Museu da Pessoa

O barbeiro poeta

autoria: Museu da Pessoa personagem: José Ferreira de Carvalho

P/1 – Preparado?

R – Preparado.

P/1 – Seu José, então primeiro bom dia!

R – Bom dia!

P/1 – Gostaria de agradecer ao senhor por vir aqui dar sua entrevista, tá? E antes de começar, eu queria que o senhor falasse seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.

R – Bom dia (pausa). O meu nome é José Ferreira de Carvalho. Nasci dia 20 de dezembro de 1932 na cidade Vila de Aguiar, em Portugal. Depois passei pra Vila Real, que é a capital de Trás-os-Montes, Portugal. Depois de Vila Real vim pra São Paulo em 1954.

P/1 – Certo. O senhor podia falar um pouquinho de como foi Portugal, dessa sua infância, um pouco dos seus pais? O senhor podia falar um pouco de Portugal pra gente? Como foi?

R – Sobre?

P/1 – Conta dos seus pais, dos seus pais, seus avós, um pouco das suas origens, primeiro.

R – Então, meu pai era cabo, primeiro cabo da polícia de Portugal, era Guarda Nacional Republicana. A minha mãe era doméstica, era costureira. Minha avó Ana, aliás Benedita. Eu vim pra cá em 54 e desde a minha mãe... E desde a minha mãe pra vir pra cá em 54. Em 54 era bom, São Paulo era ótimo.

P/1 – E você sabe o motivo?

R – Sim. Tinha parente, tinha um irmão, o Ernesto, e tinha dois ou três, três tios no Ipiranga, no Vale do Ipiranga. Então eu vim pra cá com garantia de dois anos de trabalho, garantia de quatro salários mínimos de início. Tirei o diploma lá em Portugal de Arte Capilar, corte de cabelo e barba. Depois, aqui fui trabalhar primeiro como ferramenteiro durante um ano e meio. Na base de serralheiro ou, como é que é, torneiro mecânico, mas eu não gostei e voltei para a profissão até agora.

P/1 – Seu José, é que quando o senhor veio aqui pra São Paulo, já com uma certa idade... O senhor nasceu em 32, veio em 54, então o senhor já tinha uma certa idade.

R – É. Tinha 22 anos.

P/1 – Exatamente. O senhor poderia contar um pouco antes, como era Portugal, um pouco da sua infância, escola? Como era o bairro que o senhor morava, por exemplo?

R – Eu morava numa aldeia chamada Flor Bela. Fiquei lá 15 anos, trabalhei na lavoura. Estudei até a sexta-série. Depois eu tirei o diploma, trabalhei lá e vim pra cá. Lá a vida era boa, pós-guerra, Segunda Guerra Mundial. A Primeira Guerra Mundial foi de 14 a 18 e a Segunda foi de 39 a 45. A maioria dos portugueses, italianos e espanhóis veio após a guerra mundial, a Segunda Guerra, pra cá. E aqui fiquei no Ipiranga, na General Lecor, entre a Bom Pastor e Silva Bueno, perto do Grupo Itaúna no Ipiranga, no Vale do Ipiranga. E onde comecei a fazer primeiro, o primeiro poema, a primeira poesia foi no Museu do Ipiranga, sábado à tarde. Eu fui pra lá e fiquei perto, atrás do prédio do Museu do Ipiranga. Lá tava cheio de árvores, cheio de passarinhos, flores, sombra e água fresca (pausa). E comecei a escrever o primeiro poema e a partir dali eu comecei a ficar focalizado, concentrado na poesia e na música. Hoje eu já estou com mais ou menos 500 músicas e poemas de primeira _________, modéstia à parte.

P/1 – O senhor tem essa primeira?

R – Tenho, tenho algumas aqui.

P/1 – Essa primeira o senhor não tem?

R – Eu tô fazendo uma campanha agora, essa aqui é. Deixa ver se eu acho aqui a letra, é sobre abaixo o cigarro, né? A campanha, a lei contra o cigarro. Agora mesmo tá aqui no Estado de São Paulo, o Serra e companhia por aí, no Brasil e até no mundo fazendo campanha contra o cigarro, né? Então, o viagra no caso, né, o viagra.

P/1 – Desculpa, o senhor compôs a partitura?

R – Não. A partitura é um amigo que faz pra mim. Eu que tenho a inspiração e então eu começo a fazer a... Primeiro eu começo a assoviar, a cantarolar, e depois eu começo a colocar, a encaixar a letra na música, que nem o caso desta aqui. Por exemplo, esta aqui do cigarro diz assim: Menina, não põe o cigarro na boca / Isso é pior do que mosca / E só prejudica a saúde / Menina, não fume para se mostrar / Para outros que sabem fumar / Não tome essa atitude / Coloque outras coisas na boca / Bombom, pedaço de melancia, de morango, de sei lá o quê. E vai por aí afora, como no caso da campanha contra o cigarro. E o caso do viagra, ali não tem a letra completa, está lá em casa, mas aqui tem: Não preciso tomar viagra para acender o meu amor / Só depois do 70, 80, até 90 é que eu vou consultar o doutor / Durmo bem, como melhor para ter uma boa saúde / Não me meto nas alcoólicas e muito menos naquela droga / Tenho boa imaginação e muito mais a boa vontade / Repito: Tenho boa imaginação e muito mais a boa vontade / Amanhã quando eu for embora, penso que vou deixar a saudade / Não preciso tomar o Viagra porque não fumo, não bebo e nem jamais me envolvi com a droga. E por falar em droga eu fiz uma letra assim da droga: Não fume, não / Não beba, não / Não se intoxique com a droga senão você muito mais cedo irá embora / Não fume, não / Não injete, não / Não se destrua com a droga senão você muito mais cedo irá pra cova / Você muito mais cedo irá pra cova.

P/1 – Explica um pouco, o senhor já tinha um contato com a poesia antes de vir pra cá para o Brasil. Foi na escola que o senhor começou a ver poesia? Como foi isso? Da onde veio esse gosto pela poesia?

