Museu da Pessoa

Mistura musical

autoria: Museu da Pessoa personagem: Salomão Borges Filho

Museu Clube da Esquina
Depoimento de Lô Borges (Salomão Borges Filho)
Entrevistado por Tatiana Dias e Léo Dias
Belo Horizonte, 18/04/2007
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número: MCE_HV008
Transcrito por Suely Aguilar Branquilho Montenegro
Revisado por Luiza Gallo Favareto


P/1 – Lô, bom dia.

R – Bom dia.

P/1 – Obrigado por ter vindo.

R – Valeu.

P/1 – Então vamos começar com você falando pra gente o nome completo, data e local de nascimento.

R – Salomão Borges Filho, dez do um de 52, Belo Horizonte, Minas Gerais, bairro de Santa Tereza.

P/1 – E o nome dos seus pais?

R – Salomão Magalhães Borges e Maria Fragoso Borges.

P/1 – Podia falar um pouquinho da ocupação, da profissão dos seus pais?

R – Bom, o meu pai teve onze filhos com a minha mãe. Ele teve várias profissões, ele trabalhou nos Correios, trabalhou de jornalista, trabalhou em muitas coisas pra sustentar onze filhos, pra dar de comer a onze filhos. A profissão oficial dele mesmo é jornalista, que ele chegou até a ser Presidente do Sindicato dos Jornalistas durante uma época e minha mãe é professora e montou uma escola chamada Curso Nossa Senhora de Fátima, nos anos setenta, superbacana, eu cheguei a, aliás, foi antes dos anos setenta, eu cheguei a estudar nessa escola da minha mãe, minha mãe é professora aposentada, atualmente falecida e meu pai tá lá com 91 anos mandando ver ainda.

P/1 – Ô Lô e são onze irmãos, né?

R – São onze.

P/1 – Qual é a sua colocação dentro deles, você podia falar um pouquinho?

R – Bom, minha colocação na família, eu sou exatamente o do meio,, eu não sei porque sorte do destino, porque na minha casa todos os homens têm a letra, a inicial da minha mãe que é Maria, então, é Márcio, Marilton, Marcelo, Mauro, Marcos e todas as mulheres têm a inicial do meu pai, que é Salomão, então é Solange, Sandra, Sonia, Sheila, Sueli e na verdade, num determinado momento da vida deles, eles tiveram um filho que foi eu e minha mãe resolveu dar o nome do meu pai pra esse cara e esse cara sou eu, e aí, por coincidência, onze é um número ímpar, eu fiquei exatamente no meio, eu sou uma exceção dentro dessa regra das iniciais e ao mesmo tempo eu tenho cinco irmãos mais velhos, cinco irmãos mais novos, sendo cinco mulheres e cinco homens, eu fiquei no meio ali.

P/1 – E como era a convivência nessa casa com esse monte de crianças?

R – Bom, a convivência era muito legal, casa com muita gente é uma coisa, o tempo todo é rica, tem muita troca de ideia, muita brincadeira, muita observação, eu aprendia vendo muito os meus irmãos mais velhos brincando, estudando, quer dizer, você numa casa cheia é bem diferente de um filho único, de uma família de dois filhos, é uma coisa que é meio uma festa o tempo todo, principalmente aos domingos, que realmente os almoços na minha casa são inesquecíveis, onde meu pai e minha mãe ficavam cantando, a gente ficava fazendo batucada na mesa, todo mundo cantando e sempre foram aos pares, porque as gestações da minha mãe sempre foram muito próximas umas das outras, a diferença de idade dos filhos são pequenas e nessa a gente sempre teve pares, o meu par era o Yé, então o Yé

é o cara que eu mais me relacionei na fase de crescimento que era o cara que eu brincava, que eu ia fazer as coisas todas, porque ele é um ano mais novo que eu. Ele dividiu o peito da minha mãe comigo, eu tava amamentando ainda, eu tava mamando na minha mãe e já nasceu um e pegando o outro peito pra dividir comigo, então ele dividiu muitas coisas durante a vida e muitas descobertas, descobertas de todos os planos da vida, de chorar, o dia que a gente descobriu que todo mundo ia morrer foi um negócio barra pesada, a gente chorou muito, eu e ele choramos pra caramba. Nós aprendemos as coisas sexuais juntos, todas as descobertas nossas foram juntos, jogávamos futebol juntos, ia pra aula juntos, então o Yé foi o meu partner total, assim como o Marilton e o Márcio eram parceiros, a Sandra, a Sonia e a Sheila, aí já era um trio, a Solange e a Sueli era uma dupla e o Telo e o Nico uma dupla, eu e Yé uma dupla, então viva com o Yé que é o meu partner.

P/1 – Bacana. E como era Santa Tereza nessa sua, porque você nasce em Santa Tereza, né?

R – É, eu fui o primeiro morador, a primeira criança que morou na casa da Rua Divinópolis, 136, porque quando eu nasci, eu nasci na rua paralela, na rua de trás da Divinópolis, que é a Rua Dores de Indaiá e essa rua aí quando eu tinha uns seis meses de idade, assim, o meu pai já tinha comprado, ele tava construindo uma casa na Rua Divinópolis, então eu fui pra lá, morar lá com seis meses de idade, aí o Yé que veio um ano depois já nasceu morando lá naquela casa, nasceu na casa. Mas eu curti muito essa, essa vida em Santa Tereza, eu aprendi a andar em Santa Tereza, eu aprendi a falar em Santa Tereza, eu aprendi a brincar, bolinha de gude, aprendi, eu ia pra aula, enfim, todas as coisas até os dez anos de idade aconteceram em Santa Tereza, essa fase inicial da minha vida, da infância mesmo, foi toda em Santa Tereza, desde o nascimento até os dez anos de idade.

P/2 – O que vocês gostavam de brincar mais na rua, seus amigos, você e o Yé?

R – Cara, como eu saí de Santa Tereza muito cedo, com dez anos de idade, então a fase de brincadeiras do zero a dez anos de idade eram brincadeiras de crianças, brincar de esconde-esconde, brincar de artista e bandido, eram brincadeiras de... Brincava de jogar bolinha de gude, na minha casa tinha um quintal muito legal, de ficar, a gente subia na bananeira, na bananeira não, subia no abacateiro, era brincadeira de criança de dez anos de idade. Naquela época eram brincadeiras de jogar pião, jogar bente altas, então eram coisas de crianças daquela idade, naquele momento, porque as crianças hoje brincam de outras coisas, menino hoje tá com Ipod, ouvindo não sei o quê, tá mexendo com computador, o meu filho tem oito anos de idade, as brincadeiras dele são totalmente diferentes das que eu brincava. Mas era divertido, brincadeiras comuns, não tinha nada, era o que as pessoas daquela faixa de idade que eu tinha brincava mesmo, eram essas coisas que eu citei aí, são coisas muito tranquilas.

P/2 – E você foi morar no Levy já bem novo, né?

R – Eu fui, puts... Dez anos.

P/2 – Pois é, e como era o centro da cidade naquela época?

R – O centro da cidade era completamente diferente do que é hoje, o centro da cidade era mais movimentado do que o bairro evidentemente, mas não tinha aquela quantidade de carro, nem as pessoas se conheciam como se fosse um bairro até, um grande bairro e tinha os edifícios, a gente foi morar no edifício Levy e no edifício Levy eu conheci várias pessoas, eu tive vários amigos lá, o Marco e o Miguel, que eram dois caras, um deles falou comigo que Papai Noel não existia, eu fiquei na maior bronca com o cara, que eu descobri no edifício Levy que o Papai Noel não existia, cara, essa eu não perdoei ele durante muitos anos. “É seu pai que compra tudo, sua mãe que dá tudo, não existe Papai Noel”. Você vê que naquela época, pô, o cara de dez anos de idade acreditava em Papai Noel, é um negócio incrível. E o Centro era muito louco,, porque a gente tinha todas as coisas. Na cidade, por exemplo, as árvores eram todas frutíferas, o centro da cidade, com pé de manga, pé de jambo, e tinha algumas casas meio abandonadas, a gente invadia as casas, a turma que a gente constituiu lá, nossos amigos do centro da cidade, da minha faixa de idade, dez anos de idade, a gente ficava brincando de entrar em cinema, descobrir entradas secretas pros cinemas da cidade, isso era uma coisa demais, era muito bom porque a gente assistia vários filmes, a gente entrava nos cinemas, o Cine Tamoio a gente entrava por uma loja lá do canto, que atravessava uns telhados, não sei o que lá, começamos a sair no banheiro das mulheres no cinema, a gente tinha várias entradas secretas pra vários cinemas, a gente era rato de cidade, andar em cima de telhados pra gente, a gente gostava muito de descobrir entradas secretas pra cinemas e nessa época já rolava a história do violão também, já rolava a história do violão, que era uma coisa que fazia parte. Eu conheci o Beto lá com dez anos de idade e aí ele tava em cima de um patinete, essa história já contei milhões de vezes, ele tava em cima de uma patinete e eu fiquei apaixonado com o patinete do cara e veio o cara descendo com a patinete, eu abordei o cara, e o cara era o Beto, que o destino colocou a gente frente a frente através de um patinete, porque eu me interessei por ele e conversa vai, conversa vem eu falei com ele que na minha casa as pessoas trabalhavam com música, gostavam de música, se ouvia muita música, que os meus irmãos mais velhos tocavam, etc e tal, ele falou: “Pô, na minha casa é a mesma coisa, o meu pai é compositor, meu irmão mais velho toca também, não sei o que.” Eu falei: “Pô, então me vende esse patinete, vamos fazer...?”. É que eu não tinha dinheiro na época, criança sempre coleciona algumas coisas, e na época eu tinha uma coleção de, não sei porque, a gente trocava um monte de coisas, chegou na minha mão uma coleção de moedas, moedas de várias partes do mundo, então eu propus a ele dar essa coleção de moedas a troco do patinete, porque o patinete era uma coisa maravilhosa, era um patinete branco toda laqueada, com uns adesivos, com umas coisas legais e esse patinete foi construído na oficina que o pai dele trabalhava na Rua Bernardo Guimarães, é um lugar que eu até moro perto hoje, é a um quarteirão de onde eu moro hoje. E eu falei: “Pô cara, você tem mais facilidade de fazer que o seu pai, além de pintor, compositor, ele é marceneiro também. Você tem oficina com todos os apetrechos pra fazer um novo patinete, você podia me vender essa aí”. Ele gentilmente me cedeu o patinete e nessa, passaram-se os anos aí, ele conta a história, o Beto curte com a minha cara, ele fala que eu não paguei a dívida toda, que eu tô devendo o patinete, aí, inclusive faz parte dos meus planos, quando eu tiver com uns setenta anos, entrar no palco do Beto Guedes e entregar um patinete pra ele, pra ficar restabelecida a dívida (risos).

P/2 – E vocês moravam no Centro, você costumava muito ir no parque municipal?

