Museu da Pessoa

Luxuoso lixo

autoria: Museu da Pessoa personagem: Jefferson Pereira

P/1 - Jefferson, primeiro eu gostaria de agradecer a sua presença aqui, de ter aceitado o nosso convite. E para começar eu gostaria que você falasse o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.

R - Meu nome completo é Jefferson Pereira, nasci no bairro da Vila Maria em 30 de dezembro de 1967.

P/1 - E qual é o nome dos seus pais?

R - Pedro Pereira e Alice Gonçalves Pereira.

P/1 - E qual é a atividade deles?

R - Meu pai é comerciante e a minha mãe é aposentada.

P/1 - E qual comércio seu pai tinha?

R - Meu pai já teve metalúrgica, e hoje em dia ele compra e revende sapatos.

P/1 - E o que você se lembra da infância da atividade do seu pai, da movimentação da sua casa lá na Vila Maria?

R - Na Vila Maria eu não lembro bastante, mas eu lembro muito do Brooklin. Aliás, eles moram lá até hoje. Eu me lembro de quando eu era criança, ele tinha a empresa dele e ele vivia falando para mim: "Vamos que eu vou te ensinar a trabalhar". Isso com 14 anos. Uma parte engraçada era que ele chegava para mim: "Você vai trabalhar no escritório, mas eu quero que você saia comigo porque eu vou te ensinar a trabalhar com vendas". Eu falava assim: "Eu morro, mas eu nunca vou ser um vendedor na minha vida". Aí, hoje ele diz que eu cuspi para cima porque eu sou pior, eu compro e vendo, sou comprador e vendedor, que é a pior raça que tem (risos).

P/1 - Antes de você falar das suas atividades, eu queria voltar um pouquinho para sua casa de infância, do que você se lembra dela, se você tem irmãos, como era esse cotidiano?

R - Sim, eu tenho um irmão e uma irmã. Hoje eu tenho 43, meu irmão tem 42 e minha irmã tem 41 anos. Nós tivemos uma infância muito boa, que era a infância de ficar o dia todo na rua brincando, se divertindo, correndo, conversando com os amigos, isso era muito livre. Viajávamos muito pro interior, tínhamos parentes no interior, então, brincávamos muito na terra. Nos divertimos muito.

P/1 - Do que vocês gostavam de brincar?

R - Ahhhhh, pega-pega, esconde-esconde, jogar bola. Quando eu ia visitar meus primos no interior, eu ia nadar no rio. Saía brincando, ia na cidade tomar sorvete, era muito divertido quando criança. Empinar pipa...

P/1 - E o que você se lembra do bairro do Brooklin? Onde estava sua casa, o que tinha ao redor dela?

R - Olha, o Brooklin basicamente não mudou. Eles moram num lugar chamado Vila Carmem no Brooklin, que é uma região que tem muito sobradinho. Então, digamos assim, da década de 80, quando nos mudamos pra lá, aliás, da década de 70 pra cá, não mudou nada. Existem os mesmos sobradinhos, só os moradores que mudam muito, mas continua basicamente a mesma coisa. A arquitetura não mudou nada.

P/1 - E tinha algum comércio por perto? O que tinha no bairro?

R - Ah, tinha uma padaria que eu me lembro bem, era uma padaria bem antiga, se não me engano é Vila Carmem. Tinha uma drogaria que não me recordo muito. Tinha a mercearia do seu Juca, era a mercearia onde todo mundo ia comprar as balinhas, os docinhos quando criança. Tinha também outra mercearia, do seu Gil, essa continua até hoje, a do seu Juca não. E outra padaria muito distante que fechou.

P/1 - E como é que eram as atividades de pequeno, qual era a sua responsabilidade de ser o mais velho, se isso existia?

R - Perante o quê? Os irmãos?

P/1 - É.

R - Bom, digamos assim, que eu tinha que cuidar do irmão e da irmã, mas a hora que saía pra rua era cada um por si (risos). Só assim, quando a irmã saía junto a gente tomava muita conta da irmã. Mas eu e o meu irmão vivíamos brincando na rua.

P/1 - E qual é o nome deles?

R - Charles e Cristiane.

P/1 - E qual é a sua primeira lembrança da escola?

R - Olha, eu gostava muito da escola. A primeira escola, do ginásio, ficava a três quadras da minha casa. Eu lembro vagamente, minha memória não é tão boa assim, mas eu tinha muitos amigos, gostava muito do colégio. Estudava no Colégio Mário de Andrade, um grande modernista. E eu lembro que era um lugar muito bonito, tinha umas salas de aula bem antigas, aquelas carteiras escolares bem antigas. Isso eu consigo lembrar.

P/1 - E você se lembra de ir para lá com seus irmãos?

R - Sim, nós três estudamos na mesma escola. Depois saímos dela, eu fui para um colégio chamado Oswaldo Aranha, que já era o colegial, a minha irmã foi também. Agora, o meu irmão me falha a memória, acho que ele atrasou um pouco mais para ir.

P/1 - E você sentiu alguma mudança quando passou pro colegial e teve que mudar de escola?

R - Sim, é um povo totalmente novo, a maior parte dos seus amigos não te acompanha. Você vai, conhece pessoas novas, outro tipo de relacionamento. Normalmente você que tem que se adaptar à situação, não a situação a você, né?

P/1 - E qual era o seu grupo de amigos, o que você gostava de fazer nesse período de colégio?

R - Olha, nós gostávamos de sair muito para passear, para paquerar, saíamos para beber também, para danceteria na época, quando já tava um pouco maior. Uma ou duas amizades dessa época ainda tenho até hoje, a maior parte do pessoal sumiu.

P/1 - E para onde vocês iam nesses passeios?

R - Nós íamos muito em shopping center na época, vínhamos aqui na Praça do Por do Sol, íamos passear, andar de bicicleta e de carro na USP. Na época tinha racha também, na década de 80 tinha racha. Íamos a uma danceteria que tinha lá em Pinheiros chamada Dama Xoc, em outra chamada Aeroanta, que hoje já não existem mais, mas era muito divertido na época.

P/1 - Você falou das paqueras. Como é que foi o seu primeiro namoro, como você a conheceu?

R - Nossa, o primeiro namoro que eu tive, que me recordo bastante, foi assim: eu conheci uma menina no shopping, acho que eu tinha 17 anos, a menina tinha 14, alguma coisa assim. Só que era uma menina de uma família muito rica, e a minha família era muito simples. Então, não durou nem um mês (risos), que a família dela não aceitava. Mas era uma menina muito legal na época.

P/1 - Você falou da atividade comercial do seu pai, falou que tem lembranças dele te levar e mostrar como era a atividade comercial. Quais outras lembranças você tem desse comércio dele? Onde ele ficava? Você tinha atividades frequentes ou tinha que ficar lá um tempo ajudando?

R - Olha, quando eu tinha sete anos de idade meu pai me levava na empresa que ele tinha lá na Vila Olímpia, agora me falha o nome da rua. Ele tinha uma metalúrgica lá na Vila Olímpia. Ele me levava e me deixava de frente a uma máquina de somar, aquelas máquinas que têm uma manivela, cheia de botão. Ele me dava uma pilha de nota fiscal e falava: "Soma aí", com sete anos de idade. Então, com sete anos de idade já pegava a máquina e ficava brincando. Aí, depois ele pegava e me mandava organizar as notas fiscais. Com o tempo, com 14 anos, ele virou para mim e falou: "Olha, eu preciso de uma pessoa de confiança para trabalhar comigo no escritório. E essa pessoa é você" "Mas eu tenho 14 anos, eu sou muito novo". Ele falou: "Mas é a única pessoa que eu tenho certeza que eu posso confiar". Aí, eu fui trabalhar com ele, trabalhei dois anos e meio com ele.

P/1 - E como era para você ir trabalhar com seu pai? Quais eram suas atividades?

R - Olha, pelo fato de eu trabalhar com o meu pai, não era o fato de trabalhar com ele que eu tinha moleza, entendeu? Ao contrário, eu era um dos que trabalhava mais. Então, eu chegava na empresa às oito horas da manhã, ele saía de carro para fazer o trabalho dele na rua, eu saía de casa às sete, oito horas da manhã e ia para a empresa. Levava marmita de alumínio para comer, trabalhava o dia todo no escritório. Quando acabava o trabalho de escritório eu descia para área de produção, que era a metalúrgica, vestia o macacão e ia trabalhar na linha de produção, na graxa. Então, ia arrumar mercadoria, arrumar peça. Quando conseguia acabar com isso, ainda ia cuidar do jardim da empresa.

P/1 - Um monte de atividades.

R - Era muita coisa.

P/1 - E como era encarar essas máquinas, pequeno assim. O que você se lembra desse momento?

R - Uma coisa ele me fez enxergar desde pequeno: se você quer algo na vida, você tem que correr atrás, lutar. E ninguém vai ajudar a sua família se não for você mesmo. Então, eu sabia que ele estava passando por um momento difícil na vida, e às vezes, por exemplo, eu lembro dele chegar, uma coisa que eu não esqueço. Na época ele tinha uma pickup F-1000, ele chegou com vários tambores com peças de ferro que precisava descarregar, era horário de almoço. E os funcionários falaram: "Horário de almoço ninguém trabalha". E ele precisava descarregar porque precisava sair pra trabalhar. Eu, com 14 anos, pulei em cima do caminhão, comecei a girar os tambores, coloquei uma rampa, descarreguei tudo e falei: "Pai, pode sair agora que eu te ajudo". Eu descarreguei tudo para ele poder sair para trabalhar. Não podia esperar os outros me ajudarem, eu fui e fiz o trabalho.