R – Então, como eu estava te falando, lá em Portugal eu não fiz poesia. Lá eu tinha dentro de mim, mas eu não sabia transpor, ultrapassar, passar de cá pra lá. Eu tinha na mente. Eu ficava muito tempo sozinho, ficava dentro de minha mente. Ficava mascando chiclete e depois fazia a bolinha, fazia a bexiguinha, né? Bom, então quer dizer que eu começava a fazer o poema baseado numa garota, na namorada, numa flor, numa rosa desabrochando, num rio, numa cascata, numa fonte, num pôr do sol, num arco-íris, então eu tinha que ficar sozinho. A pessoa que tem inspiração poética não pode ficar muito tempo no meio das pessoas, ele tem que ficar sozinho horas, tem que ficar sozinho. Ele também tem que sofrer, tem que levar desaforos, injustiças, tem que levar tropeço, tem que ter pedra no caminho. Tem que ter aquilo que eu estou vendo aqui na Vila Madalena: tem subida e descida bem íngreme, bem, sobe e desce aqui na Vila Madalena, onde eu parei agora. Sobe e desce bem na base da montanha russa aqui. Aqui tá aparecendo uma montanha russa na Vila Madalena. Então quer dizer, começou com uma garota chamada... Tinha várias, entre outras tinha uma garota chamada Deise. O pai dela tinha uma quitanda e eu ia lá comprar fruta. Ia lá, conversava e dali começou a nascer uma amizade muito grande. Fiz um poema pra ela e fiz uma música. Aliás, a música não era minha, a música era do Chopin. Escreve Chopin, dizem que é Chopan ou Chopein, conforme o lugar a pronúncia é Chopan ou Chopein. Então eu fiz uma música pra ela, aliás, eu fiz a letra na música de Chopin: Quando eu te encontrei nesse jardim, amor / Logo eu te amei como uma linda flor / Jardineiro eu sou e sempre serei o (destino?) que tanto almejei / Linda flor do jardim adorada por mim / Teu odor me faz bem e teus beijos também, teu perfume me faz bem, teus beijos também. Bom, aí comecei por São Paulo...

P/1 – Essa Deise é de São Paulo, Seu José?

R – De São Paulo. De São Paulo eu fiz assim: Quando cheguei em São Paulo numa aventura sem dinheiro / Mas eu tinha alguns amigos que havia chegado primeiro / Alguns já estavam bem e outros bem trabalhavam / Numa luta de bom gosto cada qual sempre disposto / Uns aos outros sempre ajudavam / Até parecia que o paraíso mudara pra aqui / Com folha de parreira pra vergonha cobrir / Vivia contente com gente decente que se respeitava / Cidade tão boa da chuva, garoa / São Paulo eu amava.

P/1 – Seu José, o senhor veio com 22 anos, não é? Como o senhor veio pra cá?

R – Como?

P/1 – Como o senhor veio pra São Paulo?

R – Como é que eu vim? De navio.

P/1 – De navio. O senhor lembra o primeiro dia aqui em São Paulo? Como foi essa viagem, por exemplo?

R – Eu saí de Lisboa com 22 anos. Vim pra São Paulo e cheguei em Santo dia 9 de julho, feriado paulista, né? Nove de julho! Cheguei dia 9 de julho e passado oito dias já estava trabalhando. Fui ao consulado de Portugal no bairro da Liberdade e já me registrei lá no consulado e tal. Comecei a trabalhar com metais, como já falei há pouco. Com ouro, prata, bronze, cobre. Então não gostei daquela profissão. Trabalhava lá o meu irmão Ernesto, trabalhava o Armando, meu primo. Então depois de um ano e meio eu saí e continuei trabalhando nessa profissão a qual minha mãe escolheu pra mim. Minha mãe Ana mandou eu trabalhar nisso aqui e a gente naquele tempo obedecia os pais, né? Naquele tempo não havia a rebeldia que tem hoje, a gente obedecia mais os pais. O pai falava uma coisa, a mãe falava uma coisa e a gente obedecia.
P/2 – O senhor gostou de São Paulo desde que chegou?

R – Como é que é?

P/2 – O senhor gostou de São Paulo desde que chegou aqui?

R – Eu gosto mais de São Paulo daquele tempo. Agora eu não gosto! São Paulo agora eu não gosto. Quer dizer, eu gosto de São Paulo como metrópole, como pujante, como economia, como locomotiva, como o nome. O próprio nome é São Paulo da Bíblia, como (Saulo?), né, deste São Paulo. Eu gosto do nome, gosto do clima, gosto da Avenida Paulista, gosto da Sé, gosto da Liberdade, gosto da João Mendes, gosto do Ibirapuera, gosto do museu, gosto do, como é que é? Aqui, pegado à Santana... Enfim, gosto de São Paulo como cidade, como praças, como ruas, como o clima, como o nome e etc. Mas a falta de segurança...
P/2 – E antigamente era melhor?

R – É. Antigamente era melhor.

P/1 – Como era São Paulo antigamente?

R – Agora, depois da democracia, eu fui assaltado seis vezes. Então naquele tempo a gente ia daqui pro Jabaquara a pé e não era assaltado. Não tinha grades, não tinha muro, não câmera, não tinha cachorro pit bull, não tinha... Era bom. São Paulo até três milhões era ótima, até três milhões de pessoas. Passou de cinco, salve-se quem puder! Então não tem segurança. No Rio de Janeiro, por exemplo, você vê que no Rio de Janeiro, a Rocinha, Vidigal, Vigário Geral, Canta Galo, Morro da Mineira, Complexo do Alemão, Morro dos Macacos, né? Tudo aquilo ali... E aqui a Paraisópolis, a Heliópolis, Vila Prudente, Vergueiro, são favelas que são um ninho de... Muita gente boa que tá lá dentro, pobre, humilde, trabalhadeira, trabalhadora, mas tem muito marginal, muito delinquente lá dentro.

P/1 – Seu José, voltando um pouquinho, como era essa São Paulo quando o senhor chegou? O que

marcou você, o que você gostou? Como foi esse primeiro impacto? As pessoas te receberam bem? Como foi?

R – Ah, aqui em São Paulo, como eu te falei era o museu, o Ibirapuera, a Avenida Paulista, cinema matinê. O que era o matinê, sabe o que é? Matinê era das duas da tarde até às cinco e meia da tarde era a matinê. A gente ia namorar lá, com a namorada, com a empregada, com a amiguinha, sei lá. A gente ia na matinê e à noite era (Suaré?). (Suaré?) quer dizer à noite. Então o que me marcou foi isso aí, o Pacaembu, a São Silvestre à noite. A São Silvestre era à noite, a partir das 11 e dez, 11 e 15 e geralmente terminava meia-noite. Quando terminava a São Silvestre, então a gente comemorava o fim do ano, a passagem do ano do velho pro novo. Era totalmente mais romântico, mais bonito, mais lógico, mais decente e menos calor. Porque de dia o calor atrapalha o corredor, principalmente o corredor europeu, né? Na temperatura do inverno, ali por janeiro, fevereiro, de dezembro a fevereiro a temperatura é abaixo de zero e em São Paulo é acima 30, a média. A média é de 28 a 33, 34. E lá é abaixo de zero: dois, quatro, cinco, oito, dez! Então o que me marcou em São Paulo foi o Pacaembu, o Ibirapuera, foi o museu. Ah, agora eu lembrei: o Horto Florestal! Ali a Anchieta, Santos, a Praia Grande, o Guarujá.

