconias Pereira de Jesus. Meu pai, hoje, é falecido, já há cinco anos.

00:01:55
P/1 - Você teve contato com a família dele?
R - Tive. Eu convivia com a minha avó - a mãe dele -, com o meu avô, a gente morava bem próximo da casa deles. A nossa vivência era muito boa, dos meus avós da parte do meu pai.

00:02:13
P/1 - Tinha algum parente, algum tio, avô, avó que você lembra, assim, que é seu favorito?
R - Pela parte do meu pai, não. A família do meu pai foi uma família que a gente não teve muito contato, uma família pequena. Agora, da parte da minha mãe, eu tenho. Nós temos bastante tios por parte dela, e eu tenho dois tios, um tio e uma tia que mora em Brasília, que é a caçula, irmã da minha mãe, o meu tio por parte da minha mãe também, é um tio que mora próximo daqui de onde eu moro, o tio da minha preferência é esse.

00:02:54
P/1 - E porque você gosta bastante, mais do seu tio?
R - É a questão da convivência. É igual aos avós da gente: a gente gosta mais de quem fica mais próximo da gente, quem mais gosta da gente; a gente vê que tem um tratar diferente. Por isso que eu também senti que ele é um tio da minha preferência, porque ele me trata de outra forma do que os meus outros tios, a convivência é mais próxima dele do que dos outros.

00:03:27
P/1 - Qual era a atividade dos seus pais?
R - O meu pai sempre trabalhou na roça, mexia com plantação de arroz, plantação de cana, ele fazia rapadura, passava tempo moendo, tocava boi, tinha um engenho de madeira. A rotina do meu pai, até ele morrer, foi essa, ele sempre trabalhou na roça até chegar o tempo dele se aposentar. Quando ele se aposentou, adoeceu, daí não aguentou mais trabalhar. Mas assim mesmo, ele tinha força de vontade para trabalhar, só que não dava mais conta.

00:04:05
P/1 - Sua mãe também?
R - Minha mãe também sempre foi lavradora, trabalhava na roça, ajudava o meu pai, plantava roça bem longe de onde a gente morava. Às vezes, a gente levava um dia para chegar nesse local, a gente ia a pé, ficava mais de mês, dois meses por lá, na roça, para os passarinhos não comerem o arroz, para a gente conseguir fazer a colheita. A nossa vida foi um pouco bem sofrida, mas a gente só agradece de estar vivo.

00:04:35
P/1 - E era colheita do que geralmente?
R - Arroz. Esse arroz era pego a mão, cacho por cacho, a gente cortava os dedos, ele arrumava as pessoas e levava. No tempo da colheita, ele levava o pessoal para ajudar a colher aqueles mantimentos que ele plantava. A gente passava dois meses lá, até porque quando o arroz começava a amadurecer, ele levava a gente para ficar lá vigiando os periquitos na roça, e quando o arroz ficava no tempo de colher, ele voltava até a nossa casa, lá na fazenda, zona rural, e levava, arrumava os apanhadores para ir, para colher aquele mantimento que era aquele arroz. Quando aquele arroz era colhido, era feito com paiol - a gente chamava de paiol -, feito de palha, botava aquele arroz todinho sem tirar do cacho, empilhava ele. Quando era para buscar o arroz, ele ia e esfregava esse arroz com os pés, pegava esse arroz, botava no saco e levava. Quando chegava lá, ele colocava no sol, tinha que ir para o sol para ficar limpo e a gente poder socar no pilão pra gente poder cozinhar. Todo dia a gente fazia isso na hora quando estava perto do almoço: botava no sol, o arroz secava; quando ele secava, a gente ia para o pilão e colocava aquele arroz, tanto [o] arroz… Eram dois serviços que a gente fazia: era o arroz para comer [ao] meio dia, para alimentar os sete filhos, meu pai e minha mãe, somaria nove pessoas, todo dia para fazer isso; quando era umas dezoito horas, nós tínhamos que torrar para fazer a mesma coisa, ir de novo para o pilão, socar o arroz para fazer a janta. A nossa rotina foi essa, até chegar o tempo da gente sair, estudar também. A nossa trajetória foi bem sofrida mesmo, mas hoje a gente até agradece pelos sofrimentos que a gente passou, aprendeu uma lição de vida com isso.

00:06:43
P/1 - Você falou que ajudava também, você se dividia entre a escola e a colheita?
R - Sim. Essas pessoas que meu pai colocava, eu estava no meio. Eu era bem nova, tinha meus quinze para dezesseis anos. Só neste local que ele colocou essas roças, foram cinco roças, e todas as cinco eu ia para ajudar, porque sempre tem um que eles acham mais esperto do que o outro, é mais duro do que aquela pessoa, tem mais disponibilidade para fazer as coisas. Então, sempre tem aqueles que eles escolhem para ir mais na frente, e eu sempre ia. Às vezes [meu pai] ficava dois meses longe de gente, às vezes só tinha um morador onde ele derrubava essas roças, mas eu até gostava, porque a gente pegava arroz durante o dia. Quando os apanhadores já iam, que já chamava aquele pessoal para ir para o rio… A gente trabalhava o dia todo, só tinha o horário de almoço, meio dia a gente almoçava, treze horas voltava para fazer aquela colheita, que tinha que acabar logo para voltar. Quando era a noite, a gente ainda tinha pique para brincar, umas brincadeiras que se chamava roda chata: a gente fazia um cordão de pessoas e passava a noite brincando com a fogueira acesa, porque, na verdade, não tinha energia, era fogo a lenha; fazia aquela fogueira e a gente ia brincar. No outro dia, a gente amanhecia feliz, já pensando no outro dia, [que] tornava a fazer a mesma brincadeira. Uma infância que a gente fala que é de sofrimento, mas a nossa infância a gente curtiu muito.

00:08:26
P/1 - Você comentou que vocês socavam o arroz: que receita vocês faziam com esse arroz socado?
R - Com esse arroz, a gente fazia a merenda dos trabalhadores, a gente socava para dar almoço para os trabalhadores, e socava para fazer o beiju de arroz feito na panela: ele era colocado água, a gente fazia aquele fubá e virava um pó. Fubá [que eu digo] é [o] fubá de arroz, não é esse fubá que tem hoje. Aquele fubá, minha mãe pegava, colocava em uma vasilha, jogava água, óleo e misturava, depois ele vinha com óleo na panela, colocava no fogo a lenha, vinha com aquele fubá junto com água e óleo e colocava na panela para fazer o beiju. O beiju cozinhava, ele ficava durinho, virava de um lado para o outro, e ali era a merenda que dava para os trabalhadores comerem todos os dias, todos os dias a gente tinha que fazer a mesma coisa. Um pouco antes do arroz amadurecer direito, quando não dava para socar sem colocar no sol, a gente torrava em uma panela, socava aquele arroz, limpava. Ele ficava um pouco escuro, não fica aquele arroz clarinho. Ele ficava bem mais escurinho devido a torragem dele no fogo, e ficava gostoso, o povo gostava demais. Todo mundo queria comer aquele arroz.

00:09:55
P/1 - Você comentou que você tem irmãos, quantos são?
R - Nós somos em sete irmãos, são cinco mulheres e dois homens. Morreram três, [as] duas já [eram] grandes e minha mãe teve uma perda… Essas que nasceram… Na verdade, eram nove filhos, morreram duas: uma com cinco anos; morreu outra com três anos e catorze dias, ela nasceu com a cabeça grande. Como a gente morava em um local que não tinha recurso… Eu vejo [que] se fosse hoje a minha irmã não teria morrido, porque tinha recurso para fazer uma cirurgia e ela ficaria boa. Ela nasceu com a cabeça grande, não andava, não falava, tinha o olhinho virado, foi muita coisa que aconteceu. As últimas duas filhas que ela teve foi assim que a gente perdeu. A gente sofreu muito, eu lembro que eu já tinha meus treze anos quando a última morreu [e] a gente sofreu muito. A gente era muito apegado, já éramos um pouco grande, e elas eram as únicas menores que tinham, [aí] a gente sofreu muito [com] a perda delas.

00:11:14
P/1 - E a relação com seus irmãos era boa? Você comentou que gostava de brincar, era com eles que você brincava?
R - Era com eles e com o pessoal que ia, porque só iam pessoas solteiras, eram meus irmãos solteiros, que eram ‘rapaz’ já, adulto. Nós éramos mais novinhas, mas todo mundo entrava na brincadeira. Através dessas brincadeiras rolava até namoro, porque as moças que iam também eram solteiras, e meus irmãos solteiros também, então acabava namorando. É tanto que uma dessas meninas hoje, que ia apanhar arroz para o meu pai, para nós, hoje é minha cunhada; meu irmão hoje é casado com uma dessas meninas. Era bom demais. E a convivência com os meus irmãos é muito boa, graças a Deus a gente tem uma convivência muito boa com todos. A gente comenta com as pessoas que a gente vê a desunião das famílias, e eu falo, nós somos sete irmãos vivos, e até hoje a gente, quando se encontra, todos têm o prazer de fazer um banquete, comida, dar o que é de melhor para a família. A gente tem aquele prazer. Todos nós somos desse jeito até hoje. O meu pai faleceu… E eu sempre tentei conversar, porque eu sou a quarta [filha]. Tem dois irmãos que são mais velhos, a minha irmã mais velha e eu, [que] sou a quarta dos filhos dela. O meu pai faleceu e deixou um terreno, e eu sempre comento, meus irmãos moram lá dentro, a minha mãe mora lá, eu falo para eles: “Gente, essa terra, a gente vai ter que dividir, mas eu não quero que a gente divida sem uma conclusão”, que até hoje nós somos muito unidos, e é muito chato a gente se separar. Eu mesma sou muito família, sou muito apegada com a minha família [e] não quero que isso aconteça, para a gente ter que se afastar um do outro, porque fica muito chato.

00:13:24
P/1 - Você comentou de banquete. Vocês gostavam de festa, comemoravam alguma coisa?
R - Sim, minha mãe até reza. Minha mãe é muito católica, tem um altar dentro da casa dela, tem as imagens dos santos, a reverência dela, é tanto que quando eu me entendi, a minha mãe faz Festa do Divino Espírito Santo, e ela festeja até hoje. Domingo agora é a reza dela, dia 12, ela dá comida para o pessoal. Nunca deixou [de dar]. Ela reza o dia do Divino Espírito Santo, dá comida para todas as pessoas que vão, e vai muita gente lá na casa dela. Quando é dia 12 de setembro, ela também reza, dá comida para o pessoal; dia 06 de agosto, ela reza, dá comida para o pessoal. E quando a gente morava lá na zona rural, tinham muitos festejos. A minha infância foi boa porque a gente ia para as festas, [e] através das festas arrumava um namorado, ia para as festas para dançar. Eu gostava de dançar. Hoje é que eu não danço mais, mas eu era pé de festa, falavam que eu era pé de festa, e eu digo que sou mesmo. Era muito legal aquelas festas que tinham na zona rural, porque quase todos tinham os festejos de um santo que eles pegavam a reverência; eles diziam assim: “É para santo [tal] que eu vou pedir as coisas, ele vai nos ajudar”. Tinha muita festa mesmo, de tradição. A minha avó levantava o mastre, tinha as noivas - chamava de noiva, o palavreado antigo -, tinha aquela noite que tinha os noiteiros. Eram nove dias de noite, cada dia eram duas pessoas que pegavam aquela noite. Naquela noite, a gente ia, e era bem pertinho da nossa casa, todo dia tinha aquele local pra gente ir. E o que a gente achava bom, é que os noiveiros levavam bolo, café, leite, essas coisas para dar para o pessoal depois que terminava a reza. Terminava a reza, rodeava batendo com o tambor ao redor da mastre e depois a gente vinha dançando. Se fosse a noite da gente, igual era noiteiro naquele dia, eu vinha dançando com o outro parceiro, com a vela na mão, cantando e batendo tambor com as pessoas que vinham atrás. Legal demais! Tinha a levada do mastro… Eu sei que era muito bom. Depois, quando terminava a noite, dava o lanche, dava aqueles bolos para o pessoal comer e vinha a festa; meu primo tinha uma radiola, a radiola que tocava na festa para a gente dançar. Radiolinha com disco, aquelas músicas bem antigas; as irmãs Freire, tinha o disco delas; o que mais rolava era Zé Piatã. Eram aquelas músicas que a gente dançava tocadas na radiola.

00:16:37
P/1 - Você comentou que vocês namoravam, vocês faziam isso na frente dos pais?
R - O namoro era escondido, porque não podia namorar na frente que apanhava. Na verdade, naquele tempo, era um namoro que a gente namorava… Não namorava na frente dos pais, mas era um namoro de respeito, era mais um namoro para dizer assim: “Eu tenho um namorado”, mas aquele namoro que sentava perto. Não tinha aquele negócio de ficar beijando na frente dos pais. Para dar um beijinho tinha que ir atrás das casas no escuro, porque na zona rural, na época, só tinha lamparina, não tinha luz, energia igual tem hoje, como na casa da minha mãe hoje tem energia, tem tudo. Era tudo na luz da lamparina, então a gente aproveitava, porque só ficava claro no salão da festa, e às vezes até uma lamparina velha que ficava ali pelo terreiro da casa. Então a gente aproveitava atrás das casas que…, ficava escondido para dar uns beijos no namorado. Mas era só beijo mesmo, não tinha outras coisas não. Era só beijo mesmo!

