Museu da Pessoa

O hábito de comer burikita

autoria: Museu da Pessoa personagem: Avraham Ben Avran

Depoimento de Avraham Ben Avran
Entrevistado por Cláudia Leonor e Ana Paula Soares
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 3 de novembro de 1994
Transcrita por Teresa Furtado.

P - Eu gostaria que o senhor falasse o nome completo do senhor, o local e a data em que o senhor nasceu.

R - Olha, minha ... completo, Avraham Ben Avran, Avraham Ben Avran. Esse é hebraico, filho de Deus. Eu nasceu na Iugoslávia, 25 de dez; cidade: Novisdad.

P - Certo, e o nome dos pais do senhor, onde eles nasceram?

R - Olha, minha pai chama Michel Ben Avran; ele foi na guerra 14 e nunca volta, eu não conheci. Eu tinha 13 dias e que mais interessante, ele fez uma brincadeira com o povo, ele, quando saiu, ele me falou assim: "Olha, meu filho, lembra palavras teu pai: nunca, não coloca água na boca, só vinho e bagaceira, porque você sabe que só torneira enferrujada é água." E graças

Deus, eu tenho 80 anos e não toma água. E nunca não tomo nem remédio! Eu não toma! Eu quando foi na médico por causa de perna, médico já: "Doutor, o que é que você escreveu?" "Não, você ..." "Não, eu não toma, eu não toma remédio, desculpa, aqui não entra remédio. Aqui entra só caipirinha e vinho. Você me desculpa." E graças Deus (bate com os nós dos dedos na madeira) está aqui. Sem doença, sem nenhuma coisa, tá aqui, 80 anos, acho que vai mais 80. Depois vamos ver.

P - Seu Avraham, e como que foi a infância do senhor? Como era a cidade que o senhor morava quando o senhor era pequeno?

R - Olha, essa também não... Quando 18, essa onde morava, chamava Austro-Húngaro. Ano 18 eles perderam. E ortodóxos iugoslavos entraram. E como eu não tinha ninguém, fui com eles junto. E chegamos numa cidade, interior. Entramos numa casa, e logo perto de parede fazem cama, cama, sabe cama? Tábua, palha de trigo e cobertor em cima. E depois tudo deitamos assim, como ___________. Nós 30. De manhã velha, dona _________ levantava e fazia comida pra todos nós. Pegava farinha de fubá, cozinhava bem, fritava cebola acima e tinha balde de madeira, não como hoje tem, onde lava roupa. Tudo mundo sentamos lá no chão, colher de madeira, não tinha colher de... e todo o mundo comemos, comemos, comemos. Quando acabamos tomamos ou vinho ou bagaceira. E assim. Abaixo, embaixo de cama estava porcos, na cozinha estava vaca. Por quê? Porque deixa fora, soldado passa e rouba. E assim eles deixa porco baixo de cama, conosco; a vaca estava na cozinha. E quando clareceu, porco fora, vaca fora, tirava leite. E assim continua a vida. Depois tinha 11 anos foi pra estudar marceneiro, marcenaria. Tinha 16 quando recebi carteira profissional. E comecei a trabalhar. Depois entra minha cabeça, passa muito pesado comida, dormir na, desculpa, baixo de porão, não na rua, viu? Cada casa tinha uma janela, ventilação de porão. E como não tinha onde mora, à noite desci, mais uns amigos deitamos, de manhã levantamos e saímos, vai trabalhar.

P - O senhor trabalhava como marceneiro?

R - Como marceneiro.

P - O que é que o senhor fazia?

R - Móveis! Móveis, completo. Aqui também trabalhou, muito conhecido aqui Bom Retiro como marceneiro, muito conhecido! E depois, tinha 28 anos, como jogava futebol, jogamos contra Hungria. E eu como essa época tinha novo treinador, me colocou contra Hungria. E passou bem. E gostou, e eles gostaram. Assim eu pegava, e vamos pra Belgrado; esse é cem quilômetros de lugar onde morava e foi pra _______, na pé. Passamos na pé, eu mais um amigo. Eu na minha cabeça, entrou, chega a Belgrado, pega navio, porque estudava cozinha também, aonde nasceu. E uma vez, patrão pegou eu, pegou um peru assado e onde joga lixo, embrulhou, jogou fora para amigos, pra comer. E eles pegaram, me apanhou e jogou fora. Chegamos lá, ________, caiu neve, caiu, entra na neve, está bom. Chegamos. Antes de Belgrado, cidade chamava Zemon, e lá dorme na polícia, e outro dia a polícia pegou barco e colocou no outro lado, Belgrado, cidade. Chegamos lá, estava Natal, antes cavalo de rei passava, com 12 cavalo branco, bem arrumado, cidade toda luz: "Ah, não, eu vai ficar aqui! Não vai na América! Vou ficar aqui!" E ficou lá. E depois achou onde morar, e começou. Achou um lugar onde escuta como faz barulho de máquinas. Entrou lá, procura serviço. Lá tinha um mestre húngaro, e ele não sabia falar bem iugoslavo, "Eh! Ah! ____________ Donde está você?", ele falou. Digo: "Ah você fala húngaro!" "Fala!" Ele conversou comigo húngaro, e começou trabalhar e trabalhava lá. E depois entra na Clube Belgrado e começou a jogar futebol. Tinha um treinador húngaro, falou: "Olha, querido, que você quer bom jogador, não fuma!" Pegou, jogou cigarro, nunca na minha vida fumou mais! E assim continuou jogo. 36, 35 conheceu minha senhora na campo de futebol. Tudo gritava: "Segura, ___________ não deixa que ele passa!" ___________________ Goleiro sabe, 90%, gol. "Segura dele, segura dele!" E assim conheci minha senhora. E começamos a namorar, namorar. Agora, criança, tem muito interessante, uma coisa: estava noivo, foi na minha cidade onde eu nasceu. Tinha uma tia, fomos lá. E minha senhora, como noiva, foi com ela na cozinha, cozinhar. Entra uma cigana: "Opa, deixa olhar sua mão!" "Vai tomar banho, que é que você vai olhar!" Olha, até hoje me lembra dessa de cigana. Acerto, cem por cento. Ele sentou, pegou um copo água e olhou: "Você não está aqui, você vai viajar. E você vai casar, mas você vai sofrer muito, você vai sofrer muito! Mas, depois desse sofrimento, você vai viajar, uma água grande - como foi pra Israel -, mas lá não vai ficar muito tempo. Você vai passar mais grande água, você vai chegar lá. No começo, lá, você um pouco vai sofrer, mas você, na idade de você, você vai ser rico, mas nunca dinheiro vai parar na mão! Sempre limpa com vassoura." E verdade, filha da mãe, cigana! Acertou! Justo assim! Nunca não pára dinheiro! Dá pra lá, dá pra cá, tem netos, bisnetos, filhos, pa, pa, pa ... assim! Mas graças Deus, não falta nada! Estou muito contente! Quando chego aqui, quem me trouxe não, foi pra Israel, 48, fugiu pra Israel.

