Museu da Pessoa

Não quero ser esquecido

autoria: Museu da Pessoa personagem: Francisco Edmar Cialdine Arruda

P/1 – Edmar, você pode começar falando seu nome completo, local e data de nascimento?

R – Meu nome completo é Francisco Edmar Cialdine Arruda, eu nasci em nove de abril de 1980, em Sobral.

P/1 – Até quanto tempo você ficou em Sobral?

R – Na verdade, em Sobral, eu só fiz nascer, a minha família toda é de uma cidade vizinha de lá, Massape, e ai, eu morei por lá, praticamente a primeira fase da minha infância, meus pais vieram pra cá, quando eu era pequeno, com a minha irmã mais velha e eu fiquei lá, ainda um tempo mais com a minha avó. Ai depois, que eu vim pra cá.

P/1 – Como que é o nome do seu pai?

R – Mario

P/1 – Mario?

R – Mario de Nazaré Arruda

P/1 – E da sua mãe?

R – Eugênia Célia Cialdine Arruda

P/1 – O quê que o seu pai faz?

R – O meu pai, ele atualmente, ele trabalha com transporte, transporte de criança…

P/1 – Mas na época, ele fazia o quê?

R – Na época… já trabalhou de tanta coisa, mais fácil perguntar o que ele não fez, mas eu acho que na época, ele trabalhava com almoxarifado, armazém, uma coisa assim do tipo

P/1 – E a sua mãe?

R – A minha mãe é funcionaria pública do estado

P/1 – Ela já era lá, quando você nasceu?

R – Não, acho que não, acho que ela foi se tornar funcionaria depois que eu nasci, ai trabalhava lá e ai, conseguiu transferência pra cá, porque o meu pai já tava morando aqui

P/1 – Em quantos irmãos vocês são?

R – Somos três, tem a mais velha, né, eu sou o do meio e tem a caçula

P/1 – Como que era a sua casa de infância?

R – Era enorme, era aquela típica casa do interior que… sabe, que… enorme, enorme! A casa da minha vó, era um casarão grande, um quintal enorme, porque no quintal tinha criação de gado, tudo, eu não cheguei a ver a criação de gado, porque o meu avio faleceu antes de eu nascer, né, mas era uma casa enorme, com o teto bem alto, ah, toda vez que eu lembro dela eu só penso em uma mansão, de tão grande que ela era pra mim, sabe? E uma das coisas interessantes lá, é que tinha uma parte da casa, né, logo no inicio, que tinha uma escada e tinha uma espécie de segundo andar dentro da casa, andar de cima e os degraus eram bem pequenos e uma das minhas diversões de infância na época, era tentar subir escondido lá, que a minha avó não deixava, ela ficava louca, né? Ai, quando menos se esperava, tava eu lá, subia o primeiro degrau, conseguia subir o primeiro degrau, descia, ai outro dia, subia mais dois degraus, até que eu cresci, né, e tive autorização de ir até lá em cima, até porque casa antiga, de interior, geralmente tem morcego, essas coisas assim, e a minha avó tinha muito medo de morcego, muito medo, né? E ela me ensinou, inclusive, que uma das formas de você espantar morcego era batendo palma. Ai, quando aparecia um morcego de noite pela casa, eu corria pra debaixo da mesa, uma mesa enorme, toda de madeira, enorme e ficava batendo palma debaixo da mesa, pra ver se os morcegos iam embora. Ainda hoje, quando eu vejo um morcego assim, eu lembro disso e às vezes, ainda bato palma pra ver se espanta os morcegos.

P/1 – E quem que exercia a autoridade na sua casa? Seu pai ou sua mãe?

R – Na verdade, quando eu era pequeno, era a minha avó, ela sempre foi aquele estereotipo da sinhá, da senhora, a chefe de família, sabe? Era… ela sempre foi o elo principal da família, era uma pessoa… era uma pessoa rígida, era uma pessoa firme, mas sempre fazia tudo por todo mundo, tudo por todo mundo. Era uma senhora assim, que era muito conhecida pela rua, né, era… o nome dela era Francisca Carneiro Vasconcelos Aguiar, só que todo mundo conhecia ela como Queridinha, a dona Queridinha. Ai todo mundo gostava dela, os vizinhos da frente, os vizinhos do lado, né, e o meu avô era… naquela época de coronel e tudo mais, ele era conhecido como Coronel Juca, Juca Aguiar. Eu acho que ele nunca foi coronel de verdade, não , né, mas ela era conhecida… engraçado que na família dela sempre era… as irmãs todas tinham apelidos, né, ela era Queridinha, ai tinha uma tia minha, tia avó, que morava a umas três casas ao lado, que o nome dela era eu não lembro o nome dela, eu não sei o nome dela, era tia Chaguinha, ai tinha uma outra irmã da minha avó, que o nome era tia Maninha, então era sempre assim, esses apelidos, sempre esses apelidos, era tia Maninha, tia Chaguinha, a tia Tete, a tia Tete era irmã do meu pai, a tia Inocência, né? sempre eram esses apelidos assim, bem… bem familiares.

