Projeto conte sua história
São Paulo, 18 de maio de 2011
Depoimento de Adélia Lucia Borges
Código: PCSH_ HV287
Entrevistado por Gustavo Ribeiro Sanchez
Transcrito por Maria da Conceição Amaral da Silva
P/1 - Para começar, Adélia, eu vou pedir para você falar seu nome completo, o local e...Continuar leitura
Projeto conte sua história
São Paulo, 18 de maio de 2011
Depoimento de Adélia Lucia Borges
Código: PCSH_ HV287
Entrevistado por Gustavo Ribeiro Sanchez
Transcrito por Maria da Conceição Amaral da Silva
P/1 - Para começar, Adélia, eu vou pedir para você falar seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R - Adélia Lucia Borges. Eu nasci em Cássia, Minas Gerais. Em 17 de setembro de 1951.
P/1 - E seus pais são lá de Minas Gerais, de Cássia também?
R - Minha mãe é de Cássia e meu pai de uma cidadezinha bem perto chamada Ibiraci, mas grudada, praticamente a mesma coisa.
P/1 - E você conviveu com seus avós nesse período da infância?
R - Eu convivi. Eu convivi, meus pais, a gente morava, eu sou a sétima filha. E meus pais moravam na roça, na zona rural de Cássia. E aí quando, um pouco antes de eu nascer, acho que no quinto filho eles se mudaram para a zona urbana. Meu pai tinha uma loja em Cássia, e depois disso, então quando eu nasci eles já moravam em Cássia. Depois quando eu tinha três anos, em 1954 nós nos mudamos para Ribeirão Preto. Meus avós ficaram em Cássia, tanto os avós maternos, Benedito e Mariana. E os avós paternos, Fiico e Fiica, moravam em Ibiraci. Na verdade não era avó materna porque meu pai perdeu a mãe quando ele tinha três anos de idade, mas era madrasta dele, que é como se fosse a mãe e minha avó também. Então eu tinha assim convivência, mas mais assim visitando, visitas rápidas que a gente tinha nas férias. Era uma vida muito difícil, foi muito difícil para o meu pai, ele era uma pessoa pobre e tudo, lutando muito para criar os sete filhos. Então não é que a gente passava longos períodos, mas sempre voltava. Então a cultura nossa é muito essa cultura do sul de Minas, uma cultura bem caipira, bem assim do interior e tudo. E aí nessas idas, uma convivência muito prazerosa com os meus avós. Depois os avós maternos se mudaram para Ribeirão Preto. Então aí eu pude conviver um pouquinho mais com eles.
P/1 - E dessas idas para Minas Gerais você tem lembranças de convivência com seu avô, com sua avó? Alguma, um cheiro, uma comida, uma brincadeira? Coisas que você lembra?
R - Olha, aquela comida bem assim, bem mineira, né? Arroz, feijão, couve, chuchu. Couve e chuchu eram os únicos, as únicas coisas de vegetais. Tomate muito de vez em quando, e aí frango, ovo, aquela coisa bem... Mas eu tenho bastante lembrança. Porque no início meus avós moravam ainda na roça, os avós maternos. E então era uma coisa muito... Tinha uma bica no fundo da casa, não tinha água encanada, então tinha uma bica onde ela lavava os trens, como se chama, né? Os trens é a louça, são as panelas. Então ela lavava no fundo de casa. Eu lembro bastante esse som, eu tenho bastante recordação. As galinhas, os porcos, as criações e as plantações que eles tinham. E meu avô, a lembrança maior que eu tenho desse avô materno é que ele ficava, como ele dizia: "quentando o fogo". Quentar fogo é ficar de cócoras perto do fogão à lenha. Porque aí fica quentinho, uma coisa gostosa e tudo, numa posição que é bem, eu acho que característica. Tem até uma tela do Almeida Júnior, que é Caipira Picando Fumo, é bem aquilo. No caso, o caipira do Almeida Júnior acho que está sobre um banquinho, mas a posição é a mesma.
P/1 - Lembranças de casa, você lembra mais a de Ribeirão Preto, da sua casa, da convivência? Da casa de Cássia você não, você tem recordação?
R - Da casa de Cássia eu não tenho muita recordação. O que eu tenho recordação é de um quase acidente que houve, que eu estava atravessando a rua na frente de casa e tinha um caminhão vindo com pessoas na boleia, e com pessoas, enfim, acho que tinha gente sentada em cima da carroceria. Então o motorista não estava enxergando muito para onde ele ia. Uma coisa muito comum, assim, de farra no interior, de coisa assim. Eu estava atravessando a rua e ele freou muito em cima. Então eu lembro da gritaria: "Ai, cuidado, vai, quase morreu". Então a lembrança que eu tenho é que eu fiquei quase que embaixo do caminhão. Então foi uma coisa assim. Então essa lembrança eu tenho. Mas eu acho que dessas idas, de ir bastante lá eu lembro bastante essa coisa que, quando até, eu saí muito cedo, mas eu me considero absolutamente mineira. É a cultura que eu tenho. Então essa coisa muito aconchegada, muito, muito simples. Então meu pai, ele não, minha mãe é que teve maior escolaridade. Ela não chegou a ter cinco meses, meu pai teve menos que cinco meses de escolaridade. E também uma coisa de muita... Ele pôs, ela principalmente, pôs na cabeça que ela iria levar todos os filhos para a universidade. Conseguiu, todos os que quiseram. Dois não quiseram, mas não por ela. Mas era muito difícil. O que eu lembro, aí já em Ribeirão, era aquela família muito vibrante, sete. Aquele monte de gente entrando e saindo e tal. E meu pai entrando e saindo também, vinha da loja, que ele abriu a loja em Ribeirão. Ele tinha uma venda na roça em Cássia, depois quando ele foi para a cidade ele abriu uma loja já com armarinhos, tecidos. E aí com as coisas mais high tech do momento, que era o rádio. Então ele foi um cara que levou um pouco o rádio lá para Ribeirão, para Cássia, e máquina de costura. E o pai dele era consertador de máquina de costura, meu avô. O que eu lembro de Ribeirão era isso: uma casa muito cheia, muito vibrante, seis irmãos. E uma vida assim, a gente já tendo que trabalhar muito desde cedo. Mas aquela convivência vibrante.
P/1 - Você lembra das brincadeiras entre esses irmãos? O que vocês brincavam, era muito mais trabalho? Como era essa infância?
R - Olha, essa infância era mais, para falar a verdade assim, era mais trabalho. Por exemplo, uma coisa que eu lembro, nunca teve festa de aniversário. É uma coisa assim, eu acho que isso até hoje deve existir, é uma coisa assim a lida com a vida é muito difícil. Então é aquela coisa mais básica, mais simples assim: "Vamos comer. Temos o que comer, temos que economizar as coisas. Temos que reutilizar as coisas". Essa avó materna, a Mariana, ela era a mestra da reciclagem. Também uma mulher muito rígida, muito séria, muito assim, mas muito realizadora. Então era aquela que pegava qualquer trapinho e transformava numa colcha, numa coisa. E que ia, quando ela já tinha mudado para a cidade, para Cássia onde ela se mudou também, ela ia para a roça, pegava banana, pegava os ovos e vendia na cidade. Então: "Não, vamos fazer dinheiro, vamos melhorar". Muito essa ideia também de melhorar. Então eu acho que não era, não tinha muita brincadeira não. Tinha mais uma coisa assim de... E aí todos nós ajudamos, tanto minha mãe na casa quanto, meu pai na loja, mas era muito gostoso, era uma coisa.
P/1 - Conta um pouco dessa relação com sua mãe e com seu pai. Seu pai um pouco na loja, eu imagino, e a relação com a sua mãe.
R - Então, meu pai era uma pessoa assim, meu pai já morreu, minha mãe está viva. Meu pai era uma pessoa muito interessante. Eu tenho uma grande admiração e de lembrar dele já me emociona. (chora) Porque ele foi bem decisivo mesmo para mim. Ele era uma pessoa, muito aquela pessoa empreendedora, o nome que a gente dá para isso hoje. E muito interessante ao mesmo tempo. Quando ele morava em Cássia, ele foi o primeiro a ter bicicleta. Depois ele foi o primeiro a ter moto. Imagina o que era, ter uma moto, um cara analfabeto em Cássia. Que até hoje ninguém quase conhece essa cidade, uma coisa lá perdida lá não sei onde. O que ele tinha de muito legal é que ele era uma pessoa que conseguia ser um empreendedor e dar um duro danado pra, porque não tinha família rica, não tinha herança. Na verdade ele teve uma herança, ainda em vida meu avô dividiu o que ele tinha entre os três filhos. E aí meu pai, depois ele até veio a fazer isso com a gente. Mas era uma coisa bem reduzida. Meu avô tinha umas terras que ele dividiu entre os filhos. E foi quando meu pai comprou a loja e conseguiu se estabelecer, ter essa primeira venda que ele teve quando ele se casou com a minha mãe. Mas o que eu acho bacana no meu pai, que me emociona assim, é que ele era um cara muito realizador mas ao mesmo tempo ele tinha uma coisa muito legal ligada ao prazer, a curtir a vida. Então ele gostava de tocar bandolim. Ele participava de um grupo, como ele dizia de jazz, chamado Deixa Falar. Que era bem o espírito dele: "Deixa falar." minha mãe já era uma pessoa preocupada: "O que é que os vizinhos vão achar? O que é que isso? O que é que aquilo?". Então ele era, acho que esse, o nome do grupo de jazz, imagina você criar um grupo de jazz no interior de Minas em 1940, 1900 e. E então isso acho que mostra ele. E ele era um cara muito sensorial. Então ele levava a gente para a piscina, ele levava, minha mãe vestia, tratava, arrumava, dava banho, punha roupinha. Ele chegava, tirava a roupa e punha a gente no esguicho para esguichar, para curtir a vida. Então eu acho que essa é uma lembrança muito forte dele. Então ele era a coisa mais livre, e da minha mãe era o dever. Tenho que contar que minha mãe, ela se casou, ela tinha quinze anos. Meu pai tinha vinte e dois. Ele foi, ele viu a minha mãe lá na roça e ele se encantou com ela. E aí ele foi até o meu avô e falou que queria casar com a minha mãe. Meu avô disse que ela era muito pequena, que ele levasse outra. Que ele tinha outras. Ele ofereceu as outras filhas mais velhas que ele tinha. Ele falou: "Não, eu não quero, eu quero aquela". "Mas ela é muito novinha ainda para casar." "Não, eu quero aquela e tem que ser já. Porque se não quiser já eu não quero." E como ele tinha um pouquinho mais de dinheiro, a posição dele era um pouquinho melhor do que a posição do meu avô, meu avô falou: "Nossa, é um bom partido, não vou perder essa oportunidade". Então deixou, e eles se casaram, a irmã dela ia se casar e aí eles aproveitaram para casar juntos. Então minha mãe tinha quinze anos. Minha mãe praticamente não teve adolescência. Não teve muita, ela também trabalhava na roça, já desde pequena e tudo. Então ela era uma pessoa mais assim ligada ao dever. Era não, é, porque ela é viva. Mas uma pessoa muito com essa coisa, acho que a vida foi um pouco difícil. Porque ela teve um filho atrás do outro. Teve oito. O sétimo morreu, e aí depois vim eu como oitava, mas virei a sétima porque esse morreu muito... no mesmo dia que nasceu. Então nem contou muito. Mas a minha mãe como uma pessoa muito positiva, realizadora, honesta. Aquela pessoa de fazer as coisas. Então eu acho que eu tive uma, foi muito legal eu acho. Eu acho que eu tenho um lastro muito bom de infância e de adolescência.
