Museu da Pessoa

Histórias do Instituto Lafayette

autoria: Museu da Pessoa personagem: Maria Elisa Martins da Costa Camara

P/1 – Dona Maria Elisa, a senhora pode falar seu nome completo?

R – Maria Elisa Martins da Costa Câmara.

P/1 – Qual é a data do seu nascimento e o local?

R – Eu nasci em Açu, no Rio Grande do Norte. Depois vim pra São José da Lagoa.

P/1 – Em que ano que a senhora nasceu?

R – No dia 1º de janeiro de 1923.

P/1 – Nasceu no Ano Novo?

R – No Ano Novo.

P/1 – Seus pais são do Rio Grande do Norte?

R – Não, meu pai era engenheiro e trabalhava na Estrada de Ferro Vitória a Minas, era uma companhia que fazia estradas, e começou a fazer lá no Nordeste, que chama o trabalho lá do Nordeste, ele trabalhava nas Obras Contras as Secas, então fazia trechos de estradas no Nordeste, e depois ele foi transferido pra Minas e veio pra São José da Lagoa, outra cidade.

P/1 – Mas a senhora nasceu lá porque estava transferida?

R – Não, papai se formou e foi trabalhar lá, conheceu mamãe e que se casou lá. Mamãe tinha 15 anos quando casou, casou no dia em que dez 15 anos, então casou com ele e tinha 12 anos de diferença entre os dois, mas nunca vi um casal dar tão certo, combinava muito mesmo, porque um gostava demais do outro, então acho que é isso que dava certo.

P/1 – A sua mãe é do Rio Grande do Norte?

R – A minha mãe é do Rio Grande do Norte, a família toda dela.

P/1 – Os avós, seus avós maternos?

R – Os avós, todos moravam lá.

P/1 – Você sabe a história dos seus avós, o que eles faziam, os pais dela?

R – Os pais dela faziam, o meu avó tinha uma casa de, como é que chama a casa que compra as coisas do estrangeiro?

P/1 – Importação?

R – Uma importadora, ele tinha uma importadora muito grande. Uma vez eu perguntei ao vovô, que eu estava fazendo esse curso de contadora, e eu falei: “Vovô, uma casa desse tamanho, quanto que o senhor vendia lá, vendia o que, porque tantas coisas, eu achei que não tinha nada que prestasse”, ele falou: “Era uma casa muito grande, eu vendia desde água, manteiga da Espanha, da Holanda e vendia piano, desde manteiga até piano”. Eu tenho um piano, e ele falou: “Esse piano mesmo, eu encomendei pra você”. Ele encomendou pra minha avó, depois minha avó, quando eu fiz sete anos, ela me deu, que eu estava aprendendo aula de música com ela, e ela então me deu quando tinha sete anos, e eu tenho o piano até hoje. Deu o maior trabalho pra mudar.

P/1 – E a sua avó, a mãe dela, da sua mãe?

R – Pois é, a minha avó também veio, a minha avó gostava muito de música, ela tocava as músicas de Chiquinha Gonzaga muito bem, elas todas gostavam muito de música, tanto ela como a minha tia, a Joaninha, gostavam de música, mamãe gostava muito de música, tocava piano muito bem, mas mamãe não teve tempo de ficar estudando muito piano, ela estudou em casa, estudou com professora particular, mas tocava muito bem, ela tocava na igreja o órgão, o órgão ela aprendeu sozinha, foi pra lá, começou a tocar, tocou e ficou ótima, e todo mundo gostava, e assim.

P/1 – E os pais do seu pai, seus avós eram de onde?

R – Eram de Minas mesmo, Martins da Costa. Os Martins da Costa, olha, todos vieram de Portugal, o meu avô, o pai da minha mãe, o meu avô morava na Paraíba, o meu bisavô, quer dizer, o meu bisavô mudou, morava na Paraíba, meu avô quando cresceu se casou com minha avó que era no Rio Grande do Norte, e depois os dois vieram morar em Minas.

P/1 – Quando sua mãe casou eles vieram pra Minas?

R – É, vieram pra Minas, porque o meu tio, o filho do meu avô, já estava estudando Medicina no Rio de Janeiro, e minha tia era solteira, ficou solteira lá e aí vovô achou que era melhor mudar pro Sul todo mundo, aí ele veio pro Sul e nunca mais voltou pro Norte.

P/1 – E ele fazia o que aqui? Do que ele vivia?

R – Aqui ele era que faz casamento, juiz de paz, que faz casamentos, ele fazia casamentos lá em Nova Era, lá na nossa casa, ele ficou morando na nossa casa, e todo mundo adorava ir casar, porque a casa era uma casa muito grande, muito boa. Eu trouxe retrato da casa. Era uma casa muito grande, muito boa, e todo mundo achava muito chique casar lá. Não tinha nada de casamento não tinha nada, mas eles gostavam de casar lá, então iam casar e vovô era muito engraçado, era uma pessoa ótima, sabe? Ele era tão engraçado que uma vez o Getúlio Vargas foi lá a uma inauguração de uma ponte lá em Nova Era, o Getúlio Vargas foi com a turma dele, foi com a turma dele e ele ficou hospedado, ele foi dormir na casa, ficou na casa da minha tia que era perto da casa da minha mãe. Então vovô foi lá pra ver se estava tudo em ordem, abriu a porta e foi entrando como se fosse a casa dele, entrou já e veio aquele moreno amigo do Getúlio e falou: “O senhor deseja alguma coisa?”, “Não, eu queria saber se estava tudo em ordem, se estava tudo bem”. Aí o Getúlio chegou pra pedir qualquer coisa pro empregado dele, aí chegou e disse: “Ah, já teve, mas o senhor está usando uma toalha? Mas eles compraram uma toalha bonita pro senhor usar, não quiseram comprar aqui, porque acharam que estava feia, agora o senhor está usando essa toalha que estava no banheiro?” ele falou: “Eu não sabia, eu usei a toalha que estava lá”. (risos). Ficaram os dois muito amigos, ele ficou mais de uma hora conversando com o Getúlio, o Getúlio deu um cartão pra ele, então que toda vez que fosse ao Rio era pra procurar ele. Eu acho que ele foi uma vez só conversar com o Getúlio, porque o Getúlio achava muito engraçado, ele contava muitas histórias lá do Norte, dos amigos dele, umas histórias assim, muito engraçadas, ele era muito engraçado, de modo que então, e já em Nova Era, o pessoal gostava muito dele, gostavam muito dele, gostava dele por isso, porque ele era amigo de todo mundo, aliás, da família da minha mãe eram todos assim também, minha mãe era a mesma coisa. Gostava de todo mundo, tocava piano pra todo mundo, convidava todo mundo pra ir lá a casa, saia, cantava todo mundo junto, era assim.

P/1 – E seu pai, o pai dele fazia o que? O pai do seu pai.

R – O pai do meu pai tinha uma fazenda, uma fazenda muito grande, agora a fazenda foi tombada pelo patrimônio nacional, tem mais de 300 anos, a Fazenda da Vargem, perto de Nova Era, pertinho de Nova Era. Então, a Fazenda da Vargem era pertinho de lá, era a fazendo do meu bisavô, depois ficou sendo meu avô, depois ficou meu tio avô que ficou lá, o tio Tineco, e depois que ficou, o último que morou foi o Tineco, mas quando Tineco morreu, aí eles não sei o que é que aconteceu, porque eu casei e vim pra cá, mas a prefeitura de Nova Era comprou a casa, pra fazer agora uma casa de festas, sabe, quando tem casamentos tem as festas lá, festas de casamento, eles gostam de fazer lá, e disse que fica muito bonito, eu não vi ainda. Eu conheço muito a fazenda, que eu ia sempre lá, mas agora, depois de nova, eu não fiquei conhecendo.

P/1 – E seu pai conta memórias dele nessa fazenda, dele criança? Seu pai contava história de quando ele era pequeno?

R – Não, papai não contava história não. Quando nós erámos pequenos, havia um costume, não sei se tem mais lá em Nova Era, que as empregadas se reuniam para contar histórias de outro mundo, era história de outro mundo, então as histórias eram de casas mal assombradas, então tinha casa de não sei quem que ficou vazia, porque um morreu lá, não sei o que, então depois ela voltou e falou não sei o que lá. Eu nunca me impressionei muito com isso, porque com dez anos eu já fui pro Rio, e fui estudar no Instituto Lafayette era na ocasião, um colégio muito moderno, sabe, era moderno porque era um sistema parecendo o sistema de hoje. O professor Lafayette era um homem extraordinário, ele se preocupava muito com a educação, e a vice-diretora ela ficava constantemente conosco, então tudo ela ficava observando, eu fiz uma lista, e as meninas achavam engraçado porque, ela então dizia: “Uma moça fina nunca fica assim, com as duas mãos na cintura, dá uma impressão desagradável, olha, não fica coçando a cabeça, fica horrível, parece que você está com alguma coisa no cabelo”. Então tudo ela falava, assim, então ninguém queria ser moça fina, então eu fiz uma lista que não era de moça fina, pra saber todas as coisas, mas tão engraçada, porque até cruzar as pernas, quando cruzava as pernas assim, também não devia.

P/1 – Deixa eu voltar lá atrás, até quanto tempo a senhora morou no Rio Grande do Norte?

R – Lá no Rio Grande do Norte eu vim com um ano, quando eu tinha um ano nós viemos pra cá.

P/1 – Mas você sabe como seu pai e sua mãe se conheceram?

R – Eles se conheceram lá no Norte. Papai foi trabalhar lá, e ela via ele passando a cavalo, todo dia, e ficou cercando ele, olhava da janela e ele olhava também pra janela, foi lá pedir em casamento e casou. No dia que ela fez 15 anos, é uma coisa, histórias daquele tempo. E casou e se deram muito bem, e ela com 15 anos e ele com 12 anos mais velho, mas se davam muito bem mesmo.

P/1 – E porque eles mudaram pra Nova Era?

R – Pois é, porque a Companhia que transferiu, o trabalho dele foi fazer um trecho de estrada em Nova Era, ele fez um trecho de estrada em Nova Era, com a estação de Nova Era, e tem até retrato eu levando um tijolinho, que a primeira coisa, não tem um negócio desse, de levar um tijolinho, o primeiro tijolo que põe lá? (risos). Então eu devia ter uns cinco anos mais ou menos, e tenho o retrato, aí já tinha o retrato eu com o pessoal que trabalhava com meu pai, e tinha vários médicos, engenheiros, todos, de todas as profissões, que era da companhia que ele trabalhava. Ele era muito amigo dos amigos dele que trabalhavam lá, e muito amigo também dos outros, havia um sistema de, principalmente da família, eles eram muito dedicados à família, muito dedicados à família, então praticamente a gente só lidava com a família, porque a família era muito grande, e quando era aniversário, alguma coisa, eles chamavam pra gente ir, de modo então que era assim.

P/1 – Quantos irmãos vocês eram?

R – Nós somos cinco. Erámos seis, aliás, erámos seis e agora somos quatro porque morreu uma criança e agora pouco tempo morreu o meu irmão Adolfo, Adolfo Neves Martins da Costa, não sei se você ouviu falar, ele foi o primeiro presidente da Fiat, ele conseguiu trazer a Fiat pra Minas, e fazer a fábrica, é a única fábrica que tem lá em Minas até hoje, ainda é a Fiat, devo dizer de carro, de automóvel, só tem a Fiat, de modo então, um dos meus irmãos era esse, que era o penúltimo, ele era moço, não é que era moço, ele ia fazer 80 anos, mas ele faleceu tem dois anos agora.

P/1 – E a senhora era o que? A mais velha, a mais nova?

Nessa escadinha.

R – Eu sou a mais velha de todas.

P/1 – A senhora foi a primeira a nascer?

R – Eu fui a primeira a nascer.

P/1 – Seus irmãos nasceram em Nova Era?

R – Não, foi engraçado porque nós fomos pra Nova Era, quando voltamos, papai foi fazer uma visita aos sogros, vovô e vovó, e nós ficamos um tempo lá, mamãe estava grávida, minha irmã nasceu lá.

P/1 – Em Rio Grande do Norte?

R – No Rio Grande do Norte, em Açu, na mesma cidade. Quando nós voltamos, vovô não tinha mudado ainda, aí nós voltamos quando eu tinha um ano, meu irmão nasceu logo que eu cheguei, nasceu meu irmão, e minha irmã já tinha nascido, da outra vez que nós fomos pra lá ela nasceu. Então as duas mulheres são nortistas e os três homens são mineiros, quatro homens, eu estou falando três porque um morreu com um ano e meio, mas eram quatro homens, quatro homens e duas meninas.

P/1 – E como é que era sua casa de Nova Era, sua casa de infância?