R – Cara, o parque municipal, eu era um assíduo frequentador do parque municipal. Eu estudava de manhã no colégio municipal, ali no São Cristóvão, API, e a tarde eu ia jogar bola no parque, e eu cheguei a achar que o meu, que eu ia ser um jogador de futebol, como o meu filho de oito anos hoje acha que vai ser um jogador de futebol. É, eu jogava bola direto na quadra do parque, remava naquele laguinho que tinha lá, teve um episódio até um dia que a gente só podia alugar o barco de três pessoas, uma no centro e duas em cada ponta, aí paramos na margem, aí subiu o resto da rapaziada que tava esperando a gente fazer essa contravenção e aí subiu, oito em cima do barco, o barco virou dentro daquele laguinho, a gente caiu dentro do laguinho, acho que foi aí que eu aprendi a nadar. Aí caímos dentro do laguinho e, enfim... O parque municipal era um lugar que eu frequentava demais, eu ia nas festas de Papai Noel dos Diários Associados que o meu pai trabalhava, era jornalista, então eu ia no Chico Nunes, ia assistir peças infantis no Chico Nunes, então o parque era um lugar que eu frequentava demais, eu ia muito pro parque, toda tarde eu ia pro parque jogar futebol, eu era um viciado em jogar futebol. O meu negócio era o seguinte: era jogar futebol e tocar violão só que eu gostava até mais de jogar futebol, que era mais físico, mais compatível com a minha idade, um negócio de cognição, de muita coisa acontecendo, você ter que driblar, aprender a driblar, aprender a chutar. Eu, pô, a gente chegou a fazer um time no... Essa turma que jogava bola comigo no parque, a turma do centro de Belo Horizonte, a gente chegou a fazer um time, Tupis Futebol de Salão, era um time bacana e eu era um dos craques do time, aí fomos, tivemos episódios interessantes, teve um dia que a gente jogou contra o Arsenal, que era um clube de tradição, aí ganhamos de cinco a quatro, eu fiz quatro gols, aí o pessoal ficou entusiasmado, na outra semana nós fomos jogar contra o Cruzeiro, aí tomamos de seis a um do Cruzeiro, aí eu fui, só que o técnico do Cruzeiro, acho que ele sacou que eu tinha umas qualidades interessantes, aí acabou o jogo, ele falou: “Vocês perderam de seis a um, mas eu queria te convidar pra treinar no Cruzeiro”. Coisa que eu não fiz, não fiz, mas assim, futebol teve muito presente na minha vida, eu joguei futebol até ter problema no joelho, eu joguei futebol até os quarenta anos de idade depois que deu uma bichada no joelho, eu falei: “Ah, futebol agora, televisão, estádio, outra coisa”.

P/2 – Pendurou a chuteira?

R – Pendurei a chuteira, o tênis, tudo junto.

P/1 – Lô, você podia falar um pouco ainda na sua infância, músicas que tocavam na sua casa, coisas que você gostava, que te marcaram, qual foi seu primeiro contato com a música, assim?

R – Bom, meu primeiro contato com a música era música de rádio, era o que aí, nesse caso, nem o Marilton ainda era um cara que tinha se iniciado em música, eram as coisas que se tocava no rádio, na época, aquela Dalva de Oliveira,

ngela Maria, Carlos Gonzaga, essas coisas, Dorival Caymmi, as marchinhas de carnaval, eram todas assim, ficaram no meu subconsciente, no meu inconsciente durante muitos anos eu acompanhei. Eu tinha seis, sete anos de idade, mas eu adorava quando saíam aquelas marchinhas, de ver meu pai e minha mãe cantando em dueto as marchinhas de carnaval, então a música entrou através do rádio na minha casa e aí, quando surgiu a televisão, a minha casa foi uma das primeiras casas que teve televisão no bairro de Santa Tereza e eu era apaixonado por aquele canto, esqueci o nome do canto, uma música do Dorival Caymmi, cantado pela Nana, que era “boi, boi, boi, boi da cara preta”, ela cantando “é tão tarde a noite já vem”, essa música eu chorava, eu ia dormir chorando de tão emocionado que eu ficava com a música, porque eu achava tão lindo o arranjo, aquele acalanto de Dorival Caymmi, então eu lembro que eu já vi declaração do Toninho Marques dizendo que ele ouvia clássicos quando ele era criança, ele chorava, eu chegava ao ponto de chorar também ouvindo músicas assim, isso quer dizer que já era uma sensibilidade que eu tinha com a música, revelada ali naquele momento, eu jamais podia imaginar que eu ia me tornar um músico, mas enfim, a música sempre me tocou muito, eu gostava demais das coisas que eu escutava no rádio.
Posteriormente, quando a gente mudou pro centro, depois de dez anos de idade, aí coincidiu com o surgimento da Bossa Nova e o meu irmão tinha os amigos que tocavam lá no edifício Levy e no apartamento da minha mãe, no apartamento que a gente morava. Pelo fato da gente ser uma família numerosa, esses ensaios eram na minha casa porque a gente sempre morou em lugares grandes, então isso pra mim foi muito fundamental ficar ligado em música porque eu adorava ver os ensaios do Marilton, aí eu conheci o Bituca nessa também. O Wagner Tiso, um monte de gente que frequentava a minha casa, via Marilton e Márcio Borges, e eu adorava ver eles ensaiando, mas antes desses ensaios, eu acho legal dizer que eu gostava muito dos discos que tocavam na minha casa da Bossa Nova. Eu podia tocar violão ouvindo João Gilberto, você começa pelo mais difícil, digamos assim, porque depois tem o episódio Beatles que chutaram o pau da barraca na minha cabeça. Mas antes eu aprendi a tocar “um banquinho, um violão, esse amor uma canção... Minha alma canta, vejo o Rio de Janeiro...” eu aprendi a tocar violão com essas coisas, o pessoal ensaiava pra caramba ali em casa e eu adorava. Os instrumentos ficavam lá na minha casa depois que o pessoal ia embora, muitos instrumentos ficavam em torno de um piano que era nosso. Então quando o pessoal acabava de ensaiar eu achava muito legal que ficava todos os instrumentos pra mim, eu assistia os ensaios e quando acabava os ensaios eu queria reproduzir alguma coisa do que eles tinham feito, porque todo mundo: “tchau, vamo embora, não sei o que lá”. Aí eu ia e sentava no piano, sentava no violão, tinha o contrabaixo acústico do Bituca que eu pegava e tocava e saía montando igual um cavalo, o contrabaixo pro meu tamanho, pô, dez anos de idade, um contrabaixo daquele gigante, enfim... Aí eu comecei a me interessar mesmo por música e ouvindo.
A Bossa Nova foi a primeira manifestação clara de que eu queria aprender a tocar violão, foi uma coisa muito forte, e ver meus irmãos lidando com música dentro da minha casa foi muito estimulante pra mim, foi muito significativo, foi o que me impulsionou mesmo a não me tornar um artista, a começar a trabalhar com música, a investigar a música, curtir o instrumento e isso foi chegando aos poucos através dessas influências. Por exemplo, quando eu era, quando eu tinha dez anos de idade eu não ouvia as coisas que eu escolhia pra ouvir, eu escolhia as coisas, eu ouvia as coisas que as pessoas escolhiam, que o Marilton escolhia, que o Márcio escolhia, que o meu pai escolhia, que a minha mãe escolhia, então eu era um ouvinte de tabela, eu ia na carona do que o pessoal tava ouvindo, mas foi fundamental, porque eles tinham muito bom gosto, então eles ouviam coisas boas.

P/1 – E qual era o repertório dessa banda do Marilton que ensaiava lá, que você queria reproduzir depois?

R – Eles tocavam Bossa Nova, tocavam as coisas de Tom Jobim, o disco do João Gilberto e eles tinham composições próprias também, alguns deles tinham composições, o Marilton tinha composição, o Marcelo Ferradi tinha composição, o Bituca tava começando a compor também, acho que o Bituca tem uma história que ele começou, ele demorou um pouco pra começar a compor, ele chegou, parece até que tem a história com o Márcio, ele chegou falou pra ele: “Pô cara, você fica só... Você canta pra caramba, toca pra caramba, mas só fica tocando música dos outros? Pô, que legal se você começar a tocar as suas próprias músicas, né?”. Tem essa história, eu já ouvi essa história do Márcio contando, eu não me lembro porque eu não assisti à essa cena, mas é, eu… Qual é mesmo a história?

P/1 – O que eles tocavam, qual era o repertório deles?

R – É, isso, eles tocavam

Bossa Nova e composições próprias era o que eles tocavam, foi o que eu ouvi.

P/1 – Qual foi a primeira vez que você viu o Bituca?

R – A primeira vez que eu vi o bituca foi mágico também, o Beto Guedes foi o encontro mágico por causa do patinete, que foi uma obra do acaso, quem diria que dois caras que iam se tornar parceiros, iam se tornar músicos, iam se encontrar no meio da rua anonimamente por causa de uma patinete e eu que parei ele e falei: “pô, não sei o que”, o Bituca foi uma coisa muito incrível. A minha mãe tinha pedido pra eu comprar leite e eu morava no 17º andar e como qualquer criança de dez anos de idade, dispensava, eu dispensava o elevador, o meu barato era descer o corrimão de bunda, ia descendo de cursão, e só esse dia que ela me pediu pra compra leite e eu tava descendo e eu comecei a escutar um som de violão na escadaria do prédio, o som vindo lá de baixo, eu tava no 17º e fui descendo. Eu fui descendo e fui me aproximando do som e o som ficava cada vez mais bonito, mais envolvente e aí quando eu chego no terceiro, no quinto ou terceiro andar, não me lembro certo qual andar que ele morava, quando eu cheguei tava lá o neguinho tocando violão e fazendo aqueles falsetes maravilhosos que ele faz até hoje e fazendo aqueles falsetes e aí eu parei. Eu parei de descer e sentei perto deles e maior criança mesmo interessada, eu já gostava de música, aí eu falei: “pô, que legal”, ele falou assim: “Quem você é, você é irmão do Marilton e do Márcio?”, eu falei: “Sou, sou irmão do Marilton e do Márcio”. Ele falou: “Como você se chama?”. Eu falei: “Lô”. Ele falou assim: “Ah, que legal”. Eu falei: “E você?”. Ele falou: “Bituca”, aí eu falei: “Pô, mas que legal isso que você tá tocando aí, que coisa boa”. Ele falou: “Senta aqui um pouquinho, vamos, eu vou tocar mais aqui, canta um pouquinho comigo aqui também pra ver se você gosta de cantar...”, aí foi um encontro assim, eu costumo dizer com o próprio Bituca foi quem nos apresentou a música, a gente... Eu fui igual ao canto da sereia, fui descendo, parecia que ia rolando um slow motion, quando tava chegando perto eu fui paralisando, um gás paralisante, eu cheguei perto do cara, tava um cara com a luz assim, uma aura, uma sonoridade na voz e o corredor, escadaria de edifício normalmente tem uma acústica muito legal, e eu conheci o Bituca, primeiro eu conheci a voz dele quando eu tava no 12º andar, descendo assim, eu conheci a voz, depois eu conheci a figura e também naquele momento eu jamais podia imaginar que eu ia tornar parceiro, eu ia dividir disco com ele, que ele ia gravar músicas minhas, ele nem tinha feito “Travessia” ainda, ele nem tinha uma carreira já estabelecida ainda, ele só era um músico da noite de Belo Horizonte, essas coisas todas eu só fiquei sabendo na hora ali e foi um encontro muito mágico também, foi uma coisa muito, um acaso que não é acaso, porque o fato de ser, de ninguém ter marcado esse encontro meu e dele ou ninguém ter marcado o encontro meu e do Beto, mas pô, se tornaram meus parceiros, pessoas fundamentais na minha vida, ao longo da minha vida, pessoas que eu conheci porque eu tava passando na hora, entendeu?

