Projeto Mulheres Empreendedoras Chevron
Entrevistada por Stela Tredice
Depoimento de Maria Lúcia dos Santos Almeida
Duque de Caxias, 27 de abril de 2012
Realização Museu da Pessoa
Código MEC_HV005
Transcrito por Ana Paula Corazza Kovacevich
Revisado por Letícia Maiumi MendonçaP/1 – Então...Continuar leitura
Projeto Mulheres Empreendedoras Chevron
Entrevistada por Stela Tredice
Depoimento de Maria Lúcia dos Santos Almeida
Duque de Caxias, 27 de abril de 2012
Realização Museu da Pessoa
Código MEC_HV005
Transcrito por Ana Paula Corazza Kovacevich
Revisado por Letícia Maiumi Mendonça
P/1 – Então, eu queria que você começasse falando seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – Meu nome completo é Maria Lúcia dos Santos Almeida, Jardim Primavera. E a data do meu nascimento é 30 de outubro de 1949.
P/1 – Jardim Primavera que fica onde?
R – No estado do Rio de Janeiro. Fica no município de Duque de Caxias.
P/1 – Ok, então você é daqui mesmo?
R – Sou daqui mesmo.
P/1 – E você nasceu aqui? Seus pais também nasceram aqui?
R – Eu nasci na cidade do Rio de Janeiro. Meus pais eram de um município do Rio, que é Cantagalo e Rio Bonito.
P/1 – E aí eles vieram morar aqui em Duque de Caxias?
R –É. Eles vieram morar no Rio, vieram pequenos, vieram trabalhar no Rio, porque somos de família pobre, meus pais também eram de família pobre. E eles saíram para ganhar a vida, para começar a trabalhar. Meu pai era de Cantagalo, minha mãe que é de Rio Bonito. Saiu de lá jovem para servir o exército. Aí começou a vidinha dele quando conheceu minha mãe, casaram, tiveram seis filhos. Eu tenho cinco irmãos. Eram duas mulheres e quatro homens. Agora nós somos quatro, tenho dois falecidos. Depois me casei… A gente se casava. Depois eu também cresci. Trabalhei, trabalhei muito. Meu primeiro emprego eu lembro que foi como empregada doméstica, eu fui trabalhar em uma casa aos 15 anos de idade. Lá era uma família boa, uma patroa boa que me ajudava a continuar meus estudos. Meus pais na época só podiam me dar o básico. Só estudei da primeira até a quarta série e com eles lá eu consegui estudar mais um pouquinho. Depois fui trabalhar num
supermercado, aí saí de lá incentivada pela minha patroa mesmo. Aí fui trabalhar num supermercado, onde trabalhei durante sete anos. Depois de lá, aí eu me casei, saí de lá para casar. Saí do mercado para casar. Lá no mercado também, graças a Deus, eu tive um bom incentivo de estudar. Tanto no mercado um freguês muito amigo que me incentivou: “Por que você não continua estudando? Você é tão nova, vai viver sua vida toda dentro de um mercado?” Aí ele: “Faz uns cursinhos.” Daí eu comecei a fazer uns cursos e ele era muito amigo de um diretor do IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística]. Aí ele falou assim: “Faz um curso que eu vou te colocar dentro do IBGE. Eu tenho um amigo lá que ele é um dos diretores.” E ele conseguiu. Trabalhei no IBGE, no censo. Na época durante dois anos. Também quando eu saí de lá é porque estava grávida. Quer dizer…
P/1 – … Então, vamos só um pouquinho mais devagar. Vem só voltando ainda lá pra trás, ainda. A gente ainda vai voltar em tudo isso. Mas antes de chegar aí eu queria saber pouquinho mais da sua infância. Você falou que você nasceu aqui. O que os seus pais faziam?
R – Minha mãe sempre trabalhou como empregada doméstica. E meu pai trabalhava na… Deixa eu ver se eu lembro… Em uma empresa que na época… General Electrical. Meu pai trabalhou um bom tempo nessa empresa.
P/1 – O que é que ele fazia?
R – Ele não tinha também estudo. Então, acho que ele devia ser de um cargo assim, bem, bem inferior. Por ele não ter estudo. Mas mesmo assim ele trabalhou lá por muitos anos.
P/1 – E você, o que você lembra dos seus pais? Eles são vivos?
R – Não, não, já faleceram. Meus pais eram maravilhosos. Meu pai então, meu pai era assim, era uma pessoa muito amiga, muito carinhoso, entendeu? Com os filhos. Criou os seis filhos com muita dificuldade. Como eu falei, minha mãe trabalhando para poder ajudar. Mas era assim, era muito carinhoso. Ele tinha muita atenção com os filhos. Meu pai bebia. Era uma pessoa que bebia. Mas mesmo na época em que ele bebia e tudo, chegava em casa, às vezes, um pouco alterado, mas ele nunca deixava aquele carinho, aquele amor com os filhos. Que às vezes até perturbava um pouco a minha mãe porque ele bebia, mas ele era muito religioso, entendeu? Então ele não admitia que os filhos dormissem sem rezar. E quando ele bebia era aí que… Acordava todo mundo. Todo mundo estava deitadinho, acordava todo mundo, fazia todo mundo rezar e a mãe falava: “Deixa as crianças.” Ele: “Não.” Aí tinha que todo mundo sentar em volta de uma mesa com ele e rezava várias vezes o Pai Nosso e o Pai Nosso para ele não estava certo e ele fazia…Olha, aquilo ali, às vezes, tá… A gente ficava meio chateado. Quando escutava a voz dele no portão e já, ele gritava lá do portão, já sabia que ele não estava bem. Corria todo mundo para cama, ficávamos quietinhos. Minha mãe: “Vai, vai, vai deitar, que seu pai hoje não tá bem.” Aí mas mesmo assim ele chegava, chamava a minha mãe e a gente ia. Aí: “E as crianças?” “Ah, já estão dormindo.” “Jantaram?” “Jantaram.” “Não, vou chamar.” Aí ele só chamava todos pelos dois nomes. Ele não chamava por um nome só. O meu irmão mais velho era o Carlos Alberto, eu a Maria Lúcia, o Jorge Luís e a Vera Lúcia. Quando ele chegava, ele ia lá olhava todo mundo. Aí chamava “Carlos Alberto.” Minha mãe chamava. Me chamava, aí chamava o meu irmão. Meus dois irmãos mais novos nasceram bem depois. Assim, a diferença da Vera Lúcia para o Cláudio Murilo, foi assim, uma diferença de quase cinco anos. Aí depois vieram os dois mais novos em seguida. O Cláudio nasceu, aí o Clóvis nasceu logo após com uma diferença de um ano… Foi nesse período que já estavam, assim, maiorzinhos, crescidinhos, porque eu fui uma das primeiras. Meu irmão Carlos Alberto era o mais velho é o segundo. Então, nós estávamos bem crescidinhos, porque quando o Cláudio Murilo, um dos mais novos, nasceu eu já estava com 8, 9 anos. Mas ele tinha que botar todo mundo para fazer as orações. Brincava muito… Gostava muito, meu pai brincava muito.
