Museu da Pessoa

Judaico Universal

autoria: Museu da Pessoa personagem: Shoshana Baruch

P/1 – Bom, Shoshana, em primeiro lugar eu queria agradecer a sua participação nesse projeto.

R – Eu que agradeço.

P/1 – Para começar eu gostaria que você falasse o seu nome completo, o local e a data de nascimento.

R – Meu nome é Shoshana Baruch, eu nasci em Israel, na cidade de Haifa; e eu nasci em nove de março de 1949.

P/1 – E qual o nome dos seus pais?

R –Meus pais? Minha mãe é Lina Levi, e meu pai Haim Varsano.

P/1 – E o que é que eles faziam? Qual a atividade deles?

R –Meu pai faleceu. E meus pais sempre foram comerciantes.

P/1 – E que tipo de comerciantes? O que eles vendiam?

R –Vendiam iogurte, queijo, queijos amarelos e sorvete.

P/1 – E você tem irmãos?

R – Dois.

P/1 – E como é você nessa escadinha? Você é a mais velha?

R – Eu sou a mais velha, a maior.

P/1 –Eu gostaria que você falasse para a gente como é que era a sua infância lá em Israel? Como é que era? Doque você gostava de brincar?

R –Brincar? Lá em Israel as crianças brincavam embaixo. Nós morávamos num apartamento e a gente brincava na calçada, como brincam aqui de gude, eu não sei como se chama aqui, que salta, de esconde-esconde.Lá é tudo... era uma infância.

P/1 – E a sua família é de Israel mesmo?

R – Não, meus pais vieram da Bulgária, depois da guerra foram para Israel.

P/1 – E você sabe como eles se conheceram?

R – Não.

P/1 – Eu gostaria que você falasse do que você se lembra dessa infância. Da sua rua, onde você morava. Da sua casa. Como é que ela era?

R – Nós morávamos numa cidade e depois fomos para Tel Aviv. Então, eu me lembro mais de Tel Aviv, como eu estou te falando, morávamos num apartamento.Estudava numa escola que era ao lado do prédio onde morávamos, estudava de tarde, e brincávamos lá embaixo.

P/1 – E você tem lembranças do período da escola? Como é que era?

R –Lá em Israel se estuda 12 anos, quer dizer, oito anos de escola fundamental e mais quatro anos de colegial. Aqui eu não sei como é que é.Meus filhos estudaram aqui oito e três, em Israel é oito e quatro, e depois estuda mais para frente. Eu estudei para professora, mas nunca exerci essa profissão, fui trabalhar em banco.

P/2 – A senhora sabe por que motivo a sua família saiu da Bulgária para ir para Israel?

R –Sei. Depois da guerra, da segunda guerra mundial, 95% dos judeus da Bulgária saíram para Israel.

P/1 – E você disse que depois você fez um curso para professora, como é que foi?

R – Estudei para ser professora no seminário. Seminário em Israel é escola magistrado,pedagógica, não sei como que é aqui. Eu estudei lá, só que as crianças lá... Eu estudei para dar aulas de Matemática e de Biologia para crianças de sétima e oitava série; e entrou uma reforma lá que eu precisava estudar, no lugar de dois anos para terminar, três anos. Aí eu fiquei revoltada.Falaram que você teria que dar aulas para crianças pequenas até quarto ano, e eu não tenho paciência com criança pequena.Aí eu saí fora, caí fora e fui trabalhar em banco.

P/1 – E você disse que seus pais sempre foram comerciantes.Você chegou a ajudar eles no período de infância?

R – Sempre ajudei, porque tinha a loja de sorvetes, de queijos.Eu ajudei lá sempre nas férias e também quando precisava, sábado à noite quando abria eu ia lá.

P/1 – E você tem outras lembranças desse período do comércio da sua infância? Alguma loja que você gostava de ficar na vitrine, alguma coisa que chamava a sua atenção?

R –Nós morávamos em Tel Aviv,depois nós mudamos para Bat Yam.Na vitrine, lá em Israel, todas as lojas... não é como aqui que fecham as portas com ferro. Em Israel,todas as lojas são vitrines, então,não tem algumas coisas que te chamam a atenção. Aqui você tem que ir para Oscar Freire para ver vitrines, lá não, lá é tudo vitrine, você anda em qualquer rua é tudo aberto. Então, lá não tinha loja especial, as que eu gosto aqui têm cachorros, mas meu marido não gosta de cachorros em casa, então não tem.Meu filho tem, eu não tenho.

P/1 – E como foi essa mudança? Estudar para ser professora e trabalhar num banco, como é que foi?Como começou?

R – Começou que eu precisava trabalhar. Aí eu fiz um teste,me aceitaram e eu comecei a trabalhar, e fiquei lá. Fiquei lá até 76, depois vim para o Brasil, que a minha mãe já estava aqui.Ela falou: “Vem!” Minha avó já estava aqui, a gente tentou, eucom meu marido, a gente já tinha um filho, meu filho grande, que é chefe agora. Nós viemos aqui, só que na época aqui tinha, infelizmente, a ditadura no Brasil. Eu cheguei na época que mataram o Herzog e não me adaptei. O clima era ruim, tinha garoae eu não me adaptei aqui. Me falavam:“Você não pode ficar onde tem muita gente”,“Não pode falar o nome do presidente na rua”,“Não pode falar isso”. Eu vim de um país de democracia, liberdade completa.De guerra sim, mas liberdade. Vir para uma prisão, eu caí fora depois de sete meses. Só que meu marido gostou muito do Brasil, meus pais estavam aqui, meus irmãos. Ele ficou buzinando no meu ouvido:“Vamos, vamos”. Demorou sete anos e aí eu voltei. Sete anos não, onze anos. Dez anos, em 87 eu voltei para o Brasil.

P/1 – E como é que você conheceu o seu marido?

R – Eu conheci o meu marido na praia. (risos)

P/1 – Foi no período que você trabalhava no banco?

R –Não, trabalhava lá na loja da minha mãe.

P/1 – E você disse que sua mãe e seus parentes falavam para você vir para o Brasil, como é que foi essa decisão de sair do seu país e vir?

R –Mais quem quis vir aqui depois da guerra foi meu marido também, depois da Guerra do Yom Kippur, porque ele lutou quatro guerras lá e queria sair de lá de qualquer jeito. Então, ele fez a minha cabeça e em 76 nós viemos para cá, mas eu não me adaptei e voltei. Voltei para trabalhar no banco. Em 87 ele falou:“acabou”, e nós viemos até aqui. Minha mãe fez a nossa documentação de imigrantes, nós já viemos como imigrantes, com registro nacional de estrangeiro já.