P/2 – Lô, e os dois encontros fundamentais na sua vida foram Beto, Bituca e o terceiro que foi Beatles, você encara assim?

R – Beatles foi... Beatles foi a coisa absolutamente avassaladora na cabeça da gente, porque eu passando ali em frente do Cine Arca, ali na Avenida Afonso Pena, tava escrito “Os Reis do Iê Iê Iê” e um monte de fotos de uns caras cabeludos, não sei o que lá, aí eu queria ver esse filme. Não lembro quem me levou, se eu fui sozinho, já ouvi dizer que o Marcinho me levou, que o Bituca me levou, eu lembro que o Marcinho e o Bituca me deram um disco, o disco do filme, mas eu acho que eu fui ver meio que, eu e um amigo, assim, fomos, me interessei quando vi aquilo e aí entrei no cinema, dei de cara com a “Beatlemania”, que é o filme sobre a “Beatlemania”, “A Hard Days Night”, que eram os caras tocando, os caras com o cabelo grande, ninguém usava naquela época, de franjinha tocando superbem e um monte de pessoas atrás dos caras, onde os caras iam, as inglesinhas, os inglesinhos, todos apaixonados. E aquilo me impressionou muito, a beleza das canções, a beleza dos caras, o carisma dos caras e, principalmente, o poder transformador que eles tinham em cima das pessoas, as pessoas corriam atrás deles como se eles fossem deuses, e aquilo me impressionou muito. Cara, eu assisti esse filme umas 45 vezes, eu ia pro cinema todo dia, até que um dia o Beto, eu já era amigo do Beto, levei o disco quando eu ganhei o disco, levei o disco dos Beatles pro Beto, o Beto olhou a capa, não gostou da capa, o Beto meio na praia dele lá de Montes Claros, falou: “Esses cabeludos são viados, esses caras tão com cara de viado, não sei o que...” E eu falei: “Bicho, escuta, põe a primeira faixa, vamos escutar o LP, na época, aí ele escutou, na terceira faixa o Beto já era mais beatlemaníaco do que eu. Aí já acabamos a audição do disco, fomos pro cinema ver o filme, aí ele assistiu também milhões de vezes, deixou o cabelo crescer, eu também deixei o cabelo crescer e toda aquela história que já existia pra mim de Tom Jobim, de João Gilberto, aquilo passou, naquele momento passou a ser secundário, porque eu era um garoto. Nessa altura aí eu já tinha uns treze pra quatorze anos de idade. Eu era um garoto e pô a “Beatlemania” assolou o mundo inteiro. Em Belo Horizonte não foi diferente, os jovens todos se apaixonaram pelos Beatles. Eu era um jovem de quatorze anos quando me apaixonei pelos Beatles e então eu comecei a me interessar pelos discos dos Beatles, pela “Beatlemania”, pelo que eles produziam, pela vida de cada um. Todo dia eu ficava esperando o disco dos Beatles na porta da loja, todo dia eu chegava na loja e dizia: “Já chegou o disco dos Beatles?” Enfim, os Beatles tomaram conta mesmo, eu perdi até um pouco o foco da... O interesse pelas coisas que eu ouvia, mas ao mesmo tempo eu acompanhava Festivais da Canção, que me interessam, eu achava demais aqueles Festivais da Canção e aqueles programas que tinha do Blota Júnior, apresentava, que é “Essa Noite se Improvisa” que tinha Caetano Veloso, outras pessoas que participavam desse programa. E então a minha cabeça fez um mix total, fez assim, continuou com um pouco de João Gilberto e Tom Jobim, Beatles ficou enorme na minha cabeça e os Festivais da Canção ficaram grandes também, porque surgiu Milton, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Os Mutantes, e também, junto com isso teve a outra, pô esqueci, pera aí que eu vou lembrar, Chico Buarque. O Chico Buarque era uma coisa que raramente, eu sempre deixei de falar isso nos meus depoimentos, nas minhas entrevistas, mas o Chico Buarque era um cara assim, pra mim, um Deus. Os discos do Chico Buarque todos que saíam, eu aprendi a tocar todas as músicas do Chico Buarque, saía os discos, acontecia igual quando eu ia ver os discos dos Beatles, que eu corria atrás, pegava os discos, tocava as músicas, eu pegava todos os discos do Chico Buarque, aprendia a tocar todas as músicas. É um cara que pra mim foi fundamental.
Agora os Beatles foram tão grandes pra mim que pouco tempo depois que a gente viu o filme, eu e o Beto fizemos uma banda junto com o meu irmão Yé e o nosso amigo Márcio Aquino, fizemos uma banda que chamava “The Beavers”, garotos de doze, treze anos que cantavam músicas dos Beatles em programas de auditório, programas de televisão em Belo Horizonte e fizemos o maior sucesso na época, porque os Beatles já eram novidade, já eram uma grande novidade e garoto de Belo Horizonte cantando música dos Beatles era mais novidade ainda, então eu acho que ali que se iniciou a primeira coisa semiprofissional, de se apresentar pra público, programas de auditório, acho que ali que começou a desenhar um pouco o que viria a ser a minha vida depois.

P/1 – E dentro da sua casa, seus irmãos, Mário já tinha banda, eles deram força, como foi essa relação quando você resolveu tocar numa banda?

R – Olha, eu, o Bituca que foi o maior entusiasta dos nossos Beavers, da nossa bandinha que cantava música dos Beatles e ele, só que ele queria inserir no nosso repertório música brasileira, uma ou duas músicas brasileiras e aí ele foi, como não era da banda, do nosso grupo, a opinião dele, a gente não aceitou a opinião dele, porque a gente queria cantar só Beatles mesmo, e ele queria que a gente cantasse uma música do Dorival Caymmi no meio das músicas dos Beatles, que é uma ideia legal, é uma ideia do Bituca. O Bituca tem ideias legais, mas eu lembro que, eu mesmo, eu acho até que eu fui dos que topava essa ideia, mas eu fui minoria na bandinha, lá o pessoal não queria mexer com música brasileira naquele momento, queria que fosse exclusivo música dos Beatles.

P/1 – Mas e composição, quando você percebe que pode compor e como é essa descoberta com a composição?

R – Aí a minha descoberta com a composição foi uma coisa assim, quando eu mudei outra vez pra Santa Tereza, porque eu morei seis anos no Centro. Então com dezesseis anos de idade eu já tinha tanto envolvimento com música, já tinha feito banda, o Bituca que era um amigo da gente, já tinha feito “Travessia”, já era um artista de nome nacional, tudo isso foi me incentivando a começar a tentar compor algumas coisas, eu achava que eu tinha certa condição de poder começar a compor, aí eu peguei o violão, o piano e comecei a tentar inventar coisas que vinham na minha cabeça, que era uma salada, grande salada, porque a minha formação, como eu descrevi aqui no começo, minha formação começou meio pela Bossa Nova, aí depois entraram os Beatles pra caramba, depois Festival da Canção. Eu esqueci de falar, aquela hora que deu um branco, esqueci de falar da Jovem Guarda, que foi superimportante na minha cabeça também, na minha vontade de fazer música, eu assistia todas as tardes lá, de domingos, os programas do Roberto Carlos, a Jovem Guarda, adorava o Roberto Carlos, adorava os convidados. Eu era tão apaixonado por Roberto Carlos que acabava o programa do Roberto Carlos, a Jovem Guarda, eu ia pra frente do espelho, tentava arrumar meu cabelo parecido com o dele, será que eu tô parecido com ele? Será que eu consigo ficar parecido com ele? Mas aí eu comecei a tentar inventar coisas nos instrumentos, no violão e no piano. E eu consegui, eu fui conseguindo as coisas, eu considero que eu não tive muita dificuldade, foi aí que eu descobri que eu tinha um pouco esse dom, mas eu era muito tímido, então eu fazia as músicas pra mim mesmo, eu não mostrava pra ninguém, não mostrava pro Márcio, não mostrava pros meus irmãos, não mostrava pra ninguém. E o Bituca foi o cara que conseguiu me sensibilizar. “Pô cara, eu sei que você tá tocando violão, não sei o que lá, você deve ter música aí, me mostra suas músicas, me mostra alguma coisa”. Aí eu comecei a mostrar pra ele as coisas que eu tava fazendo e um belo dia teve um encontro na minha casa, porque sempre que o Bituca voltava pra Belo Horizonte ele procurava a minha família, ele era muito amigo da minha família e teve um dia, num desses encontros que ele tava, tava o Fernando Brandt na minha casa, Naná Vasconcelos, tinha uma pá de gente na minha casa e eu compus ali no piano durante esse encontro, a casa grande, então cada quarto, um quarto tinha neguinho tocando violão, noutro quarto tinha Naná tocando panela, era uma suruba, suruba musical total e eu tocando no piano e fazendo, de repente, passou o Marcinho, o Fernando, eu falei: “Gente, eu tô fazendo uma música, não sei se vocês perceberam, eu tô fazendo uma música aqui, a música tá pronta já, vocês não querem fazer uma letra, não?”. Aí eu mostrei, aí eles pararam pra ouvir, pararam pra ouvir e era “Para Lennon e McCartney” que eu compus no piano, então eu acho que foi a primeira música que eu, foi uma das primeiras que eu fiz, eu já tinha feito “Equatorial” com o Beto antes, quando eu morava no Centro de Belo Horizonte. Aí eu comecei a compor mesmo, comecei a fazer e o Bituca foi muito generoso comigo, além dele ter me estimulado e ter percebido em mim um talento pra fazer música, ele não só gostou do que eu fazia como começou a gravar nos discos, ele já tinha uma carreira sólida, fazia discos anuais ou bianuais, enfim, o Bituca gravou “Para Lennon e McCartney” e uma outra música que eu tinha, chama “Alunar”, “Além dos Anéis de Saturno” e gravou duas músicas minhas no disco precedente, o disco que antecede o Clube da Esquina e ele falou: “Pô cara, você tem que compor”. E gravou nesse disco também a nossa primeira parceria, que foi o “Clube da Esquina”, numa dessas idas dele à Belo Horizonte. “Cadê o Lô?”, “Ah, o Lô tá lá na esquina, num lugar que eles chamam de Clube da Esquina que eles ficam lá o dia inteiro, o Lô fica lá o dia inteiro com o violão na mão, quando ele não tá jogando futebol, ele tá com o violão”. Eu jogava futebol, deixava o violão encostado no canteiro que tinha e ia jogar futebol, largava o futebol, pegava o violão. E, o Bituca apareceu na esquina, eu tava começando a fazer a harmonia do “Clube da Esquina Um”, que foi gravada também nesse disco que antecede o Clube da Esquina. Então ele gravou três músicas minhas numa tacada só, num disco só e isso foi estimulante pra mim, mas como eu era um cara que tava fazendo o Clássico e aí ele gravou essas músicas minhas e eu continuei estudando e continuei compondo, foi o que aconteceu, eu continuei compondo e torcendo pro Bituca arrebentar a boca do balão e continuar gravando música minha.