Minha mãe era assim coitada. Eu, agora, na época não entendia e ficava até um pouquinho revoltada pelas atitudes dela. Mas agora, depois de adulta, depois da minha vida, eu sei que ela foi uma heroína. Ter seis filhos, tendo que sair… E eu com 8, 9 anos tomava conta da casa, com duas crianças pequenas. Ela tendo que ir trabalhar. Tinha dia que ela saía e falava assim pra mim: “Filha, não tem nada. Minha filha, hoje não tem nada, tá? Dá um jeitinho aí com seus irmãos. Logo mais quando a mamãe chegar, mamãe traz as coisas.” Aí o que tinha eu ajeitava lá com eles, os dois menorzinhos eu procuravam alimentar melhor. Os maiores cada um dava o seu jeitinho. Graças a Deus, no quintal tinha muita fruta. É o quintal em que eu moro até hoje. Então, meu pai plantava muito, nesta época ele já estava desempregado. Então, ele tinha que estar plantando… E ali goiabeira, cana e vamos passar o dia assim, até a mamãe chegar. Aí quando ela chegava, aí ela sempre trazia… O que ela fazia? Lá no serviço, ela não comia. Tudo que a patroa dava ela juntava tudo, aí: “Mas porque não come?” “Não, não, não estou com vontade.” Ela juntava tudinho, desde o café da manhã até o lanche da tarde. Ela juntava tudinho, arrumava e chegava em casa… E até que a patroa dela, que foi a dona Luíza, Deus que a tenha também, foi uma pessoa maravilhosa, descobriu isso dela: “Sabe, não precisa fazer isso.” Aí minha mãe contava para ela. E ela no dia que ela ia ela já separava: “É para as crianças, leva para as crianças. Mas não fica sem comer, não pode ficar sem comer.” Aí ela: “Mas eu não consigo comer sabendo que meus filhos, que eu não deixei nada em casa pra eles.” Quer dizer, no nosso lado, a comida, como eu falei, tinha as frutas, mas ela… Sabe, o arrozinho, o feijão, o leite, o pãozinho, que aquilo ali… Mas muitas vezes passou por isso. Meu pai bebia. Então na época ele bebia… Tirava pra beber. E ela correta… As coisas, com os trocadinhos, tudo… Fazia. E ele bebia a bebidinha dele.
Mas fora disso, graças a Deus. Assim, uma das coisas que eu fui muito feliz e gosto de falar, com toda essa dificuldade todo mundo estudou. Minha mãe conseguiu da maneira que ela pôde. Meus pais. Ele também conseguiu dar o estudo para cada filho, né. Eu tenho um irmão que chegou, um dos mais novos, os mais novos tiveram mais chance do que os mais velhos. Um se formou em Administração de Empresas, o outro se formou… Até hoje ele trabalha como corretor de imóveis. Meu irmão mais velho trabalhou muito tempo, morreu nesse serviço, como segurança de um Banco do Brasil lá em Itaboraí. Ele trabalhava em Itaboraí e morava em Itaboraí… Então, eu sei que, graças a Deus ninguém se desviou. Porque hoje em dia é o que acontece. Às vezes porque não teve isso os pais… Mas, graças a Deus, não. Minha irmã costureira formada. Então, todos tiveram uma formaçãozinha na forma que eles puderam dar. E depois crescemos e cada um foi se ajeitando.
P/1 – Quer dizer, então na sua infância você cuidava lá dos seus irmãos…
R – … É, cuidava dos meus irmãos.
P/1 – Mas você arrumava algum tempinho para brincar? Você brincava?
R – Ah, arrumava. A gente brincava, brincava muito. Fazíamos tanta arte. Tanta bagunça.
Nós brincávamos, tinha… Esses dias mesmo eu estava lembrando com uma amiga minha. Que hoje em dia a gente não vê uma criança brincar de roda, não vê brincar de amarelinha. Foi até num curso, num grupo da terceira idade que eu participo, o professor fez amarelinha com bambolê para nós: “Ah, vocês vão lembrar da infância de vocês.” Aí foi quando surgiu o assunto que hoje em dia a gente não vê criança…
P/1 – … E do que vocês brincavam?
R – Era isso. De pique-esconde, amarelinha, jogava bola, porque, como diz, éramos seis. Meus pais saíam para trabalhar e dentro daquele quintal ali era o nosso mundo, ninguém ia para rua. Se fosse na rua, se chegasse e soubesse que ficou na rua, só ia na rua para o colégio, chegava do colégio… Então ali era o nosso mundo. Ali a gente fazia de tudo, brincava de bola, pique-esconde, de tudo. Na época em que eu era criança não tinha luz, não tinha luz naquela época. E nós…
P/1 – Não tinha luz?
R – É. Na casa da gente não tinha luz, depois que, enfim, veio a energia elétrica. Então, eu morava na rua principal e ao lado é a linha do trem, é o trem, a via férrea. O que acontecia? Quando o trem passava, nós apagávamos o lampião, ficava tudo escuro, aí a sombra passava na parede da claridade do trem. Aí aquilo ali era o nosso divertimento, era o cinema . Apagávamos a luz, vamos ver o cinema, vamos fazer um cinema. Ficava lá olhando, era divertido porque passava a luz do trem na parede toda escura. Aí,aparecia as árvores, aparecia tudo aquilo ali. Uma das coisas, uma lembrança muito boa que eu tenho da minha infância. Essa semana mesmo eu fui ao cinema com a minha filha. Aí gente ria e eu falei pra ela: “Aí, Viviane, na minha época não tinha nada disso.”
E no cinema ela: “Ah, mãe, para com isso.” “Mas era mesmo, era isso mesmo que acontecia.” Nós éramos felizes, graças a Deus, entendeu? Éramos umas crianças muito felizes.
P/1 – Você contou que a sua casa tinha quintal. Como é que era a sua casa? Você se lembra dela?
R – Me lembro, lembro sim. Era uma casa com quarto, cozinha e um banheiro. Algo assim. Aí meu pai construiu mais um quartinho, e os meninos dormiam na sala, eu e minha irmã no quarto, um quartinho pequenininho, aí o quartinho, aí a cozinha, o banheirinho. Aí a frente era a sala… Não, o quarto dos meus pais e a sala. Aí depois ele aumentou, mas quando nós éramos crianças era assim.
P/1 – Bom, você contou que todos os seus irmãos e você foram para escola, não é?
R – Fomos todos.
P/1 – Você se lembra do seu primeiro dia de escola? Como é que foi?
R – Olha, o primeiro dia eu não lembro, mas lembro muito bem, assim, da escola. A primeira escola eu lembro que foi numa casa, eu lembro, era uma senhora que alfabetizava. Então, foi ali que eu comecei a aprender as primeiras letras. Depois que eu fui para escola, a escola do município, na época, que tinha, e depois estudei numa escola particular. A escolinha do município eu não consigo lembrar. Não, não consigo lembrar o nome da escola, eu lembro o nome da professora, era professora Iara. Na outra escola em que estudei, onde eu terminei da primeira a quinta série do primário, foi o Educandário Pedro Ernesto. Os professores lá, me lembro delas… A dona Estela, a Luiza, seu Santinho, eram professores muito rígidos, o senhor Agostinho, eram os professores… Eu fiz até a quinta série.
P/1 – E como é que você se sentia indo para escola? Como é que vocês iam para escola?
R – A pé, a pé, a pé. A escola era longe. Aí, assim, os dois estudavam na parte da manhã, e dois na parte da tarde, quem ia na parte da manhã tomava conta dos dois pequeninos e à tarde… Aí chegava, ficava tomando conta. A diferença muito grande da gente para os pequenininhos, aí, então, ficava assim, os irmãos mais velhos estudavam de manhã e eu já ficava para fazer a comidinha, quando eles chegavam, eles almoçavam… Se bem que o Jorge também, é assim. O Jorge ele ficou um bom tempo morando com a minha tia e com meu pai, ele… Por meus pais terem ficado um tempo separados. Meu pai e minha mãe, eles se separaram. E minha mãe engravidou do meu irmão. E meu pai, na época, achou que meu irmão não era filho dele.
P/1 – Como é? Não entendi, desculpa.
R – Eles se separaram.
P/1 – Se separaram.
R – E nessa separação ele deixou minha mãe grávida.
P/1 – O seu irmão?
R – Não. O meu pai.
P/1 – O seu pai. Ah, que susto!
R – Não, não. O meu pai.
P/1 – Entendi.