P - O que é que o senhor fazia em Israel?

R - Marceneiro! Logo começou trabalhar. Eu fui na fábrica onde fazia móveis, eles ganhava, mais que eles ganhava era um e meio __________ por dia. Eu vi serviço deles. Falou pra patrão: "Escuta, por esse dinheiro, eu não vai trabalhar pra você!" E coloca todo o mundo dele aqui. ______________. Ele: "Dá dois". Eu trabalho uma semana, não continua. Foi lá um polonês, marceneiro, foi lá e veio contente, __________ dez de manhã, com minha amigo, que conhecia lá. E eles fez uma mesa redonda, dono e mais dois empregados, mas já vê que nunca essa mesa não vai ter mesa. Logo quando entrei já vi que estava 10 horas. E acerta com ele que vem trabalhar uma hora. Uma hora, quando vê, ainda mesa estava lá. Tampa de mesa ainda estava lá. E eles sofre, não junta, ________ , sabe, redonda não é fácil pra fazer! Coloca folha, chama folha de nozes, esse é bem fino como papel. Esse tem que colocar junto e cada um igual. Porque são dois milímetros! Faz ______

não acerta! Eles não sabia isso! ___________. Eu falou: "Senhor Shwartz, você já almoçou?" "Não". "Você mora onde?" Ele falou: "Perto da igreja." "Mas você almoça, você me dá outra folha, vai você almoçar". Ele foi. Chegou, mais ou menos uma hora: "Avraham, Zacontin - esse é polonês fala: "Você já fez?" ________________ Ele não falava em iídiche essa época. ______________________ . Olhei, _________, descansa. E quando chegou pra pagar, me falou: "Olha, menos de três _______ não trabalha". Ele pagava um e meio, dois _______, mas nenhum sabia trabalhar, tudo aprendeu lá. E acertou! Chega o filho, ______________ o outro filho, também: "Mas pai, você é louco, ele vai ganhar mais como você!" "Ele faz tudo!" Chega um barbudo, sabe quem são? Religioso, não quer conversar comigo, porque não sou (cacher?), nós iugoslavo não somos (cachéres?). "(Cacher?), vai tomar banho, você não quer comer, come porco, come tudo. Tudo o que entra não é pecado, pecado é o que sai! O que entra na boca não é pecado! Deixa essa besteira de vocês!", falou para eles. E filha vai casar, mas quer móveis especial." Eu tinha um livro de desenho de Itália, bonitos! Ele escolheu mais pesado móveis! Chega o dono, Shwartz: "Avraham, você pode fazer isso?" "Não existe quem não pode fazer! Não existe quem não pode fazer!" "Mas quanto vai custar?" "Isso eu não sei, preço de vocês, não sei como está aqui." "Mas mais ou menos." "Tá bom. Quanto custa essa armário - que eles fazia armário de quatro portas? "Tanto e tanto." "Coloca dez vezes tanto, dez vezes coloca tanto." Estava bom, ______________ tudo feito na mão. E barbudo aceitou.

P - E que tipo de madeira que o senhor usava pra fazer esses móveis, em Israel?

R - Cedro, também tem aqui, cedro, que esse é mais melhor! Esse é primeiro! Não entra bicho, cupim não entra na cedro. Outro, isso não trabalha, quanto outros madeiras. _________

pa, pa. Isso não, cedro, não! "Está bom" Eu quando acabou isso, tira na rua, colocaram como exposição! Olha, assim, fila! Assim fila de gente! Quando acabou, ela casou com também um religioso, barbudo. Ela estava bonita, bonita, moça muito bonita! E onde ela mora pra lá de (Haifa?), mais ou menos 15 quilômetros. Quando mudava tudo móveis, ela chega com ele: "Olha, querido", falou, isso muito proibido e ela pula cima de mim, me beija, me beija.. Olha, como é idiota! Te falo francamente! Pra mim, existe só um Deus, ninguém mais! Nem Moisés, nem Moisés, tudo isso bobagem! Existe só Deus. E esse Deus não é como... Deus é na força. ___________. Ele e minha pai e minha mãe. E até hoje, graças à Deus, eu antes que deita, agradece pra ele que me dê saúde pra trabalhar, quando levanta cinco horas, lava meu rosto e agradeço a Deus que me deu bom sono. Eu quando deita, deita e já dorme. Sossegado. Porque eu não tinha nada assim: pecado, uma coisa. Não sente, nunca na minha vida. Tá bom. Matou, matou, estava guerra, matou muito, isso não tem nada que, que não mata eles, eles vai matar de mim! Mas uma coisa: uma vez me pegaram, alemão, na montanha e colocaram na árvore. Me amarraram e amanhã me vai matar. À noite, filha de comandante, ela me soltou, ela chega e cortou tudo. Eu fugiu. E ele matou filha. Ele matou filha! Fanáticos! Então, deixa tudo isso. Acabou móveis, já chega, ganha sete _____, grande dinheiro! Sete ______, muito dinheiro! Por dia!

P - Por dia era o pagamento?

R - Por dia. Não, cada sexta-feira. Primeira vez, quando eles chega para pagar, colocou na minha bolsa e falei: "Nunca, não faz isso! Eu não sou puta. Eu sou marceneiro! Eu ganha esse dinheiro, você coloca aqui na mesa!" "Não, mas eles não..." "Eles têm que ver! E aprender a trabalhar! Se ele vai trabalhar como eu ele vai ganhar também! Mas nunca não vai aprender! Porque eles rapapá, rapapá..." E assim passei minha vida. Depois...

P - Na Iugoslávia, desculpa, seu Avraham. Na Iugoslávia o senhor também recebia por semana?

R - Na Iugoslávia?

P - É.