P/1 – Eu queria perguntar dos festivais, você falou de “Equatorial”, retoma, conta um pouquinho pra gente como é que eram esses festivais que você participou com o Beto...

R – É, eu participei uma vez de um festival em Belo Horizonte chamado FEC, Festival Estudantil da Canção e esse festival foi um barato, foi uma coisa histórica, teve a presença da Beth Carvalho, a presença da Joyce, a presença do Naná Vasconcelos, a presença do Eduardo Conde, tinha uma série de pessoas que cantavam nesse festival, Tavinho Moura, Toninho Horta, e eu entrei com duas canções, com o Clube da Esquina, aquela canção minha, do Milton e do Márcio, entrei com a “Equatorial” que era a canção minha, do Beto e do Márcio e esse festival foi muito legal que eu conheci muita gente e foi uma coisa assim, na minha cabeça, naquele momento era uma coisa importantíssima, porque eu ia me apresentar na Secretaria de Saúde e Assistência, que hoje é o Minascentro, pra um público grande, e a gente teve um fato bizarro, louco demais na música “Equatorial” que na hora do ensaio o Nelson

ngelo fez um arranjo de cordas e o Nelson fez um arranjo e no meio da música muito inspirado nas coisas de Rogério Duprat, da Tropicália, Jorge Martin e dos Beatles, ele resolveu fazer oito compassos, que é o Quelque Chose - Qualquer Coisa porque os caras podiam tocar qualquer coisa, aí os caras da sinfônica de Minas, os caras: “Qualquer coisa nós não tocamos.” - uma coisa mais conservadora era o pessoal do conservatório de música, mas eu não sabia que eles eram tão conservadores que não tocaram, eles boicotaram, não tocaram o arranjo, então na hora que a gente foi tocar “Equatorial”, fomos só eu e o Beto, sem baixo, sem bateria, sem orquestra, sem nada. Fomos eu e o Beto, teve até aquele caso engraçado da Lady Francisco que anunciou o nome errado, não sei se a luz não tava boa, eu adoro a Lady Francisco, não é nenhum demérito ela ter errado o nome da gente naquele momento, mas é engraçado. Na época ela falou assim: “Agora com vocês de Lu Borges, a oitava concorrente, de Lu Borges e Beth Guedes, Equatoril” – ela errou tudo, errou o nome dos autores, errou o nome da música e foi superbacana que ela errou tudo, ela não errou só uma parte, ela errou tudo, então as pessoas, Lu Borges e Beth Guedes, as pessoas esperavam entrar duas gatinhas (risos) pra apresentar as músicas, entraram dois marmanjos, com idade de servir o exército, ali. Aí foi interessante, aí a “Equatorial” não foi muito bem classificada, mas o Clube da Esquina foi bem classificado, o Toninho Horta tinha a música “Yarabela”, teve um fato engraçado também que o Toninho foi tocar o “Yarabela”, tinha uma introdução que era “pabadabada...” ele fazia isso, depois entrava, a Luna lá fazia “pá... pá... Yara era Bela…” e o Toninho com aquela loucura dele de afinação, que ele tá sempre querendo afinar ou reafinar o instrumento, aquele ouvido dele maravilhoso e o Toninho na hora da apresentação dele, ele foi, ele afinou a guitarra e ele resolveu afinar a guitarra fazendo a introdução “tã... dã... dã...” e aí, pá, pá, o Toninho tava só afinando, a Joyce “Yara era Bela”, aí entrou, o Toninho ficou apavorado porque ele não tinha começado oficialmente a música ainda, então foi a coisa mais engraçada, eles se encontraram, oito compassos depois eles se encontraram e deu tudo certo. Mas depois que terminou o festival é que foi um barato, o Tavinho Moura, “Como vai Minha Aldeia”, dele e do Márcio Borges, acabou o festival teve uma festa na minha casa, o meu pai fez um rango lá, foi todo mundo do festival pra minha casa em Santa Tereza, aí foi um barato total, Beth Carvalho na minha casa. A Beth era uma pessoa que tava começando na carreira também, não era essa pessoa conhecida que ela é hoje, enfim a Joyce também foi lá pra casa, os participantes do festival, a maioria foi lá pra casa, os de fora, inclusive, os que não eram de Belo Horizonte, esses então, foram todos assim, e foi uma festa muito grande, eles adoraram a minha família, meu pai, minha mãe que receberam a todos muito bem, foi muito legal esse festival e foi uma experiência bacana pra mim. Eu já tinha a experiência do The Beavers, de cantar pra público, mas foi acho que a minha primeira experiência depois do The Beavers pra cantar pra um público assim, uma platéia, isso pra mim foi muito bacana.

P/2 – Ô Lô, eu queria que você falasse um pouquinho mais da esquina, quem frequentava, como começou aquela onda da esquina ali, depois que vocês voltaram…?

R – A onda da esquina era o seguinte, eram as pessoas do bairro, do quarteirão que jogavam pelada, futebol ali naquela rua, naquele quarteirão e as pessoas se reuniam à noite pra conversar, bater papo, enfim, e eram pessoas de classe média baixa, então teve um belo dia que passou, uma bela noite, aliás, passou uma figura um desses nossos amigos que frequentava pouco a esquina, que era um cara mais abastado, tinha uma condição financeira melhor. “Ah, estou indo pra festa num clube, não sei o que, tenho um convite aqui, tô indo pra festa”. Aí alguém lá falou assim: “Não, nosso clube é aqui mesmo, é o Clube da Esquina, nosso clube é na esquina”. E a gente fazia festas, era o maior barato, a gente fazia festa na esquina, comprava tira-gosto, convidava as pessoas, então a gente fazia festas na esquina, nos finais de semana, sexta à noite, sábado, a gente fazia festa na esquina, eu frequentava demais a esquina, porque eu adorava tocar violão na esquina. Então quando eu estudava de manhã, à tarde eu pegava o violão e naquela época, pô, passava pouquíssimo carro. A Serra do Curral como paisagem na minha frente, eu ficava tocando violão ali, eu ficava horas tocando violão, ficava de três horas da tarde até sete horas, até seis horas da tarde. Eu ia pra casa, lanchava, aí voltava pra esquina à noite, a noite já era cheia, já era toda rapaziada do bairro, mas a lenda que o pessoal que conhece o Clube da Esquina, virou uma, todo mundo imagina o Beto Guedes, o Flávio Venturini, o Toninho Horta, o Milton Nascimento, todo mundo tocando violão na esquina, na verdade não foi isso que acontecia. Essas pessoas a gente já conhecia, mas a gente se encontrava em outros lugares, a gente ia na casa do Flávio e ia em outros lugares. A esquina mesmo, que deu o nome que chamava Clube da Esquina, era uma esquina das pessoas do bairro e menos do que no bairro, do quarteirão, das pessoas que moravam ali próximas que frequentavam essa esquina e que alguém falou Clube da Esquina e aí a minha mãe foi a primeira que adotou esse nome também, o Marcinho até conta no livro dele, que ele faz questão de dizer no prefácio que ele não recorreu a nenhum documento pra que muitas coisas ali poderiam ter outras versões, a minha versão até nem coincide com a dele do nome Clube da Esquina, porque a dele ele diz que a minha mãe que inventou o nome, mas eu presenciei o dia, porque surgiu o nome Clube da Esquina porque um cara apareceu indo pra um clube, um clube de classe média alta, não sei o que lá, que tinha que ter dinheiro pra entrar na festa, aí alguém falou assim: “Não, o nosso clube é esse clube aqui, é o clube da esquina”, aí nós começamos a chamar o lugar de clube da esquina, aí eu falei pra minha mãe que a gente chamava o lugar de clube da esquina, a minha mãe adotou rapidamente o nome clube da esquina, acho que o Marcinho pegou essa fase da minha mãe chamando o lugar de clube da esquina, mas eu lembro até o dia, a história desse clube que era absolutamente pessoas desconhecidas que ficaram todas conhecidas depois porque ninguém trabalhava com música, eu era o animador das festas, eu e o Yé, porque quem tocava violão era eu e o Yê tocava violão também, então sempre tinha música, na época não tinha aquele negócio de ter equipamento pra você botar pra tocar não, a gente tocava violão mesmo pra animar as festas. E eu era o cara que tinha mais repertório, porque eu sabia todas as músicas do Chico Buarque, todas as músicas da Jovem Guarda, todas as músicas dos Beatles, então eu era o tocador oficial e o resto das pessoas nem eram músicos, as pessoas que frequentavam, eu era o músico que tocava ali naquela esquina.

P/1 – Lô, e como surge a ideia do Bituca fazer o disco Clube da Esquina e te convidar, como foi?