R – Minha casa era uma casa muito gostosa, muito boa, sabe, era a casa do padre, o padre tinha muito bom gosto, fez uma casa muito, é do jeito que eles faziam naquele tempo. Na parte debaixo eles tinham várias salas, várias coisas, papai trabalhava no escritório dele embaixo da casa, e nós morávamos em cima, em cima tinha a casa toda, mas a casa era imensa, tinha sete quartos, sete quartos e um banheiro (risos), mas todos os quartos tinham um urinolzinho guardado. De modo que assim, só tinha um banheiro, você acredita? Depois que papai mandou fazer mais, agora está diferente, mas agora nós só vamos lá às férias, nós, eu muito raramente, eu vim aqui pra São Paulo é mais difícil. Depois que eu fiz essa operação então, aquilo lá deixou de existir pra mim.

P/1 – E como é que era a convivência na sua casa, quem que exercia autoridade, seu pai ou sua mãe?

R – Autoridade? Os dois não eram muito autoritários não, eles eram muito, não sei se papai se preocupava muito, porque o pai dele era muito autoritário, a fazenda do meu avô era… eu tinha impressão… a última vez que eu fui lá eu tive a mesma impressão, você chega lá, tem uma mesa comprida, as mulheres de um lado, os homens do outro e ninguém pode conversar com o vovô, só o vovô pode conversar. Então o vovô fica na cabeceira, e conversa com um, aí conversa, os outros podem participar da conversa, mas depois conversa, sempre assim, mamãe que quando chegou lá acabou um pouco com esse negócio, mamãe disse que acabou um pouco com isso porque ela ficava aflita (risos), vendo todo mundo conversar assim, e ela começava a dar os palpites dela e começava a conversar. O vovô se dava muito bem com ela, mas ele achava engraçado que ela conversava e falava as coisas, como que era lá no Norte, “Não, mas lá no Norte a gente faz assim”, e toda noite tinha o terço, então na hora que nós estávamos jogando, que estava aquilo animado, os primos todos jogando, aquilo bem animado, quer dizer, “Agora está na hora do terço”, a hora do terço era a hora de castigo, todo mundo ajoelhava no chão e vovô ficava puxando o terço e rezava o terço, e esquecia, o terço caía no chão, aí a gente achava graça e não podia rir também, então era assim, era um sistema bem antigo, mas engraçado, eu não me interesso, todo mundo: “A porque você deve rezar terço todo”, eu falei: “Gente, é engraçado, eu fico achando que eu estou perdendo tempo de ficar rezando o terço”, porque pra mim, aquilo ficou marcado. A hora que eu estava me distraindo, era a hora que eu tinha que rezar o terço, então foi uma coisa péssima, botaram o terço numa hora muito atrapalhada, de modo que hoje eu não tenho facilidade pra rezar terço, não rezo. Eu também estudei lá no Instituto Lafayette, e lá no Professor Lafayette era positivista, de modo que lá eles todos eram positivistas, as professoras, as melhores que tinha lá no Rio, tudo que tinha de melhor lá no Rio, ele punha lá no colégio dele. Depois ele tinha um programa dele, porque eu ia pra lá em janeiro e só voltava em dezembro, não tinha férias, ficava o tempo todo lá, então ele tinha que arranjar programa pra gente fazer, e os programas que ele arranjava, a gente ia a concertos, então primeira vez que O Guarani foi cantado em português, nós fomos escutar.

P/1 – Vamos voltar um pouquinho aí a gente volta pra esse período de Lafayette, vamos terminar Nova Era. E quais eram suas brincadeiras de infância lá em Nova Era?

R – Nossas brincadeiras de infância eram as brincadeiras de todo lugar, roda, brincava de pique. Quando éramos pequenas todas assim, mas lá as brincadeiras eram bem de crianças, porque quando eu fiz dez anos, eu já fui pro colégio, então tinha só brincadeira, a gente brinca pulando lá na calçada tinha um negocinho traçado, como é que chama aquilo, pra gente pular?

P/1 – Amarelinha.

R – Amarelinha, aí a gente brincava de amarelinha, brincava de casinha, brincava, subia muito nas árvores, nós gostávamos de subir nas árvores demais, pra comer as frutas e pra ficar nas árvores. Eu gostava muito de ficar lendo na última árvore que tinha, eu ficava lá pra ver a vista da cidade. Mas isso até dez anos.

P/1 – E com quem que a senhora brincava?

R – Brincava mais com minhas primas que moravam do lado, porque a cidade era assim, a minha casa era uma espécie de sítio dentro de uma cidade, porque não tinha, aqui não tem pra eu mostrar pra você como é que era, mas tinha a igreja, eles fizeram primeiro a igreja e fizeram umas três casas em volta, era o que eles faziam, porque é uma cidade muito antiga São José da Lagoa, então eles fizeram algumas casas, tem uma casa lá que era uma espécie de hospital, a pessoa que estava doente ia se tratar lá, e depois as outras que eram de pessoas da família, pessoas diversas de várias famílias já moraram lá e que eram vizinhos nossos. Tinha um médico que era da Vitória-Minas que morava em uma dessas casas. Essas casas eram poucas, tinha umas cinco casas, depois tinha uma ladeira muito difícil, muito grande, que ia sair na rua, e lá essa rua, é que era a cidade de Nova Era, porque lá é que tinha movimento, que tinha lojas, os meus tios tinham lojas. Então a gente tinha vários tios, engraçado que meu avô, cada filho que casava, ele dava ou uma casa, ou uma fazenda, então nós íamos visitar ou fazenda dos tios, ou as casas dos tios lá em Nova Era. E tem umas que ainda tem até hoje.

P/1 – Ele tinha dinheiro seu avô?

R – Devia ter. Eu nunca ouvi falar se ele tinha muito dinheiro assim não. Ele tinha uma fazenda, ele tinha lá essa fazenda de 300 anos que era dele, depois que passou pro outro, e lá é tudo muito misturado, porque é família muito grande, o meu tio teve 18 filhos, de modo que, meu avô tinha 12, então é assim, 12 filhos, você sabe quantos primos eu tenho de primeiro grau? 73. (risos) Eu acho que eu conheço uns 15 ou 20, que eu achava muito, e, no entanto, 73, é muita coisa. Mas lá em Minas, eu fiquei interna no colégio quatro anos.

P/1 – Com que idade?

R – Dos 11 até os 15. Então eu fiquei quatro anos que eu ia e voltava. Agora lá no colégio, eu era jogadora de vôlei, eu era a melhor jogadora, a melhor levantadora que tinha. E eu só pensava em jogar, jogava o dia inteiro, e tinha dois filhos do professor Lafayette que jogavam junto com a gente, eles jogavam, e vinham outros também que jogavam, mas um desses dois, eu fiquei namorando um deles.

P/1 – Quantos anos a senhora tinha?

R – Eu devia ter um 14 anos, pra 15.

P/1 – Mas essa Lafayette, essa é do Rio de Janeiro?

R – Não, essa é do Lafayette.

P/1 – Lá em Minas Gerais?

R – Não, Lafayette é no Rio de Janeiro, na Rua Conde de Bonfim.

P/1 – Não, mas com quantos anos a senhora entrou na escola?

R – Eu entrei na escola com sete anos.

P/1 – Aonde que foi?

R – Foi nesse grupo escolar que era uma dessas casas antigas, uma dessas casas era o grupo escolar, que era única escola que eu

tinha na cidade.

P/1 – Como era o nome da escola?

R – Desembargador Drummond, agora não me lembro do nome todo, mas era Desembargador Drummond.

P/1 – Você ficou dos sete anos a que idade?

R – Dos sete até os dez.

P/1 – Que lembrança você tem desse período dos sete aos dez na escola?

R – Tenho uma lembrança muito boa, porque era tudo muito sossegado, porque era perto lá de casa, então nós íamos a pé, e tinha as aulas, depois a gente vinha pra casa, e vinham os meninos que vinham a cavalo, tinha os meninos que vinham descalços, do colégio, na escola, tinha uns meninos que andavam descalço, e tinha aula junto com a gente, então a gente ensinava algumas coisas pra eles, eu e a Marta Batista, quem que conhecia a Marta Batista, foi você? Ou foi ela?

P/1 – Eu conheci o Eliezer.

R – Você conheceu o Eliezer, a Marta Batista é irmã do Eliezer. A Marta Batista foi minha colega desde o primeiro ano, nós duas erámos as craques no estudo, sabíamos tudo o que a professora ensinava, mas é porque ela estudava muito em casa, não sei se o pai dela ensinava ou a mãe, que a mãe dela acho que era professora, e lá em casa papai sempre trazia coisa pra mim, pra eu estudar, e eu já sabia, quando eu comecei a ler, eu já sabia ler, quando eu comecei as letras, eu já sabia, aprendi num instante porque eu já estava familiarizando com aquilo. De modo que já era fácil pra mim, e a Marta também, a Marta já sabia tudo, nós duas erámos as craques da classe. Quando precisava de alguma coisa, perguntava então pergunta pra Maria Elisa ou pergunta pra Marta, aí perguntava, e uma das duas já sabia, de modo que era assim, e formamos, recebemos o diploma, dez com louvor, também não sei o que quer dizer isso, deve ser muito bom (risos).

P/1 – E tem alguma professora que você se lembra desse período? Quem?

R – Tem, tem uma professora que morreu agora a pouco tempo. Morreu com 100 anos, é a Juju, ela era Araújo, as minhas professoras todas foram Araújo, Dona Juju Araújo e Dona Liginha Araújo. Eram duas professoras, era as melhores professoras de lá, tinha outras também, as outras deviam ser boas também, mas eu conheci essas duas, mas eu tinha as aulas e logo depois da aula eu já ia pra casa, porque era pertinho, não ficava fora não, perguntava quando é que eu ia sozinha, eu não saia sozinha nunca, nunca saí sozinha pra lugar nenhum. A gente ia passear na praça, mas iam várias moças, aquela turma toda, aí quando uma arranjava namorado, aí o namorado ia também, os namorados ficavam andando de um lado da praça e os que não tinham namorados andava do outro, então era aquele negócio de andar pra lá e pra cá e arranjava namorado, hoje está tudo aí, donos de banco, está tudo importante, mas eu conheci todos assim, mocinhos, eu conhecia todo desse jeito, mas era interessante, a vida lá era muito simples em Belo Horizonte.

P/1 – Mas peraí, essa escola que a senhora ia era em Nova Era, dos sete aos dez?

R – É, dos sete aos dez em Nova Era.

P/1 – E depois?

R – Depois nós tivemos que mudar para Belo Horizonte, eu estava no Instituto, estudando no Rio, eu fiz o ginásio no Rio, fui pro Rio e fiz os cinco anos. E aí quando eu estava terminando o ginásio, mamãe teve uma pneumonia dupla e ficou passando muito mal e teve que se tratar em Belo Horizonte, e aí o médico disse que ia demorar muito o tratamento, levava uns dois anos pra ela fazer um tratamento lá em Belo Horizonte, aí papai resolveu mudar pra Belo Horizonte, porque iam ficar três filhos internos no colégio, então aí mudamos todos pra Belo Horizonte.

P/1 – E porque que a senhora com dez anos, vamos chegar, porque que com dez anos a senhora foi pro colégio interno e sim Lafayette?

R – Porque todo mundo ia, lá em Nova Era não ficava ninguém em casa, quer dizer, depois que terminava o grupo escolar, a gente fazia o grupo escolar e depois ia ou pro colégio de Ponte Nova, ia pro colégio de Belo Horizonte, lá foi indicado pelo diretor da companhia Vitória-Minas, que a filha dele estava estudando lá, e que foi muito recomendado, e que eles estava gostando demais, que o colégio era maravilhoso, que nem pensasse em botar em outro colégio, porque eu ia pro colégio Assunção, não me lembro mais como é que é o nome, mas era um colégio, até tenho aqui também, colégio de freira, tem em Belo Horizonte. Então esse amigo do meu pai falou: “Não, não põe em colégio de freira não, isso aí são umas ignorantes, não põe não, põe lá que você vai gostar demais”, aí papai mandou buscar lá e nos levou e ele foi lá com a mamãe pra me levar no colégio, e eu gostava demais do colégio, saí de lá morrendo de pena e ainda deixei um namorado.

P/1 – As suas irmãs já tinha ido pra lá?

R – Não, eu era a mais velha, só eu que fui. Quando foi esse segundo que vovô foi buscar, esse estudou um ano fora, depois nós mudamos pra Belo Horizonte, porque com mamãe doente, fomos todos pra Belo Horizonte, e vovó também foi pra Belo Horizonte pra ficar tomando conta de mamãe, ela que ficava tomando conta de mamãe, em cima da casa, e eu que ficava tomando conta, tomando conta nada, eu que olhava as coisas em casa, mas não olhava nada, queria ficar só passeando. Só gostava de cantar Inglês, quando eu descobri a Cultura Inglesa falei: “ih, é isso ai que eu gosto”, fiz o curso de Inglês todinho, depois ainda fiz Letras e também Inglês.

