Museu da Pessoa

Formado para o São Paulo

autoria: Museu da Pessoa personagem: João Brasil Vita

Projeto: História em Multimídia do São Paulo Futebol Clube
Depoente: João Brasil Vita
Entrevistado por: Cláudia e Marina
São Paulo, 07 de dezembro de 1993
Entrevista nº 008

P - Entrevista com Sr. Brasil Vita na Oficina Cultural Oswald de Andrade para o Memorial do São Paulo. Entrevistadoras são Marina e Cláudia. Sr. Vita, por favor, o senhor diz seu nome.

R - Meu nome é João Brasil Vita, tenho 71 anos de idade, sou advogado formado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco da turma de 46, tenho um filho, solteiro, tem 34 anos, sou viúvo há dois anos e pouco, tenho escritórios de advocacia e que na profissão sempre me tenho mantido atuante, sou vereador na Câmara de São Paulo desde 1960, portanto eu sou o decano dos vereadores estou há 33 anos, se terminar este mandato eu ficarei na Câmara 36 anos que constitui realmente um record na Câmara Municipal de São Paulo. Sou ligado ao São Paulo Futebol Clube há muitos anos, desde o Paulistano, na década de 30, ou melhor, na década de 20. Do Paulistano em 30 surgiu o São Paulo, depois o novo São Paulo em 35, deste São Paulo sou sócio número onze, antes de mim tem dois: é o Almeida, que é o número seis, e o Piragibe Nogueira que é o três, portanto eu seria hoje o sócio número três. É, como disse, eu tenho 71 anos, o Piragibe tem quase 80 e o Almeida também por aí. Nós já estamos velhinhos, esta que é a verdade.

P - Como era o nome do senhor seu pai, sua mãe, a sua avó...

R - Meu pai Antônio Vita, minha mãe Angelina Maffei Vita, que foi professora, né? Ela introduziu no Brasil em 1907, com 18 anos de idade, ela descobriu o curso de alfabetização para adultos, é da lavra dela. Ela é que pensava nisso porque entendia que um país sem educação não pode prosperar. Nós observamos que nessa última guerra, a Alemanha, a Itália e o Japão perderam a guerra, de maneira incondicional, não tinham condições nenhuma para se reabilitarem e acabaram por pegar suas crianças e nelas investir, investiram na meninada toda, e o Japão, Itália e Alemanha, derrotados na última guerra, hoje se sombreiam e passam inclusive os vencedores. Minha mãe pensava que um país precisa ser realmente educado. E no Brasil, infelizmente, parece esta tônica não tem sido seguida como devera, não adianta um país com gente que não tenha um mínimo de formação cultural. Nós infelizmente estamos aí passando por momentos difíceis porque os governos nunca investiram no homem. Minha mãe, que me gerou, teve esta grande qualidade, ela achava que o Brasil podia realmente prosperar independentemente das suas riquezas normais, naturais, podia prosperar tendo um povo realmente qualificado e não quantificado como quer. Por exemplo, a Igreja Católica, a Igreja Progressista e alguns elementos com uma visão de esquerda que acham que o país precisa ter muita gente, a realidade é que é uma gente sem qualidade.

P - E o senhor seu pai?

R - Meu pai era um comerciante, mas ele fez com que todos os filhos se formassem. Todos nós temos formação universitária, então na minha família tem médicos, engenheiros, advogados. A minha família sempre acreditou que o saber é o grande capital que a gente tem. Dizia o meu falecido pai que a gente pode perder tudo, só não pode perder aquilo que a gente guarda na cabeça e bem, é o que eu digo sempre a todos os jovens quando faço palestras: a única coisa que não ocupa espaço é a cultura, e faz com que a gente domine os espaços. É paradoxal mas é uma verdade, então é isso, eu sou de uma família de intelectuais cujo o instrumento é o livro, foi o que nos ensinaram: pai e mãe.

P - O senhor poderia falar um pouco da sua infância, as brincadeiras, o seu bairro...

R - Eu era... Eu nasci num bairro de imigração italiana, Cambuci. Italiana e portuguesa né? Porque naquele tempo havia o... A gente na rua de São Paulo era muito bonita porque eram todos europeus. Eu não estou aqui fazendo nenhuma digressão racista, mas estou comentando um fato. São Paulo era uma cidade provinciana, todos eram descendentes de imigrantes, mais de portugueses, espanhóis e italianos, depois começaram a surgir japoneses, pelo primeiro Maru que veio 80 anos atrás, é, poloneses, que foram habitar o Alto da Mooca, é, as outras... Os outros povos, como ingleses, franceses, suecos, dinamarqueses, etc, preferiram a imigração para o Canadá e para os Estados Unidos. Uma parte de ingleses preferiu a Argentina e o Chile. No Brasil, a grande maioria foi formada por portugueses, italianos e espanhóis, depois japoneses, eslavos, enfim, São Paulo, à época em que eu era menino, era uma cidade tipicamente europeia. Era uma gente bonita que trabalhava, era no tempo em que não havia essa Consolidação das Leis Trabalhistas, havia um regime de clivagem, de escravidão, porque crianças trabalhavam até 12 horas por dia. Mas a coisa foi melhorando, melhorando, melhorando e chegamos aos nossos dias, infelizmente um pouco piores, porque nós temos uma pequena elite pensante e o resto é o resto infelizmente.

P - Mas o senhor brincava na rua? Era possível naquele tempo?