R – É, esse convite do Bituca pra eu fazer o Clube da Esquina foi uma coisa muito forte pra mim, foi definitiva e determinante na minha vida, porque depois que ele gravou no álbum anterior ao “Clube da Esquina”, depois que ele gravou “Alunar”, “Para Lennon e McCartney” e o “Clube da Esquina”, a canção “Clube da Esquina” eu pensei que ele ia chegar e me convidar pra fazer, pra mostrar mais uma música, pra ele gravar mais uma música minha no álbum posterior dele e não foi isso que aconteceu, ele me convidou pra ir morar no Rio com ele, compor várias músicas com ele e fazer um álbum, ele já tinha a ideia pronta, ele já tinha visualizado tudo e fazer um álbum chamado “Clube da Esquina” pra homenagear aquela história onde eu compunha, onde eu ficava tocando e que a gente dividisse esse álbum, que fosse um álbum duplo, porque ainda não existia álbum duplo no Brasil naquele momento, que a gente dividisse o disco, que fosse Milton Nascimento e Lô Borges, era uma ideia muito difícil, ele me alertou que era uma ideia muito difícil de ser vendida, porque eu era um desconhecido e as pessoas da gravadora possivelmente não iam topar fazer um álbum com uma pessoa, Milton Nascimento e Zé das couves, sei lá o quê, um cara, Lô Borges, nunca ninguém tinha ouvido falar, e ele teve dificuldades e ele brigou por isso, ele brigou pra que meu nome tivesse ali, porque na verdade ele me convidou pra fazer, pra dividir um álbum com ele, não convidou pra participar do álbum. As outras pessoas que participaram do álbum foram como convidados, eu fui convidado pra dividir o álbum com ele pra compor as músicas, pra fazer uma série de canções, quer dizer, ele me incentivou naquele momento a fazer muita música. Eu que fui fazer algumas, aí eu me vi naquela história: “Pô, agora eu vou ter que fazer todas, vou ter que fazer várias, porque o cara me convidou, o cara não quer uma música pra ele gravar o disco dele, ele tá me convidando pra dividir um álbum com ele”. Então foi muito impressionante isso pra mim. Mas enfim, esse convite dele foi um convite mesmo à queima roupa, eu tomei um tapa, eu falei: “Ô Bituca, minha família não vai me deixar morar no Rio.”. A gente vivia debaixo de uma ditadura ferrenha, barra pesada, que matava, assassinava, que juntava mais de três pessoas numa casa, era considerado um aparelho subversivo, minha família não ia deixar eu com dezessete, dezoito anos ir morar no Rio de Janeiro com o Bituca, por mais que ele fosse um cara que tivesse credibilidade na minha casa e tudo, mas a minha mãe lá, a galinha quer os pintinhos debaixo das asas e não queria que eu fosse. Eu falei: “Ó Bituca eu topo, mas vai ser difícil convencer minha família disso, vai ser muito difícil, mas a gente pode tentar”. No primeiro momento minha mãe não quis deixar eu ir pro Rio, a gente teve que ter, teve uma certa batalha, eu tive até uma certa ruptura naquele momento, uma pequena ruptura com a minha família, eu falei: “não, eu vou sim”, mas eu impus uma condição pro Bituca pra aceitar o convite dele, eu falei pro Bituca: “acontece o seguinte, se eu for pro Rio de Janeiro com você esse disco, vai ser o maior prazer da minha vida, vai ser a coisa mais importante, mas é o seguinte, eu tenho que levar o Beto Guedes comigo, porque cara, eu vou chegar lá no Rio, seus amigos todos vão tá tocando jazz, Bossa Nova, samba, essas coisas e eu vou ficar sem um interlocutor das músicas dos Beatles, o cara que eu toco violão quase todo dia com ele, essas pessoas, esse universo que te acompanha são pessoas supertalentosas, superlegais, mas são pessoas que não são ligadas às músicas dos Beatles, não são” e não eram mesmo, gostavam assim, “en passant” e pra gente Beatles era arroz com feijão, era a água que a gente bebia, era a fonte que a gente bebia. Eu falei assim: “se eu não tiver uma pessoa pra tocar violão comigo, as músicas que eu gosto de tocar, o estilo que e gosto de tocar, sei lá, eu vou ficar meio peixe fora d’água lá no meio dos seus amigos, então eu topo esse convite se a gente puder levar o Belo junto, porque pra mim é fundamental ter um beatlemaníaco junto comigo pra eu não ser o único beatlemaníaco da parada”. E aí fomos na casa do Beto, a família do Beto teve uma posição muito mais liberal do que a minha família, deixaram o Belo ir. No primeiro dia fomos eu e o Bituca na casa do Beto pedir aos pais dele pra levar ele a morar no Rio com a gente pra gravar um disco com a gente no Rio e aí o Godofredo e a Dona Julinha deixaram, foi surpreendente, eles falaram, a única recomendação que ela deu pro Bituca foi: “Olha, você toma cuidado com o Alberto, o Alberto é menino do Interior, ele não sabe nem atravessar a rua, ele tem medo de carro no Rio”, (risos) e aí deixou. O fato do Beto poder ir ajudou um pouco a minha família a me deixar ir também. Eu falei: “pô, a família do Beto já deixou o Beto ir”, mas o convite do Beto foi um convite até meu eu falei: “eu preciso do Beto”, porque eu preciso do Beto comigo porque ele é o cara que vai tocar as músicas que eu gosto junto comigo. Eu vou chegar o Rio eu vou encontrar cara que toca samba, jazz, Bossa Nova, mas não vou encontrar... Os seus amigos não tocam, eu vejo pelos seus discos, os seus amigos não tocam música que tenham influências dos Beatles, não tem essa coisa. E aí foi importante essa inserção do Beto, e aí fomos pro Rio, eu, o Beto e o Bituca.

P/2 – E vocês foram pra casa de Mar Azul?

R – Não, antes de Mar Azul rolou muita história, a gente foi morar no Jardim Botânico e lá aconteceu exatamente o que eu esperava, os amigos do Bituca iam pra casa do Bituca, pra casa da gente que eu já morava com ele, eu e Beto, e ficavam tocando as músicas que eles gostavam de tocar, as Bossas Novas, não sei o que, e ficava eu e o Beto no outro quarto tocando Beatles, aconteceu exatamente o que eu previa, quando eu coloquei a condição de levar o Beto. E aí a gente morou no Jardim Botânico, depois do Jardim Botânico moramos no Leblon, aí a gente fez uma peregrinação no Rio, moramos em Copacabana, moramos em vários lugares, o Bituca fazendo shows. O Bituca que sustentava a gente, bancava a gente, eu e o Beto éramos completamente sem renda, dois duros e só queríamos saber de tocar e o Bituca queria mais é que a gente tocasse mesmo, aí depois é que pintou a ideia, quando o disco começou a se oficializar ali junto com a gravadora, virar um projeto dentro da gravadora mesmo, a gravadora já estava esperando que a gente fizesse aquele disco, já tinha até topado que fosse Milton Nascimento e Lô Borges, o desconhecido Lô Borges, aí que a gente foi morar em Mar Azul. Aí a gente foi morar em Mar Azul e alí foi uma oficina total, porque eu compus muitas das músicas que tá no álbum “Clube da Esquina” eu compus ali em Mar Azul, eu fui testemunha do Bituca compondo muitas canções, tipo “Cravo e Canela”, outras “San Vicente”, várias músicas eu vi o Bituca compondo, e lá era uma casa enorme e era assim, num quarto ficava eu tocando as minhas músicas, eu fiz “Nuvem Cigana”, várias músicas que tão no álbum “Clube da Esquina” eu compus, “Um Girassol da Cor do Seu Cabelo”, e o Bituca ficava num outro quarto compondo as músicas dele e o Beto ficava igual um doidão indo de um quarto pro outro, via o quê a gente tava fazendo, porque o Beto, na verdade, ele não tinha sido convidado pelo Bituca pra dividir um álbum com ele, ele era um convidado meu, mas o Bituca adorou eu ter convidado o Beto, porque o Bituca adorava o Beto por causa dos The Beavers. O Bituca já sabia que o Beto era um cara muito talentoso, mas a

história do Bituca naquele momento era comigo, era dividir um álbum comigo. E aí ficamos em Mar Azul um tempo, os músicos que participaram do álbum frequentavam a casa de vez em quando, às vezes nos finais de semana o pessoal ia lá e nessa o Bituca continuou a carreira dele fazendo shows e no meio de semana compunha, recebia a visita dos letristas. Morava eu, o Bituca, Beto Guedes e o Jacaré, que é o Helson Romero, que é o primo do Bituca e a gente morava nessa casa. Nessa casa a gente viveu muita história, Piratininga era um lugar remoto, era uma praia deserta, eu visitei Piratininga poucos anos atrás, agora, recentemente, é uma Miami. É um negócio completamente diferente do que era, do que foi há 35 anos atrás, e ali foi muito legal e foi a parte mais voltada pro álbum “Clube da Esquina” do ponto de vista de composição e pré-arranjos que os músicos iam lá pra escutar, saber que músicas que a gente tava fazendo, o que eles iam tocar quando a gente se reunisse pra fazer o disco, eu acho que esse disco nem teve ensaio, teve pesquisa, as pessoas chegavam, viam o que a gente tava fazendo, e foi muito legal morar em Mar Azul e compor, tenho saudade desse tempo, foi muito bacana. Eu morria de saudade de Belo Horizonte quando eu morava lá, de quinze em quinze dias eu pegava um ônibus e ia pra Belo Horizonte, porque eu sempre adorei Belo Horizonte, mas morar ali pra mim... E naquele tempo eu tava fazendo as músicas com Bituca, mas eu não, não tinha um sonho de uma carreira de artista, de compositor, era engraçado, era uma coisa meio louca, pra mim tudo aquilo ali era um playground, era uma brincadeira. Eu falei: “Pô, se tiver meu nome no disco tá bom, se não tiver tá tudo certo”. pra mim eu não tinha aquela ambição profissional, o Bituca realmente que me colocou na coisa, você é um artista, você tem que assinar esse disco e os seus discos, você tem que iniciar uma carreira, não falou assim categoricamente pra mim, mas com o passar do tempo eu vi que era isso que ele queria pra mim, que a generosidade dele era maior do que eu supunha. Era uma coisa muito, muito. Eu até hoje, sei lá, de cinco em cinco anos eu ligo pro Bituca: “Ó bituca, obrigado por ter me convidado pra gravar o ‘Clube da Esquina’, hein.” (risos) Eu agradeço, porque a gratidão é uma coisa importante.

P/1 – Ô Lô, mas quando você começou a ver o resultado das músicas, das suas ali tocadas por aquelas pessoas, o que você achou, você não achou demais da conta?

R – Não, mas aí tocadas já foi numa fase de estúdio já, porque eu tô falando de uma fase ainda que as músicas tavam sendo elaboradas, sendo compostas por mim, pelo Bituca, etc. Aí quando foi pro estúdio já foi uma outra história, aí foi uma história de convidar a galera toda, todos os amigos do Bituca, alguns eram amigos em comuns, mas a maioria eram amigos do Bituca, eu não conhecia quase ninguém, eu conhecia o Toninho Horta e o Nelson

ngelo e vim a conhecer também o Luis Alves e o Robertinho Silva, mas na minha fase no Rio de Janeiro que foi um ano ou dois, no máximo dois anos e aí a gente já foi direto pra gravar mesmo, e era tudo ao vivo, não tinha assim, eu mostrava a música, a gente ensaiava na hora, os arranjos eram feitos na hora, e tudo era ao vivo, eram dois canais só, você tinha que fazer toda parte instrumental de uma vez só e tinha que acertar, se um errasse derrubava o resto, todo mundo tinha que começar tudo outra vez, então era um negócio de muita... Você tinha que ter muita concentração, apesar de naquele momento eu estar na idade da desconcentração, na idade da loucura, das loucuras da cabeça, das experiências com drogas com... Muita coisa acontecia naquele momento, no Brasil, no mundo, e logicamente comigo também na minha cabeça, mas foi um exercício de concentração muito forte de criação, foi uma oficina instrumental mesmo e de criação e eu fico me lembrando agora, o Robertinho tocando, ele inventou aquela famosa frase de bateria, “plá, plum, plum, plum, tick, tein, dé”, que é a introdução da música, ele inventou aquilo da cabeça dele, eu não pedi pra ele fazer aquilo. Então o Toninho Horta, aquele solo histórico do “Trem Azul”, tudo criado na hora, de improviso mesmo. E no “Girassol”, por exemplo, eu tive uma responsabilidade que

eu nunca tinha tido na minha vida, que eu fui gravar com orquestra, ao vivo, que a parte musical era ao vivo, não podia ninguém errar, e eu não sabia partitura, como não leio partitura até hoje, não fui por essa área de partituras na minha música, não aprendi música na teoria, minha música sempre foi uma música pratica, a minha carteira da Ordem dos Músicos é Músico pratico, inclusive. E aí eu tive que tocar com orquestra, com o Paulo Moura regendo um arranjo do Eumir Deodato e eu lá com dezenove anos, não sei o que lá, o cara: um, dois, três, quatro, tum, tum, plein, plein, tocando “Girassol”, e a orquestra não sei o que, aí na hora que tem um intermezzo, tem aquela grande história no meio do “Girassol”, aí volta, o maestro me regendo pra eu voltar no plein, blom, blein, blom, blein, tudo aquilo pra mim era uma novidade com uma responsabilidade, mas a minha irresponsabilidade da minha idade me conferia uma responsabilidade descompromissada. Eu acertava tudo que o maestro queria, eu acertava mesmo sem ler partitura, sem saber música, não sei o que, eu acertava porque era pra acertar, eu tava ali no momento certo, na hora certa, eu não ia fazer tudo errado, eu ia fazer tudo certo e foi o que eu fiz, eu acho que é aquela coisa de você tá com o astral muito voltado pras coisas positivas, as energias melhores possíveis naquele momento, as pessoas que trabalharam naquele disco eram músicos fantásticos, da maior competência, eu falei: “pô, eu sou convidado pra gravar um álbum com o cara, pra dividir o álbum com o cara, pra assinar o álbum com o cara, eu não vou chegar aqui e errar a música, o que eu fiz, entendeu? Eu não vou errar, pô!”