P/1 – Vamos voltar lá pro colégio Lafayette, como é que foi chegar nesse colégio, lá no Rio de Janeiro?

R – Nós chegamos, nós fomos de carro, de Belo Horizonte até Ponte Nova, de Ponte Nova nós tomamos um trem pra ir até o Rio de Janeiro.

P/1 – E como é que foi chegar no Rio de Janeiro e ver pela primeira vez o Rio de Janeiro?

R – Ah eu achei uma beleza, eu achava tudo lindo, primeira vez que eu saí de casa, eu morava numa fazenda. Eu não via negócio de cidade que tinha lá embaixo, mamãe não deixava a gente ir lá embaixo porque era perigoso, então a gente não ia, porque era uma ladeira muito em pé, então ela não deixava porque tinha muito movimento de carro, e carro também só tinha dois, tinha o carro do meu pai e outro lá, tinha dois carros, quer dizer, carro não tinha pra atropelar ninguém, mas tinha cavalo, e o pessoal andava, tinha aqueles cavalos, como é que chama esse que é guiado com o cavalo?

P/1 – Carroça.

R – Uma carrocinha. Não, mas aquele que vai com quatro pessoas atrás assim. Isso eles tinham muito na fazenda. Eles iam passear na cidade, iam pra missa, tudo nessas coisas.

P/1 – Charretes.

R – Nessas charretes. De modo que então, era um movimento grande, sabe? Era grande o bastante.

P/1 – Aí quando você chegou no Rio de Janeiro?

R – Bom, aí cheguei no Rio de Janeiro e parecia coisa de outro mundo. Bom, mas aí quando eu estava lá, vovô e vovó resolveram vir pro Sul, eu devia ter uns 12 anos mais ou menos, foi antes, eu devia ter antes de dez anos, que papai veio me falar que ia comigo pra receber vovô e vovó em Vitória, eles vinham de navio, então nós fomos de trem, papai andava só de trem, especial, porque ele trabalhava na Vitória-Minas. Então a gente ia naquele trem bonito, eu achei o trem maravilhoso, nossa, achei tudo uma beleza, e aí fui, nós fomos até Vitória, trouxemos vovô e a vovó, foi a primeira vez que eu saí de Nova Era, já com uns oito, nove anos. Papai pedia pra eu escrever, eu tenho escrito o que eu achei de tudo, depois nós fomos conhecer o mar, papai me levou pra conhecer o mar, me fez beber água do mar, que era salgada, nós ficamos espantados porque a água era salgada.

P/1 – Que mar que a senhora foi?

R – Lá em Vitória, como é que é o nome? É uma praia conhecida lá em Vitória.

P/1 – Guarapari?

R – Tem muito tempo, nunca mais fui a Vitória, eu não sei, mas eu sempre ia agora ao Rio de Janeiro, sempre a gente ia pro Rio, nunca mais fui a Vitória, só fui essa vez que fiquei maravilhada, achei uma beleza, gostei muito, mas aí quando eu voltei, depois eu fui pro Rio, mas lá no Rio eu já tinha gente que conhecia, tinha duas tias de mamãe, tinha umas primas, então todas tinham casas lá e moravam, e eu ia na casa de uma, na casa de outra, eu gostei muito do Rio, que tem essas fotografias que tem eu sentada com outra menina, que é filha de uma amiga de mamãe, então já tinha gente que a gente conhecia. Eu gostei muito do Rio, eu morei lá quatro anos, e gostava, e tenho amigas lá até hoje, que eram minhas amigas no colégio, até hoje eu tenho amigas lá, e eu fui lá passear, nós fomos a uns três, quatro, cinco anos atrás, nós tivemos, fizemos uma festinha nossa, do colégio, das meninas do colégio, então fomos juntas, passeamos, depois nunca mais nos encontramos, agora fica difícil.

P/1 – Como é que era o Rio de Janeiro naquela época que a senhora entrou na escola Lafayette?

R – O que tem?

P/1 – Como é que era o Rio?

R – Como é que era o Rio? Ah, o Rio era muito diferente, tem uma fotografia nossa passeando em Copacabana você vai ver como é que é, você olha assim e não tem nenhum prédio, nenhum prédio. Eu estou andando assim, com aquela menina e lá no finzinho tem uma coisinha, mas não tinha nenhum prédio, que agora está tudo entupido. Eu ia muito pro Rio, porque minha irmã comprou um apartamento lá no Rio e nós íamos passar as férias sempre no Rio. Íamos passar as férias na praia. Então eu ia pra Barbacena que era onde morava minha sogra, passava uns dias com ela, e depois ia pro Rio e passava com os meninos. Eu tive seis filhos.

P/1 – Vamos voltar, como é que era essa escola? Descreve a escola Conselheiro Lafaiete.

R – A escola, a Conselheiro Lafaiete? Essa Conselheiro Lafaiete é a Instituto Lafayette?

P/1 – Desculpa, Instituto Lafayette.

R – O Instituto Lafayette, o professor Lafayette, ele era uma pessoa muito diferente naquele tempo, muito diferente, hoje que eu fico pensando como eu achava diferente, ele era positivista, e todos os professores de lá, não sei se ele escolhia, eu falei: “Como é que professor escolhe todos assim, todo mundo era positivista aqui?”, “Não, é porque todo mundo é positivista, essas que não são positivistas, são essas inspetoras aí que são ignorantes”. Aí eu guardei aquilo “mas aquelas são ignorantes mesmo”, então a outra ficava assim: “Não, porque você faz uma promessa pras almas do purgatório que você consegue”, aí elas falavam que “Elas são umas ignorantes”, e o que eu ia achar? Eu achava que era mesmo, porque eu ia achar diferente? Então eu comecei a achar que os outros eram melhores, os positivistas, eu não sei o positivismo até hoje como é que é, mas é uma coisa interessante, eles tinham muito, principalmente nos militares, os militares que começaram com positivismo e estavam todo mundo gostando muito do positivismo, inclusive Dom Pedro II, era positivista, e eu não sabia, fiquei sabendo agora quando eu li o livro da vida dele, que eu não sabia que ele era positivista. Então vários se tornaram positivistas e eles não gostavam da rainha que terminou com esse dos negros, que eram escravos, e deu todos os direitos dos escravos, e eles não gostavam porque ela vivia na igreja, vivia rezando, eles começaram a ver também que o positivismo era melhor, não sei porque, eu também não sabia disso não, mas disse que era assim.

P/1 – E como é que era na escola, o que a senhora aprendia lá?

R – O que?

P/1 – Em Lafayette.

R – Era um programa comum de ginásio, eu não sei, o programa era comum, estudava Geografia, História, tinha professor de Direito, eu era secretária da professora de Química e era secretária de um professor de Direito, de História Geral, que era o professor Ney Palmares, esse Ney Palmares é pai desse artista Palmares, como é que é o nome dele? Eu esqueci o nome dele. O Doutor Ney era meu professor, era um professor ótimo, muito bom, era filho de Dona Olga, ele era um jurista muito importante lá no Rio, muito conhecido, professor Ney Palmeiras, e ele se formou, ficou um juiz muito importante, casou e o filho é esse artista que é não sei o que Palmeiras, esqueci como é o nome.

P/1 – Marcos Palmeira?

R – É Márcos Palmeiras. Então, esse daí é filho desse meu professor. Mas os professores lá eram todos ótimos sabe? Não sei se porque eu só conheci esses professores, mas eram diferentes, também, Nova Era tinha só umas professorinhas que ensinavam aprender a ler e a escrever só.

P/1 – E você ficava o dia inteiro, dormia na escola, como é que era?

R – Ficava o dia inteiro, dormia na escola, amanhecia o dia e a gente acordava 15 pras seis, não tinha negócio de missa nada, missa a gente ia uma vez por semana, porque eu ia à missa todo domingo só pra passear lá na praça, mas a gente ia à missa e chegava lá o padre virava pra lá e celebrava a missinha em latim, e não falava nada, e aí a gente voltava, a Dona Olga falava: “O que o padre falou hoje, sobre alguma coisa?”, e falei: “Ele falou muito, mas eu não entendi nada” (risos), eu não entendia porque eu não prestava atenção, acho que sim, não sei.

P/1 – E sábado e domingo também a senhora ficava lá ou tinha folga?

R – Não, aos domingos às vezes as minhas tias ou então qualquer coisa levava pra passar o domingo, mas eu ia, almoçava na casa delas e voltava, sabe, ia de manhã e voltava de tarde, não dormia lá não, eu ficava sempre no colégio.

P/1 – Que bairro que ficava o colégio?

R – Na rua, oh meu Deus, que termina em U, que era uma rua muito comum lá na Tijuca. Daqui a pouco eu lembro.

P/1 – Era na Tijuca?

R – Era na Tijuca, tinha três colégios na Tijuca, tinha o colégio Primário, tinha a Sede que era dos homens e tinha o Departamento de Menino, tinha sido a casa do... Era desses, o que eles eram meu Deus? Não tinham aqueles que compravam títulos e tinha título dele, essa casa era de um desses, eu não me lembro o nome dele, daqui a pouco eu me lembro, mas era muito conhecido, então esse daí, ele que fez a casa, a casa era um tipo assim, de um prédio, mas muito bonito, foi feito nos anos 20. Então aquele muito trabalhado, tinha uma grade que ia da parte da frente pra ir pro lado, tinha uma porta que abria de vidro trabalhado todo escrito, era uma beleza o salão de festa lá era uma beleza, veio um pintor da Itália pra pintar, então tinha São Francisco pintado, tinha São Francisco e Santa Teresa pintados, os dois que eram os que eu conhecia, e tinha outros, de outras pinturas. Ele fazia cópias das pinturas da Itália, ele fazia tudo lá, então era muito bonito o salão com aqueles coisos, porque lá era tudo muito rebuscado sabe? Porque era tudo dos anos 20, você conheceu aquela padaria lá no Rio? Aquela muito bonita que tinha lá, como é que era o nome, que tem até uma em Copacabana, é do tipo daqueles ali, tudo trabalhado, tudo, sabe?

P/1 – Colombo?

R – É, Colombo, é a Colombo. A Colombo depois saíram de lá agora diz que está em Copacabana de novo. Eu fico sabendo notícias do pessoal que vai lá, eu há muito tempo que não vou ao Rio.

P/1 – E você sentia saudade da sua família, da sua casa?

R – Se eu senti?

P/1 – Lá nessa época.

R – Eu sentia muita falta de mamãe, de papai, das minhas amigas, minhas primas, minhas primas moravam no mesmo, porque do lado da igreja tinha essas casas, e minhas primas moravam numa dessas casas pertinho lá de casa, então nós estávamos sempre juntas, erámos muito amigas mesmo, mas eu não sentia assim, não sentia muita falta não. No princípio eu sentia mais falta, depois fui me acostumando, depois quando eu arranjei um namorado, aí acabou, não queria mais nem saber de ir pra lá.

P/1 – Você arrumou namorado onde, na escola?

R – Não, namorado era assim, eu encontrava ele lá, ele ia jogar junto, aí eu jogava junto, aí ele mandava um bilhetinho pra mim, aí eu mandava um bilhetinho pra ele, e esse era o namoro, não tinha namoro nenhum não, o namoro era isso, eu encontrava e tudo, umas duas vezes nós fomos de ônibus pra jogar em outra cidade, então fomos de ônibus, mas não podia sentar perto, porque era namorado, então não podia, então ele sentava em outro lugar, e eu sentava, mas aí ele fazia assim, pra segurar na minha mão, eu achei isso lindo e pronto, o namoro era esse, hoje nem existe um negócio desse, coisas de outro mundo (risos), mas era assim.

P/1 – Foi o primeiro namorado que a senhora teve?

R – Foi o primeiro namorado.

P/1 – Como que você conheceu ele?

R – Eu conheci jogando lá, ele jogava, eu jogava, achava que eu jogava bem, e eu não jogava bem nada, eu não enxergava direito, aí um dia eu descobri que uma amiga minha tinha uns óculos que eu estava enxergando muito bem, pedi emprestado, fui num concurso, nós tiramos medalha de ouro, e eu com os óculos emprestado da vizinha, quer dizer, eu não estava enxergando direito, precisava ir ao médico, aí depois eu fui ao médico, botei os óculos que tinha que fazer, mas eu tinha oito graus de miopia, então pra você ver, eu não enxergava nada. Quando eu conheci meu marido, eu não enxergava nada, nem posso dizer que conheci, olhei assim e por acaso quando eu pensei que fosse uma pessoa, quando ele veio me tirar pra dançar, eu vi que era meu marido, o que foi o meu marido, quer dizer, foi tudo assim, de repente, era engraçado, meu cunhado ele é oftalmologista, então ele acha muito engraçado isso (risos), mas aí ele veio me tirar pra dançar e eu fui dançar com ele. E depois eu fiquei gostando mais dele do que do outro, porque o outro não aparecia em lugar nenhum, então eu comecei a gostar mais desse, que esse aparecia pelo menos. E aí foi aparecendo, e ele estava no terceiro ano de Engenharia ainda, então ele ia a todo lugar, ia passear na praça toda sexta, todas às 15 de domingo nós íamos passear na praça, era aquela maravilha, e ia pro colégio, um colégio atrás do outro, que eu fiz.