P/1 – Tinha que pôr aqui, você não falou que o seu nome era Francisco?

R – Foi, é porque ela… só no final que ela falou que era o nome completo, é porque geralmente, quando eu me apresento, eu digo só Edmar…

P/1 – Edmar, e você… com quantos anos você entrou na escola?

R – Eu não lembro, era muito pequeno, né, mas uma das minhas primeiras lembranças que eu tenho da escola era uma escola que era em Massape, na… a casa da minha avó ficava numa esquina, e a escola ficava do outro lado, na outra esquina, era o Educandário Nossa Senhora do Carmo. E uma das coisas mais legais que eu lembro… hoje em dia, eu acho engraçado, né, mas era que a minha avó dizia muito que eu tinha muita preguiça de ir pro colégio, ai quando era a hora de acordar pra ir pro colégio: “Não, vó, tô com dor de cabeça” “Menino, criança lá tem dor de cabeça?” “Não, é porque eu tô com dor de barriga”, e tudo, ai… da minha primeira escola, essas eram as primeiras lembranças…

P/1 – Por quê que você não gostava de ir?

R – Eu não lembro, hoje em dia, eu sou altamente caxias, sabe? Mas acho que é porque… não sei, criança, né, gosta muito de brincar, de pular e tudo e praticamente, por um bom tempo, morou só eu e a minha avó, né, então, eu acho que era porque eu não gostava muito de ficar sentado…

P/1 – Por quê que você morava com a sua avó e não com os seus pais?

R – Porque eles vieram pra cá, pra Fortaleza, né, eles vieram pra cá tocar a vida, né, pra cá e tudo e… agora, eu não lembro porque a decisão deles me deixarem lá. mas acho que foi uma das melhores decisões que… que a minha infância é repleta de memórias por conta disso, assim, de lembranças, principalmente em relação a ela, né, eu chamava ela de mamãe, a minha avó, e tinham os meus amigos lá, no interior, tudo… quando eu me mudei pra cá, né, ai já começava uma nova vida, conheci novas pessoas e tudo e sempre tem aquela diferença, né, mas sempre quando era possível, voltava lá pro interior.

P/1 – Com quantos anos você veio pra cá?

R – Eu acho que eu tinha por volta de quatro, cinco anos, mais ou menos.

P/1 – O quê que mudou na sua vida de lá pra cá? Saindo de lá e vindo pra cá?

R – Muita coisa, muita coisa, porque lá, a gente tinha sempre aqueles rituais de interior, né, dava determinada hora, mais ou menos umas seis horas, cinco horas, alguma coisa mais ou menos, ai era pra tomar o café, ai a minha avó pegava, me dava café, com pão, manteiga, tudo, ai eu comia, tomava banho, né, ai me arrumava pra ir passear na praça, praticamente todo dia assim. E lá na casa dela era uns três quarteirões… dois quarteirões da praça da igreja da matriz e ai, tinham sempre esses rituais lá. Eu saia com o meu amigo de infância, que morava em frente, ai a gente ia pra praça lá, né, e ficava, era aquela típica praça do interior, né, que tem uma televisão no centro e que os caboclo no final do dia, os cara do armazém, comercio, tudo lá, sentava lá pra assistir novela, assistir os trapalhões, assistir jornal, era de vez em quando, eu ficava lá sentado, pra me sentir assim, mais importante, né, junto com eles assistindo televisão, lá na praça. E também que na praça tinha uma espécie de lagozinho pequeno, artificial, tudo, com um monte de patinhos, né? Um monte de patinhos, ai era a diversão da garotada, a gente se juntava, né, era pra tentar espantar os patos pra dentro d’água e também tinha sempre aquela mais danado que tentava pular uma gradezinha mais ou menos dessa altura assim, né, e sempre tinha mais algum que tentava pular e entrar dentro do cercado, no espaço, pra tentar intimar com os patos. Teve uma vez que um amigo meu fez isso, ai um pato maior, um ganso, acho, saiu correndo atrás dele, ele tentou pular de uma vez que caiu pra fora. Foi muito engraçado, passou um mês sem querer andar pra essa praça de novo, no meio dos patos. Ai aqui, não, quando a gente veio pra cá, não. a rotina era mais… a vida era mais rápida, a vida era mais frenética, não dá para ter essas rotinas de todo dia

P/1 – Como é que era a escola aqui?