P/1 – O senhor ia a todos esses lugares?

R – E o lampião de gás!

P/1 – Lampião de gás! Seu José, o senhor então frequentava todos esses lugares com os amigos? Como é que era?

R – É. Eu ia no cinema e baile. Naquele tempo tinha... Hoje se fala forró, né? Antigamente era gafieira, gafieira. Mas a gente fazia mais baile assim... Ah, serenata! Serenata em São Paulo. Eu fui fazer serenata em Campinas mais o Marcos e o Aroldo lá numa cidadezinha perto de Campinas chamada Sousas, uma cidade pequena. Tinha aquelas casinhas de madeira, envernizada, bonita, sabe? Então nós fomos fazer serenata lá e de noite, durante uma hora, duas três da madrugada fazendo serenata com lua, temperatura de 20, 25 graus de calor à noite. A gente acordava a turma e vinha mulher de camisola, quase sem roupa servindo a gente lá. Servindo churrasco, caipirinha, leite, enfim, café, tudo isso aí. Coisa linda, serenata! A gente fazia serenata e hoje a turma faz assalto. Nós jovens fazíamos serenatas. A gente comprava instrumentos: violão, violino, cavaquinho, bandolim, banjo, pandeiro e tal e fazia serenata. Qual era melhor: serenata romântico, poético, de paz, de amor, de bem ou assalto? Então a São Paulo da serenata eu amava; a São Paulo do assalto, do sequestro eu não amo.

P/1 – Deixa eu lhe perguntar: o senhor chegou em 54, começou naquele trabalho, o senhor foi estudar? Como foi depois daquele trabalho? Você fez amigos aqui? Como foi?

R – É. Eu fiz amigos aqui porque a gente é do signo de sagitário e sagitário é comunicativo, brincalhão. Então a comunicação, as boas relações, a fraternidade, o cristianismo, né? Cristandade ou cristianismo. Então a gente era, assim, de boa vontade. Tem aquela frase na Bíblia que diz: "Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade". Então eu sempre tive boa vontade, onde quer que eu vou eu faço amizade.

P/1 – O senhor disse que quando chegou de Portugal o senhor já tinha feito um curso, não tinha? Para cortar cabelo, não tinha?

R – Foi, eu tinha.

P/1 – O senhor fez o curso em Portugal?

R – Eu tirei dois diplomas lá para trabalhar aqui.

P/1 – Quais? Como foi isso? O senhor estudou cortes?

R – É. Eu tirei diploma (durante?) meio ano, o curso, antes de vir pra cá. Depois, quando as autoridades portuguesas de brasileiros souberam que eu vim pra cá, eu tive que tirar mais outro curso de três meses. Pra vim pra cá, pra estar um artista completo, né? Pra não vim pra cá, como diz o outro, fazendo barbeiragem. Pra não fazer caminho de rato, de elefante e tal. Então tirei dois diplomas lá e aqui fui me adaptando gradativamente, à medida que ia se transformando, e multiplicando e ampliando a melhoria do corte de cabelo. Eu fui melhorando, mas eu não faço, assim, permanente, nem reflexo, nem luzes, nem essas frescuras que tem por aí. Aliás, no meu salão está escrito lá: "Cabelo, barba, bigode no capricho, sem frescura". O enjoado paga mais caro!

P/1 – Quando que o senhor começou a cortar cabelo aqui no Brasil? O senhor abriu um espaço ou começou a cortar num outro salão pra alguém? Como foi isso?

R – Quando?

P/1 – O senhor começou trabalhando numa outra área, né? De metais. Quando que o senhor aqui começou a trabalhar com corte de cabelo?

R – Em 58. Eu cheguei em 54, trabalhei dois anos na (Esmaltec?) que era com ouro, prata. Eram taças, troféus, distintivos, emblemas. Aí depois eu trabalhei de vendedor, um pouquinho. Depois eu escutei uma piada, uma pegadinha: "Você trabalha de vendedor?" "É, trabalho" "Você vende pente pra careca e óculos pra cego?". De vendedor, né? Eu trabalhei de vendedor durante uma ano e meio e depois eu voltei para a profissão que eu tenho agora, que, aliás, é desde aquele tempo lá, desde 54. Aí foi indo, mas nessa parte comecei a ficar um poeta mais aprimorado, mais entrosado, mais, mais um poeta realista. Eu sou um poeta realista! Pois essa poesia, repara só, presta atenção nessa poesia: Olha, não é só nascer e depois morrer / Não é só comer, beber e dormir / Não é só casar e depois largar / Não é só andar por andar por aí no ir e vir / Viver é muito mais / É ver, enxergar mais longe, à frente do nariz / É ouvir, escutar com atenção / É respeitar os pais / Viver é muito mais / É pensar pra falar, pensar bem pra falar, pra não ofender, pra não arrumar inimigos / É não roubar, não matar / Isto não é pedir demais / Não é só vencer, não empatar, também é perder / Não é só ficar rico de dinheiro / Não é só abraçar e beijar / Amar é muito mais, viver é muito mais.

P/1 – O senhor já participou de concurso de poesia?

R – É. Eu estou fazendo parte dos talentos de idosos, da terceira idade. Eu faço parte, todos os anos eu concorro. Eu tenho até aí o convite do Banco Santander e Real e eu participo sempre desse concurso no Brasil inteiro. São mais ou menos umas 30 mil pessoas que participam. Então eu estou lá participando, ainda não ganhei entre os cinco primeiros, né? Mas espero estar ali pertinho do G4 ou G5.

P/1 – O senhor escreve há muitos anos já. E antes, você…

R – Eu escrevo ali por conta de 58, 60, por ali.

P/1 – E o senhor apresentava essas poesias em algum lugar, pra alguém?

R – É. Já tenho mais de mil poesias por ali, 500 são de primeira qualidade. Por exemplo, essa aqui, só pra ver: Não me olha só por fora / Dinheiro, posição social, aparência, juventude / Olha-me também por dentro, o meu coração é um bombom a qualquer momento/ Não me olha só os defeitos, ainda tenho algumas virtudes / A minha alma é alvinha, branquinha, vai pra lá das nuvens / Gosto de amar sempre assim, mesmo quando falas mal de mim / As aparências enganam muitas e muitas vezes em nossos caminhos / Agora prestas atenção e ouves com gosto esses meus versinhos. Pra ela, pra minha namorada - agora não, lá trás - eu diria assim: No teu banho eu te enxugo de gota em gota com a minha boca / Vou te acender de mansinho este teu fogãozinho, minha deusa louca / De amor e prazer, minha deusa louca, que vontade de viver. Dá pra entender essa parte final? No teu banho, mulher, musa, eu te enxugo de gota em gota com a minha boca / Vou te acender de mansinho este teu fogãozinho, minha deusa louca / De amor e prazer, minha deusa louca, que vontade de viver.