R - Ah sim, era uma cidade que não era agressiva né? A gente brincava, havia muito campo de futebol, porque o brasileiro sempre jogou bem o futebol, porque ele tinha na frente, não havia ainda a especulação imobiliária na cidade de São Paulo como o Rio de Janeiro, Recife, Porto Alegre, e não havendo especulação imobiliária naquele tempo, a criança tinha na sua frente sempre um campo de futebol. Na medida em que a especulação começou a tomar conta das grandes cidades os campos foram desaparecendo, os jogadores foram rareando e os estrangeiros aprenderam a jogar futebol. Daí porque, dificilmente o Brasil, já que estamos fazendo um museu do futebol, de um clube de futebol também, dificilmente o Brasil vai novamente tomar conta como tomou um período de toda a plateia futebolística do mundo. Faz alguns craques, mas não pode sustentá-los porque não tem capacidade financeira para pagá-los. Bem, me lembro que meu filho saía de um curso que ele fazia em Berkeley nos Estados Unidos, ele foi se encontrar com uma namorada lá em Milão, resolveu assistir um jogo de futebol e pagou 50 dólares. Se nós cobrarmos 50 dólares por uma partida de futebol aqui, põe fogo no estádio. A verdade é essa, nós somos um povo... Nós somos pobres, essa que é verdade. Se examinarmos este país do jeito que ele anda, nós estamos empobrecendo dia a dia. Então eu dizia que o futebol se tornou o esporte das massas porque a criança tinha na frente dela um campo. Foi desaparecendo o campo, desapareceu a condição, o instrumento de trabalho para fazer o jogador de futebol. Só se pode fazer o craque quando há uma quantidade excessiva de jogadores, aí a gente tira “a nata”. Por que é que nós não temos bons atletas que possam disputar tranquilamente as medalhas de ouro nas Olimpíadas? Porque temos poucos atletas. Já nos Estados Unidos, na Alemanha, na França, na Itália, nos países, enfim, mais desenvolvidos, nós temos uma infinidade extraordinária de atletas e acaba dando um mínimo de grandes craques. Isto é no basquetebol, isto é em qualquer esporte. A Rússia, quando resolveu introduzir o voleibol nas suas terras, ela construiu logo 500 mil quadras. Então é preciso a gente fazer a quantidade de atletas nas mais variadas modalidades, para tirar disso uma gente mais qualificada, que possa ocupar os pódios das vitórias. O Brasil não tem essa capacidade. Quando vez surge alguma figura, mas isso de maneira excepcional, graças ao esforço próprio do atleta. Aí então ele consegue marcas olímpicas. Mas na realidade, toda vez que vamos a uma Olimpíada nós sempre encontramos medalhas muito raras e poucas. E fracas. É uma de bronze, uma de prata, excepcionalmente ouro. Nós não temos mentalidade para investir no esporte, fazendo com que a criança... Mas antes temos que alimentar a criança, nós temos que dar comida para criança, nós temos que dar saúde para a criança para ela possa praticar o esporte. Infelizmente eu estou falando agora, você que está me ouvindo não sei daqui quantos anos, é possível que a gente saiba que história é relato de fatos passados e dignos de memória. Eu quero que você saiba que na época em que nós estamos vivendo, 1993, é uma época de corrupção, de “filhotismo”, de nepotismo, etc. Aliás, muito parecido com os Estados Unidos em 1860, que também tinha tudo que nós estamos vendo aqui hoje e através do voto, através de uma qualificação melhor do eleitor, através de uma politização do eleitor, ele começou a escolher melhor os seus candidatos. Os Estados Unidos foram enfrentando e melhorando. Isso não quer dizer que lá seja tudo perfeito. Lá também tem ladrão, ainda tem tudo, tem Código Penal, tem penitenciária, tem agressão, tem tudo. Só que não há esse despudor no comando da coisa pública. Então é preciso que esse país ainda viva muito tempo, sofra muito. Faça um caldeamento. Inclusive, que você que está me escutando, eu não sei daqui a quantos anos, ano 2050, sei lá, o jovem que está me ouvindo, pode ter certeza que faltou nessa minha época que estamos vivendo, faltou um pouco mais de vibração patriótica, esta que é a grande verdade. Não há. Aqui no meu tempo de 1993, agora dezembro, às vésperas do Natal, nós temos vergonha de cantar o Hino Nacional, essa que é a grande verdade. Infelizmente, você que está me ouvindo, é possível que já isso tudo seja apenas um sonho, um pesadelo que já foi embora.

P - Dr. Vita, voltando um pouco à época que o senhor era criança, falando desses campos da várzea, o senhor participava desses jogos?

R - Ah sim. Porque a gente...

P - Como é que eles eram?

R - Era a troça da rua. Era uma troça de rua, a gente chamava. Eram os moleques que se reuniam lá no campo de futebol, arranjavam... Naquele tempo éramos muito pobres, claro, nós éramos. Nós tínhamos as algibeiras vazias. A gente, para descobrir uma bola era... Quando surgia uma bola era um acontecimento. Fazíamos uma bola de meia. Já viu aquelas meias antigas? Colocávamos uma sobre a outra e fazíamos uma bola de meia, uma bola de papel, etc. E quando aparecia uma bola, a gente fazia uma vaca, um rateio entre todo mundo e comprava uma bola, aí então era o grande acontecimento. Ou então aparecia um sujeito mais rico, era o riquinho da turma, e punha a bola em jogo. Se ele não jogava bem a gente punha pra fora do campo, ele pegava a bola, acabava o jogo e ia embora. Era o dono da bola. Mas era uma cidade pobre naquela época, bem pobre. Bem a cidade de São Paulo continua pobre, mais pobre ainda. Mas é... Nós não tínhamos, não havia essa facilidade que hoje há do crediário, que a gente compra coisa no crediário, quer dizer, paga não sei quanto de juros, mas compra. E a gente então tinha meio para brincar na rua quando não tinha o campo de futebol, tinha a rua. A rua era tranquila, tinha poucos automóveis, a gente contava nos dedos quem tinha automóvel. Hoje em dia, qualquer. Ainda recentemente na televisão eu vi um cidadão, que é, que vende, um ambulante, ele tem um carro último tipo, zero quilômetro, ambulante. Naquele tempo para comprar uma bicicleta era um acontecimento. Era uma cidade assim, uma cidade de imigrantes, que era uma indústria que surgia trazida pela mão do imigrante. O Brasil era um país agrícola, nós tínhamos a monocultura do café. Era o tempo dos barões do café, eram homens que realmente dispunham do dinheiro, viajavam para Paris, etc. E era um país essencialmente agrícola. Nós importávamos quase tudo. E aí começou surgir os primeiros teares, uma indústria incipiente. Daí porque tem esse Palácio das Indústrias aqui em São Paulo, que em 1922, onde está localizado a sede da Prefeitura, em 1922. Portanto, há 71 anos, houve o Palácio das Indústrias, onde a maquinaria toda, que era oferecida à visitação pública, era fabricada em São Paulo. São Paulo sempre se caracterizou pela pujança de seus filhos. Na Revolução de 32, contra o Brasil inteiro, São Paulo fabricou trem blindado, capacete de aço, fabricou tipo de Morteiro Brant, chamava “bombardas”. Enfim, São Paulo se... São Paulo, que estava preparado para a paz, pôde se preparar para a guerra. Todo país que está preparado para a paz, ele se prepara rapidamente para a guerra. O país que está preparado para a guerra, dificilmente se prepara para a paz. Uma fábrica de tratores pode ser mudada para um fábrica de tanques rapidamente, mas uma fábrica de tanques dificilmente pode ser mudada em fábrica de tratores. Esse é o problema, porque a Rússia tá atravessando essa crise. Estava preparada para a guerra, não estava preparada para a paz. Os Estados Unidos, quando na data de hoje, sete de dezembro de 1942, portanto, vejam bem, há 40, 51 anos, os Estados Unidos foram atacados em Pearl Harbor, lá no Havaí, pela tropa japonesa. Os Estados Unidos não estavam preparados, bastou declarar a guerra, entrar na guerra, em seguida o Brasil, os Estados Unidos acabaram ficando o grande país produtor de armamento, etc. Eles estavam preparados para a paz e estavam em seguida preparados para a guerra. São Paulo também, era uma cidade, a única cidade do país que tinha uma indústria, que era incipiente, mas tinha, e que pôde transformar aquilo que possuía nos seus artefatos e seus apetrechos médicos, fazendo capacetes de aço e “bombardas”, e etc.