P/1 - E você lembra o que você fez com esse primeiro salário, as suas atividades, você recebia alguma?

R - (risos) Eu não tinha salário. Pelo fato da empresa estar em dificuldades eu ia lá, ajudava ele, só recebia o dinheiro da passagem para ir e voltar, e recebia o fundo de garantia, mas o salário ele não me pagava. Quando muito me dava um dinheirinho no final de semana para passear. Eu tinha que ajudá-lo pelo fato dele precisar da ajuda.

P/1 - E como é que foi depois desses dois anos de trabalho, o que você foi fazer, como você foi começar sua atividade sozinho, ou você foi trabalhar em outro lugar?

R - Depois desses dois anos de trabalho eu fui trabalhar como office-boy. Trabalhei como office-boy, acho que um ou dois anos, não lembro ao certo. Aí, aprendi a conhecer as ruas, os macetes de você trabalhar na rua, o que você tinha que fazer. Posteriormente saí de lá, fui preencher uma ficha para trabalhar em um banco. Trabalhei em um banco que era o Banco Noroeste, trabalhei quatro anos. Após esses quatro anos, quando não aguentava mais e estava pirando de trabalhar em banco, eu saí. Um detalhe, eu ganhava uma promoção por ano quando eu trabalhava no banco. Aí, eu pedi para me mandarem embora porque eu já não aguentava mais. Quando estava para vir a rescisão, um médico que trabalhava no Hospital São Luiz virou para mim e falou: "Quanto você ganha trabalhando no banco?". Eu lembro bem, eu falei assim: "Eu ganho 32 milhões de cruzeiros". Ele falou: "Olha, eu quero contratar você para trabalhar para mim por 64 milhões, o dobro do que você ganha". Aí, eu falei: "Fechado. Só que você tem que esperar sair a rescisão do trabalho. Chega em alguns dias, e assim que eu sair eu começo a trabalhar para você". Aí, eu saí do trabalho, tipo assim, na sexta, na segunda eu comecei a trabalhar pros médicos no Hospital São Luiz. Trabalhei dois anos e meio com eles, pedi pra ser mandado embora, aí fiquei um ano e meio desempregado e comecei a trabalhar com antiguidades.

P/1 - Eu queria voltar um pouquinho para entender o que precisa ter para se trabalhar na rua, que você falou que você aprendeu. Como foi esse aprendizado, como você fazia pra conciliar, porque você era novinho, nessa época você estudava e trabalhava junto? Como você fazia para conciliar?

R - Olha, veja bem. Eu fui trabalhar de office-boy na rua. Então, para um menino que trabalhava com o pai, não tinha experiência nenhuma, você pegar e sair pra rua. Tipo assim, o seu patrão te dá o dinheiro e fala: "Você precisa trazer tal coisa para mim. Você precisa buscar talão de cheque no banco. Toma cuidado com ladrão". Você acaba aprendendo, eu comecei a aprender a andar de ônibus, ou o que fazer com o dinheiro, tomar cuidado para não ser assaltado. Com o fato de você sair na rua você começa a aprender muita coisa. Pelo menos na década de 80 era bem assim, você tinha que tomar muito cuidado. Foi aí que eu comecei a aprender como fazer algumas coisas, me soltar mais, porque eu era muito retraído.

P/1 - E como você fazia para conciliar o trabalho e as outras atividades com a escola?

R - Ah, acordava de manhã e ia pro trabalho, tinha que trabalhar o dia inteiro. Saía do trabalho corrennndo, eu trabalhava em Moema, ia a pé pro Brooklin, onde moram meus pais, tomava um banho, ia correndo para escola que era lá no Brooklin também, mas um pouco mais longe, e depois voltava a noite para casa a pé. Todo o trajeto a pé.

P/1 - Você falou desse seu trabalho no banco, depois do período de office-boy. Como foi para você trabalhar no escritório depois de ter ficado nas ruas?

R - Olha, foi muito legal trabalhar no banco. A carga de responsabilidade foi muito grande, eu comecei como auxiliar administrativo, preenchia contrato. Você vai pegando amizade com o pessoal, depois me promoveram para caixa, uma responsabilidade MUITO maior, você mexer com aquele dinheiro que não é seu, ter que tomar muito cuidado ao autenticar as coisas. Eu tinha que receber, fazer pagamento. De vez em quando, quando tinha diferença de caixa, você tinha que enfiar o dinheiro do próprio bolso para compensar a diferença que teve. Quando sobrava dinheiro ia pro banco. Quando faltava você tinha que pagar, quando sobrava o dinheiro ia pro banco (risos). No final me promoveram como tesoureiro da agência. Era encarregado administrativo tesoureiro, então, eu ficava no cofre forte contando dinheiro. Aí, nossa, a responsabilidade era MUITO maior, você ter que mexer com pacotes e pacotes de dinheiro. Mas foi muito legal.

P/1 - E o seu trabalho com os médicos no São Luiz? Que trabalho era esse?

R - Os médicos tinham uma funcionária, o que tinha que ser feito era o seguinte: eles tinham que fazer o faturamento do setor de Pediatria do Hospital e Maternidade São Luiz. E a pessoa que prestava serviço para eles não tinha controle disso. Então, como eles me viam todo dia dentro do posto de atendimento bancário, eu ficava dentro do Hospital São Luiz, eles viram que era uma pessoa de garra, que corria atrás. Para você ter idéia, quando eu trabalhava no banco, dentro do posto do Hospital São Luiz, o horário de funcionamento do banco era das dez às três da tarde. Os funcionários tinham que entrar às nove e sair às seis. Quando dava três e meia eu dispensava todos os funcionários do posto de atendimento bancário, porque eu conseguia que eles terminassem todo o trabalho deles às três e meia. Então, os médicos enxergaram que eu tinha muita eficiência naquele tipo de trabalho e eles propuseram para mim: "Venha trabalhar com a gente, a gente paga o dobro do salário e você organiza o que a gente precisa". Eu tanto organizei o serviço para eles, como tinha o setor de Anestesia do hospital e o setor de Ortopedia que também me subcontrataram para fazer a mesma coisa que eu fazia pros pediatras. Quer dizer, eu tinha três empregos em um só, e ganhava três salários, então, foi uma época muito boa, eu me desenvolvi mais ainda pelo Hospital São Luiz.

P/1 - E como eram as atividades e trabalhar em um ambiente de hospital?

R - Olha, eu trabalhava dentro do hospital, mas não era subordinado a ele. O meu trabalho consistia em pegar as guias dos pacientes, no caso, das mulheres que internavam grávidas para ter seus filhos e fazia o faturamento dos honorários dos médicos, dos pediatras do hospital São Luiz. Então, não era um trabalho complicado, o complicado era você fazer o faturamento e depois receber, dar continuidade ao trabalho.

P/1 - E como foi a decisão de sair do São Luiz e ir trabalhar com antiguidades?

R - Não foi bem uma decisão (risos). Eu pedi para me mandarem embora do São Luiz, eu fiquei desempregado um ano e meio, indo todo dia de paletó e gravata pro centro da cidade para procurar emprego, e não achava emprego. Eu só escutava não, não, não e não na cara. Aí, saiu uma matéria na Folha de São Paulo falando da feira de antiguidades da Benedito Calixto. E eu tinha uma jaqueta daquelas tipo aviador americano e queria comprar um broche para essa jaqueta. E fui conhecer a Praça Benedito Calixto. E achei um absurdo que lá eles vendessem tudo o que você poderia imaginar: fotografias, documentos, livros, roupa, tudo. Fui para lá, mantive contato com eles e vi que tinha um senhor que tava vendendo umas fotografias antigas e perguntei se ele comprava também. Ele havia dito que comprava, e eu tinha muita foto antiga de São Paulo e Rio, e acabei vendendo aquelas fotos antigas pro comerciante e cobri meu cheque especial durante dois meses. Aí, falei: "Opa! Acho que dá para ganhar algum dinheiro aqui". E comecei a trabalhar lá.

P/1 - E como é que foi a decisão de sair do hospital? E esse período de conhecimento da praça, você já andava por essa parte da cidade ou não? Como era o entorno da praça nessas primeiras vezes que você foi?

R - Olha, eu pedi para ser mandado embora do Hospital São Luiz porque foi um momento da minha vida muito conturbado porque eu estava recém separando da minha primeira esposa e pedi para ser mandado embora porque eu queria mudar de vida. Mudar de vida, o sonho de todo mundo, eu tinha uma casa na praia, era morar na praia, montar uma barraquinha e vender bebida (risos). Aí, a hora que eu prestei atenção eu vi que não dava pro sonho ser realizado. Eu fiquei um ano, um ano e meio desempregado, fui lá e conheci a praça. Aí, eu vi que tinha uma possibilidade de tentar ganhar dinheiro lá. Na época eu tinha umas roupas sobrando, vendi as roupas pros comerciantes de lá, vendi as fotos, cobri o cheque especial e comecei a correr atrás de coisa para poder vender pro pessoal da feira.

P/1 - E qual foi a sua primeira impressão da feira? Quando você foi lá para procurar o bottom para sua jaqueta?

R - Que o pessoal de lá era todo mundo louco (risos). Porque você via o que o pessoal vendia, o preço que eles pediam e eu imaginava: "Como é que você pode pedir tão caro numa peça como essa? E como é que pode ter comércio para roupa usada, para objetos usados em geral?". Eu achava um absurdo aquilo.

P/1 - Você falou que daí foi começando a correr atrás. Quais foram suas primeiras medidas pra conseguir um espaço lá, como é que se deu esse percurso até você ter um box?