P/1 – E a senhora passava, nesse período você se correspondia com sua família?

R – Ah, escrevia toda semana, mamãe fazia a gente escrever toda semana pra ela, então eu escrevia, ela também escrevia, mandava retrato. Nasceu meu irmãozinho e eu fui conhecer ele com oito meses, porque ele nasceu em abril e eu só fui conhecer ele em dezembro. De modo que não tinha como, não podia ver, então era assim, mas eu ficava com uma pena, ficava pensando, mamãe mandava retratinho dele, era assim. A gente conhecia assim, e muito tempo depois também que eu casei e vim mudar aqui em São Paulo, cheguei aqui e também eu não tinha telefone em casa, a vida aqui em São Paulo era muito diferente do que é agora, muito diferente, e eu quando queria telefonar, tinha que ir lá na estação, aquela estação que tem lá no centro, como é que chama? Tinha que ir lá, ficar esperando ligação, ligava, a gente ficava umas duas, três horas esperando pra poder fazer ligação, aí pra poder falar, isso pra falar pra Belo Horizonte, porque Nova Era não tinha telefone pra lugar nenhum, mamãe uma vez telefonou pra mim uma vez nesses quatro anos, uma vez mamãe telefonou que ela foi à Belo Horizonte, aí ela telefonou pra falar comigo.

P/1 – Aí nessa escola você ficou até quanto tempo em Lafayette?

R – Lafayette eu fiquei os quatro anos de ginásio.

P/1 – Aí quando acabou?

R – Quando acabou eu mudei, aí foi quando nós mudamos pra Belo Horizonte.

P/1 – E a senhora não tinha vontade de continuar morando no Rio?

R – Ah, eu tinha vontade, imagina, eu não queria sair do Rio de jeito nenhum, mas eu não mandava nada não (risos), tinha isso: “Agora nós vamos fazer isso”, “Então está bom”. Não tinha esse negócio de ficar perguntando, hoje é: “Você quer que faça isso, quer que faça aquilo?”, não tinha nada disso não, mamãe que resolvia, papai que resolvia e pronto. “Olha, agora nós vamos morar em Belo Horizonte por que...”, uma vez papai mandou retrato da casa que ele arranjou em Belo Horizonte e aí eu achei bonito e todo mundo: “ah, que beleza, olha só a casa”, e ele: “Pois é, vocês vão passear lá”, Por exemplo, eu estava querendo ficar no Rio, eu queria ficar lá no colégio interno e todo mundo falava: “Você mora em colégio interno? Que coisa horrível”, eu achava tão bom o colégio, eu achava ótimo, porque o colégio era diferente eu acho, não sei. Porque as outras reclamavam dos colégios, não achavam bons porque isso, porque queria aquilo, tudo coisa de colégio. Mas lá tinha uma maneira diferente de educar meninas, o professor Lafayette tinha muita preocupação com isso, de preocupar com educação, ele tinha muita preocupação com isso, então a gente tinha que conhecer várias coisas, nós tínhamos aula de balé, aulas de piano, de música e tinha pra trabalhar em teatro, quem quisesse fazer, eu nunca fiz, mas eu fiz balé e música eu fiz também lá, e estudava lá, havia aquelas coisas de ir aos concertos que algumas meninas estavam participando do concerto, a gente também participava todo sábado tinha uma hora lítero-musical. Então tinha a hora lítero-musical e cada uma fazia uma coisa, era assim, e a gente gostava, mas estava bom, hoje ninguém fica contente com coisa nenhuma, hoje está tudo tão atrapalhado, não é? Tem que arranjar 500 coisas pra esses meninos gostar, Nossa Senhora.

P/1 – E como é que foi essa volta, do Rio de Janeiro pra Belo Horizonte, como é que foi essa mudança?

R – A mudança, eu tomei o trem lá e vim embora pra Belo Horizonte, tinha trem. Mas aí já tinha trem em Nova Era também, eu tomei o trem e vim até Belo Horizonte e lá nós fomos pra nossa casa. Achei o lugar muito bonito, tinha uma vista muito bonita, achava bonita a vista que tinha de lá, e pronto. Mamãe e papai que escolhiam. Então eles escolhiam, o colégio também. “Agora vamos ver um colégio pra você, você vai ficar em tal colégio, você vai ficar em tal”, e foi aí que papai falou: “É melhor você fazer o curso de Contabilidade, porque agora as mulheres estão querendo trabalhar, e pra você é mais interessante”, porque ele perguntou o que eu queria ser, o que eu queria fazer.

P/1 – E o que você queria?

R – Aí a mamãe falou assim: “Ah, ela tem muito jeito pra mexer com criança doente, ela tem mania de fazer curativo”, é mesmo, eu gosto, toda vida eu fiz curativo, até hoje eu continuo fazendo curativo, então tem qualquer coisa lá na minha rua, ia tudo lá pra tia Maria Elisa, tia Maria Elisa que fazia os curativos, e continuei sempre fazendo os curativos eu gostava mesmo de fazer curativo. Então eu falava: “Uai, eu gosto muito de fazer curativo, eu tenho a impressão que Medicina seria ótimo que eu estudasse”, papai: “Sim minha filha precisa pensar muito”, porque nós tínhamos perdido um irmãozinho com um ano e meio, e ele falou: “Quando o médico acerta com as coisas que ele ensina, é muito bom, mas quando não acerta, é como seu irmãozinho, que você vê, a criança morre e você não pode fazer nada”. Aí eu desisti de uma vez, não pensei mais em fazer Medicina, quer dizer, foi uma coisa que me fez acabar com a mesma que nem pensei mais, eu achei mesmo, porque eu achei horrível quando ele morreu sabe? Porque ele era um menino muito engraçadinho com um ano e meio, estava começando a falar, tudo, era muito engraçadinho, então quando ele falou isso, acabou de uma vez. Mas aí eu falei: “Bom, então vamos fazer esse negócio”, papai disse assim: “Não, você vai aprender Contabilidade, que agora as mulheres querem trabalhar, você vai trabalhar comigo”, mas depois não pude trabalhar com ele porque ele também mudou pra Belo Horizonte, e eu fiquei fazendo outras coisas, fazendo um curso atrás do outro.

P/1 – Aí você fez esse curso de técnico em Contabilidade?

R – Fiz, o curso de Contabilidade. Quando eu me casei, eu fiquei dois anos a escrita da firma, depois a firma ficou muito grande e não deu pra fazer, e eu também tive seis filhos, um atrás do outro, não dava mais.

P/1 – Mas vamos voltar, aí a senhora fez o curso de Contabilidade?

R – É, fiz, o curso de Contabilidade, pois é, nós estudávamos contabilidade bancária, industrial e comercial. Uma besteira, quer dizer, hoje eu acho uma besteira, mas a gente sabe como que é só.

P/1 – E aí a senhora...

R – Eu fiz o comercial, eu fiz, na nossa firma.

P/1 – Que firma que era?

R – Sonafe, a firma.

P/1 – Mas era de quem?

R – Era do meu marido, do meu irmão.

P/1 – Não, mas espera aí, quando a senhora fez o curso de Contabilidade, já tinha essa firma?

R – Não, isso foi depois.

P/1 – Então a senhora fez o curso, e quando acabou o curso?

R – Pois é, quando eu acabei o curso, eu me casei e vim pra São Paulo.

P/1 – A senhora casou quando estava fazendo o curso?

R – Não, quando acabei de fazer o curso. Eu fiz o curso de coiso, fiz o curso do, (pausa), porque o Juscelino convidou o Guignard pra fundar a Escola de Belas Artes em Belo Horizonte, e eu entrei, fui a primeira a entrar, fiz o curso da Escola Belas Artes três anos, eu fiz com o Guignard, o Guignard e a igreja, você conhece a Igreja de São Francisco? Então, quem fez a Igreja de São Francisco foi o Oscar Niemeyer. Você conhece o Niemeyer. Então, o Niemeyer, quando ia entregar a Igreja de São Francisco, o Juscelino era prefeito de Belo Horizonte, então o Juscelino ia pra Belo Horizonte e o Guignard falou: “Ah, nós vamos pra lá, que nós vamos falar com o Juscelino pra ver se ele empresta pra gente ficar lá em Ouro Preto, pra depois a gente poder fazer uma exposição”, uma exposição dos alunos dele. Então quando ele falou isso com o Juscelino, o Juscelino ficou maravilhado, porque o Juscelino se maravilhava com tudo, ele já viu a coisa beleza, e foi comemorar a semana de Arte Moderna daqui de São Paulo. Eu nem conhecia ninguém aqui de São Paulo, não conhecia nada, eu nunca tinha vindo a São Paulo e quando eu vim pra cá eu não conhecia, aí fizemos uma exposição, aí nós fomos pra lá e o Guignard. Bom, aí foi o Juscelino, e aí o Juscelino estava conversando sabe com quem? Com o que estava fazendo a igreja, que também foi trabalhar em Brasília, eles estavam falando sobre Brasília, naquele tempo, nós ficamos admiradas “Meu Deus do céu”, aí o professor disse assim: “Mas o Juscelino fica pensando em Brasília, será que ele vai conseguir mesmo?”, isso era a conversa dele conosco, aí o Juscelino disse que queria conversar com os artistas, os artistas habilidosos, os meninos que queriam desenhar, ele foi conversar. Chegou e falou: “Vocês são criaturas privilegiadas, o artista já nasce feito e ninguém pode pagar pra ser artista, é a única profissão que ninguém pode pagar pra ser”, nós saímos de lá numa satisfação que você nem imagina. Ficamos felizes mesmo.

P/1 – Porque que a senhora saiu do curso de Contabilidade, de técnico de contabilidade e escolheu Belas Artes.

R – Porque eu acabei.

P/1 – Não, mas porque que escolheu Belas Artes?

R – Porque eu acho que eu gostava, eu sempre estudei, e tinha uma outra professora perto lá de casa que eu estudava com ela, uma alemã, eu estudei com ela pra desenho, fiz desenho com ela. E tinha qualquer coisa assim perto, eu fazia, não muda. E agora essa de Belo Horizonte, eu fui fazendo sempre um curso depois de outro, porque eu fazia, por exemplo, o meu curso, eu terminei o curso e comecei a fazer curso de Inglês, eu fiz o Cambridge, são os dois cursos. Eu fiz o curso completo de Inglês, aí quando eu terminei o curso completo, eu fiz Letras também com Inglês. Eu só estudava Inglês, eu adorava Inglês, só cantava em Inglês, só falava em Inglês, tinha uns negócios na sola do meu pé que é pra ficar sapateando assim, o tempo todo, era desse jeito, mas não pensa que é porque eu estava querendo, o negócio era uma doença, vamos dizer, era uma doença. Eu sabia essas músicas toda de cor e sei até hoje.

P/1 – Que músicas?

R – As músicas, aquela, por exemplo, que falava “I like to be”, não tô me lembrando agora, agora acaba esquecendo, quer dizer I like to cheek to cheek, como é que começava? Oh, I love to climb the mountain, and to reach the highest peak, but i don't enjoy as much as dancing cheek to cheek, isso aí era uma das coisas, e eu sabia tudo de cor, tudo, essas outras músicas todas eu sabia tudo de cor, e em Inglês, tinha umas coisas em Francês também que eu sabia, porque naquele também tinha aquele cantor em francês que ele cantava muito bem, então tinha umas músicas também que ele cantava, e eu cantava, tocava, mamãe pra tocar piano, ela tocava piano muito bem, tocou, aprendeu órgão sozinha, ela tocava e ficava muito bonito, muito bom, era assim. E o pessoal gostava muito dele, porque ali tem a pergunta pra descrever os pais, eu falei: “Olha, é difícil porque os dois eu nunca vi assim, combinar tanto, como aqueles dois, porque quando mamãe pensava em fazer alguma, papai já estava fazendo, sabe, quando papai gostava de alguma coisa, mamãe num minuto fazia”, era um negócio assim, incrível, havia uma cooperação muito grande entre os dois, e eles eram muito admirados, o pessoal gostava muito de lá, gostava de ir lá em casa, cantava, o pessoal que gostava de cantar ia cantar lá em casa, que gostava de tocar ia tocar lá em casa, e nós todos tocávamos, e eu toco até hoje. Eu toco na igreja, outro dia teve uma coisa da terceira idade, então eu fui pra tocar piano lá, toquei piano, então eles fizeram. Eu estava frequentando aquela Igreja Anglicana, que é pertinho da minha casa, então eu ia na missa lá e depois ele fez um cursinho pra gente, um cursinho não, ia fazer uma visita em casa e depois convidava pra gente cantar lá, depois ele fez um curso pra terceira idade, nesse curso da terceira idade eu sempre ia pra tocar, agora não tenho ido mais.