P - Dr. Vita, já que nós estamos falando em guerra, o senhor se lembra de alguma coisa da Revolução de 32, embora menino?

R – Ah, sim. Eu me lembro que eu organizei. Aliás, isso foi até comentado uma vez, eu estava sendo homenageado de certa feita e falaram sobre aquilo que eu bolei. Em 1932 eu tinha dez anos, lá no Cambuci, eu reuni a troça, aquele grupo da rua, fizemos lá duas rodas, fizemos um pedaço de cano imitando canhão e então fizemos todas aquelas coisas com... De forma artesanal, e fomos a pé pela Rua Lavapés, subimos Rua da Glória, Largo da Sé... Todos nós. E fizemos um cartaz que eu escrevi: "Se preciso também iremos". Porque, realmente, a Revolução tomou conta da gente. Nós achávamos aquilo uma beleza. Nós vibrávamos com a Revolução e então eu bolei aquilo: “se preciso também iremos”. Nós crianças queríamos também participar. Era um sentimento da coletividade muito importante. Naquele tempo não se falava em drogas, mas se falava em vibração cívica, não se falava apenas em lazer. Porque o lazer mais motivado pela imaginação da criança, já que nós dispúnhamos do quê? De um parque de diversões, um “mafuá”, como dizem no Rio de Janeiro, um parque de diversão, de vez em quando um circo. Quem não gosta de circo com todas aquelas coisas? Enfim era uma época romântica, claro que é romântica. Qual é a cidade provinciana que não tem um romantismo, um lirismo, do tempo das serenatas, etc, do tempo do gás de rua, dos lampiões. Era uma cidade tranquila. Era uma cidade não pujante como em relação ao país, sem dúvida alguma, mas em relação ao que é hoje, evidentemente, era uma cidade cheia de deficiências, cheia de carências, mas o povo era rico, era um povo rico de ideias, digamos assim... Tinha vontade.

P - Uma pergunta: O senhor que é descendente de italianos, como é? Não ficou no Palestra Itália, foi para o São Paulo ?

R - Eu acho a Itália muito grande para ser confundida com time de futebol, só por causa disso.

P - Como é que começou o seu envolvimento com o São Paulo?

R - O meu pai era do Paulistano, né? E eu torcia pelo Paulistano. O Paulistano do Antônio Prado fechou o Departamento quando houve o profissionalismo em 30. O Paulistano fechou. Aí o São Paulo surgiu, era o Nestor de Almeida, o Clodoaldo, o Bartô, o Clodoaldo Caldeira, Bartolomeu Gugane, Hamilton Bino e Abate, depois veio o Arminhana que era uruguaio, o que pegava e dava carrinhos longos. Depois era o Luizinho, o... Era... Tinha o Junqueirinho, o Luizinho , o Friedenreich, o Araken. Logo no inicio, no começo de 30, a ala esquerda era Rapi Zoanela, aliás, Zoanela era o nome. Tem um Zoanela no Conselho do São Paulo que é tio, aliás, sobrinho daquele Zoanela que era ponta esquerda. Tinha o Friedenreich, tinha o Araken, etc. Quando surgiu com jogadores do Paulistano, que eram os jogadores do Paulistano que formaram o São Paulo, que viveu esse mesmo São Paulo da Floresta que funcionou até 35. Aí por problemas internos e tal acabaram com o São Paulo e ressurgiu meses depois, sete meses depois.

P - Como é que era esse São Paulo da Floresta?