R - Veja bem, uma das primeiras vezes foi uma cena hilária. Eu cheguei com uma mochila velha, um cobertor todo furado e coloquei no chão com torneira velha para vender, com vara de pescar, com rádio, disco. Daí, os expositores olhavam para mim e davam risada: "O que você tá fazendo aqui?". Eu falava: "Não, eu vi que vocês estão vendendo, eu preciso também vender". Aí, um comerciante se sensibilizou e falou: "Olha, fica aqui, coloca suas coisas e tenta vender". Aí, eu comecei a ver o que cada um trabalhava e saí para rua para tentar achar a mesma coisa para poder vender.

P/1 - E onde você ia buscar, quais foram essas primeiras peças que você foi procurar?

R - Olha, eu ia pro centro da cidade do jeito que eu to aqui: calça jeans, camiseta, tênis ou sapato. E eu colocava vários sacos de lixo no bolso da calça. E entrava lá nos depósitos de ferro velho no centro da cidade. E me enfiava na pilha de ferro velho, achava tipo uma florzinha de lata, um enfeitezinho, uma escultura de bronze, uma peça de metal prateada, uma peça de prata, enchia aquelas sacolas de lixo. Aí, pegava o metrô ou o ônibus e entrava todo sujo de mexer na sucata, né? As pessoas chegavam e falavam: "Sai daqui que você tá cheirando mal!". Pelo fato de você mexer com a sucata você cheira mal. Você vai mexer numa latinha, o líquido fermenta, cai na sua mão, você vai cheirar mal, não adianta. Então, eu entrava no ônibus e no metrô e todo mundo falava: "Sai daqui que você tá cheirando mal, você tá carregando esse monte de lixo aqui dentro do ônibus!". Eu falava: "Não, é um trabalho que eu to tentando fazer". Ia pra casa, limpava tudo e no final de semana levava para vender na feira.

P/1 - E os primeiros tempos na feira eram com o cobertor e as coisinhas?

R - Sim, levava o cobertor, colocava as coisinhas no chão e tentava vender.

P/1 - Você se lembra como foi a sua primeira venda?

R - Ahhhh eu lembro, lembro! Eu cheguei no depósito de sucata e comprei várias florzinhas de lata, um metal prateado, devia ser mais de cem flores. Aí, peguei, levei para casa, peguei um produto e comecei a limpar tudo e levei aquilo para feira. Eu vendi todas no espaço de três a quatro horas, voltei com um bom dinheiro para casa. Aí, meu pai falou: "Não acredito que você tá vendendo lixo!". Eu falei: "Eu to vendendo. To vendendo e vou aprender a ganhar dinheiro com isso".

P/1 - E o que o seu pai sentiu quando você falou que tava começando a querer entrar nesse ramo de vendas?

R - Meu pai não acreditava naquilo que eu estava fazendo. Na época que eu comecei, até a data eu lembro, dia 21 de outubro de 1993. Naquela época tinha muita facilidade para achar mercadoria, então, o que eu fazia? Eu saía dois dias por semana e três dias ficava em casa assistindo televisão. Então, meu pai falava assim: "Isso é emprego de vagabundo! Trabalhar só final de semana! Vai arrumar emprego, toma vergonha na cara!". Eu falava: "Não pai, eu acho que esse ramo, eu acho que eu tenho que persistir nesse negócio. Acho que vai me dar dinheiro, me dar um futuro, então, eu vou persistir por aí". E meu pai falava: "Não, você tá errado!". Mas eu persisti, insisti muito e deu certo.

P/1 - E como foi o processo de passar do cobertor no chão pro espaço físico na praça? Como eram divididas as coisinhas na praça?

R - Eu fazia o seguinte: eu saía para procurar mercadoria, arrumava o que dava, ia no sábado para feira. Esse senhor liberava um pedaço do espaço dele e eu ia vendendo. Ele deixava que o valor da venda ficasse para mim. E quando você pegava mercadoria boa, o seu concorrente, digamos assim, o expositor ao lado, ele comprava mercadoria boa sua, minha no caso, pelo fato dele ser experiente e vendia coisa muito barata. Então, posteriormente, para você conseguir um lugar na Praça Benedito Calixto, você tinha que chegar muito cedo e colocar o nome numa fila de espera. O que eu fazia? Eu saía para balada, tipo assim, dez, onze horas da noite. Três horas da manhã voltava da balada com o carro carregado, ia para praça, parava o carro lá, colocava o nome na lista, quando dava sete horas da manhã acordava, eu dormia na praça, e ficava de olho para que ninguém sumisse com a lista dos expositores visitantes até dar dez horas da manhã, quando o pessoal da diretoria saía procurando vaga para encaixar os visitantes. Às vezes, você chegava, fazia todo esse percurso e conseguia trabalhar, às vezes, você ganhava um tapinha nas costas e falavam: "Sinto muito, não tem vaga, volta para casa". Então, tinha que voltar para casa porque não tinha lugar para trabalhar.

P/1 - E como era a sensação de voltar para casa, de toda essa expectativa, tal?

R - Um desespero, porque você tinha conta para pagar, e você recebia um tapinha nas costas e falavam: "Não tem lugar pra você trabalhar hoje". O que eu fazia? Eu tirava a mercadoria do carro e saía ofertando para quem pudesse comprar, para eu voltar com algum dinheiro para casa para poder pagar as contas.

P/1 - E, por outro lado, como era quando tinha o espacinho? Como você ajeitava suas coisas na bancada?

R - Olha, era muito divertido. Os expositores mais velhos de feira, eu lembro

de um muito, muito carinhoso, o nome dele era Mansur, já falecido. Ele chegou assim para mim, nos primeiros meses e falou: "Olha, meu filho, não trabalha aqui na feira. Esse emprego não vai pra frente. É uma coisa que não dá dinheiro. Tenta estudar, tenta correr atrás de um estudo pra você sair daqui porque você não tem futuro aqui na praça". Ele me falou. Ele faleceu há alguns anos atrás. Ai, quando eu comecei a trabalhar mesmo, pesado, eu comecei a me dedicar mais, no terceiro ano trabalhando com isso, eu lembro até hoje de um senhor já falecido, o nome dele era Claudio, pai de um expositor hoje, o filho dele continua, que eu cheguei para ele e falei: "Eu devia ter estudado, não devia ter entrado nesse ramo, é um ramo que não tem futuro". Ele me deu um tapa na cabeça e falou: "Não seja trouxa", para falar uma palavra bem amena. "Você vai estudar pra ser aquela pessoa ali, por exemplo, aquele é jornalista, aquele é psicólogo, aquele outro é médico, aquele é sociólogo", dando profissão de cada um dos expositores. E eu falei: "Mas por que eles estão na feira?". Ele falou: "É muito simples. Você quer ganhar dinheiro? Estude antiguidade, aprenda o que é aquela peça, o que deixa de ser. Você vai começar a ganhar dinheiro com isso". E ele tinha razão, eu precisava me dedicar mais ainda a esse trabalho.

P/1 - E o que você fez para se dedicar a esse trabalho?

R - Eu comecei a ler muito livro de arte, muito livro a respeito de antiguidades, ler muito jornal, muita revista. E estudar muito pela internet também.

P/1 - E como a internet ajuda no seu trabalho?

R - A internet ajuda no seguinte, se você tiver a mínima noção do que seja a peça que você tem, por exemplo, você tem uma luminária, você sabe que é uma luminária de pasta de vidro. Então, você vai na internet, você entra num google da vida, e pesquisa, 'luminária de pasta de vidro' mais ou menos de que época e tenta localizar a luminária. Isso te ajuda muito. Digamos que 90% dos casos você consegue achar, os outros 10% em livro. Porque nem tudo o que tem em livro tem em internet. Tem coisa que não tem na internet.

P/1 - E com quais mercadorias você trabalha hoje? Como foi a mudança de você ir fazer essa pesquisa primeiro na sucata, no ferro velho, para essa pesquisa mais a fundo em antiguidade?

R - Veja bem, hoje em dia eu costumo dizer que eu trabalho com aquilo que talvez vá me dar algum lucro. Eu trabalho desde fotografia antiga, passando por chaveiro, caneta, até móveis, objetos em geral, quadros, livros. O que eu achar que vale a pena eu invisto o dinheiro. E saber como investir é meio problemático. Muitas vezes você olha para uma mercadoria e tenta analisar qual o preço que a pessoa tá pedindo ou aquilo que você pode ofertar. Às vezes, você pode pensar: "Poxa, o mínimo que eu conseguiria vender aquele livro, por exemplo, seria cem reais. Então, maravilha! Vou tentar pagar até 50”. Às vezes você dá sorte, às vezes você não dá sorte.

P/1 - E quais são os critérios para se escolher? Como você percebe se a mercadoria vai dar lucro ou não? O que ela tem que ter de chamariz?

R - Basicamente ela tem que ser diferente. Por exemplo, você vê uma estante cheia de livros na casa da pessoa. Você tem que saber que daqueles livros, os livros que mais vendem são os livros de arte. Dentro dos livros de artes, os que tiveram poucas edições, e um ou outro assunto. É meio complicado explicar como saber como avaliar alguma mercadoria. Hoje em dia eu te diria é muito feeling você chegar em um lugar e falar assim: "Olha, eu tenho que apostar naquela peça, porque ela vai dar". E muitas vezes você aposta e a peça não dá o lucro. Às vezes, você acaba até vendendo por menos do que você pagou.

P/1 - E o que você tem hoje no seu box? Como você arruma ele, como é o seu espaço?

R - Eu tenho um lado da barraca em que eu coloco basicamente miudezas, que seriam objetos de porcelana, prataria, cristais, miudeza em geral. E na outra parte da barraca, móveis. Aí, dentre esses móveis eu posso colocar objetos maiores, um relógio de parede, uma luminária, um tripé de topografia antigo, coisas que dá para intercalar, ou então, coloco um objeto pequeno em cima de um móvel para dar um destaque.

