Museu da Pessoa

No rastro da sucuri

autoria: Museu da Pessoa personagem: Awapataku Waura

Entrevista de Awapataku Waura
Entrevistado por Jonas Samaúma e Marcelo Fortaleza Flores
São Paulo, 24 de julho de 2019
Primeira entrevista na língua indígena na história do Museu
Tradução de Tukupé Waura
Projeto Histórias Indígenas
PSCH_HV762
Transcrito por Selma Paiva


P/1 – Então, agradecendo imensamente, gostaria que começasse falando assim o nome dele, que ele recebeu e onde ele nasceu e o que ele lembra do nascimento.
01:04 a 03:00 = 1:56


R – Fico muito agradecido por vocês nos darem oportunidade pra poder chegar até aqui. É difícil a gente estar aqui. E também esse projeto, essa ideia de guardar a memória é muito importante. Tanto é que o meu povo, já tem uns três ou quatro anos, não sei o que deu, os anciões do povo ali, morreram em seguida. Morreram uns oito anciões de vez. E sobrevivente sou eu, nesse momento. Só está eu, não tem mais da minha geração, mais velho, mais novo do que eu, não tem mais. Só está eu aqui e, por isso, é uma honra poder estar compartilhando da memória, passado. Eu sou, eu nasci lá na cabeceira onde está a nossa aldeia. Tem um rio e fica lá na cabeceira, que chama Aldeia Veado, na língua fala ___________ [04:20]. Nessa aldeia é onde eu nasci. Nasci e, quando eu consegui enxergar o mundo, meu avô era grande cacique e ele resolveu deslocar da outra aldeia uns 20 quilômetros. Na época estava tendo uma ameaça de outra etnia, recém estava aproximando da gente. Nunca tinha ali. Quando estava chegando, estava ameaçando uns caçadores, pescadores próximos da aldeia. Meu avô resolveu sair de lá. Saiu aproximadamente uns 50, cem quilômetros, abriu uma aldeia, descendo pelo rio. Ali cresci um pouco e cheguei, em média, 17 ou 15 anos, onde que Orlando chegou. Ali que Orlando chegou, fez contato com a gente. Ele veio a primeira vez, chegou ali, eu sabia, eu vi que ele estava fazendo registro de todo mundo. E um deles era eu. Ele estava com um médico dentista. Abria a boca, olhava o dente. Eu estava com, aproximadamente, 17, 15 anos. Ele registrava. E assim ele foi registrando cada um de nós e, quando você vê nosso registro, ficou dia 15 de julho, todo mundo, como se todo mundo nasceu junto. Eles ficavam adivinhando, por isso que eu não sei exatamente que ano que eu estou agora. Contando daquilo ali até hoje eu completei dia 15, nesse mês, 70 anos de idade. Não sei se eu tenho a menos, acredito que eu tenho a mais. Desde aquela vez meu avô comandava, ali que meu avô se contraiu com vírus de sarampo e morreu. Morreu toda a minha família. Onde o sobrevivente sou eu. Só estava, que sobreviveu da casa: eu, meu primo, minha tia e esposa. Esses quatro que sobreviveram. Se juntamos e começamos a fazer outra casa. Nesse tempo, a gente, os parentes dos ekipengs se aproximaram de novo, vieram atacar e a gente ficou com medo, saiu de lá, desceu mais de não sei quantos quilômetros, abriu uma aldeia lá de novo, refugiando da guerra. A gente não gosta de guerra. E quando a gente chegou ali, ali que o Orlando veio novamente, segundo contado. Já tinha uma aldeia instalada ali, a aldeia era provisória, onde está, atualmente, a aldeia central do nosso povo. Ali, quando a gente chegou, já era um jovem, mais ou menos 20 e poucos anos, que eu estava ali, eu sabia exatamente como foi a transferência, tal, a festa que começou primeiro lá, comemoração da primeira festa que aconteceu e festival também, que convidou todas as outras aldeias. E a aldeia era pequena, só tinha cinco casas, pouca população, pouca criança e, quando a gente estava nesse local ali, Orlando chegou e o tempo em que a gente estava em transição ele falou: “Vocês não podem ir mais longe, podem ficar aqui nessa lagoa”. Tem uma lagoa lá, é a lagoa sagrada que chama _________[08:43]. Significa que é uma pescaria coletiva. E ali que a gente se instalou, até hoje a aldeia central ficou ali.
P/1 – Aí eu queria saber quais são as memórias mais fortes que ele tem do avô e da avó dele, que ele falou que o avô era um grande cacique. O que ele lembra, de criança, deles?
09:23 a 11:13 = 1:50
R – O único que eu lembro super bem, na época, meu avô era considerado como dono do território em todos os tempos. O papel dele na época era acordar de manhã lá para as quatro horas, às vezes duas horas, vai ao centro da aldeia, conversa com todo mundo. Nessa hora, quatro, duas horas, todo mundo faz silêncio, quando ele está falando. Só ele que fala sozinho. E relê tudo segundo nossa história, que manda, ele diz, o segredo da vida: pra você não brigar com qualquer um, pra você ser recíproco e pra você, alguém que está passando dificuldade, ajuda-lo, alguém está brigando ali, tem que ir lá chamar atenção dele, falar pra ele que não pode brigar porque, na época, a gente errou muito, hoje em dia essa coisa do feitiço do homem branco nos acabou, a gente não sabe conviver pra frente. Sempre ele falava isso pra nós. Mesmo que nosso povo era uma população maior, a gente nunca brigava, a gente não gosta de brigar. Vocês têm que saber viver na vida. Ele sempre colocou isso na cabeça de qualquer um. Saber viver na vida como? Você procurar saber qual é sua origem. Assim você vai ser feliz na vida, que você vai herdar todos seus avôs que sabiam e você vai aprender também. Você vai ter oportunidade. E assim ele nunca deixou que alguém tivesse uma fofoca forte na aldeia. Ele foi uma das pessoas que foi zeladora da regra de convivência da aldeia, do passado. Ele que foi responsável de tudo isso. De tarde também ele ia lá no meio, conversava com todo mundo. Perguntando, lá na convivência da gente. De manhã ele conversa com todo mundo e vai pra sua atividade. Às dez horas todo mundo volta e algumas pessoas vão pro centro se reunir ali quase diariamente: “Eu fiz isso, eu levei acidente” ou flagrou alguém ali. É um círculo de comunicação entre eles. Ele está lá ouvindo, acompanhando todo acontecimento, assim como a mulher também. Era minha avó, esposa dele e responsável por cuidar de um porta voz das mulheres também. Falava que de manhã tem que cuidar dos filhos, dos maridos, tem que saber conversar com o marido, não ficar judiando do marido, fazer utensílios. Você tem que usar sua inteligência. Quando você ficar com raiva de alguma coisa, pegá-la e transformar em outra coisa. Fazer criatividade. Não precisa ficar descarregando pra pessoa. Se você descarregar numa pessoa errada ou pra qualquer um ser humano, não é bom. Por exemplo: você está com raiva, entra ali, parte pra cima, o que vai acontecer? Você vai ser queimado moralmente e capaz de você ser machucado lá também. Ou às vezes você pode, até, morrer. De graça. Vamos usar a inteligência. Não somos qualquer um. Somos povo do passado, geração por geração, a gente nunca teve esse problema, por que vocês vão inventar esse problema do meio do nada? Isso é errado. Ele sempre colocou isso. Isso que eu via que era o papel dos meus avós.
P/2 – Qual é a primeira memória da infância dele?


16:05 a 18:25 = 2:20
R – O que eu me lembro muito bem também é a morte dos meus parentes. Acho que eu tinha mais ou menos dois aninhos quando eu consegui acompanhar, já, o pessoal dentro de casa e fora, acho que mais ou menos eu tinha uns dois, três, quatro aninhos. Tanto é que eu conseguia ver o gesto do meu avô e andava com sua flecha no centro do terreiro e falava com todo mundo. Quando tem a festa, os convidados vêm pra o terreiro ali também, ele que sai com sua flecha. Uma flecha, pra nós, é paz. Arco e flecha. Não é pra atirar. Mostra um simbólico que faz parte desse adorno que a gente tem, colar e, além disso, tem que ter uma flecha. Ele ia lá para o centro, conversava com todo mundo. Por isso que eu não tenho muito a história que meu avô passou pra mim. Não teve tempo do meu avô passar todo esse conhecimento. O que me ensinou mais ainda é quando... ele fala assim: meu avô, a família dele foi massacrada pelo vírus de sarampo, numa época e morreu muita gente. Nessa hora eu já consegui olhar o sofrimento. Vi meu avô sendo enterrado, minha tia, meu irmão. Eu tinha um irmão também, que tinha morrido pelo sarampo. E meu pai que, antes de morrer, chamou todos nós, nós éramos três, nós ficávamos no colo, dizia que ele iria morrer e se um de nós sobrevivesse, pra que ele não seja egoísta, seja pessoa humilde e simples. E assim é a única, que eu lembro, fala do meu pai. E assim ele nos deixou. E meus irmãos morreram, minhas tias e só nós sobrevivemos: está eu, minha tia, meu primo e o marido. O marido acaba virando como nosso padrasto. Nesse tempo ele também, que faz parte da linhagem, tinha esse conhecimento, era bem parceiro de trabalho, além de ser sócio, era bem parceirão de trabalho. Por isso que eu tinha oportunidade de ter essa história que tiveram, que conseguiu passar pra mim. Por isso que eu lembro que, nesse tempo, é o sofrimento maior que a gente passou na época. Foi muito triste ver aproximadamente cem pessoas morrerem no mesmo dia e entre eles foram meus avós, meus pais, meus tios. E assim foram todos e a memória foi ativando e assim fui adotado. Como, na época, teve um massacre, diminuiu muito a população. Não tinha mais criança. Aí eu fui obrigado a entrar no meio do terreiro de gente mais velha. Ali que aprendi. Eu convivi bastante, praticamente quase toda a vida, eu convivi com eles, desde aqueles mais ou menos cinco, oito anos até... só que foi muito bom, também, aprender todos esses conhecimentos, onde ele falava, o marido de minha tia, dizia assim pra mim: \"Você é o neto do melhor cacique de todos os tempos, mas nem por isso você fica se exibindo por aí. Não é assim. Pra você conquistar isso um dia, você tem que aprender todas as regras da cultura. Se você tiver, um dia, oportunidade, você estará assessorando o cacique”. E assim ele me falou: “Não fica falando que você é o neto do cacique e você que manda ali. Não existe isso. Você tem que mostrar através do seu talento, de conhecimento, organizar festa. Se alguém está brigando ali, você entra no meio e vai apaziguá-los, aconselhar os casais que têm problema, às vezes. Os primos, às vezes têm divergências e você entra no meio, ali. Se você passar por tudo isso, esses conhecimentos, mostrando, assim a primeira coisa que vai ser feita é que você vai ser convidado pra fazer parte da assessoria do chefe maior. E se você passar por isso também, se o cacique deixar, você será como cacique. Se você não tiver oportunidade, deixa para os seus filhos. Aprende antes dos seus filhos existirem. Você tem que se auto educar, pra quando você tiver filho, educa-lo. Não todos eles vão ser caciques. Eu sei que vocês são linhagem do cacique. Vai ser um apenas que vai nascer com o dom desde criança e vai herdar esse papel de vocês. E assim ele me passou e acabei seguindo toda orientação dele e até hoje deu certo.
P/1 – Ia perguntar um pouco disso que você contou que morreu cem pessoas no mesmo dia no massacre? Como foi essa história desse contato?
R – Contato foi assim, resumindo também...
25:33 a 31:50 = 6:17
R – Ele disse assim: a história começou desde o contato. Na época a população tinha mais ou menos uns 13 mil. Eu lembro que, na história conta, tinha 14 aldeias beirando o rio. Ali tinha muita gente. Aí tem um cara que chegou e ele se apresentou como _______ [32:23], nome que está registrado ____________ [32:28], que veio a primeira vez fazer a expedição pra vir nos matar e o chefe dele tinha dado muita espingarda pra ele. Ele carregava uma mala de espingarda. Cada calibre: 38, 22, 12. Carregava armamento pesado. Só que o cara foi inteligente e, em vez dele nos matar, ele acabou presenteando pra qualquer um que ajudou trabalhar com ele. Nesse tempo o nosso povo não conhecia homem branco. Mas a gente conhecia historicamente que eram esses povos. E nosso Criador dizia assim pra nós: “Quando vocês verem...”. Na verdade, quando surgiu nosso mundo lá, ele conta bem assim: eles estavam pra se preparar quem ia ficar com arma de fogo e convidava cada povo pra tentar atirar. Não conseguiu ___________ [33:53] na flecha e tudo o mais que distribuía. E assim é onde homem branco, no meio do nosso povo, na época, tinha homem branco barbudo, que conseguiu manobrar, manipular espingarda. A gente não sabia como era a espingarda, mas ele sabia. Espingarda feita de ferro ou então pedra desse tamanho assim, ele manobra, ele tem arma, estoura, explode, atira você longe e, através dela, ele pode matar você. Por isso que atirou. Eles também tinham água quente, eles bebiam, eles tinham uma água ardente também, quando bebe fica doido e assim que a nossa história contou. Quando a gente viu o tipo de pessoa pele branca, barbudo e cabeludo, já sabia quem era. Ele é um povo do mal. Quando eles avistaram de longe, ele chegou na aldeia, no momento o povo estava numa festa. Eles foram pra algum lugar na pescaria e de tarde chegou com outro parente do vizinho, povo extinto agora, trouxe na aldeia. Quando as mulheradas viram, fugiram todas. Não quiseram saber dele. Mas só que, como estava com amigo que fala a nossa língua, fala que ele é do bem, que dá presente, eles começaram a juntar as mulheradas. Quando juntou as mulheradas, começaram a dar presente pra elas. E ficaram felizes da vida. Era espelho, tesoura, deu até um sino de ouro pras mulheradas. Nossa, elas ficaram muito felizes numa época! E assim foi aceito esse homem branco, no meio da gente. Só que os maridos estavam na pescaria. Todo mundo estava na pescaria. E iria haver uma festa, um cerimonial de máscara, todos os tipos de máscara iriam apresentar no outro mês. Por isso que estavam na pescaria, prestes a encerrar a festa. E o homem branco começou a ficar na nossa aldeia. Ficou ali um, dois, três dias e o rapaz que ficou no meio das mulheradas não gostou. Ele tinha um aparelho de lampião bem enorme. Toda manhã, às três, quatro horas, as mulheradas iam pra tomar um banho. Ele ia lá no meio também. Pegava aquele seu lampião e focava e iluminava. E as mulheres enchiam, ficava no meio das mulheradas. E o rapaz que ficou na aldeia ficou desconfiado que estava namorando com as mulheradas. Ficou puto: “Vou avisar pessoal”. E assim eles saíram e foram avisar o pessoal de pescaria: “O nosso vizinho nos trouxe homem branco. A gente sabe que ele não é bom, ele está lá disfarçado, sendo que ele é muito bonzinho com a gente, deu até presente pras mulheradas e, em troca disso, toda manhã, ao amanhecer, ele vai lá no meio das mulheradas tomar um banho, está namorando com as mulheradas de vocês”. Pra que falar isso? Rapidinho os pescadores recolheram e foram pra cercar, esperar duas, três horas, madrugada. Lá no porto. E cercaram, esperaram, daqui a pouco esse pesquisador veio, junto com as mulheradas, feliz da vida, com o lampião dele, lanterna enorme, a focar. Ainda o rapaz falou: “Está vendo aquele ali? Aquele ali é o olho dele”. E o cacique convidou o bom da flecha e falou: “Acerta bem no olho dele” “Tá bom”. Aí ele foi lá, quando aproximou, ficou um pouquinho na beira do rio, aí o arqueiro estava lá pronto pra acertar no olho dele e assim o artilheiro da flecha, guerreiro, flechou, raspou no lampião dele, onde ele viu a flecha passando na mão dele, quase que o acertou, ele apagou a lanterna e o povo começou a gritar, foi tentar cerca-lo. Como estava no meio das mulheradas também, a cacique levantou e falou: “Espera aí, não o mate, ele não é do mal, vocês vão ver, ele é muito bom, nos deu muitos presentes”. E assim, na conversa, gaguejando, ele se misturou e conseguiu escapar e foi pra aldeia. E assim a mulherada foi forte também em defendê-lo e não deixou ser flechado ali. Conseguiu, foi pra aldeia, amanheceu e o cara foi lá falar com o cacique. O cara que foi responsável foi falar com o cacique, ele trouxe - porque ele é muito bom, ele dá presente – outro objeto diferente. E assim ele foi convidá-lo, foi no centro, o cacique conversou com ele o que ele foi fazer lá, ele foi lá no meio e conversou com o cacique, falou que ele está lá não pra brigar com eles, veio ali pra ajudar, conversar, conhecer. E onde começou a presentear o pessoal lá também, deu várias espingardas pros caciques. E assim ele foi aceito na comunidade. Só que, como ele foi ameaçado, ele ficou ferido. Nem demorou, ele meio que fugiu de lá e foi embora. Ele falou que voltaria daqui uns tempos. Quando ele voltou, ele foi bem aceito. Só que o povo foi enganado por ele. Ele trouxe um monte de coisa. Os objetos eram utensílios. E a gente acreditou que aquilo ali ele tinha conseguido, comprou e ele nos trouxe pra presentear. Na verdade, não. Ele pegou todos os objetos dos caras que foram massacrados pelo sarampo, varíola, catapora, essas coisas. Aí distribuiu pra todos nós. E assim a gente nem demorou também, voltou logo. Depois daquilo ali houve um massacre, demais, muita gente morreu, aí diminuiu uma aldeia, pequena.
P/1 – Nossa! Esse massacre foi na doença?
R – Doença.