P/1 – A senhora tocava o que naquela época?

R – Piano, eu sempre toco piano.

P/1 –

Aprendeu com sua mãe?

R – Só piano, não, eu aprendia com mamãe, mas eu aprendi mais com vovó, vovó que me ensinou, com sete anos eu já toquei uma música e ela foi e meu deu o piano de presente, o piano está lá em casa até hoje, é um piano alemão que ela tem, que era dela, e ela me deu quando eu fiz sete anos, e está lá o piano. Agora eu falei: “Agora eu quero saber quem que vai estudar piano direito pra poder ganhar esse piano” (risos). Eles todos gostam de música, meus netos, eu tenho um neto que é cantor maravilhoso, o Caetano, ele canta todas as músicas, uma voz muito bonita, ele trabalha numa firma americana de propaganda, ele trabalha em propaganda, e ele trabalha nessa firma, e ele canta nos sábados e domingos, nessas estações, não tem umas cidades que tem águas, tratamentos de água. Ele canta nessas, tem uma que é perto de Campinas, que é perto, e ele vai cantar lá nos sábados e domingos, aqui também, canta em vários lugares.

P/1 – Então vamos voltar, aí naquela época todo mundo que gostava de cantar, tocar, frequentava a sua casa?

R – Tudo.

P/1 – A senhora estava na faculdade de Belas Artes e lá que a senhora conheceu seu marido? Quando que você conheceu?

R – É, meu marido, eu fui a uma festa do aniversário da escola onde ele estava estudando, Escola de Engenharia, então tinha uns bailes muito bonitos, eram os melhores bailes que tinha lá na Escola de Engenharia e do Minas Tênis Clube, tinha três bailes que eram muito bons, a gente ia, e como dizia minha amiga: “É bom pra gente arranjar namorado”. Então eu não tinha muita preocupação de arranjar namorado assim não, eu arranjava sempre por acaso, sabe, esse aí por um exemplo foi inteiramente

por um acaso, porque eu estava interessada em uma pessoa completamente diferente, e aí eu combinei com essa minha amiga, aí nós fomos lá, aí Virginia

olhou e começou pra mim: “Eu vou te contar uma coisa, o Benjamin está ali naquela coluna, você está vendo?”, eu falei: “Qual coluna?”, “Ali naquela coluna, ih, peraí, então vamos chegar mais pra lá”, aí ele foi chegando de um jeito que eu pudesse enxergar bem, e ele estava em pé na coluna muito parecido com o meu marido, aí ele ficou em pé lá na coluna, e eu fui dançar, voltei, fiquei ali, aí Virginia chegou, e nós estávamos conversamos aí chega o Luís Álvaro e veio me tirar pra dançar, aí eu cheguei a dançar, aí Virginia falou assim: “Ué, mas esse aí eu não estou conhecendo”, eu também não conhecia (risos), fui dançar com ele e casei com ele. No fim acabou dando certo, porque dancei só com ele, só esse dia, mas como o primo dele era namorado da minha irmã, ele falou: “Você é irmã da Terezinha, né?”, falei: “Sou porque? Da onde você conhece Terezinha?”, e falou: “Eu conheço, ela é namorada do Ângelo”, eu falei: “Ah bom”, e aí fui dançar com ele e lá gostei dele e acabou, aí encerrei todo o resto todo, foi pro lixo, não tinha ninguém que interessasse.

P/1 – Senhora se apaixonou?

R – É, completamente, quer dizer, mamãe ficou, eu estava dançando muito com um que era médico e era médico dela, estava tratando dela, era de estômago, ele era muito simpático, um homem muito inteligente, mas não sei, ele era 12 anos mais velho que eu, eu falei: “Ih mamãe, 12 anos mais velho”, “É o mesmo que o seu pai é mais velho que eu”, eu falei: “Ih, mas agora não está mais usando isso não mamãe”, e ela: “Não, usa sim, bobagem”, e ficava com aquele negócio, e eu ia obedecendo, né? Mas aí eu fui dançar com esse outro, atrapalhou tudo (risos), aí eu não pude mais dançar com os outros.

P/1 – E ele fazia o quê? Quantos anos você tinha?

R – Quando eu comecei a namorar eu tinha 20, mamãe dizia que eu já estava no caritó. “É o mal dos 20 anos e você não tem namorado ainda, então está no caritó”.

P/1 – Caritó?

R – Caritó, é, caritó é que ia ficar solteirona (risos), eu falei: Então estou no caritó, mas não tem jeito”. Aí arranjei esse namorado, ih, ela ficou triste, “Mas você deixar um rapaz já formado, e que tem um carro bonito, você vai ficar namorando esse aí no terceiro ano de Engenharia?”, e eu falei: “Mas eu só gostei dele mamãe, esse outro está muito chato, combina comigo e não vai, não sei, eu não gosto dele”. Aí eu fiquei conhecendo umas primas dele e um dia a prima dele falou: “O Kim falou que ele só vai casar quando a mãe dele morrer”, e eu falei: “Bom, então agora já está encerrado o assunto”, aí eu falei: “Mamãe, imagina se eu vou ficar esperando agora a velha morrer pra poder me casar”, aí mamãe disse: “Não, isso é porque ele é muito ocupado, ele está fazendo isso porque...”, sabe? Parecia que mamãe que era namorada dele (risos) e aí eu acabei, não sei, não combinava com ele não. Ele era uma pessoa muito simpática, e eu acho, hoje em dia por exemplo, eu acho que é um absurdo mesmo, eu podia ter casado com ele, mas eu fiquei muito satisfeita com o que eu escolhi, não me arrependi não.

P/1 – O que ele fazia?

R – O outro era médico, e esse aí era engenheiro.

P/1 – Ele já era engenheiro quando você conheceu?

R – Não, quando eu conheci, ele estava no terceiro ano de Engenharia, isso que mamãe falava: “Ainda faltam dois anos pra ele se formar”, e eu falei: “Então mamãe, mas dois anos passa depressa”, passou depressa mesmo, eu estava fazendo meus cursos, terminei meus cursos, fiz mais cursos ainda, e ainda deu pra fazer uma porção de cursos, porque ele veio, ficou trabalhando ainda, juntando dinheiro pra poder ter dinheiro pra viver. Aí ele veio trabalhar aqui em São Paulo, o tio dele arranjou pra ele trabalhar naquela fábrica de vagões, uma fábrica muito grande que tinha aí de vagões, depois eles fizeram a firma deles, ele e meu irmão, fizeram a firma da família, uma firma grande, agora a firma acabou também.

P/1 – Aí vocês se conheceram, namoraram e casaram lá?

R – E casamos lá.

P/1 – Teve festa de casamento?

R – Teve, teve festa de casamento.

P/1 – Como que foi?

R – Eu quis fazer a festa lá em casa mesmo, sabe, porque mamãe estava doente na ocasião, e eu queria uma coisa assim, que papai assim: “Se você quer fazer no clube...”, porque nós erámos sócios do Minas Tênis Clube, Minas Tênis Clube naquele tempo, era uma coisa assim, maravilhosa, mas aí eu achei que era melhor fazer lá em casa, então fizemos a festa. Como a casa era muito grande, tinha duas salas grandes, fizemos, tinha uma mesa de doce, meu casamento foi muito bonito mesmo, tanto o meu como o da minha irmã, sabe, fizemos lá em casa mesmo, e tinha gente que fazia doce, e os doces lá são maravilhosos, nossa, uma beleza, de modo que fizeram muita coisa, fizeram bolo que era um bolo do casamento da minha irmã, era um piano de cauda, e com a moça assim do lado, muito bonito, ela tinha as coisas todas lá do Guignard.

P/1 – Se casou na igreja também?

R – Casei na igreja.

P/1 – Entrou vestida de noiva?

R – Na igreja, vestida de noiva, tudo chique.

P/1 – Como é que era o vestido?

R – O vestido era bonito meu vestido, eu tinha um vestido justo e depois tinha uma saia que punha assim, que é a saia e depois ficava um rabo, só pra atrapalhar a gente, sabe, mas era bonito o vestido, era uma moça que só fazia vestido de noiva, cobrando caro a rodo, era assim. Mas naquele tempo, os enxovais também, tinha uma moça lá que fazia os enxovais, hoje não tem mais isso não, ainda tem casas que fazem. Nossa Senhora, era uma coisa, tinha que escolher, era lá onde tinha as crianças, como é que chama aquilo? Que tem crianças que eles ensinam a bordar? Então aí a gente encomendava lá, escolhia os modelos, elas bordavam tudo, tudo bordado, depois papai comprou uma arca desse tamanho, eu tenho lá em casa até hoje, e aí botava um enxoval todo lá dentro, era uma preparação pra casar muito grande, muito complicado. Hoje ninguém nem pensa mais não, casa de qualquer jeito, casou, amanhã já está... Casou, deu certo muito bem, se não deu melhor, porque assim, se não estava dando certo, né?

P/1 – E quando a senhora casou à senhora foi morar lá em Belo Horizonte ou já veio pra São Paulo?

R – Não, eu vim direto pra São Paulo, isso aí eu senti muito sabe? Quando eu vim pra lá, engraçado, quando eu fui lá de casa pro colégio, eu não senti tanto quanto quando eu vim de Belo Horizonte pra cá, eu vim pra cá porque eu não conhecia ninguém aqui, fiquei conhecendo o tio Maurício e tia Neli que eram tios do Luís Álvaro, que era a única casa aonde eu ia, e eu só conhecia eles, a casa tudo muito grande, depois nós fomos conhecendo, depois vieram vários, vieram 15 que estudaram Engenharia, vieram trabalhar nessa fábrica, onde o Luís Álvaro trabalhava, então esses 15 ficaram nossos amigos, sabe? Eles vieram e nós reuníamos uma vez por mês, reunia na casa de um, na casa de outro, era assim, ficaram os nossos amigos, mas nós tínhamos amigos, depois fomos fazendo amizades aqui também.

P/1 – A senhora não conhecia São Paulo?

R – Não, eu nunca tinha vindo a São Paulo.

P/1 – Como é que foi a chegada em São Paulo, qual foi a primeira coisa que a senhora viu?

R – A primeira coisa que eu vi foi a Avenida Nove de Julho, eu cheguei e vi a Avenida, aí o Luís Álvaro: “Essa

Avenida aqui é moderna, agora eles fizeram uma porção de casas novas”, tinha aquela outra, onde estavam fazendo as casas novas, eu esqueci como é que é o nome do coisa, então eu fui lá com o Luís Álvaro também pra ver, achei tudo bonito. Eu achava tudo muito bonito, sabe, mas não conhecia ninguém, quando a gente saía na rua...

P/1 – Como é que era a Nove de Julho?

R – A Nove de Julho era todo com casas novas, era uma coisa moderna, era a última moda, tinha umas casas bonitas, com jardins assim do lado, muito bonito. Tinha uma lá de Belo Horizonte que morava em uma dessas casas, uma casa muito grande, muito bonita, e assim eu fui conhecendo as coisas aqui de São Paulo, mas aqui em São Paulo, a gente não tem assim, muito... (pausa), depois eu comecei a ver os prédios, já começaram os prédios. Os prédios aqui em São Paulo, eu moro lá no meu prédio e não conheço ninguém que mora lá no prédio, não sei por que, é engraçado como a gente cumprimenta tudo, e fica só no cumprimento e no elevador.

P/1 – Mas a senhora quando veio morar aqui, foi morar aonde?

R – Eu fui morar no centro da cidade. Eu que era um lugar melhor, porque o Luís Álvaro, eles fizeram a firma, e a firma era ali na rua Benedito, uma rua que tem ali, onde tem a Folha. Como chama?

P/1 – Barão de Limeira.

R – Barão de Limeira. Na Barão de Limeira é que foi a Sonafe, ficava. Então nós procuramos uma casa ali por perto e compramos uma casa hoje lá é ponto de crack, é (risos), ali, não naquele lugar onde eu morava que era lá no fundo, mas, pra cá é ponto de crack. Tinha um prediozinho assim de três andares, então um desses apartamentos, nós alugamos um desses apartamentos. Mas era quarto, sala, banheiro e cozinha. Mas só que eram grandes, sabe, naquele tempo? A minha cunhada veio e também ficou um ano aí comigo. Você imagina quarto, sala, banheiro e cozinha e nós ficamos dois casais, e vivíamos muito bem ali, não tínhamos nenhum problema. A gente morava ali e ia a pé, passava na Sonafe, e depois ia até o Chique, a gente tomava chá no, como é que chama, onde tem, aí meu Deus como é que era o nome, uma cidade muito conhecida aqui em São Paulo, como era o nome dessa cidade, dessa loja?

P/1 – Mappin.

