Museu da Pessoa

O mundo do Largo

autoria: Museu da Pessoa personagem: José Nascimento Cordeiro

P/1 – Pra começar, vou lhe pedir pra falar, José, o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento

R – Meu nome é José Nascimento Cordeiro. Eu nasci no Brás, no Largo da Concórdia em 1944

P/1 – Pra começar, vamos falar um pouco da sua infância, ou antes mesmo, da sua família, né? Você podia falar o nome dos seus pais, o que eles faziam? Ou se o senhor conhece alguma história de como eles se conheceram

R – Meu pai nasceu em Pesqueira, Pernambuco e a minha mãe também. Os meus avós, um era fazendeiro e o outro era um grande comerciante de cereais, lidava com alto atacado de cereais. E assim surgiu a minha família, nessa região, a qual os meus bisavós chegaram por volta de 1814, de Portugal. Ele começou a comprar terras e a criar gado, entrou na pecuária e evoluiu muito o negócio deles. Ele chegou ao auge assim, na época virou coronel no Nordeste e ele era possuidor dos maiores rebanhos de bovinos da região. Ele comprava tudo quanto era gado, ele chegou a ter 22 fazendas. Inclusive uma das fazendas, que o nome é Mulungu, que hoje é uma cidade, ele doou para os pretos, na época da lei áurea, 1888, né? Doou pros negros porque os negros passavam por uma dificuldade muito grande

P/1 – Você sabe como seus pais se conheceram?

R – Minha mãe era uma cantora sacra do coro da igreja e meu pai era um simples funcionário de um correio que, devido aos conhecimentos, aos cargos das empresas, eram muito disputados, era muito carente o estudo e o trabalho. Então a pessoa se especializar era uma raridade. Meu pai foi contemplado com essa empresa porque minha família já ajudava eles, e eles crescendo a empresa que empregou meu pai, que era a Carlos de Britto SA Fábricas Peixe. Ele começou a trabalhar na Peixe e eles estavam com intenção de fundar uma filial em Virgínia, nos Estados Unidos. Mas o governo americano na época não aceitou de maneira alguma indústria brasileira no território deles e eles acabaram, em vez de, eu, por exemplo, ia ser um cidadão americano, né? Ia nascer em Virgínia, Em vez de nascer em Virgínia eu nasci no Largo da Concórdia, no Brás, graças a Deus. E tudo se iniciou assim

P/1 – Você tem irmãos?

R – Eu tenho uma irmã de criação que chama-se Corina, que mora em Cuiabá. Pretinha

P/1 – Então eles vieram pra São Paulo?

R – Eles vieram pra São Paulo com a finalidade de fundar essa empresa e fundaram aqui no Largo da Concórdia. E onde que nós começamos a morar foi no Largo da Concórdia porque meu pai quando veio pra cá, ele veio com todas as mordomias, né? Inclusive ele vivia junto ao superintendente da empresa, doutor Joaquim de Britto. E eles fundaram a Casa de Britto SA que depois absorveu a Duchen. E foiNiemeayer que projetou todo o prédio da Duchen na via Dutra, que era um símbolo do início da carreira de Niemeyer. Niemeyer tava sempre em contato porque aquela obra dele foi a obra que antecedeu toda a arquitetura dele em relação ao Brasil. Infelizmente foi implodida na via Dutra. As pessoas que não se importam com o nosso passado implodiram. Uma das obras mais lindas do Niemeyer que era um trenzinho maravilhoso que tinha ali na Vila Maria. Então o projeto era fazer a Duchen de um lado e a Carlos de Britto, a Fábricas Peixe do outro. Inclusive o governo da época concedeu a possibilidade de passar um túnel embaixo da via Dutra pra ligar as duas empresas, era um negócio muito bonito, né? E aí começou a vida, estava começando a vida dos meus pais em São Paulo. Isso era por volta de 1939, aos anos 40. E nós morávamos ali no Largo da Concórdia. O Largo da Concórdia era riquíssimo no que se refere à cultura, tinha o Teatro Colombo que era o foco maior que se apresentavam Nilo e Nelo, cantores, os grandes shows da época eram realizados no Largo da Concórdia, que era praticamente o centro cultural de São Paulo. Eu tive privilégios, conheci Nilo e Nelo, conheci essa senhora, mulher do Ary Toledo, essa que foi uma vedete lindíssima. Ela iniciou ali no Teatro Colombo

P/1 – Seu José, vou interromper um pouquinho pra perguntar um pouco antes de quando você era mais jovem na Concórdia. Como era na sua infância?

R – Na minha infância era maravilhoso. Minha infância foi fantástica. Eu jogava futebol no Largo da Concórdia, pra você ter ideia (risos). O Largo da Concórdia, eu vou te dar umas pinceladas. O aeroporto de Congonhas da época era a estação Roosevelt, ali desciam todas as grandes autoridades como Getúlio Vargas, os políticos estavam sempre por ali. Eu me lembro muito bem do Jânio quando tava pretendendo ser vereador, ele estava fazendo as campanhas por ali. O alvo principal era meu pai porque ele empregava cerca de 900 pessoas, pra época era muita gente numa indústria, as indústrias eram médias. Então ele soltava e prendia, a maneira de expressão da época era essa, camarada tava preso, dentro do carro de preso, aí ele falava: “Somos empregados do seu Cordeiro”, aí o meu pai chegava lá, pedia pra soltar e soltava a pessoa na hora

P/1 – Você ia visitar sempre a fábrica do seu pai quando pequeno?

R – O trabalho do meu pai era praticamente no fundo da minha casa. A residência era na frente e atrás era a empresa porque ocupava todo aquele quarteirão do Largo da Concórdia que hoje é a Caixa Econômica Federal. Então ocupava tudo, um negócio enorme, era muito grande. E as casas tinham jardins na frente, pra você ter ideia tinha mais jardim do que casa. Era muito bonito aquilo, então à noite você sentia aquele cheiro, aquele perfume das flores. Era muito romântico. Os namorados iam namorar na porta da minha casa e a gente ficava escondido olhando eles namorarem, um grande divertimento dos garotos era esse. E fazia listagem pra comprar camisa de futebol, ia perturbar os namorados porque eles mandavam a gente embora logo, que eles queriam ficar a sós, então eles davam dinheiro pra gente (risos). Então essas eram as grandes brincadeiras. E nós jogávamos futebol, tanto na frente do teatro como atrás. E ali eram só residências. Meu pai fumava Lincoln, pra comprar o cigarro dele, ele precisava andar dois quarteirões pra encontrar um bar pra vender ali no Largo da Concórdia. Pra você ter uma ideia, a frente da estação Presidente Roosevelt que tem o viaduto hoje, aquilo ali tinha confeitarias de alto nível que tem hoje na Oscar Freire

P/1 – O que você costumava comer lá nas confetarias?

