Museu da Pessoa

Memórias da Rua Augusta

autoria: Museu da Pessoa personagem: Álvaro Lopes

Depoimento de Álvaro Lopes
Entrevistado por Roney Cytrynowicz e Cláudia Leonor
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 23 de novembro de 1994
Transcrito por Lúcia Marina G. A. Oliveira

P - Precisava que o senhor dissesse seu nome, local e data de nascimento.

R - Meu nome é Álvaro Lopes, nasci em São Paulo, 10 de abril de 1925.

P - E o nome dos seus pais.

R - Daniel Lopes e Lúcia Zigonato Lopes.

P - E aonde que eles nasceram?

R - Meu pai nasceu em Portugal, em Figuerôa dos Vinhos, e a minha mãe em São Joaquim da Barra, estado de São Paulo.

P - E qual era a atividade dos seus pais, senhor Álvaro?

R - Meu pai a princípio ele foi carpinteiro, depois ele passou a ser comerciante de cereais no interior, ele transferiu-se pra São Paulo e montou uma loja na Rua Augusta chamada Armazém Nazário, lá no nº 400, onde hoje é o restaurante Bologna, lá, rotisserie Bologna. Em seguida ele montou o Santa Luzia na Rua Augusta 1.724, onde permanece hoje uma casa, um restaurante. Há 12 anos nós mudamos pra Alameda Lorena em sede própria, nossa antiga era alugada, e permanecemos até hoje.

P - Em que ano foi fundado esse primeiro, o Nazário?

R - Mil novecentos e... o Nazário foi em 1920.

P - E o Santa Luzia depois?

R - Em 1926, foi a fundação.

P - E, em que ano ele veio pro Brasil, senhor Álvaro, o seu pai?

R - Em 1915, ele veio como imigrante.

P - E ele veio, ele foi pro interior ou veio pra São Paulo?

R - Não, ele foi pra Santos e depois se transferiu pro interior.



P - E em que bairro ele morava quando o senhor nasceu, senhor Álvaro?

R - Ah, na Rua Augusta.

P - Ah, morava lá mesmo?

R - É, lá mesmo.

P - E que, quais são as primeiras lembranças que o senhor tem do bairro, da rua?

R - Bom, quando eu era pequeno a única coisa que eu lembro, única não, muitas, não única, é que não tinha luz elétrica. A Rua Augusta tinha uma linha de bonde simples e eu sentava no degrau da loja pra ver o homem que vinha acender o lampião de gás. Ele vinha com uma, uma haste, um isqueiro na ponta, com uma chave de abrir a caixinha da, do lampião, puxava uma cordinha, acendia o lampião, essa é a recordação mais firme que eu tenho de toda temporada de minha infância.

P - Que horas que ele vinha acender?

R - As, sempre no anoitecer, cinco e meia, seis horas, seis e meia, de acordo com a época do ano. A gente já sabia a hora, quando começava a escurecer ele já vinha acender o _______ e vinha de manhã cedo apagar, mas eu não assistia não. Eu estava dormindo, (riso) essa eu não assistia.

P - E o senhor brincava na rua?

R - Na rua.

P - Na rua.

R - A rua não era calçada, era só a Rua Augusta que foi calçada a seguir, depois a Oscar Freire, sem calçamento ainda, e a coleta de lixo era feita por burro. Aquelas carroça de burro e o sorveteiro, há pouco tempo teve uma reportagem, um sorveteiro que ia numa carrocinha, era de carroça, um burro, e o sorveteiro vendendo sorvete. Não havia sorvete naquela época, refrigeração estava ainda começando a, a sorveteria.

P - E como ele fazia o sorvete ficar gelado?

R - Gelo, punha gelo em volta da vasilha e assim que ele vendia o sorvete e tinha, havia vendedor de pirulito. Sabe aquele, ainda hoje usa fora do Brasil, aquela coisa, pirâmide de, de palha com os pirulitos espetados e aos domingos passava o cata-vento, vendedor de cata-vento de papel, vendendo, passava na rua, e passava todo dia o homem das cabras, seis, sete cabras, e vendendo leite de cabra na hora.

P - Ah! Ele levava as cabras junto?

R - Cabra junto, na rua.

P - E ordenhava na hora?

R - Ordenhava na hora, você ia lá com o copo, tirava o leite, tomava na hora e levava pra casa, ou tomava na, tomava na hora, era a ordenha direta de cabras. E o leiteiro, que vendia leite da torneirinha da Vigor, um carro puxado a burro, um tanque, e eles vendiam o leite com a torneirinha. Ia lá com a vasilha ele "chiii", na hora, no tanque do leite. Essas são as coisas peculiares daquele tempo. Hoje o progresso é outra coisa, né, naquele tempo eu era garoto, pequenininho, depois eu fui crescendo e os bondes eram todos abertos, não tinha bonde fechado, depois é que apareceram os bondes fechados e depois é que duplicou a linha na Augusta, que era linha simples e ia pertinho ali, só até o Jardim Europa, depois não tinha mais linha.

P - Já existia a Praça Roosevelt lá embaixo?

R - Já. Não, daquele tamanho não, ________ a Praça Roosevelt era um, era um monte de prédios, né, ela só foi demolida quando fizeram a avenida que passa embaixo, outro não, não existia não. Existia, a única coisa o colégio lá embaixo que era, hoje está abandonado, lá, também iam demolir, não acabou em nada, que era em frente ao Armazém Nazário, onde meu pai teve o primeiro estabelecimento.

P - O senhor estudava nesse colégio?

R - Não, eu estudei no grupo escolar da Rua Augusta e depois estudei no Colégio Rio Branco, lá da Vila Nova, não no novo, no antigo ainda, porque o antigo tinha semi-internato, tinha internato e tinha o colégio de um lado e o internato do outro e tinha um túnel que passava por baixo da Rua Vila Nova que comunicava os dois. Nessa época que eu estudei lá.