P/1 - Adélia, me conta um pouco da relação dos seus irmãos. Porque eram muitos irmãos, como você lidava com eles?
R - Olha, antes de falar dos irmãos eu vou falar do outro avô, que eu ainda não falei nada. Esse avô, que chamava Lucio Borges, eu acho que ele é um cara que, talvez a maior influência que eu tenha tido de quem veio antes de mim, né, da minha família. Ele era um cara também analfabeto, consertador de máquina de costura. E um cara muito interessante. Depois, hoje, eu vim a me especializar como jornalista, eu vim a me especializar em design, e aí o que eu conseguia ver disso era a lembrança do meu avô, que ele desenhava a sua própria roupa. Ele desenhava o seu cinto de couro, que eu sempre, eu tenho lembrança daquele cinto muito bonito. Ele cortava seu próprio cabelo e o nosso. É muito, muito interessante. Ele era um cara magro, alto, gostava muito de andar e dizia que na vida ele só precisava de uma morena e uma canoa. Então ele é um, eu acho que isso também me marcou bastante. Então uma pessoa ligada à essa coisa, acho que ele transmitiu isso para o meu pai, uma coisa um pouco hedonista, dessa coisa de curtir a vida. E ele, da minha lembrança era a pessoa da família que gostava de ler. Então quando a gente ia visitá-lo em Ibiraci ou, depois ele se mudou para outra cidadezinha lá, tudo coisa muito simplesinha. A gente levava revista velha. E ele, e a gente chegava lá, estavam as pilhas de revistas anteriores. Então ele lia e relia, lia e relia, lia e relia. E eu vim a ser uma pessoa, eu vivo de escrever ou de fazer exposições, mas a minha coisa inicial é ser jornalista, escrever. E eu lembro muito disso por aí. Na minha casa mesmo não tinha muito. Meu pai, a única leitura que tinha na minha casa era Tesouro da Juventude, que eu não sei se vocês conhecem. Era um tipo de uma enciclopédia norte-americana com coisas, aquela coisa bem de generalidades. Era o único que tinha. E meu pai falava: "Pra que é que precisa ler? Mulher casa mesmo, não precisa ler, não precisa estudar". Minha mãe não: "Precisa estudar". A cultura da leitura não tinha muito. Mas então eu acho que a cultura da leitura, da beleza e dessa relação com a natureza, tipo isso: "Eu preciso de uma morena e de uma canoa". Essa coisa de estar próximo da água, eu acho que isso é uma coisa muito forte desse avô. E que era uma pessoa também, depois hoje eu, todas essas coisas que hoje a gente lê sobre alimentação saudável que tem que ser balanceada, que os vegetais, que não sei o quê, ele já tinha muito isso. Então tem que comer abóbora, batata doce, banana, banana assim “marmelo, vamos fazer o doce”. E uma pessoa acho que uma coisa de sabedoria mesmo. Então acho que todos eles, mas principalmente esse avô, e acho que meu pai também, minha mãe, eles têm essa coisa empírica, não estudada e letrada, mas de altíssima sabedoria. Uma coisa que meu pai falava quando a gente, um bordão do meu pai era: "Nós temos, tem que enxergar atrás da serra." Por quê? Cássia é uma cidade num vale. Então ele achava que a gente tinha que, que o mundo era maior que aquilo. E eu acho que essa é uma coisa muito bonita. Depois eu vim a fazer quando ele estava já perto da morte, eu fiz um livrinho sobre ele em que eu escrevi: "Enxergando atrás da serra". (chora) Ai, é difícil falar dessas coisas. Eu sinto muita falta do meu pai. (pausa)
P/1 - Quer ir no banheiro ou?
R - Não. Todo mundo chora ou é raro?
P/1 - Normal. Mesmo a gente, que a gente já contou, em geral a gente também sente, mas é normal.
R - Tem umas maria-mole como eu, né?
R - Então, eu acho que isso é uma coisa bem interessante assim do meu pai. Quando ele, ele foi vereador em Cássia. E aí uma vez ele foi para Belo Horizonte. O Juscelino Kubitschek esteve em Cássia e chamou algumas pessoas para irem para Belo Horizonte. E ele foi uma das pessoas que foi de avião. Então ele andou de avião e ele viu a terra lá de cima. E ele viu que a terra, ele viu, eles sobrevoaram Ribeirão Preto e ele viu que era uma terra, a chamada terra-roxa. Na verdade vermelha, roxa porque os italianos chamavam de terra rossa, terra vermelha. E ele viu que a agricultura ali, que a terra estava muito melhor e que então Ribeirão ia ser uma cidade rica. Uma cidade com dinheiro, com coisa, onde ele podia vender mais, ter uma loja melhor. Então acho que isso foi a primeira coisa dele de enxergar atrás da serra. Quando ele viu lá de cima, ele falou: "Vou mudar para essa cidade, quero levar meus filhos para lá". Então eu acho que essa coisa dele de enxergando atrás da serra assim, acho que ele passou muito isso para os filhos. Então o primeiro filho, Áries, foi o filho mais querido deles. Em que eles investiram muito o que eles tinham e o que eles não tinham. E então o Áries virou o doutor, fez Medicina. Ribeirão Preto tem uma unidade da USP muito boa, aliás. Ribeirão Preto é uma cidade universitária, uma cidade muito interessante e realmente muito rica. É a Califórnia brasileira, uma das regiões com maior PIB hoje no país. E ele, então esse filho se formou médico. Foi a grande coisa, foi uma coisa bem legal para eles. Aí a Maria, a segunda, fez Letras em Campinas. E se tornou professora de Português. Aí a Rosinha, com esse nome mesmo no diminutivo, fez Serviço Social e se mudou para o interior de Minas com o marido. Depois foi para Belo Horizonte. A Rosmeire, nome também estranho, a gente chama de Rose. Seria Rose Marie, mas o, acho que o, enfim, o cara lá registrou desse jeito. A Rose se tornou psicóloga. João Luis é comerciante, seguiu a carreira do meu pai e criou uma loja chamada João Som. Então meu pai tinha o rádio e a máquina de costura, ele ficou com o rádio, aí vitrola, aparelho de som, e se tornou o João Som. Com uma rede de lojas no interior, e Eli, Cesar Eli é designer. É o mais próximo a mim. Eu acho assim, quando a gente, eu sou a mais nova, então eu não, eu via mais como uma pessoa mais nova. Mas era uma casa muito animada, muito cheia de gente, muito entra e sai. E o que era interessante era que meus irmãos foram tendo coisas, foram abrindo caminho também para mim. Aqui nesse depoimento vocês pedem foto e em família desse tipo a gente quase não tem foto de, não tem possibilidade de foto. Hoje é que tem essa coisa que todo mundo tinha foto. Mas no interior de Minas, naquela época, era raro alguém ter uma máquina fotográfica. Mas esse primeiro irmão, o mais velho, começou a trabalhar um pouquinho com máquina, até para ajudar nos estudos. Ele comprava máquina e vendia, ajudava meu pai um pouco. E ele tirou as primeiras fotos da gente, da coisa toda. E eles então, eles foram abrindo caminho. Esse meu irmão trazia revistas, às vezes trazia revistas até do exterior, importava coisas, comprava. Então eu acho que foi uma coisa, aí cada um foi trazendo suas coisas. E meus irmãos mais novos, mais velhos, principalmente, Rosinha, começou a ter um pouco militância de esquerda ali. Então uma lembrança também que eu tenho é em 1964, no golpe de 1964, veio a notícia do golpe e aí nos fundos da casa a gente fez uma, essa irmã fez uma fogueira de jornais que ela tinha. Que é um jornal chamado Brasil Urgente, que era um jornal subversivo. Depois a minha outra irmã, a Rose, foi presa. Estava no Congresso de Ibiúna. Então são pessoas, eles foram trazendo coisas, notícias do mundo. Eu acho que foi assim uma coisa, os irmãos sempre com uma coisa trazendo. Então enriquecendo esse universo familiar. Que se fossem só os pais, né? E então trazendo também essa coisa de preocupação social, de militância de esquerda que vários tiveram. E de o que é que está acontecendo no mundo. E eu sempre tive essa ideia que eu queria enxergar atrás da serra e que para isso eu queria ser jornalista, porque eu queria viajar, conhecer o mundo e tudo. Então eu vim pra cá. Ah, e aí os outros irmãos, mas os outros irmãos foram se casando e eu vim pra cá em 1969. Eu tinha dezoito anos quando eu tinha recém concluído o colégio e aí vim para cá e entrei na Escola de Comunicações e Artes da USP, a ECA. E aí fiz Jornalismo.