R – Tinha uma pizzaria muito especial. Marcaram três grandes restaurantes que era a Pizzaria 900, que era da família Barbaestefano, que o proprietário era o senhor Natal Barbaestefano. E eu era muito amigo do filho deles, do Natal

P/1 – Isso com que idade?

R – Eu tava no jardim da infância. E nós estudávamos na Rua Saião Lobato, na Escola da dona Maria. Era uma senhora muito bacana e a minha irmã estudava piano nessa mesma escola. Eu estava no jardim da infância, minha irmã tinha cinco anos a mais do que eu e ela estudava piano, ela já estava mais a frente. E o Natal Barbaestefano, hoje ele mora em Campinas, é meu amigo até hoje. Nós estudávamos na mesma escola

P/1 – Que lembranças o senhor tem da escola? Como era essa escola?

R – Era uma escadaria, uma arquitetura da época de Ramos de Azevedo, aquele estilo, pra ti lembrar mais ou menos é o estilo da Estação da Luz, o estilo do Teatro Municipal, né? Era uma escada com um corrimão em metal, preto, e ela toda de mármore branco

P/1 – E depois, quando você foi crescendo, na juventude, o que o senhor fazia? Sempre viveu lá pela Concórdia mesmo? Você andava muito pela cidade?

R – Não, não. Tinha amigos que... A gente não tinha muita noção na época, inclusive eu tinha um amigo que era pobrezinho, bem pobrezinho. O nome dele era Olímpio. E certa vez nós ganhamos um jogo de camisas de futebol, calção, meia, camisa, que era exatamente como a camisa do Flamengo, vermelha e preta. E aquele presente que nós recebemos foi conseguido por intermédio da mãe dos nossos amigos, do Armando. Ela conseguiu as camisas pra gente e nós colocamos, aquela ansiedade de colocar as camisas. Nós colocamos e o Olímpio tava junto conosco. E ele colocou também, como todos colocaram. Aí, o que me despertou? O Olímpio ficou bonito. Eu nunca tinha percebido que ele era (emocionado)

P/1 – E futebol, o que mais? Vocês jogavam muito futebol, você comentou

R – O Olímpio era maltrapilho. A gente não percebia porque a criança não percebe o rótulo das pessoas (choro). As crianças veem as coisas puras, é isso que eu me refiro. É duro conservar essa visão da vida. Diga, me repita a pergunta, por favor. O futebol, né? Eu me recupero (risos), eu to bem à vontade, eu sou muito emotivo. E o futebol era sensacional

P/1 – Vocês já tinham um time?

R – Esse time que nós ganhamos as camisas da Gazeta Esportiva por intermédio dessa senhora, mãe dos meninos da nossa turma, do Armando. E nós jogávamos futebol e era sensacional, cada um jogava mais do que o outro, tinha craques, assim, fantásticos. E São Paulo era muito bonito, São Paulo tinha um campo de futebol, você se afastando, pra você ter uma ideia, ali onde é o campo da Portuguesa, ali era só campo de futebol. Ali tinha a primeira favela de São Paulo, que foi a Fazenda do Canindé, por isso que o Canindé era tido e havido como o bairro da mitingua, da macumba, né? A tradição do Canindé era essa. Tinha aquelas lagoas

P/1 – Jogava em gramado e em várzea lá também?

R – Não, era mais várzea, mas os campos eram todos gramados. Por isso que se praticava mais futebol e existia mais técnica, entendeu? A gente ficava 24 horas jogando futebol, tinha que jogar futebol. Essa maneira do brasileiro jogar futebol é devido a isso, o garoto antigamente não tinha outra coisa pra fazer, ele só jogava futebol. Poucos eram aqueles que jogavam basquete, que praticavam atletismo, então era a pessoa que não dava certo no futebol que ia fazer atletismo, jogar tênis, eram os ruins de bola (risos). Os que jogavam futebol bem ficavam no futebol

P/1 – E isso até quando você acha que ficou esse interesse pelo futebol?

R – Mas a política foi muito mal conduzida, né? Esse interesse da criança brasileira pelo futebol foi cortada pelos políticos, né?

P/1 – O senhor mesmo

R – Exatamente, eu sofri isso daí. Pra você ter ideia, porque não faz muito tempo. O Vicente Mateus, do Corinthians, quando ele começou a carreira dele no Corinthians, ele era Diretor Esportivo do Trindade, que era o presidente do Corinthians. Na Vila Maria tinha um time que se chamava Maria Zélia, hoje é um posto de INPS. E lá tinha um time que não perdia de ninguém, o time era fantástico, né? Aí o diretor do Maria Zélia disse: “Não jogo mais contra time de várzea”. Cada jogo era 24, 30, parecia basquete. Eles ganhavam de todo mundo. Aí falaram: “Só jogamos agora contra time bom de futebol”. Primeiro que foi era o Corinthians que tava do lado. Corinthians foi lá, tomou de quatro. Aí, o Mateus falou assim: “Vocês deram sorte, vocês vão jogar lá no Parque São Jorge”. O Mateus, inteligente, deve ter reparado nos meninos que jogavam no Maria Zélia, né? Aí quando foram jogar no Corinthians, pegaram aquele campo gramado, aí eles enfiaram cinco no Corinthians. Aí o Mateus com aquele jeito dele separou os melhores jogadores do Maria Zélia pra ficar pro Corinthians, né? Então ficou uma seleção brasileira do Corinthians, todos os jogadores ali do Maria Zélia. O Corinthians foi campeão 51, 52 e 54 com o time do Maria Zélia, que era Roberto Belangero, Luiz Frungilo, Carbone que foi artilheiro do campeonato, Colombo. Cabeção. E esse time foi formado no Corinthians, foi tricampeão no Corinthians e o Mateus não gastou um tostão, ele pegou os rapazes tudo ali no Maria Zélia. Então o que era a várzea de São Paulo, ela sustentava o futebol profissional. E todo time de futebol, São Paulo, Palmeiras, todos os grandes times de São Paulo tinham um grande time de futebol, que eram compostos com a várzea de São Paulo. Acabou isso. Agora é um ou outro que aparece

P/1 – E quando o senhor parou de jogar futebol assim?