P/1 – E você tem recordações da viagem para cá, da primeira vez? A primeira impressão que te deu a cidade? Como é que foi?

R – Nóschegamos por Viracopos, meus pais viram pegar a gente. Moramos junto com eles no mesmo apartamentoe tentamos fazer burekas em outro bairro, nosJardins. Mas estou te falando, como eu não tinha vontade de ficar não deu certo, se você não tem vontade de ficar nada vai dar certo.

P/1 – E esse apartamento dos seus pais era onde?

R – Onde a minha mãe mora agora, no mesmo prédio, na Ribeiro de Lima, no Bom Retiro. E quando chegamos ao Brasil eu também morei nesse prédio um ano até comprar o nosso.

P/1 – E você se lembra de como era o bairro? O que é que te pareceu?

R –Lembro. Quando nós chegamos pela primeira vez era como a minha mãe falou, tudo judeu. Feriado judaico, que era como agora, por exemplo, hoje éRosh Hashaná, era tudo fechado. Yom Kippur, o vizinho que era da minha mãe, o chaveiro, ele por respeito para nós, fechava a dele também. Supermercado – porque tinha Pão de Açúcar – fechava. Isso em 76. Eu me lembro muito bem. Agora fica tudo aberto, nós fechamos só um único dia, Yom Kippur, porque a gente é laico, nós não somos religiosos. Os religiosos fecham, a gente é laico.Hoje mesmo trabalhamos só meio dia, mas mesmo assim trabalhamos. Infelizmente a vida... Yom Kippur só, que é o nosso dia do perdão, chama Yom Kippur, é fechado. Não tem dinheiro que faça a gente abrir isso agora.

P/1 – Você disse que depois você acabou voltando para lá porque não se adaptou. Você voltou sozinha?

R – Não, voltamos eu, meu marido e meu filho, e outro filho que nasceu lá depois.

P/1 – E seu filho nasceu aqui no Brasil?

R – Não, os dois nasceram lá.

P/1 – E aí se passaram sete anos com você trabalhando no banco, e depois quando você voltou para cá como é que foi? Você foi para o mesmo lugar? Voltou para o Bom Retiro?

R – Sim, eu fiquei aqui, eu gosto do Bom Retiro, e moro hoje ainda no Bom Retiro.Eu tive oportunidade de mudar para Higienópolis, mas não mudei.

P/1 – E como é que você começou a trabalhar aqui?

R – Primeiro nós trabalhamos quatro anos, eu e meu marido na loja dos meus pais, lá nas burekas. O meu marido aprendeu a fazer queijos, iogurte, coalhada, sorvete. Só que depois os meus irmãos também entraram, e às vezes muita família não dá certo.Meu marido falou: “Vamos partir para outra”, e eu: “Outra o quê?”. O que eu sei fazer é cozinhar, eu aprendi com a minha mãe. Aí abrimos o restaurante. O restaurante abriu, na verdade, como rotisseria, porque em Israel é muito comum o pessoal vir e comprar comida. Só que nós vimos para um país que tem empregadas em casa que cozinham. Não era como hoje que você vai e até em supermercado tem comida pronta. Mas na época não existia isso, as pessoas não compravam comida pronta, compravam ingredientes, mas não comida.Então o nosso, quando abriu, na verdade, não tinha nem mesa para sentar, tinha duas mesas e um balcão. Era para a pessoa vir, pegar a comida e sair, só que eles gostaram e ficaram comendo no balcão. O balcão que hoje euapóio os meus micros. Aí ficamos colocando mesas, e depois liberou a outra loja, três anos depois. Pegamos a outra, aumentou um pouquinho e ficou assim, já está há 20 anos assim.

P/1 – E como foi para aprender a língua?

R –A língua? Bom, eu falo outras línguas também, só que nós somos de origem búlgara. Minha mãe não fala bem o ladino, eu falo a língua ladina que é um espanhol antigo, que mistura espanhol e português, então, foi mais fácil.Mas também o que eu fiz na loja da minha mãe... Logo que chegamos, nós entramos na loja, queira ou não queira vem gente, ficamos no caixa, temos que atender, vamos fazer o quê? Eu também aprendi. Meu marido foi estudar um pouco no Berlitz. Eu não, eu pegueio jornal, todos os dias lia um pouquinho e assinalava o que eu não entendia, os meus irmãos me falavam:“É isso, isso eisso”, e de noite via televisão.Novela nem tanto quanto o Jornal Nacional. Aprendi muito com Jornal Nacional, bem pronunciado.

P/2 – A senhora mencionou que sua mãe abriu uma loja de bureka. O que é bureka? Como é que se prepara? Pode explicar para a gente?

R – Bureka é uma rosca de massa folheada artesanal, até hoje ela é feita artesanalmente. Éuma rosca com um buraco no meio, que é típico búlgaro. Na Bulgária se come,como se come pastel aqui em qualquer esquina,se come bureka. A origem é turca, na verdadeImpério Otomano. ABulgária ficou dominada por eles 500 anos, como muitos países também.Então, ela é feita artesanalmente, tem vários recheios e é feita manualmente até hoje.

P/2 –Aqui no Brasil mais alguém produz bureka?

R – Tem mais alguém que faz, que chama de folheados, mas bureka eu não sei.

P/2 –Éum salgado popular também lá em Israel?

R – Sim, muito, lá em Israel é muito populara bureka.Você acha em qualquer lugar, qualquer loja.

P/1 – Quando vocês deixaram a loja da sua mãee foram abrir a de vocês, quais foram as principais dificuldades?

R – Mão-de-obra, ensinar a fazer a comida.Até hoje os temperos têm que colocar, têm que ir lá, não tem jeito. Comida judaica é tempero, tem que ser o tempero deles, o pessoal fala isso: “me lembra a minha mãe”, “me lembra a minha avó”, “me lembra a minha tia”. Mas eu também tenho funcionários de muitos anos.

P/1 – E esses funcionários, como é que era no começo? Eram pessoam que também tinham vindo? Ou não conheciam nada?

R – Não conheciam nada de comida judaica, aprenderam. Eu falo que quem quer aprender aprende sempre.

P/2 – Como é que foi que a senhora encontrou esses funcionários?

R –Eu coloquei placas.

P/2 – Moradores do bairro?