P/2 – Queria perguntar uma coisa. Pergunta o que, na infância dele, ele fazia, que hoje não se faz mais. Seja caçando ou pescando, de costume, que naquela época tinha e que hoje não existe.
42:52 a 47:02 = 4:10
R – Na minha infância, que eu sempre pratiquei, vários tipos de brincadeiras. Isso eu não vejo nossos filhos, netos, praticando isso. Isso é uma ameaça pra nossa cultura, porque faz tempo, na minha época, a gente fazia tudo o que acontece na comunidade. Por exemplo: na organização, a gente inventa algumas vezes, nós temos um grupo maior. A gente entra na floresta, a gente faz acampamento e uma casa ali, onde tem um chefe ali. A gente escolhe, elege um, quem é bom na coordenação, ele vai ser o nosso cacique naquela brincadeira. Ele que comanda e fala e entra no terreiro, fala com todo mundo. Alguém apronta ali, vai lá, conversa e fala com todo mundo e assim que eu brincava e também que a gente praticava, mais, na época, a flecha, arco e flecha. A gente fazia flecha, nós que fazíamos e a gente entrava na floresta, um grupo também e a gente pegava pedaço de biju e fogo e vamos caçando. Quando a gente mata alguns animais, pegamos um grandinho, a gente assa por aí, come, bebe a água, a gente vai embora. E assim também a gente fazia a pescaria. A gente fazia um grupo dos meninos, ia pra rio, a gente não sabia como pescar. Mesmo assim, entre, no meio, tinha alguém um pouquinho grande, sabia flechar peixe e assim vamos pescando, até que ele consegue pegar um, três, quatro, cinco e a gente volta pra aldeia e vamos direto para o acampamento. A gente faz um moqueado, um assado, pirão, um aprendizado também, faz parte na construção da vida. E assim que a gente praticava na época. Hoje em dia eu vejo que vários dos nossos netos, filhos, estão praticando mais na cultura da cidade. Como mexer em celular, computador, essas coisas. Falei pra eles: “Não. Vocês estão errados. Praticar mais cedo, primeiro, o certo. Não é proibido. Não é a questão de não poder. Claro, mais tarde ou mais cedo, você não vai escapar da cultura da cidade”. E assim que eu fico observando, eu fico triste com isso, dos meninos não priorizarem e aprenderem nossa cultura, porque primeiro você tem que aprender quem são os povos, quem são seus pais e depois aprender a cultura do outro. Por isso que, no meu ponto de vista, estamos, aos poucos, algumas vezes, não estão praticando o que a gente praticava de brincadeira. Pra nós tem vários tipos de brincadeiras. Tem o pessoal, a gente faz uma arranhadura, a gente arranha só um pouquinho, a gente passa erva, desde pequeno, pequenininho. E assim não está acontecendo. E assim que foi da minha infância, de todos as brincadeiras.
P/2 – Quais os rituais que se praticava antigamente, que hoje ele não vê mais? Tem algum ritual que era importante, que os jovens já não estão praticando mais hoje em dia?












52:40 a 55:05 = 2:25


R – Entre uma cultura waura tem, acho, que mais ou menos 50, 60 anos que não está sendo praticado, mais. O que eu vi, era mais lindo, bonito, que chama (pulo pulo?) [55:22]. É uma festa que está ligada na flauta sagrada e a construção de casa central dos homens abrange tudo. Quando acontece isso alguém, pessoa importante, fica doente por causa do espírito dele, onde pajé vai falar, que ele está dentro do (pulo pulo?) [56:48]. Aí ele tem que fazer todo esse processo, pra pessoa recuperar. Então, é oferecido vários tipos de comida e assim a pessoa vai melhorar. Por isso que eles foram feitos naquilo ali. É bonito, eles procuram no rio pântano, no brejão, uma madeira específica pra isso. Bem enorme, assim, grossa. Só que ela tem grande oco. Pegam aquela ali, eles a derrubam, pegando toda raiz e, depois que pega toda a raiz, começa a cair. Começa a descascar tudo, começa a lapidá-la, fica todo bonitinho. Depois que fica pronta, começa a limpar dentro também, tira toda a sujeira que está dentro, limpa tudo, eles pegam um cipó, cortam, amarram um ao outro, fazem uma corda em cima, pra eles fazerem uma fila, pra eles puxarem, embaixo eles colocam a madeira pra escorregarem e assim eles começam a puxar. Contra toda a força. Imagina o peso que levanta! Na época não existia esse aparelho de trator. Ficava um dia, no outro dia, no outro dia, até conseguir chegar próximo da aldeia. Descansa, no outro dia, até chegar no meio das casas dos homens, abre enorme ali, puxado, fica madeira de um tamanho maior e puxa e fica dentro do centro da casa dos homens. Tem bastante oco e, com sua raiz e tudo, fica ali. Aquilo ali eles vão meio que a lixando, passa toda resina, tem o calcário, a xila branca pega, esfrega nele, fica branco. Pega a resina, a pinta com geometria nossa, fica bem colorido, às vezes desenhado alguns animais que representam aquilo ali a caixa dos animais, os seres vivos que a gente não vê. Daí acaba virando como um dormitório do jovem, que o jovem guerreiro fica lá. Arruma seu canto ali, enfia naquele túnel ali, cochila ali, volta e fica praticamente lá. E assim que é. Aí, tem o processo pra acontecer isso e canção, flauta sagrada envolve, está ligado um ao outro, é a memória da história da flecha, da máscara, canção, de tudo. Tem uma canção bem boa também. Se você quiser que eu canto um pouco, eu posso cantar.


















1:00:30 a 1:06:47 = 6:17
R – E assim que eles cantam, eles preparam, pintam, ficou pronto. Na verdade, essa coisa de (pulo pulo?) [1:07:03], até mesmo o nome diz: (pulo pulo?) [1:07:07] é o tambor único. Em vez de ser vários, ele fica único no meio da aldeia. Eles fazem um pilador, igual aquele que soca pilão, igual aquele ali, ficam todos os jovens em cima. Todo mundo vai bater tudo junto: tum, tum, tum, tum, tum, tum, tum, tum, tum. Aí o cantor fica no meio. Ficam dois. Um fica na frente do outro, um olhando o outro. Gente fica aqui, do outro lado também. Começa a bater: tum, tum, tum, tum, tum. E o outro pilando e os dois aqui cantando. Um fica lá na ponta onde tem raiz comprida, fica lá respondendo. Ele é um dos que fazem parte da figura também. Ali fica completo. Quando canta, é bonito ver isso. Faz barulho e você escuta de longe: tum, tum, tum, tum, tum. Vai cantar a canção em sequência, até concluir, acabou, termina e todo mundo vai embora. Aí fica lá. Esse material é permanente.
P/2 – Você pode só traduzir o que é falado nas músicas? Resumido.
R – As músicas são variados. Fala: “Eu sou piranha, eu sou a onça, eu sou porco”. Ele fica cantando desse jeito. Ele fala: “Eu sou porco, essa canção é do porco. Essa canção é do macaco. Essa canção é do guaíba. Essa canção é piranha”. Ele canta dessa forma. Se apresenta.
P/2 – Vamos voltar pruma coisa mais biográfica?
P/1 – Eu ia perguntar: de todas as festas, das tradições, dos rituais, qual foi uma que o marcou na infância? O que ele lembra, que foi importante pra ele?


1:09:48 a 1:10:48 = 1:00
R – O que marcou na minha vida exatamente é essa tal de (pulo pulo?) [1:10:51] Porque tem uma canção suave, aguda. Por isso que toda vez quando eu estiver sozinho, com um problema, as coisas difíceis, eu fico cantando essa canção. Eu acredito que tem energia muito forte, pra você resolver todas as coisas através dela. E cantando. Mesmo que não acontece, pra eu não perder isso, eu fico cantando sozinho. Quando passa na minha cabeça, eu fico cantando, eu fico ali flutuando e cantando sozinho na floresta, na casa e na roça, onde eu estiver.
P/1 – Ele falou que foi morar no terreiro dos mais velhos, que ele é um dos contadores de história mais antigo. Saber como foi pra ele a preparação pra ser um contador de história. Quem contava as histórias pra ele, quando eram e quais histórias o emocionaram mais na infância e na adolescência?
1:12:04 a 1:14:54 = 2:54
R – Ele diz assim: “Eu recordo muito bem que o que me chamou mais a atenção, na época, foi a música da flauta sagrada. Por que é muito boa? Eu tenho conhecimento completo desse aí. De vez em quando eu fico tocando a flauta. A flauta que faz parte de que a gente se alimenta de bem-estar. Na aldeia, quando de manhã, ela é tocada. Bem cedo as pessoas vão pra roça, ela é tocada. Por isso que eu gostei. E isso não está sendo praticado também”. E outra também que quem nos ensinou, numa época, tinha um cacique velho, o tio do meu avô, que tinha uma paciência redobrada, quase toda tarde ia lá e explicava a regra da convivência da vida. E até mesmo as histórias. A gente aproveitava e perguntava pra ele como, muitas vezes, algumas pessoas que foram morar numa outra aldeia e onde pega essa cultura diferente quando chegava e aplicava na nossa sociedade. Ele foi como um consultor da gente também. Quando a gente praticava aquela festa, ele entrava: “Está errado aqui. Aqui não é nem nosso. É nosso só assim”. Ele que nos corrigia. E quando alguém tentava colocar a cultura da outra etnia, logo ele entrava e falava: “Não é assim. Nossa cultura é assim”. Quando a gente cantava errado, ele entrava e falava: “Isso, se você cantar desse jeito, você está indo contramão e contra nossa canção, porque está na língua do outro, está em tupi, porque nós, aruaques. Mas se você quiser aprender, aprende. Não é pra você ficar cantando aqui. Nós temos próprio”. Aí a gente aproveitava esse momento também: “Como que é?” “Nós cantamos desse jeito, nossa festa é assim, você tem que começar desse jeito e termina assim”. E assim que eu aprendi.
P/2 – Eu queria que ele lembrasse como foi a chegada do Orlando Villas-Bôas na aldeia. Do que ele se lembra naquele contato.
1:18:06 a 1:24:31 = 6:25
R – Eu lembro que, quando Orlando veio, numa época, eu acho que eu tinha acho uns dois ou um pouquinho a mais, lembro muito bem a vinda. Quando chegou a gente morava lá na cabeceira do rio Tabapuã, agora atualmente conhecido como rio Pilar. Estava lá na cabeceira, alguém estava na pescaria no Pilar, por acaso. O pessoal ficou sabendo, encontrou um pescador lá. Ele estava de batelãozinho. E estava com seus irmãos. Aí, o que aconteceu? Esse pescador foi na frente deles, avisar a aldeia. Ele foi lá. A gente tem costume, quando a gente encontrar alguém, o mais importante de tudo, é a gente começar a gritar uns 20 quilômetros da aldeia. Vai gritando, pra ver se alguém tem, por aí, a hora que eu ver você, ele vai gritar também. Pra fazer uma conexão, até chegar mais rápido a notícia, através de gritaria. Você gritando daqui, se tiver alguém ali também a uns cinco quilômetros, ele ouve que você está gritando muito alto, ele vai gritar aqui também, a mesma coisa. Vai imitar você, pra poder conseguir chegar as notícias lá, pra todo mundo reagir e vir vigiar você, o que está acontecendo. E assim foi. A notícia chegou mais cedo e todo mundo ficou com medo, achando que alguma coisa errada e quando souberam, que o cara chegou da pescaria, ele veio informar que encontrou um grupo de homem branco barbudo e com óculos. Acabou chamando o nome Orlando, Cláudio, Álvaro e dois generais. Tinha um grupo deles. Essas pessoas que vão vir. Eu lá ficava em casa, eu via tumulto ali, andava pra lá e pra cá, a aldeia ficava agitada. Poxa, o que está acontecendo? Cada um contando, diz que vai vir aí homem branco desse jeito bom. As pessoas ficavam muito ansiosas, querendo conhecer esse homem pele branca. Aí levou recado que onde a gente ficava era córrego estreito e pediu que avisasse cacique pra que o povo fosse lá encontrar com ele, pra vir subindo com ele. Como o rio é estreitinho, precisa limpar o rio, alguns galhos estão caídos, tem que cortar, algum lugar tem uma lagoinha, ali que tem que funcionar o motor, eles estavam com rabeta. Vem subindo, até chegar na aldeia, no porto e todo mundo foi lá recebe-lo e eu estava na casa só, junto com meu avô, que estava armado, ele ficou com medo, vai saber se ele iria atacar o povo? Por isso que estava lá pronto, com sua flecha. Quando ele viu que chegou lá na aldeia, não foi na casa de alguém, deixaram na casa do centro. Logo ali ele perguntou onde estava o cacique. E meu avô veio atende-lo. E assim ele foi recebido, foi muito bom. Logo ali meu avô começou a convocar vários tipos de festa, como festa de ____________ [1:31:49] e festa de garapa, entre outras festas também. Ficou ali acho que mais ou menos três dias com a gente. Começaram tendo a festa, em seguida um ao outro, pra gente apresentar pra ele quem somos nós. E assim Orlando estava com seu cinegrafista também. Eu não sabia o que era cinegrafista. Era ele, mesmo. Tinha um aparelho desse tamanho, igual desse aqui, por isso que apontou pra ele. Igual desse aqui, desse tamanho e dentro dela tinha colocado a luz. Quando tirava uma foto e queimava aquela luz. Tirava e jogava todas nas criançadas. Ganhamos como se fosse presente. Cada um ficou com aquela ali, a luz que focava, queimava, tirava e jogava. E nós lá _____ [1:32:57]. Isso que eu lembro muito bem. Na verdade, estava tirando foto. A gente não sabia. Foi muito importante nesse tempo. E assim eles ficaram ali por um tempo, uns três, quatro dias, eles voltaram e falaram: “Beleza, a gente conheceu vocês, está bom”. Por isso quando foram recebidos, não foi como os outros, que chegaram primeiro, ameaçados, agredidos, não teve nada disso. Foram recebidos pacificamente. Ele disse: “Nós somos pacifistas, a gente tem outro jeito de como brigar com nossos outros parentes. Em vez de brigar, vamos fazer troca, intercâmbio”. Apesar que na época eles tinham afastado um ao outro, a gente ia lá. Ficava dois, três, quatro dias, uma semana, chegava na aldeia deles. Já anunciava que a gente ia chegar lá como visitante e assim a gente sempre foi recebido bem, a gente fazia festa e troca de materiais, objetos, utensílios e tudo o mais e assim a gente voltava. E assim também eles deveriam ir atrás da gente. E tudo isso que a gente fazia numa época. A gente não tinha um brigando ao outro. Assim foi encontro com Orlando Villas-Bôas.
P/2 – E o que veio de fruto desse encontro na sua vida? Desse primeiro encontro.