R – Eu tenho fotografia disso. Eu comecei a jogar futebol com 13 pra 14 anos, eu sempre tive uma estatura privilegiada e eu jogava com os pais dos meus amigos. Eles iam assistir eu jogar futebol porque eu jogava com os pais deles. E era fantástico que nós íamos no caminhão e havia um cuidado muito especial com a gente no caminhão, pra gente jogar futebol. E nós íamos jogar nos bairros de São Paulo, onde havia mais campos. Era assim a vida. Sobre o futebol, sobre o esporte. Eu joguei futebol na várzea durante muito tempo, aí depois fui pro Clube de Regatas Tietê fazer atletismo. Eu era arremessador de martelo

P/1 – Isso com quantos anos?

R – Isso aí já tava chegando quase nos 20 anos

P/1 – E os estudos, como estavam nessa época?

R – Os estudos eram coisa à parte, a gente estudava quando dava pra estudar. Porque com 13 anos eu entrei na primeira boate na minha vida, que era exatamente ali no Largo da Concórdia, a Boate Eros. Tinha o teatro. Eu era conhecido de todos os músicos da orquestra sinfônica municipal, estadual, de todas as orquestras

P/1 – Como foi esse primeiro dia na boate? O que o senhor foi ver lá?

R – Esse dia da boate foi sensacional. Aquela sensação de você entrar na boate sem o porteiro parar a gente. E depois eu fiquei até amigo do porteiro, que era o Chicão. Aí entrava. Nós estudávamos ali perto e era maravilhoso

P/1 – O que tinha nessa boate?

R – Era o que hoje seria muito devagar até, né? Não era uma metrópole. Era um barzinho musical praticamente com a pista no meio pro pessoal dançar, não tinha nada demais. E o pessoal olhava aquilo com os olhos arregalados. Era simplesmente isso. Os músicos eram do bairro, você estava sempre cercado, sempre tinha gente tomando conta de você. Você entrava na boate (risos) tinha dois, três que eram conhecidos da tua família que te olhavam, se tivesse qualquer coisa eles estavam lá pra te defender. Então era exatamente, São Paulo era menor, era uma cidade mais gostosa. Todo mundo conhecia todo mundo, você ia na Coronel Trancoso, que era atrás, uma vila bem popular que moravam pessoas muito humildes, né? E todo mundo conhecia a gente

P/1 – Fala mais, queria saber das músicas que você escutava

R – Ah sim, é que exatamente no Largo da Concórdia tinha o Teatro Colombo e tinha o maior salão de baile da época, dos anos dourados, que era o Minas Gerais Clube. Os grandes bailarinos. Sei lá, o Minas Gerais na época seria o Atlético Ipiranga de hoje, o grande salão, ou então o Clube Piratininga de hoje, ou o Bar Avenida, daqui da Pedroso de Moraes. Só que a época era de grandes orquestras, não eram bandas, eram orquestras. Eu ia dormir escutando Glenn Miller, as músicas que o Sinatra cantava. Aquela época dourada. Os Billy Butterfield da vida, que tinha grandes músicos. São Paulo sempre teve grandes músicos. Foi a época de Sílvio Mazuca, de Eron Chaves, Waldemiro Lemke, tantas grandes orquestras. Zezinho da TV e outros mais que agora eu não me lembro

P/1 – Tudo circulava lá pela Concórdia também. E o teatro?

R – O teatro era fantástico. Só pra você ter uma ideia, na frente da minha casa tava Nilo e Nelo e Simplício. Na parte musical se apresentava o top da época, que era Luiz Gonzaga com a sua sanfona, sua simpatia, aqueles carrões americanos importados. Era maravilhoso. Eu tive a oportunidade de conhecer essas pessoas porque eles paravam o automóvel na minha porta, então eu conhecia os grandes maestros, que eu não me lembro do nome deles, que regiam as grandes orquestras em São Paulo. Na época os conhecia a todos, eles me tratavam, eles se admiravam de eu gostar... O teatro em si com grandes personagens. Eu via o ensaio e via a peça. Eles acabavam me convidando pra assistir a peça. O diretor do teatro era meu amigo, os artistas que chegavam acabavam ficando meus amigos. O dono da bomboniere do teatro era meu amigo, então virava um círculo de amizade. E a gente participava de todos os momentos. E a Marly Marley que é a mulher do Ary Toledo era uma coisa linda, um monumento de mulher, então ela chegava todo dia no Teatro Colombo e a gente era amigo, eu conhecia

P/1 – Na sua casa os seus pais também participavam da noite de São Paulo?

R – Meus pais iam assistir só. Principalmente a parte de orquestra sinfônica que minha mãe era apaixonada por música sacra e erudita, né? Minha irmã era pianista. O maestro com quem minha irmã estudou era Villa-Lobos. Villa-Lobos estava lá

P/1 – Estudou com ele

R – Estudou com ele. Que coisa, é inacreditável falar algo assim, a gente não se dava conta. Minha irmã estudava com Villa-Lobos e eu nunca dei o menor valor nisso, olha que coisa maravilhosa

P/1 – E o seu pai?

R – Meu pai se dedicava de corpo e alma à empresa, ele trabalhava dia e noite. De vez em quando ele sentava ao lado do rádio pra escutar o programa. Ele tinha aqueles rádios Philips, inclusive doutor Joaquim de Britto ia pra lá, sentavam numa mesa e ficavam escutando rádio

P/1 – Você também escutava rádio?

R – Ah, quem não escutava rádio?

P/1 – Que programa você lembra que passava?

R – Ah, eu não dava muita atenção, mas eu, nossa, o que me marcou muito foi a Jovem Pan. A Jovem Pan foi um marco na minha vida porque a emissora dos esportes, aliás, não era nem Rádio Jovem Pan, era Rádio Panamericana. A Rádio Panamericana. E tinha rádio que cantava o Francisco Alves, que era o grande cantor da época. Carlos Galhardo. Esses cantores da época. Orlando Silva. Esse era o sucesso da rádio

P/1 – Você lembra de alguma canção favorita?