R - Cada sábado, uma hora. Lá se trabalhava até uma hora, sábado. Chegava uma hora, chega o patrão, dinheiro. E lá mais uma coisa: até hoje não existe, nunca que na Europa existe, isso é muito, muito

_____ como operário. Aqui operário não vale nada! Você me desculpe, aqui operário é lixo! Para governo, operário é lixo! Aí o país vive com 85% de operário! Que ele não sabe, presidente não sabe, vai explicar pra ele porquê. É que 85% operário, esse coitado operário: "Você amanhã vai receber férias. Onde você vai?" "Nenhum lugar! Casa." Lá, não! Qualquer lugar tem uma montanha, ou uma mar. Tá bom. Você vai, entra na sindicato - lá sindicato não é como aqui, sindicato de vagabundo, só, ladrões. Lá é síndico como rei. Você entra lá, dá teu carteira, o dono te dá quando você entre férias vinte dias ou trinta dias, preenche papéis, ele te dá carteira ou de navio ou de trem, porque lá cada lugar tem trem, tem navio, como avião. E você, se você pôs a doença, você vai como Campos de Jordão ou para onde tem montanha. Se você tem saúde, você vai na mar, com família inteiro. Tudo paga governo. Todos despesas, governo paga! Aqui não existe isso! Não existe, esse grande erro. Mas por que não tem? Aqui não tem lugar pra onde ir? Tem! Tem Guarujá, tem Santos, não sei, tem isso, tem lá Vitória, tem Campos de Jordão, tem, tem tanto lugar, isso aqui, pra operário! Coitado operário! Aqui não tem nada. Ele recebe dinheiro, ele vai gastar na bar, tomar caipirinha, e gasta dinheiro; família, nada. Ah, não! Doença? Nossa senhora! Lá é muito, muito... Qualquer lugar (médico passa?) operário para hospital, e tudo as doenças tem muito, muito atendimento!

P - Quando o senhor estava na Iugoslávia e em Israel, onde que o senhor costumava passar férias, assim, onde que o senhor preferia?

R - Olha, te fala franco, eu nunca, não tinha férias. Nunca!

P - Por quê?

R - Porque eu sou burro, mais gosta trabalhar. Eu nunca estava cansado! Eu, se falamos na Iugoslávia: sábado recebe dinheiro, já amigo me espera fora, vamos lá, vamos lá na bocha, não sei, assim, ou vamos cantar, e assim a gente diverte. Domingo joga futebol, e assim. Mesmo na Israel. Mesmo na Israel. Eu nunca não estava cansado! Olha, 80 anos, eu não estou cansado!

P - O senhor não parou até hoje, né?

R - Não. Molecada seis e meia está aqui, na Burikita. Cada dia, com meu filho junto. Seis e meia entramos. Hoje trabalha até uma hora. Almoça, vai pra casa e descansa. Por causa de perna, sofreu muito de perna. Tinha, aqui também. Olha, uma coisa aqui: mais conhecido médico, (Mário Denis?), muito conhecido, não só aqui, na Latino América! Fala um grande, grande professor, pra varizes. Um dia, não podia pisar na pé. Falou minha senhora: "Vai lá e leva chave que empregada abre oficina, não pode _____." Foi lá na Rua Sabará, (Mário Denis). "Bom dia." "Bom dia." "Onde o senhor trabalha?" "Não, tenho fábrica de _____". "Ah, entra, entra. Quantos operários tem?" Nessa época tinha 18. "Deita." No momento não pensa porque ele fala assim. "Ih!" Falou pra minha senhora: "Olha, pega taxi, leva pra casa, 60 dias não pode levantar de cama. Pé, cima. Ele tem trombose." Eu vou pensar: "Está bom. "Eu passei muito na guerra, neve, tudo, pode ser, alguma coisa entrou, mas trombose, não sei. Ele me trata, filha da mãe, já chega quer que vende oficina. Não tem mais: 50 cruzeiros, 70 cruzeiros, 100 cruzeiros e deu injeção na veia que não pode dar. Um dia conheci outro médico, Marcos Wolosky, aqui do Bom Retiro. Fui com ele. Ele me falou assim: "Olha, senhor, pode subir nesta mesinha? Mas tira tudo." Ele pegou, daqui pra baixo. "Mas quem falou pra senhor que senhor tem trombose?" "Com Mário." "Mário Denis? Foi meu professor. Mas não pode, mas o que é que ele fazia?" Você me desculpa, conto pra ele ________________. Isso é vagabundo, não é médico! Por quê? Ele perguntou onde eu trabalha, quanto operário tem, que é que é tem interesse isso? O médico não é... ele não acreditou. Outro dia pega minha receita, e leva pra ele; ele quando vê a receita: "Ele é louco, ele estragou pé. Ele deu injeção pra senhor, ele é louco!" Tá bom. "Senhor pega agora meia dúzia antibiótico de 500 gramas, cada oito horas toma uma." Eu quando tomei segunda já andava! Quando acabou, ele fala: "Olha, amanhã não levanta, minha enfermeira vai lá e coloca bota" ___________________, mas não é só bota, não é. Gesso. Justo sete horas chega moça. Ainda estava na cama, esperava ela. Ela pegou, abriu papel, colocou uma creme, não creme, como uma massa. Pegou e a faixa, amassa bem, talco. "Agora o senhor levanta." "Como levanta?" "Levanta e anda." O filha da... Ela falou, 60 dias, falou: "Anda!" Olha, jogar futebol, tinha velhos, antigamente, hoje já não existe, tinha um aqui que consertava molas de carro, _____________ e sempre jogava Palmeiras, Corínthians, São Paulo, Portuguesa e Comercial. Cada domingo jogamos, levamos um tambor de cerveja, 60 quilos caipirinha... churrasco e 50 litro caipirinha. Quem perde, paga, mas todo o mundo come e bebe! E assim! Quando chega, não podia correr, eu estava goleiro. Chega ______________. "Não, não vai tirar." Quando tiro, você vai numa loja, tem uma loja Rua Aurora que vende meia elástica. "Você vai usar essa meia elástica, de mulher" e começa tudo assim. É, tá bom. Um dia, como nós tínhamos festa aqui, tinha como campeões. E ele convidou pra mim também. Eu fui, estava justo sábado. Foi lá, disse: "Senta perto de campeão." Tinha mais uns 280 quilos ele. "Senta perto." Ele estava campeão. A cozinha me





falou antes que começou: Avraham, come muito, come. Come
______ via comer mais feijoada que ele. "Comer, eu não gosto, você come." Olha, eu comeu 12 prata feijoada, ele comeu nove. E tomou 16 copo caipirinha, ele tomou oito. Quem ganhou? Eu! Ainda, acho que na casa ainda tem taça que ganhou. Canal 2 estava lá, nessa época filmava tudo ______. Ainda, de lá, eu foi num amigo, tinha festa na casa, ainda foi lá,

tomava vinho e comeu mais carne de porco. Essa época podia, hoje já não dá, mas interessante.