R – Aí quando meu irmão nasceu e tudo, ele já tinha voltado para casa, mas aí ele não aceitava meu irmão. Não aceitava o filho. Porque foi na época que eles se separaram que surgiu essa gravidez da minha mãe. Aí era uma briga danada. E a minha tia, a outra irmã, pegou o meu irmão. Falou: “Não, eu fico com ele.” Minha mãe trabalhava, ela sempre trabalhou, então ela ficou cuidando. Meu irmão ficou até uns 4 ou 5 anos morando com ela. Custou meu pai aceitar que o Jorge fosse filho dele e ninguém podia dizer que não era. Pega uma foto do meu pai, que já é falecido, e do meu irmão, quem não conheceu meu pai, nem meu irmão… É a cópia um do outro.
P/1 – Pois é, você aprendeu a cozinhar, então, desde novinha?
R – Ah, desde novinha, desde novinha. Me lembro… Por isso que eu estou falando, muitas coisas eu não aceitava da minha mãe. Toda essa vida sofrida que ela tinha e ele acabava descontando nas coisas erradas que eu fazia. E uma das coisas eu lembro muito bem, dos meus irmãos pequenos, eu fiz o mingauzinho deles e deixei lá na beira do fogão. E criança pequenininha foi lá e pegou, puxou, e queimou o peitinho dele todo. Olha, eu sofri muito. Minha mãe me bateu, me bateu. Nossa Senhora! Ela queria, assim, na época ela não aceitava, não parava para ver que eu também tinha meus estudos, que era muita responsabilidade para mim. Mas me bateu, bateu, bateu, Jesus, quase me matou de tanta pancada. Quando ele chegou em casa o menino estava todo queimado. Foi assim um negócio…
P/1 – … Quantos anos você tinha?
R – Ah, na época eu tinha, o que? Nove anos… Ele era pequenininho, tinha um ano.
P/1 – Então além de cozinhar você também cuidava da casa?
R – Cuidava. Cuidava da casa. Ainda tem mais, ela lavava roupa para fora. Ela lavava roupa para fora. Quer dizer, ela só passava, porque quem lavava era eu. Tinha, de roupa… Então ela deixava a roupa lá de molho no sabão, eu que tinha que lavar, botar na corda, aquela coisa toda. Quando ela chegava, ela só passava para entregar.
P/1 – Quer dizer, você começou a trabalhar desde cedo.
R – Desde cedo.
P/1 – É quase como seu primeiro trabalho.
R – É, é, é.
P/1 – Como é que você arrumava tempo para estudar, conciliar com os estudos?
R – Mas é isso que eu estou falando. Dividia as coisas. Um ajudava o outro. Um estava na escola na parte da manhã, horário da manhã, outro na parte da tarde, para poder… E meu irmão mais velho me ajudava muito. Meu irmão mais velho era…
P/1 – … Você sonhava em ser alguma coisa quando crescesse, assim, Lúcia?
R – Ah, eu sonhei em ser professora. Sonhei em ser professora.
P/1 – E como é que foi, assim, a sua juventude, não é? Você se lembra, assim, do seu primeiro namoro? Ou quando você começou a sair com seus amigos? Você teve essa oportunidade de sair quando você era jovem?
R – Mais ou menos. O problema do meu pai, que era muito rígido, então ele não dava essa liberdade de estar saindo. Saía, assim, com a minha mãe. Minha mãe com toda a dificuldade dela, ela sempre procurou assim do jeitinho dela, é o que eu estou falando, fazer as coisas para que gente pudesse também ter a nossa vida, a nossa liberdade. Na época, agora a gente quase não escuta falar muito da festa da Penha… Não tem uma igreja? Então, no mês de outubro tem festa o mês todo, todos os finais de semana tem festa na igreja. Que é a padroeira. Então, como eu e minha irmã nascemos no mesmo mês, então minha mãe comemorava o nosso aniversário lá. Eram os passeios e a gente ficava ansiosa para chegar outubro, para gente poder ir para lá conosco, aí passava o dia, o parque. Quer dizer, aquilo ali foi uma das coisas também que marcou muito a nossa vida, a nossa infância. Ela não deixava...
Ah, outra coisa que ela gostava muito era Carnaval. Todo carnaval ela saia com a gente. Essa minha tia, irmã do meu pai, morava em São Cristóvão. Então ela sempre morou lá. E nós íamos para lá na época do Carnaval, passávamos uns três, quatro dias de carnaval lá na casa dela e saía na quinta. Ela arrumava os filhos, tudo. Só que com todo trabalho dela, ela sempre quis assim, do jeitinho dela, agradar um pouco a gente para não ficar só naquela pobreza, naquela tristeza. Arrumava todo mundo, botava no trem e ia para Quinta. Passava o dia. Fazia comida, é uma farofa, um arroz, um feijão, fritava um franguinho, quando não tinha frango era um peixinho, ou um ovo cozido, cozinhava os ovos, direitinho. Lembro muito disso também. E ia pra lá para Quinta, passávamos o dia lá na Quinta.
P/1 – Vocês iam de trem?
R – Ia de trem. E o trem era a condução barata e que era uma condução só. Saltava em São Cristóvão. Depois atravessa. E para voltar, voltava aqui, vinha caminhando para casa. Quer dizer, isso aí era o nosso passeio.
P/1 – E o seu pai?
R – Meu pai, ele não era muito de passear conosco, não, entendeu? Ele não nos acompanhava, não. Só nos aniversários. Em outubro, nos aniversários, ele acompanhava. Ele passava o dia. Mas fora isso ele não era muito de passear.
P/1 – E como é que era o Carnaval naquela época?
R – Ah, era muito bom. A gente brincava, não tinha maldade. Nós não tínhamos medo das coisas, assim, porque hoje em dia a gente tem medo de tudo. Não tinha violência. Era uma coisa muito alegre, muito bonita.
P/1 – Era assim, eu não lembro muito bem onde é São Cristóvão… Fica lá na beira, perto do mar, assim?
R – Não, perto do Maracanã. São Cristóvão é ali mais ou menos perto do Maracanã.
P/1 – Aí fazia o Carnaval de rua?
R – Isso, fazia o carnaval de rua. Na época, eu me lembro, brincávamos muito no Bafo da Onça, era um bloco, Bafo da Onça. Tem até hoje. É o Bafo de Onça e esse, que é muito famoso, o Bola Preta.
P/1 – Sua mãe fantasiava vocês?
R – Fantasiava, fantasiava a gente e íamos brincar no bloco de rua. Ô, que beleza!
P/1 – E voltando um pouco para sua adolescência, o que te marcou nesse período? Você se lembra do seu primeiro namorado? Se é que foi na adolescência…
R – … Assim namorado?
P/1 – Ou paquerinha?
R – Eu me lembro, assim, muito, tinha um menino, hoje ele é até meu compadre, para você ver como são as coisas, eu batizei a filha dele. Crescemos juntos, estudamos juntos, tudo. Mas sabe aquela pessoa que você gosta, não é? Eu gostava muito dele. E aquilo… Cresci com aquela coisa, gostando do Antônio. Mas ele não, ele gostava, como até hoje, como amiga, como irmã. Ele sempre falava: “Você é minha irmã.” Mas eu não olhava ele como um irmão. Eu sempre tinha, assim, uma esperança de um dia a gente namorar. Aí quando a gente se encontrava e ficava conversando, eu não parava de falar, falava o tempo todo para não dar chance dele sair de perto de mim. Aí quando me perguntava: “Você está namorando o Antônio?” Falei: “Tô.” Aí quando perguntavam a ele: “Eu não tô namorando a Lúcia, não, a Lúcia é minha amiga.” “Olha, essa história que você está falando que é minha namorada, vai estragar meu lado.” Ele falava. Falei: “Eu tô brincando, Antônio.” Mas nada, era aquilo, por dentro de mim ele era meu namorado. E com isso fiquei muito tempo nessa ilusão. Eu me iludindo que a gente era namorado e tudo. Mas para mim eu queria assim me libertar dessa… Na época, eu não fui assim muito namoradeira. E fiquei com isso na minha cabeça, do Antônio, até uns 18, 19 anos. E ele namorando, se preparou para casar e tudo. Casou, me deu a filha para batizar e eu na ilusão de um dia o Antônio ainda ser meu. E foi até que eu conheci meu marido. Você vê, foi tão forte, que depois do Antônio, assim, essa paquera, porque não foi namoro, nós nunca chegamos a namorar, foi uma paquera. Namorei um rapaz, em casa assim e tudo. Aí conheci meu esposo.