P/2 – Essa você fez pra Deise?

R – É. Essa no caso foi pra Deise.

P/2 – E deu certo com a Deise?

R – Não, não. Ela casou. Eu não queria casar, sabe por quê? Eu não quis casar porque eu acho que um mundo que tem terremotos, um mundo que tem vulcões, um mundo que tem tsunamis, um mundo que tem raios caindo na cabeça da gente, se não fosse os para-raios, um mundo que tem guerras, Primeira, Segunda Guerra agora mais recente no século XX, fora as outras lá pra trás, um mundo que tem quatro raças se digladiando, igrejas se digladiando, partidos políticos se digladiando; um mundo que tem assalto, que tem sequestro, que tem terrorismo, aviões em cima das torres World Trade Center lá em Nova York, no Pentágono; um mundo que tem miséria na Biafra, por ali na África, aqui na América do Sul; um mundo que mata Cristo, uma humanidade que mata Cristo em vez de matar o Barrabás; um mundo que prende Mandela, um mundo que mata Mahatma Gandhi; um mundo que mata Robert Kennedy, que mata John Lennon. Eu cheguei a conclusão que não queria multiplicar a minha raça, a minha espécie. O meu mundo é uma maravilha, o meu mundo é uma maravilha pra mim que estou sozinho, por isso me dá um friozinho na minha barriga (recita). O mundo do poeta não é esse mundo que está aí fora. A gente vive, a gente trabalha, a gente paga impostos, paga aluguel, isto e aquilo outro. Mas eu não quero ser pai neste mundo Terra. Eu tenho relações, muitas namoradas, meninas de programa, tudo certinho. Mas pra eu ser pai aqui na Terra, eu queria ter num mundo sem terremotos. Que Deus me perdoe, que Deus me perdoe, que é o pai de Jesus, o pai de Moisés, o pai de Buda, o pai de Maomé, o pai de nós.

P/1 – Eu percebi que as suas poesias são muito de amor, né?

R – Como?

P/1 – As suas poesias falam muito de amor.

R – Exatamente!

P/1 – Em relações às mulheres que você...

R – Sobre isso, como é que pode: eu vou colocar um filho no mundo, ele pode ser assaltado, ele pode ser sequestrado, ele pode ser atropelado; ele pode ir pra guerra, porque o presidente de um país, o rei de um país não se dá com o outro. Ao invés deles dois se digladiarem, eles colocam o povinho jovem. Olha bem, analisa bem: o jovem tem juventude, saúde, tá na plenitude física, biológica, anatômica. Os reis ou os presidentes dos países se desentendem, então eles colocam a guerra entre eles. Colocam milhares de rapazes, milhões de rapazes matando uns aos outros, com saúde perfeita. Depois fazem tudo pra salvar um coitado que já está no fim, fazem tudo pra salvar uma pessoa que já está com 80, 90 anos, 100 anos. Fazem tudo pra salvar, aproveitar um paraplégico, enfim, com todo o respeito. Com todo o respeito, fazem tudo pra salvar uma pessoa que já está no fim, está no terminal de uma doença de câncer, de AIDS, isso e aquilo. E colocam milhões de rapazes matando uns aos outros, com saúde plena, total. Eu posso ser pai?

P/1 – Mas o senhor teve namoradas, pelo jeito, pelas suas poesias...

R – Ah, tive namoradas.

P/1 – Essas poesias são todas pra alguém?

R – É. Determinadas pra várias namoradas e lugares também. Eu fiz pra São Paulo, fiz pra Lisboa, pra Vila Real, fiz pro lugar em que eu nasci e tal. Agora, que nem eu digo aqui, oh, aqui, vale a pena ver...

P/1 – O senhor não fez pra Portuguesa?

R – Também. Olha aqui: O que acontece com muitos rapazes e jovens e homens de meia idade / Já me cansei de sofrer frente a frente, dia a dia / Já aprendi a viver com a doce harmonia e alegria / Hoje parei de beber, de fumar, de jogar / Só falta eu te amar para nunca mais pecar – esse é o mundo do poeta - Quantas noites eu varei a desperdiçar saúde e muito mais, dinheiro / A moral da família, da juventude, tudo isso / Quantas vezes eu errei sem ouvir a consciência ou os conselhos dos mais velhos/ Hoje, porém, estou feliz com o juízo em paz e mais a experiência / Será que vou merecer,

referente à namorada, teu amor eternamente? / Antes, porém, vou vencer e convencer através da poesia e através da música embalando muita gente / Será que vou receber algum prêmio depois da dor, do prejuízo? / Meus pais disseram que sim porque agora eu só penso no amor. Agora, você veja, a gente está pensando no amor, mas cada um pensa no amor, na mulher, no marido, namorado, namorada, noiva, isso e aquilo outro, é ter uma profissão. Mas depois, uma hipótese, é interrompido na rua, assaltado, sequestrado, morto, atropelado, bala perdida, guerra. Ele está andando e de repente a terra treme e ele é enterrado vivo. A natureza enterra milhares de pessoas vivas. A natureza, a senhora natureza, a senhorita natureza, a musa natureza, que eu também faço muita poesia pra ela. Mas ela enterra pessoas vivas em terremotos; ela afoga pessoas rapidamente em poucos segundos no tsunami, como aconteceu no Sri Lanka, Tailândia, Indonésia, na Índia, Malásia, por ali. Então esse mundo eu não quero! Meu mundo é esse, meu mundo é assim (recita): Amanhã amarei muito mais do que hoje e ainda mais do que ontem / O meu mundo é uma maravilha, por isso dá-me um friozinho na barriga / O meu mundo está no infinito, por isso ___________ pra lá poemas divinos / Olho o céu azul e as nuvens brancas e pombos correios levando os meus carinhos/ Meu mundo é uma maravilha, o meu e o dos meus colegas por isso dá um friozinho na barriga. Agora esse aí na rua não dá friozinho na barriga, esse dá medo. São Paulo, Rio, Nova York, Los Angeles, Bagdá, Iraque, Faixa de Gaza, Faixa sei lá de que, Kosovo. No tempo do Hitler, seis milhões de judeus (patrícios?) de Cristo; seis milhões de judeus amigos, conterrâneos de Jesus Cristo foram queimados lá em valetas, em gás, em sei lá o que, no tempo da guerra. Então como é que eu posso ter filhos?