P - Quantos anos o senhor tinha nessa época, mais ou menos?

R - Mais ou menos, esto estava, já te falo 59. Ano 59, agora, nasceu 14, quanto é? Calcula. É mais ou menos assim. Mais ou menos assim. Mais ou menos 50, cinqüenta e pouco ano. E vida começou assim. Continua assim. E depois, essa época tinha muitos italianos aqui. espanhóis, que deixava mulher na Espanha e veio aqui para trabalhar e mandar dinheiro pra casa.

P - Na época que o senhor chegou aqui?

R - ______________ Chegou muitos espanhóis comigo, navio, e mais, quando veio aqui...

P - Ah, é, queria que o senhor falasse isso...

R - Um dia, um dia, em Telaviv, cônsul Brasil, Telaviv, sai uma declaração: quem tem uma coisa declarado, uma prova que fez uma coisa na guerra - essa época estava Kubitschek candidato para presidente - ele deu declarações, porque Sara, mulher dele, era judeu, você sabe, mulher de Kubitschek, ela é ainda viva, ela é judeu, Sara. E um amigo me falou: "Você não quer ir pra Brasil? Eu não gosta aqui." Francamente, eu não via futuro aqui - eu trabalha mas quer ver pra que ele trabalha. Só trabalhar pra comer, isso pra mim não é...

Não sei. Eu não estava contente lá, não, te falo francamente. Foi a Telaviv, e veio logo pra cá. Pega ônibus, voltou, pego minhas papéis e ouro, dia foi lá, levou tudo. Dez dias estava aqui. Tinha diploma de como coronel, como luta na guerra, tudo, 45 até... 41 até 45, tinha tudo prova. Infelizmente ficou lá consulado, não me devolveram. E assim veio aqui, aqui começou. Vou falar uma coisa: uma amiga nossa mandou pra passear. Foi com dois crianças, criança pequena, outra maior, e fomos passear aqui Bom Retiro. Chega na Rua dos Italianos. Tinha uma placa curva perigosa. "Mama mia! Sai daqui!" Na nossa língua, curva é puta. (risos)

Na nossa língua é puta. Aqui, bonde passa e coloca curva perigosa. "Minha senhora sai, sai aqui, filha da mãe, essa mulher está louca, onde ela mandou nós para passear, que é que é, aqui?" E voltamos, e começou xingar ela: "Mas você está louca, onde você mandou pra nós? Você sabe onde passamos? Tem placa, curva perigosa, assim!"

"Sabe o que é que é isso? Pra bonde!" Tá bom, não sabe, ainda não sabia falar, (risos) e depois foi trabalhar na Lapa, trabalha 20 dias, lá.

P - Uma fábrica também de móveis?

R - Fábrica de móveis, fábrica de móveis. Trabalhou lá, tinha um italiano chamava Fanton, ele fazia só armário, e ganhava quatro mil

cruzeiro por mês. Eu pensei pagar seis e comecei o trabalho. Eu fazia cama, penteadeira e toillet, ele deu pra mim. Olha, 20 dias acabou tudo. Ganho 11, 11 mil. Eles ma chama: "Mas escuta, Avraham, como você fez isso?" "Por que, não é bom?" "Não, é muito bom! Olha, Fanton, chama o Fanton, ele ganha quatro mil! "Sabe o que é Avraham, você não dá pra operário, abra sua oficina!" Pego 11 mil, chego na casa, e abre oficina na Rua Prates, marcenaria. Todos amigos: Você é louco, você não sabe o que fala? Você não... " "Mas que é que fala? Armário é armário, mesa é mesa, cadeira é cadeira, madeira é madeira, que é que é isso que tem que falar?" E foi lá, na Sete de Abril, não, Florêncio de Abreu, é Cardoso, que vende máquinas. Chegou lá

(fim da fita 033/01-A) e começou escolher máquina, escolheu cinco, seis máquinas. Quando acabamos: "Tem que dar 30% de entrada." "O senhor me desculpa, eu não tenho." "Mas como não tem?" "Me falaram que compra, não sei, pra um ano pagamento." "Sim, mas tem que dar entrada." "Mas não tem." E começo falar: "Eu sou assim, de Iugoslávia, de Israel _____" e começou falar. "Tá bom. Depois vamos ver." Nós saímos e minha senhora começa a chorar, outro filho começou a chorar: "Papai, olha, que loucura fazemos." "Já alugamos oficina, compramos mesa,

e que vai fazer agora?" E um dia nós almoçamos, depois de três dias, nós almoçando em casa, chega o zelador: "Senhor Avraham!" Morávamos no segundo andar, ele de baixo, começou a gritar: "Senhor Avraham! Chegou caminhão cheio de máquina!" "Mas que caminhão?" "Não sei!" Corremos, justo caminhão estava lá com cinco máquinas. Quando tiraram, estava gerente lá: "Olha, senhor Ricardo manda e fala pra três horas você passa lá" "Mas que três horas, eu já vai lá." "Mas ele não está lá agora." Tá bom. Nós chegamos lá duas horas. E ele estava lá. Ele falou: "Olha, tenho a confiança de senhor, mas se eu não pagar uma duplicata, o senhor pega todo o dinheiro, todas máquinas." Mama mia, filha da mãe, pega máquinas, pega dinheiro "Aceito, assino, assino tudo!" E comecei: trabalhei dia e noite. Dia e noite trabalhava. Interessante: todo o mundo chega, pega um apartamento, 45 mil, ou pegar uma armário, 18 mil, e eles me dava dinheiro! A máquina comprava 90 dia. Não paga nem um tostão, 90 dias duplicata, eu pagava. Quando eles dava dinheiro, falava pra eles: "Pega, pega logo, leva pra dois duplicata, leva." Cada duplicata estava 12 mil, assim. "Leva 24 mil, leva". Ele fala: "Não, só depois 30 dias." "Não, o senhor tem que aceitar, dá um recibo, porque o meu marido vai brigar comigo." E assim ele aceitou. Olha, oito meses pagava tudo! Quando pagou tudo, pega um garrafa de uísque Cavalo Branco e deu pra todo o mundo. Falou pra gente: "Olha, quando senhor Avraham vem aqui, nem me pergunta, manda pra ele máquina! Manda que ele que manda! Manda!" Isso nunca acontece comigo: o homem que não deu nem um tostão, mas tinha alguma coisa quando ele falava, ele tinha muita confiança, e mandou pra ele, e graças Deus, nunca, nunca não