R - Era um clube que, falava-se “floresta” porque o São Paulo usava o campo onde está o Tietê hoje, lá na Ponte Pequena, e tinha dois campos, o campo do São Bento pegado ao campo do São Paulo. A pessoa sentada no, na arquibancada do São Paulo podia olhar pra trás e estava assistindo outro jogo de futebol no campo do São Bento. Eram campos pequenos, o maior campo da época era o campo do Palestra Itália, o Parque Antárctica. O Parque São Jorge tinha lá um campo muito pequeno. A Portuguesa de Desportos tinha na Rua Cesário Ramalho, no Cambuci, onde nasci, tinha lá o campo dela, Portuguesa de Desportos. O Juventus tinha o campo na Rua Javari. Eram os times de São Paulo. O Ipiranga tinha na Rua Bom Pastor. O que eu me lembro naquela época e tinha o Santos e a Portuguesa Santista, tinha o Franco Santista, houve esse time. E esses times é que formavam o Campeonato Paulista. Depois desapareceram. Muitos deles através da Lei de acesso e descenso, lei essa feita pelo Roberto Pedrosa, que foi nosso presidente do São Paulo. Foi presidente da Federação e foi o “goal keeper”, o “guardião”, o “arqueiro” do São Paulo. Foi na Seleção Brasileira em 30, quando jogou na Espanha, o Pedrosa jogou, não. O Pedrosa jogou em 34, em 30 quem estava no gol era Rei, que era do Vasco. Rei, Domingos, Itália, Gringo e... Eram jogadores do Vasco na época. O Roberto jogou em 34 na Seleção Brasileira quando a Itália se tornou campeã. Em 38 novamente a Itália foi campeã. Em 30, o primeiro campeonato foi ganho pelo Uruguai, lá na França no Estádio de Colombe em Paris, o Uruguai ganhou. E a época os uruguaios diziam: “ahora a Martes”, vamos agora para Marte, pois eles não tinham mais adversários. Da daquela maneira muito própria do hispânico de ser assim, “quien pisó en mi capa”, quer dizer aquelas coisas. Mas era um time que... Eu fui criado no Paulistano, sou Paulistano e ainda continuo sócio, diga-se de passagem, aí fui para o São Paulo de Floresta e ingressei no São Paulo novo em 35 e estou até lá hoje. Estamos lá sofrendo com esses juízes que furtam o São Paulo constantemente, nós somos vítimas. Tem aparecido aqui uns negócios tão desagradáveis, sempre tem aparecido coisas erradas no São Paulo Futebol Clube, sempre.

P - O senhor pode dizer quais são? O que são essas coisas erradas?

R - Os árbitros. Os árbitros sempre. Existe uma máfia contra o São Paulo. Porque existe aquela famosa, aquela história do sapo que queria desafiar o sol. Depois tanto fazer, de tanto fazer, o sapo continuou sapo e o sol continua sol. É o que acontece com São Paulo Futebol Clube. E eu digo sempre, que o São Paulo isto já se tornou até lugar comum no São Paulo. Eles têm citado essa minha ideia: o São Paulo não é nem maior e nem menor. Não é nem melhor e nem pior. O São Paulo é diferente. É isso que faz com que os adversários fiquem loucos da vida. Porque onde o São Paulo é “marechal de campo”, não tem nem sargentos. A diferença é realmente abissal, e a gente se acostuma. Eu sempre digo isso: o conselheiro jovem vai para o Conselho do São Paulo e ele sem querer ele vai sofrendo uma lavagem cerebral através da conduta dos veteranos, etc. É como quando a gente entrava na Faculdade de Direito de São Paulo, a gente entrava, eu entrei em 40 no pré-jurídico né, a gente entrava na faculdade e a gente sentia aquilo era uma, a gente madrugava o espírito para justas não só da inteligência, mas a gente também tomava porres de liberalismo, então nós, aquilo era um forja de liberais. Nós somos uma forja de liberais, e a gente se formava dentro da faculdade não só na ciência do Direito, não só na arte da advocacia, mas também politicamente nós éramos uns liberais. No São Paulo é assim, a gente vai, através dos anos, vai recebendo os ensinamentos dos mais velhos, daqueles que ajudaram a fazer isso que está aí e os jovens vão aprendendo daí. Porque nós somos necessariamente diferentes. Você que está me ouvindo no ano 2050, 2100, você vai ver que continua diferente no São Paulo. O Brasil numa tanga de fazer gosto e o São Paulo com essa, com esse brilho extraordinário, com os elementos que realmente o formam.

P - Como o senhor definiria esse perfil cultural do São Paulo?

R - O São Paulo é o paradoxo dentro do terceiro mundo, porque ele está além do primeiro mundo. O São Paulo é um paradoxo.

P - Se na Faculdade de Direito havia um porre de liberalismo, porre de quê há dentro do São Paulo?

R - Ah! Tem porre de dignidade, de cavalheirismo, de educação. Coloque todos os sentimentos éticos de um homem e vai descobri-lo no homem comum do São Paulo Futebol Clube. Pode ter certeza, ele é diferente.

P - Democraticamente do dirigente ao último torcedor mais jovem?

R - Não, evidentemente o São Paulo também tem suas partes defasadas, tem coisas mais negativas. O que eu quero dizer no São Paulo, e que o homem comum do São Paulo, o "uomo qualunque" do São Paulo, ele é bom. Claro, tem outro torcedor porque frequenta muito as torcidas adversárias e sofre aquele influxo negativo dos outros, mas o são paulino que não sofrer nenhuma influência criminosa da canalha, que de vez em quando nos atormenta, esse é perfeito, perfeito. Daí, porque quando nasceu meu filho, primeiro eu o inscrevi no São Paulo Futebol Clube e depois eu fui ao Cartório de Registro de Pessoas Civis (risos) e o fiz cidadão brasileiro. (Risos)

P - Dr. Vita, quais são as características, os elementos que o senhor coloca pro São Paulo que o diferencia dos outros clubes?