R – Ah me lembro. A canção que começava o programa de Francisco Alves. Boa noite, Amor. Deixa eu ter o fôlego pra dizer a letra. A letra é marcante. Pecado que eu não sei quem é o autor, mas eu prometo trazer, eu tenho gravada em CD essa música e depois eu lhe trago. Ela foi gravada por Elis Regina e foi gravada por Cauby Peixoto e Angela Maria. É uma música muito bonita, que ele iniciava e encerrava o programa dele. Foi a última música que ele cantou. Eu toquei na escola de samba que acompanhava ele, eu nunca tive o privilégio de acompanhar o Francisco Alves nas rádios e durante o carnaval, mas ia uma parte da escola de samba, os melhores percussionistas, eles iam acompanhar o Francisco Alves, e eram da escola de samba do Iperuí. O Iperuí era o clube mais conhecido na região do Brás, era um clube fantástico que tinha um grupo de grandes amigos e que tinha a escola de samba do Brás, que era a escola de samba do Iperuí, que era na Maria Marcolina

P/1 – O senhor chegou a conhecer também?

R – O quê? O Iperuí?

P/1 – É.

R – Eu joguei futebol no Iperuí, toquei na escola de samba e tem alguns amigos que eu tenho contato, do Iperuí. Por exemplo, o Duran, que é um aposentado, ele é oficial de justiça aposentado que de vez em quando eu encontro com ele. É um rapaz bem moreno, uma simpatia, uma pessoa muito fina, o Duran. É uma pessoa daquela época antiga, bem mais velho do que eu, ele deve ter mais de 80 anos, mas você não diz que ele tem 80 anos, você diz que ele tem 60 e poucos anos, no máximo. Quem tem 60 e poucos sou eu (risos)

P/1 – Vocês ficavam muito na Concórdia. Eu queria saber quando vocês começaram a viajar. Foi crescendo. Tinha o Brás, tinha a estação de trem lá, como é que era? Vocês viajavam? Vocês usavam trem?

R – Nós tínhamos parentes que moravam mais retirados da capital de São Paulo. Por exemplo, moravam no Jaçanã, o famoso trem das onze, né? Então eu cheguei a ir pro Jaçanã no trem das onze, descia na estação. E na estação da professora, nós descíamos e íamos visitar o pessoal que era parente da minha mãe que morava naquela região. Era um local tão maravihoso, era tanto verde, parecia um sítio, né? E meu pai comprou até um terreno lá, era da irmã Filomena, Rui e irmã Filomena, não esqueço. Ele comprou um terreno de esquina lá porque era um local muito bonito, era muito verde. E ia-se de trem praquela região. Então São Paulo era assim, era muito bonito

P/1 – Pra onde mais você ia viajar? Perdão, a gente tem que trocar a fita

TROCA DE FITA

P/1 – Quando você começou a crescer, na adolescência, como era? O que começou a mudar tanto no largo quanto você?

R – Olha, a minha vida foi muito bonita sempre. Pouco eu vi as diferenças, não houve muitas épocas que se destacaram. Ela continuamente era muito bonita. E a gente se lembra hoje das fases, né? Mas vivendo, você não conseguia ver as modificações. Sempre houve um amparo muito grande da parte da minha família e eu sempre tive, eu acho que é o privilégio de vida que eu tive, minha vida sempre foi muito bonita, eu sempre fui cercado de pessoas muito bonitas. O meu amigo Armando Ferrentini, a gente ia pra escola todo dia junto, a gente saía pros bailes de formatura. O pai do Armando Ferrentini era marceneiro, me lembro dele como hoje, seu Armando. E a dona Inês era a mãe dele. Eu: “Ô Armando, tem baile lá no aeroporto, vamos dançar?”. Aí o seu Armando chegava com um caminhãozinho dele, a gente passava a mão no caminho do seu Armando, botava um smoking (risos), íamos dançar lá no Pinheiros, no Aeroporto, era sensacional. Aí chegava, era um mundo muito bonito, aquelas moças muito bem vestidas, aqueles vestidos lindos. Porque o pessoal fala que é démodé usar aqueles vestidos, o pessoal não usa hoje porque não tem possibilidade financeira, eu acho isso. Porque o camarada em vez de usar de um Mibo no pé, ele não pode botar um Mibo, ele usa um tênis. Ele tá condicionado a usar um tênis porque é mais barato, você tá entendendo? Se ele tivesse possibilidade ele usava um sapato de cromo alemão, não é verdade? Então eu acho que é isso aí, nós nos moldamos exatamente à época, a gente não tem possibilidade de consumir hoje um sapato de cromo alemão, uma calça de super pitex 1504, que é um tecido inglês. Nós não temos essa possibilidade

P/1 – Você sempre se vestiu assim?

R – Sempre me vesti muito bem. Meu pai me ensinou a comprar Mibo. Mibo é uma das marcas mais importantes de sapato que teve em São Paulo, criado na Mooca, na Rua da Mooca. Eu tenho uma nota fiscal da Mibo ainda, guardada de lembrança

P/1 – Quando você começou a trabalhar, com que idade?

R – Eu comecei a trabalhar com 12 anos, contrariando meu pai. Eu tenho um amigo, tenho até hoje, que se chamava Antonio Carlos da Silva, a gente jogava futebol junto, Nico. Ele ia trabalhar todo dia. Aí ele falou: “Você não quer ir trabalhar comigo?”. Eu falei: “Lógico que quero!” Eu via todos os meninos irem trabalhar, eu quis trabalhar também. Aí o Nico falou: “Tá bom, você vai trabalhar comigo. Nós estamos precisando de um garoto lá”. Décimo Quinto Tabelião de Imóveis, na rua do Mappin (risos), não existe mais o Mappin. Na Rua Quintino Bocaiúva. E nós trabalhávamos lá no Tabelionato Chagas, Décimo Quinto Tabelião de Imóveis. E o meu amigo era chefe do setor de estampiras, ele que selava tudo quanto era documento. Ele sabia, maravilhosamente, fazer esse serviço. Eu era o auxiliar dele, o que eu fazia? Eu pegava o selo que ele separava e colava nos documentos. Aí esse meu amigo sempre teve uma personalidade muito forte, ele brigou com o chefe, o chefe mandou ele embora (risos). Eu me vi perdido (risos). E em homenagem a mim o chefe me chamou e falou assim: “Olha, de hoje em diante você é chefe da seção”. Eu nunca mais apareci lá (risos)

P/1 – Você chegou a receber por esse trabalho?