tinha... Nunca, nunca, nunca. Um dia, já começou namorar com meninas, assim, foi na Beco. Nessa época estava na beco, casamento no escuro, como Sílvio Santos, não sei, você não lembra isso. É, estava na Beco, na Bela Cintra. Eu foi lá, com uma moça. Eu vi uma mesa grande, com, cheia garrafas vinho. ______________ De repente, apareceu o Sílvio Santos, e falou assim: "Quem tomar uma garrafa de vinho, não tirar de boca e tomar tudo, ganha Cavalo Branco, uísque." "Minha nossa! Avraham, vai você!" Achei meus conhecidos, que vai contar pra minha senhora que vai. Eu foi, estava sexta. Justo meia-noite ele deu um tiro. Eu pego garrafa assim: "Uh... glu, glu, glu... Quando pego quatro, todo mundo,

parou música, todo o mundo parou! Cinco garrafas! E quando acabou, chamo o garçom: "Traz um pedaço de toucinho e uma cebola." Agora, que acontece? Vai explicar: tempo de guerra, nós temos velho, ele falou: "Olha, Avraham, quando você toma, ou solta ar, ou puxa ar. Depois, quando toma, nem solta nem... até você segura ar, você pode tomar." Que em tempo de guerra, pegava garrafão de cinco litros, tomava! Vai fazer isso agora! Pra mim, isso não tinha nada! Você experimenta um dia: segura ar, toma ou vinho, ou o que você, ou licor que você mais gosta. Quanto você vai tomar! Não vai tomar um copinho, vai metade garrafa, até você segurar. Mas depois quando solta, tem que pegar ou cebola ou toucinho.

P - Por quê?

R - Tira álcool. Ele tira álcool. Cebola. Até hoje, todo o dia, até minha empregada que trabalha comigo 20 dias, já sabe. Dez horas, ela me corta uma cebola, até hoje come cebola. Cebola sempre toma. Cebola é bom, pra sangue, pra tudo! E assim, começou vida. É. Foi, mudou pra... como chama esta Rua Cruzeiro do Sul, na frente detenção. Marceneiro, começou a trabalhar. Espanhóis, italianos, voltava porque foram na África, África pagava mais. Eles foi lá pra trabalhar. Conheci um ______ . Tinha 60 empregados brasileiro, criança. Esse sofrimento me passa, dia dez recebe pagamento, três dias, não aparece! Dia vinte recebe, dia 25 vale, três dias não aparece! Quando ______ eles volta a trabalho. Eu, ____________________________ estava treinando dentro detenção,

para polícia, para ping-pong. Estava campeão na Iugoslávia ping-pong. E treinava deles. E tinha um tenente, tenente Flor, ele gosta muito, e eu dei muito como se jogava. Ele aprendeu bem. Ele levou conta pra minha oficina. Um dia falei: "Olha, não sei que vai fazer. Não dá, com essa gente! Eu promete dia dez mês que vem você recebe móveis, você não vai nem receber outro dia dez! Não dá, não dá! Quando vê que vai afunda, vendeu, e começou Burikita."

P - E... Pode continuar...
R - Quando começou Burikita, fala pra minha senhora: "Faz um pacote de quatro burikitas de queijo, dois e foi na Mackenzie. Chega Mackenzie, ______________ não quer". Aparece um professor: "Que é que ele quer?" "Ah, não sei, não é comigo _________ . Nem sei que ele falou que é isso!" Ele falou: "Que é que é?" "Olha, te falo, eu sou iugoslavo, assim, assim, na Iugoslávia nasci tanto ano na mão de turcos, e depois tiraram a Iugoslávia de turcos, e isso sobrou pra nós lembrar." "Que é que é Burikita?" Abre pacote, estava quente!

Coloca na boca: "Ma, mas que é que é isso? Isso chama... " Falou burikita, encomendou 300 pro outro dia. Esse mesmo falou assim: "O senhor passa Consolação, vai Filosofia. Lá tem de manhã e tem à noite. Fala com dona Maria." O mesmo aconteceu. Chego lá, a dona Maria não queria. Aparece uma moça, já de Bom Retiro, professora: "Dona Maria, que quer ele?" Comecei novamente: " Sou iugoslavo, parapapá..." E ela também pegou, quando pegou na boca: "Dona Maria, pega!" "Ai, que gostoso! Tá bom, traz 300." Pegou táxi pra casa, morava na Ribeiro de Lima. Subi em cima, pegou farinha, fechou a porta, tira eu, minha senhora, cueca desculpa. Pega grande balde, farinha dentro, ovo, sal, água. E começo. Amassa, amassa, amassa. Cheio! E deixa pra crescer. Quando começou crescer, tirava 750 gramas, mas tinha só uma geladeira! Onde vai tudo essa massa? E na cama, na sofá, e no chão. Tinha muito, muito pra

um mil burikita, é muito massa! Tá bom. Quando acabamos, à noite, vamos no vizinho, amigo, jogar baralho, até meia-noite. E eles fala: "Olha, Avraham, você vai sofrer sofá" "Mas que sofá, deixa debaixo de sofá." Meia-noite voltamos novamente. Tira tudo, e começamos fazer. Uma mesinha, e um fogão. E começamos brigar: "Filha da mãe, a faca agora estava aqui! Mas não me mexe aí!" Sabe o que é, a gente briga. Acabamos tudo isso, e logo na fôrma. Justo sete hora acabamos, 800 burikita. Seiscentos lá, aqui na Renascença, nesse prédio aqui na, como chama isso, aqui, onde é agora Pão de Açúcar tinha __________ israelita. Oitocentas burikita. E agora, pra levar? Parou na rua, mas nenhum táxi não quer parar. Quando fala não quer parar. Filha, aparece um velho, parou. E falou: "Escuta, aí tem duas caixas pra levar e mais duas no porta-malas." "Mas que é que é?" "Tem burikita." "Mas que é que é isso, burikita?" Mas que é que eu ia agora explicar: "Quer levar?" "Tá, aceito, uma de cada vez.." Tira cabeça: "Mas que é que é esse cheiro?" Estava quente, eu tirava um e deu pra ele. "Mama mia!" Ele estava salivando. Olha, estava louco! Ele me espera me devolver a casa, quando deu, pagou pra ele e mais quatro burikitas. Olha, dois meses, em casa ele chega, me leva. E sabe, isso é pouco? Tudo paga à vista! Chega na casa, tira dinheiro joga no chão: "Minha senhora senta aí e conta dinheiro." Já não dava mais em cima, começou festa de israelita, fazia torta de maçã, torta de queijo, strudel de maçã, strudel de nozes. Sabe o que é strudel? Comprido, massa folhada. E começamos fazer isso. Já em cima não deu, alugamos embaixo um lugar. Que pena eu tinha uma fotografia ___________ .