P - E era muito diferente o ginásio do estado e o Rio Branco, que é que o senhor lembra?

R - Não, colégio de estado foi o primário, é, o grupo escolar e o ginásio antigamente era diferente hoje não, é esse, eram cinco anos. O currículo era todo diferente, as matérias eram outras, hoje simplificou tudo, mudou tudo. Acho que naquele tempo era mais eficiente.

P - O que é que o senhor lembra por exemplo que se estudava que hoje não se estuda mais?

R - Ah, latim, física, química, que era puxado, latim, física e química. Português era muito puxado, geografia, história e ciências eram as, eram as matérias boas e traziam uma cultura muito boa, conhecimentos muitos bons, e a matemática sempre foi a mesma. Era isso só que acho um pouco diferente. Hoje é muito liberal e não sei se a preparação é a mesma, porque eu acho que, e tinha francês e inglês, tudo era obrigatório, nada era facultativo, eu acho que era e tinha cinco horas por dia de aula, e hoje não tem nada disso, hoje mudou, né. É diferente, acho que a quantidade é grande mas a, a qualidade piorou, por isso que tá esse desacerto danado aí.

P - Senhor Álvaro o senhor ia muito no empório do seu pai? De pequeno o senhor ia muito no empório?

R - Nunca saí, sempre lá dentro.

P - Desde pequeno?

R - Desde pequeno.

P - E o que é que o senhor fazia assim no comecinho?

R - Eu ajudava em tudo que eu pudesse. Quando eu era pequenininho o azeite português era selado, tinha um selo, vermelho, então a minha função era pegar o sabão, sabão, até lembro até o nome do sabão Vencedor, porque era mais, mais macio, do Matarazzo. Eu passava o sabão nas latas e colocava o selinho, isso eu lembro perfeitamente. E outra, antigamente engarrafa vinho, engarrafa vinho, engarrafa vinho, vinho, porque vinho engarrafava na própria loja, então uma vez por semana é dia de engarrafar vinho, então eu ajudava a lavar a garrafa e fazia entrega, entregas em, pertinho ali eu fazia, e depois fui crescendo, fazia de bicicleta, visitava freguês de bicicleta, ia tirar pedidos de manhã.

P - O senhor ia até o freguês anotava o pedido...

R - Freguês, anotava o pedido. Vinha, aprontava e levava, de bicicleta com o cesto no guidão ainda, uma cesta de vime grande.

P - O senhor fazia isso diariamente pra alguns fregueses?

R - Todo dia, não tinha dúvida, diariamente.

P - Mas o mesmo freguês todo dia?

R - Todo dia o mesmo freguês.

P - Qual era um pedido de um freguês assim, de um dia por exemplo?

R - Era sempre o trivial, né. Coisas especiais não tinha muito aquela época, nós não vendíamos carne nem frango. Nem havia frango como tem hoje, nem havia as carnes que tem hoje, embalada, preparada, nada disso, era muito mais simples.

P - Não havia frango?

R - Frango havia, nós vendíamos frango vivo. Vendia frango vivo, imagina. Porque antigamente as donas de casa tinham cozinheiras, matavam, limpavam, arrumavam. (risos) Hoje se falar isso pra uma empregada hoje, ah, como é que pode, onde é que existe isso? Existe só na, só no mato, só na roça é que existe isso, aqui não existe mais, isso acabou, quando vem vender frango vivo aí, só pra macumba (risos), só pra terreiro, o resto, ninguém mais quer.

P - E fala de outros produtos um pouco, senhor Álvaro, que tinha lá no armazém?





R - Naquela época tinha, vendia-se doces, sorvetes.

P - Que doces, por exemplo?

R - Doces prontos como fabrica essa, doce de batata, cocada, aquela maria-mole, aquele pirulito, essas, doces comum, mais comum que podia existir. Agora, em conservas tinha de tudo, importado e nacional porque era livre, né, tinha bebidas de tudo quanto era jeito também. Hoje tão muito mais diversificadas, né, no mundo inteiro surgiu uma variedade muito grande porque antigamente a vodka não se falava, era gim, uísque, champanhe de cores, né, e não tão diversificado, com menor quantidade, e conserva quase tudo era americano, quase tudo dos Estados Unidos. Conservas, nós até importávamos direto da (Libes?), uísque antigamente americano vendia alguma coisa, que logo que acabou a guerra tinha muito americano no Brasil, né, vieram estadistas, militares, não sei. Não sei o que eles vinham fazer, mas tinha muito e me davam uma assessoria boa, também tinha muito produto americano a Kellogg's americana vendia, naquele tempo importava direto, então a (Hains?) também vendia bem e eles podiam importar porque não tinha nacional

que substituísse, então era exclusivo americano.

P - Tinha refrigerante, senhor Álvaro, bem no, ainda na época do Armazém Nazário, do Empório Nazário?

R - Refrigerante tinha, tinha mas não tinha Coca, não tinha nada.

P - Quais eram os refrigerantes?

R - Hã?

P - Quais eram os refrigerantes?

R - É guaraná, soda, tônica, não tinha. Depois é que surgiram, depois da guerra é que veio a evolução do mercado, a Coca-Cola foi a pioneira, até hoje é. E depois vieram outras marcas, outras cervejas, apareceram novas marcas e evoluiu de acordo com a época, de acordo com o mercado internacional.

P - E, senhor Álvaro, o sorvete era feito lá mesmo no próprio empório?