00:17:44
P/1 - E no dia a dia, você tinha costume de dormir cedo por causa dessa lamparina?
R - Na verdade, a gente não dormia cedo não, porque tinham as lamparinas quando era noite. Na verdade, nós sempre trabalhamos, minha mãe sempre ensinou a gente a trabalhar. Minha mãe fiava na roda; quando era de noite, ela colocava a gente para limpar o algodão, descaroçar o algodão, e era no dedo, não tinha como descaroçar o algodão se não fosse no dedo. Então, à noite, a gente não dormia cedo, ela colocava a gente para descaroçar o algodão. Às vezes ela ia até bater o algodão [e], no outro dia, cedo, ela levantava para afiar aquela linha, para fazer rede pra gente dormir, até roupa ela chegou fazer pra gente usar, fazia as roupas de trabalho do meu pai, era calça de algodão. Então a gente não teve uma infância de dormir cedo, e quando a gente não estava no algodão, ela colocava a gente para quebrar pinhão para fazer sabão, porque na época a gente não usava esse sabão que tem hoje. Até o sabão para tomar banho era feito de coada: derrubava a coivara, tinha uma pau que era específico para fazer aquela coivara, meu pai tocava fogo, a gente amontoava aqueles paus, ele colocava fogo, queimava e virava cinza; minha mãe ia e pegava aquela cinza, pegava um cacite - a palavra que a gente usava era um cacite -, pegava umas pontas de buriti, ela amarrava - aliás, se duas mãos desse, ela amarrava três para poder fazer o cacite -, pegava aquela cinza, ia molhando aos pouquinhos, e com a mão de pilão que socava o arroz, ela vinha, socava até ficar durinho. O fundo do cacite era forrado com capim agreste para a cinza não derramar. Quando terminava esse procedimento todinho, ela ia colocando água; tinha que estar colocando água o tempo todo até essa água passar e virar de coada para ela cair escura, colocava uma vasilha abaixo daquele cacite e ficava pingando o todo. Ela juntava aquilo ali para fazer o sabão do pinhão ou do pequi. Então a gente nunca dormiu cedo. Quando tinha um tempo livre, o que a gente fazia? Durante o dia, ela colocava a gente para descascar pequi junto com ela, e quando era a noite, ia cozinhar aquele pequi. E o que cozinhava mais cedo, a gente ia raspar com a colher aquele pequi, fazia os bolos dele para poder fazer o sabão, porque a gente guardava o pequi para fazer o ano todo aquele sabão. A gente nunca teve a questão de dormir cedo, porque sempre a gente tinha uma atividade para fazer. Chegando aos doze anos, a gente não estudava. Minha outra irmã, com mais idade, meus irmãos, ninguém estudava porque não tinha aula onde a gente morava. Meu pai trabalhava sempre com o meu avô, eles vinham para Ponte Alta à cavalo, o meu avô vinha receber a aposentadoria dele, todo mês era essa rotina, quinze, vinte dias para chegar, ir e voltar. Os votos de Mateiros, lá, o pessoal do município, vinham tudo para Ponte Alta, não tinha municipado, todo o nosso município era Mateiros, e o meu pai, com essas triata dele por aí, chegou no prefeito de Ponte Alta e pediu que queria uma escola para a região. O meu pai era uma pessoa que tinha muito interesse que a gente estudasse. A minha mãe era mesmo…, ela falava mais no serviço, mas o meu pai sempre teve vontade que a gente estudasse. Ele foi e solicitou a escola, a gente ganhou, o meu pai ganhou escola, só que não tinha colégio, [então] o meu pai cedeu a casa dele para a escola e nós começamos a estudar. A gente estudava e trabalhava. Quando tinham as provas e tinha as roças, a gente deixava de fazer as provas para ir para a roça, porque a gente tinha que ir para ajudar eles, a minha mãe conversava, chegava zangada, falava: “É uma lei que quer mandar nos filhos, que os pais não mandam mais”, mas não era lei, era uma coisa que também [que] se a gente não estudasse, hoje eu acho que eu nem poderia estar falando com você, eu não iria ter conhecimento nenhum de falar, Eu sei que quando a gente chegava, a professora dava as nossas provas. Já tinha passado para os outros, mas ela dava. A gente não deixou de fazer as provas, e a gente estudava até mais tarde por causa da lamparina. A gente estudou com luz de lamparina porque não tinha energia.

00:23:11
P/1 - E por que estudar era tão importante para o seu pai?
R - Porque eu acho que o meu pai pensava além para os filhos dele, meu pai não queria que a gente tivesse o mesmo sofrimento dele na roça, ele pensava da gente ter uma vida melhor do que a dele. Meu pai era analfabeto, ele não queria a gente com a mesma formação dele, ele não queria ver a gente trabalhando na roça. Por ele, a gente nem ia para a roça. Quando não tinha aula, ele queria que a gente saísse para outro lugar, nem que fosse trabalhar no plantio dos outros. Ele preferia que a gente estudasse, porque ele sabia que se a gente estudasse, poderia ir além, poderia ter um conhecimento melhor, arrumar um emprego, ter uma vida melhor do que a dele.

00:23:54
P/1 - E você comentou que entrou para a escola um pouquinho mais tarde. Como foi essa experiência de pisar na escola pela primeira vez?
R - A experiência foi boa, porque a gente tinha vontade. Até porque quando eu fui para a escola, eu já namorava. Quem lia as minhas cartas era minha prima Dalva, era ela quem primeiro sabia das coisas que o namorado estava mandando para mim, então a empolgação da gente era, a gente pensava assim: “Se a gente for para a escola, vamos aprender a ler, e não vou mais precisar que minha prima leia carta para mim”, eu pensava assim. Eu coloco ela para fazer uma carta falando uma coisa, e ela coloca outra que não tem nada a ver do que eu estou pedindo para ela colocar, porque eu não sei ler. Então a empolgação era essa de ir para a escola, para aprender a ler, para poder ler as cartas do namorado e mandar cartas para o namorado também. A minha mãe tem um palavreado assim: “O espírito, quando tem impureza, já vem com a conta”, e eu sempre fui aquela menina espoleta. É tanto que em nossas brincadeiras, eu sempre dizia assim: “O meu sonho é morar na cidade e ter uma casa”, porque para mim, naquele tempo, quem tinha uma casa na cerâmica, a gente achava que era rico, era o mais rico que existia. Eu dizia que queria ter uma casa na cerâmica, o meu sonho era ter um carro, a minha mãe dizia assim: “Minha filha você é muito exibida”, achava que aquilo ali era um exibimento, mas acho que era a minha personalidade. Eu já pensava naquilo. Eu era uma menina nova, mas pensava que aquilo era algum futuro, que eu iria ter aquilo e iria estar bem.

00:25:37
P/1 - Seus pais te contavam histórias?
R - Contavam. A minha mãe foi menos, mas o meu pai contava história, até porque o meu pai era muito alegre. A minha tia, irmã do meu pai, já é falecida, a gente gostava muito dela, ela era uma pessoa que sempre gostava de dormir na nossa casa também, e à noite ela contava umas histórias tão engraçadas pra gente, colocava a gente para dormir. Ela ia contando as histórias que hoje eu não me recordo mais. Eu lembro que ela contava histórias, mas não aprendi nenhuma história dela. E as histórias dela eram tão engraçadas, a gente ficava: “Tia, não vai dormir, não, conta mais histórias para nós”, todos ao redor dela e ela ficava contando história. E não era estudada, também não tinha estudo. As minhas tias por parte de pai, nenhuma estudou, são analfabetas.

00:26:40
P/1 - E seu pai, sua tia, eles eram naturalmente alegres, sempre foram assim?
R - O meu pai era alegre, era muito querido, bem querido. Meu pai era aquela pessoa. Eu até sou pequenininha, puxando para ele. Sou bem pequena, eu tenho 1,40 metro. A minha mãe é grandona, meus tios por parte da minha mãe são grandões também, mas o meu pai era pequenininho e eu puxei para ele. Só que pensa em uma pessoa pequena, amada, era a pessoa da região que os políticos procuravam, meu pai. Quando iam chamar, falavam assim: “A casa do Sr. Jacó”. A nossa casa é uma casa, assim, [que] até hoje a gente tem essa casa lá, porque a casa dos pais da gente, a gente nunca deixa de dizer que é a casa da gente: eu chamo lá “em casa”; a casa da minha mãe, hoje, eu falo “nossa casa”. Foi um ponto de apoio para os políticos de Ponte Alta. Quando iam os políticos pedir voto para o pessoal, porque os votos, se eles não fossem, o povo não ia saber em quem votar. Só mandava por outra pessoa: “Vota em fulano”, então eles saiam naquele dia pedindo voto. E lá era o local de hospedar o pessoal que ia, fazer almoço, outra vezes a pessoa dormia. Era um ponto de apoio, de arranjo para as pessoas que também passavam. A gente morava em um local que todos os transportes de carro…, [eram] à cavalo, porque carro quase não tinha na época. Era mais cavalo. Então ali era um ponto de descanso ou de dormida de pessoas que iam se deslocando. Acho que um pouco eu puxei para o meu pai, o sorriso, a alegria, eu tenho certeza. A minha mãe é fechada, mas o meu pai fazia amizade com todas as pessoas, muito fácil para fazer amizade, e eu sou essa pessoa que me identifico muito com ele. Eu sinto muita saudade do meu pai, eu queria que ele ainda estivesse vivo. Meu pai era uma pessoa boa demais.

00:28:50
P/1 - Você sabe dos seus avós? Eles também eram do Tocantins ou vieram de outro lugar?
R - O meu avô por parte de pai veio do Piauí, só que é uma família que a gente não sabe a origem deles, quem são o povo deles. A família por parte do meu pai, a gente quase não conheceu ninguém, a gente não conheceu; mais irmãos do meu avô, que era [o] irmão dele. Quando aqui próximo de Palmas, eu já morando aqui, foi que a gente descobriu uns parentes por parte do meu pai, que era do meu avô, da minha avó, a gente descobriu uns parentes, que chegou até a fazer amizade, ficamos amigos deles. A gente foi visitar, eles também vinham visitar a gente. A família é pequena mesmo, bem pouco o pessoal.

00:29:44
P/1 - E seus avós por parte de mãe?
R - Agora, a parte da minha mãe, a minha família é grande. É gente! A família Ribeiro que existe aqui, todos são nossos parentes. Eu digo, assim, [que] se candidatasse um e reunisse para fazer, eleger um Deputado, [conseguia]. A nossa família é grande, é de sumir de vista de tão grande que é a família da minha mãe, é muita gente mesmo. Eu sou quilombola; esse povoado chamado Povoado Prata, que é próximo a São Félix, de onde eu fui registrada, esse pessoal que tem lá são todos meus parentes: o que não é tio, é primo. Só tem uma família que mora lá que não são nossos parentes, o resto todos são por parte da minha mãe.

00:30:42
P/1 - E comunidade quilombola todo mundo é próximo assim?
R - São, a gente é bem próximo. Eu me dou muito [bem] com a família da minha mãe, sou muito próxima, tem muita gente. Até porque, no início, que eu vim embora para Palmas, muitas pessoas precisavam da gente, a minha casa era um local para as pessoas vir, ajudar quem vinha doente, quem não tinha onde ficar. A gente sempre deu a mão para esse pessoal, a gente é próximo dessa família.

00:31:15
P/1 - Voltando para a infância, você lembra da primeira casa que você morou, consegue descrevê-la?
R - Sim, a nossa primeira casa que a gente morou sempre foi de palha, feita de palha… Mas a nossa primeira casa era de taipa, casa de taipa que a gente chama: é uma casa que vem com pau a pique em pé, depois vem com os paus, vai amarrando; nessa amarração, amassa o barro e vem jogando por dentro do envaramento que está amarrado. A nossa primeira casa era uma casa desse jeito [e] moramos muito tempo nela, sem reboco. Depois que pegaram o barro e rebocaram. As portas da nossa casa que era a sala de aula, que era onde a gente estudava, que foi da escola do meu pai conseguiu. A porta da nossa casa era de buriti, feita de buriti, não era nem de madeira. O armarinho da primeira casa que a gente morou era feito de buriti também, a gente colocava as louças, o pote era feito tipo uma mureta de barro e ficavam os dois potes com as tampinhas em cima para a gente tomar água. Acima do pote tinha uma prateleira, que tinha uns paninhos forrando, que ficavam os copos, os copos sem orelha e um com orelha, que aquele ali era para as pessoas tirar água, para não colocar o mesmo copo que tirou a água dentro da água que a gente estava tomando, que todo mundo que chegava bebia aquela água ali. A nossa cozinha era tampada de palha, as paredes… Porque todas as casas eram de palha, mas aí a parede ao redor também era de palha. A primeira casa que a gente morou, a cozinha era desse jeito, só que o meu pai resolveu, fez uma casa melhor, já fez de adobe: faz a forma, corta, faz adobe e depois manda levantar a casa. Essa foi a casa que a minha mãe mora, já é uma casa melhor essa que está hoje. [Quando] ele morreu, já morava nesta casa há um bom tempo também. Essa casinha ficou e depois caiu, a primeira casa.

00:33:50
P/1 - Ela caiu por causa do quê?
R - Porque ficou velha e não foi cuidando mais. Era feita toda de madeira na parte de cima, dava cupim. Eu sei que quando a gente saiu da casa, ela se sentiu abandonada também. Eu sei que com esse abandono, ela foi indo e acabou, porque tudo que você não cuida, acaba. Eu sei que chegou [a] acabar essa primeira casinha que a gente morava.

00:34:22
P/1 - Chegou algum momento na época na vida de vocês, que vocês começaram a ter rádio ou TV?
R - Rádio.

00:34:33
P/1 - E vocês tinham costume de ouvir rádio em família?
R - Esse rádio mesmo, na verdade, a gente ouvia mais notícias. Não era todo mundo que tinha rádio, um radinho assim. Não ouvia porque a todo tempo também não dava para ficar ouvindo rádio o dia todo, porque sempre a gente trabalhava na roça, ou se não estivesse trabalhando na roça, ia para a escola, que depois já veio a escola. Mas, antes disso, as nossas brincadeiras eram essas: era brincar ou trabalhar fazendo essas mesmas atividades que eu falei.

