Museu da Pessoa

Flamengo nas vitórias, nas derrotas e nos empates

autoria: Museu da Pessoa personagem: Luis de Queiroz Maia

Museu Histórico do Clube de Regatas do Flamengo
Depoimento de Luiz de Queiroz Maia
Entrevistado por José Santos, Paula Ribeiro e Mauro Chaves
Rio de Janeiro, 26/06/1999
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número FLA_HV002
Transcrito por Marcos Zarahi
Revisado por Genivaldo Cavalcanti Filho




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– Bom dia. É um prazer tê-lo aqui abrindo o nosso ciclo de depoimentos do Museu do Flamengo. Gostaria de iniciar a entrevista pedindo para o senhor falar o seu nome completo, data e local de nascimento.

R– Luís de Queiroz Maia. Nasci no dia treze de junho de 1919, na cidade de Iracema, [no] Estado do Ceará.

P/1 – O senhor podia falar o nome de seus pais e quais eram as atividades deles?

R – Meu pai chamava-se Ramiro Fernandes Maia e minha mãe, Francisca de Queiroz Maia. Ele fazendeiro, ela prenda doméstica.

P/1 – E o senhor tinha quantos irmãos?

R – Onze irmãos. Hoje, vivos somente cinco.

P/1 – O senhor podia contar um pouquinho como era a vida lá em Iracema, na sua infância?

R – Bom, eu saí de Iracema com sete anos de idade. Saí do Ceará e fui morar na cidade de Mossoró, no Rio Grande do Norte. O objetivo [era] estudar, porque lá não existia escola, embora naquela época, em 1927, meu pai já tivesse contratado um professor para alfabetizar os filhos e os filhos dos vizinhos, graciosamente.
Cheguei em Mossoró em treze de junho de 1927, uma data, de certa forma, histórica, porque foi no dia treze de junho de 1927 que o cangaceiro Lampião, assaltava a cidade de Mossoró, dia de Santo Antônio. Foi lá nessa cidade onde ele teve a primeira derrota, ele não conseguiu tomar a cidade. Daí foi para outros estados, terminou sendo aprisionado e morto no Estado de Sergipe.
Nasci na Fazenda chamada Córrego Fundo, que era município da cidade de Iracema e fui para Mossoró, no Rio Grande do Norte, estudar, porque ali já tinha colégio mais desenvolvido. Fui ser educado pelo tio legítimo meu, chamado Júlio Fernandes Maia. Lá comecei a ter minhas primeiras letras.

P/2 – Você podia contar um pouco como era essa vida, esse começo da sua infância nessa fazenda? O seu pai era fazendeiro de qual ramo, qual era a atividade dele?

R – Ele era fazendeiro, criava gado e fazia agricultura doméstica. Naquele tempo era o plantio de algodão, feijão, arroz, milho etc. Era a vida do fazendeiro normal na época, muita dificuldade devido ao problema que ainda hoje existe, que é a seca. Era um problema gravíssimo - ainda hoje é, né?


De lá, muita gente emigrou para outros estados procurando um meio de vida, uns para estudar outros para trabalhar, porque o meio ambiente não propiciava isso, não tinha oportunidade pra nada. Por isso é que saímos, todos [os] irmãos saímos e fomos estudar em Mossoró. Andávamos da fazenda até a cidade de Mossoró - 36 léguas a cavalo, não era de carro, porque naquele tempo não tinha. Era a cavalo. Esse trajeto era feito em três dias, repousando em determinados pontos estratégicos, conhecidos, até chegar à cidade de Mossoró.

P/1 – Eram uns duzentos quilômetros?

R – Mais ou menos.

P/2 – Quais eram as brincadeiras na sua infância na fazenda? Jogava-se, brincava-se de que naquela época?

R – Nesse tempo ninguém sabia nem o que era bola, não conhecia a palavra futebol. As brincadeiras eram normais: andar de cavalo de pau, fazíamos cavalo de pau para montar naquele cavalo e aí correr; andar a cavalo quando tinha a idade suficiente. Eu comecei a andar a cavalo [quando] tinha dez anos de idade. Eu era muito ligado ao meu pai,

para onde ele ia eu sempre acompanhava porque era o filho homem mais velho.
Hoje eu tenho 29 sobrinhos. Sou o único tio homem vivo, meus irmãos todos homens morreram. Estou com 80 anos, fiz agora no dia treze. Velho, mas estou com muita fé de passar mais pelo menos uns dez pisando aqui, no solo sagrado do Flamengo.

P/2 – Um pouco das suas recordações desse período de Mossoró. Como era a escola que você frequentava?