P - Deixa eu perguntar uma coisa pro senhor: mas antes, a senhora do senhor,

a dona Matilde, ela já fazia burikita?

R - Só na casa. Só para nós.

P - Era um hábito, o que é que era?

R - Como?

P - Era um hábito de família? O senhor comentou que tinha um dia...

R - Esse é um doce massa folhada, esse é um doce massa folhada. E que mais importante?

P - Na Iugoslávia não tinha um dia que a família fazia?

R - Na Iugoslávia vende na padaria. Lá vende assim, bandeja grande, e corta pedaços, vende por pedaço. Com queijo, com cereja, com maçã, com ovos, assim, com queijo e assim. E até hoje isso existe na Iugoslávia. E assim começamos a trabalhar. É, um dia já estava pequeno. Não, primeiro empregamos moça, ainda pegamos em cima, essa moça, ela ajudava. Ela tanto aprendeu, pegamos outro moça, ela estava ciumenta: "Ela é burra, ela não sabe nada." Você não sabia nada, deixa, vai aprender! Assim, ela saiu. Ma, abandonou. Depois queria voltar, eu não peguei. Quem sai da Burikita não volta, não pega mais. Até hoje é assim. Quem sai de lá, não pega mais. Acabou. Porque muito fácil pra aprender, muito fácil! Simples coisa. Você entra, hoje, você em três, quatro dias você lava louça e ajuda lá a limpar maçã. Depois de uma semana você já sabe abre, sabe fecha, sabe _________ muito importante, merengue! Muito conhecido! Merengue. Esse, de suspiro, nozes e chantilly. Muito conhecido! Uma moça, trabalha um mês, ela já faz, já faz! Não tem nada complicado! Minha nossa!, doce não tem nada complicado. E nossa doce, garantido! De tudo original, original. Não tem nada como outros faz nas lojas, pega caju e farinha de rosca, e coloca queijo, nozes! Nossa é nozes 100%. Temos um petit-four pequenos com nozes e ameixa e só ameixa preta. Nós cozinhamos e fazemos geléia, nós sozinho fazemos geléia. E tudo esse, muito conhecido.

P - E a clientela do senhor? Porque o senhor sempre esteve aqui no Bom Retiro, né?

R - Sim.

P - Mas como que é a clientela do senhor? Da Burikita?

R - Como?

P - Ela é do bairro, ou ela...

R - Olha, hoje, nós vendemos pra Rio, para Belo Horizonte, para Curitiba. Não existe festa onde nosso strudel de nozes, strudel de maçã, strudel de papoula. Sabe o que é papoula? Essa semente pequena que ópio e... Campinas, lá tem esses médicos. Quando eles têm festa, só telefona: "Seu Avraham, me prepara 20 strudel de maçã, 20 de nozes, 20 de... e 300 de queijo, de batata." Eles não quer espinafre, nem de carne. Queijo e batata. Mesmo Porto Alegre. Manda telegrama, pra dia esse, prepara tudo esse, nós vamos chegar leva com avião.

P - Vai por avião. E como são embalados os doces?

R - Olha, é tudo enrolado, anda de cartão, _______________ e pode levar onde quer.

P - Certo.

R - Nós temos até Estados Unidos! Um casal! Quando ele vem aqui, mulher fala: "Não esquece, vai na Burikita, traz strudel de nozes e de papoula." Eu falo: "Lá não tem?" "Tem, mas não é gostoso como o de vocês!" Tem aqui também, também faz strudel, mas não fazer massa folhada como nosso. Nosso, quando você coloca na boca, desmancha! Você sente desmancha na boca. Tudo isso, aprendemos de mãe dela, que eu não tinha mãe. Mas viu como mãe dela fazia, dona Matilde, mãe, assim, aprendeu. Porque na nossa casa, sexta-feira, esse, como fala judeus, sexta-feira à noite...

P - Tipo um ritual? Um hábito?

R - Isso é uma coisa. Na nossa casa, mãe dela fazia ovos cozinhado 48 horas. Abre como castanha. Fazia burikita, e antes que começa janta, shabat, se chamava, shabat, sexta-feira à noite, começa sete hora e na casa dela já chega todo o mundo, seis horas está em casa. Sentam mais velho ou filho que não tem pai, filho limpa ovo e não corta, quebra com mão. Quebra. E assim, pega metade pra você, metade _____ e depois tem sal, e rainha de... pimenta do reino. _______________________

Essa é uma palavra. Gente come e toma ___________ pinga de ameixa. E depois come essa burikita, ___________ feijoada, que cozinhado é sexta à noite, começou cozinhar já quarta-feira. Mas não na panela, na de barro, como chama? Essa de... como faz feijoada aqui! Não é de panela de ferro, é de barro.

P - Barro.

R - É, assim. Cozinha. E depois, último dia coloca na fôrma e quando tira, mama mia! ________ Maravilhoso! E assim passa sexta à noite! E assim aprendemos fazer burikita. Olha, burikita pegou fama! Até hoje, chega de Jardim América, lá, de todo o mundo chega só pra isso. E quando não tem: "Ah, peguei táxi!" "Por quê não telefona? Tem telefone! Telefona, a gente se prepara!" Chega gente de Curitiba, ônibus que vem parar aqui na Rua Prates __________________, três, quatro ônibus. Chega lá e: "Olha, pra tarde eu precisa dois strudel de nozes, dois de papoula." "Sem problema, à tarde você recebe." Chega à tarde e leva. O petit-four: "Um quilo de nozes, um quilo de ameixa", eles leva! E assim gente até hoje continua. Olha, esse filho que estava aqui, ele, engenheiro eletrônico, ele trabalha na Telefunken. __________ levanta cedo. Telefunken estava lá na Santo Amaro, na Avenida Santo Amaro. Chega à noite, chuva, trânsito. Chama David: "Pára essa porcaria, entra você aqui. Deixa esse porcaria." Ele tem cinco diploma! "Deixa tudo esse diploma! Deixa engenheiro, entra você aqui, pra mim já chega!" Dona Matilde já uma vista não enxerga. Outro, enxerga pouco, foi operada de coração. "Pega você." Ele entrou tão firme! Hoje ele faz tudo! Ele faz tudo! Pode deixar na mão dele sossegado!