R - Feito. Lá na Augusta, era feito lá mesmo, minhas irmãs faziam a massa e batia na própria sorveteira, que antigamente o sistema era uma caixa grande onde guardavam-se os tubos com o sorvete e uma... Dentro era assim cheio de salmoura com resistência dentro, resistência não, tubulação de cobre onde passava o gás, resfriava a salmoura e a salmoura, a salmoura não condensava, né, porque ela não condensa a muito baixa temperatura, transferia pro sorvete e formava o sorvete, ele ia batendo, e tirando da

beiradinha, tirava com a pá de madeira e ia ficando consistente, era assim que era o sorvete antigamente.















P - E também mantinha dentro de um recipiente com gelo?

R - Da própria máquina.

P - Lá mesmo?

R - Na própria máquina fazia, foi o princípio do sorvete, né, foi feito assim. E o sorvete de rua batia no, naquelas coisas de vasilha de madeira com a, punha gelo com sal e virava na mão que era sorveteira pequena, que ainda existe alguma aí como relíquia, ainda existe isso.

P - Quantos irmãos o senhor tinha, senhor Álvaro?

R - Quatro irmãs.

P - Quatro irmãs?

R - É.

P - E todas trabalhavam junto no...

R - Todas trabalhavam junto.

P - E elas seguiram depois trabalhando no...

R - Não, não trabalhavam na loja, ficavam em casa e nas, e depois de servir a refeição pra, pros funcionários, então elas que tomavam conta da

refeição e ajudava também embaixo. Quando precisasse descia, meu pai era português e não gostava muito de mulher no serviço. Hoje é ao contrário, a mulher está passando o homem, eu tenho funcionária mulher melhor que funcionário dos homens, evoluiu muito isso.

P - Qual o senhor acha que é a diferença?

R - Hã?

P - Qual o senhor acha que é a diferença, no trabalho?

R - Ah, é o trato, é maneira de ser. É menos é, a cabeça mais assentada. O homem é meio intempestivo, isso muito sonhador, é verdade, essa é uma verdade, o homem é muito sonhador, ele não tem persistência, ele quer evoluir rápido, de qualquer maneira, e acaba levando sempre a pior.

P - E elas seguiram também no ramo do comércio, suas irmãs?

R - Não.

P -Não?

R - Não, nenhuma ficou pro comércio, todas não, não ficaram, nenhuma delas.

























P - Senhor Álvaro, e quando o

Nazário mudou pra Santa Luzia aí o senhor já trabalhava?

R - Não, eu era pequenininho, eu tinha um ano e pouco.

P - Ah, o Santa Luzia o senhor tinha um ano e pouco?

R - Eu cresci lá dentro.

P - Ah, desculpa.

R - Eu fui criado dentro do Santa Luzia, lá passei por toda minha vida. Então eu tenho impressão que naquela zona ali eu sou o comerciante que mais permaneceu dentro de uma loja só, acho que não tem ninguém que agüentasse 68 anos (risos) dentro de uma loja. Acho até que teria cansado, confesso que alguma vez eu já cansei, mas a gente ganha amor àquilo que faz e dificilmente vai largar. Agora principalmente é que não adianta mais largar, né. As forças estão, já não são as mesmas, mas ainda dava pra olhar muito bem, você viu lá, né, o... Não se pode parar um minuto, e parar na minha idade agora o "chiiii" rapidinho, vai embora.

P - E o que é que o senhor lembra da Rua Augusta do outro lado depois em relação ao comércio?

R - A Rua Augusta teve uma época, era uma rua calma sem nada, de repente começou uma evolução muito grande, então ela veio com todo vapor, falaram em fazer passagem, mudar o trânsito pras ruas, pras outras ruas laterais depois, é, proibiram estacionamento, aí matou a Rua Augusta, que era corredor de passagem, aí, depois daquela evolução toda mataram a Rua Augusta, acabou, aí não, não teve mais jeito. Aí começou a decadência da Rua Augusta, de rua, rua muito fina, passou a uma rua média pra popular.

P - Isso anos 50?

R - Não agora pra, dez anos pra cá, 20 anos.

P - Ah, de dez anos pra cá.

R - Quinze anos pra cá.

P - Mas quando que ela se tornou a Rua Augusta que a gente conhece de ouvir falar?

R - Olha a Rua Augusta tornou-se há uns 25 anos atrás, que ela ficou famosa, e hoje ainda é famosa, que as transversais só têm lojas finas. É certo que as transversais ficaram com lojas finas, e tornou-se um centro de gastronomia que está repleto de restaurantes, fast-food, tudo isso que você vê lá. Então acho que, aquela finésse que teve naquele momento terminou, mas ficou uma boa, ainda um bom comércio, a Augusta está cheia de loja vazia. Você viu lá, né, está cheia de loja pra alugar. Então é uma supervalorização que não comporta, o comércio não está comportando os aluguéis que estão pedindo. Então ela decaiu, o Old England, por exemplo, é tradicionalíssima, estava na esquina da Lorena com a Augusta, ela mudou-se, foi embora de lá, por quê? Naturalmente porque o que ela vende já não tinha comprador, ela decaiu, porque mudou o... quer dizer, a freqüência, não é a mesma freqüência, e a abertura dos shoppings, com estacionamento fácil, também diminuiu muito a Rua Augusta, diminuiu o movimento. Eu acho que foi essa uma das causas, e aluguéis caríssimos, essa, botaram um imposto fantástico, não tem estacionamento, tem zona azul, mas a pessoa quer conforto, a nossa loja lá, nós temos 120 vagas. Sem estacionamento não tem negócio, a pessoa entra, estaciona, fora de chuva, fora de sol, fora de tudo, não está sujeita a ser assaltada, é. Na rua é comum, tem o consulado, de manhã cedo chegar lá e encontrar o carro com o vidro arrebentado porque os pivetes que arrebentam o vidro e roubam o rádio. É quase todo dia, então onde o cliente encontra segurança, onde ele vai estacionar não tem chuva, não tem nada, tem um bom atendimento, ele vem mesmo, não tem dúvida que ele está disposto a vir, fica predisposto a voltar, agora quem não tem isto, as loja de rua fica um pouco difícil, dificulta muito.