R – Cheguei a receber, mas não me lembro quanto era. Eu sei que eu nunca mais apareci no trabalho, de medo. Ele me passou a chefe, eu era ajudante, eu colava. Meu pai, ele ficou muito danado da vida porque ele não queria que eu trabalhasse, ele queria que eu só estudasse. Mas o Nico me levou pra lá e eu, ajudante do Nico, de repente o Nico vai embora. Ai, eu não apareci mais, eu fiquei com um medo terrível. Isso daí são os detalhes de vida que a gente não esquece. Depois desse cartório eu trabalhei na Eletrolândia na Rua São Bento

P/1 – Você não parou mais de trabalhar?

R – Não. Eu gostei. Aí trabalhei na Eletrolândia e da Eletrolândia...

P/1 – O que você fazia na Eletrolândia?

R – Eu era assistente. Trabalhava internamente. Depois eu deixei esse emprego e fiquei sem trabalhar muito tempo. Aí me prevaleci da vontade do meu pai, eu fiquei sem trabalhar muito tempo, só estudando. Mas aí eu comecei, os grandes amigos meus foram sempre meus guias, né? Aí eu tinha um amigo que estudava junto, que era amigo do Natal Barbaestefano, era João Acarino, que nós começamos a andar muito juntos e ele trabalhava com metais nobres e eu fui trabalhar com metais nobres porque a gente vivia 24 horas juntos, eu e o João Acarino. Ele tinha um escritório na Praça da Sé, eu me juntei a eles e trabalhei grande parte da minha vida com metais nobres. Eu tenho um amigo, que é o AngeloVillardi, ele trabalha com diamantes, tem uma lapidação de diamantes, então a gente trabalhava com metais nobres e pedras preciosas. Então fiquei muito tempo, até que a Polícia Federal me pegou uma vez e nós íamos perdendo todo o nosso capital e eu desisti desse ramo e fui trabalhar na indústria. Era a época que eu tinha me formado

P/1 – Vamos voltar pra questão da sua formação como estudante. Você estudou...

R – Eu estudei no Luciano Maier, que é Escola Técnica de Comércio Rui Barbosa, até 1961, 60 e pouco. Eram anos 60. Foi aí que eu comecei a sair com um pessoal e nós íamos de domingo à tarde, nós nos encontrávamos ali na Rua do Hipódromo e aquela turma de estudantes e íamos pros clubes dançar. Era a época que existiam os grandes bailes em São Paulo, do Homs, no Professorado ali na Avenida Liberdade, naquele palácio ali perto da João Mendes, tinha um grande baile também ali

P/1 – Você já tinha já os seus...

R – Eu já tava entrando nos 14, 15 anos. Essa parte aí era antes dessa fase das joias e tudo, tá? Essa parte que eu to contando agora da escola pras festas. Foi quando eu comecei a conhecer os grandes clubes de São Paulo. E os grandes clubes de São Paulo sempre foram esses daí, o Tietê, o Esperia, tinha os carnavais. O carnaval eu saí na última escola que saiu no Brás, que desfilou no Brás, eu desfilei na última escola de samba. Desfilei na escola de samba do Iperuí, que era a única escola de samba que tinha o Emídio de olhos claros, loiro, tocando frigideira

P/1 – Aí quando você foi ficando mais velho, depois você terminou, fez ensino médio também, né?

R – É. Aí foi quando houve a necessidade de adaptação porque eu me formei em Contabilidade e nunca assinei um balanço na minha vida. Eu detesto dois mais dois, detesto

P/1 – Por que você foi fazer Contabilidade?

R – Eu fiz Contabilidade porque era mais fácil do que fazer o clássico. Era o clássico e Contabilidade. E Contabilidade era mais fácil que o clássico, não entrava um monte de matérias, então a gente escolheu o mais mole pra fazer e fez. Só pra cumprir obrigação. Então eu fiz Contabilidade. Depois da formação completa eu comecei a trabalhar nas grandes empresas, aí começaram a exigir da gente e eu comecei a estudar. E eu complementei, aí sabendo exatamente o que queria. É importante a pessoa saber exatamente o rumo que quer tomar, né? Aí foi quando eu fiz Marketing

P/1 – Quando foi isso, que ano seria?

R – Isso daí foi antes dos anos... Nos anos 70, mais ou menos. O primeiro trabalho que eu tive de muita responsabilidade, eu fui assistente por muito tempo. Engraçado, fiz Contabilidade, mas eu trabalhava em escritório. Trabalhava numa grande metalúrgica na Vila Maria que era a Metalúrgica Cordeiro, mas era só assistente da área financeira. Foi a primeira vez que tentaram me corromper na vida, eu nunca esqueço. O cidadão que era o gerente geral tentou me corromper. Eu peguei ele roubando na firma, então ele com medo de eu entregar ele me propôs. Quando eu recebi meu holerit no mês seguinte veio o dobro. Eu falei: “Mas tá errado, o que você tá me pagando tá vindo muito mais”. Ele falou: “Não, fica quieto, isso aí é um agrado pra você”. Eu cheguei em casa e falei pra minha mãe e meu pai: “Pô, o cara me deu o dobro” “É, mas tem que tomar cuidado”, recebi as recomendações. Aí eu fiquei atento. Eu cheguei pro cidadão, não vou citar o nome dele por respeito, eu cheguei pra ele e falei: “Olha, eu só vou querer receber o que realmente vir determinado no meu envelope. Eu não vou aceitar nada além do que vir no meu envelope de pagamento”. Então eu o deixei numa situação incômoda, né? Aí, as coincidências da vida. O meu cunhado veio a comprar essa empresa e ele ainda tava trabalhando comigo na empresa. Aí o sócio do meu cunhado chegou pra mim e me botou na parede, né? “O que você sabe você vai me contar porque nós somos amigos do teu pai, da tua mãe”. Mas olha, ele me colocou na parede e me arrancou, me arrancou as coisas que eu sabia. Aí eu contei, aconteceu isso, isso e isso, contei tudo pra ele. Era sócio do meu cunhado. E o cidadão não era honesto, tinha que contar, né? Eu acho que ninguém tem que cobrir desonestidade de ninguém, acho que o desonesto tem que ser excluído. Eu, pelo menos fiz isso durante minha vida inteira e não me arrependo

P/1 – Zé, como era então, quando você tava com seus 20 e poucos, fim dos anos 60, que você falou que no começo dos 70 você foi fazer Marketing. O que você tava fazendo nessa época, no fim dos anos 60? Mudou alguma coisa na Concórdia?