R – A escola aqui era diferente, porque já não era mais aquela escolinha de interior, tudo, era escola um pouco maior e tudo, né, e eu lembro que eu comecei a estudar em uma escola… eu sempre estudei próximo a casa da minha mãe, depois que eu mudei aqui, porque ia deixar, buscar e tudo, eu lembro… uma das coisas que eu lembro em relação a isso, foi quando eu finalmente, eu tive autorização da minha mãe pra ir sozinho pro colégio, ai pronto, eu me sentia já um homem, né, e atravessava uma avenida um pouco mais movimentada que era da esquina lá de casa, próxima a esquina lá de casa e ia a pé pro colégio. Ai, ficava lá e tudo, achava muito legal, porque esse colégio… eu comecei estudando em um colégio, né, que era um pouco mais distante, ai passei pra esse colégio que era mais próximo, ai foi quando eu comecei a ir pro colégio sozinho. E eu achava legal… o que eu achava legal naquele colégio, é que quando eu passava por ele, antes de eu começar a estudar lá, quando eu passava por ele, os alunos ficavam do lado de fora, na calçada, sentado na calçada, esperando os pais. Ai eu achava aquilo fantástico, fantástico. Eu queria estudar naquele colégio, que era pra eu poder ficar sentado na calcada, esperando os meus pais irem me buscar, porque no colégio que eu estudava, não, né, a gente ficava dentro da escola esperando os pais, os pais entravam, buscavam, aquilo ali pra mim era o máximo, né? E ai… mas isso nunca aconteceu, porque quando eu mudei pra lá já tava andando sozinho do colégio pra casa.

P/1 – E como que você… nessa idade, quando você foi ficando mais velho, você tinha alguma coisa… algum plano assim: quando eu crescer, eu quero ser tal coisa?

R – Eu sempre quis muita coisa, muita coisa! Eu era o tipo da pessoa que cada mês pensava uma coisa diferente pra fazer, sabe? Eu já quis ser desenhista, porque eu gostava de desenhar, né, me juntei com uns colegas no colégio, a gente tentou montar uma revista em quadrinhos, coisas assim do tipo, né, eu já quis… eu já quis ser psicólogo, já quis ser padre, já quis ser padre, já quis ser, basicamente, de jogador de voleibol, ah, teve uma fase que eu era fanático por voleibol, foi quando eu entrei na escola de voleibol e tudo, né, no colégio, ai eu não perdia um jogo da seleção, sabia jogar… jogava péssimo, mas era apaixonado! Era apaixonado, era o meu mundo! Meu mundo era o voleibol naquela época, né? Já fui de jogador de voleibol até trabalhar em banco, né, então… mas, uma das coisas que eu sempre tive planos de fazer, era de um dia viajar pra fora… pra fora do país e tudo, ainda não consegui realizar, mas não saiu dos planos não, né?

P/1 – O quê que você faz atualmente?

R – Atualmente, eu sou professor

P/1 – Você se formou, fez faculdade?

R – Sim, sim. É engraçado, porque eu comecei fazendo uma faculdade de veterinária, que foi assim, quando…

P/1 – Por quê que você escolheu…

R – Na época que eu tava no terceiro ano, e sentei pra escolher qual vestibular que eu ia fazer, eu fiquei na dúvida: letras ou veterinária. Letras ou veterinária. Eu sempre gostei muito de bicho, né? mas ai, letras ou veterinária, letras ou veterinária, escolhi veterinária, ai eu entrei na veterinária. Ai eu comecei a fazer veterinária, ai eu nunca gostava muito, química não era muito o meu forte, tudo, ai aconteceu de na época, um cachorro meu morrer, e ai, eu fiquei chateado: ‘tô fazendo veterinária e o meu cachorro morreu’, ai eu desisti da veterinária e ai, passei um tempo trabalhando e eu entrei no curso de Letras, mas eu sempre digo muito pros meus alunos: uma das melhores coisas que aconteceram na minha vida, foi eu ter feito esses um ano e meio de veterinária, porque quando eu entrei na Letras, eu entrei, eu sabia exatamente o que eu queria fazer. Entrei na Letras, antes de começarem as aulas, peguei todas as disciplinas do curso e organizei: esse semestre vou fazer esse, no próximo semestre… no primeiro dia de aula, eu já tava com todo curso já planejado. E ai, eu me formei em Letras, né?