P - Senhor Álvaro, é, falando um pouco de pagamento, no começo funcionava o sistema de caderneta?

R - É, antigamente era assim você fazia o pedido, e tinha uma caderneta que ainda tem lá de amostra. Não te mostrei mas nós ainda temos guardado lá. Era caderneta mensal, ia tomando nota, no fim do mês fechava e entregava pra pessoa conferir e pagar era, isso era normal, era o que se fazia antigamente, não era de levava o dinheiro e pagava na hora, isso é modernização.

P - E quando que deixou de ser esse esquema?

R - Ah, já faz tempo, faz bem aí uns 20 anos já. Nós continuamos a ter uma clientela antiga, abrimos novas contas, mas que (ainda?) continuam comprando por conta corrente.

P -Até hoje?

R - Não, quando a inflação passou dos, dos 20, teve que cortar, porque você no fim do mês ia receber menos que você tinha vendido por causa da inflação. Aí não compensava, não compensou mais, nós suspendemos e mantivemos a tradição com alguns clientes, e depois passamos, quando começou 30, 40, nós começou a cobrar correção diária, porque era diário. Passou de 1% ao dia, não tinha condições mais, mas a clientela do pagamento à vista acostumou e foi assimilando o sistema. Não teve problema nenhum, é compreensível porque qualquer pessoa inteligente sabe disso, né. Não é possível comprar a prazo por 30 dias e pagar o preço do dia 1º no dia 30, não existe mais isso, é do Brasil, né.

P - Senhor Álvaro, e a evolução dos produtos, eu queria que o senhor falasse um pouquinho.

R - Enorme! Evolução tem sido muito grande, em todos os setores, não tem um que você diga que não evoluiu, todos evoluíram, e pra melhor.

P - O senhor acha que o azeite hoje por exemplo está melhor que aquele azeite que o senhor colava o selo?

R - É, é.

P - É melhor?

R - É melhor porque o azeite hoje ele não tem colesterol ele é mais bem tratado, refinado. Não é tirado, espremido na pressão e depois enlatado, não é nada disso, ele é refinado, analisado. Vai pro laboratório, depois é que ele vem pro consumo, melhorou muito, tudo, todos os aspectos.

P - Que outros produtos que o senhor embalava ou engarrafava no começo?

R - Não existe mais.

P -Não, mas no começo, o senhor falou vinho, o azeite...

R - Vinho português só, só vinho português.

P - Ah, o azeite já vinha...

R - Em barris.

P - Ah, vinha em barris também...

R - Azeite não, azeite sempre enlatado.

P - Ah, já vinha enlatado, pronto.

R - Pronto já, sempre foi assim.

P - Mas por exemplo grãos e cereais é...

R - Cereais, antigamente, ele vendia a granel, mas depois passou, passou a ser embalado, hoje é tudo embalado.

P - Mas o senhor chegou a, a vender...

R - A granel.

P - A granel.

R - Ainda hoje vende a granel. Nós não vendemos, não temos espaço pra fazer e ia ficar muito, pra nós, nosso, pra nossa maneira de trabalhar não, não funciona, não é o que nós precisamos. É mais certo o freguês comprar empacotado que ele tem toda a garantia, peso, tudo, na hora está vendo, é muito melhor, mais cômodo, paga um pouquinho a mais, pouca coisa, compensa comprar empacotado, e é mais selecionado o empacotamento.

P - Senhor Álvaro, o senhor disse que durante muitos anos o senhor fez compras...

R - Eu.

P - Aonde que o senhor comprava os produtos?

R - Na Rua Santa Rosa e no Mercadão, comprava cereais na Santa Rosa, que não havia empacotado, e comprava as frutas no Mercadão, que era o centro comercial de frutas de São Paulo, sempre foi. Só que eu comprava, fora isso, o resto era compra de loja, que compra do vendedor que vem.

P -E o senhor ia todo dia, muito cedo, como é que funcionava isso?

R - Todo dia no mercadão.

P - Bem cedo?

R - Seis horas da manhã. Não tinha nem, não havia nem carro, você tá pensando que tínhamos uma perua, eram carros adaptados pra carga porque na guerra não tinha nada, o cara que tinha um furgão era, era o rei. Mas naquele tempo eu não podia comprar um furgão daqueles, em 1946, aí nós compramos um, todinho de aço fechado, aí, comecei a funcionar melhor, mas antes de acabar a guerra não tinha, tudo na adaptação.

P - E na Santa Rosa?

R - Na Santa Rosa do mesmo jeito, Santa Rosa o Santa Luzia fazia compras com um caminhãozinho Chevrolet, cabeça de cavalo chamava-se.

P - Por quê?

R - Não tinha, a cabine era uma madeira, mas de madeira toda aberta, tinha só uma porta, eu era menininho, um dia lá com, com o comprador e era um caminhãozinho muito, não tinha nem freio hidráulico naquele tempo, era de varão. Eu comecei, eu ia junto pra fazer as compras com ele, raramente eu voltava acordado, eu lembro muito bem disto.

P - Que é que ele comprava?

R - Arroz, feijão, passava no mercado e pegava aquele parmesão italiano lá na, na Rua da Moóca, é, onde o Ranieri, Ranieri não? O

mesmo tinha um depósito de azeitonas e, e queijo parmesão, meu amigo até hoje, o filho dele, o pai morreu, e ia lá

comprar essas coisas especiais que precisavam. Passava no mercado, carregava, fruta seca, também comprava no mercado, hoje nós não compramos nada na praça, importamos tudo, o Santa Luzia hoje, fruta seca, importa tudo e vende pelo melhor preço.

P - O senhor não compra mais nada nem no Mercado nem na Santa Rosa?