R – Não. Até hoje eles sofrem para chegar de trem, eu fico com dó deles, saem cinco e meia da manhã para chegar às oito e 15.

P/1 – Você pode descrever a fachada da loja? Como ela é? O que eu vejo quando entro na loja? Agora e na época que ainda era uma rotisseria, como é que era?

R –Ela continua assim, porque foi feita como rotisseria: tem um balcão de doces e balcão das comidas, quem passa por fora nem sabe que é restaurante, pensa que é lanchonete e às vezes passa até reto, como se fala.Mas o pessoal de muitos anos já aprendeu. Agora o meu filho colocou uma mesinha lá fora para o pessoal poder fumar, que antigamente podia fumar dentro, hoje em dia não pode.A fachada tem toldos amarelos, tudo amarelo com verde e o logotipo está lá dentro da loja. E tem mesas e outro salão tem mais mesinhas. Lá dentro tem a minha cozinha,a minha cozinha é grande. Eu te falei, eramdois terço cozinha e um terço salão quando nós abrimos, porque tinha que ser rotisseria e não restaurante. O pessoal até estranha.

P/1 – E vocês tiveram que fazer modificações grandes por causa dessa mudança de rotisseria para restaurante?

R – Não, continua do mesmo jeito que foi feito no começo, não mudou nada.

P/1 – Onde é que vocês compram os produtos para o restaurante?

R – Os produtos vêm do mercado municipal e do Ceasa, e tem fornecedores de muitos anos: carne, peixe já vem direto.

P/1 – E qual a frequência dessas compras? Diariamente ou tem um dia da semana específico?

R – Tem duas vezes por semana que chega mercado, legumes três vezes por semana, e tem coisas que vai até todos os dias comprar.

P/1 – E quem vai fazer essas compras?

R – Eu, meu filho, quando é mais coisas secas, secos e molhados o meu marido vai.

P/1 – Quais são os dias e horários de funcionamento do restaurante?

R – O restaurante abre para o público ou que hora que tem trabalhado lá?

P/1 – Tanto faz, pode ser os dois.

R – O restaurante para os funcionários é das oito e 15 até às quatro e 20, e sábado tem horário das dez às quatro. Mas para público, como tem coisas para levar também, a partir das dez horas já pode entrar. E almoço começa 11 e meia até às três e meia de segunda à sábado, domingo e feriado fechado.

P/1 – Existe algum horário de maior frequência? Ou alguma época que fica mais cheio?

R – Maior frequência é sempre na hora do almoço, restaurante trabalha só no almoço. Na loja da minha mãe geralmente o dia inteiro, pega café, outro pega salgado, outro pega doce. Restaurante começa 11 e meia, meio dia, até duas e meia, três aí acaba.

P/1 – E como que é o atendimento lá no restaurante? Existem garçons?

R –Têm duas moças que atendem, garçonetes. Meu filho e meu marido agora, antigamente eu estava, hoje são eles.

P/1 – E seu marido e filho eles tem alguma outra função dentro do restaurante? Ou eles só atendem?

R – Meu filho é chefe de cozinha, ele cozinha, faz prato do dia todos os diase atende fora. E meu marido fica na parte de lá para esquentar os pratos, esquentar no micro, tem uns pratos prontos que pega e monta os pratos e esquenta no micro, faz o café, serve os doces e depois se precisar ajuda um pouco lá fora.

P/1 – E quais são as suas atribuições? O que você faz geralmente no restaurante?

R – Agora? Antigamente eu estava lá direto, hoje em dia eu ajudo nas comprase ajudo lá para elaborar os pratos judaicos. E a contabilidade ainda está nas minhas costas, espero sair um dia disso. (risos)

P/1 – E vocês também têm serviços de entrega?

R – Não, delivery ainda não tem. Meu filho quer fazer isso, mas ainda não tem, entrega não tem. Se alguém quer é por conta dele, a gente pega um taxi e manda.

P/1 – Como é que funciona o estoque? Existem alguns produtos, por ser restaurante, que tem que ter um acondicionamento especial?

R – Tem freezer, tem geladeiras, tem tudo. E tem lugar que é para seco e molhado.

P/1 – E você estava comentando dos fornecedores, que tipo de produtos esses fornecedores dão para vocês? Além do que precisa comprar no mercadão,vocês precisam que esses fornecedores tragam?

R –Têm produtos judaicos típico, que eles têm que me trazer, tipo farfalle, kosher, farinha de matzá, ázimo, uma bolacha de ázimo, não tem, tem que ser um fornecedor especial que faz, é uma fábrica especial que faz, não tem outro lugar, eu tenho que comprar deles, não tem concorrência isso aí.

P/1 – E você sabe de onde são esses produtos? Onde fica essa fábrica?

R – Sim, eu sei, antigamente era no bairro, ela se mudou há um ano, saiu e foi lá perto de Guarulhos.

P/1 – Eu gostaria que você me falasse quais são os tipos de pratos que são servidos lá no restaurante?

R – De pratos judaicos têm vários: tem entrada que se chama guefilte fish, que é um bolinho de peixe que serve com um molho raiz forte com beterraba; tem o mocotó gelado; tem hering marinado; tem sardinha

marinada; temos saladas búlgaras, que faço lá; pimentão de berinjela; tem humos com tahine, que é israelense;tem salada cole slow, que é americana, mas que eu adaptei e fica lá. E isso aí, tem azedos que a gente faz lá: pepino azedo, tomate azedo; tem patê de fígado com salada de ovo.

P/1 – E tem algum prato que você acha que sai mais? Que os clientes gostam mais?

R – Do judaico? Porque tem outros pratos também. Mas do judaico é o guefilte fish o que sai mais e patê de fígado, Hering. Agora tem pratos quentes: vareniks, cache, férfale, shpondra, língua, nomes diferentes para vocês, mas o pessoal gosta muito. Tem torta de alho poro, que é mais estilo búlgaro, e tem abrasileirada de champignon.

P/2 – Nesse início do restaurante, como é que se formou a clientela? Quem eram os clientes?

R – Os clientes eram donos de loja, gerentes de bancos, que no começo não tinha nem onde ficar, tinha quatro mesas e eles comiam em pé, na verdade, no balcão.E se formou de boca-a-boca, porque vinham e gostavam e “põe mais mesa”, “põe mais mesa”, e ficou assim, de boca-a-boca, gostando. Tem pratos búlgaros, tem pratos romenos, tem kebab, tem mititei, tem várias coisas. Hoje em dia tem massas, tem risoto, meu filho faz vários tipos de filé, prato do dia, tem peixes, vários peixesde vários modos, tem salada grega, que vai com queijo búlgaro, eu compro na Casa Búlgara.