P/1 - Antes da gente vir para São Paulo eu queria que você, você começou a falar um pouco para mim de Ribeirão. Eu queria que você falasse de Ribeirão naquela época. O que você lembra, a cidade, mesmo como é que era a sua casa. Que você contasse da cidade.
R - A gente tinha uma casa numa rua chamada Florêncio de Abreu que é a mesma rua da catedral. Então uma casa bem central. A gente já tinha, meu pai gostava muito de mudar. Meu pai era uma pessoa muito inquieta. Então a gente mudou em várias casas. Mas quando a gente chegou lá, a gente morou, enfim, são várias casas. Eu acho que eu vivi, até o período em que eu estive lá em Ribeirão, eu devo ter vivido numas oito casas. E entre cássia e Ribeirão, né? Mas então a gente tinha, a casa principal que eu acho, onde a gente ficou mais tempo, era uma casa então na rua da catedral, a três quarteirões da catedral, e ele comprou duas casas geminadas. Duas casas de parede que tinham parede meia. E ele uniu com uma porta para caber as duas, todas as famílias e a gente ficou morando em duas casas. E era uma casa muito central, portanto muito visitada pelas pessoas. Era uma casa em que tinha muita circulação de gente. Ribeirão é uma cidade, até por essa unidade da USP tinha uma porcentagem alta de estudantes universitários. Porque além da USP começaram a surgir outras universidades, tinha muito cursinho. E era uma cidade muito agradável. Uma cidade do interior, média, acho que tinha, já devia ter não sei, uns cento e cinquenta mil habitantes, uma coisa assim. Então uma cidade com teatro em que, tem um teatro lindo lá chamado Teatro São Pedro em que iam espetáculos, iam shows. Então me lembro de coisas. Tinha, depois o prefeito construiu um teatro de arena, então também com espetáculos. Era uma cidade do interior com uma vida, digamos, ainda pacata do interior, mas com uma coisa muito vibrante de movimentos culturais, de coisas. Acho que também era um momento vibrante do país, né? De música, de, meu irmão Eli começou a tocar. Ele tocava flauta. Ele, e tinha coisa muito gostosa lá que eram os, tinha o clube para nadar. Isso foi uma coisa muito gostosa da infância toda, da adolescência. Que é você frequentar um clube que tem piscina, Ribeirão é uma cidade muito quente. E então ter uma piscina para ir, uma coisa assim, e a gente tinha muito, esse grupo no qual eu circulava, tinha uma coisa muito gostosa que era violão. Tocar violão e cantar. Então se a gente não tinha muito a coisa da televisão, até porque na minha casa se meu pai chegasse durante o dia e visse a televisão ligada ele desligava na mesma hora. (riso) Era tipo assim imoral ver televisão durante o dia, porque tinha que estar trabalhando. Mas eu acho que a gente tinha pouca, pouca dependência da televisão e tinha mais essa coisa de convívio social. Então minhas irmãs, que eram três irmãs, tinha um irmão depois três irmãs. Então tinha muita serenata em casa, que os pretendentes faziam para elas. Então acho que era uma, enfim era uma cidade. Eu cursei escolas públicas, tanto colégio de freira quanto pública. O ensino nas escolas públicas era muito bom. E era o momento. Ribeirão foi uma cidade que teve, enfim, tem uma tradição política também lá. Eu fui presidente do grêmio da escola Otoniel Mota. E aí fizemos uma greve em 1968. Sempre fui muito estudiosa, muito queridinha dos professores, sempre tive síndrome de primeira da classe. Sempre querendo ser a primeira da classe. Quando houve essa greve acabamos, algumas pessoas que fizeram essa greve, fomos expulsos da escola. O que foi um grande trauma. Mas aí fui para outro e aí vim para cá. Mas enfim, era uma cidade que tinha até coisa muito forte de movimento estudantil. Não só movimento estudantil universitário como o movimento estudantil do colegial. Tinha os grupos que depois deram origem até a outros grupos de esquerda, que era Juventude Estudantil Católica, JEC, à qual eu pertencia. Meus irmãos pertenciam à JUC, que era Juventude Universitária Católica. Tinha a JOC, que era Juventude Operária Católica. Enfim, e tinha essa coisa também muito forte na família, especialmente na minha família, né? Também ligada à religião, ao catolicismo. Meu irmão, o Eli, foi prometido para ser padre pela minha mãe. Chegou a ir para o seminário. Minha mãe era muito ligada à coisa católica, e movimentos católicos. Ela também quando eu nasci ela prometeu que eu ia ser freira, mas não deu certo. Do meu irmão também não. Ele até tentou. Foi, fez um pouco de seminário mas largou, não quis.
P/1 - Conta aí um pouco dessas experiências escolares. Você começou a contar um pouco, pode desenvolver até o que você lembra da escola, e também falar um pouco dos seus amigos já. Você falou dos grupos de violão.
R - olha, eu adoro estudar, sempre adorei. E então pra mim a escola era uma coisa muito gostosa. Eu lembro muito de professores. Eu lembro muito de professores de História, por exemplo, eu acho que realmente até talvez por essa história familiar de não acesso à escola, talvez até eu tenha curtido mais. Eu lembro que quando no Ginásio, ao terminar o Ginásio eu fui escolhida oradora. E eu lembro até hoje da fala que eu escrevi. Que era uma coisa falando do privilégio de ter feito esse curso. Eu falava, tratava isso como um privilégio. Hoje eu vejo a educação, o acesso à escola já está muito difundido e para muita gente: "Ai, que fardo eu ter que ir para a escola". Para mim nunca foi um fardo, sempre foi uma coisa assim de um privilégio e que o acesso a esse privilégio trazia também um pouco de responsabilidade. Que era de difundir aquilo que eu tinha aprendido de, de alguma forma passar isso para outras pessoas. E então na escola era, na verdade, eu era assim bem daquelas, bem assim de CDF. Que gosta de estudar, que fica, e tal. Então eu tinha uma, pra mim, assim, uma imagem de coisa, uma imagem do inferno para mim hoje é um fliperama num sábado num shopping. Pra mim isso (riso) não pode haver imagem pior, uma coisa, você está num shopping num sábado cheio de gente. E uma imagem de paraíso é biblioteca, eu acho, principalmente se for na natureza. Se for uma coisa que junte uma sabedoria de um livro, uma coisa de um livro, de você poder ler aquilo com calma e estando num... A escola para mim foi uma coisa muito boa. Foi bem legal. E enfim, aí tinha, como eu era mais certinha, assim, e mais também ligada à... com muita coisa para fazer. Porque aí desde tipo dez anos eu comecei a trabalhar, ou ajudando meu pai na loja ou também na casa, tinha quintal, tinha plantação de algumas coisas como alface, cenoura. E tinha galinheiro. Então eu vendia, minha mãe me punha para vender alface, ovo, etc, na vizinhança. Depois eu comecei, minhas irmãs começaram a vir aqui para comprar roupa na Rua José Paulino em São Paulo, para revender. Eu vinha com elas e comecei a levar umas novidades para Ribeirão. Tipo caneta esferográfica que não existia lá. E a gente vinha, comprava aqui e eu revendia lá. E com dezesseis anos eu consegui meu primeiro emprego com carteira registrada, que foi um emprego maravilhoso numa livraria recém aberta. Ou seja, eu estava perto dos livros e era uma livraria que também vendia disco. E era na praça principal da cidade. Essa livraria se chamava Hedoné. E meu irmão fez Arquitetura de Interiores, ele fez toda branca em epóxi, o chão, as paredes brancas. Foi uma coisa muito nova para a cidade. Era um ex-monge que abriu, então era uma coisa assim ultra-vanguarda. E era o lugar em que a gente se reunia, os meninos e as meninas da cidade. E também onde tinha, onde tinha namorado e pessoas. Então era uma vida muito gostosa.
P/1 - Um pouco dessa vida em torno da praça e das vivências. Conta um pouco mais desses seus círculos de amizade e onde vocês iam, o que vocês faziam?
R - A gente tinha, então eram círculos de amizade ligados tanto à vizinhança quanto a colegas de escola. A gente frequentava as casas uns dos outros. E tinha algumas casas que tinham mais assim: "Ah, na varanda da casa do Fulano sempre a gente se reúne para tocar violão e cantar". Mas a gente ficava muito na rua também. Era uma coisa assim, eu acho que hoje as pessoas não se encontram muito na rua, né? Eu acho que a violência até nas cidades do interior levou as pessoas a se refluírem para dentro de casa. Mas em Ribeirão ainda tinha esse costume das famílias colocarem uma cadeira no final da tarde na calçada para pegar a fresca do fim da tarde depois de um dia quente. E a gente ficava. Então eu lembro muito de um grupo de amigos que a gente ficava na esquina dessa casa, Florêncio de Abreu. Então vinham pessoas, e a gente ficava ali na esquina horas e horas. Enfim era uma coisa assim que a cidade era nossa. Tinha a coisa de ir para a praça mas já não era aquela cidadezinha pequena onde tinha o footing. Cássia continuou tendo o footing das pessoas, os homens numa direção, as mulheres na outra direção, se olhando. Agora em Ribeirão tinha muito o que se chamava brincadeira. Brincadeira era um baile. Baile era uma coisa um pouco mais formal e brincadeira era tipo uma balada hoje, não sei exatamente. Mas reunir um grupo e dançar em algum lugar. Então tinha pessoas ligadas a centros acadêmicos que faziam, então tinha grupos de música a gente ia e dançava. Então acho que muito essa coisa de dançar que eu amo, adoro. Isso era muito gostoso. E cantar. Isso são coisas muito presentes.