R – Mudou, mudou. Em 62 pegou fogo no Teatro Colombo. Eu tenho fotografia da Folha de São Paulo da gente jogando futebol no gramado do Largo da Concórdia. Eu me lembro que saiu na época na Folha de São Paulo a fotografia dos meninos jogando futebol nessa época, antes de pegar fogo no teatro. Nós jogávamos futebol na frente. Tinha um gramado público. Pra você ter ideia, na época tinha uma banca de flores no Largo da Concórdia. O Largo da Concórdia que passava dois trilhos de bonde que se dirigiam ao centro da cidade e entre a estação de bonde e o teatro tinha um grande gramado. E ali naquele gramado a gente jogava futebol. Tinha uma bomba de gasolina e o ponto do primeiro ônibus do Alto do Pari que começou naquela época, começou na frente do Teatro Colombo. E eu me perdi agora

P/1 – Você tava no fogo do Teatro Colombo e falando como era nos anos 60

R – Exatamente. Eu me lembro muito bem porque era a época da Copa do Mundo e o Teatro Colombo tinha sido reformado, ele por dentro tava todo azul, muito bonito. E de repente pegou fogo naquilo. E era madeira pura que tinha, ali o palco era formado todo de madeira, a parte inferior, aquelas frisas e camarotes. Parece que eu to vendo. Era muito bonito o teatro. E começou o fogo lá dentro, não sei onde começou, destruiu todo o teatro. O corpo de bombeiros em cima e tudo, mas acabou realmente vindo abaixo. Eu acho que nunca deveria ter sido derrubado aquele teatro, aquele era uma cara de São Paulo. Teatro muito bonito. Tiraram o teatro, mudou o Largo da Concórdia totalmente. Construíram aquele outro viaduto na frente da Estação Roosevelt que acabou também com aquela parte de São Paulo antiga. Aqueles dois viadutos que têm ali no Largo da Concórdia, eles agridem totalmente a cidade, eu acho que o Brás começou a acabar nessa época dos viadutos porque inferiorizaram aqueles comércios que tinham por ali, aí começou a virar ponto de prostituição e pessoas mal encaradas e acabou que todo mundo se afastou dali. Mas aquele lugar era maravilhoso. Eu comecei a falar dos restaurantes que tinham e não terminei. Era a Pizzaria 900, que era da família Barbaestefano. A Cantina do Lucas, que se tomava uma sopa maravilhosa de tartaruga, era uma casa bem diferente, também tinha uma pizza maravilhosa. E o melhor restaurante que eu entrei na minha vida até hoje, olha que eu sou amigo do Walter Mancini e a Gruta Itália era melhor que ele. Era um italiano magro, alto, ele lembra bem o... vocês já viram o Zeloni na televisão, né? Nunca viram? Ele lembra mais ou menos as características do Zeloni, usava um colete, tinha uma registradora enorme, parecia máquina do tempo. Ele pegava aquela manivela e só aquele espetáculo dele abrir aquela máquina pra tirar o troco lá de dentro era um negócio fantástico (risos). O camarada virar aquela manivela, abrir aquela gaveta, ele tirar a notinha era um trabalho muito grande. E as mesas eram todas pretas e as toalhas, o enxoval do restaurante, super branco. Tudo de linho. Aquelas portas enormes, porta muito grande, esse era o Gruta Itália, um grande restaurante. Foi o melhor frango que eu comi na minha vida

P/1 – Zé, quando você saiu da casa dos seus pais? Você lembra?

R – Eu nunca saí da casa dos meus pais

P/1 – Mas você hoje mora...

R – Eu estava morando no Itaim Bibi, aqui na Joaquim Floriano e eu não me adaptei. Essa região é uma região muito sofisticada, né? Não me adaptei. Qualquer lugar que você entra ali pra comprar qualquer coisa o camarada quer resolver o problema da vida dele na hora com você, então você é explorado (risos) sempre nessa região dos Jardins, essas regiões mais nobres de São Paulo hoje você é muito explorado. Então eu continuo vivendo na Vila Maria. Era uma residência que morou meus pais, essa daí que eu to, eu dei uma reformada nela, fiz uma suíte pra mim e eu levava todo dia pra chegar na Vila Maria 45 minutos do Itaim até a Vila Maria. Aí eu fiz uma suíte, fiz o meu escritório embaixo, então oito horas da manhã eu já to dentro do trabalho, inteirinho, sem pegar trânsito nem nada. É bem melhor na Vila Maria do que no Itaim Bibi (risos)

P/1 – O senhor disse que nasceu no Largo da Concórdia

R – Eu nasci no Largo da Concórdia. Eu morei em quatro lugares, Largo da Concórdia, na Vila Guilherme, na Vila Maria e no Itaim Bibi durante a minha vida inteira. São esses quatro lugares que eu morei. E depois, saindo da Vila Maria eu fui e voltei.

P/1 – Essa que você mora hoje na Vila Maria, seus pais se mudaram pra essa casa que você mora hoje quando?

R – Foi por volta de 61. É, 61. A parte de escola, tudo, eu tava na Vila Guilherme. Foi a época de casamento da minha irmã. É, exatamente. Minha irmã deve ter casado mais ou menos em 63. Foi nos anos 60 que aconteceu essa parte mais especial. E foi nessa época que eu comecei a namorar a Miriam e nós éramos ratos de teatro e de cinema e passamos uma época muito bonita da nossa vida. Os grandes musicais, nós assistíamos todos. A parte dos bailes já tinha passado

P/1 – Aí virou uma fase de ir ao cinema

R – Mais cinema, teatro. Eu assisti a todos os shows da Elis Regina. Assisti a todos os shows de Vinícius de Moraes. Aquele roteiro que eles faziam, não saía ali do Pacaembu, da faculdade ali que todos os artistas faziam aquele circuito dos estudantes. E era o Tuca, né, aquele teatro? Todos os shows no Tuca eu tava lá. E no Anhembi, no Tuca, assistia a todos os shows. E o Eder Jofre, que eu acompanhei, acompanhei o futebol da época. Achei que foi um privilégio de vida isso daí. Você escutar as grandes orquestras que tocaram em São Paulo, você assistir Eder Jofre, foi o maior boxer que eu já vi, ele e Mohamed Ali, o top do boxe na minha opinião, assisti tudo dos dois. E música eu assisti Erlon Chaves, dancei com Erlon Chaves, dancei com Ray Conniff no Juventus e eu fui com o meu amigo Sidney Borges, nós levamos umas meninas pra dançar com a gente. E as grandes orquestras. Hoje ainda nós, aqui em São Paulo saímos para dançar com a Tabajara, com Grandes Orquestras do Rio de Janeiro, Tupi, Tabajara, o Severino Araújo que é meu conhecido, ainda danço. Inclusive estava em Fortaleza num reveilon, aí cheguei num hotel: “Nesse hotel não vai ter festa?” “Vai” “Toca alguma orquestra?” “Toca. A Tabajara”. Eu falei: “Ó, sensacional”. Então se pode ouvir ainda alguma coisa maravilhosa que tem na música popular brasileira. E aqueles fox, aqueles boleros dos anos dourados