P/1 – Então, começou como uma rotisseria e depois virou um restaurante de cozinha judaica, e como foi incorporando outras formas de servir? Outros pratos? Como é que foi?

R –Chega um tempo que só comida judaica não dá para pagar todas as despesas. E meu filho entrou para trabalhar e como ele gosta de fazer comidas contemporâneas ele começou:“vamos por massa, vamos por peixe”, ele faz salmão muito bom, faz outros peixes muito bem. O restaurante tem até site que dá para ver os pratos, e todos os dias escreve o prato do dia, e tem comentários, tudo. Tem fotos também dele fazendo os pratos lá nesse site, ele montou o site, eu não ia fazer isso nunca, eu não sei fazer, não ia fazer, os jovens hoje fazem isso.

P/1 – E o seu filho sempre trabalhou com vocês? Como é que ele começou a ajudar?

R – No começo ele começou a ajudar, depois ele foi trabalhar em outros lugares, depois voltou, ficou uns anos, depois resolveu que vai ser DJ, saiu e ficou DJ. Agora voltou de vez e falou:“eu quero ficar chefe de cozinha mesmo”, fez cursos, “eu quero ficar no restaurante”, “então, vamos porque eu quero sair mesmo, eu preciso ir lá para a loja da minha mãe ajudar”. E foi assim, já faz dois anos que estou na loja da minha mãe e ele está lá direto.

P/1 – E qual é o prato do restaurante que você mais gosta?

R – Eu pessoalmente kebab.

P/1 – Você pode falar para a gente como prepara o kebab?

R – Kebab é um bolinho de carne, tipo kafta, só que é búlgaro e é uma delícia. É kafta, só que não é árabe, kafta árabe é gostosa, mas é muito temperada, diferente o tempero e mais seca, o nosso é mais úmido. Eu gosto de comer, ela é feita na chapa, não é frita. Mas eu gosto também vareniks, eu gosto de vareniks de batata que eu faço, gosto de torta de alho poro, torta de champignon, as saladas todas eu gosto.

P/2 – A senhora chegou a fazer algum curso de culinária?

R – Eu aprendi com minha avó e minha mãe na cozinha, eu ficava o tempo todo nas cozinhas, aprendi olhando mesmo, até com a minha bisavó, eu me lembro dela muito bem, a avó da minha mãe em Israel. Tinha época que ela ajudava lá na cozinha na minha avó eu ficava com ela, aí, me dava um pedaço de massa porque eu enchia a paciênciapara montar as minha burekas, assava e depois eu comia ela. Era a maior satisfação da criança, como hoje dá pedaços de massa para criança de pizza depois assar. Eu ficava na cozinha, eu olhava, eu aprendi muito olhando eeu tenho sorte que a minha mãe até hoje está viva, se tenho alguma dúvida tenho a quem pergunta. Fora isso, a cada dia eu falo vamos fazer, ainda não, mas esse ano se Deus quiser até o final do ano eu faço: tem o caderno da minha avó, se você vai ver ele já é todo marrom, todo com manchas, mas lá tem receitas que não tem maise é escrito em búlgaro. Eu sei ler búlgaro, só que só sei letra de forma e não consigo decifrar o caderno da minha avó, quem vai decifrar para mim vai ser a minha mãe e eu vou publicá-lo um dia. Por exemplo, eu tenho lá no restaurante o pudim de caramelo, que se chama cream caramelo, o pessoal chama de pudim. Foi eleito pelo Estado pelo Paladar melhor... ganhei do DOMe ganhei do Erick Joacquin, eles ficaram em segundo e terceiro lugar e eu fiquei em primeiro com o meu pudim. E é receita da minha avó e eu não dou essa receita, é igual a minha mãe, a gente não dá receitas, o pessoal vem:“eu moro em outro país, o que é que vai?”, “Vai leite, ovos e açúcar, pronto”. Hoje, veio uma cliente, que era rosh hashaná, engraçado ela encomendou e falou: “eu tentei fazer varenik, mas igual ao seu não tem” e veio comprare falou: “você pode cobrar o preço que você quiser que eu pago, o trabalho que me deu e o que saiu no final não chega nem na metade”.(risos). Dona Alegrete, é verdade, hoje ela veio me falar isso, engraçado.

P/1 – E como é que o restaurante atrai os clientes? Vocês fazem promoções? Ou existe algum brinde ou alguma coisa?

R – Boca-a-boca. E sai sempre, ontem vieram do Estado, tanto fazer na loja da minha mãe como no restaurante, reportagem. Não sei quando vai sair, amanhã ou depois, a gente vai ver. Sempre vem, alguma festa, feriado judaico eles vêm. Fizeram sobre pudim alguma coisa, eles vêm, fazem sobre salgados, eles vão na loja da minha mãe. É assim, é mais boca-a-boca.

P/2 – Tem algum ingrediente típico da culinária que a senhora não encontra no Brasil? Se tiver algum que a senhora não encontra, a senhora faz adaptações de receitas?

R – Hoje em dia tem muita importação do mundo inteiro, e o que falta aqui chega de Israel. Eu compro mais caro, mas tem.

P/2 – A senhora chegou a ter que fazer adaptação de alguma receita?

R –Sim, muitas. A farinha e o açúcar não são o mesmo que lá, tudo tem que ser adaptado: a água, tudo é diferente, se adapta a tudo. A base é a mesma coisa, a quantidade é que muda. Não muda a receita, o gosto não muda, o gosto fica sempre igual.

P/2 – Como que é o contato com Israel para importar esses ingredientes? Quem é que faz?

R – Tem uma firma aqui que importa tudo de lá, tudo você acha nas mercearias, chega tudo. Agora o que a gente trás de lá, às vezes, são alguns temperos. Meu marido voltou agora com temperos para o meu filho que não tem aqui.

P/1 – E você acha que a clientela hoje mudou bastante desde o tempo que você abriu a loja?

R – Sim, quando eu abri tinha bastante judeu. Hoje, um terço é judeu e o resto é brasileiro e coreano. Eles gostam.

P/1 – Você comentou dos coreanos, o que você acha que mais mudou no bairro Bom Retiro desde que você chegou ali?