1:34:43 a 1:35:23 = 40 segundos
R – O fruto que teve ali não foi pacificamente pra mim. Ficamos todos traumatizados. Por isso que a gente não aproximava mais dele. A gente assistia de longe. Nós estávamos preparados pra entrar na floresta. E os caciques falavam pra nós: “Pode ficar aqui, não entra ali no terreiro”. Por isso, nós, as criançadas, ficávamos tudo preparado pra qualquer coisa, ouvir barulho, entrar no mato. Assim que passou, diz ele.
P/2 – Ele lembra da época da reclusão dele? E se tinha coisas que aconteciam naquela época que não acontecem mais hoje.
1:36:19 a 1:44:58 = 8:39
R – É verdade que hoje em dia o que eu vejo que os meninos não estão praticando. Quando eu entrei numa reclusão, tem uma regra certa, sim. E foi assim: todos da minha geração, a gente entrou na reclusão, através de cobra. Cobra sucuri. Lá na nossa região tem muita sucuri. Quando chega um tempo que a gente vai pra reclusão e o nosso avô, pai, tio, leva nós pra pescaria, pra achar algumas cobras sucuri por aí. Vai pescando até que a gente encontra. Você desce na água, geralmente ela fica boiado em algum lugar em cima do aguapé, uma planta do rio. E você desce e fica no meio da água, vai lá e pega no rabo enquanto cobra está viva. E puxa. Ela sabe que você vai aproveitar muito ela, ela não vai ficar com medo de você. Ela fica só assistindo você. Desse jeito, como se tivesse uma criação. Você pega o rabo dela, puxa, vai procurar algum lugar seco ali, local limpo, lá que você vai levar. Vai até você chegar em um lugar limpo lá e puxa até o seco. A cabeça na água. Pega a faquinha e corta vivo. Pega um pedaço assim. A corta e o resto e vai embora. Pega aquele pedaço e vai embora pra casa. Chegando em casa você vai abrir e vai tirar a carne dela, vai ficar com seu couro, esse couro você vai fazer um enfeite que a gente pendura nas costas. É pra gente, quando a gente dança. Quando você vai sair da reclusão, vai usá-la como adorno, pendurado nas suas costas. Faz parte da gente provar que a gente passou por esse processo forte. Pra que é isso? A gente tira couro e, dentro da pele, está cheio de óleo dela, ela tem bastante gordura. Você pega algumas gorduras, junta e enquanto isso você tira o couro e pega a madeira e coloca dentro e a seca. Pega óleo e gordura dela e derrete, frita na panela, vira como óleo. Virou como óleo, pega algodão e fica enrolando ali, pra não desaparecer óleo e pega um bambuzinho e você coloca dentro e guarda. A sucuri é um bicho, no passado, era homem. Guerreiro. E desrespeitou a regra e se transformou como cobra. Onde a mãe diz pra ele: “Filho, você não vai morder, não vai ferir os seus irmãos. O pessoal vai pegar seu rabo e vai pegar sua energia. Assim que você vai ser. Você não vai ser respeitado tanto assim. Alguém que vai te ver, vai cortar rabo, não acha ruim. Uma maneira de você retribuir pra que a futura geração seja igual você, como lutador”. Por isso que quando ela vê você, diferente e também mostra a sua adolescência de virgindade. Se você está virgem ainda, você pegando no rabo, ela não vai ameaçar você. Se você teve relação de primeira e segunda vez, quando você tenta se aproximar, ela começa a ameaçar você. E você não pega. Isso não vai fazer mal pra você. Aquele que se entregou totalmente pra você pode pegar, está entregando a energia toda pra você. E assim você pega esse óleo e guarda. Só que, nesse tempo, a sucuri tem um sangue bem forte. Ele começa a intoxicar todinho você. Uma maneira que já se ofereceu e penetrou no seu corpo. Aí, no outro dia, pega outro tipo de remédio, próprio remédio pra isso e você vai toma-lo e vai desintoxicar desse cheiro. Aí, você, a partir daquele momento que derramou o sangue de cobra e ele entrou no seu corpo, você perde a fome. Você, praticamente, já é outro. Por isso que você tem que ser isolado em algum canto ali, dentro de casa. Nesse tempo você vai tomar erva, vai limpando, depois que você começa a se sentir, a comer comida normal, aí você volta a fazer tratamento com o próprio óleo. Você vai se intoxicar novamente, pelo óleo dela. Você passa o veneno dela no corpo todo: aqui, aqui, aqui, aqui, nas costas. Pega daquele bambuzinho o óleo e você vai esfregar e vai se malhar, você mexe o corpo e assim você vai absorvendo toda a energia dela. Depois que você tomou desse aí também, você continua tomando erva. Tem um próprio tipo de erva, você a toma, passou de sete dias tomando a erva e você não come peixe, você entra de dieta. Depois de sete dias você começa a comer somente peixe cozido. Tem que cozinhar muito bem, tem uma água, fica sem cheiro, quando você comer e assim vai passando outro mês e você volta a se alimentar normal. A partir dali você já começa outro processo. O que eu peguei da minha pele também eu fui pegar uma erva sagrada, lá no lugar. Tem um lugar ali sagrado pra nós, tem um cipó tipo ayahuasca, a mesma coisa. Você chega no terreiro dele, procura e vai ver raiz que você corta e a puxa, a hora que você vê que ela está fácil de sair da terra, ela está se oferecendo pra você. É difícil de sair da terra, você insiste e começa a arrebentar, está dando negatividade pra você. Pra mim foi positivo também. Peguei daquela ali, puxei, só de primeira, como se fosse fácil. Quando os mais velhos tentam pegar, não conseguem. E assim foi. Comecei a passar igualzinho também que eu peguei cobra, um segundo, só que lá onde surgiu esse remédio nossos antepassados deixaram um concreto ali, um sinal de cuia. Aí você só pega a cuia, extrai esse material, faz ali, espreme, faz um chá, você pega daquilo ali, coloca naquela pedra que está ali em formato de uma cuia, coloca dentro, pra gente tentar imitar do que passaram. E você coloca uma cuia, uma, duas, três, quatro e vai, conforme você vai bebendo, enche a barriga, vomita, enche a barriga, vomita, depois a gente ia embora. A gente pega um pouquinho também pra gente dar uma continuidade lá na casa. Outro dia toma, outro dia toma, outro dia toma e o resto pegar pra você desintoxicar, porque você já colocou no seu corpo pra você readaptar o espírito, você tem que tomar outra erva pra ir limpando seu organismo, pra que não faça mal pra você. Se você a desrespeitar e comer comida normal, ele faz mal e você é intoxicado ou, às vezes, fica paraplégico ou às vezes você pega tumor, essas coisas. Por isso que a gente respeita muito isso. Isso eu vejo que não está sendo praticado. Isso que está se perdendo. Então, desde aquela vez, quando você toma esse tipo de erva, terminando, no dia seguinte, na verdade, você tomou, vai embora e você começa a não se alimentar normal, você vai tomar um pouquinho de água, eles fazem um mingau de polvilho diferente do que a gente come no dia a dia, cotidiano. Você vai só consumindo aquilo ali. É leve, não enche a barriga, você tem vontade de comer, um teste pra sua pele e assim a gente vai passando e, quando você dorme, no outro dia, todo esse tratamento, seu avô, seu tio, vão perguntar o seu sonho, como que você sonhou. E você vai contar todo seu sonho como, por exemplo, na época, meu sonho, depois de pegar a sucuri e tomar o cipó, essas coisas, o meu sonho foi muito bom. O meu sonho foi pegar a erva, extrair da terra, peguei fácil, tirei, amarrei e fui embora pra casa. E quando eu contei isso pra pessoa que interpretava o meu sonho, ele falou pra mim: “Nossa, parabéns! Se você continuar do jeito que você está, respeitando a dieta e a regra de convivência da casa, de tudo, você vai ser futuramente historiador e desde agora você vai ser campeão de luta, pescador, você vai ter de tudo. Isso que o sonho seu te mostrou. Você está sendo abençoado pelo remédio”. E assim falou pra mim. Eu não acreditei bem no que ele falou, a partir de que comecei, da minha idade, aprender fácil. Porque acredito que o espírito está comigo. Isso que ele falou pra nós.
P/2 - Quantos anos ele passou na reclusão?




1:58:25 a 1:58:31 = 6 segundos
R – Olha, eu não vou poder falar. Eu lembro que muito tempo eu fiquei, não sei quantos anos eu passei na reclusão. (risos)
P/2 – Mas mais do que atualmente?
R – É. Mais. Ele foi também, como ele fala, uma das pessoas que passou tudo, por vários processos, ele foi campeão de luta também, numa época. Muita gente não acreditava, porque...
P/2 – Fala pra ele contar isso, quando ele foi campeão de luta.






R – Ele fala que quando eles foram pra outra aldeia, muita gente falava: “Ele é pequeno, eu vou só derrota-lo facinho”. Só que ele tem, a gente acredita muito nisso, por trás, o espírito forte, que tomou, ele está com a cobra. Como é que você vai desafiar uma cobra que você não tem?
P/2 – Pede pra ele contar essa história. É legal.
1:59:40 a 2:00:03 = 23 segundos
R – Acabei de começar a treinar, conforme pedido do cacique. Se você já praticar isso, você vai ter todas as respostas logo ali. Se você não praticar, você nunca vai ter resultado. Mesmo que você sonha muito bem, nunca vai aparecer pra você.














2:00:28 a 2:01:04 = 36 segundos
R – Acabei de começar a aprender. Na sociedade waura tem um dos melhores lutadores, que começou a me ensinar. A gente lutava com ele de brincadeira ainda. Conforme meu desenvolvimento, desempenho, eu confrontava com ele, já. Mas de vez em quando eu perdia. Até que chegou certo tempo e acabei, não me derrotaram mais. Ele tenta usar sua técnica, só que eu já sei a técnica dele. Eu me defendo, o pego e eu que ganho dele. Assim, ele levantou e falou: “Poxa, você está de parabéns! Que bom que você venceu e estamos aí, na mesma luta. Você vai me ajudar durante a competição”. Só entregou a faixa pra ele.