R – É o Mappin, é. A gente ia ao Mappin, levava os meninos pra cortar o cabelo lá no Mappin. Depois elas botavam assim, tinham aquelas mesas com aquelas toalhinhas até no chão. Então a gente tomava chá lá, muito chique, a gente ia de luva, de chapéu. Era assim que a gente ia, chá no Mappin. Sabe, era moda. A moda era essa. E tinha, começaram a surgir uns cinemas muito bonitos, muito bons, sabe? A gente ia, cinema quase não ia não, porque eu tinha menino pequeno.

P/1 – Aí seu marido, como que foi que ele saiu da empresa dele e criou a própria? Com seu irmão, como foi isso?

R – Não, porque eles fizeram uma fábrica lá em Minas. Mas depois a fábrica lá em Minas não tinha material suficiente pra fazer. Aí uma firma americana, quer dizer, o meu marido acho que fizeram de propósito, mas, se foi de propósito ou não foi eles compraram a fábrica e aí eles compraram e ficaram com a fábrica mas depois veio uma crise muito grande e não sei como eles resolveram a crise não, mas eles. Eu sei que pra nós resolveu porque nós ficamos trabalhando e meus filhos já estavam trabalhando, cada um já tinha as suas coisas.

P/1 – Não, mas como é que foi assim. Seu marido saiu da empresa que ele trabalhava aqui e criou uma com seu irmão aqui em São Paulo a Sonafe, como é que foi?

R –Essa aí ele saiu de lá e falou que ia sair porque ia fazer uma firma. Não era só uma firma com meu irmão. Era uma firma de sete coiso, né? Tinha o meu pai, o meu tio, tinha várias pessoas da família, eram sete, sete...

P/1 – Sócios.

R – Sócios. Eram sete sócios. Aí depois acabou, ninguém ligou muito não, acabou porque como eles venderam muito bem a fábrica lá.



P/1 – Do que era a fábrica?

R – De alumínio. O meu irmão, quando ele se formou, ele foi pra Inglaterra pra trabalhar nas fábricas de alumínio. Porque eles importavam as coisas prontas, então ele queria fabricar aqui. Então ele foi pra lá, passou um ano lá, logo depois da guerra, mamãe chorava tanto que não comia açúcar nunca, não sei o que, aí a gente mandava pacote de açúcar pra ele, era assim. E aí ele fez a firma aqui que era só mexendo com alumínio. E o meu marido sempre mexeu com alumínio, e ele foi seis vezes ele foi eleito presidente da associação brasileira de alumínio, a Abal, a sociedade de alumínio, todas as duas de alumínio. De modo que então aí ele foi deixando, depois ele adoeceu também, adoeceu e depois morreu.

P/1 – Mas quanto tempo eles ficaram na firma? Essa firma durou quanto tempo, dele com seu irmão, do seu irmão com seu marido?

R – Durou muito tempo. O tempo todo que nós vivemos nós mudamos. Eu morei em sete casas, a última eu morei 25 anos, eu não sei quanto tempo não. Deixa eu ver, 25 com mais dez, 35, com mais 35, com mais dez 45, com mais 20 lá do coiso são 35, 45, 50, 55 anos. Quer dizer, eu tô falando assim pelas casas onde eu morei.

P/1 – E a empresa foi pra frente, deu dinheiro?

R – Foi, pois é, mas aí já foram várias, que meu filho trabalhava em firma estrangeira, ele sempre trabalhou com ingleses e com os, esse que está aí, o Paulo Henrique, você esteve com ele, né? É, então. Esse daí. Agora ele tem a firma dele de construção, de modo que então, foram várias, vários, como é que eu estou dizendo, foi uma coisa que não atrapalhou muito porque deu um tanto pra cada um, vendeu bem, e eles depois tiveram prejuízo porque depois veio uma crise muito grande. O que eu fiquei sabendo foi isso, eles viram lá. Mas a firma é lá em Belo Horizonte, nós íamos pra Belo Horizonte. Mas depois não deu certo. Sei que eles também não deram certo com a...

P/1 – Eles quem?

R – Esse que compraram. Deixa eu ver... agora eu não me lembro o nome não.

P/1 – E a senhora, trabalhava fora ou não?

R – Não, eu sempre trabalhei como voluntária. Sempre. Eu trabalhei muitos anos na AACD, muitos anos. Depois eu tive de sair de lá porque eu estava grávida, e aí meu médico achou que não era bom eu fica vendo tanta criança... Eu fiquei muito impressionada com uma menina que teve que cortar as pernas, sabe? Então, aí ele achou que não valia a pena ficar trabalhando mais lá.

P/1 – Porque que a senhora decidiu ser voluntária na AACD?

R – Porque que eu fui? Porque era perto, não sei. Não sei se alguém me falou isso ou eu fui visitar. Eu tinha mania de visitar gente, principalmente criança doente assim. E eu fui, aí o médico falou que eu devia fazer o curso de psicologia que era ali perto, que era no colégio, como é que chama aquele colégio, não tem um colégio na Nove de Julho? Como chama ele? Como é que chama aquele colégio ali. Ali que tinha as senhoras católicas. E tinha lá também na Brigadeiro Luiz Antônio. Tinha um padre, Padre Calazans, nunca ouviu falar nele? É então. Esse Padre Calazans fazia vários cursos, muito interessante os cursos que ele fazia, sabe? Tinha cursos assim de interesse geral e tinha cursos, tinha Psicologia, era um curso bom, curso de Psicologia, eu fiz o curso lá três anos, de modo que então era bom porque eu tinha uma noção de Psicologia. Não é como fazer o curso na outra faculdade, mas a professora lá era a mesma professora da PUC. Era a mesma professora da PUC que dava aula pra nós. Era uma professora muito boa, e eu gostei tanto de Psicologia, até hoje eu gosto muito. Psicologia é uma coisa diferente, a gente já começa a analisar tudo.

P/1 – E quando foi o primeiro filho da senhora?

R – Quando nasceu? Foi nove meses depois que eu me casei. Nove meses e quatro dias depois ele nasceu. Quatro dias, é mesmo, quatro dias depois. Engraçado mesmo. Isso quem fez essa conta foi meu irmão. Nove meses e quatro dias, ele falou: “Ainda bem que tem esses quatro dias, ainda bem que tem” (risos). Mas, quer dizer não tinha nada antes de casar.

P/1 – Como que é o nome desse filho?

R – Esse aí? Paulo Henrique.

P/1 – Não, o primeiro?

R – O primeiro é Paulo Henrique.

P/1 – Ele é o mais velho?

R – Ele é o mais velho.

P/1 – Nasceu em qual data?

R – Esse nasceu, nasceu dia 25, nasceu em janeiro, né? Eu casei em abril e ele nasceu em janeiro.

P/1 – De que ano?

R – De 1951. Eu casei em 1950, né? Ele nasceu em janeiro de 1951. Eu não sei não, ele que falava esse negócio que ele tinha nove meses e quatro dias (risos). Eu estou falando aqui, mas não sei, nem nunca fiz essa conta não.

P/1 – O que mudou na vida da senhora quando nasceu o primeiro filho?

R – Não mudou nada. Eu fiquei em Belo Horizonte porque eu não passei muito bem quando tive o primeiro filho. Então eu fiquei lá até ele ter dois meses. Só com dois meses que eu vim pra cá. E aí quando eu vim pra cá ele já estava maiorzinho, já foi crescendo. Sempre nunca deu trabalho, ele não deu trabalho nenhum, comia muito bem, tudo ele achava ótimo, era assim, sabe? Mas meus filhos todos não davam muito trabalho não.

P/1 – Quantos filhos a senhora teve depois?

R – Tive seis.

P/1 – Aí depois do segundo, foi que ano?

R – Não, foi o primeiro, depois um ano eu tive outro, um ano depois tive outro. Tive três assim, de um ano de diferença, né? Depois esperei um pouco, depois eu tive mais três assim.

P/1 – Qual que é o nome deles? Do primeiro qual que é?

R – Paulo Henrique.

P/1 – O segundo?

R – O segundo é José Roberto. O segundo agora é José Roberto. Mas era o nome do avô dele. Era Elói Ângelo. O segundo é Elói Ângelo. Esse aí teve leucemia e morreu. E depois teve, e depois teve o José Roberto. Que eu queria botar José, José Roberto, porque o nome do meu pai era José. Então ele ficou sendo José Roberto, o terceiro, né? Aí depois os outros três, bom, vieram os outros três. Porque o médico falou assim: “A senhora queria é um menino?” eu falei: “Qualquer um, pra mim tá tudo bom.” (risos). Imagina se eu ia ficar querendo menino ou menina. Eu já sabia o trabalho que dava de qualquer jeito, né? De modo que nunca fiquei fazendo muita festa.

P/1 – Todos homens, nenhuma mulher?

R – Tudo homem. Mas eu tenho uma sobrinha, tenho uma, uma sobrinha não. Tenho uma prima, que é filha do meu tio, que a mãe dela quando morreu ela ficou com quatro anos. Então eu sempre eu ia lá e fazia agradava muito ela, levava ela pra passear, depois ela mudou para Belo Horizonte pra casa da avó, aí eu tomava conta, fiquei toda vida tomando conta dela, até quando ela teve que estudar, porque o tio era padrinho dela, falou: “Olha, se você quiser estudar, pode estudar o que você quiser porque eu vou pagar todos os estudos pra você”. Aí ela estudou, fez o colégio, depois fez isso, fez aquilo, fez... Ela fez o curso. Eu sei que ela fez tanto curso, tanta coisa, depois ela casou e foi morar no norte, e agora sempre ela vem pra cá, é minha filha. Eu falo que é minha filha, porque é minha filha mesmo, desde quatro anos. Tem retrato dela com os meninos. Quando ela vinha pra casa, ela tinha 14 anos quando veio lá pra casa. Veio e ficou toda vida, e pros meninos é mais que irmã deles mesmo. E tem outro primo também que estudou medicina, ele estudou quatro anos lá em casa. Esse também ficou sendo filho.

P/1 – E quando é que a senhora… a senhora lembra dessas férias de quando a senhora era criança?

R – É, é...

P/1 – Onde que a senhora passava férias?

R – Não, eu passava, às vezes na fazendo do meu avô. Eu ia pra lá. Mas a fazendo do meu avô é daquele jeito que te falei, do Brasil colônia. Então era assim. Então a gente, mas a gente gostava, nós íamos andar a cavalo, andar a cavalo a gente gostava, ia nadar, tinha lugar pra nadar, ia pescar, botava a gente pra fumar, pra não, você imagina, quase que eu fico viciada em fumar por causa de cigarro, de, pra ficar pescando uns peixinhos desse tamanho, é uns peixinhos pequenos a gente ia pescar, sabe? As férias assim, muito bobas.

P/1 – E Itabira?

R – Agora em Itabira nós ficávamos lá, é bom porque eu conhecia toda a parte de Itabira, da família que ficou em Itabira, que eram pessoas mais importantes assim, tinha o meu tio que era médico, o irmão dele era, como é que se diz, esse que trabalha, que trabalha fora, como é que chama? Eu não sei como é que é o nome, diplomata, é, diplomata. Ele tinha uma casa em Itabira muito bonita, então nós íamos lá, a gente ia fazer passeios com ele, ia ver cachoeiras, tinha umas cachoeiras lá perto. A gente via coisa mais de família. E o mais a gente ficava na fazenda, na fazenda eu tenho fotografia dela, eu tenho lá em casa um quadro com a fotografia. Eu tenho uma que foi pintado pela minha tia e depois ela me deu o quadro, eu tenho lá. A fazenda da Vargem.

P/1 – E nesse período que a senhora teve filho, como a senhora fez pra criar cinco filhos?

R – Pois é, tive que criar seis filhos.

P/1 – Como que a senhora fez?

R – Quer dizer eu perdi dois filhos.

P/1 – Então quatro.

R – Um filho eu perdi, teve leucemia, não tinha tratamento naquele tempo, agora já tem. E o outro foi um acidente. De mais que então duas coisas que eu não podia... Eu criei esses filhos, eu tive uma facilidade tão grande, porque tive duas pessoas maravilhosas que até hoje eu falo que são umas santas que eu tenho na minha casa. Porque, uma era a cozinheira, quer dizer, ela estava sempre pronta pra fazer o que precisasse, e como ela estava doente sempre levava pro médico, voltava pro médico. Mas ela ficou lá em casa 35 anos. De modo que depois eu tive que internar no coiso porque ela estava fugindo de casa, sabe? Meu vizinho era médico e tinha uma casa onde ficava pessoas assim que, e ela foi e ficou lá, e ficou lá uns quatro ou cinco anos. A outra era uma babá que era assim meio, retardada, mas era uma empregada ótima, você precisa ver, muito boa. E resolveu casar com 40 e quase 50 anos ela casou. Quer dizer, como diz o irmão dela, o que casou com ela é porque ela tinha uma casinha então ele queria ficar morando na casa que ela morava. Então ficou perto da casa dela, aí falou com ela que ia arranjar um menino pra ela, porque ela não podia ter filho mais. Pois ele arranjou, deve ter filho dele com uma outra lá, trouxe um menino pra ela, ela criou o menino desde pequenininho. A última vez que eu falei com o menino ele tinha 18 anos, criou o menino... E ela sabia criar muito bem, porque criou os meus. É assim.