R –Desde que eu cheguei, 87, as lojas que eles levantaram e eles estão reformando, tem duas ruas Aimorés e Professor Lombroso, que é como Quinta Avenida em Nova Iorque, muito bonito, lojas lindas, qualquer loja que eles pegam jogam tudo abaixo e fazem reforma. E fazem modas,saiu em Paris agora daqui a uma semana está aqui na vitrine. Eles levantaram muito o bairro. Infelizmente, aumentaram também os preços dos apartamentos, aluguel. Saiu uma reportagem essa semana: Bom Retiro foi o bairro que mais aumentou os preços dos imóveis, 69%, saiu no jornal da tarde. Isso porque nós estamos sentindo na pele com os aluguéis da loja, que cada ano, entende? Renova contrato e eles pedem, não sei até quando vamos aguentar eu e minha mãe, verdade isso. Está difícil, cada vez estamos pagamos preços absurdos que não tem nada a ver com a realidade.

P/1 – Você estava falando do prêmio que você ganhou por causa do restaurante, que falam que é pudim?

R – Não é prêmio que eu ganhei, saiu no jornal do Paladar, que foi eleito mais cremoso e mais gostoso.

P/1 – E como você se sentiu quando ficou sabendo?

R –Ótimo, eu nem sabia, eles vieram,pegaram de vários lugares para experimentar e depois de dois dias saiu no jornal, aí, que eu vi. Eu tenho o jornal até hoje.

P/1 – E você acha que é possível dividir o tipo de cliente pelo tipo de prato que pede? Ou seja, os coreanos gostam mais de comer determinada coisa?

R – Têm uns coreanos que gostam de vir comer peixe, mas têm outros que comem tudo até comida judaica, até guefilte fish. Tem coreano que vai direto ao guefilte fish, come varenik, come férfale, gostam. Mas os judeus que vem se apegam mais com as comidas judaicas. E os outros não, os outros misturam. Eles, por exemplo, podem pegar um peixe da cozinha com varenik, que é judaico,faz um prato e pronto, e mistura.

P/1 – E fala um pouco para a gente de onde que surgiu o nome do restaurante?

R – A gente não sabia que nome dar (risos). Verdade! Como vamos chamar? Não tinha nome, aí, tinha uma filha de uma amiga da minha mãe, que ajudou a montar o restaurante e eu falei: “o que eu vou fazer? Eu vou fazer como é rotisseria, como loja de Deli, nos Estados Unidos é normal, vou fazer Delishop”, mas ela falou: “mas delishop?Põe o seu nome!”, “Shoshana? Vou chamar Shoshi Delishop”. E ficou assim e pronto, e é difícil porque às vezes me ligamse eu quero comprar peixe ou se eu vendo sushi, pensam que é japonês o nome. Mas virou Shoshi Delishop. Agora como eu estou deixando a loja para meu filho eu falei: “até pode ficar só Delishop”. Agora nossos cartões estão saindo só como Delishop, para aprender que tem continuação.

P/1 – E você estava falando das dificuldades, dos preços que tem aumentado dos imóveis no bairro, vocês tem planos de sair ali do bairro?

R – Não, eu não tenho planos nenhum de sair, eu renovei o contrato agora, dois meses. Mas o problema vai ser até quando vai poder pagar esses aluguéis, que os donos não querem vender, a gente queria na época comprar, mas ninguém quis vender.

P/1 – Você se lembra de todos esses anos no restaurante de alguma história engraçada, de algum cliente?

R –Sempre têm, todos os dias têm histórias engraçadas.

P/1 –Alguma coisa que tenha marcado?

R –Marcado? Deixa eu tentar lembrar alguma coisa que marcou mesmo... agora no momento você me pegou, mas que tem coisas engraçadas lá tem, por causa dos nomes, por causa das comidas... eu não estou conseguindo lembrar agora, mas que tem, tem.

P/1 – Acontece também dos clientes se tornarem amigos?

R – Sim, porque nós temos clientes que são amigos e quando tem alguma festa eles convidam para bar-mitzvá, para casamento. E a gente tem que ir, se mostrar e voltar, tanto eu como minha mãe. Vem, convidam, trazem convite, fazem questão da gente ir. É engraçado.

P/2 – Seu filho está assumindo o restaurante e introdução da comida contemporânea, que mudança pode estar levando para o restaurante?

R – Muita mudança porque entrou pratos contemporâneos, que não tinham antigamente:de peixes, de carne, de frango, de massas, risotos, tudo. E dá para fazer lá misturado e ele faz bem feito.

P/2 – O que é que a gente pode dizer que é cozinha contemporânea?

R – Cozinha contemporânea é prato do mundo inteiro:é file mignon com molho madeira; salmão com salada no meio; salmão cru, tipo sashimi, com salada no meio; um risoto com frango com gergelim. Tem várias coisas, vários pratos assim.

P/2 – A senhora tem medo que com essa mudança se perca a clientela que está habituada a comer a comida judaica?

R – Não, eles misturam, não tenho medo, não. Não tenho medo porque tem a venda.

P/1 – A senhora estava falando da questão de ter que treinar os funcionários, que eles aprenderam a fazer os pratos, existe algum tipo de treinamento para o funcionário?

R – Não, eu mostro mesmo como se faz, aprendendo, experimentando e fazendo, colocando a mão na massa mesmo, igual a minha mãe, ainda hoje coloca a mão na massa, 84 anos.

P/1 – E quais são os cuidados com relação ao atendimento ao cliente, vocês tentam treinar o funcionário?

R – Sim, sempre sorrindo, sempre o cliente tem razão.Meu filho atende muito bem os clientes, meu marido tenta, mas ele fica mais do outro lado do balcão, e as funcionárias atendem bem, atendem sempre sorrindo. Se tem alguma reclamação sobre algum prato, não é que não gostou, veio mal passado ou não é o que ele queria, a gente troca com o maior prazer e não cobra, tanto aqui como na Casa Búlgara. Bureka,está muito torrada ou alguma coisa pensou? A gente troca.Você quer o quê, que outra? A gente dá. Vai como perda, não tem problema isso. Ocliente tem que sair satisfeito para voltar e ele volta.

P/1 – E você disse dos funcionários que não tinham conhecimento, eles precisam com o tempo adquirir um conhecimento sobre a comida típica?

R – Sim, eles comem vanerik, guefilte fish, férfale, aprenderam, patê de fígado, shpondra, que é uma costela refogada, mas estilo judaico, bem gostoso, eles gostam.