P/1 - E como funciona ir para feira? Como você faz para chegar lá, montar a barraca?

R - Olha, eu saio de casa por volta de cinco e meia da manhã no sábado. Chego por volta de seis e dez, seis e vinte na feira. Tomo um café da manhã e tem um ou dois funcionários que vão me ajudar a descarregar o carro. Descarrega-se todo o carro, leva a mercadoria para barraca, são os móveis. Eu monto primeiro os móveis. Montados os móveis eu passo para as miudezas. Entre chegar na feira e montar propriamente a barraca, mais ou menos dez horas da manhã minha barraca está montada. Quando dá quatro horas da tarde eu começo a desmontar. Aí, eu começo a guardar todos os objetos pequenos para depois guardar os móveis. Eu saio da feira por volta das sete, sete e meia da noite.

P/1 - E como são embalados esses materiais, quais são os cuidados que você tem que ter no transporte?

R - Todos os objetos pequenos são embrulhados com jornal. O jornal é que dá mais densidade na caixa na hora de você poder guardar. O jornal ou o plástico bolha. E os móveis, o que é mais sensível você coloca um cobertor e o que não é sensível pode colocar junto, não tem problema.

P/1 - E com que carro você vem? Como você arruma esse carro para vir, é um carro só?

R - Tenho uma pick up Ranger, que é estendida, quer dizer, tem quatro portas. Então, eu coloco a parte de mobiliário e objetos pequenos na parte de trás. A parte de dentro eu coloco quadros e objetos que não podem quebrar.

P/1 - A gente vai hoje na feira em um sábado de sol, calor. O que acontece quando chove? Como é a movimentação na praça, o que você tem que fazer, o que tem que pegar primeiro?

R - Quando é dia de chuva é complicado. Você chega na praça, se estiver chovendo quando você sai de casa e chega na praça, primeiro eu avalio a possibilidade de parar a chuva. Se parar a chuva é uma correria para poder descarregar o carro. Você vai, consegue descarregar o carro. Aí, vem a questão: montar ou não a barraca? Porque se é um dia de muita chuva, a probabilidade de você montar e quebrar a cara é muito grande. Se é um dia de uma garoa você pode montar, alguma coisa você vai vender. Se é chuva forte, não vai montar. Já ocorreu de eu chegar na feira às sete da manhã, montar a barraca às onze horas e desmontar às duas da tarde porque não tinha condições de trabalhar. Se é muita chuva eu chego e paro o carro lá, agora, se eu vou montar uma barraca só depende de São Pedro.

P/1 - E o que acontece quando você já está lá e a chuva começa?

R - Aí, você encara e fica. Você recolhe tudo aquilo que não pode tomar chuva, subindo o máximo que puder na barraca, com aquelas partes mais altas da barraca, e fica aguardando vir a clientela. Se a chuva tiver muito forte até umas duas, três horas da tarde, é certeza que não tem mais feira. Aí, é começar a recolher tudo, a hora que parar a chuva, carregar o carro e ir embora.

P/1 - E como funciona? Você trabalha com encomendas? Se alguém quer alguma peça antiga pode pedir, procurar e na semana você busca para entregar no outro sábado?

R - Existem algumas pessoas que pedem determinados tipos de mercadoria. Quando você acha você já entra em contato durante a semana, você não precisa levar no final de semana para vender, você pode entregar durante a semana. Mas geralmente as peças que me pedem são peças muito difíceis de encontrar. Ontem mesmo eu fui entregar dois bancos e duas cadeiras para uma moça que está montando um bar na Rua Augusta. E ela me pediu duas luminárias no estilo industrial. É muito difícil de encontrar. Eu falei para ela: "Olha, a probabilidade de eu encontrar é mínima". Pelo ambiente dela eu já sabia do que ela precisava. Mas é mínima. Então, você vai pesquisar, vai procurar, e dificilmente você vai encontrar para poder suprir a necessidade do cliente.

P/1 - E quando você encontrou o material da internet o que você faz? Você já entra em contato, já compra, você tem algum tipo de estoque?

R - É muito difícil você conseguir comprar uma peça legal pela internet. Já comprei, mas é muito difícil. Se eu vejo a peça pela internet e avalio que é uma peça que dá para ganhar dinheiro, já compro de imediato. Se é em São Paulo eu vou e retiro, se é em outro estado eu peço para entregar. Eu tenho um estoque, sim. Eu tenho um estoque muito grande de peças, hoje chega a um absurdo, ao passo de não caber no depósito e ter que colocar em casa a mercadoria. Tudo o que você possa imaginar.

P/1 - E como você seleciona as peças que você tem para levar para as feiras?

R - Agora você fez uma pergunta difícil (risos). Eu dou uma olhada na peça e avalio a possibilidade de levá-la para feira ou não. Tento ter coisa diferente toda semana para levar.

P/1 - E tem alguma que você se lembra da venda, alguma peça que você tinha mais carinho e que vendeu?

R - Ah, existem coisas que ficam na memória. Muitas coisas você encontra que ficam na memória, que você compra e fala: "É uma vez na vida que eu vou achar". Por exemplo, há uns anos atrás eu tinha umas máquinas de fliperama, eu fiquei guardando as máquinas durante dez anos, tipo assim: “Eu vou restaurar pra mim”. Mas em um momento de extrema necessidade, uma fatura de cartão de crédito muito alta, minhas máquinas foram sacrificadas. Teve um caso também de eu pegar um álbum de fotografias no interior que eu queria comprar uma foto que tinha no álbum, que era do Giuseppe Garibaldi, e queria pagar 200 reais na época no álbum. E a pessoa: "Não vendo, não vendo, não vendo. Eu só vendo se for o álbum". Eu tive que comprar o álbum inteiro de fotografias por mais dinheiro. Aí, quando eu fui desmontar o álbum de fotografia eu fiquei impressionado, não tinha dado atenção, tinha foto original do Abraham Lincoln, o Victor Hugo, Alexander von Humboldt, Alexandre Dumas, do czar da Rússia, da czarina, tinha fotos de pessoas importantes para a época. Esse álbum, no final das contas, eu acabei mandando para o Museu do Ipiranga, o Museu Paulista. Eles se encantaram e pediram para mim para eu conseguir reservar para eles porque eles precisavam muito desse álbum. E eu falei: “Como assim? Como é pro museu eu vou guardar esse álbum”. Deu um trâmite de oito, nove meses e eu acabei vendendo para o Museu do Ipiranga e ficou lá.

P/1 - E como foi esse contato com o Museu?

R - Um colecionador de fotos antigas, amigo meu, o Professor Rubens, pegou e me indicou o nome das duas professoras responsáveis lá no Museu do Ipiranga, que são a professora Vânia e a professora Solange. Eu entrei em contato com elas, mandei a fotografia das fotos, elas entraram em contato com a diretora, a diretora pediu que eu levasse o material. Eu levei as fotografias para lá, passou na mão de um especialista, eles examinaram e queriam muito ter o álbum e o álbum acabou ficando com o Museu do Ipiranga.

P/1 - E qual é a sensação de ter um álbum que passou por você lá no Museu...

R - Olha, é uma sensação muito legal, não só quando você pega e vende para o Museu, mas, por exemplo, você comprar uma peça que você simpatiza muito com ela, e chegar alguém que tenha aquela mesma simpatia, ou uma simpatia maior ainda por aquela peça que você arrumou. O fato de você ter uma peça, no caso do museu, que um dia vai estar exposto e vai aparecer: "Coleção Jefferson Pereira" é uma coisa muito legal. Eu acabei vendendo esse álbum para o museu. Eu tinha um lote de fotografias antigas de uma socialite que foi uma das patronas da Semana de Arte Moderna de 22,

a dona Olívia Guedes Penteado. Eu mostrei essas fotos para o Museu, e o museu disse que não tinha mais dinheiro para adquirir. Como eu já tinha vendido muitas fotos dela, eu não tinha mais para quem vender, eu acabei fazendo doação para o Museu do Ipiranga. Eles adoraram o fato deles terem parte do acervo de Olívia Guedes Penteado. Aí, eu falei: "É melhor que fique com vocês do que eu levar isso para minha barraca e num belo dia tomar uma chuva, estraga todo material e acaba jogando tudo fora. Sei que vocês vão preservar o material".

P/1 - Falando disso, qual é a importância de se preservar os móveis antigos ou fotografias. Por que isso é importante?

R - Veja bem, um povo sem passado, sem cultura, o que vai ser no futuro? Hoje em dia eu vejo muito, eu converso muito com os meus clientes que é nítido, você percebe que os clientes que mais compram, os colecionadores, eles tem para mais de 60 anos, eu tenho 43 anos. E o colecionador, ele junta aquilo pelo prazer dele, para o deleite dele. Geralmente a família destes colecionadores não tem a mesma visão deles: "vamos preservar o acervo que era do nosso ente querido". Não. Invariavelmente eles morrem, esse material retorna todo para feira. Então, a juventude de hoje em dia não se preocupa em conhecer o passado, em saber o porquê das coisas, e você conhecer, admirar aquela fotografia, observar o que existia naquela rua e que hoje não existe mais. Isso é triste. O pessoal não valorizar o passado que nós tivemos e não se preocupar. Isso, invariavelmente, vai acontecer lá no futuro.

TROCA DE FITA

P/1 - Você estava falando da importância de se preservar. Qual é o seu papel nesse caminho?