P/1 – E como é que você conheceu seu esposo?
R – Conheci meu esposo através do meu irmão. Porque meu irmão namorava a irmã dele. Aí quando ele foi na minha casa conhecer a família do meu irmão. Aí nós nos conhecemos. Aí, eu acho que foi assim, amor à primeira vista.
P/1 – E há quanto tempo vocês estão casados?
R – Trinta e cinco anos. Nós nos conhecemos no dia 2 de janeiro de 1972… Dois de dezembro de 1972. Não esqueço quando nós nos conhecemos.
P/1 – E aí vocês começaram a namorar, noivaram?
R – É, namoramos, noivamos, namoramos. Entre namoro e noivado foram uns cinco anos. Nos conhecemos em 1972, logo após nós nos tornamos noivos e em 1977 nós nos casamos.
P/1 – E como foi seu casamento? Você se lembra?
R – Ah, lembro, sim. Foi bonito meu casamento. Bonito mesmo. Meus pais. Naquela época, hoje não tem, né, mas antigamente a gente gostava de fazer, aquela comida danada e convidava todo mundo. Meu pai ele não se continha de felicidade. Meu pai foi uma lembrança muito viva no meu casamento. Porque a minha mãe, ela não chegou assim para mim para conversar comigo, para me explicar. Ele não, ele teve aquele prazer, aquela calma de sentar comigo para me explicar como ia ser minha vida, como é a vida de casado, entendeu: “A sua vida vai mudar, a sua vida vai ser assim.” Muito bacana meu pai. Sentou comigo e conversou. E eu lembro muito bem que na véspera do meu casamento, aquela confusão lá na minha casa, faz isso, faz aquilo, aí ele me chamou e falou assim: “Maria Lúcia?” Falei: “Sim.” “Vem dormir com o papai.” Aí eu falei:“Por que, pai?” “Porque é a última noite que você vai dormir com o papai, solteira. A partir de amanhã você já vai dormir com seu esposo, aí você já vai estar casada.” Aí eu deitei ali perto dele e ele conversando comigo, acariciando minha cabeça, com muito amor, muito carinho, assim, como… “Eu estou, não sei qual vai ser o destino da minha filha, só Deus sabe.” Foi muito bonito. É uma lembrança muito bonita que eu tenho.
P/1 – Quantos anos você tinha?
R – Vinte e seis, 26 anos.
P/1 – Quer dizer, seu pai era realmente muito carinhoso.
R – Muito, muito.
P/1 – Ele fez a papel da mãe, no caso.
R – Isso. Isso…
P/1 – … Ele era religioso? Vocês iam à igreja?
R – Era católico. Ele, quando criança, ele foi coroinha… Morou com o padre, foi criado um bom tempo na igreja. Fora as bebidas dele, ele era assim muito carinhoso, muito maravilhoso. Não batia. Minha mãe já era o contrário. Minha mãe, tudo dela era na base da pancada. Ele conversava. Gostava muito de conversar. Ele dizia: “Vamos conversar.” Briga. “Senta aí, vamos conversar, vamos conversar.” Ela não. Mas, é o que eu falei, mas eu entendo. Ela tinha que extravasar aquilo. E era a forma, daquela vida que ela tinha, era bater, ela achava que batendo, ela… E eu, infelizmente, fui a vítima. Apanhei muito da minha mãe, muito, muito, muito. Era um prato que quebrava, remédio do pequeno que eu deixei cair no chão. Me lembro do remédio. Eu não contei essa parte, posso voltar? Eu deixei o vidro do remédio dos meus irmãos cair no chão e quebrar, caiu no chão e quebrou. E ela: “E agora? Seu irmão precisa desse remédio. Eu não tenho dinheiro. Você não tem cuidado com nada. Vai comprar o remédio.Você vai.” E eu falei: “Mãe, mas onde que eu vou?” “Não sei, dá teu jeito.” Aí eu fiquei sentada, chorando. E ela me bateu, gente, bateu, mas bateu, bateu, do cachorrinho que nós tínhamos avançar em cima dela, rasgar a roupa toda dela toda e meus irmãos chorando, mandando ela parar, parar. E ela me chutava. Eu falei: “Meu Senhor.” Aí eu pensava assim: “Ela me ama.”E mesmo com toda essa pancada ela me botou para ir para rua para comprar. Aí o que eu fiz? Eu saí da minha casa, fiquei sentada na linha do trem, esperando, a única coisa que me resta é… Aí uma senhora que ia passando me viu chorando e me perguntou o que foi. Aí eu falei pra ela. Ela: “Você não tem nenhum parente, não, onde você possa ir? Porque se eu tivesse… ” Aí eu falei de uma tia minha. Irmã, prima da minha mãe, que minha mãe era sozinha, não teve irmãos. Aí, eu expliquei onde minha tia morava. Aí ela falou assim: “Vamos lá que eu vou te levar.” Aí me levou lá, aí eu cheguei lá, minha tia me viu naquele estado. Aí a moça falou para ela que me encontrou nessa situação. Contei para minha tia. Minha tia foi lá comprou o remédio, aí trouxe para minha mãe. Pegou o remédio, foi até minha mãe e disse: “Ó, o remédio e teu e ela é minha.” Aí fiquei lá na minha tia uns dois dias. Daí meu pai foi lá. Minha tia fez ele prometer. Ela me devolveu: “Mas se bater nela mais uma vez, aí eu vou te denunciar. Aí eu vou na delegacia e vou te denunciar. Não tem porque de você fazer isso com ela.” E eu pus cisma, depois fiquei mais adulta e comecei a aceitar bem a minha mãe. Mas eu não aceitava, não aceitava porque ela me batia muito. Ela me maltratou muito, muito, muito. Ela também… É como eu falo: ela teve que lutar com unhas e dentes, mas por
quê? Não teve pai. Foi uma criança rejeitada. Porque a mãe dela era sofrida. Foi um fazendeiro lá que pegou a minha avó. E ela engravidou da minha mãe. Aí eles separaram a minha mãe da mãe. Ela foi criada por um tio, um primo. Então, quer dizer, ela tinha uma vida sofrida… Então, eu tenho para mim, assim, que aquele amor, aquele carinho que ela via meu pai principalmente me dar, que eu era assim, eu era… Eu acho que aquilo revoltava ela, entendeu? Eu tenho para mim. Que ela morreu… Quer dizer, ela morreu na minha casa. Quando ela ficou doente, ela não quis saber de ir pra casa de ninguém, ela quis vir para minha casa. Quis ficar comigo. Meu marido ajudou muito bem a cuidar dela, entendeu? De todos os filhos, que ela tinha seis, ela ainda tinha mais cinco filhos. Mas ela não quis ir para casa de ninguém. Então eu tenho assim para mim que foi a vida sofrida que ela teve, que mal ou bem, e eu tive que ser a vítima, infelizmente.
P/1 – E vocês tiverem filhos, você e seu esposo?
R – Tivemos. Tivemos um casal. Casei em 1977. Quando a minha filha nasceu eu já estava com trinta anos, quando a minha filha nasceu, ela nasceu em 1980.
P/1 – E como chamam os seus filhos?
R – Viviane e Vinícius. O Vinícius nasceu oito anos depois da Vivian. Oito anos e três meses, que ela fez em janeiro e ele nasceu em abril. E agora eu só tenho a Viviane. Vinícius, Papai do Céu já levou Vinícius, com 19 aninhos.