2:02:06 a 2:02:59 = 53 segundos


R – E assim a gente passou um ano. Geralmente, nesse mês, começa a ter competição na outra aldeia. Fui convidado próprio pelo meu professor, pra fazer um teste em mim. Eu fui lá e não todos os povos sabem lutar muito bem, mas só tem tamanho. Nem adianta você ser bonito e forte e não ter espírito, porque eu conquistei o espírito. Não estou lá sozinho. Aí, o que aconteceu? Eu fui lá. Geralmente os outros povos, que só têm tamanho, não têm espírito, o que acontece? Você o derruba facinho e o outro fica chateado, quer vingar, ele vem, aí começou a formar fila e eu estou preparado ali. Comecei a derrotar um, dois, três, quatro, comecei a brincar com eles. Eles queriam derrubar feio, mas nunca conseguiram e meu povo começou a vibrar por minha causa e me aplaudir. Quanto mais aplaudido, eles ficavam mais revoltados. Eles tentam colocar campeão deles pra me confrontar e não conseguem, porque eu sabia que eu tenho espírito. Eu tenho cobra, eu tenho cipó. Eu fico brincando, aí eles não conseguem me sujar também, só sujam um pouquinho aqui e aqui. Eu me pinto, eu saio na arena, porque ali a gente luta no terreiro de chão batido. Sempre que você vai ser derrubado, vai sujar tudinho sua pintura. Como eu era campeão tamanho pequeno, eles acham que é fácil derrotar qualquer um, mas não é. Você tendo a guia de espírito que vai te ajudar, vai ser difícil e assim eu fui. Derrubei uns dez de vez, nenhum me derrubou. Só tinha sujeira aqui e aqui e um pouquinho aqui. (risos) E a gente terminou. Todo ano, assim, eu conquistei o respeito nas outras etnias também.
2:05:39 a 2:06:36 = 57 segundos
R – O campeão de luta não foge da luta. Essa luta que eu falo lá é cercado de um monte de gente. Tem uma arena, no meio é que eles vão lutar. Você não tem que fugir, ficar lá escondido no meio do seu povo. Você tem que ficar bem na ponta do pessoal, olhando e observando tudo e você não pode, quando alguém derrubar seu parente, seu amigo, seu tio vir ali: “Tem que ser eu também”. Você não pode falar isso. Isso quebra nosso protocolo. Você tem que se respeitar. E, quando o cara derruba, vai ver judiar seu irmão, seu primo na sua frente, deixa quieto, deixa o cara acalmar. Depois que acalma o cara, você vai lá: “Deixa eu lutar com você”. Você vai tranquilo. Na hora que pegou sua vez, tem que derrubá-lo também, pra povo aplaudir e fazer uma gritaria, pra ele ficar humilhado. É assim que é nossa luta. Por isso, hoje em dia, vejo os meninos que tentam ser lutadores, como eu disse: eles são fortes, têm tamanho ideal pra serem lutadores. O problema é que eles não tomam remédio. E eles têm essa modernidade também: vão pra academia, malham, ficam ali aquele bonitão, o jeitão deles, mas não se engana com isso. Quem é lutador, não precisa ser o tamanho maior. Dependendo do tamanho de pessoa grande e pequena, de todo jeito, vai ser bom. Importante é que você tem que mergulhar profundamente, pra conquistar os espíritos que vão te guiar na arena. Se você não tiver nada disso, nem adianta brigar com o pessoal. Nem adianta brigar com seu adversário. Porque a gente é movido pelo espírito. Isso que ele diz pra nós.
2:09:05 a 2:09:40 = 35 segundos
R – É isso que eu vejo hoje em dia também: tem alguns jovens que estão querendo ser lutadores. É apenas figura, só. Eles moram na cidade e falam que estão estudando. Beleza. Até ali está bom. Aí, quando chega o tempo da festa, ele vai lá, se pinta, usa daquele jeito de lutador se vestir, fica bonitão, não sei o que, entra ali e o corpo dele não está preparado. Pra você enfrentar isso, você em que se preparar muito bem. Preparando como? Passando __________ [2:10:15], tipo esse óleo da cobra antes que você entra no terreiro, pra você ficar forte. Não é que você fica forte, você tendo o espírito junto com você, você vai ter várias técnicas como pegar seu adversário e colocá-lo no contrapeso dele. Assim diz ele.
P/1 – E aí pergunta como foi essa história dele lutar nas outras etnias, também.




2:10:54 a 2:12:51 = 1:57


R – É nossa cultura, uma forma da gente apaziguar os outros. A gente vai pra outra aldeia. Quando o cacique vê que tem muito jovem talento, pra fazer uma revelação antes da festa __________ [2:13:13] ele vai lá e inventa: “Pessoal, vamos visitar nossos povos ali, nossos irmãos do vizinho?” Aí eles vão lá. Chegam na aldeia, se apresentam, naquele momento qualquer um entra pra testar, pra fazer um teste se é bom, porque no meio da aldeia você pode lutar com seus parentes e pode ser bom. Quando você entra outro, competir com seu adversário diferente de etnia vai ser outro, por isso que sempre vai lá. E você, nesse momento, é testado. É assim que a gente está se auto revelando pro pessoal. E você vai ver lá porque na outra aldeia tem a pessoa formada também, preparada. Claro, ninguém quer perder nessa luta. Daí, ele que vai começar a luta e você que está pronto aí, vai confrontar com ele. Você vai lutar sozinho ainda, no primeiro momento. Você e ele vão começar a luta. Depois todo mundo vai lutar entre eles. Antes de começar a luta, vai ser uma luta oficial entre vocês, competição amistosa entre outra etnia e então você que vai apresentar uma luta. Pra isso você tem que estar muito preparado e assim você vai derrubar seu adversário, pouco a pouco você vai ser conhecido e até você participar da festa maior, você vai ser bem conhecido através dessa sua habilidade.
P/1 – Eu ia perguntar qual foi a primeira vez que ele lembra de contar uma história, que ele contou uma história.












2:15:41 a 2:16:05 = 24 segundos
R – Sim, tenho história inicial pra nós. Quando, a primeira vez, a gente tem família, a gente começa a praticar uma história infantil. É a raposa que eu contei pra minha filha.












P/2 – Pra filha?
R – Pra filha que teve primeiro.
P/1 – E como é que é essa coisa dela ser contador? O que ele já vivenciou contando história?
2:16:37 a 2:17:17 = 40 segundos
R – Eu participei todas as histórias, na época, comumente alguns anciões contam história, então acabei aprendendo com eles, eu ouvi ali, como frequentemente, passando pra criança pequena. Como eu sou bom de memória, também tem isso na cultura da gente, e você ser bom de memória, você ouve uma vez e já pega tudo. E assim um deles era eu. Eu ouvia uma vez cada história e acabei aprendendo tudo de uma vez só.
P/1 – Uma vez já que ele ouvia, ele já sabia contar? Mesmo essas de quatro horas?
R – É. Isso ele já entendeu tudo. Por exemplo: a gente estava na casa de uma amiga da minha mãe, outra amiga da minha mãe, aqui em São Paulo, ela tem namorado francês. Quando chega ali, ficava ali conversando com eles e, pelo gesto, meu pai acaba perguntando como é bom dia e assim vai falando. Passa uns quatro dias, já começa a falar, dialogar com ele na língua dele, entende? Ele já pega tudo a língua dele e aprende. Já começa a falar com ele. E assim eu vivenciei nesses dias. Tanto ele falava isso, eu observei bastante e isso realmente acontece com ele. Ouve uma vez, de manhã, à tarde já começa a praticar.
P/2 – Qual a história favorita dele? Ele tem uma história favorita, que ele gosta mais de contar?








2:19:24 a 2:19:36 = 12 segundos


R – Eu tenho.




P/2 – Qual que é?
















2:19:38 a 2:19:43 = 5 segundos
R – Raposa, anta e outra anta.
2:19:52 a 2:20:07 = 15 segundos
R – O filhote de macaco que cantou pra seu dono e outra que o marido enganou e acaba oferecendo urubu pensando que era jacu ou mutum. Essa história que é minha favorita.
P/2 – Tem alguma história que ele acha que tem alguma coisa que aconteceu na vida dele que a história relaciona ou o ensinou ou que ele vê alguma coisa que ele viveu que fala sobre nessa história?
2:20:47 a 2:21:00 = 13 segundos
R – Tem, sim, claro que tem.
P/2 – Ele pode contar pra gente?










2:21:05 a 2:21:17 = 12 segundos
R – É cobra.








2:21:19 a 2:21:40 = 21 segundos
R – Tem um grupo, na época, os primeiros seres humanos que existiram primeiro do que a gente, eles que viviam provocando por qualquer coisa. E assim eu sei essas histórias. Me favorecem bastante várias coisas que fazem tocar no coração da gente. Um deles é humano que se transformou como sucuri.
P/2 – Mas ele pode contar pra gente o que, nessa história, tem a ver com a vida dele?
2:22:27 a 2:25:34 = 3:07
R – Essa história a gente denomina como história do meio, não dos muito antigos. Do meio do nada aconteceu. Era uma vez um jovem forte que estava muito rebelde, só que ele era bem forte, lutador, guerreiro, bonito, nossa. Só que ele nunca ouvia orientação, conselho da mãe. Ele vivia namorando com esposa do primo dele. Só que primo dele vivia só assistindo ele namorar com a esposa e de vez em quando ele flagrava. O primo dele ficava chateado, não gostava de ficar fazendo isso. Porque como era essa história do nosso povo não gosta de brigar com o outro, ele vivia só olhando, pensando: “O que vou fazer com ele?” Ao mesmo tempo a mãe tentava aconselhar: “Não faça isso. Seu primo vai fazer alguma coisa com você se você não parar”. Só que o jovem vivia insistindo, até que certo tempo o marido da mulher resolveu sair pra pescaria. Inventou sair e falou pra mulher: “Prepara algumas coisas, meus mantimentos, que vou sair uns três dias, a gente vai retornar. A gente vai pegar um monte de peixe pra gente comer”. “Tá bom”. E assim saiu. Ele sabe que o primo dele vai namorar com a mulher dele tranquilamente, sem medo, sem dó. No caminho ele pensou muito e pegou pedaço... em geral, no Xingu, quando você entra em algum lugar beirando o rio, tem um pequeno bichinho, um inseto igual lagarta, só que ela fica dentro da água. Pegou daquilo ali, lagartixa, cortou o rabo e amarrou junto. E levou pra pescaria. Ficou pescando por aí e dormiu uns três dias. Dentro de três dias ele pegou bastante peixe. Pra nós, o que é mais importante de ser peixe, pescado, nesse tempo, é peixe matrinxã. No meio da pescaria ele pegou enorme, grandão, matrinxã. Aí ele pensou: “Eu vou fazer esse daqui, vou contaminar esse pro rapaz comer, que está namorando com minha mulher, pra ele transformar como cobra, assim do nada. Ele merece isso, pra eu sossegar. E assim ele falou e conversou com o peixe, com os insetos e o pedaço, o rabinho de lagartixa. Juntou, tirou tripa, abriu e colocou o que ele inventou como se fosse veneno, dentro, junto. Assou o peixe, moqueou o peixe, ficou moqueado. No dia seguinte ele veio embora. Chegou na aldeia aproximadamente quatro horas. E todo mundo ficou feliz com ele. Ele estava carregando um monte de peixe nas costas. A cestaria da gente fica mais ou menos uns cem quilos. Encheu daquilo ali, peixe moqueado, carregando nas costas. O pessoal viu, ficou feliz. Chegou na casa, a mulher atendeu, recebeu o marido na alegria e o marido estava descansando na rede e disse pra mulher: “Antes de pegar o peixe, eu escolhi peixe bem grande pra você, pra nós, pra quando a gente for pra roça, a gente comer na roça. “Onde que está?” “Está lá em cima, pega e guarda pra nós”. “Tá bom”. A mulher foi lá, pegou e guardou e separou um peixe e levou pro centro. Assim que é nossa cultura também: quando você chega da pescaria e você leva um peixe, entrega pro cacique ali: “Cacique, eu fui pescar e vocês comem esse” “Tá bom”. Aí começou a distribuir pra todo mundo, começou aquela alegria e tal e assim terminou. E logo de manhã a mulher fez biju, pegou o peixe, sal e pimenta e colocou na cesta dela e foi embora pra roça. E o marido sabe que um jovem vai atrás da mulher dele, ele não vai junto com ela. Ele falou: “Pode ir, eu estou com frio, pode ir na frente, que depois eu vou lá”. A mulher saiu aproximadamente cinco horas. “E assim que o sol aparecer eu vou atrás de você”. E assim foi. Chegou numa roça, só que o rapaz vivia vigiando, na hora que viu ele foi lá, andou com ela, foi pra roça, trabalhou, enquanto o marido estava na aldeia. Trabalharam ali e até seis horas e a mulher pegou o peixe e ofereceu, começaram a tomar café da manhã reforçado lá na roça e começaram comendo aquele peixe e tomaram mingau, pronto e começaram a trabalhar e ainda o rapaz pediu pra ter uma relação. Aí eles foram pra algum lugar no canto e começaram a ter uma relação e, quando começou a ter ejaculação bem forte, em vez de ejacular direito, começou a tremer e começou a coçar bem no tendão dele e começou a coçar ali, começou a coçar e acaba não ejaculando e começou a parar. E começou a tremer por aí. Aí começou tremendo, aí a mulher levantou, falou: “O que está acontecendo?” “Não sei o que está acontecendo”. Começou a mexer o pé. Nessa hora o marido vinha atrás. Ele sabe que, como ele fez uma armadilha bem boa, ele foi lá enquanto isso, se transformando, estava bem aqui no joelho, virando como sucuri. Foi lá e ele viu e disse assim... costume waura também, ele não faz roça longe da aldeia, fica um círculo de cada. Nossa aldeia é redonda e cada, atrás da sua casa, tem o seu mandiocal pra lá e pra cá, pra lá e pra cá, tudo. E todo mundo que estava na roça e o cara que fez pra ele transformar, ele viu que estava aqui, ele gritou pra todo mundo: “Pessoal, não sei o que está acontecendo com o cara”. Ele sabe que ele que fez. A mulher que contou: “Não sei o que aconteceu com seu primo, está lá deitado, tremendo e está virando como cobra” “Onde?” Daí ele fingiu que não sabe nada o que estava acontecendo. Foi lá e viu. “E agora, o que eu faço?” Ficava só assistindo. Único jeito é gritar pra o vizinho, outro vizinho perguntou: “O que está acontecendo?” “Vem ver isso daqui”. Aí vinha. E assim a notícia espalhou uma roça inteira, todos os outros vizinhos. Era aproximadamente sete e meia e o sol começou a ficar um pouquinho alto, todo mundo foi lá na roça ver o rapaz se transformando em cobra. Foi subindo, foi subindo, foi subindo e quando estava bem aqui no umbigo, deu tempo da mãe chegar lá e a mãe do rapaz falou: “Poxa, eu sabia que seu irmão ia fazer isso com você, eu tentei falar com você e você não me ouviu. Olha o que você está vendo! Você vai se transformar em cobra e você não pode ameaçar picar os seus irmãos. Você vai embora daqui até no rio, você não vai viver com a gente. Some no rio e você vai ser aproveitado, sua energia. De vez em quando, quando o jovem vai entrar em reclusão, eles vão pegar seu rabo e puxam, vão cortar e pode ir embora. E assim a mãe deu uma combinada. E vai subindo, vai subindo, até pegar bem no pescoço, ele começou a fazer o braço assim e a casca virou aqui, cobra e o rosto começou a andar até na mão e, antes de tudo, ele estava chorando, ele fez assim, quando você repara, a sucuri tem uma lágrima aqui. Ele tanto que chora, sujou, está lá na sucuri. E assim o transformou e a cobra sucuri, andando da roça até no rio e desapareceu. E começou essa história quando eu tive namorada a primeira vez, só que, infelizmente, o cara tinha casado rapidinho com ela, acabei tendo relação sempre com ela e até certo tempo meu padrasto me convidou pra pescaria, onde ele contou tudinho essa história. Realmente, isso que aconteceu com a gente. Isso tocou no meu coração, numa época. Se eu continuar enchendo meu primo, capaz dele me envenenar, fazer alguma coisa de errado comigo, porque não é certo a gente ficar fazendo, sacaneando o próprio parente. É falta de ética, é falta de respeito, imoral com nossos parentes. Além dele ser mal falado, eu também vou ser mal falado. Nós três, na verdade. Por isso que foi chocante pra mim e eu acabei lembrando tudo. Essa história não está sendo fácil você mesmo aceitar que sua namorada, casada, ainda te ama. É difícil você falar pra você mesmo. Precisa desse tipo de história pra você dizer pra você mesmo que não é bom. Por isso que foi marcante pra mim. Além de marcante, foi remédio, faz parte da construção de adolescente, pra adolescentes se tornarem como rapazes saudáveis, bonitos e, além de tudo, faz um tratamento no espiritual na construção da vida da gente. Isso que ele resumiu tudo.
P/2 – Nossa, imagina! Essas histórias eram contadas como? Elas eram no fogo, era pela manhã, era pela noite? Tinha algum momento ou era durante o dia a dia? Como era transmitido? E se, do jeito que era transmitido pra ele, ainda permanece hoje?
2:41:40 a 2:42:32 = 52 segundos
R – Sim, é uma maneira, também, de fazer o tratamento na psicologia dos meninos novos, que estão crescendo. Quando o jovem chega na idade, aproximadamente, de 17 a nove anos, a gente conta essas histórias, pra prepara-los. Inclusive a gente, durante o dia, não vai contar história. Porque, se você contar uma história durante o dia, todo mundo está trabalhando, está fazendo outro tipo de atividade. Quando chega a noite, todo mundo está descansando. Em vez de perder o tempo, você tem que encaixar essa história pros meninos, que faz bem pros meninos também. Como ela é antiga história, ela é forte. Se você é fraco, se eu contar a história, daqui a pouco você começa a dormir. Você começa aquele sono bem forte, você não consegue levantar mais dali. E assim que é muito bom pra jovem, dormir nos horários certos. Os jovens dormem, nosso costume ali é oito a dez horas o horário ideal pra o jovem dormir, pra acordar às três horas. Por isso é muito bom. A gente pratica, ainda, isso. Se tiver muito jovem ali, se você não contar história, o que eles vão fazer? Capaz de contar uma besteira ali, dar uma gargalhada. Perda de tempo. Em vez de perder tempo, você vai contar uma história e cala a boca de todo mundo. Todo mundo vai ouvir e até dormir. Quando dormiram todos e você vai falar, aquele que está interessado, mesmo, que está preparado pra receber essa informação, não vai dormir. Ele vai até terminar e quando termina, todo mundo dormiu. “Fulano, você está acordado?” “Não, não, não”. Só está um aí, então vamos parar por aqui. E essa história encaixa super bem nesse tempo. Começa oito horas, até dez, dez e meia todo mundo dormiu e a gente dorme tudo de uma vez.
P/1 – Ainda nesse tema, ia perguntar da mesma maneira, como essa história que ele contou, lindíssima, que o emocionou muito, qual foi a vez que ele, contando alguma pra alguém, transformou a vida da pessoa, que realmente marcou a história que ele contou e ajudou bastante alguém?