R - Veja bem, seria hipocrisia da minha parte não dizer que eu estou aqui para ganhar dinheiro, esse meu trabalho funciona você ganhando dinheiro. Mas, você consegue preservar muito da cultura. Você chegar na casa da pessoa, pegar um lote de fotografias antigas, que por exemplo, você acha uma foto de São Paulo antiga, você vai saber que um colecionador vai ver aquilo e vai pirar. Então, ele vai comprar aquele material e preservar. Esse meu amigo, professor Rubens, ele vai lançar um livro daqui uns dias. Ele já colocou na agenda do telefone "Eu preciso colocar o Jefferson na seção de agradecimentos como um grande fornecedor de mercadoria". Não tem dinheiro que pague você saber que uma mercadoria sua, que você vendeu, está no Museu do Ipiranga. Uma vez, lá em Embu onde eu moro, eu vi uma faixa: "Família muda, vende tudo". Aí, eu cheguei na casa da pessoa, fui ver o que tinha e a pessoa falou: "Ah, não tem mais nada". Posteriormente a pessoa me chamou na casa dela, estava mudando. E quando eu chego na parede da casa dela tinha um quadro, uma aquarela, que mostrava a atual Pinacoteca do Estado, antigo Liceu de Artes e Ofícios, e tinha lá um desenho que era um projeto para uma escultura, que teve um concurso em 1929, algumas pessoas concorreram. Então, era um projeto de uma escultura de um escultor chamado João Batista Ferri, e tava Arquitecto Americo Giglio e mostrava a atual Pinacoteca com um domo curvo em cima, com um para-raio. Nunca foi feito e eu fui achar aquele desenho no Embu. Aí, eu vendi o desenho para um comerciante de Artes que posteriormente vendeu para Pinacoteca. Então, voltou para a Pinacoteca. Esse desenho hoje está lá, quer dizer, um desenho que nem eles tinham e eu fui encontrar em Embu das Artes no meio do mato.

P/1 - Você falou da importância de preservar, falou um pouquinho do seu papel. Quais são os cuidados que você tem na sua casa, no seu depósito, para preservar os seus móveis, essas fotografias?

R - Todo material que eu tenho, independente se no depósito ou em casa, está em local que não pega umidade, não pega chuva, está coberto, guardado do tempo, entendeu? Ele está num depósito fechado ou na minha casa guardado em um lugar que não vai estragar.

P/1 - E em relação aos menorzinhos, às fotografias, elas são tratadas?

R - Eu pego elas num estado, acondiciono elas em sacola ou sacos plásticos, ou pastas, e guardo para posteriormente oferecer para esses clientes.

P/1 - E quem são esses clientes?

R - Bom, tem curiosos em geral. No caso desse professor é um professor de uma faculdade, pessoas que gostam. Não tem um público específico, é a pessoa que passa e olha. Quer ver uma coisa engraçada? Uma vez eu cheguei na casa de uma família, e essa família tinha aqueles monóculos comuns na década de 70, que você colocava o positivo da foto para você poder enxergar. E essa pessoa tinha, brincando, quatro sacos de cem litros desses monóculos. É difícil achar um, o cara tinha quatro sacos de cem litros! Eu comprei tudo. E levei para feira. Virou uma tremenda bagunça, todo mundo. Imagina 15 pessoas paradas na sua barraca, pegando monóculo por monóculo, olhando para ver as imagens que tinham. E o mais engraçado, no meio dessas imagens tinha várias fotos de mulher nua da década de 70. Aí, virou bagunça! O número passou de 15 para 30 pessoas na minha barraca vendo monóculo de fotografia. Tanto é que eu tenho até hoje e não levo por causa da bagunça, que é muita gente vendo tudo. E eu vendo cada monóculo a dois reais cada um. É muita gente mexendo e comprando coisa de dois reais, ao passo que eu teria que vender coisas mais caras. Então, hoje em dia está guardado esse material.

P/1 - Voltando lá no comecinho de 90, na feira. O que você sentiu de mudança, o que aconteceu na praça? Tiveram mudanças, quem são seus vizinhos de box? Você tem um lugar fixo?

R - Eu tenho o mesmo lugar fixo há pelo menos 16 anos. Eu estou no mesmo lugar. Os vizinhos são os mesmos de 16 anos atrás, você só sai daquela praça se você deixar de pagar a associação, ou a prefeitura, ou se morrer. Eu entrei no meu espaço porque um senhor havia falecido. É muito difícil você conseguir um lugar lá na Praça Benedito Calixto. O público hoje, o que eu noto é que o público que frequenta a feira hoje já não é mais o mesmo. O volume que tinha de colecionadores há anos atrás era muito grande. Com o advento da internet, hoje em dia a pessoa não precisa ir até a feira para comprar. Ele entra no computador, acessa e compra pelo computador. E está perdendo a magia de você chegar e comprar uma peça, a pessoa chegar ao vivo e a cores examinar, gostar e comprar. Está perdendo essa magia.

P/1 - E você tem planos de montar um site na internet com as suas peças? Você acha que isso é um caminho para o seu comércio, para sua atividade?
R - Eu já anuncio hoje na internet, no Mercado Livre. Ajuda muito porque as feiras estão em decadência. Na minha opinião, o público como eu disse caiu muito, então, eu vendo pela internet, pelo Mercado Livre. Continuo vendendo na feira. Hoje em dia eu tenho um domínio registrado para eventualmente construir um site, até um domínio muito legal que eu consegui registrar, mas eu quero fazer um site muito legal, e hoje me falta dinheiro para construir esse site, da maneira como eu quero. Porque eu vou trabalhar nos moldes do Mercado Livre, é a minha idéia. Eu tenho muita coisa de colecionismo para colocar no site.

P/1 - E você falou também que participa de outra feira.

R - Da feira da Praça Dom Orione, no Bexiga.

P/1 - Como funcionam os trabalhos nessa feira? São mais ou menos nos mesmos moldes da Benedito?

R - Não. Na Benedito eles têm uma associação que é muito organizada, essa associação faz a feira funcionar. E tem o apoio da prefeitura. No caso da feira do Bexiga, não tem o apoio da prefeitura, a associação não funciona, o público chega a ser um quinto do que vai na Benedito Calixto. E outra: a Benedito Calixto é a primeira feira da semana, é a única feira de sábado, então, a novidade da semana vai para a Benedito Calixto. O pessoal não falta na Benedito Calixto, ao passo que eles podem faltar na outra feira, os clientes.

P/1 - Qual é a diferença de espaço? Você vai com todo seu material que foi no sábado ou não, você desmonta tudo e monta tudo outra vez, com outra carga?

R - Eu levo toda a mercadoria que eu levo no sábado. A carga no carro fica montada da mesma maneira, aí, no domingo eu descarrego somente os móveis e não coloco objetos, pelo fato de eu querer ir embora mais cedo para casa porque eu acho que a feira de domingo já não vale tanto a pena como a de sábado.

P/1 - A gente sabe que a praça passou por uma certa reforma. Você chegou a passar por isso ou saber de histórias de como funcionava antes?

R - Você diz da administração?

P/1 - Não, da reforma do espaço ali.

R - Sim, a reforma do espaço ficou muito legal. Eles mudaram a dinâmica da praça, aumentaram digamos assim, o espaço para os expositores. A minha única reclamação é que a vaga que eu tinha, que eu parava o carro, eu não paro mais. Eu parava de frente para a minha barraca. Basicamente o público não mudou por conta disso, continua a mesma coisa. Mas a eficácia da feira, a organização, a arrumação, a limpeza da feira é muito boa, então, isso é visível.

P/1 - E você notou mudanças no entorno do bairro, dessas suas idas aos sábados durante todo esse tempo?

R - Sim. Olha, veja bem, muita gente, as lojas que têm ao redor, as lojas de artesanato e lojas de roupas, muita gente cresceu graças à feira da Praça Benedito Calixto. Os restaurantes que têm lá, o Fran's Café. Muita gente ganhou dinheiro, muita gente cresceu graças a isso. A Praça chama muita gente para lá. Se você quiser comer, por exemplo, no restaurante Consulado Menino você fica uma hora e meia numa fila de espera para poder almoçar lá na praça.

P/1 - E quando o cliente vai na feira comprar um móvel antigo que normalmente tem um preço elevado, como ele faz para pagar?

R - Nós parcelamos. Tem gente que trabalha com cartão de crédito parcelado. Eu não trabalho. Eu trabalho com dinheiro ou cheque. Parcelo, muitas vezes você pode parcelar. Porque você vai entregar o móvel e vai ver onde a pessoa mora, onde você entrega a peça. Para você ter uma idéia, em 18 anos que eu vou fazer agora no mês que vem, eu tive seis cheques sem fundo que eu não recebi, em 18 anos. É pouco. E outra, no tête-à-tête, de você conhecer a pessoa, você vê com quem você está negociando, você percebe se a pessoa é honesta ou não. Então, você pode parcelar o valor maior, não tem problema nenhum.

P/1 - E como funcionam essas negociações?

R - A feira de antiguidades também é conhecida como feira da barganha, ou feira da “breganha”. A partir do momento que a pessoa vai lá, ela já sabe que ela tem que barganhar para comprar a peça. Você tenta pedir um preço que não seja um absurdo, estipulando um valor que seria o mínimo de venda e o máximo de venda, e baseado nisso você vai pedir o valor e invariavelmente a pessoa vai te fazer uma proposta.

P/1 - E tem casos da pessoa ser super boa de papo e conseguir baixar ainda mais do que o esperado?