00:35:10
P/1 - Além das brincadeiras que você falou antes, tem alguma que você tem favorita, que vocês gostavam de brincar?
R - Brincava de boneca. A gente brincava de boneca, e as nossas bonecas não eram bonecas compradas em loja, porque a gente não tinha dinheiro para comprar boneca de loja. As nossas bonecas eram feitas de buriti, que a gente mesmo fazia: a gente pegava o buriti, o braço do buriti, cortava ele, descascava, fazia a boneca; ou senão, no tempo do milho, a gente quebrava as espigas de milho [para] as bonequinhas de milho, a gente pegava escondido do meu pai, a gente fazia delas as bonecas por causa dos cabelos do milho; ou a gente arrancava os cabelos dos milhos para colocar nas nossas bonecas de madeira, que a gente fazia umas de madeira também, um ganchinho de pau que ele tinha uma perninha para baixo, que a perninha dele era para cima, mas quando a gente cortava ficava para baixo, aí tinha um bracinho. Aquilo ali, a gente fazia uma boneca. A gente pegava a cera da abelha, esfregava na cabeça do pau e colocava cabelo do milho. Fazia roupinha com retalho de pano, porque, na época, a gente não tinha muita roupa, nossa roupa era pouquíssima, então até para cortar uma roupa, a gente não contava, [era] muito difícil. A gente cortava aqueles paninhos velhos que jogavam ali no mato e fazia roupa para nossas bonecas. Pegava agulha da minha mãe, que agulha na época era bem difícil também, as agulhas dela costurar, minha mãe era costureira, minha mãe costurava na máquina - ela fiava, tecia e costurava na máquina também -, fazia as nossas roupas. A gente pegava a agulha dela, a gente quebrava, a gente ficava com medo da veia, porque às vezes a gente quebrava e quando ia colocar, a linha não dava certo, puxava o pano [e] não saía, porque o pano estava tão duro que estava lá naquele mato. Eu sei que a gente quebrava essa agulha, pegava e colocava caladinha lá nas coisas dela, mas sabendo que depois às consequências vinham para cima de nós, porque ela ia investigar quem tinha quebrado aquela agulha. Se alguém visse, falava [que] foi fulano. Mas se ninguém visse, ela falava: “Foi você? Foi você?".. Um dizia: “Não fui eu”, aquela história de negar as coisas, fazer e dizer que não fez. Sei que ela brigava, acabava e não apanhava não. Outra vez, eu lembro que a gente apanhou. Porque eu até esqueci de falar, eu tenho mais quatro irmãos fora do casamento. Eu falei só dos que foram do casamento, mesmo, da minha mãe. O meu pai quando casou, tinha dois filhos, e depois do casamento, ele teve mais dois fora. E esse, que é o mais velho de todos, que foi de um namorico, ele morava fora e foi para lá. Eles levaram muita roupa, ele e a mãe dele. [Aí] tinha uma camisa, [e] a gente, para fazer roupa para a boneca, o que a gente fez? Nós pegamos a camisa do meu irmão que estava rasgada nas costas, tinha só um rasgão, a gente pegou essa camisa, rasgamos e fizemos as roupas para as nossas bonecas, dissemos que estavam passeando. Quando foi de tardezinha, nesse dia, tinha uma festa na casa da minha avó, quando eles chegaram, a mãe dele, que não é mãe, chamava de mãe porque criou, era avó, ela chegou na minha mãe e falou: “Olha Alzira, as meninas rasgaram a camisa do Edinho”. Quase na hora da festa, de se arrumarem para ir para a festa, minha mãe chamou nós cinco, colocou nós de joelho; pediu a mão e deu seis bolos na mão de cada uma, e falou: “Isso é para você nunca mais fazerem isso. Eu não mandei vocês pegarem camisa sem ordem dos outros e rasgar. Eu não quero você com isso!", nós saímos chorando. E [ela ainda] disse: “Daqui a pouco vocês vão tomar banho para ir para festa”, todo mundo com as mãos ardendo de peia, de bolo, de palmatória. Era palmatória feita de madeira, porque na escola, quando a gente estudava, tinha agonia de palmatória; quem não soubesse a palavra, dava um bolo no outro. Eu ainda fui do tempo da palmatória, estudei no tempo da palmatória.

00:39:13
P/1 - E sua mãe era brava?
R - A minha mãe era. Até hoje ela é meio brava. Só que ela era assim, brigava o dia inteiro com a gente, mandava a gente fazer as coisas. A gente indo e ela brigando: “Vai fazer as coisas, vai fazer as coisas!".. A gente sempre fazendo e ela brigando, mas ela era daquela que brigava, a gente deixava tudo arrumadinho. E a gente quase não tinha medo dela, a gente tinha medo era do meu pai. Meu pai quando vinha falar uma coisa, a gente tinha medo, porque dificilmente ele chamava atenção, e quando ele chamava, a gente tinha medo. Agora, a minha mãe, a gente [se] acostumou, porque todo dia ela falava a mesma coisa. “Não bate não, isso daí é só promessa”, ficava desse jeito: promete, promete, e não bate. Ela tinha aquelas brigas dela, mas, assim mesmo, é a pessoa que eu amo. Eu falo: “Gente, vocês que amem suas mães, porque eu amo a minha até hoje. Ela está com 76 anos, não quero perder a minha mãe por nada”. Ela já foi muito doente, teve muito problema de saúde. Ela enfrentou um câncer em 2010, e hoje está bem, graças a Deus. As brabezas dela, hoje eu sinto muita saudade; hoje eu moro a 360 quilômetros de distância dela.

00:40:46
P/1 - E seu pai, faz tempo que ele faleceu?
R - Faz seis anos. Já faz um bom tempo. Ele faleceu [no] dia 7 de setembro, [e] todas as datas eu fico muito triste. É uma data que eu digo: “Gente, eu sei o que é o 7 de setembro, respeito, mas para mim não tem mais sentido, porque foi o dia da perda do meu pai”.

00:41:16
P/1 - E você, quando criança, tinha algum sonho, de: “Quando eu crescer, quero ser isso”?
R - A gente brincava muito de eu ter o meu negócio. Com nove anos, o meu pai conseguiu comprar um pedaço de pano para mim de um serviço que eu fiz. Minha mãe foi pegar côco macaúba em um local, em uma fazenda de um pessoal e me levou. Eu nunca fui grande mesmo, sempre pequenininha, e eu catando os côcos junto com ela, ela disse: “Minha filha, eu vou fazer uma garrafa de azeite de côco para você, e seu pai vai levar e vender no Piauí”. Eu disse: “Mãe, vou pedir para o meu pai comprar um pedaço de pano para mim”, meu pai trouxe aquele pedaço de pano, fiz aquele vestido. Eu sempre gostei de inventar alguma coisa, porque quando a gente é criança e tem um sonho, a gente já começa a sonhar desde criança. Eu tinha muita vontade de ter minha coisas boas, de vestir bem, ter um calçado bom. Sempre corri atrás do meu objetivo. E minha mãe, com as minhas outras irmãs, faziam canteiros também. Quando ela terminava, que a gente ajudava a fazer, ela dividia e dava para cada uma um pedaço. Ela contava cebola pra gente, cebola de cabeça; eu tinha tanta sorte que o meu canteiro dava melhor que o das minhas irmãs, dava mais cebola, a cabeça dava melhor. E dali a gente ia comprando aquelas roupas. Eu pensava: “Um dia - eu tinha um sonho, de dizer que eu ia ser rica -, eu quero ser rica, quero ter um dinheiro, quero ter as coisas boas”. Até hoje eu digo assim: “O meu sonho eu já alcancei; a meta do meu sonho, eu já alcancei”, só Deus sabe, na capital, ter casa própria, trabalhar no trabalho que eu trabalho, o conhecimento de viajar, eu conheço muitos lugares. Para mim, eu já digo que sou uma vencedora, pela história de vida que a gente teve, mas eu ainda tenho muito sonho. Eu tenho um sonho de realizar, [de] dar uma cozinha para a minha mãe, porque a cozinha da minha mãe é muito precária. Tenho certeza que Deus vai me dar oportunidade em realizá-lo, de fazer isso por ela, antes que ela parta; ou eu posso partir antes que ela, não é mais de idade que a pessoa morre.

00:43:58
P/1 - Algum professor da escola te marcou?
R - Tem o primeiro professor que eu comecei a estudar, esse professor me marcou. Foi com ele que eu aprendi a escrever o meu nome. Eu não aprendi a ler todas as coisas, mas com ele eu aprendi a escrever o meu nome, então é uma pessoa que eu tenho grande carinho. Hoje sou muito grata por ele.

00:44:33
P/1 - Você tinha comentado que antes do professor você tinha aprendido com outras pessoas?
R - Meu primeiro professor é irmão da outra professora que me ensinou, que eu aprendi a ler. A gente estudava, eu tinha começado com a professora que deu aula dentro da casa do meu pai, teve esse outro professor que a gente viajava seis quilômetros para estudar, e esse professor era irmão dessa menina que a professora foi parar dentro da nossa casa, e com ela eu aprendi a escrever o meu nome. E com essa outra professora, eu aprendi a ler e a escrever, que é irmã desse meu primeiro professor. Eu sou grata aos dois, tenho grande respeito por eles. Às vezes a gente tem até um carinho com aquela pessoa e a gente não é correspondido.


00:45:33
P/1 - Como assim não era correspondido?
R - Porque sempre que eu falo a respeito da escola, eu sempre cito essas duas pessoas, porque eu me considero assim, o primeiro passo de uma criança quando ela começa a andar, fui eu quando fui para a escola: foi um primeiro passo dado para o meu conhecimento. E hoje são umas pessoas que a gente não vê, eu falo muito a respeito deles, tenho o maior carisma por eles terem me ensinado. O conhecimento que eu tenho hoje, os primeiros passos, foram eles. E gente é um pouco distante. A gente fala deles [e] não vê aquele carisma deles procurarem saber [da gente também], [ter] o carisma que a gente tem por eles; eu considero que não sou correspondida pelo respeito que eu tenho por eles, parece que eles não levam isso a sério. Hoje, para mim, é uma coisa grandiosa, valiosa.

00:46:37
P/1 - O que você mais gostava de estudar na escola?
R - Quando eu comecei, a primeira escola que eu fui, na verdade, a gente tinha o ABC: tinha que ler aquela besteirinha. E voltando, eu sempre fui a mais espertinha das minhas irmãs; esse ABC, eu saí facinho dele, saí logo. Daí eu fui para uma cartinha de beabá, aquilo eu gostava. Agora, o que eu não gostava muito era de matemática, porque a matemática eu acaba apanhando do outro que era mais esperto, sabia mais do que eu. A matemática não era meu forte, a tabuada, porque na época era tabuada, tinha que tomar a tabuada; pegava dois alunos, [que] iam para frente e o professor tomava aquela taboada da gente, perguntava aquele número: “Dois mais dois é quanto?".. Eu sei que quem errava pegava a palmatória e batia na mão do outro. Esse eu não gostava, eu tinha medo. Quando era o dia que tinha “geométrica”, eu já tinha medo da tabuada, porque eu sabia que iria apanhar dos outros.

00:47:55
P/1 - Tem algum momento da escola que aconteceu alguma coisa e você jamais esqueceu?
R - A gente brigava. Eu lembro de uma coisa, até hoje eu não esqueço de uma briga com uma colega, umas meninas, e era amiga da gente, dizia ser amiga. Eu não sei porque a gente tomou uma briga lá. Sempre fui marrudinha para querer bater nos outros, eu era a mais atrevida na escola das minhas irmãs. Tomava a dor das brigas dos outros, eu entrava no meio. Sei que a gente acabou brigando com as meninas, e hoje uma dessas meninas é irmã da minha cunhada. Eu não esqueço porque eu tinha medo de apanhar [quando] chegasse em casa. Se a minha mãe soubesse que a gente tinha brigado na escola, a gente apanhava. Eu fiquei naquelas: “Meu Deus, as meninas são amigas da gente”, a gente pegou, foi para cima, e era briga para ir para cima mesmo, e eu sempre era mais atrevida do que as outras, eu era a mais atrevidinha. A minha irmã mais velha era sonsa, a gente chamava ela de sonsa… Ela não era sonsa, hoje a gente sabe: ela não era de briga, era na dela. A gente falava: “Você é sonsa, não briga, não entra no meio”, porque ela era sempre quietona. Então era eu que era a segunda das irmãs, e a outra irmã que era encostada em mim, a gente era a que mais caçava confusão na escola, as mais atrevidas, [que] não se calava.

00:49:33
P/1 - Você defendia a sua irmã se mexessem com ela?
R - Defendia! Ah, na minha irmã mesmo, ninguém batia não, de jeito nenhum! E para o lado dos meus irmãos, eu defendo até hoje. Se eu ver, vou para cima. Se alguém quiser se dar bem com meus irmãos, eu não deixo não. Eu lembro que a gente estava em uma festa, e minha mãe não estava. Justamente, foi na época que o meu avô faleceu, o pai do meu pai. Esse meu avô estava passando mal, a minha mãe e meu pai foram lá acoitar meu avô, e nós tínhamos uma festa de Santo Antônio, dia 13 de junho. Quando chegamos na festa, tinha um pessoal lá brigando. Meu irmão foi entrar no meio… E não tinha nada a ver a briga com ele, nada a ver. Meu irmão foi e entrou, queria ir, o cara que estava dentro da confusão, estava armado, eu pulei nesse meu irmão - ele é grandão, eu pequenininha -, trancei na cintura dele. Ele pulando, eu caí por cima dos bancos nessa festa, mas trançada no meu irmão. Eu não soltei, gritava para o pessoal: “Gente, me acuda”, o meu primo me ajudou a segurá-lo. A gente não deixou ele entrar na briga porque não tinha nada a ver com ele. Até hoje, eu falo: “Você lembra daquela briga?".. Acho que se meu irmão tivesse entrado, o cara tinha matado ele, tinha dado um tiro nele. Então eu vou para cima, não deixo; se eu puder defender a minha família, eu defendo.

00:51:02
P/1 - E mais pra adolescência, na época da escola, você já estava namorando?
R - Na primeira escola, não, na segunda, que já foi a professora, sim, eu já tinha um namorado, mas era um namorado escondido que os meus pais não poderiam saber, mas eles sabiam, que o meu pai sempre foi esperto. A gente ia para as festas, e as casas na época era um entrada e uma saída pelos fundos, quando chegava na festa, meu pai sentava na porta da frente e minha mãe sentava na porta nos fundos, pensavam assim: “Se sair daqui, eu vejo”, mas, eles percebiam que aquele rapaz ficava ali conversando com a gente, sentava perto. O meu pai era mais ligado do que a minha mãe. Quando era no outro dia eu ouvia os comentários: “É, fulano estava lá perto de fulano”. Eu lembro que o primeiro namorado sério, eu com a idade de catorze para quinze anos, meu namorado já tinha vinte anos de idade, ele era bem mais velho do que eu, e meu pai falava assim: “Alzira, Durvalina está namorando fulano”. Eu pensava: “Vou apanhar”, porque eu nova, ele mais velho que eu, meu pai vai me bater. Só que esse rapaz era uma pessoa boa, a gente ficou namorando até que descobriram que a gente estava namorando mesmo, aí não falaram mais nada. Sabiam que era namoro, que a gente estava namorando, foi um namoro que a gente namorou muito tempo, e foi um namoro de respeito, não faltou com o respeito, a não ser uns beijinhos atrás das casas, nas festas e só. E esse rapaz, eu tinha muita vontade de casar com ele, só que ele me traiu e eu zanguei, fiquei zangada com ele, terminei com ele. Mandei uma carta terminando, ele disse assim: “Se você terminar comigo, eu vou embora” e o pior que ele veio embora mesmo, veio para Porto Nacional, que é próximo aqui de Palmas. Eu não queria voltar, só que o coração falando, que quando esse rapaz foi embora eu chorei apaixonada, chorei que a água pingava na ponta do nariz, apaixonada por esse rapaz. Ele ficou pra cá, e quando ele voltou - eu acho que eu não tinha mais muito, acho que eu não gostava mais dele -, ele me chamou pra gente voltar, falou que queria casar comigo, acho que eu já estava mais amadurecida e falei: “Não quero, não". Eu sei que hoje ele é casado com outra pessoa, eu também tenho outra pessoa, e não deu certo o meu primeiro namorado.