P - Seu Avraham, o senhor precisou fazer algum tipo de propaganda, de publicidade?

R - Só na ... várias vezes na televisão hebraico. Canal 11.

P - Ah, é?

R - É.

P - Como eram essas propagandas? Tinha alguma música?

R - Não, não, não! Tem, como tem notícias, notícias hebraicos, canal 11, duas e meia, cada domingo. E antes de começar eles faz propaganda pra Burikita. E depois continua que acontece Israel, que acontece aqui. Tudo isso propaganda.

P - Certo. Deixa eu perguntar uma coisa: como que o pessoal, pagava antes e paga hoje? Cartão de crédito, cheque, dinheiro?

R - Dinheiro. Todo o mundo dinheiro. Ou cheque. Ou cheque, ou dinheiro. Porque às vezes, eu falo: o que hoje mais dá aqui é comida. Você abre uma coisa, tem crédito mas pode esse negócio de pagar, dá cheque, não sabe que é seu cheque, como é. Eu tenho um conhecido, Melódia, aqui, aqui na frente de vocês, bom amigo meu. Tem problemas de cheque, cheque de interior, não tem fundos, e depois tem dor de cabeça. Não, mas eles vendem assim! Não sei! Garantido, dinheiro. Não abusamos o preço, nós somos barato, mas preço bom, e cheio! Você passa meio-dia, assim, gente! Não pode entrar! Come doce, e mais come merengue, esse merengue vai muito, muito gostoso! Esse merengue, como que já explicou: morango, suspiro e chantilly! Creme de leite. Chantilly. Assim altura! Pedaços! Você come, não precisa mais almoçar! E gente vê! E olha, tem mais operários, não é só quem vem meio-dia, não é alta sociedade! Operários! Porque quanto custa? Dois real custa um pedaço, você come um pedaço, acabou almoço, não precisa mais nada! Toma um Coca-cola, ou uma Guaraná, ou o que você quer, toma suco de maracujá ou limão e acabou almoço! Por dois real você almoça!

P - É suficiente. Deixa eu perguntar uma coisa pro senhor: o senhor sempre morou aqui no Bom Retiro?

R - Sempre, desde primeiro dia.

P - É? O que é que o senhor viu, assim, de transformação no bairro, nas ruas que o senhor morou?

R - Olha, te falo francamente, quando nós chegamos aqui, esse bairro estava bairro de judeus, um pequeno Israel. Hoje já não é tudo judeu, já saíram aqui. Por quê? Sai lá na... como chama? Angélica, ou Rua Maranhão, ou tudo isso. Hoje mais é coreanos e como chama? Japoneses. Japoneses, elementos maravilhosos! Bom, mas como são vagabundos! Eu te falo francamente! Vagabundos demais! E, o que é mais importante, quando você vai na justiça, "Ah, _____________", já fala outro nome! Pode pegar e já vem a televisão, muito problema porque fala que esse não é o nome dele! "Mas como é nome do senhor?" "Não é, não chama Choong Moong, esse é Moong Moong!" (risos) Esse é problema! Mas... como chama... japonês muito correto, olha onde mora? Tem três coreano. Nunca vão pagar esse aluguel! Não paga, como chama? Condomínio, tem sempre problema deles. Eles mora cinco, seis meses, fugiu! Já falo: "Mas como você, _______ não paga e sai, assim? Paga alguma coisa, dá pra zelador e sai."

P- Quer fazer alguma pergunta? Seu Avraham, a gente tá terminando a nossa entrevista...

R - Sim. Tá bom, que vocês querem mais coisa?

P - Eu queria saber, assim, se o senhor fosse mudar alguma coisa na sua vida, o que é que o senhor mudaria? Ou não mudaria?

R - ___________ tira 80, não 50! Não entendeu?

P - Não, explica pra gente.

R - Minha idade, tirava 80 pra 50, isso, que Deus me ajudava, outro, nada, não quer mudar nada! Estou muito contente! E me fala mais uma coisa: vocês, não respeitem seus papais como nós respeitávamos. Você me desculpa, Brasil tem grande erro: não quer trabalhar, esse já é grande erro. Olha só, pega Rio de Janeiro: guerra! Quem fez essa guerra? Você me desculpa, nortista! Quem fez essa malandragem aqui? Nortista! Quem faz malandragem lá Belo Horizonte? Porto Alegre? Cheio! Por quê? Porque governo não vale nada! Governo não ajuda pra eles! Eu lembra dez anos atrás, tinha um expedição de Israel, aqui. Foi na Norte, porque falava que não tem água! Eles pegava cano de água de três metro! E quando chega dois metros, já sai água! Eles: "Como? Tem água!" Porque Rio São Francisco não é longe de lá! Pode puxar água de lá! Mas governo não quer! Isso cada país tem, não só aqui, cada país tem isso, porque não ajuda? Isso é grande erro! Coitado desse povo! Eu tenho uma menina, chega agora de Norte, ela chegou sozinha, trabalha na balcão. Já trouxe irmã, cunhada, cunhado, filhas, tudo mora um quartinho, deita no chão! E tudo vive do pagamento dela. Esse é grande erro! Grande, grande erro! Outro: como fala uma senhora - ela é brasileira, eu conheço essa senhora de televisão _________: "Ano passado quando volto, ela abaixa e beijou terra. Agora vê: nossa terra vale muito! Fora não vala nada, todos são ladrões vagabundos! E verdade, assim! Verdade, assim! Esse é mais rico país do mundo! Mundo! País mais rico que existe na mundo, mais rico!" Isso pergunto: Onde estão esse ouro todo que tiram? Toneladas, onde está? Eles pode pagar todas despesa, não precisa nem pagar imposto! Rua pode ter tudo! Bonito rua, tudo! E tão rico, esse país! Mais uma coisa: aqui sempre tem comida, aqui nunca não falta! Tem! Não ________ como na Alemanha, como tem na Iugoslávia, como tem na Hungria, como agora tem

na Rússia, não tem comida, fila pra um pedaço de pão! Aqui nunca tem fila! Aqui tem pão o quanto você quer, tem carne o quanto você quer! Verdura, aqui sempre tem. Sempre. Frutas? Tem! Não existe aqui, esse mês não tem.. Tem! Tem! Esse um país muito, muito rico! Rico demais! Mas... não tem governo patriota. __________. Único patriota que tinha um pouco era Jânio Quadros, mas ele, vagabundo, fugiu! Abandonou! Quando ele estava presidente um pouco, ele fugiu! Ele sempre fala que queria matar ele, pode ser, pode ser, não sei. Ele estava patriota! Ele sim! Vamos ver o que é que vai fazer agora, esse.