2:45:40 a 2:46:29 = 49 segundos
R – Tem a pessoa, não são todas que aprendem também. Entre os meus netos, por exemplo, tenho só quatro, meus filhos só dois que aprenderam comigo. Aprenderam como eu conto a história livremente, só que tem uma história, tem detalhe por detalhe e pra cada área. Por exemplo: como você se tornar como liderança, como você se tornar como caçador, como você se tornar como lutador, como você se tornar como cantor. Essas linhas, quem me pergunta isso são alguns dos meus netos. Maioria só ouve, ouve e depois vai embora. Não dá mais continuidade. Uma das minhas filhas já sabe essa história e meus filhos também. Meus netos já sabem a história. E fazendo o quê? Eles que têm que dar iniciativa também, me ajudar, me perguntar, me entrevistar: “Pra que é isso? Pra que serve isso? Se eu fizer isso, o que vai acontecer comigo?” E assim que eles fazem e rapidinho eles se tornam como historiador também.
P/1 – Como foi que você virou pajé, mesmo?




2:48:06 a 2:50:32 = 2:26
R – Quando eu comecei tem o meu primo que é o pajé. Ele me fez me tornar como pajé no inicial, só que ele fez mal feito o trabalho por mim. Ele só entregou o cigarro: “Pode fumar”. E assim ele falou pra mim. Só que não era bem por aí. E logo de cara ele pediu pra eu fumar muito, eu fumei muito e, despreparo, acabei vomitando, vomitei bastante, passei mal, onde meu primo levantou e falou pra mim: “Você não presta. Você não serve pra pajé”. E assim ele disse pra mim. Eu falei: “Tudo bem”. Só que na mesma hora também aparece um cacique que é um grande pajé, liderança, conhecedor da nossa cultura, veio pedir desculpa de meu primo ter falado isso pra mim. Ele disse assim: “Não fica triste com ele”. O primo só entregou o cigarro pra ele, simplesmente, não preparou: “Deixa eu tornar você como pajé” “Como assim?” “Vem aqui, deixa eu te ensinar”. Pegou cigarro e ofereceu pra ele: “Pode fumar esse cigarro inteiro”. Tem um charuto desse tamanho. “Vai fumando todinho, você vai desmaiar, já vai virar como pajé”. Aí ele caiu na conversa, ficou fumando, daqui a pouco começou a passar mal, vomitar e depois que passou tudo isso o primo dele disse pra ele: “Você não serve pra ser pajé”. Só que na mesma hora tem o tio dele, grande cacique, ____________ [2:52:48] falou pra ele: “Não fica caindo na conversa dele, não é assim que faz pajé. Não sei com quem que ele aprendeu. Acho que ele deve ter aprendido com nossos vizinhos. Não é assim que a gente faz pajé. Primeiro você tem que passar remédio, tem que se preparar, tomar erva doce, erva cheirosa, passar no seu corpo e depois você vai tomando e não vai dar nada. E outra coisa também: como você já tomou sendo nada, mas de todo jeito você já é o pajé. Venha fazer a turma da gente. Você está vendo todos os mais velhos que estão aqui? Você acha que eles vão durar, pra ser duradouro? Não. Amanhã ou depois, vão morrer. Inclusive eu estou tentando entregar meu chocalho pra cada um deles e falam assim: “Eu não tenho condições de cantar, eu não tenho condições de buscar a alma”. Como eles vão saber, se ele não está praticando? Não está dando iniciativa. Então, pelo menos, pra mim você é bem-vindo. Quando a gente fizer um trabalho coletivo do pajé, venha com a gente, aprende com a gente. Você acha que a gente vai viver todo o tempo curando o pessoal? Não. Você acha que quem vai ficar preocupado com seus filhos, quando eles contraírem seres vivos da natureza? Eles vão passar mal. Quem vai remover esses malignos da alma deles? Quem vai buscar a alma deles? E como você vai saber canção? Pra você garantir isso pra nós também não tem, no meio dos mais velhos, nenhum que está interessado, que eu vejo. Venha, é bem-vindo”. E assim acabei fazendo parte deles. Após aquilo ali eu acabei fazendo parte dos mais velhos, desde jovem. Fazendo o quê? Na cultura da gente, quando contrai seres da natureza, veneno, intoxica daquilo ali, é difícil curar. Cura da cidade não cura isso. Pra gente resolver esse problema, tem que reunir todos os grupos do pajé e alguém tem que fumar, olhar o espírito, onde foi pego esses espírito, aí a gente vai buscar um grupo, a gente se pinta e vai embora. E a aldeia toda parada, senão vai atrapalhar a alma. E assim fui participando uma, duas, três vezes e fui aprendendo como buscar a alma, trazer a ama, entregar a alma e dar continuidade pro paciente, dá a erva, faz vapor, essas coisas e fui aprendendo e depois que realmente ele falou pra nós, depois que eles começaram a morrer, eu acabei assumindo, praticando tudo que eu vi que eles faziam. E começar a dar certo. Começar a curar as pessoas. E assim acabei me tornando como pajé.








P/1 – Qual foi a cura mais forte que ele lembra de ter realizado? Alguma história que o marcou?






2:58:49 a 3:01:08 = 2:19
R – Aí ele acaba aprendendo como ser o pajé. Pouco a pouco vai aprendendo, até que chegou no momento, ele viu que estava fazendo alguma coisa diferente de tudo. Até hoje ele é um pajé que cura, mesmo, pessoa.
3:01:46 a 3:02:46 = 1 minuto
R – Antes de tudo acabei sonhando com a mulher velha. Na verdade, eu fiquei doente por um tempo. Antes de tomar cigarro, cigarro fez mal pra mim. Me provocou pra eu me tornar como valer a minha reza, meu remédio. E, naquela hora, eu fiquei doente quase uns nove meses. Depois daquilo ali, pra eu melhorar, eu vi uma senhora trazendo os kits de materiais pra mim, dos pajés, no colo e entregou pra mim. Disse assim: “Neto, está tudo bem com você?” “Está” “Aqui eu trouxe pra você praticar. Amanhã, depois, você vai ficar bem”. Assim acabei pegando, quando acordei eu já tinha melhorado. Só que foi marcado na minha cabeça que um dia alguém ia ficar doente e eu faria todo aquele procedimento e vai responder bem. E assim aconteceu uma vez, o nome da pessoa chama __________ [3:04:09]. Ela é esposa do meu cunhado. Vivia doente muito tempo.
3:04:19 a 3:04:28 = 9 segundos
R – Ele me convidou, era a primeira vez que eu ia começar a buscar alma e trazer e no outro dia a pessoa vai melhorar.
3:04:40 a 3:04:50 = 10 segundos


R – Como eu não fui preparado... quando você é preparado é diferente: eles entregam todos os kits pra você. Só que eu me tornei sozinho e, no meio da minha caminhada, os espíritos me escolheram e acabo me tornando, não tem nada de material. Eu tive que fazer o meu. Tudo que eu vi, aprendi, eu vi no meu sonho também, ajudou a fabricar o chocalho, cigarro, entre outros que a gente precisa pra realizar esse tipo de tratamento. Eu fiz.
P/1 – Como é essa coisa do espírito escolhê-lo? Como é que ele soube que o espírito escolheu?
R – Através de cigarro. Tanto de tomar cigarro, sem nada de preparo. Preparo eu falo: as pessoas que quiserem ser pajés tem um remédio, uma frutinha bem cheirosa. Você vai passando aquilo ali, quando passa, no outro mês automaticamente começa a abrir sua visão. Você consegue olhar tudo, consegue comunicar com a alma de alguém, começa a ler pensamento de alguém, começa a ver tudo que tem dentro da pedra, dentro da madeira, dentro do cupinzal. Você vai ter essa visão e vai prever algumas coisas que vão acontecer.
3:06:28 a 3:06:32 = 4 segundos
R – Eu, na hora, fiquei meio com medo: “Poxa, e agora? Por onde vou começar?”, falei pra mim mesmo.
3:06:42 a 3:06:47 = 5 segundos


R – Bem na hora lembrei a fala do velho cacique pajé, que tinha me orientado e tinha que aprender com ele e guardar isso comigo e a hora que for preciso eu praticaria.


















3:07:00 a 3:07:12 = 12 segundos
R – Eu fui lá e cheguei próximo, peguei todo meu chocalho e comecei a cantar e do jeitinho que eu via, passado, uns velhos e como se posicionar, como ajoelhar, como conversar, como cantar. Tudo isso eu lembrei na hora e acabei praticando do jeitinho que foi feito, quando não era pajé ainda.








3:07:45 a 3:09:13 = 1:28
R – Quando a gente foi fazer esse trabalho, a gente fez, terminou, foi embora pro centro da casa dos homens, esperou, quatro horas depois a gente voltou lá, no grupo dos pajés, pra ver se deu uma acalmada. Quando a gente chegou lá já estava sentada num banco, no meio da casa, não mais deitada. Nessa hora fiquei surpreso com ela: “Poxa, achei que nunca ia funcionar isso”. Já funcionou. Alguma coisa deu positivo, onde perguntei pra ela: “E aí, como é que você está se sentindo?” “Eu já estou bem melhor, muito melhor e depois de todo trabalho de vocês eu já estou bem melhor, eu já almocei, estou aqui propositalmente sentada, pra ver se sinto tontura, dor de cabeça, não tem mais nada, só tem um pouquinho no meu peito”. E assim a gente continuou o tratamento.










3:10:26 a 3:12:46 = 2:20
R – Uma outra coisa também que eu fiz uma cura bem inesquecível: na cultura waura o jovem, a mulher, é comum na nossa comunidade, a pessoa passar mal por causa de paixão bem forte. Fica vulnerável e entra na floresta, se contrai com seres da natureza e começa a passar mal. Não consegue ficar parada. Fica só com aquela ilusão: alguém começar a se aproximar, começar a namorar com ela e às vezes ela começa a ficar enjoada. Toda hora fica namorando com seu namorado, mas não é, é espírito que ela está vendo. E começa a passar mal. Ela não fica parada. E quando a pega, ela fica louca. Corre pra lá e pra cá. Fica com problema de psicologia muito forte. Nessa hora lembrei também a mesma coisa: “Poxa, o que eu faço? Eu vou tentar lembrar tudo que eu vi”. Assim eu fui, convidei todos os pajés, a gente foi lá e a menina estava rolando no chão. Não quer saber de alguém que se próxima dela. A gente pediu... eu não faço essa parte, mas tem outro tipo de pajé que fuma cigarro, entra em transe, vê o que está acontecendo com a pessoa. E assim a gente contratou mais outra pessoa pra ver alma da mulher, o que estava acontecendo. A resposta é que ela nos disse que alguém tomou namorado, então ela está muito perdida na alma, a alma foi pega, está capturada em algum lugar, então vai ser difícil, só se vocês fizerem aquela pajelança, vai melhorar rapidinho. E a menina já estava com sete dias com os problemas. Toda noite gritando, todo o tempo, qualquer hora espírito a atacava e falava: “Está vindo, está vindo, está vindo” e desmaiava. Quando volta ao normal ela começa a sentir dor no corpo, no peito, nas costas, no pescoço, no joelho, no corpo todo. Quando você leva isso pro médico, não consegue identificar o que ela tem. E assim eu lembrei de tudo, fui lá novamente, peguei uma folha que chama ___________ [3:15:47], na cultura de vocês ela é conhecida como negramina. Essa folha eu quebrei, tem um cheiro bem bom, bem gostoso. Eu peguei daquela ali, peguei meu chocalho, peguei meu charuto, peguei a sementinha, quebre toda sementinha, coloquei tudo no meu corpo, pra meu corpo soltar muita energia forte. Ele atrai os espíritos que estão comigo, pra me ajudar. E assim eu fui acreditando que tudo ia dar certo e a menina gritando, desmaiando, sete dias, não é pouca coisa. A menina começa a emagrecer. Só que eu tinha essa consciência, que eu conseguiria isso. Eu fui lá, comecei a cantar de longe, lá próxima da aldeia, entrando na casa e, quando eu estava cantando de fora pra entrar, a menina começou a se acalmar. Se acalmou, pediu desculpas pra mãe, deram banho nela, se acalmou e a gente conseguiu pegá-la e coloca-la na rede. Porque ela ficava se rolando na terra, andava pra lá e pra cá, vivia pulando, puxava cabelo, tudo isso, era uma loucura. Nessa hora tive uma confiança que eu ia conseguir isso e comecei a cantar, fiz todo o processo e fui lá e comecei a abanar tudo com a folha, a menina se acalmou. E começou a suar a menina, significa que já está indo no caminho certo. Se acalmou e cada pajé foi lá, esfregou a mão no corpo e pronto, deixou ali, depois a gente foi embora. Quando a gente voltou, depois de duas horas, a menina já estava bem, já penteou, tomou banho, passou shampoo e tal, já estava bem normal. Já estava indo pra agravar, ia ser pior. E eu sempre lembrei disso, nessa hora falei pra mim: “Poxa, pensei que eu nunca ia conseguir, mas só a questão de seguir todo o roteiro de como fazer o tratamento de alma, vai dar tudo certo”. No outro dia ela pediu que não precisa rezar mais, já estava bem melhor. Depois daquilo ali não precisou mais rezar, acabou. Não precisou mais outra erva, mais nada. Só a questão de você saber disso. E assim eu também curei, teve duas pessoas que marcaram na minha vida, no inicial e o resto não conto. Já sabe que vai dar tudo certo. Por isso que nós trabalhamos dois: um pajé que consegue rezar, expulsar o maligno da alma dos espíritos no seu corpo e tem pessoa que não sou eu, mas outra, no caso, meu cunhado, consegue fumar, desmaia e vê, penetra na sua alma, consegue conversar com sua alma. Pergunta: “O que está acontecendo com você?”, aí você vai explicar muito bem o que você aprontou na sua vida, ao longo dos anos atrás, por isso que você está pagando o erro que você cometeu. Pra reverter esse problema, tem que pegar essa erva, encaminhar pro raizeiro, no caso a minha esposa, pega raiz e faz tratamento de tomar o chá, faz vapor ou às vezes toma, enche barriga, vomita, enche barriga, vomita, pega arranhadeira, arranha o corpo, passa essa mesma erva no corpo e depois de 24 horas está bem melhor. E é isso.
P/2 – Esse ___________ [3:20:15], o cunhado que ele está se referindo é __________ [3:20:21] ou não?