P/1 – E quais são as formas de pagamento do restaurante hoje?

R – Hoje em dia cheque, dinheiro e cartão de débito.

P/1 – E o que é mais frequente?

R – Eu antigamente trabalhava só com cheque e dinheiro. Meu filho quis modernizar, introduziu dezembro do ano passado o cartão de débito, então, hoje eu posso falar que é meio a meio.

TROCA DE FITA

P/1 –Eu gostaria de saber se no restaurante existiu em alguma época ou se existe ainda aquela coisa do cliente anotar? Pedir para pagar no final do mês o cliente que já é de muito tempo?

R – Às vezes tem alguém que esquece cartão e isso a gente marca lá ele vem depois e paga. No restaurante ainda tem, de vez em quando ainda tem alguém.

P/1 – Eu gostaria que você falasse o que mais mudou no seu trabalho, nas suas atividades no restaurante desde que começou a trabalhar com isso.

R – No começo eu trabalhava tanto lá fora como dentro na cozinha. Depois que eu treinei o pessoal na cozinha eu fiquei mais lá atendendo os clientes.Hoje em dia tem o meu filho que entrou, tem comanda. Na minha época não tinha isso, eu ia de mesa e mesa e: “o que é que você comeu?” e fazia a conta em hebraico. Até hoje eles vem e perguntam “quando você vai fazer _____?” (risos) Hoje em dia ainda não entrou computador, mas vai entrar também daqui a pouco. Hoje tudo vai se modernizando.

P/1 – Fala um pouquinho da sua relação com seus funcionários, como é que é?

R – Boa, muito boa. Eu tenho funcionário de muitos anos, graças a Deus, como minha mãe falou a gente respeita eles e eles respeitam a gente, a gente tenta agradar o máximo que pode, a gente sabe que eles vêm para trabalhar e não para brincar, e às vezes sofrem também para vir trabalhar. Infelizmente, a condução aqui, a locomoção aqui é péssima, eles vêm de lugares que é péssimo mesmo, então, a gente tolera atrasos. Não é como firma, eu tenho funcionários que tem que chegar nove e meia na loja da minha mãe e chega dez, dez e 15, a gente fecha o olho e deixa porque sabe que não é por culpa dele. Agora em outras firmas três atrasos carta, eles não querem saber. A gente tolera.Alguém quer sair mais cedo do que precisa, ou manhã ou “eu preciso desse sábado que tenho coisas para resolver” não é todo mês, mas de vez em quando, “está bom, vai!” “tem um casamento”, “vai”. Nós não temos esse problema de morreu tia, morreu todos, se você não ajuda, ele vai mentir em alguma coisa, a gente é honesto com eles e eles são honestos com a gente, assim que tem que ser.

P/2 – E a passagem do restaurante para o seu filho, a coisa foi lenta foi aos poucos?

R – Aos poucos, cada vez mais entrando e hoje ele está lá, agora ele vai ter que assumir também a contabilidade e tudo Eu ainda estou ajudando lá nisso, mas daqui a pouco vai passar para ele também.

P/2 – Chegou a ter alguma discordância?

R – Sim, sempre, trabalhar em família sempre tem briga porque eles pensam diferentese eu penso diferente, eu vejo umas coisas que estão erradas e ele fala:“deixa”.

P/2 – A discordância maior foi no cardápio? Na administração?

R – Na administração, eu nunca me meti no cardápio.

P/1 – Você estava falando que seu filho foi DJ uma época, como é que veio essa vontade de virar chefe? Ele fez algum curso?

R – Ele sempre gostou de ficar na cozinha, ele também ficou olhando comigo no que eu estava fazendo. Ele começou com chefe, na verdade, queimando a minha cozinha lá em Israel, fazendo batata frita para ele e para o irmão. Mas ele sempre gostava de cozinhar, de inventar prato isso sempre. Só que achava que não estava ganhando bastante, falam que chefe é um pouco artesão, ele pensou que gosta de música, queria ser DJ, ficou DJ uns dois ou três anos e agora voltou, graças a Deus.

P/1 – E como foi para você? Como é que você se sentiu quando ele falou que ia voltar a trabalhar?

R – Muito bom!

P/1 – Eu queria que você falasse para a gente como você acha que a sociedade vê o comerciante hoje?

R –Vou te falar, tens uns que apreciam muito o nosso serviço, sabem que esse serviço de restaurante é difícil, qualquer mesmo na loja da minha, porque tem que ser sempre impecável, você não pode falhar, falhou ele não volta mais o cliente. Então, a maioria aceita e respeita.E tem uns outros que acham que é caro, mas ele não vê o ingrediente que vai, ele não vê a matéria-prima que vai, ele não vê o trabalho que vai, e pensa que a gente está ganhando em cima, ao contrário de outros que entram e falam:“aqui é mais barato que outro lugar”. Então, é assim, tem que conviver com isso, tem que escutar, sorrir e falar:“está bom, é o preço e ponto”. Já me aconteceu uma vez para festa alguém que era vamos supor 200 reais a conta falou: “150 chega para você”. Como chega? Você pegou mercadoria, é o valor e isso tem pagar. Desde lá não volta mais, pagou o que pagou mas a próxima encomenda que pediu não foi feita mais, não aceita. Você trabalha duro, você tem o preço, está marcado o preço, você não pode ir na loja de sapatos e está marcado 90 reais e pedir para pagar 50 no mesmo sapato, só se está em promoção.

P/1 –Fala para a gente como é o seu dia-a-dia? Você acorda e vai para o restaurante? Como é que é?

R – Eu só passo lá no restaurante para ver e eu vou para Casa Búlgara. De tarde só eu deixo terminar o almoço, tipo três e 15, três e meia eu vou lá para comer alguma coisa, aí, já fecho o caixa e vou embora.

P/1 – E o que é que você gosta de fazer quando não está trabalhando?

R – Viajar. (risos)

P/2 – Para onde?

R – Para qualquer lugar, tanto aqui no Brasil quanto para a fora.

P/2 – Israel também?

R – Também, voltei agora de lá.

P/1 – E você gosta de fazer compras?

R – Sim.

P/1 – O que é que você gosta de comprar?

R – Compras de shopping? Eu não gosto muito. Lugar fechado eu não gosto, mas compra, se precisar alguma coisa para comprar eu vou, eu gosto mais de passear na feira, passear em mercados, mercado municipal essas coisas eu gosto. Agora entrar no shopping e ver vitrines uma vez por seis meses está bom.Eu gosto mais, se eu posso passear nas lojas do bairro, que tem mais que ver nas vitrines do que lugar fechado.