P/1 – E para você ser mãe? O que significou para você ser mãe?
R – Ah, foi a melhor coisa da minha vida. Eu casei em 1977 e não consegui engravidar, isso foi me dando um pânico, me dando uma angústia… Meu maior sonho era, assim, eu sempre imaginava ter três filhos. Ter três filhos. A Viviane não vinha, quer dizer, o bebê não vinha. Aí veio a Viviane. Quando eu fiquei grávida foi a maior felicidade. Fiquei grávida, na época eu já trabalhava no IBGE. Aí foi quando eu pedi as contas. Eu estava grávida dela. Foi assim uma gravidez muito ruim, emagreci muito, passei muito mal, muito mal, mal mesmo. Aí parei de trabalhar. Quando a Viviane veio, só foi alegria. Para o meu marido foi e não foi porque ele sonhava com filho homem. Teve isso também. Mais um pedaço, assim, triste para mim. Porque no início ele rejeitou a filha, ele não admitia ter uma filha mulher. Ele queria, queria, queria um menino e veio uma menina. Aí a minha filha já estava com três meses e ele não pegava ela. Dizia que não sabia pegar: “Ah, não sei pegar, a menina chora muito.” Mas não. Mas depois foi aceitando a filha, aceitando. Mas tudo o que ele comprava era coisa de menino. Chegava com três, quatro carrinhos para Viviane. Bola para Viviane. Mas, aí o segundo filho que não vinha. Evitei durante dois anos e oito meses, aí eu falei, como eu custei para engravidar da Viviane, eu vou parar com o remédio. Porque eu já tinha… Quando eu tive a minha filha eu já estava com 30 anos, digo: “Se eu ficar evitando daqui a quantos anos que eu vou ter o outro filho.” Aí eu parei de tomar o remédio e o bebê não vinha, não vinha, não vinha. Até que por fim nós já tínhamos perdido a esperança. Fiz tratamento… A minha médica dizia: “Não, mas está tudo bem com a senhora. É muita ansiedade. Quando a senhora menos imaginar, a senhora vai engravidar.” Mas o bebê não vinha. Nós já tínhamos perdido as esperanças, quando eu engravidei da segunda vez. Aí ele já aceitava bem a filha. Era tudo com ela. Mas assim. Sempre voltado para o menino. Meu marido é flamenguista. Comprava roupa, camiseta para ela. E aí, quando eu fiquei grávida: “E aí Salvador, agora vai vir um menino?” “O que Deus mandar para mim tá bom.” Ele falava: “Ah, agora é um menino.” “O que Deus mandar para mim tá bom.” Se viesse outra menina, ia aceitar a menina. Mas graças a Deus, Deus nos deu um menino. Veio o Vinícius. Aí foi a realização total, a realização total, tanto para mim, que consegui realizar o sonho dele, e ele como pai numa felicidade imensa. Minha filha no início também teve um pouquinho de rejeição. Foram quase nove anos só ela. Então ela já: “Ah, não. Porque que minha mãe quer ter outro filho?” Mas depois que o Vinícius nasceu só foi alegria, só foi felicidade, e foram 19 anos de felicidade. Vinícius quando faleceu já era técnico de enfermagem formado. Já era músico formado, ele fez curso lá no Villa-Lobos, se formou lá no Villa-Lobos, violão e guitarra, ele tocava… E uma fatalidade levou o Vinícius. Trabalhou no projeto, no PDA [?]. Ele dava aula de música para as crianças.
P/1 – Quer dizer que ele chegou a trabalhar junto com você?
R – Foi. Conseguiu trabalhar.
P/1 – Dava aula de música para as crianças?
R – Dava aula de música num projeto… Estavam montando uma escolinha de música e convidaram ele para dar aula de música, mas...
Tocava, tocava no ministério da igreja. Ele começou na igreja, assim, tocando com dois ou três aninhos, quando ele começou a tocar. Aí ele primeiro aprendeu a tocar de ouvido, depois que ele foi pra escola…
P/1 – … Boas memórias dele, não é?
R – Ah, muito, muito.
P/1 – Graças a Deus.
R – Ele faleceu no dia 28 de julho, tocou até o dia 26, foi o último dia em que ele tocou. Na festa de São Antônio. No dia 28 saiu com os amigos para ir para uma festa. No caminho, que era, um grupo de jovens, brincando, no Caxias ali que era, na Nilo Peçanha, na Presidente Kennedy. Os amigos… O sinal estava fechado e eles foram atravessar e vinha um carro, aí o carro passou, e eles xingaram e o carro parou e ele foi ao encontro. Não falou. O carro parou, dois tiros no peito do meu filho. Aí meu filho na hora… Por que? Eles falaram: “Xingamos, tia. Falamos uma porção de besteira, falamos.” E ele parou, ali perto da praça da C&A, no teatro Raul Cortez. Parou ali. Aí o Vinícius foi ao encontro dele. Aí o cara, nisso, não abriu a boca e o Vinícius foi… O Vinícius foi, deu dois tiros, um pegou no peito e o outro na virilha. Quando nós chegamos, aí já, não deu tempo nem de socorrer.
P/1 – O problema das armas.
R – É, é…
P/1 – … Mas ele deve estar tocando no céu.
R – Ah, tenho certeza, tenho certeza. Foi muito sofrimento. Agora eu consigo falar do meu filho assim, sabe? Mas foi muito sofrimento. Mas, assim, a certeza que eu tenho que ele está num lugar muito lindo, muito lindo. E de lá ele tem dado muita força para o mundo jovem, para muitos amigos dele. Que na época do acontecido quantos amigos se converteram, muitos amigos deixaram essa vida, pensam agora duas vezes antes de ir a show, de daqui para ali, para aqui. Porque o Vinícius está sempre na memória deles. Faz cinco anos agora em julho, mas o Vinícius está sempre na memória: “Olha o que aconteceu com o Vinícius, olha o que aconteceu com o Vinícius.” Digo: “Olha, não fica andando para lá, eu sei que você não bebe, mas sempre tem um ou dois que bebe. Lembra do Vinícius.” Aí graças a Deus ele parou de ir para lá. Então o Vinícius ficou, como diz: um tem que sofrer para ser a felicidade dos outros. Eu sofri, passei por essa dor… Mas tenho certeza que o que aconteceu com o Vinícius está servindo de exemplo e alívio para muitas mães. Eu cito o Vinícius como exemplo e elas param e pensam…
P/1 – … Ele continua beneficiando várias pessoas.
R – Isso aí, isso aí, é isso que eu penso. Ele continua fazendo o que ele sempre gostou de fazer. Na noite do acidente era um grupo grande. Aí uma das meninas do grupo, umas três, quatro vieram conversar comigo. Falou: “Tia, mas o Vinicius era tão bacana, tão bacana, que mesmo naquela brincadeira, naquela balada toda, ele estava convidando a gente.” Ia ter um retiro na semana seguinte, de jovens. Ele convidando todo mundo para ir para o retiro.
P/1 – O retiro na igreja?
R – É, retiro na igreja, retiro de jovens, de evangelização de jovens. Aí diz que ele convidando: “Olha, vocês vão lá, porque o retiro vai ser assim, vai ser assim, vocês vão ver.” “Precisa ver, o tempo todo que nós estávamos juntos, o Vinícius só falando nesse retiro.” Então, quer dizer, então…
P/1 – … Uma alma iluminada.
R – É isso aí.
P/1 – É, Lúcia, vamos só voltar um pouquinho para sua história. É muito comovente essa história do seu filho, realmente. Você contou que você começou a trabalhar com criança na sua casa. Qual foi, assim, seu primeiro emprego fora de casa, que você saiu para trabalhar?