R - _____________ [3:20:23]. Miguel o apelido dele.
P/2 – E o seu Otávio, o que é, dele?








R – É primo dele. Primo irmão que não ensinou direito a ele. Ele não queria que ele aprendesse. Mas automaticamente ele aprendeu. Aprendeu sozinho, meio que sozinho.
P/2 – ____________ [3:20:48]? E como fala na língua pajé rezador, mesmo?
R -

_____________ [3:20:57], aquele que sobra na mão, quando você sente algum lugar, pega ali alguma coisa que está fazendo mal pra você. Pra você dirigir pro raizeiro.
P/2 – Vidente, né?


R – Vidente, isso.






P/2 – Ele não é vidente, só rezador?






















R – Rezador e junto está usando erva também, pra expulsar os espíritos ruins.
P/2 – Vamos passar, então, pra como é que ele se tornou parteiro.
3:21:38 a 3:21:58 = 20 segundos
R – Pra me tornar como pajé foi através do meu sogro. Meu sogro rezador e parteiro. E, como aprendi com ele, eu tenho obrigação de poder assumir no lugar dele também. Junto com ele que eu aprendi.




3:22:18 a 3:22:34 = 16 segundos
R – Porque eu sou rezador e faz parte do trabalho, parteiro também. Como meu sogro é parteiro e rezador, então ele acaba passando pra mim. Também ele previa que um dia ele morreria, deixaria todas as filharadas, pra eu poder ajudar as filharadas. E assim acabei me tornando como parteiro, através de reza e quem me incentivou mais também foi meu finado sogro.
P/2 - O ____ [3:23:10]?


R – Não. _________ [3:23:13].
P/1 – Qual foi o primeiro parto? Vê se ele lembra do primeiro parto.
3:23:20 a 3:23:41 = 21 segundos
R – A própria filha dela, mesmo. Minha cunhada que ajudei e que deu tudo certo.






















P/2 – Que idade ele tinha?


3:23:58 a 3:24:05 = 7 segundos
R – Eu já estava fumando há mais ou menos uns 40 ou 34, 40 e poucos anos comecei essa atividade.










P/1 – Como ele faz o parto? Deve ser bem diferente dos parteiros daqui, né?
3:24:25 a 3:25:15 = 50 segundos
R – Sempre que eu fui convidado, ele diz assim: “Entrou em trabalho de parto, até agora não deu nem sinal aí. Segundo o pessoal dos parteiros fala que está atravessado”. “Tudo bem, eu vou lá ver”.
3:25:35 a 3:26:05 = 30 segundos


R – Antes de tudo meu sogro tinha me ensinado que, quando demorasse a mulher, a menina, fazer o parto, dar à luz, você vai ser convidado, quando chegar lá e falar que está atravessado, não é problema, é só questão de você ajeitar na barriga, fazendo como? Massageando e conversando com a criança, até a criança ficar na posição certa. A hora que você viu que entrou na posição certa, você levanta e fica na frente da mulher. E você começa a conversar com o feto e rezando e chamando, que ele pode vir. E assim, nem demora, ele já desce. E a mulher dá à luz. E assim que é.
P/1 – Qual foi o parto mais difícil que ele já teve que fazer?
3:27:13 a 3:27:31 = 18 segundos
R – Sua tia, esposa do seu primo _______ [3:27:36], esposa que demorou muito. Daí ele foi me chamar.
3:27:45 a 3:27:48 = 3 segundos


R – Eu estava num posto, longe da aldeia. Não sabia que estava em trabalho de parto.
3:27:55 a 3:28:09 = 14 segundos
R – Eu estava a uns 40 quilômetros da aldeia, no antigo posto da Funai. Eu estava lá. E começou de manhã, até a tarde, eles foram à noite, pra vir me buscar.
3:28:26 a 3:28:34 = 8 segundos


R – Meu sogro: “Eu vim buscar você. Sua prima não está conseguindo dar trabalho de parto”.
3:28:42 a 3:28:50 = 8 segundos


R – Na época tinha um carrinho jipe, a gente pegou esse jipe e veio embora. À noite, até meia noite, a gente chegou. Quando a gente chegou, ainda não tinha nascido o feto, não tinha parido ainda.
3:29:10 a 3:29:21 = 11 segundos


R – Onde eu vi lá, estava bem atravessado. Não estava nem a hora do parto ainda. E onde falei pra ele: “Fica tranquilo que vai dar tudo certo, eu vou ajeitar isso, logo ali já vai dar a luz”. “Será?” Só falou assim pra mim, na minha cara. E assim comecei a rezar e a puxar, conversar com a criança, com o bebê.


3:29:56 a 3:30:01 = 5 segundos


R – Demorou um pouquinho, eu consegui endireitar, foi na posição vertical e assim falei pra ele: “Vocês ficam tranquilos, calmos, vai dar tudo certo”. Assim eu levantei, fiquei na frente dela e comecei a chamar.
3:30:21 a 3:30:26 = 5 segundos


R – Primeiro eu tive que usar reza pra que a moça ficasse forte. Tem que ativar a coragem dela. Depois que eu vi que a menina começou a reagir, estava bem forte, levantei, fui pelo contrário, comecei a chamar a criança.
3:30:55 a 3:31:11 = 16 segundos
R – É verdade que onde o pai dela assumiu que ele que estava errado. Não sabe cuidar dos meninos, por isso que demorou muito. Logo que meu pai chegou ali, endireitou ali, sentou ali, um minutinho já começou a abrir a vagina. Eles viram a cabeça, já estava saindo. “É mesmo”, diz que falou. Saiu, foi um pouco longe e começou a chorar. Nem demorou, já desceu, já nasceu criança. Não saiu placenta e tinha que, novamente, me contratar pra fazer esse trabalho, pra chamar placenta. Tem outra reza também.
3:32:14 a 3:32:29 = 15 segundos


R – Assim eu pedi pra moça levantar, encaixar a perna, agachada assim, pedi pra ela ficar calma, eles queriam que eu pegasse a placenta e puxasse, mas pelo contrário, eu vou só conversar, vou ficar só batendo nas costas, descendo minha mão assim e já começa a sair sozinho. “Se você puxá-la é capaz de machucar, arrancar tudo. Você tem que começar a ativar o músculo, para o próprio músculo expulsar. Não estou inventando isso. No passado nosso Criador deixou isso pra nós. Por que eu não posso praticar isso?”, eu ficava falando pra eles. “É mesmo”. Nossa, ficaram impressionados por ter esse trabalho. E assim eu fui revelado no público, que eu sei, que assumi, na época meu finado sogro já tinha falecido e eu acabei pegando esse papel, assumi no lugar dele. Eu fiz o trabalho tranquilamente, sem medo e tudo que eu falei deu certo. E acabei conquistando público.
3:34:05 a 3:34:32 = 27 segundos


R – Mesmo assim muita gente não confiou em mim. Acontece que quando eles tentam deixar, no passado, a menina dar à luz sozinha e ela não consegue, demora, é último caso, se não tem jeito, mesmo, ele tinha que te chamar. Quando eu vou lá, já está na hora. Aquele que me chama antes que já deu um sinal do parto, saiu o líquido ali, me chama, aquele líquido já dá à luz rapidinho. Aquele que não me chama, demora, não confia em mim, na minha pessoa, demora, vai me chamar e, depois que ele me chama, dá e assim vai indo. Quando eles viram que eu fiz uns 20 partos, nenhum deu problema, sempre deu certo, acabou todo mundo acreditando que eu já sei fazer, eu aprendi a reza do parto.
P/1 – Ele conseguiu transmitir esse conhecimento pra alguém? Como ele transmite esse saber? A pergunta, já passando pro campo atual, desses conhecimentos que ele tem de contação de histórias, de reza e pajelança, como é que ele transmite, ensina isso?










R – Lembrei. Ele realmente falou: “Até o momento depende de cada um da minha família. É difícil pra eu poder impor isso pra eles, mas tem alguns; minha filha, meus netos, que aprendem comigo e eles que perguntam. Eu passo tudo. Eu estou à disposição pra eles, só que eles voltam interesse deles, eu não vou obrigar ficar ensinando-os. Eu ensino, dou alguma vezes uma pista pra eles, só que eles não se tocam. Como é que eu vou insistir nisso?” Isso que ele está falando.




P/2 – Vamos, então, pegar a história dele, de como foi o encontro dele com a sua mãe.
3:37:46 a 3:37:56 = 10 segundos


R – Foi pai que pediu, antes dela existir na Terra.
3:38:08 a 3:38:25 = 17 segundos
R – Ele dizia assim pra mim: “Você, meu sobrinho” – quando eu já era uns 12, 13 anos – “único meu sobrinho, que eu confio e a gente, praticamente, cresceu junto. Eu sei quase toda sua vida, seu segredo, tudo, por isso eu peço pra você ter paciência, não casar mais cedo. Eu vou casar primeiro. Eu vou ter a filha e vou fazer casamento pra você”. Ele tinha falado isso pra mim. Ficou por isso, achei que ele estava brincando comigo. Depois ele casou, ele que casou primeiro. Ele é um pouquinho mais velho do que eu. Ele tinha a primeira filha e não deu certo, ficou alguns meses e a menina não resistiu, acabou morrendo. E logo depois veio a minha esposa, que está aí comigo. Depois, o irmão dela, um morreu, ficaram só dois: a mulher e o meu cunhado. Aí ficaram duas famílias, só. E assim a mãe dela tinha falecido, quando estavam todos pequenos ainda. Passado por um tempo ela cresceu, ficou uns dez anos, já e logo o pai foi lá falar de novo pra mim: “Você está vendo? O que eu combinei com você, está lembrado?” “Não” “Falei que ia fazer sua esposa, eu fiz, cresceu, está aí, é sua esposa. Quando se tornar como jovem, você vai casar com ela”. O pai dizia pra mim isso. Ele só combinava, negociava diretamente comigo. Eu, lá, só afirmava: “Tudo bem. Vai fazer isso”. Ainda não pediu permissão do cara que me cuidou, me criou. Meu pai adotivo. No caso, é o marido da minha tia, que virou como meu padrasto.
3:41:57 a 3:42:27 = 30 segundos


R – Depois ele resolveu ir lá falar com meu padrasto, falou pra ele que pediria licença pra ele, pra ele poder conversar coisa boa, não coisa ruim. E assim conversou com meu tio, meu padrasto e falou pra ele que ele tinha interesse de me noivar com a filha dele. Onde meu tio respondeu pra ele que não tem problema. Você que tem as ideias, então vai ser bom, espero que dê tudo certo aí pros dois. “Não, pode deixar tranquilo. Esse combinado não é de hoje. Agora que eu estou revelando isso pra você. Isso já é há muito tempo que eu havia combinado com ele.
3:43:27 a 3:43:33 = 6 segundos
R – À noite, meu tio, padrasto ali, que estava me avisando que ele tinha combinado, eu tive uma conversa com o meu tio.
3:43:49 a 3:44:14 = 25 segundos
R – Aí eu só respondo assim: “Pois é, já tem tempo que meu tio havia falado pra mim, achei que ele estava brincando. Ainda insiste falando isso?” “Sim, ele falou hoje pra mim. Por isso que eu estou falando, avisando você. Não sabia que já vinha conversando com você”. “Ele falou umas duas, três vezes comigo desse jeito, mesmas palavras” “Vocês se entendem, então, está tudo certo”.
3:44:46 a 3:45:10 = 24 segundos
R – Daí acaba falando assim: “Então, a partir de agora, você é noivado com ela e, na nossa cultura, a gente pede noiva pra você compartilhar como cuidar dela também. A partir de agora você vai cuidar como adulta dela. Não tem relação, mas objeto, materiais, você vai pescar, você vai derrubar roça, vai ser como adulta. É isso que ele quer com você”. Assim que ele disse pra mim.
3:45:55 a 3:46:15 = 20 segundos


R – Aí ele falou pra mim também: “A partir de amanhã, você tem que ir buscar lenha, na verdade vai rachar lenha e vai fazer uma lasca, vai amarrar amarrado um monte de lenha, vai transportar lá da roça até aqui na aldeia e você vai entregar tudo pro seu sogro e, através dele, ele vai oferecer pra cada parente dele de segundo grau, quem vai assumir junto com ele, pra você ser o genro dele. Aquele que vai receber a lenha vai respeitar você; aquele que rejeitar a lenha, não vai te respeitar. Através disso você vai saber quem vai ser seu sogro, consideração, que vai te respeitar e respeito, pra nós, é não chamar nome, ajudar se alguém tiver alguns materiais, arco e flecha, remo, canoa. Ele vai dando presente. Essas pessoas que vão receber sua lenha que vão ajuda-lo também, presentear você o resto da sua vida”. Assim meu pai falou pro meu tio e meu pai falou pra mim.
3:47:53 a 3:48:48 = 55 segundos


R – Amanheceu, eu fui pra roça, trabalhei durante o dia, no outro dia juntei toda a lenha, entreguei na porta da casa dele, estava cheio de lenha amarrado, eu falei pra ele: “Eu trouxe a lenha pra você” “Tudo bem”. Ele que entregou pra cada casa de primo, oferecendo: “Eu trouxe sua lenha”. E aquele que rejeitou significa que não quer ajuda-lo também, futuramente. Dar presente pro genro do seu avô. Disse assim. O outro dia foi pescar também. Nesse tempo a gente usava só arpão, não existia anzol ainda. Só a flecha que tinha. Aquela ali que eu usava.