P/1 – O senhor fala muito nessa questão de violência, já falou de assaltos. O senhor mora em um lugar meio perigoso? Como é o seu dia a dia do trabalho pra sua casa? O senhor já teve esses problemas de assalto, como foi? O senhor podia contar pra gente?

R – Assalto na rua! Eu fui assaltado na Ipiranga com a São João; fui assaltado na Luz; fui assaltado na República; fui assaltado na Tiradentes, em frente ao Romão Gomes e assaltado no salão. Fui abrir a porta para atender o freguês, pra atender o meu próximo, pra cortar o cabelo bem cortado, e fui assaltado! Estressado, apavorado, pânico. O verdadeiro pânico, não aquele da TV.

P/1 – O senhor que ler?

R – Pode começar.

P/1 – Eu ia lhe perguntar pela Portuguesa, na verdade. O senhor é torcedor da Portuguesa, não é?

R – A Portuguesa do Canindé? Clube? O time de futebol?

P/1 – O senhor trouxe um DVD falando do poeta da Portuguesa.

R – É.

P/1 – Eu queria saber da onde que veio isso, o que é isso.

R – É porque eu moro a quatro quadras, quatro quarteirões da Portuguesa, do Canindé, então eu sou sócio lá desde 70, desde o tempo do Teixeira Duarte. O nome completo dele é Oswaldo Teixeira Duarte, presidente da Lusa. 70, agora em julho vai completar 40 anos que eu estou lá. A Portuguesa é um nome bonito. A língua portuguesa, nossa língua portuguesa. Mas ela é prejudicada na Federação Paulista Brasileira, CBD ou CBF. E as arbitragens, em dúvida, elas prejudicam a Portuguesa. Portuguesa com Palmeiras, Portuguesa e Santos, Portuguesa e Corinthians, Portuguesa e Flamengo, Cruzeiro, Atlético, Bahia, qualquer um: na dúvida, o juiz prejudica a Portuguesa. Também alguns treinadores e técnicos não acertam o esquema tático da Portuguesa. Acertam aqui, acertam duas ou três e erram sete ou oito; acertam mais duas ou três e erram mais sete ou oito. Então ela não tem um histórico muito vitorioso.

P/1 – O senhor foi muito em estádio?

R – Ah, frequento.

P/1 – O senhor frequenta? Fala pra gente um jogo que foi...

R – Naquele tempo, em 1958, 60, por ali, eu levava sete bandeiras pro Pacaembu, Canindé e Morumbi. Bandeira da Portuguesa de São Paulo, bandeira da Portuguesa santista, bandeira da Portuguesa carioca, bandeira do Vasco, bandeira do Porto de Portugal, Benfica e _________, que eu levava com os colegas que iam junto. Levava cano Tigre, aqueles canos plásticos, ou bambu, aquelas canas. Ficava balançando aquela bandeira lá no jogo, no gol, no intervalo, né? Isso aí era... Agora não posso mais levar bandeira, por quê? Por causa da violência. Não posso mais levar bambu e nem o cano, não posso levar nada, só almofada pra sentar ou boné.

P/2 – Teve algum jogo marcante que você lembra da Portuguesa?

R – Marcante... É. Portuguesa e Santos em 1973. Portuguesa com um time muito bom, bem dirigido pelo Otto Glória e o Santos de Pelé, Santos de Pelé. Então o Santos estava ali, mano a mano, cabeça a cabeça, e a Portuguesa foi prejudicada mais uma vez pela arbitragem do Armando Marques. Armando Marques, o grande árbitro. Mas ele, com aquele jeito meio meio boiola e tal, e ele prejudicou a Portuguesa. Tirou um gol legítimo do Cabinho da Portuguesa e depois errou nos pênaltis, na contagem, e aí a Portuguesa foi prejudicada. Não só pela anulação do gol como também a seguir nos pênaltis, que eram cinco pra cada lado e ele deu apenas três pra cada lado e terminou o jogo. Então estava prejudicando a Portuguesa porque aí a Portuguesa estava perdendo de três a um para o Santos nos pênaltis. E era pra Portuguesa estar ganhando de um a

a zero e ele tirou o Gol da Portuguesa. Bom, esse aí tinha 116 mil pessoas no Morumbi, 116 mil pessoas no Morumbi. Quando foi na saída, era um pouco, assim, desencontrado, meio atropelado, eu fui carregado mais ou menos uns 30 metros. Eu, magro, fui carregado, a turma apertando pra sair, mais de 116 mil pessoas. Então eu fui suspenso, mais ou menos um palmo, dois palmos acima do chão. Eu fui levado mais ou menos trinta metros. Essa foi uma coisa que me marcou. Eu fui carregado, sem querer, mais ou menos uns 30 metros. Era muita gente, apertando e eu fui suspenso, carregado uns 30 metros, prensado, com a cabeça pra cima, acima do chão mais ou menos 30 centímetros do chão. Conclusão: se eu caio, eu poderia ser pisoteado. Eu poderia ter sido morto, poderia ter morrido.

P/1 – O senhor sempre ia com colegas? Fazia parte da torcida?

R – Ah, com colegas, tinha. A média era sete ou oito colegas que era pra levar binóculos, máquina fotográfica e as bandeiras. Olha bem, sete bandeiras, cada um com uma. E depois tinha binóculos e a máquina fotográfica. Naquele tempo, até 70, São Paulo e Rio... O Brasil até 1985 era tolerável, era aceitável, bem bom. De 85 pra cá, a maldita democracia brasileira... A democracia boa é a da Finlândia, Suécia, Noruega, Suíça, Dinamarca, Canadá, Austrália, Japão. Essas são democracias ordeiras, certinhas, disciplinadas. Agora o Brasil não tá... O povo não tá... Um povo alegre, gozador, brincalhão, mestiço, simpático, todas as cores, olhos, o tipo de cabelo, o tipo de tudo, mas que ainda não está preparado pra democracia. O Brasil e outros países da América e da África não estão preparados pra Democracia. Pra ser democracia, olha só, quem merece a democracia: Jesus Cristo, Moisés, Buda, Aristóteles, Sócrates, Platão, Galileu Galilei, Albert Einstein, Madre Tereza de Calcutá, Chico Xavier, enfim. Quer dizer, esse tipo de gente é que merece a democracia, o resto não merece democracia (risos). Deu pra entender? Tem que ter disciplina, tem que ter controle, tem que ter ordem. Gente desse naipe que eu falei aí e outros, aquele lá, o Tomás de Aquino, aquele Santo Agostinho - esse tipo de gente... Aquele lá, o próprio, deixa eu ver lá, mais trás... Antigamente no Brasil, o Anchieta, o próprio Rui Barbosa, Jorge Amado, Castro Alves, Drummond de Andrade, Érico Veríssimo, Monteiro Lobato, quem mais? Aquele outro, aquele escurinho, como é que é o nome dele?