P/2 – E de cozinha brasileira,a senhora gosta?

R – Cozinha brasileira? Gosto de pastel, não sei se é brasileiro, gosto de pastel, coxinha. Eu não sou de arroz com feijão como meus irmãos, mas feijoada se eu como uma vez por ano, mas sem aquelas orelhas, essa coisas não, porque nós temos a feijoada judaica nossa, que é diferente, aí, aquela eu gosto. Prato brasileiro que mais gosto são essas coisas: pastel, coxinha, isso eu gosto muito.

P/2 – E outros tipos de cozinha? Italiana, japonesa?

R – Japonesa, eu não gosto de nada cru, árabe eu gosto, coalhada seca eu gosto, esfiha eu gosto, comida italiana eu gosto de massas, saladas com torradas. O que eu mais gosto de comer na verdade... se eu saio para comer frango assado no Sujinho, como a minha mãe fala, que eles fazem muito perfeito para a gente, e no Ráscal, que eles têm salada que são parecidas com a israelense, sempre temperadas, e lá tem de tudo que você quer: massa, carne, pizza, salada. E eles já estão ganhando todo o ano o prêmio também. Eu gosto muito deles, mas vou também para outros lugares. Mas eu também não sou muito de sair de noite, especialmente agora nos últimos tempos, sair de noite já é perigo, infelizmente.

P/1 – Você falou que a primeira vez que você veio para o Brasil você não se adaptou, como é que foi se dando essa adaptação? Que foi que fez que você passasse a gostar um pouco mais daqui?

R – Primeiro,os meus pais estão aqui e meus irmãos. E mudou muito o Brasil, eu cheguei no Brasil com o Plano Cruzado, não era muito bom, mas já era melhor que era. E quando eu cheguei já não tinha essa ditadura, não tinha mais.

P/1 – E você comentou da mudança agora.

R – Meu filho andava sozinho para a escola. Em Israel é comum criança ir à escola sozinha, aqui não,a empregada levava, a mãe levava, não pode. Hoje em dia voltou por causa da violência, os pais levam. Eu acho isso errado. Em Israel criança vai sozinha para a escola e volta sozinha. Eu sempre trabalhei em Israel, meus filhos iam para a escola, voltavam com a chave, abriam a casa, entravam. Aqui é diferente um pouco, mas a gente se adapta, fazer o quê?

P/1 – Você comentou agora do Plano Cruzado, o impacto foi forte com a mudança de moeda? Como é era para o restaurante a mudança de moeda? A inflação e tudo mais?

R – Era ruim, eu me lembro que chegamos em 87 e até o Plano Real mudaram quatro moedas:cruzado, cruzado novo, cruzeiro, cruzeiro novo e real. Foi difícil, inflação é ruim para todos, inflação não é boa. E Plano Collor que matou todo mundo, infelizmente, se perdeu muito dinheiro, e eu tenho clientes que não se ergueram até hoje disso.

P/2 – Se você tivesse ficado em Israel teria se tornado dona de restaurante?

R – Não, eu continuava trabalhando no banco, eu cozinhava em casa, mas não ia ter restaurante lá porque eu trabalhava em banco. Eu estava bem lá, não tinha nada a ver com comida para abrir restaurante, aqui era necessidade para trabalhar em alguma coisa, porque no banco eu não tinha língua para entrar, precisa saber bem o português para entrar num concurso. Posso falar português, até o meu filho fala que eu falo errado muitas coisas, mas escrever e ler eu sei, mas não como alguém que estudou aqui. Eu tenho um filho que é médico, ele fala que eu falo muita coisa errada, eles riem tanto de mim quando da minha mãe (risos) porque eu falo “non”, que não falo “não”, que não falo “pão”, não falo direito. Eu engulo umas palavras.

P/1 – E para você que trabalhou num banco e depois passou para uma atividade comercial, qual você acha que é a maior vantagem de se trabalhar num restaurante? Numa área comercial?

R – Tem vantagens e tem desvantagens.

P/1 – Fala para a gente.

R – Vantagens:você é dono de si, ninguém te dar ordens, essa é a minha vantagem para mim. As desvantagens: não tem férias, tem que fechar para sair para as férias, funcionário pega férias. Agora salário: quando você é funcionário você sabe que entra todo o mês, quando você é comerciante um mês tem, outro mês não tem, às vezes, tem que tirar dinheiro do bolso para cobrir o mês, outro mês entra mais e cobre. É assim:um mês tem alguma despesa mais alta, então, a gente se adapta.

P/1 – Agora voltando para o bairro do Bom Retiro, tem algum tipo de comércio que você pode dizer que existia antes e hoje não tem mais? Ou alguma coisa que antes não tinha e surgiu agora?

R – Antes não tinha e surgiu agora? Todo esse negócio de computação, de celulares não tinha antigamente e entrou até aqui no bairro. Na verdade, o bairro do Bom Retiro tem tudo, por isso eu não posso falar que não tem alguma coisa. Eu não consigo lembrar alguma coisa que não tem mais no bairro... até mercearia está aí, posto de gasolina está aí, fechou o posto em frente a minha mãe, infelizmente, que era ponto de referência, um posto fechou. Mas assim, tem tudo no bairro, no bairro não falta nada, até metrô tem no bairro Bom Retiro, Tiradentes.

P/2 – O Bom Retiro sempre foi um bairro muito marcado pela presença da colônia judaica, igualmente em Higienópolis, mas a senhora comentou que não trocaria o Bom Retiro por Higienópolis, por quê?

R – Porque tem tudo no bairro. Primeira coisa, eu trabalho no bairro, pegar carro todos os dias para vir trabalhar não é grande vantagem, apesar que não tenho garagem para o meu carro de baixo de casa. Os apartamentos eu acho que são bons, a vizinhança é boa, você sai na rua encontra um, encontra outro, e tem tudo: saída para todas as estradas fácil, tem metrô, tem ônibus para qualquer lugar, eu gosto do bairro.

P/1 – Eu gostaria que a senhora falasse para gente quais foram as liçõesque você tirou do comércio ao longo da carreira, ao longo de todo esse tempo no restaurante?

R –As lições? Que tem que atender bem sempre, sempre com sorriso. Tem sempre que ter mercadoria fresca, matéria-prima de primeira, não pode comprar qualquer coisa, qualquer peixe, qualquer carne, mudar de fornecedor porque você sabe que não vai ser a mesma qualidade. E ser honesto, honestidade no comércio eu acho que é fundamental.