R - Tem muuuitos casos. Já aconteceu de você ver que a pessoa não tem condições de chegar. Um caso claro: tinha um cliente meu que ficou três meses querendo um castiçal de ferro forge que eu tinha guardado para mim, mas eu precisava vender. E o cara toda semana ia na feira, "E quanto que é a peça? Quanto que é a peça?" Eu comecei pedindo mil reais a peça, essa vou dar o preço. E cheguei em 600 reais para a pessoa e falei para ela: "Não abaixo, não abaixo, não abaixo mais", e a pessoa, "Mas eu não tenho dinheiro". Aí, eu falei: "Hoje você vai comprar essa peça! Eu vou fazer em dez pagamentos de 60 reais no cheque!". A pessoa olhou para minha cara: "Sério?" "Sério". Eu falei: "Hoje não tem como você não comprar", ele falou: "Então, hoje eu consigo comprar". E a pessoa comprou, em dez pagamentos de 60 reais no cheque (risos).

P/1 - E como você faz para entregar os móveis grandes? Você vai pessoalmente?

R - Toda e qualquer entrega eu vou e faço. Quando é móvel ou objeto grande que não tem como a pessoa carregar eu vou e entrego. Se é para outra cidade ou outro estado eu entrego em transportadora para despachar para a pessoa.

P/1 - E como é esse contato, quem são essas pessoas que entregam? É sempre a mesma firma?

R - No caso da transportadora eu utilizo uma transportadora só, então, teria que ser na área de atuação deles. Se for um estado que eles não atuam eu já viro para a pessoa e não vendo. Eu falo: "Infelizmente eu não vou poder te vender porque não tenho como entregar, você precisa dar um jeito".

P1/ - E quais são as exigências dos clientes de antiguidade? O que eles querem?

R - Isso é uma pergunta complicada de novo! Porque tem tanta pessoa! O colecionador que procura aquela peça, que ele não tenha no acervo dele, como uma pessoa que quer um móvel, um guarda-louça para colocar na casa dela, ou uma pessoa que, por exemplo, viu uma hélice de avião que eu tenho e quer fazer uma brincadeira com aquela hélice de avião. Não existe um público certo, é uma pessoa como eu, que foi lá para comprar um broche e acabou fazendo outra coisa. Às vezes a pessoa vai comprar um cartão postal e acaba comprando uma cadeira para casa dela.

P/1 - E tem alguma história marcante, de ter sido peculiar ou engraçado, de um causo mesmo que aconteceu na feira?

R - Na feira ou relacionado a antiguidades? Eu posso contar vários para você. Diversos!

P/1 - Pode ser então um de cada.

R - Quer dois que vocês vão dar risada? Vamos lá! Eu tinha um sócio, isso em 94, 95. Aí, esse meu sócio, a gente estava procurando lugares diferentes para procurar mercadoria. Aí, eu liguei para uma entidade beneficente e falei com um tal de Zé, aí, o Zé falou: "Nós temos um barracão cheio de antiguidades aqui na nossa entidade beneficente". E eu tinha uma saveiro com pneu carequíssimo. E vamos eu e ele para a Serra da Cantareira para procurar essa entidade beneficente. Chegamos na entidade beneficente, era um dia que tava pra chover, eu falei: "Meu, se chover a gente não sai daqui. É fatal". Entramos com o carro, chegamos assim e falamos: "Por favor, gostaríamos de falar com o senhor José". O moço falou: "Senhor José?" "É, senhor José" "Mas o que você quer falar com ele?". Eu falei: "Olha, eu liguei, falei com o senhor José, ele falou que tem um barracão cheio de antiguidades". Ele falou: "Ah, não é Zé?", eu falei: "É, Zé" "Ah, Zé sou eu". Um olhou para cara do outro e falou: "Tudo bem, né?". Aí, o Zé chega e fala: "Então, vocês querem ir no barracão pra ver?" "Nós queremos ir no barracão". Aí, o Zé chega assim e fala: "Então, pera aí que eu vou chamar a Paulinha". "Paulinha! Paulinha! Vem cá!". Um olha para cara do outro: "Tá estranha essa história, né?". A Paulinha me vem, um travesti de dois metros de altura, mulato, de unha pintada de vermelho e o cabelo pintado de loiro. Olha para a cara dos dois e fala: "Pois não, meus amores?". Um olha para a cara do outro e fala: "É um barracão cheio de antiguidades" "Vamos lá, que eu levo vocês lá". E um olhava assustado para a cara do outro, né? E separamos as antiguidades do barracão, tinha muuuita coisa, né? Aí, chegamos e falamos: "Vocês não tem mais nada nas construções lá de cima?" "Ah, vamos dar uma volta, né?". Fomos eu, meu sócio, a Paulinha e o 'Zé'. Daí, no que a gente entra nos barracões, era uma entidade que cuidava de aidéticos. Tinha muitos e muitos travestis lá dentro! Aí, eles assim: "Gatinho, vem cá! Amor, vem cá com a gente!". Um olhou para a cara do outro e começou a suar frio e falou: "Meu, a gente precisa sair daqui rápido!". Aí, toca a carregar o carro: “Vamos carregar!”, começou a chover. Aí, fui tentar sair na quinta. Eu tava quase desistindo, meu sócio vira assim para mim e fala: "Eu vou te abandonar, problema é seu! Eu não vou passar a noite aqui dentro, de jeito nenhum!" (risos). Eu falei: "Não, pelo amor de Deus, vai lá, debaixo de chuva". Ele foi ver o caminho. "Olha, tantos metros vai em linha reta, tantos metros a curva pra direita". Eu consegui tirar o carro do atoleiro e a gente fugiu do lugar, desesperado de medo, do que podia acontecer com os dois ali no meio, cheio de travesti! Uma das histórias, tem várias. Uma outra, essa assustadora: eu tava na Benedito Calixto e tinha uma senhora que já tinha ido quatro vezes falar que queria vender chuveiro velho e uns móveis de um determinado estilo que eu não comprava. E na quarta vez eu já tava querendo mandar a mulher passear, aí, a mulher falou: "Mas tem uns livros antigos de arte lá". Eu falei: "Livros de arte eu quero". Aí, fui andando a pé porque era na Rua Lisboa. E cheguei na casa da mulher, ela me apresenta o irmão, o irmão dela era magro, tinha aquela cara chupada assim, uma cara assustadora, sabe quando você olha assim e fala: "Esse cara é estranho". E fui lá na biblioteca e comecei a tirar os livros de artes: “Poxa, que legal!. E umas revistas em quadrinho antigas. Aí, na hora de dar o preço, eu falei: "Poxa, mas dá para eu te dar tanto, tanto" "Mas você tá pagando muito pouco nas revistas em quadrinhos antigas". Eu cheguei assim e falei, "Mas se tivesse aquela determinada revista", e citei os nomes, "eu pagava 50 reais por revista". Aí, ele vira assim e diz: "Mas no porão tem" "Porão aonde?" "Aqui tem uma escada que tem o porão, mas lá embaixo não tem luz. Vamos descer com a lanterna" "Tá bom". E descemos para o porão da casa. Aí, ele vira para mim e fala: "Você não vai se assustar, mas o antigo proprietário dessa casa era ocultista e fazia rito à Satanás. A casa tá toda pintada com motivo de Satanás embaixo". Eu falei: "Você tá de brincadeira?", ele: "Não, olha ali", e meteu a lanterna. E você via diabo, isso, aquilo, um altar, eu comecei a suar frio, morrendo de medo. Eu já morrendo de medo fechei a mão e falei: "Se esse cara encostar em mim eu vou dar um murro na cara dele, mas eu vou correr tanto, mas tanto, mas tanto!". Aí, eu virei e falei: "Mas meu amigo, não tem luz aqui embaixo! Você não tem medo, não?" "Ah, eu não gosto de vir aqui". E eu com medo, morrendo de medo com a situação. E eu falei: "Ainda se essas janelas tivessem os vidros quebrados dava para enxergar alguma coisa, né?". Ele falou: "Vai lá e quebra os vidros" "Pode quebrar?" "Pode". Peguei uma cadeira e quebrei as janelas todinhas da parte de baixo da casa para poder entrar luz no recinto porque eu tava morrendo de medo. Aí, tinha as cortinas pintadas com motivos de satanás, demônios. Aí, acabei fazendo a compra, comprei várias antiguidades e acabei ficando amigo do cara. Era só a situação que me deu muito medo no lugar.

P/1 - E lá tinham as revistas.

R - Tinha brinquedos antigos de latas, revistas, canetas, móveis. Estava cheio de coisas dentro do porão da casa do cara. Mas a situação foi uma situação de medo (risos).

P/1 - E como você acha que aquela sua lembrança de você acompanhar seu pai no trabalho, com o comércio, como isso te ajudou hoje, como você vê essa relação?

R - Eu acho o seguinte: os pais da gente tentam transmitir para nós o que eles queriam que tivesse acontecido com eles. Meu pai falava assim: "Olha, eu vou te ensinar a ser vendedor porque você vai ganhar dinheiro na vida" e eu falava "eu vou morrer e não ser vendedor". Hoje, como eu disse, ele tira sarro da minha cara e diz: "Você é a pior raça que tem, que é comprador e vendedor". Ele tentou me ensinar da maneira dele, da maneira que os pais ensinaram para ele. Não era a maneira correta, entendeu? Ele transmitiu alguma coisa para mim, a sementinha ele transmitiu, e eu fui lá e plantei a sementinha e deu certo.

P/1 - Falando dos seus anos de comércio, o que mais mudou para você nesses anos de feira?