R - Compro e vendo, quando não tem, quando falta eu compro.

P - Mas não é, vamos dizer, mais um fornecedor?

R - Não, eu compro por telefone até.

P - E mudou muito o sistema de funcionamento ou a importância do Mercado e da Santa Rosa pro comércio, pro abastecimento em São Paulo?









































R - Mudou, o mercado da Rua Santa Rosa hoje está ultrapassado, eu não sei como permanecem lá. Onde você não pode encostar um carro, onde os guardas te vivem infernizando, não tem condições de você ir mais. Eu não vou mais, faz 20 anos que eu não vou mais lá, que não suporto mais aquilo, pra você comprar qualquer coisa, você precisa estacionar o carro, você não tem onde estacionar, fica dependendo de guarda, o tempo que você perde você deixa de ganhar na loja, você fica desativando a loja, então preferível pedir por telefone pra outros fornecedores que tiverem, aquele que tiver, do que ir na Santa Rosa hoje. Eu não sei porque que permanece lá, besteira. E o Mercado Central é outra coisa inútil, só tem aquele estacionamento pequeno que pra ir lá eu vou seis horas da manhã, pra ir no Mercado Central. Devia ter essa... já devia ter mudado pra uma das marginais tudo aquilo e não conseguiram fazer, porque são desunidos. Ah, o Ceasa funciona muito bem, muito bem, meu caminhão vai todo dia ao Ceasa, faz duas viagens, uma de fruta, outra de verdura, de legumes e verduras, porque é fácil entrar, sair, estacionar. É um centro forte, por isso que não... Santa Rosa morreu, esse tempo já passou, não vai voltar mais, e tinha ali, a razão de ser é que a estação do Pari, de cargas, era encostado na Santa Rosa e forçou o crescimento da zona cerealista porque vinha tudo por estrada de ferro. Hoje a estrada de ferro não traz mais nada, aquilo é museu hoje, virou museu. Então o comércio também não vai, não vai existir por muito tempo ali não, pela dificuldade de acesso, não tem mais jeito, hoje tem mais carro na rua do que saca de feijão no depósito atacadista, não tem mais, terminou.

P - Senhor Álvaro, os anos da guerra interferiram muito no abastecimento na cidade?

R - No tempo da guerra? No tempo da guerra o que não tinha era farinha de trigo, óleo, tudo era racionado, agora se você perguntar pra mim por que, também não sei. Quer dizer, é lógico que a farinha de trigo vem da Argentina, vinha via marítima, agora por que não tinha, por que estavam exportando tudo pra estoque de guerra? Devia ser isso, não me aprofundava em nada disso porque eu tinha o quê? Primeiro você não tinha acesso a essas coisas, e a imprensa estava brecada.
P - Mas não era mais difícil comprar os mesmos produtos, enfim?

R - Era mais difícil.

P - Ah, era mais difícil?

R - Principalmente farinha de trigo, açúcar e óleo. Era racionado você ia na Sunab, não era Sunab, era outro órgão, era ali onde tem hoje, era o parque, Cassino Antártica antigamente, na Avenida da Luz, onde hoje tem aquele Zarzur, era ali. A gente ia pegar as cotas, levava lá no Açúcar Tupi ou na União e recebia cota de açúcar. Depois recebia a cota do óleo, então isso aí era uma coisa terrível, acabava, acabava, era tudo assim e existia um câmbio negro tremendo naquela época, nós não participávamos disso não porque não valia a pena. Só os grandes que estavam entrosados no sistema é que podiam fazer, nós nunca fizemos. Não era o nosso, a nossa coisa, essa época foi difícil, uma época bem ruim, viu, e nessa época a gente não ganhava nada, nada.

P - Por quê?

R - Porque não tinha, a margem era pequeníssima e não tinha mercadoria.(fim da fita 057/01-A) Então era difícil, não era fácil, coisa de tabelamento e outras coisas que apareceram, se fosse, se não fosse persistência teria desistido, mas nós nunca desistimos, sempre fomos levando da maneira ... e depois, outra coisa importante é que nós éramos humildes e somos até hoje e nunca fizemos nenhuma questão de aparecer pra nada e nem de ficar super-ricos. Nós somos uma classe média, e naquela época passamos mal, mas todo mundo passou mal, não éramos só nós, então acabou a guerra, veio a evolução, aí foi melhorando, mas foram cinco anos duros, difíceis, mas passou.

P - O senhor falou que no final da Guerra veio a Coca-Cola, houve uma, alguma mudança no perfil de produtos mais americanos, ou menos que houve?

R - Houve, houve uma invasão de produtos americanos, uma invasão de produtos americanos, até macarrão.

P - Macarrão?

R - Macarrão! Nós, uma vez eu importei uma, uma remessa de macarrão americano que chegou bichado. Ah, foi a maior decepção da minha vida, nunca vou esquecer, eles mandaram macarrão com vício, lá, aí perdemos tudo, nós falamos: "Vamos fazer farinha de macarrão pra vender como farinha de trigo", veja que coisa hein.

P - Não entendi, desculpe.

R - O macarrão virou farinha de trigo.

P - Ah, o senhor dissolveu o...

R - O Moinho Reisa chama, até pouco tempo ele ainda me manda notícia dele lá de Tatuí, ele tem uma fazenda de gado jérsei lá em Tatuí. Ele tem um moinho lá em Guarulhos, ele transformou aquilo tudo em farinha, farinha de macarrão. Mas não deu pra salvar não, deu pra quebrar o galho porque ela estava com vício, né, precisou expurgar e depois peneirar, ventilar pra depois fazer farinha, mas ele fez tudo, mas acho que ele ganhou tudo, nós não ganhamos nada. (risos)

P - Senhor Álvaro, eu vou fazer uma pergunta, se a pergunta estiver errada o senhor me corrige. É: alguns dos supermercados grandes de São Paulo, das cadeias, são de proprietários de origem portuguesa?