P/1 –

Em que faculdade?

R – Aqui, na Estadual daqui. Me formei em Letras e ai, eu comecei a dar aula… a dar aula em algumas universidades particulares, aqui e acolá e tudo, e ai, eu entrei no Mestrado, fiz especialização também, né, e ai, quando eu tava no finalzinho do Mestrado, foi uma loucura, eu tava no final do Mestrado, escrevendo a dissertação, e ai, eu resolvi começar a fazer uma especialização. Era escrevendo a dissertação e estudando a especialização que eu tava fazendo, mas foi uma experiência muito boa, muito boa mesmo, né? E ai, depois que eu terminei o Mestrado, apareceu uma oportunidade de concurso lá na universidade do interior, ai eu fui, passei primeiro pra professor temporário, ai teve o concurso pra professor efetivo e eu passei, ai agora, eu tio lá, né? E é legal, eu gosto muito. Quando eu terminei a faculdade de Letras, eu comecei a trabalhar dando aula no interior de inglês, eu passei acho que um ano viajando pelo interior, dando aula de inglês. Foi quando eu percebi que eu queria… eu já sabia que eu queria trabalhar na universidade, ser professor de universidade, mas ai, depois que eu viajei para os interiores, foi que eu percebi que eu quero ser professor de universidade no interior, porque eu acho que no interior era onde as pessoas mais precisavam de pessoas que pudessem ajudar, que pudessem alavancar, que pudessem dar um apoio. Eu acho que eu vou ser muito mais útil, eu vou conseguir fazer um trabalho melhor se eu for pro interior, só não esperava que fosse um interior tão longe, né, que é do outro lado do estado que eu moro agora.

P/1 – Edmar, quais são os seus sonhos, hoje?

R – Hoje, atualmente, o meu principal sonho… eu acho que é… são tantos sonhos, na verdade, que a gente começa a pensar em um, como por exemplo Doutorado, eu tenho sonho de fazer o Doutorado também, mas ai é… quero fazer o doutorado, mas eu também queria muito, muito escrever um livro, sabe? Já escrevi artigo, capitulo de livro, mas um livro mesmo, e ai eu penso logo no grande sonho que eu sempre tive… não é um sonho palpável, porque é uma coisa que é mais um desejo do que um sonho, eu não quero ser esquecido, sabe? Eu gostaria muito de mesmo quando eu não estivesse mais aqui, eu continuasse sendo lembrado, de alguma forma, eu gostaria muito de construir alguma coisa que fizesse com que a minha presença, ela se perpetuasse, continuasse, porque, claro, exageros a parte, mas digamos, sei lá, Gandhi não morreu, tá vivo ainda hoje, os seus ideais, a sua historia e tudo mais, né, Aristóteles, não sei quantos milhões de anos atrás está vivo, se estuda, se fala, está vivo, é vivo, é recente, certo? Então, eu… claro, eu acho que eu não vou chegar aos pés de uma Aristóteles ou de um Gandhi e tudo, mas eu gostaria muito, acima de tudo, de conseguir construir uma obra, que ela me perpetuasse, né, me eternizasse, é meio pretencioso da minha parte, mas no final das contas, acho que todo mundo quer ser sempre lembrado, né? Eu procuro muito lembrar das pessoas que passaram pela minha vida e que já não estão mais aqui nesse mundo, né, que já foram pra um outro plano, pra um outro nível de existência. Eu tento lembrar sempre delas pra que onde quer que elas estejam, elas saibam que elas ainda estão vivas de alguma forma. Eu gostaria muito, muito mesmo de que daqui a alguns anos, alguém chegasse e dissesse assim: “Você já leu aquele livro do Edmar Cialdine?”, ou então: “Esse prédio aqui foi construído… teve financiamento da Fundação Edmar Cialdine”, ou então: “Esse personagem de historia em quadrinho que esta indo para o cinema foi criado por Edmar Cialdine”, alguma coisa que de alguma forma, sabe, de me eternizar. Claro que esse é um sonho bem grande, né, tenho outros sonhos um pouco menores, tipo, escrever um livro, ter um filho, plantar arvore, eu já plantei, né?

P/1 – Obrigada Edmar

FINAL DA ENTREVISTA