P/1 - A gente estava conversando um pouco da sua juventude, agora e você já falou para mim que vinha para São Paulo um pouco. Eu queria saber um pouco das primeiras vezes que você descobriu a serra, que você saiu de Ribeirão Preto como é que foi teu contato com outros lugares?
R - Olha. De Ribeirão preto já, de vez em quando assim, vinha para São Paulo. Acho que a primeira vez que eu vim tinha um programa na televisão chamado Patrulheiros Toddy. E a gente se inscrevia e quem, e de vez em quando, e ganhava a roupa dos patrulheiros e vinha. E eu ganhei. Eu vim com a minha irmã Rosinha, pegamos um ônibus e viemos para a TV Tupi. E aí eu vi uma coisa que me maravilhou que era sanduíche de pão de forma. Nunca tinha visto isso. Eles davam para a gente um refrigerante e um misto frio, que eu achei a coisa mais fantástica que podia existir, aquele sanduíche. Era tudo muito moderno. Eu achava tudo. Isso, eu logo voltei e depois quando tinha quinze, dezesseis anos vinha fazer essas compras na Zé Paulino. A namorada, então namorada do meu irmão mais velho, começou também a vir pra cá pra os desfiles da Fenit. Que eram desfiles fantásticos em que as músicas eram feitas por Caetano Veloso, por Rogério Duprat. Os textos eram do Vinicius de Moraes, textos do Carlos Drummond de Andrade. E aquelas manequins da Rhodia. Era realmente um momento muito forte. Era um espetáculo, eram desfiles que eram verdadeiros espetáculos dirigidos por uma pessoa que depois eu vim a conhecer bem, que eu admiro bastante. Faleceu o ano passado, que foi o Cyro Del Nero. Então comecei a vir acompanhando essa cunhada para ver isso e me maravilhei. Eu, era uma coisa maravilhosa. Uma coisa da estética da, a roupa, a cultura numa efervescência muito forte. E aí ver coisas superfantásticas como ver pizza: "Olha que maravilha". Então foi uma coisa assim de ir vendo o mundo, pessoas falando outras línguas. Coisa que também Ribeirão não tinha. Em Cássia, acho que quase a totalidade, senão a totalidade das pessoas que moram em Cássia nasceram lá e são famílias que sempre eram de lá. E Ribeirão Preto uma afluência mais do interior e não do exterior. Então aqui nessa convivência com, ir vendo pessoas de vários lugares realmente foi uma coisa bem, bem legal. E aí ver os vários signos disso. Decidi que eu queria vir e terminei o colegial lá em novembro. Vim pra cá, fiz um mês de cursinho Equipe, que nessa altura era na Higienópolis. E aí entrei na ECA, que também era uma coisa. Era um momento difícil, porque eu entrei em 1970. Era o momento pior da repressão política, um momento pós AI-5. E era o momento em que a universidade estava muito amordaçada, estava muito, um momento muito difícil. E eu comecei a ter militância em DCE, em movimento estudantil de esquerda, ilegal. Alguns, fui vendo algumas pessoas morrendo, como o Vannucchi, estudante da USP de Geologia, que foi assassinado. E aí um pouco de militância. Então tive militância de esquerda para mudança social e tudo isso. E em 1971 fui presa pelo, e fui para o DOI-CODI. Na verdade foi uma prisão bem arbitrária como todas, aliás. Mas eles estavam atrás de outras pessoas, e eu morava numa república com várias pessoas. Algumas dessas pessoas que moravam nessa república tinham ligação com um grupo de esquerda. E aí caiu uma das pessoas desse grupo e eles foram até essa casa e foram prendendo todas as pessoas que chegavam nessa casa onde eu morava. Então eu não tinha nada a ver com este grupo, mas com outro grupo. E foi difícil, foi uma coisa, foi uma prisão rápida de alguns dias. Mas com, foi bem violenta. E também uma coisa que tinha acontecido é que quando eu morava em Ribeirão um dos meus amigos veio para São Paulo e eu pedi para ele me inscrever no vestibular. E ele veio com a minha carteira de identidade para fazer inscrição no vestibular. E ele foi preso, porque ele pertencia a um grupo de esquerda, e ele foi preso com a minha carteira. Então eu já era fichada. Então eu fui torturada, mas eu não tinha nada a dizer, não tinha nada a ver com esse grupo que eles estavam vendo. Mas uma situação difícil. Eu tinha umas anotações de uns encontros que eu teria, e aí eu rasguei esses papéis e engoli para não ser, então foram momentos bem. Então vim para São Paulo, fiz a...
P/1 - Você veio sozinha pra cá ou você tinha alguma irmã, algum contato? Como foi essa vinda para São Paulo? Por que você veio e se instalou numa república desde o começo.
R - É não, na verdade eu vim e minha irmã, o sogro de uma das minhas irmãs tinha um apartamento aqui. Então no começo eu morei num pensionato na frente do cursinho. Era bem legal porque só atravessava o cursinho. Eu fui morar provisoriamente nessa, no apartamento desse sogro da minha irmã. Mas aconteceu um episódio que diz bastante assim da parte da repressão de época, assim, até do papel da mulher e tudo. Meus pais tinham a chave do apartamento e eles chegaram, não me avisaram que estavam vindo. E uma das coisas que eu tinha bastante, quer dizer, uma das coisas que eu queria também vir para São Paulo era para ter mais a minha vida, a minha, viver a minha sexualidade. A coisa em plena ebulição de adolescência, de juventude. E então quando eles chegaram lá eles encontraram um namorado de manhãzinha em casa, com um sofá-cama aberto. E aí eles, para a minha mãe isso foi muito violento. Aí minha mãe disse que eu tinha que voltar para Ribeirão. Porque eu não podia, que isso era uma vida, para ela isso já era uma prostituição, já era uma coisa assim, era uma coisa realmente, o tabu da virgindade era muito forte na minha família. E eles me levaram de volta para Ribeirão nesse dia mesmo. Enfim, fomos para Ribeirão eles falaram: "Se você voltar, você não é mais nossa filha". Minha mãe que falou isso. Eu falei: "Bom, aí a escolha é de vocês". E vim. E aí foi um momento bastante difícil porque eu não tive nenhuma ajuda deles. Tive que arrumar emprego, caçar emprego pelo jornal. Ver anúncios de jornal e tudo. Consegui um emprego que era vender uma assessoria jurídica para o departamento de pessoal de empresas. Então foi um momento difícil de começo de faculdade, tudo. Misturado com militância de esquerda. Mas, e aí aos poucos, depois disso, alguns anos depois, uns dois anos depois voltou às boas. E hoje até minha mãe brinca, porque ela tem, nós somos sete irmãos. Ela tem vinte e seis netos e sei lá, já uns trinta bisnetos. E esses netos e essas netas evidente que tiveram relação sexual antes do casamento, algumas nem se casaram, moram sem casar. Mas para ela isso ainda era muito, isso ainda era um problema. Mas então me perdi um pouco.
P/1 - Não tem problema. Você estava contando esse período que você veio já sozinha, que aconteceu toda essa situação. E você contou um pouco para a gente desse período da ditadura. Eu queria que você falasse um pouco desse cotidiano. Porque a gente lê muito, é um assunto em questão hoje mas é diferente quando ele é visto sob a perspectiva pessoal. Eu queria que você contasse um pouco essas vivências, o que você via no dia a dia, tanto na militância quanto no seu cotidiano.