R - São.

P - Isso tem uma explicação, que é que o senhor acha, quer dizer, abriram também, pessoas que abriram, vieram de Portugal, abriram empório. Como é que é essa história?

R - Não. Eu só conheço a história de um, que é do Pão de Açúcar. Ele é português, a mulher dele era uma grande confeiteira, montou uma doceira Pão de Açúcar lá na Brigadeiro Luís Antônio, aí como português chamam... dizem que é burro, mas não é nada burro, burro são os que pensam, (risos) ele evoluiu, ele montou o supermercado, naturalmente ele era um homem português que, de índole, uma índole boa, quer dizer, ele tinha esperteza, tinha, tinha cabeça boa ele. Quando cedo ele teve dinheiro suficiente, mandou os filhos pros Estados Unidos e os filhos voltaram com a idéia de supermercado, são esses que estão aí! Ele mandou pra lá, eles fizeram estágio, ele montou o Pão de Açúcar e a evolução dele veio automática, foi um dos primeiros a montar. O Peralta é a mesma coisa, também progrediu, não foram os pais, foram os filhos, que os pais conduziram e eles encaminharam. O Gonçalves Sé a mesma coisa, são portugueses que vieram, mas evoluíram porque já eram inteligentes, né, não vieram aqui no tempo do descobrimento, eles vieram depois, do descobrimento eram, eram refugo, esses não, vieram porque queriam vencer e o que ia vencer é que fez eles venceram. É a vontade, a necessidade, entendeu, eu acho, como os italianos, os gregos, os turcos os, como é que é, os italianos, tudo evoluiu na vontade de trabalho, na perseverança e na força. Cada um no seu setor, eu acho que é esse que trouxe a evolução, e o português sempre deu pra padaria, bar e restaurante, evoluiu no setor dele, não acha? É, esses que você sente aí, os italianos nos restaurantes são fantásticos, na indústria são um colosso, então, você não vê nenhum alemão dono de supermercado, não vê nenhum judeu em supermercado, você não vê nenhum polonês no supermercado, você encontra, mas não em supermercado. Mercado é outra, é outra tendência, cada um tem uma tendência, cada um seguiu seu rumo e é isso que trouxe a evolução pro Brasil, essa mistura que deu essa expansão enorme que nós temos aqui, e se não fossem os nordestinos eu queria ver quem trabalhava. (risos) Se bem que eles têm um limite, né, mas você quer um povo bom como o cearense. Cearense é espertíssimo, então não é só o português que evoluiu, todo mundo evolui desde que tenha vontade de trabalhar. Então os portugueses que vieram, que venceram em supermercado foram, realmente saíram de padaria ou de doceira, tem o Supermercado da Vó lá na... aquele bairro lá em cima, esqueci o nome do bairro lá, eles vieram de padaria, hoje é uma potência. Então a evolução depende da capacidade da pessoa também, pra crescer muito é uma coisa, pra fazer uma casa fina como nós temos é outra coisa, um atendimento personalizado, é um conhecimento, você tem o calor humano, então você seleciona uma casta de clientela que é diferente daquela que vai no, nos grandes supermercados.















P - O senhor nunca pensou em crescer, em filiais?

R - Já não adianta mais, agora já é tarde, agora tem que ficar, manter aquilo bem mantido, sempre bom, é o principal, esse eu acho que é essencial.

P - E, senhor Álvaro, o senhor passa o dia inteirinho dentro do supermercado?

R - Dentro.

P - Atendendo?

O que é que o senhor mais gosta de fazer, atender os clientes...

R - Eu atendo clientes, eu compro, eu fiscalizo funcionários, a limpeza, a entrada e saída de mercadoria, entendeu? É isso que eu faço e atenção total dentro da loja, não pode desviar, né.

P - Mas o senhor conhece pessoalmente muitos clientes, né?

R - Muitos, até 3ª geração, já passou a 1ª, a 2ª e a 3ª, já tem bisnetos dentro da Santa Luzia dos primeiros clientes. Tem cliente lá que tem 50 anos de Santa Luzia. E muitos já morreram, né, uma grande parte já passou o ciclo, terminou o ciclo, e todos nós vamos terminar o ciclo, mas é uma coisa diferente. Eu acho que é. A gente tem uma coisa diferente na mão, e tem que continuar a ser como ela é, não pode mudar, só com coisas muito finas e muito boas e com honestidade no atendimento e nada de superpreço, tudo com preço justo, se não você não segura. Ninguém é trouxa, como tinha, eu tinha um amigo lá na Rua Santa Rosa, chamava-se Bovino de Gracia (risos), e na placa da loja dele tinha um, um prato, em relevo, no fundo, um trem, e o cara em cima da linha. Então embaixo estava assim, escrito assim: (carne shune fetso?), aqui ninguém é trouxa! (risos) porque, só que ele estava lá, mas que ali não tinha ninguém trouxa. Nunca eu posso esquecer o dia que ele, o rapaz, o sobrinho dele morreu e o velho já tinha morrido eu quis levar o prato, (risos) ele não me deu, o que ficou não deu.

P - Mas o lema ficou.

R - O lema ficou. (risos)

P - Senhor Álvaro, mas o senhor atende pessoalmente a clientela, né?

R - Atendo.

P - Fala um pouco pra gente o que é que o senhor faz? Como o senhor auxilia nas compras, as dicas que o senhor dá?
