R – Foi como empregada doméstica. Trabalhei um bom tempo numa casa também maravilhosa. As meninas até hoje. Que agora já são… Tem o maior carinho comigo: “Lúcia, vem aqui, vem conhecer meus netos.” É que eu ajudei a criar essas duas… A Sônia já era mocinha, mas a Denise e a Teresa Cristina eram as mais novinhas, então eu ajudei a criar essas meninas. Ali foi meu primeiro emprego, assim, muito gratificante de ser colocada nessa casa. Comecei com a Vanda, que era a dona da casa, me incentivando: “Volta a estudar, continua seus estudos.” Depois que eu saí dali e fui para o supermercado. Trabalhei sete anos no supermercado, de onde eu também saí, depois e fui pro IBGE, depois eu me casei. Mas foi assim. Aí depois que eu saí do IBGE, eu me casei, fiquei grávida da Viviane, tudo. Aí meu marido, ele é militar, ele é polícia militar, aí ele foi transferido lá para Cachoeiras de Macacu. Nós morávamos por aqui mesmo, ele trabalhava aqui no Rio. E nós fomos para Cachoeiras de Macacu. Eu levei a Viviane para lá com sete meses. Aí lá fiquei, assim, do lar. Mas como eu sempre gostei de lidar com crianças montei uma escolinha na minha casa, entendeu? Eu não era formada professora, mas eu sempre, eu estava sempre lendo, sempre estudando. Aí eu montei essa escolinha na minha casa e foi onde eu alfabetizei várias crianças. E até hoje me chamam de tia Lúcia, tia Lúcia. Tenho muitos amigos lá em Itaboraí através dessa escolinha. Eu podia até ter me formado, aí depois, por quê? Me acomodei. Fiquei mais acomodada. Eu devia ter dado, continuado meus estudos.
P/1 – E daí, então, como é que aqui em Duque de Caxias, como é que você ficou sabendo do projeto Construindo Oportunidades?
R – Como eu fiquei… Eu morei dez anos em Itaboraí e depois voltei, é que meus pais sempre moraram por aqui. Aí voltei. Voltei. Fiquei na minha comunidade, que é da igreja que eu sigo até hoje. Minha filha com dez anos, fez o crisma aqui. Aí o Vinícius também começou a ingressar. Tinha o ballet. Aí Viviane participava do ballet e o Vinícius acompanhava e tudo. Aí conheci, quer dizer, já éramos amigas quando éramos adolescentes, a Benedita, que faz parte do projeto. E quando eu voltei retomamos nossa amizade, tudo… A filha dela também da idade da minha, da comunidade, do ballet, onde a Viviane fazia o ballet, aí foi que ela me falou do projeto. Falou: “Lúcia…” Mas aí já estávamos… Ea disse: “Você não tem vontade de trabalhar no projeto?”
Dentro da comunidade eu fiz um curso de agente de saúde, aí no projeto estavam precisando de uma agente de saúde. Ela falou: “Lúcia, vai ter uma vaga como agente de saúde, você não quer trabalhar?” Aí falei, ah, o Vinícius já estava grande, Viviane também já estava grande, falei: “Sabe de uma coisa? Sabe que é uma boa? É uma coisa que eu gosto de fazer.” Ela falou: “São três dias na semana.” Aí foi lá, me apresentou para Guiomar, que é a articuladora do projeto. Aí comecei. E foi até hoje. Ali comecei a trabalhar no PDA como agente de saúde. Aí quando surgiu o Iniciativa Esperança, isso que eu queria lembrar. Dentro do PDA teve o Iniciativa, que foi antes do Construindo, que era para trabalhar com jovens também na área da saúde sobre o vírus do HIV, incentivar a prevenção do HIV. Aí a Guiomar falou assim: “Você não quer sair? Quer dizer, você vai continuar no PDA, mas só que você vai sair como agente de saúde e trabalhar no Iniciativa. Você quer? Só que não é com criança, é com adolescente, tá? É sobre a prevenção do vírus HIV, DST [Doenças Sexualmente Transmissíveis]. Você quer?” Falei: “Vamos tentar.” Aí eu comecei, quer dizer, foram três anos, muito bom, num trabalho, assim, muito gratificante, um trabalho maravilhoso, entendeu? Uma formação. Aprendi muito. O mais importante foi isso, o que eu aprendi, é? E o pouco que eu dei sabedoria, da experiência que eu tenho da vida. Não foi nem sabedoria, foi experiência de vida. Consegui passar para os jovens… No caso são muito agradecidos. No caso, a Natália que podia falar um pouquinho. Ela era do Iniciativa. Então, ela é uma menina maravilhosa, uma cabeça esplêndida. Aí foi. Aí quando terminou o Iniciativa, que foram três anos, aí deu uma parada. Foi que veio o Construindo e a Guiomar me convidou: “Nós vamos continuar, mas agora vai ser assim dessa forma. Você quer?”
P/1 – E o que você faz exatamente no Construindo?
R – No Construindo?
O que eu faço? Eu trabalho com os jovens, mas mais voltado para as senhoras, né, que nós temos o artesanato. Então, eu fico dividida entre os dois, mas o relacionamento maior é com as senhoras. Preparamos oficinas, uma passa experiência para outra. A gente convida pessoas de fora para estar passando…
P/1 – … Quer dizer, você trabalha mais na organização ou você chega a dar oficinas também?
R – Algumas oficinas, e na organização, mais na organização. E por que? Porque agora eu estou saindo fora para participar das oficinas lá do CV Vida em Caxias e lá eu aprendo e trago para elas.
P/1 – Quais oficinas que você costuma dar?
R – É mais o artesanato. Nós aprendemos. Inclusive a fazer brinquinhos, nós aprendemos… Nós aprendemos para passar para elas, a oficina colar.
P/1 – Mas depois você ensina?
R – A oficina de reciclagem da caixa de leite que nós transformamos em carteiras. Assim várias…
P/1 – … E do que é feito esse brinco?
R – É com malha, você pega uma tirinha de malha e vai dando nozinhos nela, nas tiras, aí depois você vai separando os nozinhos e depois junta e faz.
P/1 – Bonito. Diferente.
R – Colar também. A gente tá sempre aproveitando.
P/1 – Quer dizer, vocês é que pensam nesses materiais que vocês podem utilizar.
R – É.
P/1 – E o que… Você falou que aprende muito. O que você sente desse trabalho?
R – Vou falar aqui do Construindo e um pouquinho do Iniciativa, voltando um pouquinho no Iniciativa. Muitas coisas. Com a idade que eu tenho, eu não sabia sobre as doenças, sobre várias, algumas formas de prevenção eu não sabia. E eu tendo que… Porque no Iniciativa eu era uma facilitadora, mas tinha que dar, passar a sabedoria, o ensino para os alunos, para os jovens. Aí que eu tinha que fazer? Tinha que estudar. E através desses estudos que a Guiomar fazia eu passei a fazer e aprender e comecei… Eu aprendi muito no Iniciativa, muitas coisas.
P/1 – E nesse Construindo Oportunidades?
R – E nesse Construindo Oportunidades, o que eu aprendi? A integração. A integração, a união. O aproveitamento das coisas, para gente conseguir as coisas. Porque a gente fala: “Ah, isso não serve pra nada.” Joga fora. E agora já sabe que aquilo ali é útil, você com aquilo ali você consegue aproveitar e daquilo ali você consegue um rendimento, você consegue tirar dali um lucro.
P/1 – Quer dizer, você ensina isso para suas alunas? Que elas podem vender?
R – Isso, isso, isso, podem vender.
P/1 – Você também faz coisas para vender?
R – Assim, uma coisa que eu esqueci, agora eu lembrei de passar, no Iniciativa, que foi onde eu fiquei mais tempo, fiquei três anos. É uma coisa muito bonita. É o que eu estou falando. Minha filha, minha filha é formada. Minha filha é professora, é enfermeira. A minha filha fechou a faculdade, trancou no quinto período de Psicologia. Então, quem era minha chefe no Iniciativa? Minha filha.