P/1 – O senhor tocou num assunto que é importante, essa questão da democracia. O senhor vivenciou muito bem quando teve o golpe militar e tal. Como foi aqui em São Paulo? O senhor lembra do dia? Foi em 64, o senhor lembra como foi esse dia?

R – Eu lembro. Eu cheguei no ano que Getúlio Vargas se matou ou pressionaram ele a se matar, 54, 24 de agosto de 54. Eu cheguei em julho, um mês antes. Eu vim de Portugal pra tentar salvá-lo, mas não consegui. Eu vim de lá igual ao Rambo pra ver se conseguia livrar o Getúlio Vargas, mas não consegui. A mesma coisa do Titanic, eu fui assistir o Titanic agora em 90, em 98, né? Eu fui assistir o filme e depois eu voltei no mesmo cinema. Aí a garota falou: "Escuta, você não esteve aqui ontem?". Eu falei: "Eu tive, gostei do filme, mas sabe o que é que eu pensei? Eu pensei: ontem o navio afundou, agora eu vou tentar evitar dele afundar. Vou diminuir a velocidade do navio, diminuir a velocidade do Titanic e com binóculos para ver o iceberg, pra ver o gelo. Então o Titanic faz o contorno antes de bater no iceberg e ele não afunda". Mas eu tentei e ele bateu outra vez afundou (risos). O Titanic afundou um monte de vezes. Então quer dizer que você vê... Ah, conclusão: depois da Portuguesa, foi esse caso da Portuguesa com o Santos em 73, a coisa mais forte que eu senti. Cheinho, o Morumbi cheio e eu fui carregado 30 metros, suspenso no ar. Fui levitando, levitando, suspenso no ar, ___________ da gravidade.

P/2 – E você jogava bola quando pequeno? Você torcia pra quem em Portugal?

R – Lá eu torcia pro Sporting, pra um tal Liedson. O Liedson que era do Flamengo, do Corinthians. O Sporting era camisa listrada verde e branca, calção preto e eu torcia para o Sporting. Tem a palavra esporte e tem o Sporting. Lá tem o Benfica e tem o Porto. Os melhores lá são esses três, pela ordem: o Benfica, Porto e Sporting. Agora o Porto nos últimos dez anos é melhor que o Benfica. Nos últimos dez, 12 anos, o Porto é melhor. O Porto já ganhou duas vezes campeão do mundo, duas vezes campeão da Europa. O meu ainda não foi nenhuma vez campeão da Europa. Mas então eu jogava, jogava num campo sem gramado, sem relva, sem grama.

P/2 – O senhor jogava bem?

R – Não, eu jogava mais assim: eu não era de fintar, driblar, eu era de entregar, de dar assistência.

P/1 – Camisa dez, né?

R – Eu usava mais a cabeça: o lançamento correto, o cruzamento correto e tal, a falta. A falta eu batia na "orea". Quando eu queria fazer efeito na bola, curva, eu batia - como se diz aqui no Brasil - eu batia na orelha da bola. Assim oh, nisso aí eu era bom, era mais para dar assistência.

P/1 – E como o senhor virou o poeta da Portuguesa? Como foi esse título?

R – Ah, na Portuguesa eu fiz assim. Quer ver um poeminha que eu fiz pra Portuguesa, um sambinha (cantarola): O seu destino, ó Portuguesa, foi Deus quem deu / Cheio de graça / Vamos jogar, competir e ganhar / Pra levantar a taça / É um dever vencer e convencer / Seguindo em frente, alegrando a gente / Pra ser feliz eternamente / O teu destino, ó Portuguesa, foi Deus quem deu / Cheio de graça / Vamos jogar, competir e ganhar / Pra levantar a taça!

P/1 – Qual foi o melhor time da Portuguesa que o senhor viu?

R – Ah, naquele tempo era, deixa ver... Era Félix, Djalma Santos, Nena, Noronha, Brandãozinho, Ceci, Julinho, Renato, Nininho, (Pinga?) e Simão. A Portuguesa dava sete jogadores para a seleção brasileira, sete! Não era campeão paulista por quê? Porque já tinha mutreta, já tinha coisinha por baixo do pano, suborno, que a turma fala corrupção. Já existia naquele tempo. A Portuguesa tinha sete jogadores na seleção brasileira e não foi campeão paulista, não. Depois tinha três, depois tinha cinco, depois tinha dois, três tal. Além dos jogadores, os melhores na minha opinião, Djalma Santos, Julinho, Brandãozinho, (Pinga?), os melhores jogadores da Portuguesa. Depois veio Ivair, Neivinha...

P/2 – Enéias.

R – Enéias.

P/1 – Dener.

R – Dener, Zé Roberto, esses daí eram os principais. Esse Dener era muito bom, só que entrou um pouquinho na farra, na droga. O Enéias também um pouquinho. A Portuguesa teve uns 20 jogadores de primeira linha. Olha bem, da seleção brasileira: Félix, Djalma Santos, Brandãozinho, Julinho, Pinga, Simão, Ivair, Neivinha, Servilho; depois daqui veio o Enéias, o Zé Roberto, o Dener, tudo jogador de primeira. Além disso teve o Dicar, o nome dele era o Dicar, mas ele jogava mais do lado de cá. O de lá não jogava bem, mas o Dicar!

P/1 – Mas deixa eu lhe perguntar: o senhor sempre trabalhou com corte e é poeta. As duas profissões do senhor seriam poeta e barbeiro durante todos esses anos aqui em São Paulo. Foi isso?

R – Não. Além de ser profissional capilar, barbeiro é palavra da gíria, mas a palavra certa é profissional capilar, poeta, compositor, ecologista, altruísta, um pouco filósofo também. Porque eu vou falar uma filosofia ligada ao que está na Bíblia. A Bíblia diz o seguinte, Jesus falava assim: “Amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amo”. A turma agora está entendendo o contrário: “Assaltai-vos uns aos outros, matai-vos uns ao outros, calutiais inadiplência, calutiai-vos uns aos outros, corniai-vos uns aos outros, trair”, então essa é a filosofia. Jesus falou: "Amai uns aos outros", quer dizer, pagar um ao outro, respeitar um ao outro, receber um ao outro, elogiar um ao outro, aplaudir um ao outro. Isso aqui é filosofia, essa é a realidade que está aí. Agora para alegrar o ambiente, para minha garota, a segunda ou terceira namorada (cantarola): Igual ao passarinho bem-te-vi / Eu vivo a cantar por aqui no Brasil / Só para te amar e encantar, encantar / De alma sadia meu destino é bem querer, bem querer / E te conquistar e convencer, convencer para te agradar e amar e amar de noite e de dia / O que vai dizer depois de tudo isso / Que eu cante aqui e ali / O que vai fazer com todo este amor/ Que jamais terá fim/ Igual ao passarinho bem-te-vi, bem-te-vi / Eu vivo a cantar por aqui / Só pra te agradar e amar e amar / De alma sadia com toda alegria / Com toda magia de noite e de dia / Igual ao passarinho bem-te-vi, bem-te-vi, bem-te-vi, bem-te-vi, bem-te-vi, bem-te-vi. Não é bonitinha?