P - Seu Avraham, pra terminar, a última pergunta, eu queria saber assim: o que é que o senhor achou de ter passado essa hora conversando com a gente, deixando registrada sua vida, trajetória profissional?

R - Maravilha, maravilha! Maravilhoso! Para mim estava uma festa. Não, porque, sabe o que é? Eu não sou homem de vergonha, vergonhosa, não homem que, que mente. Tá bom: gente várias mente, sempre fala verdade não existe. Você fala dez palavras verdade, e mais dez, mente. Isso não existe, da falar tudo verdade! Agora, o que eu falou até agora, isso tão verdade como eu sentar aqui. Porque é uma coisa: mente, Deus me castiga! Deus me castiga! Agora tem outra coisa, a gente conversa, _________ fala amizade, e começou a falar. Três, quatro verdade, é verdade, mas mente! Porque se você não mente, não sou interessante! O que é que você vai falar? O que você vai falar? Olha muito pouco gente... Ah, uma coisa acontece aqui na Silva Pinto: entregava doce numa loja, até hoje entrega pra eles, lá na Itambé. Mas entra na Silva Pinto, de repente parou tudo carro. Parou. E também parou, bateu num táxi, mas não aconteceu nada. Ele saiu e começou briga e chamou polícia. Eu... (fim da fita 033/02-A) E chamou polícia. Eu acho que a polícia estava amigo dele. Olha, quando chego lá na porta, a minhas amigos __________________ "Sai, sai todo o mundo daqui, você não me conhece. Sai de carro!" Assim, como fala pra você "Sai de carro!" Já começa ___________ comigo. ___________ eu sou perigoso. Saio. "Dá documentos!" Assim, grosso! "Dá documentos!" Filha da mãe, esse guarda tem pouca educação. Tira documento e deu. "Abre!" Abriu. "Tira papel!" Enquanto tiro papel, não sei como ele bate na minha mão. Quando deu uma tapa, rasgou tudo aqui. Dei um assim na cara dele. Filha da mãe, vagabundo. Chegou dez guardas, me vai levar. Tinha sorte, eles me levaram aqui na delegacia, o delegado estava bom amigo quando foi lá. Chegou um tenente com carro amarelo. Parou lá: O que acontece?" Eu estava lá todo de sangue, tudo! "Ele bate, bate." Eu falo pra ele: "Escuta, eu vi tenente, eu sou coronel. Até hoje não falou pra ninguém. Eu sou coronel de guerra. Agora, vocês telefonam na DOPS pra doutor Maurício..." "Como assim, você conhece?" "Conheço, bom amigo meu." Estava presente DOPS, na época, na... _____________ filha da mãe. "Mas você conhece?" "É bom amigo meu, ele mora na Pacaembu. Estava várias vezes na casa dele. Verdade, esse é a verdade. Um amigo dele fez móveis, e assim conheceu Maurício. E conversamos, e conversamos, e aí ele falou: "Ah, vocês têm uma pinga", e eu deu uma garrafa pra ele. De repente, tudo os guardas foi lá, tenente deu minha carteira, pediu desculpa, continua. Quando voltou, ele passou lá, estava todo esparadrapo tudo aqui, tudo fechado. Já trocou uniforme. Falei: "Escuta, minha amigo, você é caipira demais, quem deu pra você esse uniforme? Assim que trata gente? Você podia falar: 'O senhor podia sair de carro, por favor?'" ____________ . Nesse momento já começou a ferver. Para mim, matou gente, pa! "Hoje não!" Não me sobra ainda essa raiva de guerra, que sei como é passar uma guerra! Que eu não matar você, você mata de mim! Não tem gente, assim, soldado, alemão. Eu pegava garganta, e com dente tirava garganta dele. Porque __________ cai, cai tudo pra baixo. E mais uma coisa: uma vez estava cercado com tanques alemães. A tanque deles é como um prédio. Tanque Tiger, se chamava, como um prédio grande. Subiu cima dez: "E agora, nós estamos cercados, não tem saída, só pular pra baixo." Quarenta metros pra baixo. E ninguém não tinha coragem, eu começo gritar: "Pula, pula!" Alguém mais pulou e ficou. Eu também, pego minha metralhadora e pula pra baixo, e caio justo no meu traseiro. Um pouco dói, doía, mas levanto e fugiu. Eles chegava cima, matava tudo gente lá. Hoje, cai de cadeira, quebra perna, isso tudo. Olha, eu volto novamente pra Deus: Deus que salva! Não faz mal pra ninguém, Deus te vai cuidar, não faz mal nunca, não faz mal! Se você pode ajuda, ajuda! Mas não faz mal! Ele te bate e dá o outro lado e bate mais um. Está muito obrigada! Tem que ter gente assim, isso me sobrou da minha vida porque não tinha nem pai, mãe. Eu não sabia: mamãe, papai. Eu não sabia essa palavra! Com meus filhos fala pra mãe: "Mãe." "Está bom, vocês têm mãe, eu não tinha." Eu tinha, como falo, 13 dias quando meu pai foi na guerra e não voltou e tinha dois meses quando mãe morreu, não sabe? Foi criado como... como animal! Nessa época, tempo de guerra, depois de guerra 18, sabe como estava a gente. Sem comida, não tinha isso, pão de milho. Não tinha pão como agora! Pão de milho!

P - Tá O.K. seu Avraham, a gente agradece muito a colaboração do senhor.

R - Muito obrigado pra vocês. Só eu gostaria que alguém,

não digo vocês, isso é outra coisa, tinha paciência com três, quatro dias comigo sempre, escreve que é que vou falar, desde que nasceu, desde eu lembra... Tudo meu passado, eu passou muita coisa! É muita coisa. Como eu te falo, foi na cemitério, que lá no cemitério, à noite, meio-dia, tem que tocar sino. E ele me deu um (dinaro?) que ele não levanta, porque estava guarda lá, pra onde? Entra na igreja, três, quatro morto, dentro. Amanhã, vai enterrar. E passou tudo isso...

P - É a vida.

R - Vida assim! Tá bom, criança.