R - Primeiro, o São Paulo não tem corneteiros. O que é o corneta no futebol? É aquele que critica de qualquer forma. Ganha, perde, ele tá sempre lá lavando a roupa suja, xingando a mãe do cidadão e toda aquela linguagem. Ah! Toda aquela linguagem que não tem o menor sentido, mas eles usam. O São Paulo é diferente. Pode observar que quando nós construímos o estádio, o São Paulo ficou muito aquém dos resultados positivos. Nós não conseguimos campeonatos e nunca houve nenhuma crise, nunca houve. Porque o torcedor do São Paulo entendia que o esforço da diretoria era no sentido de fazer o estádio que nós temos. Mas aí que está a diferença, enquanto nos outros há corneteiros, no São Paulo não tem. Não há o São Paulo, o torcedor do São Paulo é muito exigente. O São Paulo, para encher o estádio ele precisa ganhar. Porque o torcedor do São Paulo, pela sua própria natureza, ele é exigente. Pega por exemplo, tem um time aí que eu não vou dizer, porque afinal de contas o museu é de São Paulo. Tem um time aí que eles vibram até com minuto de silêncio. (Risos) É uma coisa de louco. Quer dizer, eles vibram até com minuto de silêncio! As câmeras de TV dos outros clubes mostram, por exemplo, durante o carnaval um baile carnavalesco, no lugar de músicas clássicas do carnaval, naquela bagunça toda do Rei Momo, eles ficam cantando a canção do clube, e etc. Quer dizer uma coisa, sei lá, eles são uns xiitas e pra mim xiitas fica difícil conversar. Já o São Paulo é diferente, o homem, o São Paulo critica, eu já vi, mas estou cansado de ver. O torcedor do São Paulo vendo o clube ganhar de larga margem, é, mas podia ter feito aquele lance melhor. Quer dizer, o São Paulo quantas vezes foi vice-campeão, um número sem conta. É. Mas vice-campeão não pode, tem que ser campeão. Nunca estão satisfeitos, é um público muito exigente, muito crítico. É, po. E o São Paulo nunca teve grande torcida, grande número de sócios. A torcida surge à medida que o São Paulo vai produzindo bons resultados, então os estádios vão se enchendo, mas o São Paulo nunca teve um grande quadro social. Agora estamos tentando através da venda de títulos, etc. fazer uma sede, e o Pimenta em boa hora bolou um negócio muito interessante. Mas o São Paulo sempre tem, teve poucos sócios. Porque o são paulino, por exemplo, classe A, ele frequenta outros clubes e não frequenta o São Paulo, pode ser sócio até e tem, mas ele não frequenta o Parque Desportivo do São Paulo Futebol Clube, torcedor um pouco diferente.

P - O senhor poderia dizer quais são esses planos do presidente Pimenta?

R - É interessante que ele fez um, é... Uma empresa construtora trouxe um pacote com a venda de dez mil títulos em termos de underwriting, isto é, o São Paulo entrega os dez mil títulos e recebe o dinheiro para construir. Se eles vendem ou não os títulos, é problema deles. Não é uma... Não é uma venda em consignação, mas é underwriting que está sendo aplicada no esporte. A pessoa, os bancos, o próprio sócio pode comprar. Eu, por exemplo, vou comprar alguns títulos e guardá-los comigo, que até é uma forma, além de uma forma de ajudar, é uma forma da gente de aplicar dinheiro. Os títulos serão vendidos por 1200 dólares, certamente com o advento da nova sede, esse título fatalmente aumenta de preço. Mas é uma ideia muito boa, para se fazer uma sede dentro do Morumbi, aumentando-se consideravelmente a área de lazer para os sócios do São Paulo. Uma boa ideia que teve o Pimenta, que acredito que pela forma que está sendo apresentada, acho que vai dar certo.

P - Mas... Eu ia perguntar: Essa é a maneira como vai ser feito, agora o quê vai ser feito, onde vai ser feito, o senhor pode adiantar?

R - Não, eu não tenho esses detalhes técnicos. Eu não tenho.

P - É na mesma área? Vai ser comprada mais uma área?

R - Não é na mesma área. Há vagas. O São Paulo dispõe de zonas ociosas, áreas ociosas que podem ser utilizadas para esse tipo de... De empreendimento. Ainda há áreas ociosas no São Paulo que podem ser muito bem serem aproveitadas.

P - Dr. Vita, o senhor falou da construção do Morumbi. O senhor participou desse processo?

R - Eu era da comissão. O Morumbi, ele surgiu com... Havia uma empresa Aricanduva de Loteamento que pertencia ao Governador Adhemar de Barros, ele fundou o Jardim Leonor, aproveitou e deu o nome da senhora dele, Dona Leonor Mendes de Barros, esposa de Adhemar de Barros. Então o Jardim Leonor era um loteamento no Morumbi. Como sabe, todo o loteamento tem uma área destinada a institucionalidade, isto é, uma área reservada para poder o público para fazer praça, etc. O São Paulo naquela época conseguiu com o Gomes Cardim, conseguiu com o Gomes Cardim, que era uma espécie de secretário absoluto da Prefeitura e com o Prefeito Armando de Arruda Pereira e consegui e com Adhemar de Barros, conseguimos que aquela área institucional fosse dada ao São Paulo Futebol Clube. O São Paulo comprou mais uma área, talvez um terço do que tinha... Mais de um terço, e nós pusemos, fizemos lá... Então tivemos condições de fazer o estádio. Com a venda de cativas nós pudemos fazer as fundações. A gente observava o perfil do estádio pelas fundações quando passava de avião, quando ia para Congonhas. Quando o avião fazendo o, tomando, pegando a pista, ele passava em cima do Morumbi, a gente observava que do avião se observava todo o perfil através das fundações que ainda não tinham saído da terra, mas que iam suportar todo o peso arquitetônico. Mas aí, precisaria que o povo que é símbolo, precisaria levantar alguma coisa e levantávamos e vendia cativa. Surgiu um oficial paranaense, ele veio com o Paulistão, que é algo que o Ministério da Fazenda permitia que se fizesse, que era um jogo. O sujeito comprava os talões e concorria a prêmios, automóveis, etc. Esse oficial do exército que detinha essa patente ofereceu ao São Paulo que foi aceito. Nós reuníamos alguns clubes: o Palmeiras, Taubaté e Juventus aceitaram de pronto. Corinthians e Santos não quiseram participar. O São Paulo com esse jogo do Paulistão conseguiu construir o Morumbi. O Palmeiras construiu aquele parque bonito, um parque esportivo bonito em Água Branca e guardou naquela época cinco milhões de cruzeiros em caixa, que na época era uma fortuna. O Juventus fez aquele grande estádio que ele possui e o Taubaté um dos campos mais bonitos do interior. Então todos os clubes que participaram do Paulistão tiveram meios para construir seus estádios. Santos e Corinthians não quiseram, mais tarde entraram, mas nesta altura já a praça estava inundada de tanta coisa. O São Paulo comprou a ideia desse oficial do exército na hora certa, quando não havia nada, só havia “A Sorte é Seabra”, tinha o “Baú da Felicidade” que era do Manuel da Nóbrega, que depois deu para o Sílvio Santos. Mas o São Paulo pegou na hora certa, conseguiram vender milhares, milhares e milhares de carnês e o São Paulo pôde construir o estádio. O estádio do São Paulo Futebol Clube pôde realmente ser completado graças a ideia que aquele oficial nos trouxe.