R - Olha, era um momento bem difícil. Era um momento que a gente não podia, tinha medo de falar. Isso é uma coisa muito ruim. Acho que quem não viveu isso não consegue imaginar o que é isso. Porque hoje você tem, nós temos liberdade para falar o que a gente quiser. E a gente, então mais de duas pessoas reunidas já era também uma coisa suspeita. Então era uma coisa muito, então a gente tinha de um lado os desbundados, como se chamava, que eram pessoas que até começaram, ah, paz e amor, movimento hippie. Um pouco de droga, já início de droga, de maconha, de não sei o quê. Então vamos viver, curtir a vida e tudo. Tinha uma grande massa de gente alienada e tinha umas pessoas militantes políticas querendo mudar a situação social e tudo. E esse era o meu grupo. Era o grupo dos militantes. Que não era também só essa coisa de seriedade. Tinha coisa, só essa coisa, era seriedade mas tinha essa coisa de também liberdade sexual, de curtir a vida, de viajar, de fazer as coisas. Agora eu acho que era o momento bem difícil assim que a gente tinha uma, se viu meio numa, as pessoas que eram do movimento de esquerda nos vimos assim numa coisa de “vamos fazer coisas para mudar essa situação”. E eu frequentava, então eu trabalhava, e um período, outro período eu ia para a faculdade. E comecei logo a, e começando a me encaminhar um pouco mais para o jornalismo. E ao contrário de toda a minha vida escolar anterior que era uma vida muito ligada à escola, na faculdade eu já comecei a deixar um pouco. E comecei já a me aproximar do mercado de trabalho. E logo no segundo ano de faculdade eu já consegui um emprego em jornal. E foi no Estadão, no Estado de São Paulo. E era um momento em que o jornal estava censurado. Então isso também era bem difícil. Porque a gente saía, fazia reportagens fantásticas e aí a reportagem era censurada. E aparecia no lugar da reportagem uma receita ou saía versos de Camões. Que era a forma com que o jornal deixava claro, né, que. Então realmente era uma coisa muito difícil. E eu me lembro que uma das coisas, então a gente tinha assim, subterfúgios para poder passar as coisas. E uma das reportagens que eu fiz era a construção da primeira linha do Metrô, que tem a Estação Liberdade. Eu fui lá fazer a reportagem. Reportagem mais banal do mundo, de buraco de rua, aquelas coisas. E aí era reportagem sobre a construção e eu fui com um grande fotógrafo, que hoje é diretor da Revista Brasileiros, Hélio Campos Mello. A gente fazia muita coisa em dupla. E pegamos uma foto fantástica que era uma placa escrito: "Liberdade interditada". Era a liberdade, a Avenida Liberdade. E isso saiu bem ampliado no jornal numa matéria sobre a construção do Metrô, mas era um subterfúgio para a gente passar. Nessa altura eu comecei também a escrever para jornal de esquerda. Então uma vez tirei férias do Estadão. Peguei as férias que eu tinha no Estadão e fui coordenar uma edição sobre o trabalho da mulher no Brasil para o Jornal Movimento. Então o foco era o trabalho da mulher no brasil. Então decidimos fazer coisas, perfis da mulher trabalhadora quebradeira de coco babaçu no Maranhão, a empregada doméstica no Rio de Janeiro, a camponesa em Minas Gerais. Fizemos uma coisa muito interessante, muito legal. Pegamos as estatísticas do IBGE, transformamos em gráficos. Grandes autores como Chico de Oliveira escrevendo artigo sobre esse tema. E aí tinha a censura prévia, né? A edição inteira foi censurada. Inclusive os quadros com as estatísticas do próprio instituto de pesquisa do governo, do IBGE. Então era incrível assim, um grande xis. E então era muito frustrante. Porque eu tinha pegado umas férias para fazer aquilo, coordenar aquele trabalho fantástico, né? E aí era época que o MDB, havia dois partidos a arena e o MDB. E o Ulisses Guimarães era o grande líder do MDB. E a gente xerocou os originais e ele, eu lembro dele falando, que aquilo tinha que acabar, que a censura como essa censura que censurou essa edição. Então enfim, momentos, anos de chumbo. Anos pesados.
P/1 - Conta um pouco pra gente, você falou que apesar da distância já da universidade você teve uma série de vivências com o movimento estudantil. Eu queria que você contasse um pouco pra gente da experiência da universidade que também era nova, apesar de tudo para você, com aquela quantidade de coisas acontecendo.
R - Olha, a Cidade Universitária, a USP nesse momento era um momento isso, de muita repressão. A gente achava, tinha muitos agentes dos órgãos de segurança infiltrados. Então era bem difícil. A gente tinha dificuldade de falar as coisas, era uma coisa muito controlada, era uma coisa realmente bem difícil. Apesar disso a USP é aquela beleza, aquela Cidade Universitária, aquele contato entre as pessoas. Contato entre pessoas das várias universidades. Eu logo, eu fiz amigos em várias, em vários lugares como amigos da FAU, amigos na História, na Geografia que foram os amigos mais, que eu me lembro mais. Então havia essa troca, havia essa coisa de, claro que essa situação de repressão é a situação predominante. Mas aí, de repente, ia um cara como o Plínio Marcos dar uma palestra na universidade. E eu, por exemplo, conheci o Plínio Marcos e nos tornamos amigos. E ele foi um dos caras com o qual eu iniciei minha vida profissional. Porque ele escrevia a mão, mas ele tinha que entregar as crônicas dele para o Jornal Última Hora, ele tinha que entregar datilografadas. Aí eu passei a datilografar e corrigir o português. Porque ele tinha dificuldade com português. E aí aos poucos comecei, passei a fazer assessoria de imprensa para as primeiras peças que ele escreveu. Especialmente para uma peça chamada Quando as Máquinas Param. Foi uma peça que ele escreveu sobre uma greve. Peça que foi realizada pelo Sindicato dos Trabalhadores Têxteis. Então, enfim, eu acho que São Paulo tinha isso de, era da mesma forma que existia a repressão muito forte, tinha os movimentos de reação. Teatro de Arena, a intelectualidade que se reunia ali no bar na frente do Cine Belas Artes. Que agora eu esqueci o nome. O Riviera, que era um bar em que as pessoas de esquerda se reuniam. Então tinha, né, havia tanto a repressão quanto a reação contra essa repressão. Mas, realmente, tinha assim uma coisa da gente sentir que estava escrevendo a história, sabe? Aí, por exemplo, no caso que estava assim fazendo coisas que eram importantes. E a gente se unia, e a esquerda, como havia uma divisão muito grande entre quem era da ditadura e quem era contra a ditadura, havia só duas correntes, digamos. Dois partidos: Arena e MDB. Ou você era de um ou você era de outro. Então havia muito mais união entre as pessoas que eram contra aquilo. E eu comecei também a ter militância sindical. Porque, então, eu fui trabalhar, trabalhei no Diário Popular, trabalhei na Folha de São Paulo. Logo passei a trabalhar no Estado de São Paulo, onde eu permaneci oito anos. E me tornei diretora do sindicato, militante sindical. E, por exemplo, na morte do Vladimir Herzog, nossa, eu sinto que eu participei muito ali da linha de frente da reação contra aquilo. Que a gente não podia ficar calado com aquela morte, com mais aquela morte. Não era a primeira morte de pessoa que a gente conhecia. Mas chegou um momento em que a gente falou: "Basta". Então houve uma articulação, uma articulação bem grande do pessoal do jornalismo para dar um basta àquilo.
P/1 - Nesse período todo você retomou o seu contato com seus pais depois da prisão, como é que foi?
R - Ah, durou pouco ali. Acho que foi, é, depois da prisão já estava. Não durou muito tempo não. Foi o começo que foi bem difícil, porque aí foi uma ruptura. As rupturas sempre são muito violentas, muito fortes, drásticas. E aí a dificuldade de me manter por mim mesma totalmente. De, principalmente a falta assim do apoio afetivo mesmo. Mas passou depois e aí era uma coisa mais da minha mãe que era preocupada. Eu acho que também, né, se você pega historicamente a coisa assim, a mulher sempre foi, houve sempre uma coisa de repressão de ver a mulher numa coisa dual. Ou a mulher é santa ou ela é a prostituta. E aí a mulher de família ela é a mulher santa. Então acho que havia todo um contexto assim.
P/1 - E depois de trabalhar no Estadão, como é que foi o período de reabertura, de mudança? Você falou agora do Herzog. Quando vocês começaram a sentir que as coisas estavam mudando, mesmo profissionalmente, sua luta pessoal?
R - Olha, vendo assim do meu lado pessoal elas começaram a mudar, a gente começou, elas começaram a mudar nos anos Geisel, né? Que vieram, que o Geisel falava dessa abertura lenta, gradual, gradativa, segura, sei lá, não lembro muito. Mas começou a poder ter um pouco mais de conversa, de coisa. E nossa, é tanta coisa, a gente não vai nem chegar nos museus assim. Será que vai ou não?
P/1 - Vai sim.
R - Assim, no meu caso teve essa militância sindical em 1979, bom, aí tem todos os movimentos sindicais, o movimento sindical dos metalúrgicos. Onde surgiu o Lula também. Há uma movimentação grande dos trabalhadores no Brasil. Uma coisa que... A reação e a redemocratização veio muito por pressão desses movimentos sociais que começavam a se articular. E eu era diretora do Sindicato dos Jornalistas e nós fizemos uma greve em 1979. E essa greve foi declarada ilegal pela Justiça. E aí então as pessoas que tinham participado da liderança dessa greve foram muito perseguidas. E eu fui uma delas. Nessa altura eu estava grávida do meu segundo filho, em 1977 eu tive a minha primeira filha, Joana. Eu casei com um colega do Estadão, Sérgio Buarque de Gusmão. E em 1977 eu tive a primeira filha. Eu trabalhava no Estadão e em 1979 eu estava grávida do Bruno. Fizemos essa greve que foi declarada ilegal. Aí o jornal, o Estado de São Paulo, resolveu, não podia me demitir porque eu tinha dupla estabilidade. Tanto a estabilidade da gravidez quanto a estabilidade por ser diretora sindical. Então eles abriram um processo contra mim para provar o que eles achavam que eu tinha cometido, uma falta grave. Falta grave que teria sido essa, ter participado da liderança de uma greve ilegal. Então nesse momento foi muito difícil. Porque as portas todas se fecharam. Os patrões falaram uns com os outros, então as pessoas que foram demitidas nessa onda foi uma coisa muito difícil. Depois veio a Lei de Anistia, então, se é que a Lei de Anistia anistiou tudo. Então o jornal teve que pagar o retroativo. Então eles, a Justiça do Trabalho não chegou nem a analisar o que eles estavam pedindo. Mas naquele momento foi um momento de bastante dificuldade, porque foi um momento em que eles simplesmente suspendem o TR. Então não pagam o que é devido, fundo de garantia, ou indenizações devidas, ou férias acumuladas o que seja. Simplesmente suspendem. E aí então o mercado estava, ficou muito fechado pra mim e para os colegas que tinham, saí nessa altura. E nessa altura também a imprensa, ela estava muito em cima desses grandes grupos, né? Grandes jornais, grandes televisões. Não é como hoje que você tem, por exemplo, um monte de sites. Hoje o mercado é muito mais pulverizado, há muito mais mercado de trabalho. Então, eu comecei a trabalhar como freelancer. E aí fui trabalhar na Fundação Carlos Chagas para fazer um jornal chamado Mulherio. Que foi um jornal do movimento feminista. Fiquei alguns anos trabalhando nesse jornal e fui retomando a vida de jornalista nas grandes empresas. Aí fui para área de televisão. Trabalhei um tempo editando na TV Globo, depois fui convidada para dirigir um programa na TV Cultura, fui pra lá. Daí nos anos 80, mais ou menos fui chamada pra, teve uma oportunidade de trabalho numa revista especializada em Design. E aí foi o momento em que eu iniciei nessa área do design que é a área em que eu estou desde então. Desde então. Foi uma coisa bacana assim porque eu já tinha escrito sobre muita coisa muito difícil. Muita coisa nos jornais eu escrevia sobre política, eu escrevia sobre educação, temas muito hard assim. E muito de coisas de muita dificuldade, mazelas. Coisas difíceis. Ou mesmo o movimento de mulher, essa disparidade entre mulher e homem no brasil. Então coisas mais ligadas a movimentos sociais. Mas aí fui chamada para uma revista que escrevia sobre design, sobre uma coisa, design que é uma coisa que tem um componente estético muito forte. Mas tem todo um conteúdo, tem toda uma parte relacionada a melhorar a vida das pessoas através de uma melhora dos objetos do cotidiano, da paisagem que nos cerca. Do que é que o homem, do que é que a gente pode construir para melhorar a vida da gente. Aí desde essa época fiquei mais nessa área de design.