P/1 – E a senhora não trabalhava fora, ficava com os meninos.

R – Não, eu não trabalhava, mas eu ficava de carro o dia inteirinho. Levava um e buscava outro, levava um. Aula de inglês, pro clube, voltava. É assim, o dia inteirinho.

P/1 – E onde que a senhora morava com eles?

R – Eu morei ali no Itaim, morei um pouco no Itaim. Morei ali perto do colégio Santa Cruz, porque meus filhos fizeram curso lá no Santa Cruz, e esse que eu morei mais tempo. E depois eu morei, um pouco depois...

P/1 – Os quatro estudaram no Santa Cruz?

R – Os quatro estudaram lá, é. Os quatro estudaram no Santa Cruz. Era puxado o Santa Cruz naquele tempo. É difícil. E eles gostavam muito do Santa Cruz, os amigos deles até hoje estão todos no Santa Cruz, e eu conheço todos desde pequenos. Outro dia na festa, na minha festa de 90 anos, um dos meus filhos ele convidou os amigos deles. Os amigos deles que eram dos três filhos menores, eram, eu falei: “Mas escuta?”, e ele falou: “Ah, mãe! Tem que convidar, convidando um, tem que convidar o outro...” e eu falei: “Mas escuta, esses meninos são todos meus amigos, conheço eles todos desde os cinco anos de idade”, faziam festa lá em casa e eles iam. De modo que então ficou sendo, a festa ficou sendo deles.

P/1 – E a senhora continuou pintando?

R – Não, nunca mais, eu pintei durante uns tempos, uma vez eu fiquei, tenho uma amiga, a Ana Dandreta, que quando eu perdi meu filho, eu fui fazer um tratamento no Doutor Vicente Dandreta, que é psiquiatra, e aí a Ana ficou muito minha amiga, e eu fui passar umas férias com ela na casa dela, em Ilhabela, e lá que eu pintei um pouco da Ilha, eu tenho uns quadros que eu fiz lá. Esse que eu fiz alguns retratos, houve uma época que eu fazia muito retrato, sabe, todo mundo me pedia pra fazer um retrato, dos meninos, eu fazia, mas eu não sabia fazer direito mais não, nem tinha lugar pra fazer direito.

P/1 – E o quadro que a senhora pintou da igreja da Praça Matriz de Nova Era?

R – Ah, tá aí.

P/1 – Quando que a senhora pintou?

R – Ah esse daí foi em 1949.

P/1 – Que a senhora pintou?

R – Foi antes de vir pra cá, é, eu estava terminando meu curso lá na Escola de Belas Artes, e eu aí fui lá, pintei e o Guignard gostou muito, e disse que ia pintar lá comigo, mas depois não foi, e eu já casei logo em 1950 eu casei, um pouco antes de 1950, o Guignard também mudou de lá, foi pra Ouro Preto, eu ia todo ano visitar o Guignard na casa dele, você precisa ver a casa dos dois, ele e o, primeiro o Estevão, o Estevão era o porteiro lá da casa, da Escola de Belas Artes, era o porteiro, e ele ficava sentado numa cadeirinha com uma mesinha e a gente ficava tirando os modelos e ele ficava fazendo os modelos. Aí o Guignard chegou e falou: “Mas os seus desenho estão muito bonitos, você não tem material?”, aí ele falou: “Olha, vocês precisam arranjar material pra ele, coitado, que ele não tem, ele tem três filhos, não da tempo de comprar as coisas e não tem dinheiro pra comprar”, aí todo mundo foi dando um bocado, aí ele ficou com um monte de coisa, papel de tudo, e tinta também, quem viajava trazia tinta pra ele. O Estevão, bom o Estevão continuou pintando, quando foi daí um ano, ele fez um quadro, uma dessas danças da África, eu esqueci como era o nome, o Estevão era preto, era um preto bonito, assim, muito simpático, muito bonzinho o Estevão, aí ele fez um quadro e o quadro foi escolhido lá onde a Dona Sara estava fazendo a reforma do Palácio do Governo, ficou lá no Palácio do Governo, foi a maior sensação que teve naquela ocasião.

P/1 – E esse quadro, e o quadro da praça da igreja, da Praça Matriz, foi parar onde?

R – Olha, como a prefeita de lá, a prefeita é uma mulher extraordinária, ela fez tanta coisa pra Nova Era, Nova Era está diferente, está tão bonita, você precisa ver, até o, como é que chama? O Cemitério de lá é um cemitério bem antigo, então ela conservou tudo, mas ficou uma beleza, todo mundo vai visitar o cemitério lá. Então tem várias cosias lá que ela fez, e ela ficou muito minha amiga, então quando eu fiz o curso que botei, que saía na internet, aí todo mundo viu e aí ela mandou convidar pra ir lá, que eu tinha lançado Nova Era no mundo inteiro, aquele quadro, não sei o que, aquele quadro... E do quadro, ela sempre me escrevia, e eu mandava pra ela.

P/1 – Mas o que aconteceu com o quadro, eu não sei.

R – Pois é, aí eu dei o quadro de presente pra ela, ele fizeram uma prefeitura nova, e eu falei: “Olha, eu vou mandar o quadro pra prefeitura de presente, pra ficar aí”, porque é um quadro de uma parte antiga de Nova Era, então pra eles significava muita coisa, porque aquele quadro tinha ficado 50 anos lá em casa e ninguém nem tinha visto, nem sabia que tinha aquele quadro lá, ficou muito bonitinho, você viu o quadro como é que é? É muito bonitinho mesmo, até o Guignard gostou, de modo que é uma pena.

P/1 – E a senhora tem casa em Nova Era ainda?

R – Tem, a nossa casa ainda está lá. A casa agora está à venda, se você quiser uma casa pra passar as férias lá (risos). Pode passar as férias também sem ir comprar, porque as pessoas vão passar férias lá, vão passar mais o pessoal da família, eles vão passam lá uns dias, tem um casal que toma conta lá, eles tomam conta muito bem, eu não fui mais lá porque desde que eu fiz essa operação, eu não pude mais andar, né?

P/1 – Que operação que a senhora fez?

R – Eu fiz essa do quadril. Agora eu estou andando, já posso andar, fiquei muito tempo, fiquei dois anos sem poder andar. Andava de cadeira de rodas, agora só quem anda de cadeira de rodas que sabe o que é isso.

P/1 – E a senhora ficou viúva?

R – Fiquei viúva.

P/1 – Quando que morreu seu marido?

R – Vai fazer oito anos agora, agora dia 22 de outubro, vai fazer oito anos que ele faleceu. Ele teve um câncer de próstata, e não morreu do câncer de próstata, ele teve um, como que chama esse que a pessoa morre de repente?

P/1 – AVC?

R – Não, não é AVC não, parou o coração de repente. Esqueci o nome.

P/1 – Enfarte?

R – É tão comum, hein?

P/1 – Enfarte?

R – Enfarte, ele teve um enfarte, depois eles socorreram. Ele ainda viveu mais um pouco e teve outro enfarte aí o irmão dele que era médico falou: “Graças a Deus que ele morreu de enfarte, ficasse esperando esses cânceres, ia ficar muito demorando muito tempo e ele ia sofrer muito”, então, ficou assim. O outro irmão dele agora já morreu, já morreram todos os irmãos, eram cinco, morreu o último agora, semana passada, irmãos dele, do meu marido, de modo que é um caso sério.

P/1 – E a senhora morava com ele?

R – É, eu morava com ele.

P/1 – Onde vocês estavam morando?

R – Quando ele morreu? Estava morando aqui pertinho, na Rua Moraes, na Rua Moraes agora fizeram uma filial da prisão lá, puseram a minha casa, minha casa era uma casa tão bonita, tinha uma porção de flores, eles arrancaram tudo e jogaram fora, que que é aquilo? Como é que faz uma coisa daquela? Uma casa enorme, tinha 20 de frente por 40 de fundo, não era uma casinha assim que podia ficar abandonada. Eles abandonaram uma casa que tem 20 metros de frente e 40 de fundo, e está lá, por conta dos gatos, dos ratos, minha vizinha que fala que só tem gato, então é assim.

P/1 – E a senhora tá morando aonde agora?

R – Eu moro nessa, num prédio de apartamentos, na Simão Álvares.

P/1 – Mora sozinha?

R – É, moro sozinha, mas o outro meu filho, o mais moço de todos, mora no prédio do lado, é mesmo que morar. Eu quis esse apartamento porque eu ia ter que botar um quarto só pra ele fazer o escritório dele, pra ele não precisar alugar outro, porque eu queria que ele fosse lá pra casa todos os dias. Então ele vai todo dia lá pra casa, trabalha lá e acha ótimo, porque é um lugar muito bom, porque ali é Centro, que ele trabalha, trabalha em propaganda, então é fácil pra ele, é bom, e tá dando certo, e sendo que ele fica bem perto.

P/1 – E netos, a senhora tem netos?

R – Tenho, tenho oito netos, tenho oito netos e agora tenho mais um bisneto. Tenho dois bisnetos agora, tenho um bisneto que já tem cinco anos, que é filho da minha neta mais velha, sabe, esse foi pra Europa, o pai dele tinha estudado na Europa então eles foram passar as férias na Europa, eu falei: “Mas vocês vão passar as férias na Europa? Meu Deus”, Europa pra mim era um negócio assim tão longe, tão difícil, agora o menino vai passar as férias dele na Europa, foi outro dia a doutora mesmo, o filho dela estava estudando lá em Jerusalém, e eles devolveram, o menino veio pra cá, por causa desse negócio da guerra lá, devolveram, falei: “Mas ele estava estudando lá em Jerusalém?” (risos), sabe, umas coisas assim, a gente leva até susto, mas é assim agora. E ela levou, a doutora, por exemplo, “Ah, levei meus filhos, nós fomos conhecer Paris, levei os meninos pra conhecer Paris”, falei: “Ah meu Deus, mas eles não vão achar graça, levar esses meninos pra conhecer Paris?”, aí ela falou assim: “Não uai, pois a mais velha fez concurso agora e está estudando na escola de Engenharia, já fez o concurso, já entrou e está no primeiro ano de Engenharia”, eu estava pensando que assim, com sete, oito anos, a gente fica (risos), eu com minha cabeça não dá viu, quando eu vejo, é tudo muito diferente, o meu mundo era muito diferente desse.

P/1 – Dona Maria Elisa, quais são os seus maiores sonhos hoje?

R – Sonhos? Olha, eu vou te contar, a gente depois que vai ficando mais velha, tem pouco sonhos viu, não tem sonhos mais nenhum não, porque nós sabemos que nunca os sonhos se realizam, de modo que então a única coisa que eu me preocupo e que eu gosto é quando os meus filhos todos tem saúde, estão trabalhando, estão bem e os meus netos também, estão se encaminhando, então pra mim a realização deles é o que eu mais quero, o que eu mais gosto, e quando um trabalhando, a Daniela, minha neta, por exemplo, ela é chefe do departamento do jurídico da Andrade Gutierrez, está bom? Quer dizer, eu fico contente com um negócio desse, isso pra mim é uma maravilha, isso é um sonho que eu nem pensava em ter, mas fiquei contente em saber. Então os meus sonhos são esses, de viver todo mundo contente, de ver São Paulo, o povo um pouco mais... Tá todo mundo sem... Sem... Não é sem religião não, porque eu não faço nem questão de religião, eu faço questão das pessoas de serem gente, chega mata assim um menino, de uma hora pra outra, se você chega de um... Uma amiga minha lá do Rio, por exemplo, chegou, chegaram, puxaram a bolsa dela, ela puxou a bolsa, não quis, e ele deu um tiro e matou você não viu não? Mascarenhas?

P/1 – Do restaurante?

R – É, do restaurante, é, aquela.

P/1 – Do Guimas?

R – É um absurdo, né? O que está acontecendo em São Paulo ultimamente, é uma coisa triste, porque você vê que as pessoas deixaram de ser gente, eu acho, porque você matar uma pessoa assim?

P/1 – A senhora vai ainda pro Rio hoje? Tem contato?

R – Não, não, tem muito tempo que eu não vou ao Rio, tem muito tempo. Eu falei com minha prima, que ela mudou pra Belo Horizonte, eu falei: “Cissinha, mas você vai mudar pra Belo Horizonte? Que pena, o Rio é tão gostoso!”, Ela morava na Avenida Nossa Senhora Copacabana, ela falou: “Na Avenida Nossa Senhora Copacabana, que gostoso você ir lá pro...”, como é que é? Esse coiso que você falou aí, esse restaurante?

P/1 – Guimas.