3:49:50 a 3:49:55 = 5 segundos
R – Eu pegava um monte de peixe e tem costume da gente que começa a escolher uns dez amarrados de peixe cada e tinha, sempre, geralmente, na época, pegava quatro amarrados de peixe. Um eu levava, oferecia pra minha noiva.
3:50:24 a 3:50:32 = 8 segundos
R – E assim o meu sogro começou a comer peixe toda vez que eu pescava, levava pra ele. Eles comiam coletivo.
3:50:46 a 3:50:51 = 5 segundos


R – Era apenas uma prova pra mim, um teste pra ver se eu tenho condições de cuidar da mulher.
3:51:01 a 3:51:29 = 28 segundos


R – A filhinha fez todo mingau de biju e fez biju também e levou pra mim, lá e me entregou dizendo: “Meu pai pediu que você fosse lá derrubar a roça. Ele roçou ali, só roçou e precisa ser derrubada. Você precisa ir lá”. Quando eu fui lá estava toda madeirona grosa, assim, tive que derrubá-la com machado.
3:52:00 a 3:52:20 = 20 segundos


R – Fez uma derrubada durante o dia, no outro dia, no outro dia, uns três dias trabalhando direto, consegui terminar rápido. Ele já viu, o sogro, que ele já é capaz de ter todo o trabalho, comportamento, trabalhador, pescador, caçador, fazia de tudo e então ele já provou para o sogro que vai ser o ideal marido da família. Assim foi. Deram a maior dificuldade pra mim. Uma questão de cultura, pra você provar que você nunca vai separar dessa menina. Você não vai judiar da menina. Por isso que deram toda essa atividade pesada, tive que provar, fazer de tudo e assim eu acabei conquistando ainda meu sogro. Minha noiva não sabia ainda o que era o mundo de casamento. Só apenas o sogro, ainda. Olha só! Não é fácil.
3:58:25 a 3:58:30 = 5 segundos
R – Depois que ela cresceu entrou em reclusão, saiu.
3:58:33 a 3:58:41 = 8 segundos


R – É nossa cultura que eu estou passando pra vocês. Quando a menina menstrua pela primeira vez, ela fica paralisada ali e entra em reclusão. Logo ali também o pessoal, os primos dela foram me pegar como se eu tivesse menstruado também. Segundo nossa tradição, quando a menina menstruou, o jovem, o noivo, futuro noivo, é pego também, ele vai ser amarrado em cima da rede dela, fica ali, só pra figurar. Ele fica de jejum por um tempo, junto com a menina. Assim que eu passei. Dali que começou o processo de casamento legítimo na nossa tradição. Foram buscar a rede, amarraram em cima da rede dela, pra eu passar fome junto com a futura minha esposa. Começou de manhã, ficou deitado ali sem falar nada com ninguém até a noite. Você não toma água, não bebe, você não pode nem mijar também, pra você sonhar bem, pra você ver seu futuro junto com sua esposa.












4:01:54 a 4:02:10 = 16 segundos


R – Se vocês vão se dar bem ou se vocês vão meio como se fosse mancando até no final, vão se ajeitar ou vai separar. Logo ali você vai ver esse sonho ruim. E assim que é. No amanhecer, às sete horas, chamam a aldeia inteira pra ir lá oferecer o remédio de 20 litros pra gente beber e vomitar, beber e vomitar. Ao público. Todo mundo vai nos assistir. E assim nós fomos pegos de novo, carregados no colo, no braço e deixados, eles prepararam uma cerca, um quarto próprio pra nós. A gente não vai comer qualquer coisa. A gente vai comer só caça, menos peixe. Essa é nossa tradição. Um mês depois e o pai dela vai pescar, fazer um monte de moqueado, pra oferecer pra todo mundo, convidar todo mundo e, no meio, nós vamos ser apresentados e vai ser oferecido peixe de volta. Moqueou, ele veio embora pra aldeia. Ele foi lá antes de amanhecer, às cinco horas: “Pessoal, hoje, vai ser a coisa mais importante: eu vou devolver o peixe novamente pra minha filha. Já tem tempo que ela não come peixe. Agora é o momento de vocês virem fazer cerimônia e dar peixe de novo, novamente, pra ela. E assim todo mundo enche ali na sua casa. Enquanto isso... por isso que estocou os peixes, guardou, moqueou, estava cheio de peixe ali, pra atender toda sua festinha.
4:05:04 a 4:05:22 = 18 segundos


R – Eles pegam o tachinho que faz biju, desse tamanho assim, no mês pega carvão aceso, pega pedaço de biju e folha de pequi. Junta tudo ali e depois você é convidado a ficar próximo da fogueira e o peixe. Vocês dois ficam juntos lá.




4:06:00 a 4:06:35 = 35 segundos
R – Na conversa, na reza do cara, tem especialista nisso também, no caso o ancião da comunidade, vem, pega esse material de pedaços de peixe, folha de pequi, biju, junta, esquenta um pouquinho o que está ali e coloca aqui, começa a espremer aqui, como se tivesse pra segurar o seu corpo, sinalizando que eles têm que estar apertado no seu corpo, preparado seu corpo, vai comer peixe de novo. Se você não passar por isso, segundo nossa tradição, capaz de você pegar envelhecimento precoce. E você ficar bochechudo, barrigudo. Por isso que tem que esquentar, colocar aqui e aqui e na barriga e assim termina a cerimônia.
4:07:44 a 4:07:54 = 10 segundos
R – E assim não seja mais carregado. Apenas só nos levantou, a gente andou, está livre, já. Vão embora. Pegou pedaço de peixe ao público, só colocou na boca e jogou pra trás. Na conversa do ancião disse assim: “Esse daqui vai consumir você, pra você não fazer mal pra ele. Aqui já fez tratamento completo, estamos encerrando aqui. Está pedindo permissão de você voltar a consumir a comida normal da aldeia. E assim que foi.
4:08:41 a 4:09:01 = 20 segundos


R – Eu saí, fui levado pra casa do meu tio e minha tia. Já nos separamos, porque ela continuou em reclusão. Eu saí da reclusão e, como eu já tinha passado pela reclusão, ela não passou ainda, ela continuou lá. Eu saí. Pode tomar vários tipos de ervas e passar alguns anos pra ela se tornar uma jovem forte. Eu continuo cuidando dela. Como? Pescando, fazendo cestaria pra ela, dando algumas frutas, de vez em quando, caça e pesca, tudo isso que eu estava tendo uma relação, construindo relação, demonstrando pra ela que eu gostava dela. E assim ela também fazia comigo. Fazia algumas coisas que ela sabe fazer, de presente, ela me presenteava também.


4:10:12 a 4:10:45 = 33 segundos


R – E ficou alguns anos e o cacique não gostou. Ele foi aplicar uma regra. Tem uma regra certa pra esse tipo de coisa também. Por exemplo: meu tio estava exagerando muito, deixando muito minha esposa ficar na reclusão por um tempo e o cacique não gostou, meu tio também e ele foi e chamou atenção do meu sogro, falou pra ele: “Poxa, quem contou essa regra que você está deixando longo tempo. Aquela pessoa, noivado, não demora tanto. Leva dois, três anos, entrega logo, o rapaz está ali esperando”. Na reclusão a menina deixa, não corta a franja, fica até aqui. Na hora eles cortaram franja pra ela se apresentar no público, pra ter a festa e pra acontecer o casamento.
4:11:56 a 4:13:11 = 1:15
R – Depois que vai acontecer a festa, durante o dia era a minha festa, até encerrar a festa, lá pras quatro, cinco horas, de tardezinha terminou e minha mãe participou de toda festa, eu também participei. Eu estou falando da minha mãe, da esposa. Aí, à tarde, meu avô pediu pra primo dele fazer cerimônia de casamento. Convidou os dois primos pra pegar a rede da casa do meu pai e atravessar no meio da aldeia um tipo de cerimônia. Vai andando, junto com a rede, no braço, até ir na casa do meu pai, na casa da minha mãe e amarrou rede junto. Na hora eles conversam com o pai dele e o tio dele fala assim: “Estamos fazendo esse casamento de uma forma legal e acontece que sempre não dá certo isso. Certo seria se gostar, se apaixonar, mas não é certo pro nosso futuro também. Certo, a gente fez isso, porque, como eles são a linhagem do cacique, pra não se perder esse caminho, a gente tentou valorizá-los, mostrar para os meninos que os filhos deles sejam isso também” O tio dele falou: “Tudo bem, acontece. Vamos dar o casamento. Importante que vamos tentar fazer o nosso jeito de ser e vai depender deles e resto a gente não vai se meter mais nada. Eles que vão decidir. Pelo menos a gente fez a nossa parte: cerimônia, o processo todo, agora está entregue para os dois”. Assim que o meu tio disse. Meu tio também disse assim pra mim: “Realmente foi eu que provoquei já há muito tempo esse casamento, pedi pra ele. Não sei exatamente qual vai ser o perfil dele, se ele vai ser briguento, se ele vai ser fofoqueiro, se ele vai ser preguiçoso. Vamos ver o que vai acontecer”. Eu e o pessoal que levou minha rede, que passou tudo isso pra mim, pra eu estar preparado. Meu sogro achou que eu ia maltratar a filha, eu ia falar mal dele, mas não foi nada. Como eu passei por todo processo, foi difícil chegar até na altura certa. Eu dou valor pra isso. Não é fácil você passar sede durante o dia, passar fome durante a noite, sem comer. Então, tudo isso passou na minha cabeça, eu não quero nem maltratar a minha mulher. Quando a gente se casou, nos demos bem desde aquela vez e nunca brigamos. Porque a gente lembra que a gente sofreu junto. Que faz parte do nosso costume, de construção, preparar, sabendo que essa sua mãe não é nem minha namorada. Eu nem a conhecia e a gente acabou se conhecendo só quando a gente entrou em reclusão. E assim que foi meu casamento.






P/2 – Ele se tornou liderança, pajé, rezador, parteiro, contador de histórias, um dos maiores, profundo conhecedor dessa cultura que é milenar, uma das culturas originárias do __________ [4:17:57], tudo isso significa que ele é um homem sábio nessa cultura. Como homem sábio, qual a mensagem que ele teria pra cultura do branco, a nossa cultura?
4:18:18 a 4:19:06 = 48 segundos
R – Eu tenho uma mensagem curtinha pra vocês. Eu sei que vocês tinham passado, tradição igual a nós. Vocês, no meio de arrogância, ganância, egoísmo, tomou conta de vocês e vocês se perderam por aí. Vocês precisam aproximar mais, porque esse tipo de pessoa tem conhecimento completo ainda e vocês são bem-vindos pra poder compartilhar e aprender com a gente.


P/2 – Eu tenho uma pergunta de fechamento, mas ia pedir só pra ele dar uma selada, porque vocês abriram contando essa história tão forte, cara. Se puder contar essa história de quando ele te passou esse colar que você está usando.
4:20:20 a 4:22:20 = 2 minutos
R – Esse colar, na época, quando o sarampo massacrou minha família, onde meu avô acaba não escolhendo mais a pessoa certa pra ficar com esse colar, acaba ficou rodando por aí, até que eu cresci e meio fui pegá-lo pra me cuidar. Eu sabia que um dia eu ia ter alguma família e um deles tem que herdar isso e assim eu o tomei de volta já há alguns anos. Eu fiquei com ele, não o usei. Os outros, meus tios, não queriam que eu fosse como cacique também.

Mas só que eu fui esperto, eu sabia que eu ia ter filho e acabei guardando e guardei muito tempo comigo, até que meu filho nasceu e eu falei: “Poxa, eu vou ter filho”. O primeiro que cresceu não me obedeceu, eu só o liberei e depois que ele também cresceu, ele quase não me ouviu também, ele acabou aprendendo comigo, ele que está com esse colar e assim o irmão dele vai ter também. Eu também tenho um irmão caçula, ele tem 20 anos, está na hora também dele conseguir matar a onça e vai receber também. Os dois meus filhos vão receber. Um recebeu e o outro vai receber também. Não é qualquer um que recebe esses tipos de colares, porque é uma vergonha pra nós se a gente ficar oferecendo pra qualquer um que não tenha conhecimento, não atenda o perfil, o comportamento de ser e o nosso representante, porque não é qualquer um que usa isso daí. Quando você vê a pessoa que está com esse colar, você sabe que ele tem uma história completa, só assim que ele representa. Porque onça você não pega qualquer hora. Não é peixe que você vai pescar e pega ali. Não tem isso. Pega uma vez na vida. Só de vez em quando. Duas, três gerações pega mais uma. É assim que é. A gente não mata, a gente respeita a onça também. Ela apenas faz uma representatividade e a pessoa que tem conhecimento profundo que tem esse colar.
P/1 – E, pra fechar, queria perguntar como é que... agradecer profundamente, mesmo, ele ter disposto vir pra cá contar sua história e perguntar como foi pra ele contar essa história e qual que ele acha que é a importância de se preservar a história de pessoas como ele, dos antigos?
4:25:46 a 4:26:34 = 48 segundos


R – Eu digo aqui pra você, que está começando agora, você é jovem e espero que você a arquive muito bem em algum lugar pra durar pra sempre, pra nova geração que virá também. A gente não sabe, daqui pra frente, porque no tempo que a gente passou, quase a gente foi exterminado. Por isso que eu não tenho garantia desse conhecimento e por isso que eu fico muito feliz, por estarem, você também estar disposto a nos ajudar a arquivar esse conhecimento tão importante. Uma vez que a gente vai perder isso, a gente nunca vai pra onde recuperar esse conhecimento e, no final de tudo, espero que deixa uma porta aberta pra um primeiro, segundo, terceiro, até sétima geração ou mais geração que tiver, um dia souber que tem um arquivo aqui, bater à porta, abre a porta pra ele. Pergunta a ele, não precisa ficar colocando a dificuldade pra acessar o que eu estou arquivando aqui, pra eles, pra nós.
4:28:13 a 4:28:40 = 27 segundos


R – E vai ser muito pra ser roteiro. Apesar que eu não estou contando tudo aqui, pelo menos vai ser como roteiro pra eles, pra quando eles baterem à porta de vocês, vocês falarem pra eles: “Está tudo aqui”. Entrega logo aí, eles que vão se virar aí e têm que pesquisar profundamente, pra eles entenderem. A gente não sabe até quando que vão ter esse conhecimento completo. A gente vai morrendo e vai se apagando tudo. A gente não é igual vocês, que fica tudo guardado em algum lugar. Não tem isso. Se tivesse isso eu não estaria preocupado com isso.




