P/1 – E você disse que pretende e já até passando o restaurante para o seu filho, como é que você acha que vai ser o restaurante com ele? Você acha que vai mudar muita coisa?

R – Está mudando já e espero que vai ser para o bem, tem muita coisa que está mudando para o bem já que eu te falei: ele introduziu outros pratos, tem outra clientela. E ele atende bem os clientes também, ele sabe atender bem e eu espero que os funcionários fiquem juntos com ele como ficaram comigo para ir para a frente.

P/2 – A senhora vê novas filiais Delishop pela cidade? Tem planos para isso?

R – Por enquanto não vejo porque eu não posso mais fazer isso, eu não posso mais entrar. O pessoal quer, tem muitos que falam “não tem no nosso bairro, não tem em outro bairro”, eles falam que é comida de primeira, mas para fazer isso tem que ter esquema, eu posso dar conselhos, mas trabalhar mesmo difícil. Hoje, eu estou mais na Casa Búlgara e vai ficar lá para mim, então, tem que entrar lá de alma e corpo, aprender tudo.

P/1 – E seu outro filho também ajuda no restaurante?

R – Não, o outro meu filho só vem comer de vez em quando. Ele é médico, nada nesse ramo.

P/1 – Qual o seu maior sonho hoje?

R – Maior sonho? Primeira coisa, a minha mãe ter saúde e nós todos ficarmos com saúde, meu marido e meus filhos. Não acontecer nada com ninguém, que meu filho já foi sequestrado com o carro dele, já andaram com ele, ele está com trauma até hoje, quando ele estava estudando para médico. Como minha mãe fala também paz em Israel, coisa que a gente dificilmente vai ver,

espero que meus filhos vão ver isso. Paz aqui, menos violência e poder continuar trabalhando, passear, viajar e ficar de bem com a vida. Esse é o meu maior sonho: ficar de bem com a vida.

P/1 – E tem algum que você acha que a gente não perguntou que você gostaria de falar, compartilhar com a gente?

R – Não, vocês perguntaram tudo, eu acho que falei tudo já. (risos)

P/1 – E se você pudesse mudar alguma coisa no comércio o que seria?

R –Mudar no comércio? Pagar menos aluguel, porque se estava menos aluguel podia ser quem sabe abrir mais lojas, mas não dá. Abrir mais filiais da Casa Búlgara, isso tem potencial, mas com os preços que estão pedindo da gente está difícil. Em todos os bairros, não é só aqui, aluguel em todo lugar está disparando, preços dos imóveis estão disparando, eu acho que isso é no mundo inteiro, não sei, apesar de que nos Estados Unidos agora teve quebra aí, não é assim. Mas aqui está tudo disparando, mas acho que vai chegar num patamar que vai parar um pouco, e aí, quem sabe vamos para frente. Porque não tem bureka no Jardim? Porque não tem bureka aqui na Vila Madalena? O pessoal vem de todos os lados para comprar, todos os lados para comprar guefilt fish. Nas festas também tem encomendas, o pessoal já está acostumado fazer esses pedidos. Meu filho introduziu o varenik de carne, que não tinha e é muito bom, está saindo bem.

P/1 – Fala para a gente um pouquinho, você comentou agora, como é que funciona o sistema de encomendas?

R – Tem gente que às vezes faz jantares em casa ou almoços, eles ligam e meu filho faz. A gente não tem serviço de entrega, eu já falei, eles vêm pegar ou pedem para mandar de taxi. E para festas judaicas têm pedidos de pratos judaicos para sair.

P/2 – Quem costuma fazer esses pedidos para festas judaicas? É uma instituição ou um grupo de pessoas?

R – Não, clientes de 20 anos e eu não pego novos. Eu tenho uns clientes de 20 anos e já chega, não tem condições de fazer tanto porque eu não sou buffet, buffet é uma coisa restaurante é outra coisa. Como a gente faz tudo fresco, não congelado, tem lugares que fazem congelados e no dia descongela e vende, a gente faz tudo fresco, então, de um dia para outro não tem condições de congelar. Não tenho nem como condicionar nem onde fazer tudo isso, que nós fazemos também doces e salgados, bolos.

P/2 – E a questão da comida kosher? O Delishop tem alguma preocupação nesse sentido ou pensa em incluir no cardápio?

R – Não, nós somos judeus, mas laicos. Kosher tem que ser supervisionado por rabino, não pode misturar leite com carne, tem que ser carne especial comprada nos açougues especiais. Agora, eu sou um restaurante judaico laico, não entra porco, não entra frutos do mar. Respeito os judeus, eles comem. Tem uns clientes que são kosher que eu chamo eles também de kosher que tem mente aberta, eles comem o quê? Eles não comem nada de carne e frango, peixes, saladas e massas, pronto.

P/2 – A senhora poderia fazer um resumo quais são as principais restrições da comida kosher?

R – Não pode comer porco e vários outros tipos de carne, abatimento de carne diferente tem que ser, como chama? Por exemplo, vaca que ela rumina e tem os pés abertos, não sei como fala em português, aberto no meio. Peixes têm que ter escama todos, então, por exemplo, frutos do mar e peixe sem escama é proibido, e não pode misturar leite com carne, quer dizer, você não pode comer cheeseburguer, não pode comer lasanha, entendeu? Esse é o básico e fora isso tem que ser supervisionado por rabino ou alguém que chamamos de supervisor que olha tudo para ficar kosher, que você não sai das regras, como está escrito na bíblia. Mas eu não souassim, eu não sou kosher.Acho que tem dois buffet kosher aqui em São Paulo só, não tem muito. E tem açougue kosher que vende kosher, carne kosher, tem queijos kosher. E eu estou te falando como tem importação agora de Israel vem muitos produtos kosher para cá, de secos, conservas vem de lá, para colônia que é mais religiosa. Mas eu não sou religiosa, só a tradição eu mantenho.

P/1 – Para terminar eu gostaria que você falasse para a gente o que você achou de dar esse depoimento? De ter participado do projeto?

R – Muito bom. Eu espero que saia em algum lugar, a gente se vê depois, que capta as coisas mais importantes que a gente falou. E que vocês vão para a frente e a gente também.

P/1 – Então, muito obrigado. Em nome do Museu da Pessoa eu agradeço a sua participação.

R – Obrigada.