R – O restaurante que tem lá. Eu falei: “Gostoso, tinha a casa Canadá que a gente ia lá comprar umas roupas lá”, e ela falou: “Dilza, não tem nada disso lá mais não, lá agora só tem loja de 0,99 e tem umas casas de restaurantes, é tudo restaurante de prato feito e lojas de 0,99, o resto não tem mais nada”. Não sei porque tem uns 20 anos que eu não vou ao Rio, não faço a menor ideia, mas ela me explicou assim. E ela foi pra Belo Horizonte, chegou lá, passou dois anos e ela morreu, teve um enfarte também, morreu assim de repente. A minha família morre todo mundo de enfarte, eu estou esperando o meu, mas tá custando a vida (risos), não está fácil não, não é mesmo?

P/1 – Dona Maria Elisa...

R – Eu já conversei demais, né?

P/1 – Não, tem alguma coisa que a gente não tocou no assunto e a senhora acha importante deixar registrado?

R – Não, você fala assim, de que?

P/1 – Da sua vida.

R – Da minha vida?

P/1 – Alguma coisa que a senhora lembre agora e ache importante deixar registrado.

R – Olha, a minha vida, eu acho que eu tive muita sorte na minha vida, tudo que eu escolhi foi o melhor que havia mesmo, sabe, que mesmo dos namorados que eu tive, tudo, falei: “Meu Deus, como que eu consegui achar o Luís Álvaro, uma criatura tão maravilhosa como ele era”, era uma coisa incrível, ele era tão maravilhoso com todo mundo, o que fazia, como é que chama isso? Caixa, que era o caixa da firma, o Luís Álvaro quando estava doente, ele foi lá fazer uma visita pro Luís Álvaro, aí eu falei: “Ah, como vai o senhor, vai bem e tal?”, aí chegou, o Luís Álvaro estava sentado na poltrona, aí ele chegou, pegou a mão de Luís Álvaro ajoelhou e beijou a mão, aí Luís Álvaro falou: “Mas eu não sou o Papa não, o Papa vem aí, mas eu não sou o Papa não”, ele falou: “Que Papa? Eu vou lá beijar a mão de Papa? Eu beijo a mão do senhor que o senhor que me deu a minha casa”, está vendo? Ele foi lá pra agradecer a casa, o japonês, ele era japonês. Ele até hoje ainda me dá notícias dos negócios dele, que eu não entendo nada, mas eu escuto, mas então ele conta todos os negócios dele, mas ele falou com o meu marido, que pra ele, o Papa ele não ia beijar a mão não, achei tão engraçado, ele chegou, ajoelhou e beijou a mão dele. Os japoneses tem uma maneira delicada de fazer as coisas, que ele não pode ficar assim. Eu estive lá no Japão, ele ficam assim pra gente.

P/1 – Que lugares do mundo a senhora conheceu, viajou?

R – Eu viajei muito, viajei muito com meu marido, com ele e também porque mesmo a gente combinava de fazer viagens. Nós viajamos pros Estados Unidos, viajamos pro Canadá, não, pro Canadá não, Estados Unidos e embaixo, no México, estivemos no México, estivemos na Argentina, esses lugares que a pessoa vai de férias, levava os meninos que era pra comemorar as férias, os três menores eu levei pra aprender a patinar lá em Bariloche, então levei na Argentina, na Europa eu fui sozinha que eu fui fazer um curso lá, eu fiz um curso de... Nós combinamos todos os alunos do Guignard e fomos fazer um curso, não sei se você sabe o curso que tem lá, que tem o curso, você compra passagem pra um, eu não sei agora como é que está funcionando, mas eu comprava a passagem e ia pra Espanha, lá na Espanha você ia pra... Como é que chama aquelas ilhas que tem no Mediterrâneo? Nós íamos pra lá, e lá na ilha do Mediterrâneo eles faziam todas obras de arte que tinha na Espanha, então assim nós ficamos conhecendo todas as obras da Espanha, depois fomos pra França, depois fomos pra Alemanha, depois fomos pra cinco países, nós fizemos um curso completo, eu faço diário de todas essas viagens. Meu filho está fazendo viagem pro Japão e está fazendo diário, ele falou: “Nossa, quanta coisa você escreveu”, eu falei: “Ah, vai falando e eu vou escrevendo”, (risos), então algumas eu tenho curso, tem que eu escrevo, mas eu viajei muito, viajei muito mesmo, viajei assim, a última viagem que eu fiz foi a Brasília, que eu não conhecia Brasília, você imagina? Brasília que eu tinha vindo até conversar sobre ela até antes de ser feita, porque eu ouvi muita conversa sobre Brasília, porque todo mundo só conversava de Brasília aquele tempo, todo mundo conversava e comprava terra lá, meu marido mesmo queria comprar algumas, mas não podia comprar de jeito nenhum, você podia comprar, mas tinha que construir dentro de um ano, aí ficava difícil, então nós não fizemos. Houve muito essa conversa de Brasília e nós fomos, o meu filho o outro, o Carlos Adolfo, é um nome que tem muito na família, Adolfo e tem muita Elisa também, a minha nora queria botar Elisa nessa menina que nasceu agora, e fez um ano, aí ela falou: “Eu estou querendo botar Elisa, que é o nome da minha avó e o seu nome assim”, eu falei: “Olha, as Elisas antigas eram muito boazinha, mas essas modernas ninguém sabe se ela morreu ou se não morreu, nem se foi despedaçada ou se foi comida por cachorro, a outra é desse jeito que você viu, matou o marido, picou em pedacinhos, botou dentro da mala e jogou fora, eu não gosto dessas modernas não, põe outro nome”, ela vai gostar também de um nome mais modernos, ela fez um ano agora, muito linda, você precisa ver, linda demais, é uma gracinha. Ontem ela chegou lá em casa segurando a mão da babá e andando, já está dando uns passinhos, de modo que isso que é a alegria que a gente tem agora, e o resto não vejo mais nada, não vou mais a lugar nenhum, porque eu ia muito a concertos, todas essas coisas, eu não perdia, porque a minha nora casada com outro meu filho, ela cantava muito bem, então a gente ia em vários lugares, e eu ia por causa dela. Uma vez nós ficamos no, como é que chama isso? Aquele pedaço de, aquele coisinho que tem cima? Naqueles... Esqueci como é o nome.

P/1 – Camarote?

R – Camarote, o camarote do governador, nós ficamos lá, ela arranjou, porque na última hora eles avisaram que não ia, então nós fomos e ficamos lá. Assisti vários assim, vários concertos, concertos de piano, concertos de tudo, e ela cantava muito bem. A Marisa tinha uma voz maravilhosa, mas ela largou tudo, casou e está cuidando só da família (risos), ela não continuou não, mas o canal, qual é aquele que apresenta que tem alguns modelos de... Esqueci qual é o nome, que tem mais coisas assim de concertos e tudo.

P/1 –

TV Cultura?

R – Cultura, a TV Cultura, fizeram uma entrevista com o Caetano também, ele gostou muito do Caetano. A Marisa, ela cantou várias e várias vezes, várias e várias óperas, várias coisas, ela cantou, e aí, uma dessas coisas, a Missa Brevis de Mozart ela cantou muito lindo, e eles comemoraram a semana, como que chama? Semana Santa, é uma festa, tem um nome diferente, eles comemoraram com a Marisa cantando a Missa Brevis de Mozart, muito bonito, mas ela deixou completamente, não gosta, quer dizer, ela gosta, mas agora canta só em casa assim, mas em casa eles cantam. Eles tinham um coral, o coral era maravilhoso, você precisa ver, muito bonito mesmo, da irmã dela, que a irmã dela é uma coisa fantástica pra música, ela fez um coral maravilhoso, sabe que desse coral foram seis casamentos, e eles são amigos até hoje, até hoje eles se reúnem ainda, quer dizer, meu marido dizia assim: “Isso não é um coral, isso aí é uma agência de casamento”, brincava com eles, mas eles são amigos até hoje.

P/1 – E a senhora se dava bem com seu marido?

R – Muito bem, eu sempre me dei muito bem com ele, muito bem com ele, sabe, era como mamãe e papai, a gente não tinha, eu não me lembro uma vez que eu tenha discutido com o Luís Álvaro a respeito de qualquer coisa, nunca discuti nada, nunca teve nada assim, quando eu pensava uma coisa, ele já tinha adivinhado antes, já tinha feito, sendo que eu mudei várias vezes, por vários motivos e tudo, mas nunca abalou, sempre vivíamos muito bem. Uma coisa, a gente pensa numa pessoa dessa, não devia morrer não, devia ficar toda vida, mas o que a gente vai fazer, mas é uma coisa. Ele morreu com 85 anos, ele 85 e eu 83, eu era dois anos mais moça que ele, e foi o que deu certo, e mamãe achava que não dava, e você vê? E deu tão certo.

P/1 – Dona Maria Elisa, o que a senhora achou de contar sua história aqui no Museu da Pessoa?

R – O que que eu achei?

P/1 – Achou de contar sua história?

R – Eu achei interessante, ela me explicou porque que era, que as pessoas querem contar, porque às vezes, eu gosto muito de escrever, de modo que eu não escrevo, não sou escritora, mas eu sempre gostei de escrever, e às vezes eu quero escrever uma coisa passado num tempo, eu sinto falta disso, de ter, eu falo: “Bom, mas como é que a pessoa faz”, “Ah, vai nos jornais, nos jornais”, quando eu soube disso falei: “Bom, isso sim”, aí fica sabendo como é que vigiam uma família nessa ocasião, quais eram os costumes da família, como é que era, porque era muito diferente, muito diferente de hoje em dia, família hoje vive de um jeito, a outra família, a mesma família, lá em Nova Era vive completamente diferente, mesmo em Nova Era, Nova Era já tem diferença. A Marta Batista que é irmão do Eliezer, a Marta Batista agora ela está muito doente, ela teve um AVC, e todos os dias eu tenho telefonado pra saber notícias dela, está fazendo tratamento no hospital e tudo, mas ela não está muito bem não, mas ela, você precisa ver a quantidade de coisas que ela escreve, ela escreve muito bem, escreve sobre os irmãos dela, escreve sobre o Eike Batista, nossa, coitado do Eike, mas é engraçado, você sabe que outro dia eu estava falando a respeito de... Aí eu falei: “Não, eu conversei com Eliezer Batista”, “Quem que é Eliezer Batista?”, aí eu falei: “Eliezer Batista, você não conhece o Eliezer Batista? Puxa, ele é tão conhecido, ele é o pai do Eike Bastita”, “Ah, pai do Eike Batista”. Ele agora só ficou conhecido porque é pai do Eike Batista, eu falei: “Olha, está vendo, é pai do Eike Batista, já é uma coisa boa pra ele”, não sei se é boa mesmo, porque eu acho o Eike muito atrapalhado.

P/1 – Mas então...

R – Eu acho, pra mim, que é uma coisa muito boa, vocês devem continuar, que é uma coisa muito boa mesmo que a pessoa precisa muito, porque são coisas que assim, se a gente não

mexe com isso, não sente falta, mas se você gosta de escrever, gosta de coisa, você se lembra que as vezes você quer escrever e não sabe, numa fazenda por exemplo, se a gente for escrever numa fazenda, por exemplo, outro dia eu li um livro do Paulo, que eu te falei, Paulo Catunda, que é uma família que passa um dia na fazenda, e eu falei: “Como é que você sabe tudo isso que eles faziam na fazenda?”, aí ele falou: “Bom, isso é porque eu passei lá”, aí falei: “Ah, só se você passou lá, porque isso é muito diferente do que passa agora”, ele falou: “Não, agora é muito diferente, eu não consigo escrever o que eles fazem mais não”, quer dizer, ele mesmo acha diferente. O Paulo Catunda ficou de escrever pra mim continuar a minha vida, que eu fiz umas entrevistas com essa minha amiga, e depois ela separou do marido e não quis mais fazer, então aí ele ficou de fazer, mas até hoje ele não falou, ele falou que ia publicar um livro dele agora, são muito simpáticos, foram meus vizinhos 25 anos, eu morei na casa do lado da casa deles, agora minha casa eles transformaram minha casa numa dependência daquela prisão que tem aí, prisão do Cruzeiro, como é que chama? Você já viu como é que está a casa?

P/1 – A senhora gostou então de dar entrevista?

R – Gostei muito, gostei muito de vocês todos, acho uma coisa maravilhosa isso que vocês fazem porque isso é uma coisa difícil de encontrar quem queira fazer uma coisa dessas.

P/1 – Pra gente foi um prazer escutar a senhora.

R – Pois é, eu gostei demais de falar com vocês, mas é por isso, vocês escutaram muita besteira.

P/1 – A gente que quer agradecer, é uma história super bonita né?

P/1 – Bonita demais.

P/1 – Obrigada Dona Maria Elisa.

P/1 – Muito obrigada.
R – Imagina.

FINAL DA ENTREVISTA