P/2 – Então todos os músicos que passaram por aqui, todos que participaram do Clube, a gente sempre faz essa pergunta, que é assim, a pergunta que a gente considera que seja a raiz do movimento mesmo, de entender a importância do movimento, o que esse movimento trouxe de novo pra música brasileira e todo mundo responde de uma maneira diferente. Eu queria saber a sua opinião, o que você acha que o Clube trouxe de novo?

R – Eu acho que o seguinte, o disco “Clube da Esquina” foi um momento de grande criação do Milton, ele tava numa fase muito criativa. Iniciando a minha fase de compositor tava numa fase supercriativa também, eu tava muito criativo naquele momento e eu acho que o grande barato desse disco… O que chamou atenção desse disco até no mundo inteiro foi exatamente essa mistura. O Bituca é tão maravilhoso, tão, acho que ele saca tantas coisas, porque eu acho que a grande coisa desse disco é exatamente a mistura das músicas do Milton que é ligado à africanidade, ao samba, ao jazz, às coisas do próprio Milton mesmo com as minhas músicas que traziam uma outra influência, aquela influência dos Beatles que era outra coisa. Então essa mistura da minhas músicas que tem uma origem de outras influências, de outras coisas com as músicas do Bituca que são outra referência também, esse casamento da música do Milton Nascimento com a música do Lô é que deu a liga pro disco ser uma coisa diferente do que se fazia. Porque se fosse só um disco do Milton, ia ser um disco genial do Milton, mas não ia ter o “Girassol”, não ia ter o “Trem Azul”, não ia ter o “Paisagem da Janela”, não ia ter “Nuvem Cigana” que eram as outras informações que eu vinha trazendo com a minha bagagem, com a minha história ali de compositor começando a sua carreira. Então eu acho que a grande química desse disco, do porque esse disco funcionou foi a mistura do que eu trouxe com as coisas que o Bituca tava trazendo, essa mistura é que fez a graça do disco. Agora, a história do disco virou uma coisa muito maior do que a gente imaginava, é um disco festejado até hoje, o Robert Dimer, crítico editor inglês, importante, escreveu um livro importante agora que catalogou a música mundial desde 1950 até 2006 e chama 1001 Álbuns que você deve ouvir antes de morrer, o Clube da Esquina tá lá, um dos poucos álbuns brasileiros que tá, que consta, e acreditado, lá fala muito do Milton e fala de mim também pra caramba falando que as minhas músicas foram importantes pro álbum, então é um álbum que ele durou o tempo todo e trouxe influência pra muita gente, foi importante pra muita gente que veio depois, muita gente escutou o “Clube da Esquina, foi referência pra muitas pessoas se tornarem compositores, foi referência pra compositores fora do Brasil como eu mesmo testemunhei o Pat Metheny chegar na minha casa com o Bituca e falar comigo que uma das coisas que motivou ele a se tornar músico, a ser compositor, foi escutar o “Clube da Esquina”, coisa que ele me emocionou e isso assim de nego de fora do Brasil, pessoas de dentro do Brasil, várias pessoas que beberam dessa fonte e eu contribui com a minha parte beatlemaníaca, que eu falo desde o começo da minha... Porque na verdade as minhas canções não são canções baseadas nos Beatles, são

canções a coisa brasileira, a coisa brasileira porque eu sou um brasileiro, são as coisas brasileiras, mas com um sotaque, mas com uma história ligada um pouco ao rock britânico, esse tipo de coisa. Por exemplo, o Tom Jobim teve essa sensibilidade de gostar do “Trem Azul” e gravar o “Trem Azul” que é uma balada feita de palheta, uma balada meio na levada de Beatles, mas se você vai olhar a harmonia dela, a harmonia dela é brasileira, ela é brasileira, então isso eu acho legal da minha contribuição nesse álbum, foi trazer a mistura das coisas brasileiras que me comoviam que eu já citei, como Chico Buarque, Tropicália, Jovem Guarda todas essas coisas misturadas com as coisas dos Beatles, porque nós éramos aficionados pelos Beatles, e aí o disco virou uma coisa, virou um álbum interessante, você escuta até hoje, é uma coisa interessante que esse mix da música do Milton Nascimento com a música do Lô Borges, eu acho isso fundamental pra que o álbum tenha se tornado algo original.

P/1 – Lô, eu queria que você falasse agora dos letristas que colocaram suas poesias nessas letras, nesse álbum especificamente, Marcinho, Ronaldo.

R – Os letristas? Bom, os letristas na minha vida são dependentes, eu sou musicista acompanhado de letrista na minha carreira, se for olhar, no geral, a minha carreira é isso. É quando eu fiz “Para Lennon e McCartney” tava o Fernando Brandt e o Márcio Borges passando do meu lado, eu chamei os dois pra fazer a letra, quando eu fiz o “Clube da Esquina” eu chamei o Márcio Borges pra fazer a letra, quando eu fiz “Equatorial”, o Márcio Borges fez a letra, eu de vez em quando arrisco a fazer uma letra ou outra, eu faço algumas letras pro 14 Bis, todo disco meu de metas eu faço pelo menos uma letra, eu gosto de vez em quando de fazer mesmo letra ou outra, mas eu sou um cara que gosto da celebração da parceria, de fazer uma música e eu me dedicar à música e colocar aquilo na mão do parceiro pra ele soltar o que ele tem pra dizer também, porque se você falar rigorosamente o Márcio Borges não toca violão, o Fernando Brandt não toca violão, o Ronaldo Bastos não toca violão, eles são letristas, eles... E eu sou um cara da música, eu sou um cara que faço letra, eu faço letra bisextamente, mas eu sou um cara da música e eu preciso dos letristas. E desde o começo também eu nunca investi muito na minha possibilidade de ser letrista, porque desde o começo eu tava cercado de letrista, a princípio desde a minha própria casa. Minhas primeiras composições, o Márcio morava na mesma casa que eu, então eu fazia uma música, já tava o Márcio com o olhão verde arregalado olhando pra mim. “Mais uma? Posso atacar, né?” Então a presença dos letristas na minha vida sempre foi fundamental ou então Fernando Brandt maravilhoso, o Ronaldo Bastos superimportante pra mim, um cara que me incentivou muito. E nessa eu continuo até hoje me relacionando com letristas de diversos segmentos da música brasileira, eu fiz música com o Caetano Veloso, fiz música com o Tom Zé, fiz música com o Arnaldo Antunes, com o Nando Reis, fiz música com o Ronaldo Bastos, Márcio Borges, Fernando Brant, César Maurício, então letrista pra mim é sempre importante, porque eu gosto mais de fazer a música. Tem uma coisa interessante, quando eu tô fazendo a música, na minha cabeça ela não tem idioma, ela pode ser qualquer coisa, pode ser tupi-guarani, pode ser inglês, pode ser português, na minha cabeça quando eu tô balbuciando ali a parte

melódica, tem a harmonia e a canção, “lá ra ri lá rá rá rá…” esse “lá lá li lá rá rá”, pode ser “ié ié ié”, pode ser “tsu, tsi, tse”, pode ser japonês, pode ser qualquer idioma, então como em minha cabeça passa, é muito maluca pra fazer as canções, eu acho isso, as coisas que vêm na minha cabeça, elas não têm idioma, elas não têm idioma. Então eu acho legal a vida ter me proporcionado o encontro com letristas e me proporciona até hoje encontros com letristas que são fundamentais pra que minha obra continue sendo criada.

P/1 – Já aconteceu de você fazer uma música pensando num letrista e a letra ter sido feita por outra pessoa?

R – É, isso acontece, acontece várias coisas, tem música que você até arrisca fazer com um certo letrista, um certo parceiro, todos eles queridos, mas às vezes o cara escreve uma coisa que não é muito pro lado que você quer e você pede ao cara pra trocar. Se o cara não quiser trocar, o cara te oferece a possibilidade de uma troca de parceiro, faça com fulano, o cara vai ter mais a ver com essa música. Nem sempre eu acerto na escolha do parceiro, às vezes o meu próprio parceiro que eu escolhi, equivocadamente digamos, o cara me orienta: “pô cara, essa você entregava pra fulano, eu prefiro fazer essa outra aqui que você tem, eu prefiro fazer essa outra, entrega essa outra pra fulano”. Então os parceiros sempre me ajudam, são colaboradores legais. Já teve momentos que eu fiz músicas, mas normalmente eu mais acerto do que erro, eu escolho sempre a pessoa certa pra fazer a letra pra aquela canção. Já teve momentos que eu errei, eu convidei fulano pra fazer a letra e depois eu vi que a letra era pra sicrano. Aí eu chego pro cara e falo: “cara foi mal, chamei você, mas acho que essa música fica mais legal se fulano escrever a letra”. Isso aconteceu é uma coisa supernormal, superética, tranquila, barra limpa, não tem nenhuma coisa do cara ficar enciumado, “pô, você me preteriu nessa faixa, eu queria fazer”, não acontece, isso não acontece, é sempre na “brodagem” mesmo, quando você troca de parceiro, você apresenta uma música pra um parceiro e de repente você vê que apresentou pro cara errado, que você gostaria, que na verdade teria que ser um outro, isso acontece na maior barra limpa, somos todos civilizados, todos nos amamos, somos todos amigos, amigos, amigos, amigos.

P/2 – Lô, me diz como foi a história do “Disco do Tênis”?