P/1 – Ôh! Muito bonita! Essa foi pra quem?

R – É uma música pra jovens, rapaz ou garota cantar isso aqui, na faixa de 20 anos, 15 a 20 anos.

P/2 – Pra qual namorada?

P/1 – Pra qual namorada depois da Deise?

R – É. Foi pra Deise, pra Deise. Eu tive várias namoradas, mas a que eu tive maior entrosamento foi com ela porque foram sete anos e meio. As outras foram dois, três meses, um ano. A outra foram sete anos e meio! Foi um negócio que já tinha raiz, já tinha brotinho. Só que eu falei pra ela... Eu não gosto de ter, assim... O casamento, eu falava pra ela, eu queria casar com a Deise pra eu estar completo, fisicamente completo, mais novo, eu já estava por volta de 40 e ela estava por volta de 20. Eu queria estar mais próximo da idade dela. Ela com 20 e eu com no máximo 30, tá? E eu completo na parte física, na parte, enfim, na parte física principalmente porque na parte mental, na parte da experiência eu já estava bem, já estava bom. Na experiência, na inteligência e na boa vontade, na paz e no amor e fraternidade eu estava bom. Mas, assim, havia uma diferença muito grande, de quase o dobro da idade. Além disso, eu não gostava de ficar com ela... Eu gostava de ficar com ela num lugar bem longe, sem sogro, sem sogra, sem cunhado, sem serrote, sem serrar cigarro, serrar pilha, serrar isso, serrar aquilo, sabe? Tem essas coisinhas, sabe como é? A família tem esse tipo de coisa. Então eu queria ficar bem longe (cantarola): Igual ao passarinho bem-te-vi / Igual ao passarinho bem-te-viiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii. Vai puxando que fica bonito! Essa foi uma das mais bonitas que eu já fiz. É ou não é?

P/1 – É bonita, é bonita.

R – Agora imagine, eu não sou canto; eu sou compositor e poeta. Agora imagine isso aqui bem ensaiado, bem treinado, um cantor que tem a voz bonita, novo, nova, ela ou ele. E bem ensaiado, treinado com um conjunto, os instrumentos adequados, apropriados, encaixados, casados! Fica lindinha, linda, linda!

P/1 – Então, mas essas músicas, todas as poesia, composições, o senhor não mostrou para as pessoas?

R – Já mostrei.

P/1 – O senhor não foi atrás de companhia, editora...

R – Eu já fui no Daniel, na Avenida Angélica, 501, segundo andar. Já fui no _____________, já fui no Roberto Carlos no Roberto Leal, na Vila Portuguesa, mas os empresários, eles querem dinheiro. Eles não cortam o cabelo comigo! Eles não namoram com a minha filha, que eu não tenho! Então eles querem dinheiro, de dez mil pra cima. Cada música... Por exemplo, se eu chego lá: "Olha, essa aqui, bem-te-vi, bem-te-vi igual ao passarinho", eles acham bonito e tal e tal, mas eles não querem aplicar o dinheiro deles no caso da letra da minha música. Então o que é que acontece, se eu chego lá e falo assim: "Toma lá 20, 30 mil, grava aí que é o meu custo, eu vou custear e você grava", aí eles topam. Agora, eles porem dinheiro do bolso dele pra fazer e se não dar o retorno...

P/1 – Mas o senhor chegou a conhecer os cantores, falar com eles?

R – Não, não conheci.

P/1 – Só com os empresários.

R – Só por intermédio de empresários, guarda-costas, empresários do Roberto Carlos, do Roberto Leal, Rick & Renner e Daniel. Bem educados e tal: "Seu Carvalho, como é que o senhor vai? Quer tomar um cafezinho e tal?", mas não pegaram, não. Mas se eu chegasse lá com o dinheiro vivo, honesto, decente, honrado, trabalhado e poupado, eu chegava lá com uns dez, 20 mil, chegava lá e entregava pro Marcelo, a Daniela ou a Érica ou a Terezinha ou outro lá do Roberto Carlos, ou outro lá do Roberto Leal que é o José de Sá! Eu chegava lá e dizia: "Oh, José de Sá, vem cá. Você está vendo isso aqui? Você quer Euro, Dólar ou Real? Essa música aqui o Roberto Leal vai cantar", que nem aquela do Bate o Pé, Canindé (cantarola) bate o pé, bate o pé Canindé, tra rá rá rá ri. Ou aquela outra (cantarola): As pernas da Carolina, ai ai ai, não são grossas e nem são finas. Ou aquela do Carimbó português, lembra do Carimbó português? Que idade você tem agora?

P/1 – Eu tenho 31.

R – Então, faz uns 25 anos. Então, são músicas que o Roberto Leal cantaria bem essa aqui. Agora, é duro chegar neles porque eles não são conhecidos da gente, não cortam cabelo com a gente, não namoram com a filha da gente, então...

P/2 – Seu José, o senhor disse que a primeira poesia que Você fez aqui foi pro Museu do Ipiranga.

R – Foi pro Museu do Ipiranga.

P/2 – O que você gostou lá? O que te encantou no Museu?

R – O Museu do Ipiranga, a tranquilidade. Naquele tempo, em 58, passarinho cantando, botão de rosa abrindo, desabrochando e a brisa, os ramos balançando, um jardim gostoso, tipo bosque, atrás do Museu. Não tem aquele prédio lá, de 1800, 1700, construído naquele tempo lá? Gostei daquele lugar, gostei do chafariz, naquele tempo tinha chafariz, a grama bem cortadinha, aqueles jardineiros muito caprichosos fazendo aqueles desenhos nas plantas. Muito bonito! Aquelas rampinhas, aquelas ladeiras na lateral direita, lateral esquerda e tal, piso, __________, muito bonito, muito bem limpo, tudo muito bom. Gostei muito do Museu e depois do Ibirapuera. Até eu falava que a palavra Ibirapuera, que é de origem indígena, eu falava assim: Eu acho que esse Ibirapuera traduzido em Português é vira poeira, tira poeira. Tira a poeira é Ibirapuera; Ibirapuera é vira poeira.