P/1 – Eu queria perguntar sobre as viagens que você fez na vida

R – Eu conheço o Brasil inteiro, de Torres. Praia, eu sou bicho de sol e de praia, né? Praia eu conheço todas. Eu vou te falar em estado, nem vou falar em cidade porque aí teria que ficar falando muito, mas Rio Grande do Sul, eu não conheço bem Santa Catarina, só passei, mas não estive em praia em Santa Catarina. Litoral paulista eu conheço todo. Conheço o litoral do Rio de Janeiro, conheço Espírito Santo, Aracaju, Maceió, Recife, João Pessoa, Natal, então eu conheço o litoral brasileiro, já pisei em tudo quanto é praia de tudo quanto é estado do Brasil graças a Deus

P/1 – Você lembra de alguma história de viagem?

R – Nos anos 50 meu pai proporcionou uma viagem pra mim, minha mãe, minha madrinha, meu tio, minha tia, a família. Nós viajamos, só não foram meu pai e minha irmã. As duas irmãs ficaram tomando conta do meu pai e nós fomos passear. Fomos até Recife e a volta de Recife nós voltamos num navio. Foi fantástico, um passeio fenomenal. Você me perguntou algum detalhe que me chamou a atenção, foi quando eu vi a primeira vez uma baleia na minha vida, um negócio fantástico. Você em alto mar. Ah, tem mais um detalhe, além da baleia. A baleia foi em Cabo Frio, foi bem pertinho. Aí nós chegamos no navio, no Rio de Janeiro, à noite. E o navio só é recebido no cais até às 22 horas. E o navio atrasou um pouco porque o pessoal ficou vendo baleia, ficou se divertindo e atrasou um pouco o navio. Quando chegou ao Rio de Janeiro passava das 22 horas, o cais não aceitou mais o navio. Então nós dormimos no mar. O comandante içou a ancora e nós ficamos ancorados aguardando liberação de porto. E a coisa mais linda do mundo foi a situação que nós ficamos. Foi chato porque nós não descemos no Rio de Janeiro, estávamos ansiosos pra descer no Rio, mas foi a coisa mais linda do mundo, parecia algo que foi presente pra gente. O tempo no Rio era essa época aqui então havia muitas nuvens. E nós ficamos um pouquinho afastados, pro navio içar âncoras ali, nós ficamos um pouco afastado da cidade. E nós víamos o Cristo Redentor no meio das nuvens e as luzes da cidade que pareciam um terço. Era uma coisa linda. O pessoal não ia dormir, um negócio que marcou a minha vida foi essa vista do Rio de Janeiro, ali em São Sebastião do Rio de Janeiro e o aparecimento da baleia, foi uma coisa fantástica. Vocês nunca viram uma baleia? Já viram? No alto mar? Cabo Frio também? (risos) Que bom. Mas parece um espelho, né, quando ela sobe, aí ela solta aquela, é um negócio fantástico. Ela ficou se exibindo pra gente. Foi isso que marcou, foi uma coisa maravilhosa. E eu peguei nessa viagem cidades do interior, nós chegamos em Pernambuco e fomos visitar as cidades. E na época não tinha luz elétrica, então, à noite acendia-se vela ou aquelas lamparinas. A luz, é romântico aquilo, né? Por isso que o jantar de vela é fantástico. Você sair de São Paulo, ir pra um local que você vai jantar a luz de velas é um negócio fantástico, né? Muda totalmente os costumes. Isso chamou a atenção também. Eu fiz muitas viagens

P/1 – Dez anos pra cá, qual foi a última que você fez? Que foi muito especial

R –A viagem, um detalhe, foi a última viagem que eu fiz com meu amigo João Acarino. Ele se formou em Direito no Rio de Janeiro, aquela faculdade do Rio que se você passasse na frente eles te davam o diploma, né? Ele tinha muito dinheiro e acabou comprando o diploma de doutor. Ele não ia muito na escola e aí o pai era louco. Ele era formado em Química e era louco que ele fosse doutor. E ele comprou o diploma. Aí eu fui com ele pra ser testemunha que ele colou o grau (risos). Ele colou até o grau (risos). Nós fomos pro Rio de Janeiro, ele recebeu o diploma no Teatro Municipal. Aí eu falei pra ele: “Pô, vamos até Aracaju. Nós estamos aqui mesmo no Rio, vamos até Aracaju, que tá pertinho”. Sabe onde nós fomos parar? Em Salvador. Saímos pra ir pro Rio de Janeiro, aí eu sugeri vamos até Aracaju. O pessoal do Iate Clube de Aracaju era muito amigo meu, aí nós fomos pra lá. Eu falei: “Tem um peixe com camarão lá fantástico”. Então nós fomos comer peixe com camarão em Aracaju. Aí, era final de ano, nós acabamos chegando em Olinda na casa de um primo meu, Wellington. Wellington, ele foi inclusive secretário de Turismo de Olinda, uma pessoa maravilhosa, nos recebeu lá na casa dele. Na época o pai e a mãe dele eram vivos e nos receberam muito bem e nós passamos alguns dias em Olinda e depois fomos pra Salvador. Aí passamos outra temporada em Salvador e fizemos uma viagem linda. Era pra ir ao Rio de Janeiro e acabamos dando a volta, quase metade do Brasil, foi ótimo. Num Karmann Ghia (risos). Muito bacana. Nós curtimos aquelas praias todas. Então minha vida sempre foi isso daí, sempre foi muito bonita. E hoje eu fico mais por aqui, a minha praia preferida aqui em São Paulo é Ubatuba.

P/1 – Ubatuba?

R – É. Aquela região de Ubatuba eu acho muito bonita, as praias que mais me satisfazem

P/1 – E aqui por São Paulo, por onde você gosta de andar?