R – O “Disco do Tênis” foi uma grande piração, foi uma catarse da piração da minha cabeça, porque foi depois do Clube da Esquina, o pessoal da gravadora, da Odeon [Records] na época, gostaram tanto do resultado do álbum do “Clube da Esquina” que eles viram em mim um potencial muito interessante, “pô, esse cara tem um futuro interessante”. Eles me ofereceram um contrato pra fazer um disco no mesmo ano do “Clube da Esquina” e as músicas desse álbum foram as primeiras músicas da minha vida, eu tinha feito “Para Lennon e McCartney” dois anos antes, o “Alunar”, mas eu era um cara que tava me solidificando como compositor, eu não tinha bagagem nem material pra fazer um disco no mesmo ano que eu tinha feito o “Clube da Esquina” e os caras queriam que eu fizesse, os caras começaram a apostar em mim e aí pra mim foi uma loucura aquilo, um disco maluco, um disco cult, as pessoas gostam, é uma referência, mas é um disco, ele é interessante por isso, ele é um disco que eu fiz sob pressão, eu fiz pressionado, porque eu não tinha as músicas pra fazer o disco, a verdade era essa, então eu compunha a música de manhã, o Márcio Borges fazia a letra à tarde e à noite eu ia pro estúdio botar na roda pros músicos fazerem os arranjos comigo. Então, foi um disco todo assim, então por isso que é um disco que tem dezessete canções. Tem canção de quarenta segundos, tem canção de três, dois minutos, é um disco meio caótico, mas que foi, depois, eu vendo o resultado é um disco que foi muito interessante exatamente por causa do desafio que foi fazer o disco. Foi um desafio muito grande fazer o disco, foi um trampo e na verdade eu não tava muito... No final do disco eu tava estressado, no final do disco eu tava bem estressado, porque aí já tinha toda uma agenda de imprensa pra eu fazer, de não sei o que, foi também um anticlímax dentro da gravadora, porque eu fiz um disco caótico, eu não fiz um disco, assim, pô, do cara que fez o “Girassol”, que fez o “Janela Lateral”, eles viram ali uma possibilidade de um disco novo, de um cara novo, de um disco de sucesso e eu fiz um disco de músicas introspectivas, de músicas loucas, só música louca que não tinha nenhum novo “Girassol”, não tinha nenhuma nova “Janela Lateral”, não tinha nenhum novo “Trem Azul”, era um disco de maluco, de maluco pra malucos.
Então foi um marco esse disco e eu escolhi botar um tênis na capa do disco pra simbolizar o que eu queria fazer depois daquele disco, eu queria sair fora do show bis, eu queria sair fora desse negócio de show business, de imprensa na minha casa, de eu ter que fazer lançamento de discos, de fazer um disco por ano, eu não tinha vislumbrado aquilo pra mim, eu tinha ido pro Rio pra fazer um disco com o Milton Nascimento chamado "Clube da Esquina" , que é um disco que eu ia dividir com ele, Milton Nascimento, Lô Borges, eu fui pro Rio pra fazer isso. E era um disco que o Bituca teve que brigar por isso pra botar o meu nome no disco. Os caras gostaram do "Clube da Esquina" , falaram “não, esse cara aí é bom, esse cara aí é bom, vamos fazer um disco com ele, vamo fazer outro”. Só que eu não tinha mais "Trem Azul" nenhum, não tinha mais "Girassol" nenhum, eu tinha minha cabeça pirada de vinte anos de idade querendo sair do Rio de Janeiro e fazer as coisas que o pessoal da minha geração tava fazendo, rever meus amigos, rever minhas namoradas, enfim, eu tava querendo voltar pra Belo Horizonte, conhecer o Brasil, que era sempre um sonho que eu tinha naquele momento, viajar de ônibus. Eu cheguei até a fazer isso, fui pra Porto Alegre de ônibus, levei o "Disco do Tênis", uma caixa com quarenta discos, aí saí distribuindo pros amigos, pros caras que eu via na rua, eu via um cara cabeludo, eu dava o "Disco do Tênis". Eu via um cara com cara meio de maluco, eu dava o disco de presente, aí eu ia na universidade dava pros estudantes, aí fiquei distribuindo disco em Porto Alegre. Fiz isso, aí fui pra Belém de ônibus, maluco, maluco e eu queria fazer essas coisas, então eu botei um tênis na capa, exatamente porque eu queria pegar estrada, pra simbolizar o que eu queria fazer e foi exatamente o que eu fiz, peguei a estrada depois do "Disco do Tênis", ele acabou virando um disco cult, não sei o que lá, tem gente que acha que esse disco foi o melhor disco que eu fiz. Eu acho que é o disco mais caótico que eu fiz, mas é... Tem ali canções legais, porque quando você é levado a compor muita coisa ao mesmo tempo, você fica meio massacrado com aquilo e você tem um residual de talento ali, você acaba tirando aquele talento que você tem dentro de você, mas tirando a fórceps, é um negócio meio brutal, o nascimento das canções era um negócio meio assim, pá, pá, eu digo, tem que surgir, eu tive que puxar mesmo com força o novelo ali pras canções terem sentido, e aí eu fiz um disco que eu escuto hoje eu gosto das canções, é, a maioria das letras que eu fiz eu não gosto, eu gosto das canções, da sonoridade do disco e gosto do… Eu gosto desse disco e não gosto da minha voz, é porque é uma voz muito, sabe o cara saindo da adolescência pra idade madura? Fica "ããããã", então é aquela voz

que você não sabe se é uma criança que tá cantando ou se é um adulto, a voz fica no meio, eu gosto das composições, eu gosto, as letras eu não gosto muito, mas é um disco que no geral eu acho interessante e eu agradeço a Odeon por ter me botado essa pilha de fazer um disco, só que eu fiz um disco completamente diferente do que eles esperavam, mas tudo bem, foi o que foi possível ser feito.

P/2 – E tem um intervalo grande entre o "Disco do Tênis" e "A Via Láctea", né?

R – Ah, exatamente, porque aí eu queria me estruturar como compositor. Foi a coisa mais sábia que eu fiz na minha vida, foi interromper a minha carreira naquele momento, minha carreira discográfica, porque aí eu fui me solidificar como compositor, como ser humano, como… Eu quis, aí eu fui viver a minha vida, ter uma bagagem musical, ter músicas pra quando eu fizesse um disco não precisasse fazer a música de manhã, a letra de tarde e a gravação à noite. Então pra mim foi muito importante, foi o branco mais legal, foi fundamental pra eu ser um compositor, até hoje foi eu ter parado depois do "Disco do Tênis", foi eu ter parado seis anos. Aí eu parei seis anos, não parei com a música, pelo contrário, aí eu comecei a compor, falei: "existe uma perspectiva profissional na minha vida interessante, eu tenho que me solidificar como compositor, tenho que ter uma bagagem, eu tenho que ter uma quantidade de música suficiente pra quando eu for convidado a fazer um disco, eu fazer um disco sem ser essa pilha, esse stress que foi o 'Disco do Tênis'". Então pra mim foi superimportante esses seis anos que eu fiquei sem gravar e nessa eu me estruturei, eu aprendi mais coisas de música, aprendi a fazer música melhor, aprendi a lidar com o universo da música melhor, com o universo do show business melhor, com a imprensa melhor, com tudo eu melhorei, eu parei pra melhorar, não ser sufocado, engolido pela máquina do negócio da música. Porque eu costumava falar nas entrevistas mais antigas que eu não queria sobreviver de música, eu queria que a música sobrevivesse dentro de mim, eu não queria que a música virasse um negócio pra mim, eu queria que a música fosse uma forma de expressão natural e não de fazer música ou ter obrigação de gravar discos.

P/1 – Lô, Clube da Esquina II, você participa um pouco de algumas músicas, como que foi esse... Houve um reconvite do Milton pra fazer, reeditar o primeiro sucesso do Clube I, como foi?

R – Bom, antes de falar do Clube II, eu quero falar que esses seis anos que eu parei pra fazer o outro disco, eu fui novamente convidado pelo Bituca, mais uma vez o grande Bituca na minha vida me dando a luz, iluminando o meu caminho. Ele me convidou pra fazer e produzir o “A Via Láctea”, aí eu tive tempo pra ensaiar, pra fazer as composições todas, ensaiei o disco em casa, ele produziu o disco superbem, é considerado um dos melhores discos meus, então depois do “A Via Láctea” eu segui minha carreira, aí teve a história do disco “Clube da Esquina II”. Esse disco a minha participação já é completamente uma visita ao estúdio, aí já era um projeto do Bituca, não era um projeto assim: “Lô, eu tô te convidando pra fazer um disco chamado Clube da Esquina II”, não era isso, era um disco dele, onde ele convidava várias pessoas, oito ou dez pessoas pra cada um contribuir com uma música ou duas músicas, então nesse disco número dois eu me envolvi muito pouco, eu cheguei lá, fiz duas faixas, gravei duas faixas, participei de algumas gravações das músicas do Beto, se não me engano, eu não me lembro bem, mas foi um disco que a minha participação foi bem pequena, tanto no número de músicas, que foram só duas músicas, quanto também na elaboração do projeto, não foi uma coisa minha e do Bituca, foi uma coisa do Bituca com várias pessoas, eu era uma dessas várias pessoas, diferente do “Clube da Esquina” número um que era o Bituca e o Lô e esse já era o Bituca e uma zaga, uma galera, e eu fiz parte dessa galera, frequentei algumas seções, não foi um disco que eu tinha responsabilidade de estar todos os dias no estúdio gravando, é um disco que eu gosto, acompanhei algumas gravações, enfim, mas é um disco que a minha contribuição são aquelas duas músicas que estão lá e algumas coisas que eu toquei em músicas do Beto.

P/2 – E Os Borges”, disco dos Borges, como foi essa história do disco dos Borges?

R – Essa história do disco dos Borges é uma história que eu também fui, eu tava em turnê do “A Via Láctea” e a primeira mulher do Márcio, a Duca, tinha feito uma proposta pra EMI falando que toda a minha família era ligada à música, que todas as pessoas compunham e se eles se interessariam em fazer um disco com a família, eles se interessaram pelo projeto e eu participei pouco também da elaboração dessa história, porque eu tava em turnê do lançamento do meu disco e aí eles se organizaram, os meus irmãos se organizaram, o Marilton, o Márcio, o Telo, as pessoas se organizaram e reuniram repertório, participaram, minha participação no disco dos Borges foi parecida com a minha participação no Clube da Esquina II, porque eu fui lá, gravei minhas duas músicas. É um disco maravilhoso, eu adoro o disco, mas eu não me envolvi tanto com o projeto, porque eu não tava com tempo pra, eu tava fazendo outras, eu tava lançando meu disco no Brasil inteiro, mas eu gostei muito da ideia, lógico, minha família e meus irmãos todos gravando e eu fiquei muito feliz, é um disco maravilhoso, mas eu não tive participação ativa na elaboração do projeto como eu tive no “Clube da Esquina I”, por exemplo, minha participação foi só de ir lá, gravar as minhas músicas, ouvir as músicas que eles estavam fazendo, bater palma pra eles, achar tudo bacana, mas assim, é um disco que eu me orgulho de fazer parte, é uma família que eu me orgulho de fazer parte, mas é um disco que eu tive a minha participação na elaboração do projeto e do álbum mesmo foi pequena.