00:54:02
P/1 - E você é casada atualmente?
R - Sou, eu moro com uma pessoa. A gente quando mora junto é casada, não estou casada no papel, mas já tem vinte anos que eu tenho meu companheiro que mora comigo. É bem mais velho do que eu. Mas, é a pessoa que eu estou. Já tenho um filho de 24 anos, desde os 25… Esse meu filho não é filho desse homem que é meu marido hoje, é filho de outra pessoa. Na época que eu tive o meu filho, eu morava no Jalapão, morava lá onde eu nasci, eu tive ele com 22 anos de idade, meus pais [se] zangaram muito, porque aconteceu o que não era para ter acontecido. Essa pessoa que é pai do meu filho, eles sempre me davam conselhos, não é que ele seja uma pessoa ruim, era um pegador, namorava muito, [então] eles tinham ele como uma pessoa que ‘destruía família’, o dizer do povo mais antigo falava isso. Eu comecei a dar aula lá [na] zona rural, eu ia para a cidade junto com meu pai, e esse rapaz sempre me procurava. Era um rapaz simpático e tudo, mas a gente não namorava porque minha mãe não deixava, ia para as festas e ela ficava muito na nossa cola, falava: “Vocês tem que ter cuidado, porque se vocês engravidar ‘em casa’, eu não vou querer vocês, eu bato em vocês”, aquela coisa toda. Eu sei que parece que ele era para ser o pai do meu filho. Quando eu ia com meu pai, eu sempre saía fora desse rapaz, sempre pulava fora, e quando eu chegava na cidade, sempre ele me procurava, porque, não é querendo me gabar, mas eu era pequena, nova, bonita. Eu era bonitinha, [então] onde eu chegava, chamava a atenção do pessoal, sabe, dos rapazes. É tanto que quando eu chegava nas festas com meus irmãos, eu era a primeira a arrumar namorado, e minha mãe tinha eu como a danada, aquele rolo todo. Eu sei que engravidei desse rapaz. A primeira vez que eu fiquei com esse rapaz, eu engravidei. Eu sei que aí eu engravidei e comecei a passar mal, e passar mal, a minha mãe sempre me perguntava. Quando foi um belo eu estava tomando banho, nós todas, no córrego, que a gente banhava no córrego, não tinha água em casa, não tinha nada, tinha que pegar água no córrego, sei que até a roupa a gente lavava lá no córrego. Eu fui tomar banho com eles, estava minha mãe, minhas outras quatro irmãs e eu. E quando a gente engravida o corpo da gente muda, querendo ou não, muda um pouco; eu sei que o meu peito estava crescendo, ficando bonitinho, ela disse assim: “Durvalina, e esse peito seu brilhando?". Eu pensei: “A barriga vai crescer”, eu peguei, já sai da água, vesti a roupa, fiquei por ali, vazei e fui embora. E a barriga começando a crescer. E o pior, porque eu enjoava muito, enjoava. Eu fiquei tão enjoada que eu não dava conta de comer, e eu dava aula. Assim, era perto da casa da minha mãe, mas eu tinha me deslocar todo dia da nossa casa até a escola, que ali já era uma casinha de palha que o prefeito tinha mandado fazer; não dava mais aula dentro da nossa casa. Eu sei que eu subia com os meus alunos, e quando eu chegava lá, assim, era aquele sono, aquele sono. Quando eu não escrevia no quadro para os meninos, os alunos, eu dormia em cima da mesa. Era sono que parecia que eu não queria me acordar, aí já vim a vomitar e tudo. Aí esses meninos diz… Eu corria para o mato, vomitava e esses… E tinha uma menina que era bem meiga comigo: “Professora, professora!". Eu sei que a gente descia, quando dava meio dia terminava a aula, voltava para a casa da minha mãe, os alunos passavam embora, aí ela chegava e falava: “Tchau Zira! A professora estava vomitando". Eu digo: “Ô meu Deus, não é para falar isso, esses meninos falando isso”, eu pensava comigo “vixi”, e a véia já ligada no movimento, sempre na minha cola, perguntava se eu estava grávida: “Durvalina, você está grávida?". Eu digo: “Não, não estou". Aí eu deixava. Quando era meio dia, que eu via que ela deitava para tirar uma soneca, eu pegava, dizia: “Agora eu vou para o brejo tomar banho que ninguém vai estar indo lá”, ela sondava, via que eu não estava, ela levantava, quando eu estava lá tomando banho, ela chegava, ficava me olhando, me olhando, e toda desconfiada, a barriga já crescendo, ela dizia assim: “Durvalina, deixa eu te fazer uma pergunta, minha filha. Você está grávida?". Eu não sei qual era o motivo que eu não descobria, porque ela dizia: “Olha, eu não vou te bater se você estiver grávida, eu não vou te bater, mas eu estou vendo que o seu corpo está mudado”, eu não descobri. Eu sei que quando eu fui descobrir essa gravidez, eu estava com sete meses, e eu passava mal por isso, porque eu não dava conta de comer, eu já saía fora das comidas. Então eu passava fome, porque eu não descobri, e ela… Aliás, eu sei que ela via aquilo ali, quando eu chegava, jogava o material em cima da cama, caía e dormia até cinco, seis horas da tarde, e sem vontade de levantar. Quando foi um belo dia, final de ano, no Natal, o pai dela, meu avô, a gente veio para uma visita que um parente da gente tinha falecido, meu avô disse: “Ela mandou recado que fosse passar na casa com a gente. Ele: “Não, eu vou”, e a gente acabou indo junto, meu avô, eu e minha outra irmã, e ela mandou eu ir pegar uma lenha, [enquanto isso] ia matar a leitoa. Eu desci para ir pegar essa lenha no mato, cheguei lá, cortei a lenha, amarrei o cesto de lenha, joguei na cabeça e vim, quando eu cheguei, me deu vontade de vomitar, eu corri para dentro do quarto, quando eu corri para dentro do quarto, ela foi atrás de mim. O menino já estava mexendo dentro da minha barriga. Ela foi para dentro do quarto e disse assim para mim, ela foi e pegou, bateu a mão na minha barriga, ela disse assim: “Minha filha, que bolo é esse aqui?". Me deu uma dor nas pernas tão rápido. Eu falei: “Mãe”, as minhas pernas doendo. Eu digo: “Meu Deus". Ela disse “Eu peguei em um bolo bem aqui”, o menino estava mexendo dentro da minha barriga. Eu pensei: “Meu Deus! E agora, o que vai ser? Se eles me ‘arrocharem’ agora, eu vou ter que descobrir. Eu vou falar". Ela chamou a minha irmã, ela achava que minhas irmãs sabiam, e minhas irmãs não sabiam, porque quando eu descobri que eu estava grávida, eu só cheguei no pai do meu filho e falei que eu estava grávida, não falei para ninguém, ninguém mais, a não ser ele. Ele disse assim: “E agora?". Eu digo: “Não, é o seguinte, quando minha mãe e meu pai souberem eles vão ficar bravos, porque não é isso que eles querem para nenhuma das filhas deles, mas aconteceu, porque o que eu não quero que você faça…”. Ele foi e disse assim: “É certeza que o seu pai vai querer que eu case com você". Eu falei: “Eu não quero casar com você, a única coisa que eu quero é que você assuma o seu filho. Mas casamento eu não quero. E outra coisa, no dia que meu pai e minha mãe chegarem em você, o que você vai fazer, se eles condenarem você, eu vou te defender, vou falar que você não me obrigou. Não foi só você, aconteceu porque eu também quis, não foi só você, então tudo bem". Quando foi de tardezinha ela chamou a minha irmã, conversou com ela, a minha irmã disse assim: “Ela não falou nada para mim, não". Minha irmã chega em mim e fala assim: “A minha mãe falou que você está grávida”, “Eu estou grávida de você”, respondi para a minha irmã mais nova, “Estou grávida de você!". No outro dia cedo, eu levantei cedinho. Levantei, peguei uma ‘cabaça’ e fui para o brejo buscar água, e ela passou a noite conversando com o meu pai, para o meu pai chegar em mim e investigar se eu estava grávida. Ela já falou assim: “Está". Disse que meu pai falou assim: “Não está". Ela disse para ele: “É porque você não presta atenção, você não está observando que a mulher está grávida". Quando eu cheguei, botei a ‘cabaça’ em cima do jirau, corri para o quarto. Quando eu entrei no quarto, que eu sentei na cama, o meu pai entrou, sentou na outra cama e perguntou: “Durvalina, você está grávida?". Quando ele começou a me perguntar, eu comecei a chorar, chorar, chorava, e ele me perguntando. Eu falei: “É melhor eu descobrir porque um dia esse menino vai nascer mesmo". Aí eu falei assim: “Pai, estou". Até aí quando eu disse que estava tudo bem, ele perguntou assim: “Quem é o pai?". Eu fiquei, falei assim: “É fulano”, aí a casa caiu. “Eu te falei que esse rapaz não presta, é destruidor de família e você não escutou! Você caiu em uma dessa!", meu pai também falou essas coisas e silenciou a conversa. Olha, a minha vergonha do meu pai, eu digo: “Meu Deus, acho que o meu pai não merecia estar passando por isso”, mas aconteceu. A minha mãe fez, começou a falar que eu não prestava, que sabia que isso ia acontecer comigo, não sei o quê, Aí o meu avô chamou ela. “Ô Alzira, para de brigar com ela, porque você viu que das minhas aconteceu com duas, então ela não é a primeira pessoa a fazer isso!", aí também acabou a confusão. Eu só sei dizer que depois que eu descobri, foi outra vida, meus pais foram cuidar de mim, tanto meu pai quanto minha mãe, ter mais cuidado comigo. Eu pensava: “Meu Deus, por que eu não descobri no início? Sofrendo calada, sabendo que os meus pais agora estão me apoiando”, e porque eu não descobri no início, então o sofrimento foi para mim, porque depois que eu descobri, eles me pegaram, me trouxeram para Porto Nacional, nem o pré-natal foi feito na verdade, porque com sete meses, estava faltando o que para esse menino nascer? Pouca coisa. Mas eles me trouxeram pelo menos para fazer a consulta, para saber como é que estava. Eu só sei que nessa graidez, depois dessa confusão todinha, o meu filho nasceu no mato. Eu comecei a ter ardor em uma quinta-feira da semana santa, minha mãe nem estava em casa, minha mãe tinha ido encontrar o pai dela, e ela ainda me perguntou se eu estava boa, só que eu estava mole, mas eu achei que não era o menino, eu não tinha experiência. Ela me perguntou: “Minha filha, você está boa?". Falei: “Eu estou mãe”. Eu estava sentindo umas contrações, as pernas doendo, uma dor no pé da barriga, mas eu digo: “Não mãe, pode ir na viagem da senhora”, ela foi na quinta-feira, ela saiu, eu comecei a sentir dor, passei a quinta… O que eu fiz? A gente criava lá um menino, minha mãe pegou um menino para criar junto com meu pai, esse menino era pequeno também, acho que tinha uns nove anos, mas como era pertinho, chamei ele, mandei ele ir na casa da minha tia, que é irmã do meu pai, mora perto de onde a gente morava. “Vai lá e fala para ela vir aqui.” Passou e ela chegou. Falou assim: “Minha filha, o que é que você tem?”. Eu falei, estou sentindo isso, isso… Ela falou: “Você já está com a dor de ter o menino”. Eu falei: “Tia, mas não é porque eu não vou ter esse menino agora”. Ela falou: “Não, isso já é a dor de ganhar neném”. Eu sei que a gente ia para uma sentinela que é um pouco longe, ninguém foi mais para sentinela, o pessoal ficou todo mundo perto, minha tia ficou comigo a noite toda, veio uma outra tia, essa que já é falecida, passou a noite lá comigo também, passou a sexta-feira. Quando foi no sábado, e eu com dor, meu irmão foi buscar a minha mãe que estava na casa do pai dela, a minha mãe já chega com uma parteira, chegou com essa parteira, e a parteira assim, naqueles tempos as parteiras não tinham experiência, e lá se nasce todos com parteira. Minha tia mandou, disse: “Minha filha, bota o dedo aí”, era uma simpatia, eu peguei e coloquei. Ela disse assim: “Olha, você já está com a dor de ganhar o menino”. Eu falei: “Não, não é, só vou ter esse menino em Abril”. Ela disse: “É”. Isso era no sábado No sábado pararam as dores, já não tinha dor nenhuma, nenhuma mais, as dores acabaram, eu não tinha mais contração, eu só pedia água e vomitava, disse que não podia dar água para mulher quando está para ganhar, tomava um pouquinho de água e vomitava essa água. Eu sei que minha mãe com medo de me perder, ela disse que se fosse para eu ter aquela criança ali dentro daquela casa, [que] Deus encaminhasse uma pessoa para me tirar dali. Eu sei que quando foi na segunda-feira, de domingo para segunda, cedinho, chegou um carro lá na nossa casa, e ainda a mulher que dizia que era parteira, que era enfermeira. Eu só dizia assim: “Mãe, chama essa mulher aqui”. Essa mulher veio, ela disse: “Como é que você está?”. Eu disse: “Do jeito que você está vendo aqui, eu não tenho mais força para levantar”. Essa mulher foi e deu o toque, que parteira não ia fazer isso. Quando ela deu o toque, o rapaz que estava no carro disse: “Pega a mulher, joga no carro, que eu vou sair com ela”, aí me jogaram nesse carro. Quando foi nove horas, eu tive o meu filho na beira do rio, tive esse menino dentro do carro, o carro cheio de homem. Minha mãe quando viu a situação, porque quando a dor vinha, o menino subia e descia na boca no meu estômago, eu sei que minha mãe viu, assim, eu morrendo. Eu tive esse filho, a mulher tinha me rasgado, me rasgou. Minha mãe quando terminou tudo, disse assim: “E agora, voltar para casa?”. Ela disse: “Não, a gente tem que levá-la para ‘uma cidade que tinha na frente’”. É um povoado de Prata, porque a minha família é de São Félix, é a cidade. Ela disse assim: “A gente leva ela até o Prata. Se chegar no Prata, Maria tiver linha, a gente costura ela”, que essa Maria é até casada com tio Henrique, ela é minha tia também, já trabalhou na área da saúde. Chegando lá, ela disse: “Eu não tenho”, “Então agora é seguir para frente, fomos para São Félix”., Eu tive esse menino às nove horas [e] quando foram me costurar, era meio dia, que a mulher foi dar esses pontos em mim, e eu sangrando. Eu sei que assim foi uma coisa que só Deus na misericórdia para eu estar viva e o meu filho, só que essa enfermeira que não era enfermeira, que depois eu descobri que ela não era enfermeira de verdade, [se] ela não tivesse aparecido para fazer aquilo comigo, hoje eu não era viva e nem o meu filho, mas ele nasceu preto, preto, carvão, estava passando da hora de nascer, e as parteiras não iam fazer isso comigo, elas não iam fazer o que ela fez. Com tudo isso, eu ainda agradeço essa mulher que fez isso comigo, porque hoje eu estou viva e o meu filho está vivo.