R – Hoje, aqui em São Paulo, hoje eu trabalho e vou nos meus bailes. Eu me divirto, eu sou amigo do Jorgino aqui do Telmo, aqui no Bar Avenida. Eu sou amigo de todo mundo no ramo de música. Eu trabalho com hotel, bar e restaurante, então veja bem como minha ligação é bem próxima a ele e tem uma parte de divertimento muito grande, né? Eu conheço os grandes restaurantes, né? As grandes pizzarias e os grandes empreendedores de casas de festa, então minha vida só pode ser muito boa, né? Conheço pessoas bonitas, pessoas alegres e isso daí realmente emotiva as pessoas, por isso que eu sou dessa maneira, eu sou muito sensível. E eu sempre comecei a aprender música com a minha irmã. E o que acontecia? Havia sempre aquela disputa de lugar entre o homem e a mulher. E eu falava pra minha irmã que ela não entendia nada (risos). Minha irmã era tão ótima em piano, bom, estudou com o papa da música, né? Só podia ser uma grande musicista. Esse Vanderlei que acompanha o Roberto Carlos, ele ia no apartamento da minha irmã aprender os acordes com ela

P/2 – Qual o nome dela?

R – Graciete Cordeiro. O nome da minha irmã, ela foi registrada errada. Então eu falava que era minha irmã de criação pra brincar com ela (risos). O nome dela de registro era Graciete Cordeiro Nascimento, vinha o nome do meu pai primeiro e depois o da minha mãe. Eu falei: “Coincidiu, meu pai e minha mãe acharam interessante, ‘ah cola, deixa lá porque vai pensar que ela é irmã dele’” (risos). Então ela ficava louca, tudo motivo pra brigar com ela. Era muito amor que existia entre a gente

P/1 – E ela, o que ela foi fazer depois?

R – Ela viveu muito bem até 1986. Em 86 ela contraiu um câncer e foi embora. E ficou a outra, Corina. Só que Corina está longe, está em Cuiabá. A gente se fala muito por telefone, mas a minha família se resumiu num sobrinho, que era filho dela. Ele morava aqui em São Paulo, no Pacaembu. Ele tinha um apartamento bom de veraneio ali perto de Santos, na praia do Imbaré, perto da Igreja do Imbaré, Posto Cinco. Ele tem um apartamento muito bom, ele deixou o apartamento dele aqui no Pacaembu e foi morar lá em Santos. Ele está morando lá com duas filhas, duas sobrinhas-netas minhas, duas meninas lindas, lindas. Ele e a Alessandra, que é a esposa dele, são minha família. Mas eu sou privilegiado por muitos amigos, eu tenho muitos amigos. Acho que não é qualquer um que tem amigo com 64 anos, amigo de jardim da infância. É difícil isso, é muito difícil, mas eu recomendo, viu? Que você os tenha e os conserve porque pra vida da gente é uma das coisas mais preciosas, são os amigos. Eu perdi muitos

P/1 – José, a gente tá chegando ao fim

R – Eu fui comerciante a vida inteira, eu tive uma loja na Maria Marcolina. Quando eu saí do ramo de metais nobres eu comprei uma loja na Maria Marcolina, mas eu tive um sócio que não foi muito legal comigo, acabei me desfazendo pra não haver nenhuma encrenca entre eu e ele. Eu preferi desistir do ramo e continuei trabalhando nas empresas em São Paulo. Aí eu fundei a Requinte, hoje eu tenho uma indústria que fabrica cardápios pra restaurante

P/1 – Chama Requinte?

R – O nome da empresa é Requinte. E eu faço cardápio pra vários restaurantes em São Paulo. Restaurantes famosos. Bassi e outros restaurantes. Se a gente for citar é muita coisa. Walter Mancini. Aqui tem o, puxa vida como é que chama o restaurante ali na frente do Bar Avenida? Aquela grande pizzaria que tem ali, que recebe o nome de um grande pintor. É o Rigoletto. É que a gente se lembra do nome dos donos, não o nome das casas. E aqui também tem o Gomes que tem um restaurante de massa, italiana, que foi dono do Via Veneto, uma grande casa de massa de São Paulo, que era ali na Alameda Barros, no Pacaembu, Higienópolis. Em Higienópolis também tem grandes clientes meus. Eu sou muito bem relacionado, graças a Deus, aqui em São Paulo. E é isso. São Paulo pra mim é realmente a terra que eu amo e é um quintal bem grande pra mim. É um local maravilhoso que eu sempre me divirto e levo uma vida muito boa. Espero que seja sempre assim, né?

P/1 –Você ainda é corinthiano, né?

R – É, corinthiano de Alfredo Inácio Trindade (risos)

P/1 – Muito bem. Tem mais alguma coisa que você quer colocar? Ou comentar que a gente por acaso esqueceu de perguntar?

R – Não

P/1 – Alguma história que você lembra

R – Não. O que eu quero é agradecer às pessoas que eu convivi até hoje, que de alguma maneira me suportaram, né? Porque a gente não chega nunca a uma perfeição, mas o importante é o sentimento próprio, né? Então, isso é muito importante

P/1 – E como foi a sensação de contar a sua história? O que você achou da experiência?

R – Parece que isso já tava marcado (emocionado) há muito tempo. Parece que isso daí já estava no script da vida. É. E quando vocês surgiram agora há pouco tempo, eu fiquei sabendo de vocês, eu imaginei: “Puxa vida, eu não vou poder perder essa oportunidade de marcar isso daí pra outras pessoas”. E realmente eu quero ilustrar pra vocês, eu vou selecionar algumas fotografias pra vocês ilustrarem, fazer uma montagem em cima disso tudo, que aí vai ficar bonito pra outras pessoas. Eu sou uma pessoa sem vaidade. Eu sempre tive muito medo e muita responsabilidade em formar uma família. E pelo menos eu nunca tentei enganar as pessoas que conviveram comigo (emocionado). Isto te dá uma grande possibilidade, você ter uma vida sem medo de falar. A contradição não é uma frente pra mim, eu não vou me contradizer nunca, a gente só fala a verdade. Então, essa é uma grande arma da vida, né? Você respeitar as pessoas. E é isso que eu fiz durante a minha vida, eu sempre respeitei muito as pessoas que conviveram comigo. Os meus amores e os meus amigos (emocionado). Essa emoção é pra eles! É isso aí