P - O senhor se lembra do nome dele?

R - Não lembro, não lembro. Mas era uma ideia boa, ele ganhou dinheiro, todo mundo ganhou. O nosso Zé Poy foi um dos grandes vendedores de cadeira cativa, ganhou dinheiro, todos ganharam. Um dinheiro bem ganho e propiciando a construção desse estádio, que realmente é uma maravilha. Porque é difícil construir um estádio dessa natureza, muito difícil, não há condições. O americano, por exemplo, jamais construiu estádio desse tamanho. O americano prefere estádio menor por que ele quer ver a cara do atleta, o esforço do atleta. O estádio muito grande, se localizar lá em cima na arquibancada, tá vendo um jogo de formiguinhas. Num tem... Futebol é bom no Pacaembu. O Pacaembu é pequeno, a gente vê todo o lance, a gente sente, inclusive o jogador xingando a mãe do juiz, por exemplo, isso faz parte de todo o folclore futebolístico. (Risos)

P - Que transformações que a construção do Morumbi trouxe pra aquele espaço?

R – Bem, minha filha, você sabe que todo estádio construído num loteamento, ele é um chamariz, porque a pessoa que compra o lote para construir vê naquele estádio uma área de lazer que ele não tem eventualmente em casa. Inicialmente, portanto, o estádio é um convite para a compra do lote. Mais tarde o estádio acaba sendo um ônus para quem comprou, aquele movimento de pessoas, aquele barulho etc. Então, o estádio tem duas fases: a inicial, que facilita a venda dos lotes e a posterior quando o estádio começa realmente a trazer uma série de implicações negativas para os moradores do Morumbi, ou o próprio Pacaembu quando tinha, o Pacaembu também a City conseguiu vender lá muitos lotes por causa do Pacaembu, por causa do estádio, depois a coisa, tem gente que não gosta daquele barulho, enfim é isso que acontece.

P - Qual é, de todas as suas atividades de vida, qual é a que o senhor acha mais apaixonante?

R - A de advocacia. Eu gosto de exercer, eu sou, tenho... Eu tenho e tive a vocação para a advocacia. Gosto da advocacia. A advocacia como arte, porque o Direito é uma ciência. Eu gosto, eu acho que sou um homem que me realizei na profissão. Não direi inteiramente, porque ninguém se realiza inteiramente. Mas, aquele "corpus satis", aquele tamanho necessário, eu achei que a profissão me deu momentos muito agradáveis. Me dá momentos muito agradáveis, e eu tenho uma equipe de onze advogados, que são meus companheiros de escritório, e é uma beleza a gente trabalhar com aqueles jovens observando que há alguma coisa que funciona, que a gente alimentava quando estudante e que agora. Eu gosto mesmo é da advocacia. Eu também gosto da tribuna, lá do parlamento, evidentemente. Estou na Câmara há 33 anos e aquilo pra mim também se torna um hobby, eu gosto da discussão, do parlamento, discussão objetivando o bem comum, criticando o que está errado, aplaudindo o que está certo. Mas o quê realmente me empolga é a profissão de advogado.

P - Qual é sua especialização na carreira?

R - Eu comecei, como todo jovem advogado, comecei fazendo advocacia criminal, fazendo muito júri, muita coisa. Com o passar do tempo eu comecei a fazer Direito Civil, Direito Comercial, Direito Empresarial. Hoje eu tenho, sou advogado de muitos partidos aí de forma que eu me realizo e tenho a minha clientela.

P - E o dom de oratória sempre esteve com o senhor? O senhor sempre teve?

R - Bom isso fica por sua conta, o dom de oratória, sei lá. Fala.

P - O que o senhor citaria que mais marcou a sua vida profissional?

R - O que mais marcou a minha vida como advogado?

P - Sim.

R - Foi quando eu pude comprar o meu escritório com o meu dinheiro, ganho na profissão. Mais do que quando eu construí a minha casa, quando eu comecei a fazer alguns haveres. Mas, como advogado, quando eu entrei no meu escritório, que eu comprei na Praça Ramos de Azevedo, no Edifício Glória né, que aquelas 12 salas, que aqueles aparelhos, aquele negócio todo, que aquilo era meu com meu esforço, graças ao meu esforço, aquilo foi realmente gratificante e eu me senti bem mesmo sabe, bem mesmo.

P - Resta então perguntar o que mais marcou a sua vida pública, e depois a sua vida no clube, no São Paulo.

R - Bom, na minha vida pública quando me deram o título de Presidente Emérito da Câmara Municipal de São Paulo. Eu sou o único presidente de honra da Câmara de São Paulo, presidente emérito, em 1974. Foi um grande momento da minha vida como político, porque também não existe ninguém que tenha esse título no país. E no São Paulo Futebol Clube, quando me deram o título de Sócio Benemérito, então eu, foi um momento muito gratificante.

P - Ah, nós não falamos ainda do, da passagem, voltando um pouquinho atrás... Como é que foi sua saída da casa paterna? Foi pelo casamento?

R - Não, não, eu saí da casa paterna porque tive uma briga com o meu pai. Se quiser saber, foi isso, eu briguei com o velho e aí saí. Bêbado de vida sim, potro bravo.

P - Mas brigou por quê?