R - O que mudou? Eu enxergo hoje, por exemplo... Como é que eu vou dizer? A cidade está mudando muito, hoje você derruba todas as casas antigas para construir prédio, não existe uma preservação. É muito triste você saber que, por exemplo, a casa tinha cem anos, simplesmente colocou abaixo, o Condephaat, o Compresp não tombaram a casa porque acharam que não tinha valor arquitetônico nenhum. O familiar não quis saber, o pai e a mãe morreram e ele joga tudo fora, muitas vezes joga fora mesmo. O que você vê claramente, você continua a ver, aliás, é que as pessoas não dão valor ao passado em hipótese nenhuma. Os poucos que aprendem a dar valor ao passado, esses conseguem manter alguma coisa, guardar, preservar muita coisa. Por exemplo, eu construí a minha casa toda com material de demolição antigo. Demoliram três casas e eu comprei 37 mil tijolos antigos, construí minha casa. Todo vigamento da minha casa era de uma fábrica que foi demolida ali, ela dava ali na Avenida Tiradentes, quase em frente à Pinacoteca, e então, o vigamento da minha casa é daquela fábrica de 1905. Os tijolos da minha casa vieram de uma casa de 1913. Eu tenho um vitral antigo da minha casa que era de uma mansão que ficava na Alameda Ministro Rocha Azevedo, da década de 40. Foi tudo coisa que eu bati o olho, vi, gostei e falei: "Eu vou preservar isso". Preservei na minha casa.

P/1 - Jefferson, você falou da Benedito. O que ela tem de especial, aquele espaço, aquela feira, praça, em relação à cidade de São Paulo e às outras feiras? Qual é o diferencial dela?

R - Olha, ela é a primeira feira da semana, digamos assim; pelo fato de estar próximo a Vila Madalena, ela virou um point, então, muita gente vai lá passear. Nós costumamos dizer que colecionadores, as pessoas de mais idade, eles vão mais até duas, três horas da tarde, para ver as coisas e comprar, e o público mais jovem vai lá após as três para passear. Não deixa de ser um passeio você pegar e ver as coisas antigas, e depois você vai para um barzinho, vai lá para a Vila Madalena que está ali do lado. Então, ela acabou trazendo muita gente para a região, trouxe muito comércio. Muito comércio gira em torno da feira, muita gente vai lá para passear. Eu mesmo, nos anos 80, eu ia muito lá na Igreja do Calvário, na quermesse da festa junina. Só que eu não sabia que lá tinha a feira de antiguidade. Depois que eu conheci, fiquei, nunca mais saí. Aprendi a gostar. Não é só o fato de trabalhar lá, eu gosto do que eu faço, acho muito legal o relacionamento com os clientes de lá, com os expositores. Depois de um certo tempo o cliente se torna amigo, tem muita gente que se torna amigo. Você escuta histórias deles, você acaba se divertindo e você passa muitas histórias para eles também.

P/1 - Você falou que tem um ajudante. Como é essa relação, quantas pessoas te ajudam nesse trabalho?

R - Olha, não posso esquecer, tem os meninos que me ajudam a descarregar o carro, carregar no final do dia. Tem o rapaz que monta a barraca na feira para os expositores, tem todo um pessoal que trabalha em prol dos expositores lá na feira.

P/1 - E como é o relacionamento dos expositores com essas pessoas que dão esse suporte?

R- Geralmente os expositores, não eu, por favor, eles não valorizam o trabalho dos ajudantes, tá? Eles pagam pouco, os ajudantes nunca estão felizes. É complicado. Existe uma falta de ajudante generalizada naquela praça.

P/1 - E tem mais alguém que te ajuda, que trabalha com você, que ajuda a selecionar as peças, ou que está lá na sua casa para cuidar ou preservar?

R - Não, não. Infelizmente, não. Esse trabalho sou só eu. Minha esposa tem o trabalho dela. Aliás, deixa eu fazer um parêntese? Eu conheci a minha esposa na Benedito Calixto. A mãe dela trabalhava lá na feira, a mãe dela abandonou e eu conheci a minha esposa. Eu costumo dizer, ela fica louca da vida, que o meu maior achado de antiguidade é ela (risos).

P/1 - Conta um pouquinho pra gente como foi essa história, você se lembra das conversas com a mãe dela, como é que foi?

R - Ah, foi muito engraçado. A minha esposa, a mãe dela trabalhava na feira, no lado oposto ao que eu trabalho. E quando a vi a primeira vez eu falei: "Nossa, que menina linda!". Aí, tinha um cliente meu que falava: "Nossa, meu, para. Ela é muita areia pro seu caminhãozinho". Eu falava: "Não, eu faço muitas viagens, não tem problema". E ficava olhando praquela menina e falando: "Nossa, essa menina é muito linda, mas ela nunca vai olhar pra mim, né?". Uma vez ela foi ajudar um rapaz que vende comida lá na feira, que é o Carlinhos, e tava trabalhando na barraca do Carlinhos. E eu fui na barraca do Carlinhos. Aí, foi para a feira do Bexiga, na barraca do Carlinhos, e olhava praquela menina e falava: "Nossa, Carlinhos, ela ta te ajudando, né? Que menina linda!". E ela se encantou comigo e não falava, e eu me encantei com ela e não falava. Aí, uma amiga nossa, uma expositora, chegou assim para mim num domingo que estava chovendo muito e falou: "Jefferson, me dá seu cartão, que você costuma ter determinado tipo de móvel e tem uma cliente minha que pediu esse móvel, eu sei que você tem". E eu dei o cartão para ela, inocentemente. Ela pegou e virou para minha esposa e falou: "Segura e guarda o cartão dele pra mim". Não era, ela queria o meu telefone. Aí, quando eu vi que ela segurou o cartão eu falava: "Nossa, eu preciso ligar pra esse Carlinhos e ligar o que ele é dele". Eu ligo para o Carlinhos e falo: "Carlinhos, vem cá, aquela menina linda que tá na tua barraca, o que ela é sua?" "Por que você quer saber?" "Eu quero conhecê-la, eu quero namorar essa menina" "Que namorar? Ela é minha namorada! Você não pode olhar pra ela!". Deu um banho de água gelada. "Sua namorada?" "É!" "Ah, desculpa, eu não quero nada, não. Desculpa". Aí, ela ligou para mim dois dias depois e falou: "Oi, tudo bem". Eu falei: "Mas como é que você vai ligar pra mim? Você não namora o Carlinhos?". Ela falou: "Não, eu sou amiga dele, eu tava ajudando ele". Eu falei: "Eu mato aquele desgraçado" (risos). Eu falei: "Eu queria te conhecer". Um dia depois nós saímos, fomos no cinema e ficamos juntos. Aí, foi muito engraçado, ela tinha saído de um relacionamento complicado e eu também, dois meses depois eu virei e falei para ela: "Olha, eu quero namorar você", e ela falou: "Mas eu não quero namorar ninguém". Eu falei: "Sinto muito! Você vai namorar, noivar, casar e me dar filhos". Ela falou: "Não, não quero namorar ninguém!". No terceiro mês eu cheguei para mãe dela: "Olha, o negócio é o seguinte: a sua filha tá brincando comigo, ela é a mulher da minha vida, eu já decidi isso, só ela que não sabe. E eu quero namorar ela, quero noivar e ter filhos". E ela falava assim: "Você quer brincar com a minha filha" "Eu não quero brincar com a sua filha, a sua filha é a mulher da minha vida. Eu já percebi isso, só falta ela aceitar isso". Aí, com cinco meses ela namorou comigo, com nove ela estava noivando. Nós casamos em 2003, esperamos mais tempo e agora temos duas filhas lindas!

P/1 - E qual é o nome dela?

R - Da minha esposa é Cristiane.

P/1 - Falando também da praça, que trouxe toda essa mudança para você, quais são as suas perspectivas em relação ao seu trabalho lá? De continuar expondo, como que é?

R - Eu te diria hoje, mesmo se eu tivesse muito dinheiro eu não conseguiria sair de lá, é uma coisa que entrou no sangue e não sai mais, esse vício. O trabalhar lá é muito gostoso, você chegar todo dia de manhã, montar sua barraca, ver aqueles clientes que já vão há muito tempo, conversar, fazer brincadeiras com eles, eles fazem brincadeiras, ao ponto deles chegarem na feira, ligar um para o outro e falar: "Onde você tá?" "To na barraca do Jefferson, vem aqui". É ponto de referência. Aí, você chegar, conta a história daquela peça que você está vendendo para um particular, o particular escuta atentamente, às vezes, o particular te revela alguma coisa daquela peça que você não sabia, então, você aprende mais um pouco, você transmite a informação que você tem, absorve a informação que eles te passam, você passa conhecendo muito. É muito legal.

P/1 - E com todo esse seu trabalho de busca de peça, de conhecer os móveis, os livros de arte, as fotografias antigas, tem nessa empreitada de busca alguma coisa que você achou nesse caminho que você guarda com carinho especial, ou que tomou outro significado, que saiu do depósito e foi para a sua casa?

R - Teve peças que eu guardei, mas num momento de extrema necessidade eu precisei vender, coisa que eu gostaria de readquirir. Vou citar um exemplo: antigamente quando você construía a casa, os mais abastados, eles construíam a casa e vocês já ouviram falar aquele ditado 'quem não tem eira, não tem beira'? Antigamente você construía a sua casa e fazia a beirada da casa, tinha que ser uma beirada bem alta, que era para cobrir as pessoas e evitar que chovesse, e a eira da casa eram umas telhas de cerâmica portuguesa que você colocava em volta da casa, geralmente umas telhas pintadas, esmaltadas, e nessas mesmas casas você colocava as quatro estações. O que eram as quatro estações? Eram quatro mulheres de porcelana, de mais ou menos um metro de altura, fabricadas em Portugal, da companhia do Porto, que eram: Primavera, Verão, Outono e Inverno. E você colocava uma em cada quina da casa conforme a posição do sol no ano. É difícil você achar uma, eu tinha três das quatro. E quando eu fui construir a minha casa eu precisei vender. Isso eu gostaria de readquirir, então, se posteriormente eu achar novamente esse tipo de peça eu vou guardar. Em São Paulo é muito raro você achar uma peça dessa ainda colocada na frente de uma casa, se você for para o Nordeste você encontra várias. Agora, hoje que eu tenho guardado são umas poucas fotos antigas que eu preservei, mais nada. Eu tive que vender muita coisa.