R – Eu frequentava um colégio chamado Ginásio Diocesano de Santa Luzia, que era administrado pela Igreja, pelo bispado de Mossoró. Naquele tempo, o bispo de Mossoró chamava-se Dom Jaime de Barros Câmara, que mais tarde foi o Arcebispo do Brasil, aqui no Rio de Janeiro. Lá ele fundou o primeiro seminário do Estado. Dom Jaime de Barros Câmara, é verdade.
Bom, em Mossoró eu fiquei até dezessete anos, fiz o ginásio completo. Terminado o ginásio fui trabalhar no comércio, numa firma chamada Tertuliano Fernandes e Companhia. Lá eu trabalhei uns cinco anos, isso foi até 1930 e... Final de 38 para começo de 1939. Em 1939 eu vim embora para o Rio de Janeiro; foi quando eu me associei ao Flamengo, [no] dia primeiro de janeiro de 1939.

P/1 – O senhor chegou no Rio em 39. O senhor não lembra a data?

R – Deve ter sido eu não me lembro bem disso, deve ter sido poucos dias antes. De 39 eu vim para o Rio de Janeiro - não, eu vim para Natal. Veio a guerra, fui convocado para a guerra. Estava no quanto escalão quando terminou a guerra.

P/2 – O senhor voltou do Rio de Janeiro para Natal para servir durante a guerra?

R – É. Aliás, eu voltei daqui do Rio de Janeiro, porque eu fui trabalhar em Natal.

P/2

– Em que atividade, seu Luís?

R – Comércio, aí veio à guerra. Eu me empolguei com a guerra e disse: “Vou para a Itália também.” Aí me apresentei como voluntário - eu já tinha três irmãos convocados. Eu era o mais velho pelo regulamento do Exército, da ordem lá das coisas. Passei um ano e pouco no Exército ainda e fui dispensado porque era arrimo de pai, já tinha três irmãos e eu era o mais velho.


Fiquei mais uma temporada em Natal e vim embora para o Rio de Janeiro. Cheguei aqui em final de 39. Cheguei em janeiro e me associei em janeiro de 39 - cheguei uns dias antes. Eu já era vermelho e preto lá.

P/2 – Então conte um pouquinho como você se tornou vermelho e preto lá em Mossoró?

R – Porque eu sempre gostei muito de esporte, muito. Joguei basquete, remei muito; joguei futebol, não fui craque - fui um medíocre jogador de futebol, somente com muita raça. E lá tinha um clube de remo chamado Esporte Clube de Natal, que ainda hoje existe, que é vermelho e preto; era vizinho ao escritório onde eu trabalhava e já existia o Flamengo, então eu associei o Flamengo ao Esporte e vice-versa, né?
Quando eu vim para cá, não tive.... Tanto que eu sou vermelho e preto do mundo inteiro; pode ser o pior do mundo, mas sou vermelho e preto, eu não mudo de cor. Eu abri uma exceção para o América de Natal, por causa dos amigos, que é só vermelho.

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– Você é Milan, Atlético Paranaense....

R – Sou vermelho e preto, sou 14 de Julho, que ninguém sabe se existe lá, no Rio Grande do Sul. Tem um clube lá chamado 14 de Julho, que é vermelho e preto. E estou hoje, até hoje no Flamengo.

P/1 – O senhor ouvia falar do Flamengo pelo rádio?

R – Não, através de jornais e revistas. Naquela época existia uma revista que falava só sobre futebol, que [se] chamava O Esporte Ilustrado. Como o Flamengo sempre foi o time mais popular e que tinha mais coisas para me dizer, porque a popularidade origina uma série de notícias, [a revista] falava mais do Flamengo. Eu passei a ser Flamengo porque também ainda tinha um vizinho de remo que era vermelho e preto.

P/1 – E nessa época lá em Mossoró, o que chamava a atenção no Flamengo? Tinha algum jogador, algum ídolo que já lhe chamava a atenção?

R – Não, não. Em Mossoró eu fundei um clube chamado União, mas não vermelho e preto, era todo branco. Joguei futebol nele, fundei, mas a maioria era torcedor do Flamengo, por isso foi fácil juntá-los. Disputamos três ou quatro anos de campeonato e depois abandonou... O meio esportivo era muito fraco, ainda hoje é, quanto mais naquela época, né?

P/1 – Seu Maia, como foi então esse momento aqui de filiação, como sócio do Flamengo? Onde era, como foi o trâmite?