R - Primeira coisa o cliente que já conhece, que é cliente ele procura, quando ele não encontra ele procura a pessoa indicada, que esse indicado sempre sou eu, que estou lá, quando eu não estou tem que ter alguém pra pôr, e pergunta por que não tem, se está faltando mesmo, porque o empregado é relapso, não o meu, todo. Ele não encontrou, ele

pergunta pro empregado: "Ah, não tem." Então ele já sabe disso, vai procurar alguém, porque às vezes, não tem porque não foi buscar no depósito. Então eu dou, eu dou essa atenção, eu vou saber porque que não tem e se tiver eu mando, eu mando pegar na hora, entendeu? Eu mando pegar: "Vai buscar. A senhora aguarda um instantinho, vai buscar lá em cima." Porque é muito, é muito comum falar que não tem, pra não ter o trabalho de ir buscar e pra não ter o trabalho de atender também, você não encontra em repositor de supermercado alguém que seja realmente capaz de atender alguém, pra ele passou o dia, acabou, é o que ele quer. Dificilmente você arranja alguém, a não ser os balcões que aí tem os chefes mais bem remunerados que merecem realmente e esses atendem, se o funcionário falta alguma coisa ele tá ali pra saber porque, e quando falta alguma coisa eu pergunto: "Por que é que está faltando?" "Ah, não mandou." "Telefona pro escritório, liga pra lá e pergunta porque não veio." Tem que se manifestar senão: não chegou, acabou, não liga. Então precisa ter essa atenção e essas coisas, é essa a diferença, que a gente está ali pra atender, se não, faltou, porque faltou e se falta um funcionário não é a primeira vez nem a segunda nem a terceira que eu entro dentro de um balcão e vou atender porque se um funcionário saiu, foi tomar café, ou se ele subiu, freguês tem que ficar esperando, tem que chegar e atender, e eu vou e atendo, não tem problema, é uma coisa boa e o cliente: "Ah, mas o senhor vai atender?" "Sim senhor, vou atender." E vou e atendo, não tem problema nenhum, não existe nada de mal e caminha assim, por isso que precisa estar sempre alguém tomando conta, não pode faltar, é por isso que eu não saio de lá, dificilmente eu saio, muito difícil.

P - E, às vezes, assim o cliente tem alguma dúvida em tipo de ervilha ou...

R - Vem perguntar.

P -... ou alguma receita...

R - Receita se precisar também a gente dá.

P - Como é que é isso?

R - Bom, quando a receita é simples, como faz isso, como faz aquilo a gente sabe como faz. Algumas dicas como cozinha ou como prepara a gente sabe fazer porque eu sempre gostei disso e quando é mais difícil eu chamo da cozinha, a chefe de cozinha, peço pra descer pra dar uma explicação.

P - Mas o senhor tem uma cozinha na loja?

R - Tenho! Eu tenho uma cozinha com dez funcionários de congelados.

P -Ah, que, que o senhor falou que preparam produtos pra própria loja.

R - Exato, eu tenho uma nutricionista da Unicamp e tenho uma banqueteira, uma cozinheira.

P -Ah, o senhor cria então lá dentro receitas?

R - Tem, não, elas fazem, elas fazem, fazem testes, eu tenho uma nutricionista que este mês ela está fazendo um teste lá na Unicamp, de brócoli. Pra ver os valores nutricionais, o que tem, o que não tem, aquele negócio todo. E esse brócoli, ela me trouxe as sementes, eu mandei plantar no meu sítio, ela foi lá, falei lá com o meu chefe lá que ele plantasse separadamente, uma e a outra, e ela está pegando as flores agora, o brócoli é flor, e está levando pra, ela foi domingo pegar, às cinco horas da tarde, levar pra Unicamp pra fazer as analises lá. E essa é a minha nutricionista, da loja, ela estuda ainda até hoje, ela vai duas vezes por semana. Você vê, ainda ontem ela me levou um cepo, um moedor de carne pra trocar, porque o cepo estava embaixo todo comido, já deixei hoje lá pra mandar buscar um novo porque ela não aceita na cozinha por causa da contaminação. Então tem que tirar fora e tirou fora, estou mandando pegar hoje cedo.

P - Que mais o senhor planta pra vender no supermercado?

R - Ah, eu tenho uma diversificação muito grande. Eu planto, planto (mache?), planto brócoli, planto tomate, abobrinha, pepino, repolho roxo, repolho branco, espinafre, alface roxa. Tem uma alface lolo, bem miudinha, espetacular, mas agora não dá, só no inverno e (mache?) também, uma saladinha pequenininha, só vai em maio, junho agora. Planto catalônia, planto escarola, planta erva doce, planta mandioquinha, planta mandioca. Olha se tiver aqui dá uns 30, 40 produtos que eu planto seguido, sempre tem milho doce, milho doce americano que eu mando vir a semente, vai começar agora, daqui a dez dias já tem. Tenho figo verde, tenho caqui, tem nectarina sunshine, tem pêssego marli, que mais eu tenho lá? A variedade é grande, mandioquinha salsa, tem uma grande plantação, tenho vaca leiteira, tenho 60 mil frangos que vendo pra (Ozato?), eu não ponho na loja, tem que passar pelo matadouro, então eu indiquei pro matadouro.

P - E o leite da loja é das vacas?