01:09:35
P/1 - E depois que todo esse susto passou assim, que o seu filho nasceu, qual foi a sensação de vê-lo pela primeira vez?
R - Para mim foi muito amor, amor que é até hoje. Só que assim, passei muito constrangimento, porque a família do pai dele, no início, não aceitava. Eu fiquei assim… Ele mesmo, depois que meu pai descobriu, minha mãe, ele se afastou de mim, não quis mais nem saber de olhar na minha cara. O menino nasceu, ele não procurou ter aquele amor de pai com a criança. No momento que eu tinha um carinho pelo meu filho, eu me sentia culpada naquela história ali, eu sentia que se às vezes [se] eu não tivesse procurado, eu não estava passando por aquilo ali. Só que hoje, como eu só tive esse menino, hoje eu não sou ligada por médico nenhum, Deus me ligou sem eu me cortar, eu quis depois com esse homem que hoje é meu marido, no decorrer do tempo, a gente, ele queria ter filho, e eu também queria ter mais alguns. Na verdade, eu queria ter quatro filhos, aí eu tomei injeção e depois eu parei, um ano que eu tinha parado de tomar injeção, eu não engravidei. Aí a gente tinha plano de saúde, ele disse: “Vai você”. Eu digo: “Vai você”. Eu ainda disse assim para ele: “Então vamos os dois, porque você tem filho e eu também tenho”. Ele disse: “Mas você vai primeiro do que eu, eu vou pagar primeiro. Vai você primeiro. Se o problema não for você, eu vou”. Aí fiz todos os meus procedimentos particulares, quando eu fiz tudo, a médica virou para mim e falou assim: “Você não engravida mais, o seu útero virou e também o canal entupiu, nem com cirurgia eu não garanto que você vá ter filhos”. Tanto que eu ganhei, eu conheci uma médica que prestava serviços aqui no Tocantins, almoçou aqui na minha casa, e ela me ofertou, ela trabalhava também aí nos hospitais de São Paulo, ela me ofertou: “Durvalina, se você quiser ir fazer o tratamento para cirurgia para você engravidar, você pode ir para a minha casa, só tem eu e uma filha que eu crio, moro em apartamento, você leva seu filho, leva o seu marido, fique o tempo que precisar lá na minha casa, vocês não vão pagar nada, e eu arrumo a cirurgia para você”. Eu me arrumei para ir, só que quando eu fui pensar depois, eu digo: “Se Deus me deu só esse, é porque eu mereço só esse. Vai que eu vou fazer isso e acabo morrendo, e ainda fica o meu filho sem mãe para cuidar dele”. Naquela época, o meu filho era pequeno, era novinho, novinho assim, tinha na faixa de onze anos, doze anos para treze anos, eu falei: “Não, eu prefiro ficar viva e cuidar do meu filho”. E hoje, graças a Deus, é um menino que eu tenho orgulho por ele, é um menino que nunca me deu trabalho, por tudo isso, mas todo momento, toda aquela discriminação da família dele que me discriminava, que achava que eu não ia ter condição de dar uma vida melhor para o meu filho, eu só dizia assim: “Os humilhados serão exaltados”, eu tenho muita fé em Deus, que um dia eles vão olhar a criança, porque é um menino que ele não quis saber quando era menino, hoje a família do pai dele, o pai dele tem orgulho dele. Hoje, eu digo assim: “Aquele arrependimento que eu tive em um momento, hoje eu não sofro”, isso talvez era uma coisa que eu tinha que passar por aquilo ali. E hoje eu digo até assim: “Não ajudou no financeiro, a cuidar do meu filho”, e hoje eles têm uma convivência muito boa. E eu digo assim: “Pelo menos o meu filho não tem um pai vagabundo”, o pai do meu filho hoje é uma pessoa que é [bem] sucedido na vida, cresceu na vida, também trabalhando, não foi tirando de ninguém. Então pelo menos, isso eu digo, [que] hoje eu tenho orgulho, porque as famílias do meu filho são famílias boas, famílias que trabalham para ter as coisas. Até, por isso, hoje, eu digo assim [que] eu sou grata, porque ter um pai que não ajudou, mas eu sei que é uma pessoa de nome.

01:13:46
P/1 - Você falou que você ia tentar fazer cirurgia para engravidar, é o seu atual companheiro?
R - É, o problema foi em mim, o problema foi meu, descobriu que era eu que não engravidava, a gente parou por isso mesmo. Eu digo: “Olha, você tem seus filhos, eu tenho o meu. Tenho só um, mas é um menino bom”, a convivência dele com o meu filho é muito boa, e a do meu filho com ele também é uma convivência muito boa. Graças a Deus, ele ajudou a criar o meu filho, então eu não tenho do que reclamar. Porque não tenho [filho] com ele, eu digo: “Isso não é o que faz a gente não viver”.

01:14:23
P/1 - Como é que você conheceu seu companheiro atual?
R - Esse que eu estou com ele hoje? Nosso ‘conhecimento’ que é, hoje é uma coisa que foi, e que não foi boa. Eu tinha viajado na Semana Santa para o Jalapão. Eu já estava aqui em Palmas, que eu estava trabalhando aqui, vim para cá em 1998. E eu sei que quando eu cheguei no Jalapão, tinha uma notícia que uma cobra cascavel tinha pego uma tia minha, irmã da minha mãe. Eu sei que aí a pessoa que deu a notícia, falou que ela tinha vindo para Palmas, eu fiquei, passei a Semana Santa com a minha mãe, e vim embora. Quando eu cheguei aqui, eu fui visitá-la no hospital, conversei com ela, só que aí ela passou mal, levaram ela para a UTI e ela morreu. Tive que voltar para o Jalapão de novo, fui no carro que ia levando o corpo. Eu sei que o dia que enterrou ela, foi o dia em que o ônibus estava voltando para cá para Palmas, porque se passou e ainda estava no enterro, não deu para eu vir, eu trabalhava e tinha que vir embora. Eu vim para São Félix, ela foi enterrada no povoado Prata, que é de onde é toda a minha família, e eu, para São Félix, arrumar, procurar carona para vir embora, fiquei lá na casa de uma menina, uns amigos da gente, um casal de amigos. Aí eu sei que quando foi a noite, a pessoa chegou em mim e falou assim: “Olha, o Joaquim da Celtinha está aí, você podia ir lá, ele está lá em fulana, você podia ir lá que às vezes ele te dá até uma carona. Ele vai embora e às vezes pode te dar até uma carona”. Assim mesmo eu fiz. Desci de tardezinha lá nessa pousada onde ele estava, cheguei lá, falei com ele, ele disse: “Não, eu vou embora, eu vou para Mateiros”, e Mateiros é o nosso município, de toda a minha família de avó. Eu acho que ele resolveu, acho que ele me viu, me achou bonitinha, ele resolveu [me levar]. “Não, daqui eu vou embora e amanhã à tarde eu vou sair daqui.” Eu digo: “Não… Então está bom”. Ele disse assim: “Só que eu estou indo para Ponte Alta”. Falei: “Não tem problema, não”, porque em Ponte Alta tinha transporte, tinha banco, tinha ônibus em Ponte Alta que fazia linha para Palmas. “O que importa é que eu tenho que estar lá amanhã, eu tenho que trabalhar. Peguei esses dias, vim para cá e tive que voltar de novo.” Eu sei que peguei essa carona com ele, dessa carona, quando foi à noite, ele me chamou para ir na igreja. “Não… Vamos na igreja?” Eu acho que eu fui para a igreja e ele me viu lá, também eu nem dei moral para ele não, eu estava sentida com a morte da minha tia. Também era uma pessoa que eu gostava muito, que eram minhas duas tias que eu tinha boa ligação, eu até abria as minhas coisas para a minha tia, até os meus namoros eu contava para essa tia minha, irmã da minha mãe. Eu sei que a gente acabou dormindo no meio do caminho… Sim, a gente teve uns beijinhos, e eu não levei nada a sério, porque eu digo: “Eu não vou me envolver”. Um belo dia, deu umas seis horas e ele chegou na casa que eu estava procurando por mim, aí me convidou para sair, falei que não ia sair não. “Não vou sair, não.” Depois ele insistiu, insistiu. “Não, então vamos”, aí a gente saiu. Mas essa saída, eu não queria nada sério com ele na verdade, porque eu olhava para ele, bem mais velho do que eu, tinha meus ‘pega’ novo, uns rapazes novos. Eu digo: “Não, não vou me envolver com velho não. Eu só sei que ele foi me pegando e ele não foi dando espaço para eu sair com outro não. Ele foi chegando em mim, queria sair comigo. Eu sei que acabou a gente indo morar junto e estamos até hoje. Eu falei: “Ô meu filho, a morte da minha tia parece que foi uma coisa, assim, eu não queria que a minha tia morresse, mas a morte da minha tia foi a questão de eu [te] conhecer e tu me conhecer”.

01:18:33
P/1 - Você comentou antes que você estava dando aula, esse foi o seu primeiro emprego?
R - Foi o meu primeiro emprego. Isso foi em 97, eu ganhava R$130.