R – Bom... Luta de gerações. Ele pensava de um jeito e eu pensava de outro. (Risos) E ele estava com a razão, sabe. Ele tinha. Mas aí, depois eu voltei. E quando eu conheci minha falecida mulher, aí tudo bem. Mas, eu tenho, a primeira saída foi briga. Depois voltei. Mas veja bem, quando eu voltei, meu pai faleceu alguns anos mais tarde. Eu me casei meu pai já não existia mais. É... Minha mãe já estava muito velha, não pode ir ao casamento, mas torcia né, torcia muito pela gente.

P - Qual foi... A sua vida foi muito cheia de realizações. Mas eu perguntaria ainda, há algum sonho a ser realizado?

R - Eu gostaria de ver o São Paulo Futebol Clube tricampeão, não consigo ver. Sempre têm aparecido coisas que machucam o São Paulo. Sempre tem coisa errada. É que o São Paulo não sabe lutar fora do campo, aí também uma diferença do São Paulo, nem passa pela cabeça do São Paulo Futebol Clube de comprar um juiz, por exemplo. Não passa pela cabeça do São Paulo, mas muitas vezes compraram juiz contra o São Paulo. Então nós somos, digamos que somos ingênuos. Apesar de toda a sapiência que domina a cabeça dos dirigentes, em termos de malandragens esportivas nós somos ingênuos, graças a Deus. E os outros não querem saber. Querem ganhar de qualquer jeito, até honestamente. Os nossos adversários são capazes até de fazer alguma coisa honesta. São capazes. Veja bem a disposição que eles têm. Eu gostaria de ver o São Paulo tricampeão, porque não? Gostaria. Isso é um desejo, isso é meu, estamos às vésperas do Papai Noel, gostaria que ele me ouvisse e que me desse esse presente um dia.

P - Essas três vertentes da sua atividade vieram acompanhando a vida toda?

R - Ah, sim.

P - A vida pública...

R - A vida pública como vereador, a vida profissional como advogado e a vida esportiva como são paulino. São três pontos que convergentes, eles convergem.

P - Difícil dizer qual lhe deu a maior satisfação?

R - A gente vive bem, a gente vive bem, a gente vive. Um momento. Eu sou um pouco descrente de muita coisa. Acredito em outras coisas, mas eu prefiro me ocupar e não preocupar. Eu prefiro me ocupar.

P - Se o senhor tivesse, pudesse mudar alguma coisa, o senhor mudaria? Teria o que mudar ou ficaria como sempre foi...

R - Eu?

P - A sua vida fazendo uma avaliação...

R - Eu não sei se mudaria muito não, acho, não sei não. Talvez não tivesse feito algumas concessões que fiz para alguns cidadãos. Talvez. Mas acho que a minha vida seria igual, não seria muito diferente não. Talvez se eu pudesse voltar, eu acho que faria tudo o que eu fiz e dando cabeçadas inclusive, muitas vezes dei cabeçadas. Nunca fui perfeito. Aliás, nunca me jactei de ser perfeito. Ainda bem, mas acho que eu faria bem assim, não mudaria não.

P - Já que o país é conhecido como um país sem memória, o senhor acha que é importante deixar este memorial do São Paulo?

R - Querida, um dia este país tem que... Este país um dia tem que se encontrar. É através deste, desta memória que estamos fazendo aqui, de uma memória de uma empresa turística, de uma indústria, de uma empresa prestadora de serviços. Nós fizemos ensinar porque a gente aprende recebendo lições, o que o São Paulo Futebol Clube tá fazendo com isso está dando também um somatório, aqui se todos fizerem isto, vamos começar a educar, eu falava há pouco sobre aquela lavagem cerebral que nós tínhamos na faculdade. Fazer uma lavagem cerebral porque o sujeito tem que ter memória mesmo, se a gente perguntar a qualquer cidadão da rua sobre os governos que estão querendo retornar, já se esqueceram do que aconteceu nos governos anteriores. Coisas terríveis, e tem gente que quer voltar. Essa é que é a verdade. Eu acho que este museu aqui, esta forma de memorizar, eu acho importante como fator de cultura, fator de cultura. Quer dizer é mais um adminículo que se soma às outras realizações para que o povo se convença que é preciso ter memória, porque o povo que tem memória ele erra menos, né.

P - Dr. Vita, voltando, para terminar gostaria que o senhor falasse... O senhor ocupou alguns cargos no São Paulo?

R - Eu fui presidente do Conselho Deliberativo, fui diretor do Social, diretor do Departamento Legal, Social, Legal, Secretário... Eu exerci alguns cargos sim, executivos e como presidente do Conselho Deliberativo, houve um momento que quiseram que eu fosse presidente do São Paulo, mas eu me recusei a ser presidente porque sempre achei que quem pode exercer a presidência é aquele que independa de seu escritório, de seus afazeres, porque hoje o São Paulo é uma organização empresarial e é preciso que o presidente dê um tempo muito grande e este tempo eu não posso dar. Enfim, eu tenho necessidade de dirigir o escritório de advocacia. E toda a pessoa que dirige o São Paulo ou deve estar financeiramente muito bem, independente, ou então tenha alguma organização que tenha pessoas que façam a parte deste cidadão. Eu não tenho quem faça a minha parte no escritório, eu tenho que fazê-la. Se tivesse, talvez teria aceito a presidência do São Paulo quando me foi ofertada.

P - Quando foi isso? Que ano mais ou menos?

R - Agora recente, coisa, foi quando houve... Quando houve a eleição do Pimenta, e quando houve a reeleição do Pimenta.

P - Certo, e Dr. Vita, e esses cargos... Desses cargos que o senhor ocupou quais foram algumas realizações que o senhor...

R - De sempre a rotina, nada de especial, nada de...

P - Que é a rotina?