P/1 - A gente já fala de design, mas eu não posso deixar de perguntar de 1977, do nascimento da sua filha, né? No meio de tudo isso você é mãe, como é que é ser mãe nesse momento?
R - Olha, foi assim, acho que a experiência visceral assim da vida mesmo é a maternidade. Acho que é pra mim, eu acho que pode não ser para todas as mulheres, ou para todas as pessoas, mas para mim foi assim maravilhoso. Foi realmente uma coisa, mudou, mudou totalmente a minha vida. E eu já, quando eu engravidei eu já sabia que ia ser menina, já tinha dado o nome, que era Joana. E já, então foi uma gravidez muito curtida, muito esperada. E realmente, aí depois, dois anos depois fiquei grávida aí do Bruno. Então 1977, 1979 eles foram muito pertinho. Eu sempre quis ser mãe, e acho que tive na hora certa. Foi, eu tinha vinte e sete anos, eu já não era tão nova, pelo menos não tão nova. Minha mãe aos vinte e sete anos já tinha tido oito. (riso) E eu tive a primeira aos vinte e sete. E foi muito legal. Foi uma coisa assim, eu acho que hoje, é que a gente também não pode ficar se lamentando e tudo, mas eram momentos muito conturbados. Se eu pudesse hoje, acho que eu teria me licenciado durante um tempo um pouco maior do que os três meses de licença maternidade que havia. Mas acho que foi como foi, né? E assim, realmente acho que é uma coisa maravilhosa que foi, muda a pessoa. E acho que assim, o fato de ser mãe é uma dimensão muito importante da minha vida. E tenho, tive muita felicidade com os dois, porque eles são gente muito boa, são pessoas muito legais. E temos uma, sempre tivemos uma convivência muito legal. Agora só estou com um problema que ainda não me deram um neto. (risos) Precisam dar. É o único.
P/1 - Volto ao design agora. Você já havia mencionado que isso já vinha um pouco do seu avô, o gosto pelo belo, pela estética, e depois acho que uma vivência muito intensa nos desfiles, já nas vindas para São Paulo. Como é que foi entrar no design agora? Você falou um pouco que foi participar dessa revista, mas foi uma opção também, você teve essa consciência? Como foi?
R - Eu acho que sim. Opção não, claro, são pequenas escolhas e tudo. Mas jornalista vai mais ou menos assim para onde o vento vai batendo, vai indo. Mas foi, foi uma coisa muito boa. Eu encontrei um amigo meu, ele falou que estava trabalhando numa revista de design e me chamou, ele estava dirigindo a revista, me chamou para ser repórter. E aí na hora nem veio tanto à mente essa coisa do avô. Isso foi coisa que eu fui verificando assim depois. Mas foi um momento, era um momento em que, logo ele saiu. Ele voltou a trabalhar no jornal que ele trabalhava antes, aí eu passei a dirigir a revista. Então foi encontrar um grande tema, um tema que era bem desassistido. E eu acho que eu desde muito cedo sou ligada nessa coisa do objeto. O objeto que nos cerca. Acho que, em Ribeirão não tinha museus, pelo menos não museus relevantes. Tinha o Museu do Café, que era o museu contando um pouco da história do café. Em Cássia não tinha, como não tem museu ainda. Então eu não tinha essa convivência com a arte, ou com, através das instituições museológicas. Eu tinha uma convivência com o objeto. Mas desde cedo eu acho que eu reparo muito nessa coisa do objeto feito, criado pelo engenho humano. O que é que o homem cria para melhorar o seu dia a dia. Então quando eu era, acho que eu devia ter uns treze, catorze anos eu comprei um objeto numa rua popular lá em Ribeirão que era um candeeiro, que põe querosene para iluminar. E esse candeeiro era velho, era usado, era uma coisa. E aí meu pai viu e ele pegou e achou aquilo muito feio e pintou. E eu fiquei muito chateada com ele, porque ele maquiou um objeto, ele maquiou, ele tentou. Ele fez, ele nem se preocupou em saber. Isso para ele nem era desrespeito, hoje eu acho que é. Mas ele nem se preocupou que eu, o que eu tinha gostado era a verdade daquele objeto. Era aquele objeto velho daquele jeito. Um objeto que contava uma história de um jeito de iluminar as casas, de um jeito de viver. E também desde cedo eu acho que eu me emociono muito com o que é feito pelas mãos, com as mãos dos homens, das pessoas. O que as pessoas criam. Eu mencionei a minha avó com seus pequenos retalhos, fazendo colcha de retalho. E essa beleza que é criada às vezes a partir de condições precárias, de coisas, não as condições ideais. Então acho que quando eu fui, ah, e meu irmão Eli, ele não, ele não chegou a terminar, a fazer faculdade mas ele tinha uma, sempre teve uma capacidade enorme de criação. Uma criatividade incrível. Então, por exemplo, ter trabalhado nesse ambiente que ele projetou inteiramente, essa Livraria Hedoné em Ribeirão Preto, a livraria toda branca. Ele fez o logotipo da livraria também. Então eu tinha já uma sensibilidade aguçada para isso. E era um campo muito virgem, que até as pessoas falavam: "Mas como você vai escrever sobre o design se não existe design no Brasil?". E o que eu percebia era que existia sim. O que não existia era a comunicação sobre o design. As pessoas faziam isoladamente. Então foi um enorme campo de trabalho e de falar, e de mostrar, contar essa história que não estava contada. Inclusive os designers mais velhos estavam morrendo sem poder relatar o que é que eles tinham feito, o que eles tinham vivido. Então foi uma coisa muito, muito legal. E é esse o campo, então é um campo, o campo em que eu me insiro hoje profissionalmente é esse campo que alguns chamam de arte utilitária. E outros chamam de design. Design é uma palavra que não tem muito tradução para português e para nenhuma outra língua a não ser para espanhol. O que tem, o que seria em espanhol seria diceño e não dibujo, que é o nosso desenho, né? Então o design é essa coisa que é um projeto. Tem embutida essa ideia de projeto, a ideia de futuro, de desígnio. Porque vem da raiz latina desígnio. Então é muito estimulante trabalhar com essa área. Eu comecei a trabalhar nessa revista e fui chamada uma vez para auxiliar umas pessoas que estavam fazendo uma exposição sobre cadeiras no Museu da Casa Brasileira. Eu trabalhava na Revista Design Interiores. E elas tinham acumulado um monte de cadeira e tinham começado a fazer uma pesquisa. Estavam com uma montanha de cadeira no museu e não cabiam essas cadeiras. Então o que fazer? Com que critério usar para selecionar? Então me chamaram. Na hora, elas achavam que iam fazer sozinhas, e chegaram a um determinado ponto que sentiram falta de um fio para... Me chamaram então para fazer a curadoria dessa exposição. E eu, como seria a primeira, eu chamei um designer para ir trabalhar junto comigo, que foi o Guinter Parschalk. Então a gente analisou tudo o que estava lá e estabelecemos alguns critérios para selecionar e para poder separar e depurar aquilo que estava lá. Foi a primeira exposição que eu fiz. Então, eu achei foi muito interessante porque dá para você tratar de um assunto sob a forma de um ensaio que você escreve, ou de um livro, um artigo, uma reportagem, que é diferente de um ensaio, que é diferente de um artigo. Ou dá para você fazer, pesquisar um assunto e apresentá-lo tridimensionalmente num ambiente, num espaço, fazendo uma exposição. São mais ou menos, as coisas são mais ou menos parecidas. O que muda é a mídia de apresentação. Você pode também fazer uma pesquisa e fazer um vídeo. E a mídia no caso é uma mídia, da exposição, é a mídia tridimensional. Desde essa primeira exposição eu procurei, eu acho que uma das coisas que move a minha trajetória desde o começo é uma ideia em relação à cultura que é a seguinte, várias vezes a gente ouve falar assim: "Precisamos levar cultura para o interior", "Precisamos levar cultura para a periferia", como se a gente tivesse a cultura. “Nós temos a cultura com c maiúsculo e eles não têm, então precisamos salvá-los da sua ignorância, levando com muita caridade, com muita boa vontade, levando a cultura para lá.” E essa é uma visão que eu acho dual, é uma visão que não reconhece que todos nós temos a nossa própria cultura. Que pode não se encaixar, quer dizer, tem uma cultura que é a cultura do modelo eurocêntrico, que é também o modelo do museu de arte europeu, dos museus do hemisfério norte. E tem uma outra. E então, normalmente, as exposições estão dedicadas a difundir esse conceito de cultura. Então são as exposições em que você vai para se ilustrar do que é a civilização. Do que é a coisa certa que você tem que aprender para se corrigir e adotar aqueles cânones que você está vendo lá e se maravilhar com aquilo. Eu sempre fui contra isso. Então, desde essa primeira exposição na hora de organizar esses núcleos, eu já organizei um dos núcleos eram As Anônimas. Eram as cadeiras anônimas. Então são cadeiras pesquisadas entre as cadeiras, mais do que cadeira era assento, da população. Então a gente colocou um núcleo que tinha banquinhos feitos, por exemplo, por vendedores ambulantes. Que são verdadeiras lições de design, de encaixe, de portabilidade. E essa preocupação eu fui tendo no decorrer da minha atuação não só como jornalista, mas aí fazendo minha atuação na área dos museus. Que é essa coisa de tentar levar, abrir o museu que é um espaço sacralizado, é um espaço em que você vai para ver o que está legitimado. Estar dentro de um museu não deixa de ser uma legitimação, e levar para esse espaço que é frequentemente sacralizado e frequentemente está distante da gente, levar as coisas das pessoas comuns. Que eu acho que é um pouco também o que o Museu da Pessoa faz, né, que ouve todos. Não ouve só o grande líder. Ouve a pessoa, a história do cotidiano, coisa assim. Então acho que essa foi, talvez, a principal tentativa de contribuição que foi fazer com que as exposições espelhem a gente na nossa, a população na sua totalidade. E sejam realmente capazes de expressar uma verdade, verdades plurais, e não só uma visão hegemônica da cultura.