01:18:51
P/1 - E como é que você começou a dar aula?
R - Sabe como é que começou? Porque assim, o meu pai sempre, ele tinha aquela pessoa daquela região, um braço forte para a política, é tanto que quando eles vinham de Ponte Alta, para lá, pedir voto, meu pai era referência, porque ele tinha muitos filhos e a gente votava onde ele mandava. Nós não escolhíamos nosso candidato, quem escolhia era ele. Então eles procuravam aquelas casas que tinham mais pessoas para ir pedir apoio, eles davam aquela palavra: “Aqui nós estamos todos fechados com vocês. Onde eu for, meus filhos vão”. Daí a minha mãe começou falar que a gente ajuda as pessoas. O meu pai também falava assim: “Eu ajudo, mas também quero que vocês deem uma mão pra gente, dar um emprego para algum ‘feito’ meu”. Então, as filhas que tinham aquele pouco de estudo, só as mulheres - que os meus irmãos não estudavam - estudaram, mas não aprenderam nada. Eu sei que surgiu essa escola já quase no final do ano mais ou menos. Eles pegaram e ofertaram essa escola lá, se eu não queria dar aula por lá. “Dou sim”, e foi através dessas aulas que eu arrumei esse filho, porque eu ia para a cidade, foi através desse emprego que eu arrumei o meu filho, o Cleiton. Então, assim, eu dei aula [por] quase um ano lá. Quando eu engravidei, o que eu fiz? O prefeito me chamou e disse assim: “Durvalina, você vai continuar?”. Eu estava com a cabeça tão zuada, sei lá, ali eu não pensei que era o momento de eu ter aquele emprego, ia me ajudar até na questão financeira com o meu filho, [mas] eu peguei e falei para ele que eu não queria mais dar aula. Ele disse: “Agora que você precisa, você está grávida, você vai ter um filho”. Eu falei: “Não quero, não”. Talvez se eu tivesse ficado lá, às vezes eu era até uma pessoa que tinha um emprego até concursado, porque depois daí veio os concursos de lá e tudo, mas, para mim, aqui está melhor. Hoje, eu acho que estou feliz de estar na capital, consegui meus objetivos, muitas coisas eu já consegui aqui, meu filho também, até a questão do meu filho, o conhecimento dele é melhor. Meu filho, hoje, é do exército. Se ele estivesse lá, ele não estaria onde ele está. Então eu acho que tudo Deus traça a nossa vida. Para gente poder sair, Deus tem, assim como eu tinha o meu sonho de morar na cidade, porque desde pequena eu falava que o meu sonho era ir embora para cidade, a minha mãe não deixava a gente sair assim. Até arrumavam as colocações pra gente estudar fora e trabalhar de doméstica, ela falava que não tinha feito as filhas dela pra trabalhar para os outros. Meu pai, por ele, a gente tinha ido. Então eu pensei muitas vezes em fugir de casa para estudar, mas depois eu pensava que se eu saísse, a minha mãe morria, porque ela ia sofrer, porque a gente ia sumir, tudo. Então eu acho que veio essa gravidez para eu poder ter um caminho, de eu sair. Quando eu tive o meu filho, eu ali sem aquele emprego, ela não era aposentada, meu pai não era [também], nenhum aposentado, tudo trabalhando na roça. Ela disse: “Olha, minha filha, se você quiser ir embora para trabalhar e cuidar do seu filho, eu fico com o seu filho”. É tanto que eu deixei o meu filho com a mamãe, ele tinha um ano e cinco meses. Eu não vi o falar do meu filho. Agora, isso aí, hoje, eu tenho um pouco de arrependimento, porque se fosse hoje e eu tivesse o meu filho, onde eu fosse, eu levava ele, nem que eu fosse morar embaixo de uma ponte, mas não desgrudava do meu filho, mas aí eu tive. Ela disse: “Você pode ir, que eu fico com o seu filho e você vai trabalhar”. Deixei o meu filho com ela e meu pai, eles cuidaram dele até os oito anos de idade. Aí foi o tempo que eu arrumei esse homem, a gente comprou casa, aí já tinha uma condição de trazê-lo para cá. E o sofrimento para tirar esse menino dela! Porque ele já não queria vir comigo. “Mãe, eu quero ir embora!” Eu pensava: “Meu Deus, se eu tirar esse menino da minha mãe, ela morre”. Uma vez ele foi, ficou chorando que queria ir embora, deixei. Quando foi de novo, ele vira para mim e diz assim: “É mãe, a senhora não quer me levar que é para eu ficar aqui dentro dessa areia velha”, bem assim, com essas palavras falou isso para mim, pequenininho. Aquilo ali me doeu tanto, me doeu tanto, eu digo: “Se eu não levar o meu filho, e ele não for alguém na vida, eu vou ser a culpada na história. Ele não vai entender o lado da avó dele. Primeiro que ele vai olhar, ‘Minha mãe nunca me quis, deixou eu ser criado pela minha avó. Não quis me levar para um lugar para eu desenvolver, ter um estudo melhor’”. Eu pensei: “Eu vou enfrentar a minha mãe, é o jeito”, aí eu fui. Ele disse: “Agora eu não fico, vou embora com a senhora. Eu vou embora”, e ele começou a arrumar as coisas. Eu sei que quando fui dizer para a minha mãe que eu ia trazer o meu filho… A gente já estava nos dias de vir embora. No outro dia, eu já vinha embora. Foi [o] mesmo que dar uma pancada nela, a minha mãe ficou lá em um desespero de choro, de choro, ela mesmo fala. Ela andava na casa, com a mão na cabeça, parece que não era ela, parece que eu tinha dado uma facada nela ter tirado aquele menino dela, mas aí eu trouxe ele para cá, coloquei ele na escola, com o tempo, os padres iam rezar missa na casa dela, tudo, aí um dia ela falou, esse padre ela gostava dele demais, aí ele chegou nela falou: “Não Alzira, não fica desse jeito não. Filho de avô é sabendo que um dia a mãe tira da gente”, com o padre conversando com ela, ela disse que foi se conformando, [por causa do padre] falando com ela. Só que hoje ela diz assim, que foi bom tirar ele de lá, que hoje ela está vendo que tem o progresso, que tem felicidade. Se tivesse lá, não era a pessoa que ele é hoje, não teria o conhecimento que tem hoje. Só que eu vejo assim, que foi um dos netos… Ela vira para mim e diz assim - e eu concordo com ela, porque o tempo dele mais difícil ficou com ela, ela diz -: “Eu criei seu filho, eu criei”, e eu concordo que ela criou. Eu não vou dizer, não vou discutir com ela que ela não criou, eu peguei, ele tinha oito anos de idade, mas o tempo mais difícil… Só que quando eu vim embora para cá, eu deixei uma moça para ajudar a cuidar dele com ela, eu paguei duas meninas, aí foi indo, [até que] não deu certo. Ela disse: “Não, pode deixar. Não vou mais querer ninguém aqui, não”, porque do jeito dela ser brava, as meninas não ficavam com ela. Aí foi o tempo que ele foi crescendo também, ela não precisou de alguém para ajudar a cuidar dele.

01:25:50
P/1 - Você falou que queria muito morar na cidade, em Palmas. Quando você foi para Palmas, em 1998, você já tinha para onde ir, algum trabalho?
R - Já. Quando eu vim para Palmas, eu já trabalhava na área do artesanato, de artesã, porque, na verdade, quando eu vim embora para cá, eu já trabalhava um bom tempo no artesanato. Só que eu vim para Palmas trabalhar de doméstica. Uma das minhas irmãs já tinha vindo, quando eu descobri a gravidez… Na verdade, a gente estava formada, ela tinha resolvido deixar a gente ir para o Piauí, eu e minha outra irmã, que é mais nova do que eu, [mas] quando eu apareci com a gravidez, a minha irmã não quis ir porque eu não ia mais com ela. Nós íamos para a casa tudo do mesmo parente, eu ia trabalhar na casa do filho de uma mulher, e minha outra irmã ia trabalhar na casa desse rapaz. Então era pra gente ter ido para o Piauí, nós duas. E, com isso, ela disse que não ia mais sem mim. Eu sei que a minha irmã arrumou uma oportunidade de ir para Porto Nacional. Quando a minha irmã veio embora, a que é mais nova do eu, ela me deixou grávida do Cleiton, e através dela, a minha outra irmã que ajudou a cuidar do meu menino, quando o meu filho nasceu, a minha outra irmã, mais nova do que eu, morava lá também, aí ela ajudou eu a dar banho no meu filho. Parece que ela tinha mais jeito do que eu. Era mais nova do que eu, [mas] era mais jeitosa do que eu para dar um banho no menino pequeno. Aí ‘loguinho’ a minha irmã veio embora também, veio embora para Porto. A minha outra irmã já morava aqui em Palmas, através dessa irmã minha que veio para Palmas, ela conseguiu emprego para eu trabalhar de doméstica na casa de um pessoal. Aí ela me liga: “Não… Tenho um emprego aqui para você, se você quiser vir embora, pode vir que o serviço já está ajeitado na casa da mulher aqui”, “Está bom. Conversei com minha mãe, ela não pode ir”, aí eu vim embora para cá. Quando eu cheguei aqui, as minhas colegas, assim, que eram duas colegas, que tinha falado da mulher para a minha irmã e tinha pedido para eu vir, ela disse assim: “Olha, Durvalina, não vá falar para essa mulher que você tem filho”, eu caí na dela [e] chorava com saudade do meu filho. E ela: “Durvalina, o que é que você tem?”. Eu digo: “Estou com saudade do meu sobrinho”. Antes de um ano, eu tive que voltar lá, que a minha mãe foi para Lapa do Bom Jesus, e ela pediu para que eu fosse para ficar com o menino porque ela ia viajar, ela não podia levar o menino. Aí eu convenci meus patrões, arrumei a

menina para ficar no meu lugar, para eu poder ficar até minha mãe retornar da romaria, aí eu fui. Quando foi para eu ir, eu comprei, lembro que quando eu cheguei aqui [em Palmas], o salário era R$150. Eu ganhava R$190, porque eu morava no serviço, eu lavava, passava, cozinhava, eu fazia tudo. Eu sei que com esse dinheiro, eu comprei no dia de viajar, eu fui lá e comprei um monte de roupa, brinquedo, e levei para o meu filho. Ela perguntou assim: “Pra quem é essa roupa, Durvalina?”. Eu falei: “Não… É para o meu sobrinho”. Aí ela pensava, e eu chorava. Ela disse: “Não tem condição dela ficar apegada demais com esse sobrinho”. Quando eu retornei, ela disse: “Durvalina, é o seguinte, deixa eu te falar um negócio bem aqui, esse menino que você leva as coisas, que você disse que é seu sobrinho, olha, não tem nada a ver, se você tem filho, eu vou aceitar você do mesmo jeito, o que importa é que você limpe minha casa, você trabalha, como a gente já conhece o seu trabalho. Do portão para fora eu não quero saber quem é você, eu não quero nem saber o que você faz do portão para fora”. Eu falei: “Olha, vou te falar a verdade, aquele menino é meu filho”, aí eu sentava para falar do meu filho com ela. Acabou aquele arrocho que eu sentia, aquele sofrimento que eu sentia calada e não podia expressar com ela, abrir com ela. Ela disse: “Não… Você tem filho, não tem nada a ver de eu não querer você aqui em casa não”. Eu trabalhei dois anos e meio com esse pessoal, desse primeiro emprego que eu vim para cá. Quando saí desse emprego lá, eu fui… Eu votava lá em Mateiros, saía daqui para votar lá, não tinha transferido o meu título ainda para cá. Sei que eu ia votar lá e o prefeito me chamou: “Olha, Durvalina, eu tenho um emprego para você em Palmas. Você pode pedir [as] contas do seu trabalho e vai trabalhar… Vou te pagar trezentos reais”. Eu me animei, porque eu pensei: “Se eu ganho R$190, trezentos reais é mais do que R$190”. Aí eu peguei, fiquei doente na casa da minha mãe, atrasei do dia de chegar. Quando eu cheguei, eu já estava de pré aviso do meu trabalho, já estava com dez dias que eu estava com pré aviso, porque minha mãe disse: “Eu não vou deixar você sair de dentro da minha casa para eu ficar preocupada”, aí eu não vim no dia que estava marcado para eu vir. Porque eu trabalhava e ele só me dava vinte dias de férias, não me dava trinta. Eu ia junto com as minhas irmãs, vinha na frente e elas ficavam, que elas tinham trinta dias. Eles diziam para mim que eu trabalhava e não tinha direito de ter trinta dias de férias, só me dava vinte. Eas como eu sabia que eu queria trabalhar, porque eu pensei, eu digo: “Vim para Palmas atrás do meu objetivo, vim para vencer. Eu não vou desistir com essa proposta que esse prefeito já tinha me colocado”. Mas eu digo: “Agora vai dar certinho que eu vou trabalhar com ele”, aí fiquei e vim em uma casa de apoio. Cheguei, me encontrei com ele, aí fiquei, quando deu mais ou menos esse horário, ele chegou, aí eu falei: “Olha, Martinho, eu vim atrás de um serviço”. Ele disse: “Aquele serviço lá já saiu. Pois é, se você quiser trabalhar aqui, é R$130”. Eu abaixei a cabeça e pensei: “O que é que eu vou fazer com R$130? Minha mãe lá…”, porque quem dava as roupas, os brinquedos, forçado, era eu, minha mãe dava comida para ele e meu pai. E pensei o que é que eu vou fazer com R$130 para eu ajudar a cuidar do meu filho. Eu pensei: “Agora eu aceito porque já estou desempregada”, aí eu fiquei. “Mas Martinho, deixa eu te falar uma coisa, R$130 eu ganhei em 1997 lá em Mateiros, quando eu dava aula. O salário aqui é R$150, você vai me pagar R$130? Tirando vinte reais a menos, o que eu vou fazer? Tenho um filho para eu cuidar”. Aí ele ficou, falou assim: “Não… Eu vou te pagar R$150, mas é para fazer de tudo aqui”, “Não… Está bom”, “Vai ter comida porque você vai morar aqui na casa de apoio”, “Não… Está bom. Que dia eu posso vim?”, “‘Tal’ dia”. Vim para essa casa de apoio, lá eu trabalhava pior do que um burro de carga. Lá eu era [encarregada] de levar gente no hospital, eu dormia com pessoas nos hospitais; eu era de fazer almoço para aquela multidão de gente, porque a casa de apoio era cheia o tempo todo; eu era [a responsável] de lavar roupa deles, do prefeito, da primeira dama, dos filhos deles. Só que em momento algum eu mostrei que estava incomodada com aquele trabalho, eu dizia assim: “Um dia Deus… Tenho certeza que eu sou filha do senhor, eu vim para cá foi para vencer e o Senhor vai me dar oportunidade. Um dia também eu vou sair dessa, eu não nasci só para sofrer não”. Então, assim, fiz o meu trabalho, trabalhei cinco meses com ele. Aí a casa de apoio acabou, disse que ia fechar a casa, me botou uma proposta de me levar para Mateiros: “Não… Vai para Mateiros que eu vou aumentar seu salário”. Aí mandei, comuniquei à minha mãe. Ela disse: “Minha filha, daqui você já foi. Você vai fazer o que aqui?”. Ela disse: “Você vai vir para cá ‘pegar’ bucho?”, falou para mim desse jeito. “Você não vem para cá, você vai ficar é aí!” Eu falei: “Não, eu não vou não mãe. Só tem esse emprego aqui. Eu caço outro”. Eu digo: “A minha preocupação é que não tenho para onde ir, mas eu me viro. Aí uma colega minha trabalhava na prefeitura disse: “Durvalina, vem para cá”, aí eu peguei e fui com ela. Tinha dia que a gente comia, tinha dia que a gente não comia, a gente não tinha dinheiro. Ela era pobre, não tinha como me manter, comprar para ela e para mim. Tinha dia quando a gente não achava quem levasse nós na APM, para comer na APM, a gente ficava com fome, mas eu sempre, nunca disse assim: “Eu vou voltar para lá porque aqui eu não vou conseguir nada”, [não], eu sempre fiquei, graças a Deus. Aí foi o tempo que eu conheci esse homem. Em 2000, eu fui convidada para expor no palácio o meu trabalho de artesanato. Eu já estava trabalhando na área, achei uma vaga para a mesma profissão. Fui convidada para ir lá expor, estava tendo seminário e tinha gente de todos os municípios. O que eu fiz? Eu passei a noite fazendo brinco. Na época, eu nem tinha muito brinco, era peça grande; eu passei a noite fazendo os brincos. Quando eu cheguei, o telefone que era dessa casa na prefeitura, era no meu nome. Então eu fui, assim, não tinha salário, mas tinha telefone fixo, que eles usavam, que era no meu nome. Quando eu cheguei lá, todas as minhas peças, eu vendi, todas, e quando eu vendi aquelas peças e o pessoal perguntou onde eu morava, eu falei: “Estou morando aqui em Palmas”, “Você tem contato?”. Eu falei: “Tenho”. Aí passei o meu telefone fixo para o pessoal. Sabe, assim, aquele seminário, naquele dia ali, foi portas e janelas abertas para mim. Foi tanto que assim, [que] eu comecei a trabalhar, [a] vender as peças, não só minhas, eu trabalhava com mais de quarenta pessoas da região, mas peças que eles mandavam para eu vender. Tem uma van… Na época, era um ônibus que fazia o transporte duas vezes na semana. Todas as vezes que esse ônibus vinha com as caixas de mercadoria para eu vender, quase todas já encomendadas. Daí eu fui ficando conhecida, aí comecei, em 2004, a viajar para fora com meu trabalho, e hoje eu faço as feiras. Em São Paulo, eu fui muito no salão do turismo que teve lá no Anhembi; eu fui desde o primeiro, [em] um local chamado Saber Fazer, mostrando o meu trabalho, e as peças ficavam lá no stand a venda para o pessoal buscar, e eu ficava. Eu tinha duas horas para apresentar nesse local chamado Saber Fazer, costurando, e a peça que eu fazia no evento ia para um vitrine. Não poderia vender, porque aquela viagem ali eu ia com passagem aérea paga pelo estado, e hospedagem paga também pelo estado, e quando chegava lá a gente recebia um envelope com o dinheiro da alimentação que vinha de Brasília. Então eu não tinha gastos, que quando chegava tinha aquele dinheiro para receber da festa, que estava dando pra gente, que não era só minha, como para as outras pessoas. Eu sei que hoje só tenho a agradecer. Às vezes, as coisas que passaram na minha vida, foi para eu aprender a ser mais…, porque, às vezes, assim, se eu tivesse ganhado fácil, às vezes eu não era a pessoa que eu sou hoje, honesta, humilde, ter meu coração bom com as pessoas. Quem me conhece sabe quem sou eu. Então, assim, o que eu tenho hoje foi assim, lutando, trabalhando, não foi retirando de ninguém.