P/2 – Lô, e nesse disco teve a participação de uma pessoa que foi muito importante na sua carreira, na sua vida? A Elis Regina, eu queria que você falasse um pouquinho da Elis Regina.
R – É, na verdade eu conheci a Elis Regina na gravação do disco “Os Borges”, quando eu fui fazer a minha participação no disco dos Borges eu entrei no estúdio da EMI, ali em Botafogo, Rua Mena Barreto, 151, aí entrei no estúdio, tinha dois estúdios, tinha o um e o dois, ela tava gravando no estúdio um e a minha família gravando no estúdio dois. Aí entrei num corredor grande e veio uma figura andando em minha direção e eu andando na direção dela, ela tava saindo do estúdio, eu tava entrando e eu meio distraído assim, cara, eu não reconheci que era a Elis Regina, ela que me reconheceu, olha só que loucura. Ela falou assim: “Você é o Lô Borges, né?”, eu falei: “Sou”. Ela falou: “Muito prazer, Claudia”. Claudia é aquela cantora que muitas pessoas falavam que imitava ela, uma pessoa que canta superbem, é uma cantora importante brasileira e ela já botou logo a pimentinha que ela era, né, “Muito prazer, Claudia”. Não sei o que lá, aí ela falou comigo: “Tô gravando uma música”, olha só a coincidência das coisas, tô gravando uma música sua agora ali, bicho, quero que você vá lá ver. Aí eu fui, ela voltou, me levou pra dentro do estúdio dela e aí ela começou a cantar, ela tava gravando o “Trem Azul”, foi botando voz no “Trem Azul” e aí foi foda, porque cara, eu nunca vi uma pessoa cantar tão bem assim, porque ela fazia, ela começou, é igual você ver o Pelé fazer gol, o Maradona fazer embaixada, é um negócio assim absurdo, porque quem tem experiência de estúdio sabe, pra você colocar a voz numa canção dentro do estúdio não é uma coisa tão simples, porque o estúdio tem uma coisa meio fria, meio sem público, meio sem… Você e Deus ali, é você e a sua voz, é um negócio que dá um certo trabalho, tem que ter uma concentração muito boa. A Elis Regina cantando o “Trem Azul” cantava uma vez, eu ficava assim, não acredito no que eu tô vendo, essa mulher canta demais, tava lindo. Aí o César Mariano tava produzindo o disco lá na mesa, ele falava assim: “Perfeita, maravilhosa, essa é definitiva”. Ela fazia: “definitiva não, eu vou fazer melhor”. Então ela ficava se superando, ela fez umas seis ou sete, assim, cada uma melhor do que a outra, é incrível que saía melhor mesmo. Eu fiquei muito impressionado com o talento, era um gênio, um gênio, eu achei um gênio, eu ouvi um gênio em ação gravando uma música minha, eu tive esse privilégio, gravando uma música minha, conheci ela casualmente também num corredor e depois ela me chamou pra cantar, fazer uma voz incidental no “Vento de Maio” lá que eu fiz tremendo, que eu tava cantando do lado dela, eu fiz: “ih…”, nossa eu completamente mané, total, igual você tá de frente de um ídolo, então eu fiquei meio, eu cantei dez segundos e cantei mal esses dez segundos, uma voz trêmula. Mas a Elis Regina, o contato com ela que eu tive foi muito pouco, foi esse contato só, só tive com a Elis Regina uma vez na minha vida, foi essa vez, e depois disso ela fez o show “Trem Azul”, depois ela faleceu, enfim... O meu irmão Márcio é quem tinha mais contato com ela, ela muito amiga do Bituca, o Marcinho encontrava mais com o Bituca do que eu, então o Marcinho já tinha tido até oportunidade de ir na casa dela, de conversar com ela várias vezes. O meu contato com ela foi no dia que ela gravou o “Trem Azul” e o “Vento de Maio”, eu vi a Elis Regina uma vez na minha vida gravando uma música minha e nunca mais vi.

P/1 – Ô Lô, você podia falar um pouquinho do disco “Banda” que tá novinho aí superelogiado?

R – O disco “Banda” foi um projeto que começou de uma maneira absolutamente informal, eu tava com algumas canções na minha casa. Um ano antes eu tinha lançado o disco “Um Dia e Meio” e aí eu tinha algumas canções que eu queria registrar em estúdio, mas eu queria visitar uns amigos da outra turma de amigos músicos, outros, não aqueles que tinham gravado “Um Dia e Meio” comigo. Tava querendo mudar um pouco de ambiente, sonoridade, pessoas que escutavam outras coisas, que tinham outras referências musicais e eram pessoas até ligadas à banda de rock and roll, ligada à Radar Tan Tan, eu queria experimentar canções inéditas minhas, uma canção inédita minha com essas pessoas. Aí liguei pro Barral, falei: “Barral, tô com uma canção aqui e tô querendo experimentar com você e sua turma aí, a turma que trabalha com você no estúdio, porque parte dessa turma fazem parte do Radar Tan Tan”. E o Barral: “Tudo bem, vamos combinar”. Marcamos, fomos lá, fizemos a música, o resultado foi bem bacana, eu gostei muito do resultado e eu propus à ele que a gente voltasse a fazer esses encontros, que fosse uma coisa relaxada pra todo mundo, que a gente se encontrasse uma vez por mês, eu continuava com a minha turnê de “Um Dia e Meio” fazendo meus shows e eles continuavam as atividades deles, às vezes música, às vezes até atividades publicitárias, enfim, várias coisas e uma vez por mês eu me comprometia a fazer uma canção nova, chegar e gravar essa canção com essa turma. E aí foi o que aconteceu, cada canção que a gente gravava a coisa foi tomando uma sonoridade, o disco foi se desenhando uma sonoridade pra esse encontro de músicas do Lô Borges com músicos mais ligados ao rock. Rock pra mim não era nenhuma novidade, porque eu era um garoto que amava os Beatles, os Rollings Stones, a Tropicália, Chico Buarque, Tom Jobim e João Gilberto, então rock pra mim não era nenhuma novidade, então eu achei legal, eles me estimularam muito a partir da sonoridade que eu produzi junto com eles. Aí cada mês eu falava: “pô, eu acho que eu posso fazer uma música assim, assim, assim que vai dar muito certo tocando com esses caras”. Aí eu comecei a sacar qual era o jeito dos caras tocarem as minhas músicas novas e aí foi um disco super-relaxado que a gente fez ao longo de um ano, a gente chegou a gravar até treze ou quatorze faixas, no final do disco nós inserimos um só, dez só aliás, dez músicas e é um disco que foi legal, eu gosto desse disco, as pessoas receberam bem, algumas pessoas estranharam a sonoridade, porque é um disco mais vigoroso, mais pesado, mas é porque eu tenho essa história comigo na minha vida de compositor, eu não gosto de me repetir, eu tenho um pouco essa neura de não me repetir. Eu não quero fazer um novo “Trem Azul”, um novo “Girassol”, um novo qualquer coisa, um novo “Sonho Real” eu nunca quero essa coisa de repetir, eu sempre quero fazer uma coisa que eu nunca fiz pra eu mesmo me alegrar, me sentir revigorado, remoçado. Pra mim a música tem que ter surpresa, surpresa principalmente pra mim. Aí nem sempre a rigor o público é ele em si, a maioria do público quer ouvir as que ele gostou, que te ouviu no começo. O público nesse aspecto, eu como público sou assim também, quer dizer, eu sou meio conservador, o público tem esse aspecto um pouco conservador, o público: “ah, esse cara, as músicas que ele fazia antigamente eram muito melhores”, eram muito melhores, mas poxa, eu gosto de fazer hoje o que eu faço hoje, no bando eu faço as músicas que eu tô fazendo hoje. O que eu gosto de fazer hoje não é o “Trem Azul” mais, eu gosto de fazer o “Trem Azul” nos shows, no palco, eu não abandonei minhas músicas antigas, são todas queridas e eu adoro tocar e rearranjá-las, adoro as minhas músicas antigas, tenho o maior carinho por toda a minha obra, mas eu não gosto de ficar olhando no retrovisor pra compor, eu olho no retrovisor o que eu fiz pra me basear no que eu fiz pra compor, aí pra mim é uma limitação isso.

P/1 – Lô, você quer falar desse novo projeto de fazer parcerias suas com o Marcinho?

R – Esse eu não vou falar porque é uma coisa que nós estamos ainda muito num processo inicial, porque pode ser isso e pode acabar virando uma outra coisa. Isso que eu tô dizendo, pode acabar virando uma outra coisa, eu chegar e: “O Marcinho, que tal você fazer... Eu convidar o fulano pra escrever uma letra ou outra”. Pode acontecer umas mudanças no curso do projeto, porque todo projeto meu não é uma coisa fechada. Como é um projeto que tá muito no comecinho ainda, se eu tivesse todas as músicas prontas, todas as letras prontas, tudo, não sei o que lá, eu ia falar, mas sabe como é uma coisa que pode acontecer, pra mim tá muito no embrião do projeto, então eu prefiro não falar.

P/1 – Eu queria que você falasse o que você acha dessa iniciativa do Museu Clube da Esquina.

R – Bom, Museu Clube da Esquina que partiu da viagem do Márcio Borges, uma viagem maravilhosa de resgatar todas as coisas que foram feitas e que tão sendo feitas, de trazer pro público de uma maneira bem abrangente tudo que a gente produziu, os personagens, as informações, isso é dar maior importância, porque na verdade essa história de “Clube da Esquina”, seja ela qual for, seja o disco, seja o mito, seja o que for, é uma história que tem que ser preservada, que tem que ser colocada pras pessoas, as pessoas têm que ter acesso a essa informação e o Marcinho tá prestando esse serviço à cultura nacional, as pessoas que se interessam pela nossa história. O Marcinho tá colocando isso, tá disponibilizando isso pras pessoas, então eu sou super a favor do que ele tá fazendo, sou, não envolvo tanto quanto gostaria de me envolver porque é uma história dele, ele é um cara que tem a cabeça voltada pra fazer isso, a minha cabeça é voltada pra fazer outras coisas, mas sempre que ele me convida pra alguma coisa do Museu eu tô dentro porque eu acho muito legal o que ele faz.

P/2 – Lô, a gente tá com outro projeto no Museu da Pessoa que é o Projeto sobre Memória da Literatura e sempre que a gente tem oportunidade de entrevistar pessoas pra outros projetos como esse aqui, se não for incomodar, a gente faz uma pergunta que é sobre um livro marcante na vida da pessoa, a gente faz essa pergunta pra toda pessoa que a gente entrevista, mesmo em outros projetos. Se fosse possível, se te interessa falar sobre isso...

R – Ô bicho, eu sou um cara fraco pra isso.

P/2 – É? Beleza.

R – Eu prefiro ir embora, dar um tchau aí.

P/1 – Não, a gente quer perguntar se você gostou de dar a entrevista.

R – Gostei, hoje foi muito mais legal. Vocês gostaram das respostas?

P/2 – Demais, que é isso, fiquei de boca aberta, você fala do Clube, da gravação do Clube, que é isso? A sua música também, as coisas são tão mais fáceis do que...

R – É, não, aquele lá era um trampo, cara.

P/2 – Um bocadinho tocar demais.

P/1 – Bom, Lô, obrigada, então.