P/1 - Bom, Adélia, você falava um pouco de romper com as experiências hegemônicas dentro dos museus e você estava falando um pouco da sua atuação nesse sentido. Eu queria que você falasse para mim de outras exposições e outros trabalhos que você desenvolveu e que foram marcantes para você, sobretudo. Não necessariamente os mais famosos, mas aqueles que te tocaram enquanto experiência pessoal.
R - Bom, eu adoro fazer exposições, eu acho que é uma coisa muito bacana. Porque você consegue envolver as pessoas até pelo uso do espaço tridimensional do ambiente todo. Eu acho que uma exposição que me marcou, bom, o que é curadoria? Curadoria é um termo que as pessoas às vezes não entendem, mas é assim, o curador na verdade ele lê, ele vê o mundo e ele resolve propor um recorte em cima daquilo que ele vê para propor determinadas coisas. Então uma vez, uma experiência que eu gostei bastante de ter feito, o Instituto Itaú Cultural estava com um tema Arte e Cotidiano. E durante o ano. Eles elegiam um tema por ano. E me pediram uma proposta. E aí a proposta que eu fiz foi de uma exposição, isso foi em 1999, foi uma proposta de uma exposição que tratasse da transformação das coisas sem valor em coisas de valor. E que a gente podia chamar de reciclagem, por exemplo. Naquela altura se falava de sucata. Ou que a gente podia não só de sucata de coisa usada, como coisas à toa assim, que a gente não desse muita atenção. E aí eu fiz uma exposição que se chamou Os Novos Alquimistas. Alquimia por causa dessa ideia da transformação. Então eram coisas que saíam, às vezes, do lugar mais abjeto, que é o lixo, e que por meio do engenho humano se transformavam em coisas para a gente usar. E, às vezes, elas tinham uma força tal que se tornavam coisas que iam para os museus de arte. Daí o cotidiano, arte, dentro desse parâmetro. Foi uma exposição, eu faço a concepção e a escolha dos objetos, as peças e tudo. Mas eu não faço a montagem, o projeto de montagem, porque eu não sou arquiteta nem designer. Minha formação é essa em Jornalismo. Então eu chamo pessoas para trabalhar comigo para fazerem essa materialização da ideia no espaço. E essa exposição foi feita por uma pessoa que eu tenho grande admiração, que foi Janete Costa. Uma arquiteta que já morreu, e que era capaz de fazer uma coisa muito quente como eu queria. Para tocar as pessoas. Então eu sempre tive essa intenção de que as pessoas, de alguma forma sejam tocadas pelas exposições que eu faço. Que elas saiam de lá diferentes de como elas entraram. Ou tendo visto mais coisa, com mais perguntas talvez. Ou mais felizes, ou mais inquietas. Ou mais, às vezes, triste se é uma coisa ruim. Enfim, que aquilo provoque algum tipo de impacto na vida delas. E essa exposição conseguiu isso. Foi uma exposição que as pessoas se sentiam, tinha gente que chorava até, na exposição, por causa dessa ideia da coisa. Porque a gente tinha uma primeira imagem, era uma imagem de um lixão com coisas boiando. E as pessoas viam a transformação. E era bem no começo quando se falava sobre esses, nem se falava, nem existia essa coisa de sustentabilidade ainda. Mas trabalhava bem dentro disso. Uma exposição pequena, densa, mas com uma certa dramaticidade assim muito legal. Uma outra exposição que eu me lembro, que foi marcante para mim, foi uma exposição quando foi abrir o Museu Oscar Niemeyer em Curitiba. O Jaime Lerner era governador e me chamou para fazer uma exposição de cadeiras. Como eu já tinha feito uma exposição de cadeiras, que foi aquela primeira em 1994, quando ele me chama em 2002, eu sugeri para ele uma coisa que eu gosto muito também nas minhas exposições e ele topou. Era fazer uma exposição que mostrasse a história da cadeira no Brasil como uma coisa que conta sinteticamente a história do design no Brasil mas que mais do que da cadeira, a gente falasse sobre o ato de sentar. Então fosse uma visão antropológica sobre o ato de sentar e a importância desse artefato, cadeira ou poltrona, na nossa sociedade brasileira. Que aí eu podia desde trazer de volta o meu avô quentando fogo lá numa posição de cócoras até discutir o que é que é essa coisa, né? O que é que é a cadeira que, o que a Santa Sé, que é a sedia, é o lugar onde o papa se senta. Sedere, do latim. Podia discutir essas coisas todas para tentar iluminar um pouco, trazer um pouco o foco de luz para essa coisa de um artefato de nosso cotidiano. Então o que eu, aí eu juntei nesse, fiz um grande painel que tinha essa visão mais antropológica, que eu juntava desde O Pensador do Rodin sentado sobre uma pedra, não sobre uma cadeira. Mas então o ato de sentar vinculado ao ato de pensar, de refletir ou de estudar, ou. Até a coisa do caipira que prescinde de cadeira. Que fica de cócoras, que foi até a imagem que fechou a exposição. Porque a exposição inteira reiterava a importância da cadeira e fechava falando da desimportância da cadeira. Enfim, é muita coisa para contar aqui rapidinho. Mas essa ideia assim de uma visão antropológica de não ser a coisa só pelo viés estético. Mas já que design é uma coisa multidisciplinar que está ligada com economia, tecnologia, antropologia, psicologia, sociologia, enfim, tem várias interfaces. Que as exposições consigam refletir um pouquinho isso. Aí a coisa mais importante que teve na sequência disso foi eu ter sido chamada em 2003 para dirigir o Museu da Casa Brasileira em São Paulo. Um museu num lugar muito bom, muito bem localizado em São Paulo, na Avenida Faria Lima, no entanto, um museu que estava fechado em si próprio. Um museu numa casa da elite paulistana. Um museu que se chama da Casa Brasileira, no entanto é uma casa que está representando a casa da elite. E um museu que estava muito desligado da vida da cidade, estava muito ensimesmado. E com uma vida de muito pouco impacto no seu entorno. E aí foi bem legal porque eu consegui então fazer uma gestão que contribuiu para tornar o museu mais relevante socialmente. A primeira coisa que eu fiz quando cheguei lá foi abrir os portões do museu. Porque esses portões permaneciam semicerrados. A cada vez que alguém entrava lá tinha que perguntar: "Bom dia". Aí você tem que se apresentar. Já é um constrangimento, né? É um espaço público, é um espaço que pertence ao Governo do Estado de São Paulo, portanto sustentado pelos nossos impostos. Então abri, escancarei mesmo a porta do museu e comecei a fazer exposições desse tipo. Exposições não só com a cultura da elite mas com a cultura tanto da periferia, cultura da população. A primeira exposição que eu fiz foi uma exposição sobre revitalização do artesanato brasileiro através da ação de alguns, de um designer especificamente, que foi mostrado na exposição, que foi o Renato Imbroisi. E depois levei algumas exposições, uma das mais relevantes, que eu me lembro muito de ter feito, eu não fui a curadora mas abri as portas. Chamei uma curadora de Salvador que tinha feito uma exposição sobre o design popular da Bahia. E então foi muito interessante ver naquele espaço muito sofisticado, muito imponente, aquela casa muito imponente, ver aquelas coisas bastante da rua mesmo. Que você passa por elas na rua e nem se dá conta da inteligência projetual que elas têm. Desde vários tipos de utensílios, de objetos. E de carrinhos, por exemplo, de ambulantes que são usados nas ruas. Então isso foi bem legal. Passei quatro anos lá no Museu da Casa Brasileira. A visitação aumentou quatrocentos por cento quando eu estava lá. E isso foi muito bom. Então foi também ter essa ideia de um museu de portas abertas que tem uma interferência que consiga ser relevante, trazer as pessoas. Não só trazer as pessoas para elas verem algo que não tem a ver com elas, mas as pessoas se sentirem representadas ali dentro. Depois a outra coisa mais relevante que eu fiz, que eu acho bem bacana, foi quando em 2007 o secretário municipal de Cultura, Carlos Augusto Kalil, me chamou para conceituar uma nova instituição museológica em São Paulo. Ele estava recebendo, a secretaria estava recebendo de volta o acervo do antigo Museu do Folclore, que existia até o ano 2000 na Oca. Dividia o espaço da Oca no Parque do Ibirapuera com o Museu da Aeronáutica. E que tinha ido para outros lugares e que, finalmente, voltava para a prefeitura. Só que ele queria dar uma, ressignificar esse acervo e pensar que museu poderia ser feito, não só para abrigar esse acervo dentro de um novo conceito, não mais o conceito do folclore, mas dentro de uma visão mais contemporânea. Eu acho que ele, eu não sou museólogo, então eu acho que teria até pessoas mais apropriadas para fazer isso do que eu. Mas eu acho que ele me chamou justamente por essa linha que eu imprimi no Museu da Casa Brasileira. Que é essa linha de uma museologia que é mais participativa. É uma museologia em que não se trata de levar uma memória e impor essa memória sobre os outros, mas de criar memórias coletivas em vias múltiplas, de duas mãos. Não só eu impondo o que eu penso a você, mas nós trocando, a gente, mas exposições e ações museológicas