P/1 – Que beleza.
R – Minha filha.
P/1 – Então, Lúcia, eu queria saber, você também faz algum tipo de artesanato? Você ganha algum tipo de dinheiro com esse trabalho?
R – Ah, faço. Já ganho algum dinheirinho com esses trabalhos.
P/1 – O que é que você faz? Faz os brincos?
R – Faço os brincos, as carteiras. É o que eu falei, da caixinha de leite. Tem uns assim que eu aprendi que eu já estou conseguindo ganhar. Eu participei um bom tempo da oficina de sabão. Foi aonde eu comecei mesmo, na oficina do sabão. Quer dizer, não estou ali no próprio dia a dia com elas, mas já aprendi e já pego, já saio vendendo sabão.
P/1 – Quer dizer, você vende para as amigas? Você organiza algum encontro? Como é que você vende os produtos que você faz?
R – É para as amigas, é para as amigas. O projeto deu uma paradinha. Por conta de renovar o contrato e tudo, mantemos as oficinas na minha casa, porque elas estavam ansiosas querendo: “Então vamos montar oficina.” Aí montamos a oficina para fazer o bombom, das carteiras e elas foram lá pra casa, algumas fizeram, aprenderam, as que não sabiam já estão conseguindo: “Ah, já estou conseguindo vender alguma coisa.”
P/1 – E você sente que isso melhorou a vida das pessoas?
R – Ah, melhorou. A autoestima. Eu sou uma pessoa, eu não me via no artesanato. Eu olhava assim, falei: “Ih, isso aí não é pra mim, não. Não consigo fazer isso aí, não”. Não me via assim, fazendo essas coisas, tendo paciência de fazer. Olha, como é fácil esquecer. As carteiras então, onde eu me identifiquei mesmo foi com as carteiras. Sempre… Enquanto eu não vejo uma pronta eu não, sabe? Faço assim com muito carinho, com muito amor, com muito carinho…
P/1 – … Quer dizer, entra um dinheirinho extra pra você.
R – É, entra.
P/1 – O que você faz com esse dinheiro?
R – Ah, o que eu faço com dinheiro? Eu sou muito vaidosa, eu preciso tá pegando um dinheiro para fazer minha unha, fazer o cabelo, para comprar umas roupinhas… Assim, não preciso ficar esperando da minha filha, nem pelo marido.
P/1 – Muito bem. E assim, algum desafio que você tem experimentado como facilitadora? Alguma experiência que tenha sido marcante para você?
R – Assim, que marcou a minha vida?
P/1 – Nessa atividade como facilitadora desse projeto Construindo Oportunidades, você tem alguma história que tenha sido interessante, marcante? Dentro desse período que você está…
R – … Ah, tem. Tem uma sim. Uma menina, uma jovem, que começou aqui no nosso projeto. Eu fiquei, assim, muito feliz. Essa jovem não falava. Ela veio para cá, assim, era muito calada. Não perguntava as coisas dela. Aquela timidez, aquela… Aí uma vez a irmã dela ligou para cá querendo saber sobre ela: o que ela fazia aqui, como era a atitude dela. Inclusive ela falou comigo. Aí eu expliquei para ela que ela vem e se a gente perguntar ela fala, se não perguntar ela não fala. Mas ela participa, sabe? Tudo que eu botava para fazer, sabe? Ela fazia. Mas ela... Aí ela falou: “Eu estou, assim, muito preocupada, porque ela falou que está participando desse projeto e ela é uma pessoa que tem problema, sabe, ela é uma pessoa que não é muito legal da cabeça. Fico com medo. Mas quando chega na hora, às quintas-feiras, ela fica doida, se arruma toda para ir para o projeto: ‘Não, porque eu vou pro projeto, eu vou pro projeto.’ Aí eu fico pensando: o que ela faz lá no projeto?” Eu ainda falei para ela: “Vem cá. Vem assistir.” Ela: “Não, eu fico assim de chegar aí e ela… Porque ela é até meio agressiva comigo em casa.” E eu falei: “Não. Olha, ela não é muito de falar. Se perguntar ela fala, mas ela participa, ela faz as coisas, tem interesse de aprender.” Ela: “Tá bom.” Depois que ela já estava há um bom tempo aqui conosco. Aí ela parou. Eu falei: “O que houve com a Rosangela? O que será que houve com a Rosangela?” Aí liguei para irmã dela, aí ela falou: “Não, sabe o que aconteceu?” Minto. A irmã dela ligou para saber se nós tínhamos incentivado ela preparar um currículo para mandar currículo para loja. Falei: “Não.” Quer dizer, tivemos umas duas ou três oficinas de empreendedorismo e ela participou. Ela participou de tudo direitinho e através dali, eu tenho para mim que… Né? A cabecinha dela começou a funcionar. Então, ela sozinha em casa foi preparando o currículo e mandando. E aí a irmã preocupada com aquilo, quis saber. Eu falei: “Não, nós não incentivamos, não. Isso tá partindo dela.” Aí quando ela ficou um dia sem vir, uns dois ou três dias sem vir, aí eu procurei saber, porque a gente sempre procura saber o que estava acontecendo. Aí a irmã dela falou: “Não, dona Lúcia, é que ela mandou o currículo para Di Santinni e ela tá fazendo uns testes lá.” Falei: “Tá.” Ela: “Tá.” Falei: “Tá bom.” Uns três dias depois ela ligou: “Dona Lúcia, eu estou ligando para senhora é que eu não vou mais participar do projeto, porque a Di Santinni me chamou para trabalhar.” Entendeu? Então, eu fiquei muito feliz de saber que daqui, uma pessoa que… E ela está até hoje. Ela começou no período do Natal, que eles ficam chamando. Ainda não foi mandada embora. Então eu fiquei muito feliz com isso, em saber. Que era uma pessoa que não tinha expectativa de vida nenhuma. A família, então, quer dizer, não dava apoio para ela. Ela soube do projeto, veio para cá, fez a “inscriçãozinha” dela, fez o cadastro, participava, e era assim muito assídua e tudo, ela fazia do jeitinho dela, caladinha. Mas aquilo para ela fez um bem, despertou nela o interesse pela vida, o interesse. E outra também, a Selma, no dia em que vocês estiveram aqui, ela trouxe a irmã. Aí a irmã sentada fez assim: “Lúcia, você precisa saber como esse projeto está fazendo bem na vida da Selma. A Selma era uma pessoa revoltada com a vida. Olha, ela está… Olha, agradeço muito a vocês, por vocês terem, estarem com esse projeto, esse projeto levantou a autoestima da minha irmã.” Quer dizer, é gratificante a gente saber que a gente tá conseguindo despertar nas pessoas o interesse de viver, o interesse pela vida, saber que é útil.
P/1 – E você sente que isso te motiva?
R – Ah, me motiva. Tanto me motiva que é o que eu te falei, o projeto tá parado porque a Guiomar agora até conversou comigo que está para reiniciar. Eu convido elas para irem a minha casa, porque elas ficam me ligando. Elas não ligam para Guiomar, ela ligam pra mim: “Lúcia, e aí, o projeto vai voltar quando? Quando é que o projeto vai voltar? Quando é que nós vamos voltar? Não tem nenhuma oficina, não? Não tem oficina nova?” Quer dizer, algumas eu tô levando para Caxias comigo, lá no CV Vida. Ontem até foram. Eu não fui, mas incentivei a ir. Umas quatro ou cinco foram para o CV Vida, que essa oficina que teve ontem no CV Vida nós já fizemos aqui e elas não vieram. Não deu para elas virem. Então, a Ana Paula lá no CV Vida ligou para mim, que agora a gente tem um elo. Aí ela ligou para mim falando da oficina e tudo, perguntando se eu não tinha umas senhoras para mandar. Digo: “Ah, tenho sim.” Mandei para ela.