01:38:12
P/1 - E como é que você aprendeu o trançado do capim dourado? [Sabe] desde criança?
R - Eu aprendi o trançado do capim dourado eu tinha doze anos de idade. Por incrível que pareça, a professora que me ensinou, essa que deu aula lá dentro da nossa casa, essa filha da Dona Miúda, que é Antônia, a nossa professora, a mãe dela já trabalhava, e ela morava com nós. Além dela dar aula, ela morava com a gente, e é por isso que a gente tem esse carinho por ela, ela morava com nós. Aí eu sei que um belo dia ela chegou com um bolo de capim, agulha e tudo, aí começou a fazer a peça. Minha mãe falou para ela assim: “Antônia, você me ensina?”, a gente tinha muito capim, capim que a gente nem fazia conta, desperdiçava lá. E aí ela disse: “Ensino”. E ela fez o comecinho, só o comecinho, bem pequenininho. O começo que ela fez para a minha mãe, foi questão de quatro centímetros. Por eu ver a minha mãe fazer aquilo, o que foi que eu fiz? Já peguei uma agulha e comecei [a] trançar. Sei que eu fiz uma pecinha que parecia um jarro de ouro, e aí peguei, coloquei, porque tinha um corredor na sala de aula, que era a varanda da nossa casa, onde ficava o pote, ficavam os bancos, que era onde os alunos sentavam no decorrer da aula, e eu sei que quando foi no outro dia, que os colegas de sala chegaram, foi a primeira coisa que eu peguei, foi minha peça, e mostrei para eles o que eu tinha feito, feliz da vida. Aquela peça linda, linda, linda. E aí eu sei que com isso, a nossa avó, as minhas outras irmãs também se interessaram a trabalhar com capim, nós tínhamos muito perto de nós. Eu sei que no final, nós já estamos trabalhando fazendo peças, era mais chapéu, a gente fazia uma cesta - que hoje a gente tem elas como cesta - um bauzinho. A gente fazia aquele bauzinho, botava uma alça… Era uma bolsa, botava aquela alcinha ali, vendia como bolsa. Eu sei que o Rally do Sertão foi quem divulgou o nosso trabalho, foi quem levou nosso trabalho para o mundo, porque quando eu disse lá nas primeiras falas, que nós moravamos onde passava, tanto trânsito de cavalo e de carro, passava na porta da nossa casa, a gente ficava sabendo através dos prefeitos dos municipios, os ônibus que iam passar por ali, a notícia corria, e nós, com as peças que a gente fazia, íamos armazenando. Se aparecesse um, comprava, se não, ficava aquela peça ali. Só que a gente não trabalhava dizendo assim: “Eu vou viver disso aqui”, vender era por acaso. Mas quando eles passavam a gente tinha, além de doar artesanato de capim, os doces de buriti que vendia tudo por ali também. Eu sei que quando os ônibus passavam, a gente já não tinha mais nada para vender, tinha vendido todas aquelas peças. Eu sei que com esse Rally, comprar as peças, elas foram expandindo para o mundo, o pessoal foi se interessando em conhecer o Jalapão, foi vendo que ali tinha um valor em cima daquela peça. Só que quando a gente trabalhava não tinha o nome de “capim dourado”, até em 98, quando eu vim para Palmas, era [só] “capim” que tinha lá no Jalapão. Até porque o Jalapão era discriminado, era um local considerado de pobreza, era um lugar considerado, que o povo lá, a maioria tinha hanseníase. Então o Jalapão, de primeiro, era visto dessa forma, só que pessoas de fora, muitas pessoas que iam, falavam assim: “O Jalapão é rico e ninguém sabe”. E a gente olhava: “A gente tem recurso do que aqui? Qual recurso que nós temos aqui? Que nós somos ricos e não sabemos que somos ricos”. Só que lá tem muita água, tinha aquele capim que hoje praticamente está em extinção, onde nós pegávamos, não tem mais. Eu sei que o primeiro evento que foi feito, pelo primeiro prefeito, chamado senhor José Ribamar Costa, trouxe para uma feira que teve aqui em Palmas, as nossas peças, minha, da minha mãe, das minhas quatro outras irmãs, as peças venderam todas no primeiro dia, todas. Só que como eram cinco dias de evento, não podia tirar aquela peça do stand, tinha que deixar para pegar no final, porque senão acabava a graça. E foi um bom dinheiro para nós também, porque esse povo ter vindo para cá, ele trazer essa feira, e ver que agregou valor às pessoas que tiveram boa aceitação, mais pessoas se interessaram em fazer as peças, só que era só capim. Eu não sei que um belo dia, tem uma Maria da Penha, que deu muitos cursos, ela viu que o capim era brilhoso em 90, aí ela achou, sugeriu de dar o nome dele, que hoje o nome dele é capim dourado, botou o nome de capim dourado, que é o nosso capim, que a gente deu início. Eu tenho um jornalzinho. Passou uma equipe aqui de Palmas, minha mães estava com as minhas irmãs pegando buriti, só tinha eu, a caçula que ficava em casa e meu filho que tinha dez meses de nascido, eles fizeram a matéria comigo, eu falei a respeito do capim, mostrei as peças, eles tiraram fotos dessas peças, mas ninguém imaginava que ia sair a nossa história. Quando saiu o jornal, saiu em São Félix, o prefeito lá pegou, viu aquele jornal e encaminhou aquele jornal para nós, com aquela história, mostrando as peças. Quando a gente estava na procissão… Que lá no jornal fala, que eu falei que eu já tinha doze anos de profissão, meu filho com dez meses, que tinha nascido. Aí esse jornalzinho caiu na minha mão, eu passei a mão nesse jornal, eu disse: “Esse jornal não vai desgrudar de mim, ele vai ficar comigo. É a minha história, é a nossa história”. Até a gente achou assim: “A gente é importante, saiu no jornal e tudo”. Eu sei que as coisas hoje, assim, deram uma melhorada, bastante, porque a minha mãe deu curso. Através da coisa ter expandido, o conhecimento, o povo estar conhecendo, minha mãe foi chamada para dar um curso lá nesse povoado, Prata, de dois meses, que esse povoado que são quilombolas lá, que é minha família, minha mãe deu curso lá também. Então a minha mãe já deu aula na área do artesanato, eu também já fui chamada, já dei curso na Bahia, para o pessoal quilombola também, já dei muitas oficinas aqui também para pessoas quilombolas. Eu ouvi minha mãe dizer assim, que aquele povo daquele tempo que não tinha estudo, mas eu não sei, parece que eles viam uma visão além da nossa hoje, porque o que o povo daquele tempo falava acontece. Hoje a gente está vendo o que está acontecendo, e ela dizia assim, que aquele capim ia para a televisão. Mãe dizia bem assim: “Olha, esse trabalho ainda vai parar na televisão”. Eu pensava: “Na televisão como? Ele vai entrar dentro da televisão?”, era o pensamento que eu pensava. E hoje ele está na televisão sim, está no mundo inteiro, até fora, em outros países hoje. Na televisão, eu já dei tantas entrevistas, aqui, hoje, eu sou chamada para o aniversário da capital, a nossa capital aqui, eu sou chamada para falar a respeito do nosso trabalho, qual é a importância. Amanhã mesmo, eu já tenho. Estou com o pessoal da UFG, que quer fazer uma matéria comigo a respeito do artesanato, qual é a importância do artesanato na minha vida, o que ele veio a somar junto comigo. Por isso que eu digo [que] hoje eu me considero uma pessoa grandiosa, vencedora. Com todas as barreiras que eu passei, mas hoje eu sou muito feliz.

01:46:22
P/1 - Você chegou a fazer alguma capacitação para aprender a vender melhor?
R - Sim, o Sebrae aqui deu muitas capacitações pra gente - até essas viagens mesmo, assim, no início, a gente não era cobrado, essa forma de ir para fora -, como atender o cliente, como se comportar dentro de um stand, como abordar o cliente. E depois a gente fez, depois eles foram vendo que as coisas foram evoluindo e eles cobraram da gente, o próprio Sebrae. Então a gente fez, eu fiz vários.

01:47:02
P/1 - Você falou que chegou para outros países. Você vende seus produtos online também?
R - Vendo sim.

01:47:11
P/1 - E tem algum países que chegou assim que você nunca imaginou que venderia e vendeu?
R - Sim, porque eu nunca imaginaria que poderia ir para fora, e eu cheguei a vender para o Japão, cheguei a vender para Miami, cheguei a vender para Portugal, e até hoje a gente vende para esses outros países também. Era uma coisa que a gente na verdade quando deu início, muito [a] gente deu ideia, mas a gente tem pouco tempo para isso, a gente não [se] preocupou, [não] pensou que poderia chegar o nosso trabalho, [que iria] ter uma boa aceitação em outros países. Nós achávamos que ia ser só aqui, e essas feiras fora. Mas devido a gente ir para essas feiras, a gente arrumou muito contato com pessoas de outros países, [estrangeiros] interessados em comprar o nosso produto.

01:48:15
P/1 - E como é que é o capim dourado? Ele só existe no Jalapão? É dourado mesmo?
R - É dourado mesmo. O capim, no início… Porque a história toda é a nossa, é a de lá, porque como surgiu toda a história de lá, muita gente não conhecia, então não é que tem só lá, na Bahia tem, é tanto que onde eu fui dar essa oficina para esse povo quilombola, lá tem muito ele. É tanto que hoje a gente trabalha a matéria prima que vem da Bahia. Só que quando a gente fala Bahia, é próximo, é divisa com Jalapão também. É bem próximo do Jalapão, são próximos. Mas a história toda é de lá. Então o pessoal fala que em Goiás tem, só que em Goiás não é o nosso capim, porque eu conheço um rapaz que trabalha com produtos, porque todas as feiras que eu vou, sempre esse rapaz está também, então a gente tem a convivência com pessoas de outros estados, e às vezes acontece até da gente ficar próximo um do outro nessas feiras, que a gente vai nessas feiras nacionais. É tanto que eu tenho até peça dele. Quando eu vou, assim, eu gosto, a gente troca de trabalho, pra gente conhecer o trabalho um do outro. E o capim de Goiás não é o mesmo capim nosso, é um capim mais grosso, é um capim que eles chamam até o “capim polonhão”, ele é ocado, mas dá umas peças muito bonitas também. Tem boas aceitações nas feiras, mas não é o capim dourado, não é bem o capim. E, assim, eles dizem que já tem outro lugar aí, que a minha irmã foi dar um curso em Diamantina, e lá em Diamantina, onde ela foi dar esse curso, tinha o capim, lá tem o capim. A diferença do capim de lá é que ele é mais fino do que o nosso, porque a gente trabalha com dois tipos de capim, tem o capinzinho mais fino que é o que a gente trabalha biojóia, o capim mais grosso, até tanto que esse capim mais fino demora mais tempo para amadurecer. Quando ele vai amadurecer, a gente já colheu o outro capim, então é o capim mais fino para as biojóias, os colares, brincos, pulseiras, essas coisas, e o capim grosso para as peças de decoração, as peças maiores, que são as bolsas, são para essas peças.