P/1 – Então, só pra despedir, é importante preservar pra gerações indígenas, do seu povo ter acesso a esse conhecimento?








R – Isso. Ele fala do bisneto, tataraneto que vier bater à porta, seja aberto pra ele. Perguntar: “É verdade que meu avô fez entrevista aqui? Guardou alguns pedaços de nossa língua? “Sim, está aqui, está tudo aqui”. Vocês só entregam pra eles, pra eles estudarem e entenderem como é a história, pra eles aprofundarem naquela área que eu resumi e contei aqui pra você.
P/2 – Eu acho que não significa que ele não está dizendo que também é interessante pra nós a memória de vocês, pra gente aprender coisas. É que ele está dizendo que a maior preocupação dele em registrar é justamente vocês, que estão ameaçados de perder. Não é isso, se eu entendi bem?
R – É. Isso. Daí, por isso que ele falou, eu esqueci de traduzir também, ele diz assim: “Que isso não seja guardado bem fechado em algum lugar esquecido, seja aproveitado, seja livre, porque quem tiver interesse em aprender esse tipo de história, passa pra ele. Pode levar a algum lugar, qualquer lugar do mundo. Isso que ele está querendo dizer, com isso.










P/2 – Queria só mandar um presente pro Jonas agora. Fala pra ele, resumidamente, contar a história do fogo.
R – Beleza, está bom. A história do fogo, na época...
P/2 – Não, pede pra ele.
4:31:27 a 4:31:46 = 19 segundos


R – Na época que não tinha fogo, nosso Criador tinha. Ele queria que tivesse, pegasse de outro lugar, pra ele nos dar esse fogo. Na época a gente consumia o peixe cru, caça cru, a gente colocava no braço, por isso que tem uma temperatura um pouquinho aqui e aqui e aqui que a gente assava, só que não assa nada, só esquentava ali. Por isso que axila, aqui entre o pé é quente, era nosso fogo.




4:32:37 a 4:32:40 = 3 segundos
R – E o sol não gostou.


4:32:44 a 4:32:47 = 3 segundos


R - ___________ [4:32:47] em favor dele. “Onde a gente pode... eu estou ficando triste com a minha geração, eles estão sofrendo, ficando tristes, comendo cru, é feio”. “É verdade. Por que você não vai para o seu avô?” “Quem é esse cara, o tal do meu avô? Ah, a raposa que tem fogo. Onde é a aldeia dela?” “Você quer que eu conte pra você” “Sim, claro, você deve contar”.
P/2 – Esse é o sol?
R – O sol e a lua.




P/2 – Falando com o queijo, né?
R – É. O sol e a lua e o sol falou pra lua e lua devolveu pro sol: “Vamos perguntar do nosso avô”. Foram perguntar do avô ________ [4:33:54] devolveu pra eles que tem a tal de raposa que tem fogo e perguntou: “Onde está a aldeia dele?”
4:34:04 a 4:34:17 = 13 segundos


R – E ele sempre desafia o seu neto. Em vez de apontar certo, ele fica apontando pra lá e pra cá e fica confundindo e para o céu ou para no chão. Ele fica doido, assim, procurando onde está. Ele falou pros dois: “Presta atenção onde ele vai parar”, mas ele para em algum lugar, mas não é.
4:34:43 a 4:34:53 = 10 segundos
R – “Não sei pra onde que ele aponta” “Você não prestou atenção onde ele parou?” “Eu sei que ele parou aqui, mas não sei se está aqui ou aqui que ele parou”. Tudo bem.






4:35:05 a 4:35:09 = 4 segundos


R – “E o senhor falou que teu irmão ______ [4:35:12]” “Faz cigarro aí e assopra. Vai assoprando e você vai encontrar”.
4:35:19 a 4:35:23 = 4 segundos
R – Ele tem fósforo, já. Fogo, já. Pegou, acendeu, começou a assoprar fuuuuuuuu, onde ele apontou, se espalhou.
4:35:40 a 4:35:54 = 14 segundos


R – “Onde é que está?”
4:35:55 a 36:05 = 10 segundos


R – Começou a assoprar e começou a fazer redemoinho. Vrummmmmm embora pra lá. “Ah, está pra cá. Está vendo?” - falou pro irmão dele -

“ele apontou pra cá e ele está pra cá”. E assim eles começaram a seguir naquela direção.






4:36:25 a 4:36:30 = 5 segundos


R – E a lua falou: “Vamos caçar na floresta, até chegar lá” “Como é que nós vamos ficar? O que a gente precisa fazer?”, falou pro avô dele, _____ [4:36:47]. “A gente vai caçá-lo” “Tudo bem. Nessa hora, nesse tempo, ele tem costume de armadilha de peixe. Ele sempre vai lá e acende fogo, come peixe. É lá que vocês têm que espera-lo”. “Onde?” “Pra cá”. Ele começou a assoprar o charuto, começaram a seguir, vai assoprando, vai andando, vai um pouco longe, ele começou a assoprar pra cá, pra cá e assim vai indo, até chegar.
4:37:29 a 4:37:41 = 12 segundos


R – Diz que foi algum lugar, foram lá e faz um tipo barraginha e coloca armadilha que pega peixe. É madeirinha que ele faz, fininha, a armadilha, coloca, o peixe acha que ele vai entrar no buraco que ele barrou e entra nesse canal e, no final, fica fininho. E o prende e pega peixe. Peixe morre. É assim que é a armadilha dele e foram lá e adivinharam andar na floresta, até chegar na beira do rio e bem na ponta da barragem dele tinha uma ilhinha bem bonitinha. E lá que sempre acendia fogo.
4:38:38 a 4:38:46 = 8 segundos


R – Chegaram lá antes dele chegar. Ele viu, examinou tudo, viu um sinal onde tem uma fogueira, andou, viu que tem barragem, está cheio de armadilha, está cheio de peixe também.
4:39:04 a 4:39:33 = 29 segundos
R – Eles foram andando na tipo barraginha que ele fez, tinha vários peixes que ficaram todos presos na armadilhinha. Pegou aquilo ali e jogou, pra ficar sem. No final da armadilha ele diminuiu seu tamanho, virou como caracol e entrou na armadilha pra enganá-lo, ficou bem pequeno, assim. No outro lado ficou um tipo de peixe muito liso, bem pequeno, nossa região tem, não sei o nome certo, a gente o chama de ________ [4:40:18]. Diminuiu o tamanho dele também, se enganou esse peixinho e ficou lá pra enganá-lo quando ele vir e assim deixou e ficou sem peixe, só está ele. Fica do outro lado e do outro lado o irmão dele, o esperando.
4:40:42 a 4:41:25 = 43 segundos


R – Logo que desceu na água o que está na ponta tinha um caracol e ele tentou olhar ali, não tinha mais nada, até no final, tinha outro peixinho também, só tinha dois. Achou que não tinha peixe, mas eles tiraram e jogaram, pra não ter nada e pra ficar somente os dois, ele e o irmão dele do outro lado.






4:41:53 a 4:43:13 = 1:20
R – Ele pegou e juntou. Só tinha dois: um peixe e um caracolzinho. Ele foi lá, acendeu o fogo, estava aceso o fogo, ele pegou esse peixe liso e colocou na fogueira. Ele começou a pular, pra lá e pra cá, até apagar fogo. Pegou e guardou lá ainda, juntou fogueira, tentou colocar ali também, ficou a mesma coisa, começou a pular pra lá e pra cá, até começar a diminuir o fogo ali. E começou a apagar carvão. Poxa, ele ficou chateado, pegou, queria acertar na madeira a árvore ali e, como ele também é inteligente, ele só rezou. Erra, erra, erra, erra, errou madeira ali, a árvore ali, só devolveu na água, tchuf, foi embora, aí pegou o outro caracol, a mesma coisa. Ele tentou colocar ali, começou a soltar água. Daí começou a apagar. Pegou e guardou ainda. Acendeu fogo, quando está aceso, tentou colocar lá de novo, ficou a mesma coisa, pegou, guardou. Pegou várias madeiras bem grossas, pra ficar temperatura alta, quando está abaixando, bem boa ainda, colocou lá e ficou a mesma coisa, começou a soltar água e começou a apagar. Poxa, que peixe é esse? Pegou, ficou a mesma coisa, errou, caiu na água o caracolzinho, daqui a pouco ele aparece do nada, ele vem conversar com ele.
4:45:10 a 4:45:15 = 5 segundos


R – Juntou de novo o fogo dele e, quando voltou ao normal, estava todo grande, estava aceso, os dois apareceram, os dois irmãos.
4:45:25 a 4:45:29 = 4 segundos


R – “Vô, o que você está fazendo aí?”
4:45:31 a 4:45:34 = 3 segundos


R – “Eu vim ver minha armadilha, o ___________ [4:45:38] que está todo aqui” “Não tem nada” “É mesmo? Não era assim. Sempre encheu. Se tivesse peixe aí a gente ia almoçar. Eu vim pronto pra almoçar” “Só tinha um peixe disso aí e o caracolzinho. Ele fica apagando meu fogo aí, fiquei chateado. Perdi paciência, joguei e devolvi na água. A mesma coisa do outro. Ele acaba mijando, quase acabou com meu fogo. Eu fiquei chateado com ele e o devolvi na água. Na verdade, ele está falando com ele mesmo. Eles ficavam rindo da cara dele” “É mesmo, vô? Senão a gente ia compartilhar almoço com você, não é, não, vô?” “É verdade. Desculpa, não tenho nada aqui” “Tudo bem. Meu vô, você arruma o fogo pra nós?” “Sim. Você está precisando?” “Sim. No meu povo eu tenho uma criação de uma nova geração que estão sofrendo, não têm nada de fogo, não têm como se alimentar, por isso que a gente precisa muito disso”. “Sim. Não, tudo bem, tranquilo. Vamos fazer o seguinte: você pega outro material de fogo, coloca aqui, a hora que pegar muito bem, você pode levar”.
4:47:45 a 4:47:53 = 8 segundos


R – Pegou o talo de buriti é leve, fácil de pegar fogo e apaga fácil também. A hora que colocou ali só pegou e pá, subiu.
4:48:11 a 4:48:21 = 10 segundos


R – Ele pegou esse talo de buriti, colocou em cima do fogo e começou a subir fogo, tudo alto e quando estava alto ele tinha amarrado dois, era do sol e do _______ [4:48:37]. Dos dois irmãos e a lua. E colocou ali e enganou a raposa, que achou que ia pegar o que estava fraco e ele vai pegar tudo o que está forte. Por exemplo: o talo de buriti apaga fácil, então não pode pegar daquele. Aí o enganou e, quando está aceso ali, ele pegou aquele ali, coração. “Eu vou ficar com esse daqui e você pode ficar com esse daqui” “Não, tudo bem, pode ir, tranquilo, eu tenho bastante fogo aqui” “Então vamos embora” “Pode ir”. Enquanto o fogo estava muito alto. Quando estava um pouco longe, porque ele estava rezando pra ficar aguentando, quando ficar ao longe, começar a apagar de vez. Quando estava um pouco longe, ele começou a diminuir e acabou de vez e aí só tinha o carvão ali que estava bem aceso. A hora que acendeu, ele só pulou ali, foi embora pra lá e espalhou todo fogo ali e apagou de vez. “Nossa, que coisa! Como eu vou viver sem fogo? Eu vou buscar com eles lá”. Quando eles estavam correndo, fugindo, ele começou a correr atrás dele, alcançar. No meio da estrada ele alcançou: “Netos, para ainda, escuta eu, para” e parou. Assim eles pararam. Ele foi lá e conversou com eles: “Me devolve pelo menos uma parte aí, você já pegou tudo, me devolve um, pelo menos?” “Sim, não vou devolver pra você. Eu fiz uma nova geração, estão sofrendo, você nem imagina. Pra isso que eu estou procurando e você não vai ser mais dono, quem manda agora sou eu”.
4:51:22 a 4:51:42 = 20 segundos
R – “Eu vou pegar esse fogo só quando chegar no tempo de agosto, setembro, julho e nova geração vai tocar fogo no campo, vai queimar tudo ali. Onde tiver madeira seca, ele vai queimar. Durante a noite ele vai ficar aceso, ali que você vai se esquentar” “É assim? Entendi”. “Porque ele tem medo dos dois irmãos gêmeos. Então tá bom, o combinado vai ser isso: só quando nova geração tocar esse fogo, você vai aproveitar. Só naquela época. Quando tiver chuva, você não vai ter nada. Tem que esperar no outro ano, que você vai esquentar. Está bom. Pode ir, pode levar”. E assim eles foram, não devolveu mais. Foi, chegou no avô dele e mostrou: “É esse, mesmo?” “É, isso, esse é bom. Pode levar pras suas criações, que você acabou de colocar na Terra, uma nova geração, seus filhos” “Então vamos, irmão”. E foram.
4:53:40 a 4:55:00 = 1:20
R – Assim foi com seu irmão e chamou uma reunião grande e entregou pra todos os caciques e explicou como deve ser cuidado e não pode apagar e sempre cuidar do fogo. Se apagar tudo eles pegaram a técnica com ela também, com a raposa. Se apagar de vez o fogo: acidente, choveu, a criança vai brincar quando vai jogar água e vai apagar, o que vocês têm que fazer? Pegar o próprio material da flecha, o talo de flecha, racha toda ela, amarra tudo juntinho, pega algumas madeiras exclusivas e um galho de urucum bem compridinho, pode esfregar na flecha, vai furando até o meio, em algum momento ele vai descer, o fogo. Pega esse fogo e coloca algumas coisas, por exemplo: algodão, em cima dele você começa a assoprar um pouquinho, um pouquinho, um pouquinho e todo o pó que ele soltou vai enrolar junto e vai pegar fogo e assim você vai ter novamente fogo e nunca vai apagar e você vai cuidando. A hora que apagar fogo, vocês têm que fazer dessa forma. Combinado? “Sim”. E assim todo mudo teve acesso de fogo, não pode pagar. Se apagar, tem que pegar flecha, tem que trabalhar muito a esfregando, até soltar o pó e demora um pouco também e sai fogo. Isso tem que saber lidar com ela e colocar algumas coisas pra pegar mais fácil e você pega de volta fogo. E assim todo mundo não comeu mais cru. Eles conseguiram cozinhar, fazer uma roça, a ponta da flecha, a canoa e isso foi fundamental pra suprir toda a nossa necessidade. E assim foi. (risos) Essa história não foi inventada.




4:57:55 a 4:58:10 = 15 segundos
R -

A gente não tem igual vocês: gravamos, desgravamos. Não tem isso. Só a pessoa que é muito, muito inteligente que grava isso na memória e sai contando isso e assim ele vai praticando.