R - Eu tenho uma rotina, quer dizer, no Conselho como presidente, por exemplo, para mim eu fazia com que a coisa funcionasse de tal forma que as reuniões do Conselho na minha presidência eram rápidas, porque era objetiva com o que queria. Quer dizer, o tipo de paradoxo que eu gosto de falar, porque que eu não permito que os outros falem? Mas eu achava que a coisa deveria ser mais sucinta, mais rápida. Como diretor do São Paulo eu exerci lá as minhas funções, enfim, nada de excepcional, um homem comum na direção de, não tive nada assim de especial. Eu tive alguma coisa que eu dei para o São Paulo, inclusive quando eu consegui a aprovação na Câmara, uma luta muito grande, quando demos o Centro de Treinamento do São Paulo. Isto foi uma luta minha na Câmara, para que fosse aprovado, né.

P - O senhor pode falar um pouco mais sobre dessa ideia do Centro de Treinamento?

R - Posso. O Centro de Treinamento precisa fazer justiça ao Marcelo Portugal Gouvêa que trabalhava naquele tempo com o Reinaldo de Barros, então prefeito. Então o Reinaldo, que é são paulino, o Marcelo que é são paulino, nosso conselheiro, o Marcelo, conseguiu motivar o prefeito. Então nós descobrimos aquela área onde está o CT e o Marcelo trabalhou junto ao Executivo para que fosse mandado para a Câmara, a coisa... Mas para tanto também trabalhou o Leone Galvão, também ele tinha, por ser aparentado com o Adhemar de Barros, com o Reinaldo de Barros também trabalhou, finalmente veio para a Câmara. Na Câmara conseguimos aprovar aquilo dando para o São Paulo o CT. Mas o CT, portanto, foi a reunião de esforços de gente na Prefeitura de São Paulo com gente do São Paulo na Câmara Municipal, então com isso conseguimos fazer o CT. Como é que é, me esqueci de dizer no começo da nossa conversa que quando o São Paulo, para o São Paulo obter aquelas vantagens do loteamento etc, nós devemos isso ao Luís Campos Aranha, falecido, pai do Márcio que é nosso diretor e do Luiz Cássio Santos Werneck, presidente do Conselho Deliberativo, esses dois é que dirigiam o Departamento de Amador do São Paulo com aquele grupo de atletas, grandes atletas que tinham o São Paulo, e como o São Paulo tinha que apresentar alguma coisa no setor amadorístico para poder obter os favores da lei que entregou pro São Paulo o terreno, nós devemos creditar à conta do Werneck e do falecido Campos Aranha a cessão do estádio, isto é importante, como nós devemos também creditar à conta do Portugal Gouvêa na Prefeitura e comigo na Câmara, não estou aqui fazendo isso querendo contar uma vantagem, longe de mim, estou dizendo que eu era o homem certo na hora certa e no lugar certo. Talvez outro que estivesse no meu lugar teria feito a mesma coisa. Não houve nada de excepcional de minha parte como também não houve do Marcelo, apenas houve um sentido de são paulino para dar para o São Paulo uma coisa que ele merecia, em síntese é assim essa história.

P - Era uma área que foi desapropriada? Como é que...

R - Não, não, já era da Prefeitura. Aquilo era fruto de retificação do rio, aquilo já era até da Prefeitura.

P - Para finalizar, Dr. Vita, como o senhor definiria o São Paulo Futebol Clube hoje?

R - É, o São Paulo hoje é, o São Paulo é uma instituição. Tanto que quando presidente do Conselho Deliberativo, e o Werneck faz o mesmo, eu colocava na ordem do dia: leitura, discussão e votação da ata anterior, expediente, etc., no enfim assuntos do interesse da instituição. O São Paulo é uma instituição de homens livres que gostam do esporte, que gostam de ser comunitários e que entendem que o esporte pode ser levado a sério com galhardia, com altanaria, o esporte que deve ser disputado no campo e que este mesmo esporte nos deve dar condições, e nós torcendo por ele, possamos melhorar o nosso povo, a nossa raça, a nossa cultura, etc. O São Paulo Futebol Clube é no Brasil uma instituição que merece ser respeitada e acatada, porque é um dos pontos altos de toda a história desportiva deste nosso país. O São Paulo, quando se tornou o clube mais querido da cidade, é preciso que se isso não foi dito que se fale. Era um dia primeiro de maio, dia do trabalhador. Getúlo Vargas, então ditador, tinha queimado todas as bandeiras de São Paulo, aliás todas as bandeiras do país. Lembram, os que conhecem a história, que todas as bandeiras dos estados foram queimadas, só sobrando a nossa bandeira brasileira, o auriverde pendão de nossa terra. Muito bem. Aconteceu que logo em seguida veio o primeiro de maio, o Getúlio Vargas é convidado pelo então interventor Fernando Costa. Vêm às delegações esportistas entrando pelo Pacaembu iam fazendo a conversão pela pista de atletismo e todo o povo aplaudindo. Vem daqui a pouco uma delegação pequena, pouca gente, com a bandeira do São Paulo, que eram as cores da bandeira paulista, foi uma loucura, todo o estádio. Não só são paulinos, todos os clubes se levantaram e começaram a aplaudir, não o São Paulo Futebol Clube. Mas aquela bandeira que representava a bandeira paulista das 13 listas. Então foi um grande acontecimento. Este foi um momento de grande empolgação que eu me lembro quando aconteceu com o nosso São Paulo, mostrando a pujança do povo de São Paulo com as cores da sua bandeira.

P - Dr. Vita, só uma perguntinha que não podia faltar: o senhor que aí é profundo conhecedor de futebol, o senhor poderia escalar o São Paulo de todos os tempos?

R - Bom, assim de improviso e imediato eu podia colocar no gol: Nestor. Colocaria na... Nestor, ponha Renganeschi pela esquerda naquela época, na direita podia por o Piolim, Bauer, Zarzur e Noronha, Luizinho, Sastre, Friedenreich ou Leônidas, Araken, Paulo ou Hércules. Assim seria o time feito assim, abrupto. Nós podíamos fazer dois times, mas esse seria um time que seria até uma covardia sabe. Seria uma covardia. (Risos) Até com os aparecidos por aí ganharia.

P - Tá ok. Dr. Vita a gente agradece muito. Muito obrigada.