baseadas numa troca real. E aí então coordenei, chamei uma equipe para trabalhar comigo na conceituação dessa instituição. Teve um papel muito importante, tiveram um papel muito importante Cristiana Barreto. Que é conhecida como Kika. Maria Lucia Montes e Marcelo Manzatti. E nós conceituamos essa instituição que é uma instituição que, cujo cerne é espelhar isso que a gente acha que é a maior riqueza que a gente tem que é a diversidade cultural do Brasil. Um país desse tamanho continental onde tantas coisas diferentes convivem nas várias regiões. E, no entanto, as culturas populares ainda não estão devidamente mostradas e, mostradas no seu esplendor. Mostradas na sua sofisticação, na sua, enfim, com as suas melhores qualidades. Ainda é uma coisa meio de segunda categoria, visto como de segunda categoria e tudo. Então essa instituição, o nome que ela ganhou é Pavilhão das Culturas Brasileiras. Cultura no plural para a gente englobar desde a cultura indígena. É um museu inclusivo, então não é um museu que separa em departamentos. Está lá desde as culturas indígenas como as culturas populares. E a gente na verdade não vê essa oposição muito forte entre, não acha que o popular seja uma categoria de per si. Mas, então, por isso é que chama, é uma coisa de valorizar justamente essa questão plural, da pluralidade que a gente tem aqui. Desses hibridismos também, essa mestiçagem que é uma qualidade enorme que o Brasil tem. É um bem que hoje está fazendo falta para várias nações que são muito mais fechadas do que a nossa. E aí, para anunciar essa nova instituição, o Kalil voltou a me contratar. E aí nós bolamos uma exposição que aí a gente tomou emprestado um nome que eu acho lindo, que é o nome Puras Misturas. É uma expressão do Guimarães Rosa. Eu acho que ele sintetiza poeticamente essa principal qualidade da cultura brasileira que é essa coisa da mistura, da mestiçagem. E aí ele, é uma coisa paradoxal que ele fala das puras misturas. Se é puro não é misturado, se misturado não é puro. Mas é esse paradoxo que faz a nossa cultura. Então a gente fez essa exposição que durou de abril a novembro de 2010. E agora eu continuo com a minha ação de independente como uma prestadora de serviço, como uma curadora autônoma. E vou voltar a fazer uma exposição para o Pavilhão, mas não pertenço aos quadros do Pavilhão. Mas, até para eu conseguir sem esse vínculo institucional, eu quero ficar mais livre para levar essas ideias para mais lugares e tudo. E o que eu acho é que na verdade se trata de uma questão mais ampla que é o seguinte: eu acho que hoje esse mundo cultural, o mundo dos museus, ele está muito marcado pelos paradigmas que vieram de algum centro de poder do Hemisfério Norte. Então a civilização européia ditou o que é o próprio conceito de museu. E aí você vê as coisas em Londres, em Paris, como centro difusores dessa coisa. Nova Iorque. E a história da arte no Hemisfério Sul está muito mal contada. A história do design no Hemisfério Sul então, não é que está mal contada. Ela praticamente inexiste. Eu acho que hoje a gente está vivendo, até com o advento das mídias sociais, a gente está vivendo uma nova correlação de forças, em que as direções e os fluxos culturais não são mais só numa mão de direção, do Hemisfério Norte em relação ao Sul. Então a gente tem que aproveitar isso para fazer coisas que mostrem no cenário internacional as coisas fantásticas que a gente tem no Hemisfério Sul. Aí vamos pensar na América Latina toda, vamos pensar em África. Que, hoje, a África, a gente vê como sinônimo de pobreza, miséria, às vezes corrupção. E, no entanto, a África é um continente pujante, por exemplo, no seu design do cotidiano. Coisas fantásticas, uma criatividade enorme. Aí a gente também está falando do sul da Ásia, a gente está falando de Oceania. Eu estou bastante interessada em fazer com que essas coisas sejam reconhecidas, sejam conhecidas, sejam divulgadas portanto. Através de boas exposições, livros e reconhecidas. Porque para que algo seja respeitado, a gente não respeita o que a gente não conhece. Então eu acho que para que haja esse respeito é preciso, porque eu acho que a gente tem que mudar essa correlação de forças que é a gente aqui no Hemisfério Sul exportar matéria-prima em bruto e importar o produto acabado, importar a tendência. E eu acho que a gente tem que autoafirmar a nossa própria cultura. Ou as nossas culturas.
P/1 - Adélia, a gente está começando a finalizar a nossa entrevista, tem umas últimas perguntas. Você deu uma dimensão da curadoria muito legal que é a visão de você humana, enquanto participante dessas exposições. Eu queria que você falasse para mim como é para você ver a exposição pronta. Quando você chega numa exposição pronta, ou como, se você acompanha. Você falou um pouco dos visitantes que você viu chorar. Como é que é esse momento de ver aquela ideia realizada.
R - Ah, é muito emocionante. Claro que nem sempre dá certo. Às vezes a gente faz exposição que não dá certo. Às vezes a gente tentou colocar coisa demais, ficou muito ansioso, colocou peça demais num espaço pequeno. Ou tem algumas coisas que acabam não resultando bem. Porque pode ter uma boa ideia, uma má finalização. São muitos problemas. Uma exposição é uma coisa muito complexa, que envolve muita gente. Agora, eu acho assim, eu vivo para isso, para ver essa reação das pessoas. E é essa reação que me dá, que é o meu metro para medir se aquilo deu certo ou não. Então numa exposição como Puras Misturas, foi uma exposição em que as pessoas se reconheceram muito. Então uma exposição que famílias iam e se fotografavam no espaço. E é uma exposição que as pessoas: "Ah, isso tinha, na minha avó tinha isso". Ou: "Eu já vi isso não sei onde, isso faz parte da minha história". Então isso foi muito, muito legal de ver. Um grupo que foi no dia da abertura da exposição foi um grupo de índios pankararus, que são índios que vieram, que é uma etnia, um grupo que vive em Pernambuco. E que hoje mora na, tem vários que moram aqui na periferia de São Paulo. Eles fizeram uma apresentação e durante a semana eles voltaram como visitantes. Então isso para mim foi muito legal. E eles acabaram dando uma aula para os educadores que estavam lá contando coisas que havia uma referência a eles na exposição, e aí eles ficaram contando e tudo. Então eu acho assim, é bem, às vezes a gente quem faz, vê os problemas: "Isso não ficou legal, essa iluminação não está boa. Faltou esse detalhe aqui, faltou ali". Mas no geral é uma grande satisfação. Porque eu acho que é esse feedback que interessa. Porque é uma coisa muito custosa. Exposições são caras. Você tem que fazer uma coisa que seja bacana para quem vai ver, e se as pessoas se reconhecem e saem mexidas com aquilo é muito legal...E outro metro importante é ver a reação das crianças, uma exposição que crianças gostem e que não trate a criança como idiota também, mas em que as crianças consigam ver interesse, é porque está boa.
P/1- As minhas duas últimas perguntas. Agora eu queria te perguntar como é que foi pensar sua vida, lembrar sua vida toda, contar ela agora?
R - Ah, foi emocionante, como vocês perceberam que eu fiquei chorando nessa parte relacionada a pai e tudo, né? Acho que é muito legal, é bom assim. É bacana sentir que alguém tem interesse por isso e que quer colocar isso numa mídia, manter isso registrado de alguma forma. É bem legal.
P/1 - E para finalizar, qual que você acha que é a importância desse tipo de registro de memória, de guardar esses registros. Enfim, seja por meio de uma exposição, seja aqui?
R - Olha, eu acho que tem, a Ecléa Bosi, se não me engano, uma pessoa que escreveu sobre os velhos, tem grandes pesquisas sobre os velhos, em que ela fala da memória, de como é essa coisa relacionada com o coração. E que, e eu acho que é, memória é uma coisa, é um gênero de primeira necessidade. É uma coisa muito importante para a gente se situar no mundo, e mesmo para a gente saber do hoje, para a gente ter alguma visão de futuro também. Então memória não é só ficar escarafunchando o passado ou pensar nesse passado como uma coisa de uma nostalgia regressiva que a gente quer que volte. Ou que essa emoção que eu tive quando eu era adolescente ou criança que volte. Não, acho que é uma forma da gente saber quem é a gente e aí a partir do momento que a gente sabe quem é, a gente sabe pra onde que a gente vai, né? Ou como que a gente está vivendo hoje. E eu acho que aí quando eu falo o “a gente”, é porque essa coisa que eu acho que o passo que vocês dão, que o Museu da Pessoa dá e outras iniciativas também dão, é isso de tornar isso coletivo. Porque uma coisa é isso estar dentro dos ambientes domésticos da avó que conta a sua história para o neto ao fazer o neto ir dormir, mas isso ser socializado. Então, isso, a gente compartilhar memórias coletivas, a gente está criando memórias coletivas e está se fortalecendo mais.
P/1 - Tá certo, Adélia. Queria te agradecer então aqui a entrevista, fica registrado.
R - Legal.Recolher