P/1 – Seu José, o senhor tem algum causo que o senhor gostaria de contar? Alguma coisa que o senhor viveu e que queira contar pra gente? Uma história sua como barbeiro ou como poeta, alguma história com a família que o senhor queira contar pra gente?

R – Você pergunta se eu tinha?

P/1 – Algum causo que o senhor queira registrar aqui conosco.

R – Ah, uma referência, assim, por exemplo...

P/1 – O que o senhor queira contar. Deve ter várias, né, são 77 anos o senhor deve ter várias.

R – Pra quem está me assistindo não se esqueça que eu já tenho 77 anos. Eu não sou um pão, um gato na parte externa, na parte anatômica, na parte, como é, passarela feminina ou masculina, no caso, masculina. Mas eu posso dar uma fatia, um pedaço do bolo do bem, do amor, da paz, da boa vontade, da experiência, da vivência. Eu posso dar aos meus amigos um incentivo, um aplauso (bate palmas) de teimosia, seguir em frente. Evitar o álcool, evitar o fumo porque do fumo vai fácil pra droga. Evitar o álcool, evitar o fumo - logicamente é meio caminho andado pra droga. E teimar! Teimar no bem, teimar no bem e não teimar no mal. Não teimar no assalto, não teimar na corrupção, não teimar na traição, não teimar na mentira. Eu dou apoio para que os meus amigos que me veem e me escutam que eu dou o sinal verde para o bem, para a honestidade, para a paz, para o amor. E só a pessoa fazendo bem, trabalhando bem, pagando bem; não vai dormir sem pagar, não vai dormir sem reconciliar com quem você ama, com quem você considera. Se você errou, vá pedir perdão ou desculpa! Não custa nada pedir perdão ou desculpa a pessoa no trânsito ou no farol, numa fechada, não custa nada! Pisou no pé do outro sem querer, pede desculpa, pede perdão! Quanto mais a gente for humilde, mais a gente sobe, mais a gente se amplia, mais a gente se torna melhor, se torna macro, se torna estrela, se torna luz no fim do túnel. Eu, modéstia a parte, não sou rico de dinheiro, mas tenho certeza convicta de que eu sou rico de amor, de paz, de poesia, de boa vontade, de filosofia, de filantropia, de ecologia, de Chico Mendes, da Zilda Arns que morreu lá no Haiti. Então se eu errei em alguma coisa com você, não foi por querer, jamais, jamais, jamais! Se eu errei não foi por querer, não faço mal pra ninguém. Eu sou da ecologia, sou do Chico Mendes, sou do Ibama, do meio ambiente. Faço poesia, faço música... Ah, uma frase bonita que me veio na cabeça; eu, os outros meus colegas eu não sei, eles eu não sei, mas eu, modéstia a parte, eu sou artista que mantenho a boa aparência da humanidade que Deus criou! Eu sou artista que mantenho o rosto, a face, a cara do homem que Deus criou: simpático, bem arrumadinho, bem visível, bem agradável.

P/1 – Seu José, já estamos concluindo a nossa entrevista. Teve alguma história que o senhor queria contar e que a gente não perguntou?

R – História?

P/1 – Alguma história sua que a gente não perguntou e que o senhor queria contar pra gente?

R – Deixa ver (pausa). História...

P/1 – A gente está terminando e se o senhor quiser contar alguma coisa, se o senhor quiser contar.

R – Deixa eu pensar um pouquinho. Hum... Bom, as pessoas vão embora do mundo Terra... A pergunta que você poderia fazer pra mim é: o que você acha do mundo, da terra, da vida da gente, de todos nós? Eu acho que nós - eu, você, ele, qualquer um - devíamos pensar que amanhã a gente pode estar morto. Antes de morrer, antes de partir, a gente tem que ser melhor, melhor mesmo. Então o que eu gostaria de falar é que as pessoas pensam que não morrem. As pessoas pensam jamais que vão morrer e a maioria morre sem estar preparada pra morrer. A maioria morrer sem estar preparado, sem estar bem temperado, bem modelado, bem limado, bem, sabe, bem condicionado, bem entrosado, bem casado com a vida. Então o que eu gostaria de contar é o seguinte, uma coisa que eu gostaria de falar, que você me perguntou, é: nós temos que ter um respeito bem grande para com o nosso amigo, o nosso vizinho, o nosso colega, o nosso parente. E a gente dar o melhor que a gente tem, o melhor! O melhor de matemática, o melhor de português, o melhor de inglês, o melhor de arte dramática, o melhor de cantoria. Cantor, eu estou falando de cantor e não o melhor de cantada! Cantada em mulher não é muito bom ou mulher cantando homem, né? Mas o lado artístico, dar o melhor da gente. E mesmo também na cantada o homem vai cantar a mulher de que jeito? Ele tem que chegar e falar: "Bom dia", "boa tarde", "você foi a primeira coisa bonita que eu achei hoje", "gostei do teu cabelo", "gostei do teu vestido", "gostei do teu batom, do teu sapato", "gostei do teu olhar, do teu jeito de olhar", "gostei da tua franjinha", "gostei do teu corte de cabelo", quer dizer, o elogio, "gostei do bolinho que você fez, do café que você fez". A mulher também fala pro rapaz: "Olha, gostei do teu jeito, do teu terno, do teu sapato, da tua bermuda", "gostei do teu corte de cabelo", "gostei de saber que você é um rapaz que tem boa aceitação no bairro, todo mundo gosta de você e quer que você vá trabalhar na fábrica dele, na loja dele". Então é isso aí e a gente tem que dar o melhor e se amanhã eu posso morrer, então vamos ser melhor, melhor, melhor em tudo! Porque tem muita gente que quer ser pior, pior e a gente tem que fazer de tudo pra ser melhor: melhor reportes, melhor jornalista, melhor treinador, melhor ensaiador, melhor maestro, melhor solista, melhor vocalista, melhor marido, melhor esposa, melhor filho, melhor pai, melhor professor, melhor, tudo melhor. Eu acho que o ser humano não é perfeito, mas a função de nós, eu e tu, é ser melhor, melhor, melhor. Eu comecei, quando eu tinha 20 anos, lá atrás, em cem coisas eu acertava 80. Não! O que é que eu falei? Com 20 anos em cem coisas eu acertava 20 e hoje em cem coisas eu acerto 90. Quando eu tinha 20 anos em cem coisas eu acertava 20 e hoje eu já eu acerto 90. Eu quero chegar a acertar em 95 (riso), 97, por ali. Essa é a função da gente!

P/1 – Tá certo! Tem alguma pergunta que você queira fazer? Seu José a gente queria agradecer em nome do Museu da Pessoa por você ter vindo aqui dar sua entrevista. Muito obrigado!

R – Também muito obrigado pela atenção.

P/2 – E o que o senhor achou de ter dado a entrevista?