01:50:42
P/1 - Você comentou que o capim está entrando em extinção, existe alguma forma de plantar ele, replantar?
R - Plantar mesmo, não tem como plantar, nem replantar, como ele vem da própria natureza sem ninguém plantar. Agora, a única coisa que a gente faz, que hoje a gente tem portaria para colheita, porque quando nós começamos a gente não tinha, só que como a gente tinha muito, a gente não arrancava ele verde, a gente arrancava ele maduro, só que o maduro aguenta. A gente chega a dizer [que] o brilho do capim mudou, não é o mesmo brilho de quando a gente deu início, porque hoje, como tem essa portaria, tem o tempo certo para colheita, que eles tinham botado a colheita dia 20 de setembro, para início, que é o tempo que a semente dele está madura, e hoje a portaria, o que diz de nós, quando a gente for para a colheita é fiscalizado, hoje dá até prisão colher ele verde, devido ele ter uma semente. Por isso que tem essa portaria, para ter o tempo certo da colheita, porque com estudo, a semente dele só vai estar madura a partir de 20 de setembro. Quando a gente vai colher ele, a gente já leva a tesoura, corta, recorta, porque ele tem uma cabecinha branca na ponta, essa cabecinha que estava na ponta, dentro dela tem essa semente, essa semente tem que ficar lá. Essas cabecinhas todas tem que ficar lá onde a gente colher, não pode levar para casa. Se a Naturatis pegar, a policia ambiental pegar, as pessoas com o capim, com a semente, vão presos e ainda paga multa. Só que aí também, devido ao fogo, castigou muito, onde tinha hoje mesmo, eram seis quilômetros de distância, tinha muito onde a gente passava, até que a gente colhia, levava um pouco para casa, jogava fora. Hoje, você não acha mais um fiapo de capim, não tem mais, até porque o fogo castiga muito também. E onde queima, ele tem, assim, um certo procedimento. Se ficar sem queimar dois anos, ele não dá [mais], então ele tem que queimar um ano, igual queimou ano o passado. Esse ano, onde queimou vai dar bom. Agora, se botar fogo de novo, esse ano já não nasce mais, porque mata a raiz dele, não vai nascer. Então tem que deixar um ano queimado e um ano sem queimar, para ele poder vir com mais força e não acabar. Só que devido a demanda ter aumentado muito, porque hoje tem muita, em quase todos os lugares têm pessoas trabalhando praticamente, aqui, onde for, tem um município, uma associação, tem um grupo de mulheres… Não é só mulher. Porque quando a gente deu início era só mulher que trabalhava, hoje tem homens que trabalham melhor do que [as] mulheres no artesanato, fazem peças belíssimas. Hoje, tem muita gente sobrevivendo do capim, vivendo do artesanato do capim dourado, então a concorrência virou muito. Hoje o capim está tipo [sendo] leiloado para as pessoas de fora, porque o pessoal de fora também está querendo levar o capim para fora, como muitos deles levam, está levando [por] contrabando. Porque nós que temos o conhecimento da nossa portaria, e o valor que ele tem para nós local, a gente não vende a matéria prima para fora, mas outras pessoas que só colhem [para] vender. Então, assim, está virando uma coisa. O ano passado mesmo, o capim foi… Eu considero como leilão: quem dava o lance maior era quem levava. Os turistas que chegavam, diziam: “Eu pago tanto”, vendia para os turistas e deixava de vender pra gente que precisa trabalhar. É tanto que nós estamos até com uma preocupação esse ano. Hoje é 10 de junho, daqui o que, dois, três meses, praticamente três meses, nós temos que colher, e ninguém sabe [o que vai ser]. E sem contar que eles roubam o capim também, eles roubam o capim. Vão com carro à noite, arrancam o capim verde. Onde ele arrancou, ali vai acabar, porque não tem semente para nascer. Então, assim, está um pouco difícil pra gente, bem difícil. Eu tenho sempre conversado com a minha irmã, que é presidente da associação lá no município de Mateiros, eu falo para ela, eu digo: “O que vai ser de nós?”. Em primeiro lugar, encareceu muito, hoje eles estão querendo R$150 no quilograma do capim, que nós não vamos mais colher, que a gente não acha mais próximo. Todo ano, eu ia colher na terra do meu pai, só que a última vez que eu fui, eu vim de lá com o meu rosto todo estourado, peguei tipo uma alergia do sol, é porque eu trabalhei muito na roça, mas quando você começa a ficar na sombra, parece que a pele da gente fica sensível. Eu sei que na segunda vez que eu fui, vim de lá com o meu rosto todo manchado, manchado de bola, tipo umas espinhas no meu rosto. Nossa, ficou transformado o meu rosto. Aí cheguei, tive que fazer tratamento para poder acabar [com] essas manchas. Eu pensei: “Não, não compensa não. Eu prefiro comprar, porque se eu ficar doente é pior”. Aí hoje eu não vou mais colher, peço para a minha irmã, a minha irmã compra, eu mando o dinheiro, ela compra e manda para eu trabalhar aqui. Eu estoco para trabalhar o ano todo, porque ele só dá uma vez no ano, então colhe para trabalhar até chegar a outra colheita. E agora a minha preocupação é porque eu não sei se a gente vai conseguir para trabalhar, e os preços também, porque o fazendeiro que colhe não está nem aí, ele vende pra quem quiser comprar, quem der o lance maior, oferecer duzentos reais. Porque a pessoa que quer levar para fora, devido eles ficarem sabendo que o artesanato está dando dinheiro, principalmente do capim dourado, está tendo boas aceitações, todo lugar que você vai, tem aceitação, então o pessoal de fora está em cima, querendo também. E desenvolvendo até. Tem lugares aí, em outros estados, que têm equipes de pessoas fazendo. Eles ligam para nós. Eu mesma digo a minha situação, eu não quero porque eu tenho Deus na minha vida para me levantar, mas muitas pessoas pegam só as fotos da gente para botar as pessoas para fazer o mesmo trabalho seu, eles têm equipe, pessoas ricas estão fazendo isso, pessoas de alta classe que estão fazendo isso, aí eles entram em contato, eles pegam o meu contato. Hoje, se entrar no Google, me acha. Então tem muita história minha no Google, tem história que as pessoas conhecem, entram e acham a história que eu contei. Então, o que eles fazem? Eles pegam aquilo ali, entram em contato comigo, pegam o meu contato, dizendo que querem comprar, eu pego todas as fotos do meu produto, mando. Quando eu mando, as fotos tudo que eles querem, do meu design, eles somem. Aí agora esses dias eu estava descobrindo que tem empresa lá de Santa Catarina, tem empresários ricos, com equipe de pessoas fazendo todos os nossos produtos. Então pegam as fotos para a pessoa fazer o produto igual o nosso, copiar aquilo ali. Eu digo [que] ainda é um pouco difícil, mas eu não desanimo não, porque sempre eu digo, falava: “Vocês estão brincando com coisa… Aqui comedor na terra não me derruba, porque eu tenho dois caminhos levantados. Se ele me trouxe até aqui, de certo que ele vai me levar além”. Então, graças a Deus, meu produto tem boas aceitações. Tudo o que eu faço, eu vendo, graças a Deus. Só que eu acho chato as pessoas quererem fazer isso, porque eu acho assim: por que não comprar o nosso produto pronto, da gente? Eu fiquei sabendo, que a minha irmã me disse, que alguém achou um site vendendo, usando a minha imagem, umas pessoas que estava lá fazendo um trabalho para ela descobriram, entrou lá nesse site, com foto minha, com história minha e tudo. Porque hoje eu faço parte da Artesol, quem entrar lá na Artesol, vai me encontrar, vai achar meu nome, vai achar minha história, porque eu conto a história. Está lá, tudo do meu trabalho, a minha foto exposta. E muita gente está usando a minha foto para isso, usando a minha imagem para vender os seus produtos com meu nome, usando eu, porque sabe que a gente tem uma história verdadeira, porque a gente não conta nenhuma mentira, a gente conta a realidade, a gente conta o que a gente passou.


01:58:52
P/1 - Encaminhando agora para as perguntas finais: a cidade que você nasceu, mudou bastante desde que você nasceu?
R - Mudou, hoje até eu digo, de quando eu vim embora de lá para cá, nossa, melhorou bastante, porque hoje lá está sendo, lá hoje é ponto turístico. Era só por temporada, agora não tem mais temporada, é o tempo todo. O turismo de lá melhorou muito, até depois de uma novela que teve, aquela novela “Do Outro Lado do Paraíso”, uma parte [foi] gravada lá no Jalapão. Aquilo ali melhorou bastante o turismo no Jalapão. Hoje, todo tempo, o ano todo, lá é cheio, cheio, cheio, tem mais de setenta agências de turismo fazendo turismo para o Jalapão. O pessoal melhorou, a qualidade de vida melhorou. Hoje, as pessoas, não tem mais ninguém, assim, [que] é pobre, pobre. Não tem mais aquela pessoa que como a gente, desde a outra fala que eu falei, que nós lá éramos considerados como pobres, nós éramos considerados como os pobres do Jalapão, hoje lá todo mundo tem seu dinheiro, tem seu emprego, porque vive do seu artesanato. Os velhos hoje são aposentados, os novos hoje têm seu negócio, cada um corre atrás de manter os seus negócios para vender, o artesanato. Lá muita gente vive do artesanato também. Então, assim, as coisas melhoraram bastante. Hoje, pessoas que eu conhecia lá, que praticamente era considerada a família da pobreza, estão bem de vida, muito bem de vida. Lá dentro, sem precisar sair para fora, vivendo do turismo dali, vivendo do que tem lá dentro. Porque hoje tudo o que tem na região vende, tudo o que tem, que planta, do mantimento da roça, até o artesanato vende, o óleo do buriti, o doce do buriti, tudo vende, vende para os turistas que vão, o pessoal que vai. Então hoje melhorou bastante. Eu falo assim, [que] melhorou, na verdade, cem porcento de quando eu morava lá.

02:01:05
P/1 - E além do seu trabalho como artesã, você tem algum hobby, alguma coisa que você goste de fazer no seu tempo livre?
R - Assim, vontade de sair para dançar, eu tenho, só que assim, como a gente mora na capital, a capital assim, hoje não tem as festas que eu gosto. O que eu gosto de dançar mais é forró, então assim, quase não tem, dependendo do lugar, que tem os ambientes, eu não vou, porque não vou em qualquer ambiente também, para ir em um local, porque eu não vou estar em um local que não posso pensar que estou segura naquele local. Então, assim, eu gosto de dançar mais quando eu vou para o Jalapão, que lá tem as festinhas boas, lá eu danço. Quando eu vou para lá, nas festas, eu danço. Então, assim, aqui mais eu saio a trabalho, porque aí eu faço o trabalho a semana toda em casa, produzindo, que meu trabalho [é] aqui mesmo, [aqui em casa], e no domingo eu faço uma feira local aqui na capital, chamada Feira no Bosque. Domingo, eu faço essa feira, tem vários artesãos que fazem. Lá é uma feira que tem de tudo que procurar, da alimentação, artesanato, comida, tudo tem, tapete, estante de madeira, tudo você acha nessa feira no domingo. Então eu saio mais para isso. A não ser ali, visitar um parente, na casa de um parente, mas não sou muito de sair não, saio mais para viagem, faço mais é viajar, quando eu saio de casa é para viagem. Agora mesmo eu estou na concorrência do edital para ir para Fenearte, lá em Recife, esperando sair a seleção, [pra] saber se eu fui selecionada. Mas eu acho que praticamente tem tudo para eu ir, porque confio no meu trabalho, confio no que eu faço. Então acho que com certeza eu vou para essa feira. Aí eu trabalho mais para viajar, mas é bom porque eu viajo, não fico em casa direto, a trabalho a gente acaba encontrando com outras pessoas. Hoje eu sou mestre, meu certificado de mestre em Belo Horizonte, e lá a gente fez um grupo só dos mestres dos outros estados. Então, esse grupo está ativo até hoje, a gente sempre conversa. Quando está próximo dessas feiras que a gente vai, a gente comunica com os mestres, quem é o mestre que vai, aí a gente acaba encontrando com os amigos das feiras, a gente já melhora bastante, porque não é só trabalho. Agora mesmo tem umas meninas aí de São Paulo, a Cleide, Zuleika, que faz aquele saco, tudo. Aquela menina é minha amiga. Então, eu tinha visto ela em Belo Horizonte, e agora estive em Brasília mês passado, a gente se encontrou lá, demos abraço, tudo. Então é muito bom.

02:04:05
P/1 - Quais são as coisas mais importantes para você hoje?
R - Para mim, hoje, o mais importante mesmo é o meu filho, porque esse é o [bem] mais importante que eu tenho, e daí o trabalho, porque sem o trabalho não dá para viver. Então, tem meu filho, a minha mãe, que eu não quero perder por nada, que é uma pessoa que eu preciso de ver. Eu digo assim, se a morte tiver que chegar e ela disser: “Eu estou aqui para matar uma de vocês dois, você ou seu filho”, “Me mata e deixa meu filho”, mata eu e deixa ele. Mas eu amo muito o meu trabalho, coloco ele, assim, eu tenho prioridade nos meus outros trabalhos, mas meu trabalho é prioridade, porque o que eu tenho hoje foi através dele, ele é uma das prioridades na minha vida.

02:04:54
P/1 - E além do seu sonho de construir uma cozinha melhor para a sua mãe, você tem outro grande sonho que você queira realizar?
R - Tem, porque, na verdade, eu tenho um sonho que eu falo assim, é coisa de luxo, mas eu acho que faz parte da minha vida, porque como a gente morava lá no sertão, e a gente tinha muita dor de dente, lá ou arrancava o dente, ou ficava com a dor de dente, lá na época tinha um dentista, era um dentista que não fez faculdade, era um dentista que nunca deu prejuízo a ninguém, a não fazer o bem, ele arrancava dente e botava prótese, era uma pessoa que não foi formado, mas ele tinha boas experiências. E hoje eu não tenho meus dentes todos, porque eu arranquei de dor de dente, fiquei com dor de dente e tal. Eu acabei arrancando dente bom, então eu falo, [que] antes de morrer eu vou fazer um implante, é um luxo, mas eu quero, é um dos meus sonhos. É um dos meus sonhos que eu quero realizar.

02:06:11
P/1 - Assim, eu espero que você realize. Tem alguma coisa que eu não perguntei e que você gostaria de falar?
R - Eu acho que não, já falei tanto que eu nem sei mais. Na verdade, tem muita coisa, mas eu acho que as coisas mais importantes que são da minha infância até agora, eu acho que eu falei quase tudo.

02:06:37
P/1 - E como você acha que vai ser o seu legado para as próximas gerações?
R - Eu creio que se a pessoa tiver um bom senso, vai me ver como uma pessoa que eu deixei um legado de boas experiências, porque isso eu já fiz, sempre venho fazendo, então eu creio que assim mesmo. Eu acho que se eu partir hoje, meu legado fica para algumas pessoas que têm inspiração em mim. Muitas pessoas falam que me admiram muito, meu feito. Ontem mesmo as mensagens que eu recebi, foram de pessoas falando assim: “Continue [a ser] essa pessoa que você é, essa pessoa acolhedora, essa pessoa de coração bom, essa pessoa que vai atrás, consegue o que você quer. Continue sendo essa pessoa que você é”. E sempre eu falo, eu quero morrer… Se eu faço algo de bom para a pessoa, eu quero ser mais boa e fazer mais coisas para as pessoas. No dia em que eu morrer, as pessoas [vão] ter o reconhecimento [de] que eu deixei um legado bom para eles.

02:07:49
P/1 - E por último, o que você achou de contar a sua história pra gente?
R - Eu achei legal, achei muito bom. Eu acho que porque eu nunca tinha falado assim, eu sempre conto minha história pouco, mas para cá, você foi a primeira pessoa que eu estou contando a minha história desde a minha infância até agora, então foi muito bom o nosso papo, eu amei a conversa, gostei. Eu espero também que alguém se inspire na minha história.

02:08:47
P/1 - Assim, acho que você é uma inspiração para muita gente. Eu gostaria de agradecer em meu nome, e em nome do Museu da Pessoa pela entrevista. Foi incrível! Obrigada mesmo.
R - Eu que agradeço!