R - Não, o leite das vacas vai pro laticínio. Que eu tenho já este mês já licença com rótulo, Nossa Toca, o rótulo, queijo fresco muito bom, melhor que eu tenho lá. É lá da... é produzido na, eu tenho um sítio que ele tem uma integração dentro do sítio. Eu pego, crio a galinha, pego o esterco da galinha, ou dou pro boi ou ponho na terra que tem os sais minerais, um pouquinho da ração do boi, ponho na terra, da terra eu tiro a verdura, entendeu, então o ciclo está formado, eu faço, e outra, a verdura que não presta, reparo, jogo no lago, que eu crio peixe, quer dizer, nada se perde, tudo se transforma, tudo ali dentro, tudo vai transformando ali, o capim, o esterco joga no capim, o capim come, o boi come o capim, o esterco do boi vai pra verdura, da verdura, essa verdura pra loja. Eu quase não uso agrotóxico, então tenho um ciclo formado, quer dizer, fui fazendo com esnobismo, quis fazer, fui fazendo e hoje o meu filho toma conta desse ciclo, sempre, cebolinha francesa, eu tenho lá menta, que ninguém tem, menta verde, tenho lá menta verde hoje, estragão, menta, cebolinha francesa, manjericão, manjerona, salsão de cabeça, é difícil, você não encontra salsão de cabeça, pepino de conserva desse tamanho, entendeu? Essa coisas que eu faço, e faço de longe, hein, não estou lá, só o domingo, meu domingo é dia de fiscalização. (risos) Eu só vou lá aos domingos, mas alguma coisa da Santa Luzia? Que é mais importante. Eu posso contar a história de um amigo meu. Tenho um amigo que era conterrâneo do meu pai, eles quando vieram pro Brasil vieram juntos, ele era carpinteiro também e trabalhava com meu pai, então um foi ser fazendeiro e meu pai veio pra São Paulo, e ele tinha uma fazenda no Paraná e eu gostava muito, desde menino eu gostava muito de ir pra fazenda, meu avô era fazendeiro também de café lá em Quatá, na Sorocabana, sempre tive paixão. E ele tinha uma fazenda no Paraná, Paraná, zona pioneira, quando começou o Paraná, hein, Maringá tinha algumas casas de madeira, que eu fui lá com ele de ônibus. E ele comprou um terreno lá e eu falei: "Compra um pra mim." E comprei um com ele pra fazer uma, uma fazendinha, mas depois ele morreu. Ele morreu, acabei vendendo, o filho dele também vendeu, acabei vendendo e assim ele dizia: "Você vai, tu queres comprar um terreno pra fazer uma fazendinha, mas a melhor fazenda que você tem está lá em São Paulo, hein, não é essa que você vai ver aqui, lá em São Paulo é melhor fazenda." Ele sempre falava pra mim, melhor fazenda, por isso que eu digo, a fazenda é muito bom pra você mexer um pouco. Você gosta, uma coisa pequena tudo bem, mas ele, eu nunca mais esqueci, a melhor fazenda é essa que você está, essa não tem geada, e a geada matou ele, teve uma geada no Paraná, morreu do coração, perdeu tudo, e ele falou assim: "A melhor fazenda é essa que está aí, se for, pode até comprar aqui, mas a melhor fazenda é aquela." E é essa a razão, tem altos e baixos e a gente vai suportando mas sempre vai saindo, o comércio tem essa vantagem, quando é bem cuidado, né, quando é mau cuidado você pode largar mão e vai embora, não fica porque não adianta, a perseverança você faz, e a humildade, né, se não tiver humildade você não vai a lugar nenhum, tem que ser assim: trabalho e humildade é a primeira coisa, e principalmente a perseverança naquilo que faz , que mais?

P - Senhor Álvaro só...

R - Você quer um sanduíche do Frevinho?

P - (risos) Por que, o senhor que deu a receita?

R - Não, (risos) o Roberto é meu amigo.

P - É, só perguntar pro senhor, que ano que o senhor casou, o nome da...

R - Bom, eu casei duas vezes. Primeiro fiquei viúvo, casei a segunda vez. Eu casei a primeira vez, eu tinha vinte anos, quanto tempo faz? Foi em mil novecentos e... eu estou com 69.

P - Quarenta e nove anos.

R - Quarenta e nove anos. Depois a minha esposa faleceu e eu casei a 22 anos atrás, 25 anos atrás, eu casei outra vez, tenho dois casamentos. Você quer saber o nome da primeira ou da segunda?

P - O nome das duas esposas.

R - A primeira era Maria Tereza Cavalcante Lopes, e a segunda Maria de Lourdes de Souza Lopes.

P - E dos seus filhos, um trabalha no, na fazenda cuidando da produção...

R - É, da produção, o primeiro filho trabalha na loja é, ele é formado em Administração de Empresas e, e analista de computador. É o que toma conta da computação toda da loja, a outra filha tem uma loja na Consolação.

P - Do quê?

R - A Vera, de utilidades, de panelas e coisas pra cozinha, essas coisas. O outro está na fazenda e a menina agora mais nova está na loja, ela formou em Administração e hoje está começando nas compras lá, agora meu sócio tem dois também.

P - Ah, o senhor tem um sócio?

R - Tenho e...

P - É recente?

R - ...são eles que vão tomar conta, se tem capacidade ainda está pra testar.

P - O senhor tem um sócio há quanto tempo?

R - Há 30 anos, nós começamos lá na Augusta, e depois evoluímos _________ assim.

P - Pra concluir a gente sempre faz duas perguntas, senhor Álvaro. A primeira é: o senhor tem algum sonho ou projeto a realizar?

R - Não, meu projeto está realizado, eu não tenho mais nada a realizar. Acho que a vida correu bem, eu tive sucesso, graças a Deus, não tenho mais ambição nenhuma, acabou, é o que depois todos nós podemos ter, é chegar naquele ponto e sossegar, sabe, que eu não vou parar, né. Isso não é possível, vou evoluir até onde puder, até onde tiver força a gente vai, e futuramente quem ficar, que faça outras coisas que a gente deixou de fazer, que não deve ser muita coisa pra fazer mais, é só acompanhar a evolução do tempo e chegar lá, acabou, e manter a tradição, né, tem que manter a tradição, que mais?

P - Senhor Álvaro, que é que o senhor achou de ter deixado registrado o seu depoimento a sua história de vida pro Museu da Pessoa?

R - Eu achei bom. É a realidade, e vai ficar escrito pra sempre, né? Pronto?

P - Está bom, muito obrigado.











R - Por nada.