P/1 – Quer dizer, hoje você trabalha mais com senhoras. Como facilitadora de grupos de senhoras?
R – É… De senhoras.
P/1 – E você fez muitas amizades?
R – Ah, fiz. Fiz muitas amizades mesmo. Muitas amizades. Tenho muita amizade com elas. Muitas eu já conhecia por eu trabalhar dentro da minha comunidade, porque lá na minha comunidade eu sou, trabalhei na Pastoral da Criança, trabalhei como agente de saúde lá na minha comunidade. Agora faço parte do ministério eucarístico, no ministério eucarístico dos doentes… E faço parte da igreja. Então eu tenho conhecimento muito forte. E estou sempre convidando elas. E uma trás a outra. No caso eu te convido, você trás sua vizinha, já trás a sua vizinha. Quer dizer, então…
P/1 – … E são basicamente mulheres.
R – É. Tem bastante jovens também. Bastante jovens. Porque nas quartas-feiras tem a reunião dos jovens e na quinta-feira, as senhoras. Dos jovens também sou muito participativa.
P/1 – Você sente que esse projeto, esse Construindo Oportunidades, de alguma forma mudou a sua vida de alguma maneira, assim?
R – Ah, mudou. Mudou bastante.
P/1 – De que forma, assim, Lúcia?
R – No relacionamento com os jovens. Que com eles a gente aprende muito, com os jovens. E lá com as senhoras, qual o nosso trabalho? É o artesanato.
Eu não… Não me identificava. No entanto, agora eu tô assim, maravilhada. Eu gostava de ver, mas achava que eu não era capaz de tá fazendo aquilo. E agora eu já estou.
P/1 – Ainda ensina.
R – Ainda ensino.
P/1 – Tem que estudar também.
R – Tem que estudar também, quer dizer…
P/1 – … Quer dizer, fora esse trabalho, o que mais você faz hoje? Tem a pastoral da igreja. Você tem mais algum outro trabalho?
R –
Aí o marido me expulsa.
P/1 – Para você, Lúcia, quais são as coisas mais importantes hoje na sua vida? Como é que…
R – … Ah, o mais importante para minha vida é meu marido e minha filha, e a minha família também é importante, não é? Mas em primeiro lugar meu marido e minha filha. E a família, a comunidade. É que a gente… É como eu falei, eu passei por esse momento muito difícil da minha vida e foi onde eu me vi foi com a comunidade. Aquele amor, aquele carinho. Desde do bebezinho até o mais velho, entendeu? As crianças me abraçam, me beijam, até hoje. Já vai fazer cinco anos que meu filho está lá no céu e até hoje as crianças vem assim, me abraçam, como se diz assim: “Ele foi, mas eu tô aqui. Você não está só.” Entendeu? Isso é muito bonito. Isso é muito gratificante. Então, eu tenho assim minha comunidade como a minha segunda família. Porque como eu estou te falando desde os pequenininhos, na minha igreja, vem aquilo tudo correndo, me abraçam, me beijam: “Minha tia, minha tia.” E eu sinto ali neles aquela forma: “Você não está só. O Vinícius não está aqui, mas nós estamos tentando substituir o Vinícius da melhor maneira para senhora.” Então isso para mim é tudo, é tudo, é tudo. Aqui mesmo. Porque como diz, o Vinícius trabalhou aqui. Então, eu me lembro do Vinícius novinho. O Elan, marido da Guiomar, chegou perto de mim e falou assim: “Lúcia, eu não sou político, mas eu vou apostar no Vinícius.” Assim mesmo: “Eu vou apostar no Vinícius.” Porque ele trabalhava. Tinha conhecimento numa firma que prestava serviço para Petrobrás que estava precisando de quatro jovens. Aí ele falou assim para mim: “O Vinícius está com os documentos certinhos?” Falei: “Não, ele só tem a identidade.” Aí ele falou assim: “Então, procura resolver os documentos o mais rápido possível, porque eu vou indicar ele pra fazer um curso. É assim, olha, eles vão fazer um curso e se passar eles vão ficar. Eu tô apostando nele.” Meu filho fez o curso, já estava com um mês e dezoito dias trabalhando lá dentro. Precisava ver o amor, o carinho daquele povo com meu filho. Quando meu filho faleceu, posso dizer, a firma toda foi na minha casa dar um conforto para mim e meu marido, porque diz que o Vinícius era… Olha gente, eu não tenho nem palavras. Você visse meu filho era só um sorriso, aquela alegria. Você não via tristeza naquela criança. Ele era muito… Ele só transmitia felicidade, só transmitia amor e onde ele passava ele plantou muito amor, muito carinho.
Então, quer dizer, se eu gostava assim da Guiomar, do Elan, então eu tenho eles assim, sabe? E a minha filha também que trabalhou conosco, ela saiu porque ela quis. Mas o Elan e a Guiomar falaram: “Viviane, a hora que você quiser voltar, o projeto está aberto pra você.” Então assim, são essas coisas que… O que mais uma mãe quer na vida. Saber que o que ela gerou, o que ela criou tá dando frutos, e frutos bonitos. Então eu só tenho muito que agradecer para Deus. Por tudo que Ele fez na minha vida. Pelos castigos que minha mãe me deu, que de repente se ela não tivesse me dado esse castigo eu não seria a pessoa que eu sou, e não saberia dar a educação toda, aí, para os meus filhos. Eu só tenho o que agradecer pelo pai que Ele me deu, que mesmo através da bebidinha dele, ele soube passar também muito amor, muito carinho para gente, para os filhos. Eu sou sincera, eu sou uma pessoa muito feliz.
P/1 – Graças a Deus. E hoje quais são seus sonhos?
R – Oi?
P/1 – Seus sonhos?
R – Meus sonhos hoje? É continuar assim na minha vida. Ver minha filha formada. Ela é assim, ela já oposta do filho. Porque diz que os filhos não são iguais. Cada um tem o seu jeitinho. Ela quer crescer, mas assim da forminha dela. Já tá com 32 anos. Ainda não se formou porque trancou a faculdade umas duas vezes. Mas eu falei: “Deixo ela.” Ela fala assim para mim: “Calma, mãe, até os 50 anos eu me formo.” Então o meu sonho é ver minha filha formada, meu maior desejo na minha vida agora é ver minha filha formada. Ela sentir aquela vontade de formar. Porque eu falei para minha filha: “É você e você agora. Tem eu e seu pai, mas pela expectativa da vida é os pais irem primeiro que os filhos. E nós dois partindo. Faça sua vida. Porque você tem que estar calçada. Porque hoje o que você precisa o pai e a mãe estão aqui para te ajudar. Mas depois? Você tem que parar e botar o pezinho no chão.” Mas eu tenho esse sonho, esse desejo que minha filha se forme…
P/1 – … E vai conseguir.
R – Se Deus quiser vai. Eu tenho fé em Deus, que Deus… Ele não falha, Ele é maravilhoso, no tempo Dele vai acontecer, porque esse é meu tempo, mas no tempo Dele as coisas vão acontecer.
P/1 – Então para gente encerrar aqui, Lúcia, como foi, aqui, contar sua história para gente?
R – Foi bom. Gostei. Poder lembrar as coisas. Foi muito bom.
P/1 – Tem alguma coisa que eu não tenha perguntado que você gostaria de deixar registrado?
R – Não, não, não.
P/1 – Tá bom. Muito obrigada. Foi um prazer muito grande conversar com você.
R – Igualmente. Uma das coisas que eu quero deixar registrado é o carinho, o amor das pessoas do projeto, do Elan, a Guiomar, o grupo de trabalho, que elas são, assim, maravilhosas, muito amigas. Então eu tenho muito que agradecer. Agradecer a Deus por ter posto essas pessoas na minha vida, a Benedita… Todas elas na minha vida.
P/1 – Obrigada.
--- FIM DA ENTREVISTA ---Recolher