P/1 - E quais são essas fotos, o que te fez ficar com elas?

R - Por exemplo, eu tenho fotos de veiculação no cinema de O Gordo e o Magro, tenho uma foto original do Charlie Chaplin, um cartão postal do Mickey Mouse do início do século. Já tive muito mais coisa, mas precisei vender. Mas posteriormente vou guardar mais, quando aparecer novamente. Na minha casa eu tenho um vitral maravilhoso da década de 40 que é uma divindade grega segurando uma flor, uma mulher segurando uma flor. Isso eu acho muito bonito e guardei na minha casa.

P/1 - Indo para uma parte pessoal, o que você gosta de fazer nas horas de lazer?

R - Quando eu tenho lazer (risos) eu gosto de curtir minha família, quando possível vou viajar com a família. Em março do ano que vem a gente vai tirar um mês de férias e vamos para o Nordeste, eu, minha mulher e minhas filhas. E meu filho, se de repente ele estiver folgado também, vai comigo. Uma coisa que eu gosto de fazer é viajar ou levar as crianças passear.

P/1 - E onde você vai fazer as suas compras pessoais, que não são da venda? Supermercado, ou as roupas, onde você vai buscar essas coisas?

R - Supermercado, shopping center, basicamente isso.

P/1 - Tem algum lugar que você gosta mais de ir?

R - Eu gosto de ir em shopping center, mas não tem uma loja específica que eu goste de fazer compra, não.

P/1 - Tem alguma coisa que você gosta mais de comprar?

R - De antiguidades eu gosto muito de trabalhar com a linha de fotografia antiga, que as pessoas vão e contam as histórias e você pode passar muitas histórias para as pessoas que vão comprar, além de brinquedos antigos. Além das curiosidades, curiosidade é assim, uma máquina de pinball antiga. Tem três semanas eu comprei uma central telefônica antiga da Pabx, aquelas que a telefônica falava: "Olha, eu quero fazer uma ligação", ela puxava o fio e conectava o plug para ligar para a outra pessoa. Eu comprei tem três semanas. É uma curiosidade que eu acho maravilhosa.

P/1 - E falando da sua família, você falou das suas filhas. Quantos filhos você tem, qual o nome deles?

R - Eu tenho o meu primeiro filho, que é o Bruno, ele tem 19 anos, vai completar 20 anos no mês que vem, que é do meu primeiro casamento. A minha filha Mariana que tem cinco anos e minha filha Júlia que tem um aninho.

P/1 - E o que o seu filho faz, ele estuda?

R - Meu filho está fazendo terceiro ano do Mackenzie, Ciências Econômicas, e ele está trabalhando no Banco Safra hoje, na área de ativos.

P/1 - O senhor percebeu alguma modificação na feira durante os anos que você tem estado lá? Dos vendedores, ou de conduta da fila, se continua do mesmo jeito que você falou...

R - Você diz da administração?

P/1 - É.

R - Digamos que a Administração da Benedito Calixto é vitalícia. Ela está na mão de uma pessoa que não sai de lá. Funciona assim: são 300 e poucos expositores, dois representantes da parte de Antiguidades, dois de Artesanato, um de Comida. Aí, tem alguns representantes da Associação, que eu não lembro quantos são, e da Sociedade Civil e dos vizinhos. É um conselho que administra a feira. Só que existe política por traz disso, então, o pessoal lá, a administração da feira nunca sai. O pessoal das Antiguidades não tem poder de veto, não consegue mudar muita coisa na feira, mas é uma administração que querendo ou não, eles conseguem que a feira funcione, então, devo dar mão à palmatória, a feira funciona.

P/1 - Se você pudesse, o que você mudaria?

R - Eu acho que devia ser mais divulgada, é um absurdo, mas as feiras de antiguidades na cidade de São Paulo, elas não são subordinadas à Secretaria da Cultura! A feira da Benedita Calixto é subordinada à Subprefeitura de Pinheiros e a feira do Bexiga é subordinada à Secretaria Municipal de Abastecimento. O que uma feira de antiguidades tem a ver com abastecimento eu não sei, não entendo, mas eu acho que as duas deveriam estar subordinadas à Secretaria da Cultura. E a Secretaria da Cultura não ajuda as feiras de antiguidades a alavancar, ela não informa aos turistas que tem as feiras de antiguidades, não existe, em qualquer prospecto de Turismo, feira de antiguidade. Quem faz propaganda são as revistas especializadas, são revistas de decoração, a prefeitura não dá um apoio para nós.

P/1 - E falando da movimentação em torno da praça. Como é que ficam os carros e a movimentação das pessoas ali durante o dia?

R - No lugar para estacionar lá, tem o lugar que os expositores estacionam, os estacionamentos vivem lotados, muitas vezes os clientes precisam parar nos quarteirões seguintes. É muito grande a reclamação de falta de lugar para estacionar. O próprio expositor deveria ceder o espaço que ele estacionou o carro para o cliente poder parar o carro e não faz isso. Por exemplo, tem o guardador de carros, ele propôs para mim o seguinte: onde eu paro o meu carro, que é do lado do Fran's Café, se eu tiro meu carro de lá, ele coloca meu carro no estacionamento e deixa a vaga em aberto para poder estacionar os carros dele. É um jeito de me beneficiar, porque meu carro vai para o estacionamento, poderia ficar na rua, não tem problema nenhum, mas beneficia ele, que ele pode colocar 15, 20 carros no mesmo lugar no dia. Então, acaba sendo benéfico para ele, que ganha o dinheiro dele, e para o cliente que pode ter o lugar para estacionar o carro dele.

P/1 - E falando do comércio, dessa sua trajetória, quais foram as lições que você tirou ao longo dessa sua carreira no comércio?

R - Uma coisa que eu aprendi muito: quem tem boca vai à Roma. Se você quiser alguma coisa na sua vida, e você lutar por ela, você vai conseguir. É lógico, é muito difícil. Você vai tomar vários tombos? Vai. Eu tomei muitos tombos na vida, mas eu aprendi que o dia seguinte, aquele que você se levanta, é o melhor. Então, se você correr atrás, você vai em frente. Eu não consegui terminar os estudos, fazer uma faculdade, com 39 anos eu já tinha minha casa própria, meu carro é quitado, minha esposa tem o carro dela. Minha esposa tem um bom emprego. Mas nós dois corremos atrás. Então, acho que correr atrás você consegue muito na vida. Meu filho não quis aprender a trabalhar comigo, disse que é um trabalho muito estressante. Por outro lado, ele correu atrás e conseguiu um emprego no Safra. Então, acho que se você correr atrás, a chance é grande de você se dar bem.

P/1 - Quais são os seus sonhos hoje? Em termos de perspectiva para o futuro, o que você pretende realizar?

R - Uma coisa que eu gostaria muito de fazer seria montar minha loja, ter minha loja própria, ter meu galpão próprio porque hoje eu alugo um galpão para colocar minhas mercadorias, meu estoque. Agora, meu próximo passo é comprar um terreno e construir meu galpão, e depois construir minha loja, ter minha loja para atender meus clientes. E um plano que eu gostaria de ter é poder parar de trabalhar aos domingos. Porque esse trabalho você se dedica demais, não existe feriado, não existe final de semana, não tem horário. Eu trabalho de segunda à sexta a procura e sábado e domingo na venda. Meu sonho hoje seria poder ter final de semana livre para poder curtir minha família, coisa que eu não tenho.

P/1 - Tem alguma coisa que você gostaria de deixar registrado que a gente não tenha perguntado, que você acha que ficou faltando e é importante?

R - Não, acho que foi bem abrangente. Só acho o seguinte: por favor, as pessoas deviam se preocupar um pouco mais com o passado, se preocupar com as pessoas, os idosos, contar o que eles têm para transmitir. O trabalho que vocês fazem aqui hoje, de resgatar, você ter um depoimento vivo, se as pessoas pudessem escutar mais os idosos, escutar as histórias que eles têm para passar, o que eles vivenciaram no passado, as dificuldades que eles tiveram, o aprendizado que eles tiveram dos pais deles, é uma coisa que está se perdendo. Essa memória do passado está se perdendo muito. Você poder preservar, você lembrar o porquê aquela rua chama aquele nome, o que aquela pessoa fez de importante na vida. Nós costumamos dizer no meu trabalho, tem um ditado muito feio que é: "O avô constrói, o filho usufruiu, o neto destrói". Geralmente o cara vai, faz a fortuna, o filho não se preocupa, vai e desfruta, não quer saber de dar continuidade e o neto elimina tudo o que tem. É uma coisa que precisava ser revertida a longo prazo.

P/1 - E o que você achou de ter participado dessa entrevista, de ter contado um pouco da sua experiência no comércio e da sua trajetória de vida aqui para a gente?

R - Ah, eu achei legal! A princípio eu fiquei relutante, não queria. Aí, os amigos disseram: "Vai, seria bom". É lógico que em uma entrevista como essa não pode contar tudo, minha própria esposa me fala: "Você devia fazer um livro", tem muita história pra contar, muita vivência, muita gente que eu conheci que já foi daqui para melhor, que me passou muita coisa boa. Então, o que eu puder contribuir, passar essa informação para os outros, isso é muito legal. Eu gostei.

P/1 - Em nome do Sesc e do Museu da Pessoa, a gente agradece a sua entrevista.

R - Obrigado eu, também.