R – O Flamengo, nessa época, funcionava na Praia do Flamengo, 66. Tudo do Flamengo era lá. E eu me associei, só que eu passei a frequentar aquele terreno da Praia do Flamengo, 66 - era chamada a garagem velha. Tudo do Flamengo era ali, o remo era ali, as conversas do futebol ali, a concentração do futebol profissional era ali. Depois, o Flamengo foi se expandindo; tudo começou na Rua Paissandu. Hoje, a Rua Paissandu… Depois é que transferiu-se para Praia do Flamengo, 66. Depois veio... Conseguiu-se aqui, parte desse terreno aqui da Gávea.
Quem conseguiu o primeiro pedaço de terra aqui foi um presidente chamado Faustine Esposel, depois veio o Padilha, que conseguiu mais um pedaço e o terceiro presidente que conseguiu, se eu não estou enganado foi o Mendes de Moraes... Não, foi o José Sá Freire Alvim, que não era Flamengo, doou isso aqui ao Flamengo. Aqui tem 71 mil metros quadrados nessa quadra; isso aqui é um comodato, o Flamengo já está aqui há 104 anos, nem vai mais sair daqui, isso vai ficar ad aeternum propriedade do Flamengo.
Daqui, o Flamengo... Apareceu o Dutra, flamenguista, Ministro da Guerra, mais tarde Presidente da República; ainda hoje, ele é o Presidente de Honra do Flamengo. Ali, onde existe hoje ainda o Morro da Viúva - naquela esquina, [se] chama Vila Rui Barbosa, 170 -, fizeram ali uma doação de um terreno ao Fluminense, só que a fachada do terreno livre era muito pequena porque tinha atrás uma pedreira. O Fluminense não quis. Wilton Gonçalves dos Santos, que vivia o Flamengo 24 horas, disse: “Nós queremos esse terreno.” Aí esse terreno passou para o Flamengo. O Flamengo cortou aquela pedreira, uma parte dela, e construiu aquele prédio, que tem 148 apartamentos de três quartos, fora salas e salões.
O Dutra teve uma participação muito grande nisso, porque era até então Ministro da Guerra, e o Flamengo precisava construir a sua sede nova ali. E com o prestígio do Dutra, a Sul América Capitalização fez o financiamento para construir aquele prédio. E assim foi feito, graças ao trabalho do Wilton Gonçalves dos Santos e o prestígio do Marechal Dutra. Ainda hoje temos aquela propriedade, então ficamos com a Gávea, aquela propriedade do Morro da Viúva, a Praia do Flamengo, 66, e depois disso, já muito na frente, passamos a ter a concentração de São Conrado.
O Flamengo tem uma concentração modelar, propriedade do Flamengo. E temos mais de propriedade do Flamengo: uma área na Barra, onde vai ser construído o centro de treinamento do Flamengo, que tem 143 mil metros quadrados. Foi comprado esse terreno na gestão George Helal, foi exatamente quando se vendeu o Zico para a Itália; com parte desse dinheiro ele comprou aquela área. O Flamengo ainda hoje a tem, vai ser construído agora o centro de treinamento.

P/1 – Seu Maia, então vamos voltar um pouquinho no tempo... O senhor estava contando que entrou de sócio pro Flamengo.....

R – É.

P/1 – E o senhor passou a residir no Rio em que bairro?

R – Passei a residir em Copacabana, na Rua Raimundo Corrêa, 75. Depois fui morar... No Flamengo, ali na rua, hoje aquela rua tem o nome de... Antigamente chamava-se Travessa Umbelina; hoje eu não sei o nome dela, trocaram. Dali eu voltei para Copacabana, para Rua Domingos Ferreira, 21.

P/1 – Como era Copacabana nos anos 40?

R – Copacabana, Leblon e Ipanema... Em Leblon e Ipanema, por exemplo, e na própria Copacabana tinha poucas casas residenciais, não tinha edifício. Lá você comprava um terreno barato, ninguém queria, só tinha areia. Depois lá foi progredindo e hoje é aquela majestosa Praia de Copacabana.
Eu, antigamente... Eu sou muito ligado ao Flamengo, ao esporte amador. Gosto de futebol, mas gosto muito mais do esporte amador.

P/1 – O senhor vai contando a sua história e ligando ao Flamengo, então é importante a gente saber as coisas que o senhor fez. Em que trabalhava...

(PAUSA)

P/1 - Então, Seu Maia, o senhor estava contando como era Copacabana nos anos 40.

R – Eu comecei a ter cargo no Flamengo na gestão Fadel Fadel, pessoa com que eu me dava muito, mas não era amigo dele. Fui vice-presidente de Esporte Terrestre do Fadel Fadel. O que eram os esportes terrestres? Era todos os esportes amadores menos o remo - o remo tem uma vice-presidência especial, é autônomo; o resto são só os esportes olímpicos. Trabalhei nessa época, era vice-presidente.
Um cidadão chamado Aristeu Duarte, que era muito amigo do Fadel… Mas Fadel me escolheu e eu terminei aceitando; não queria, mas terminei aceitando. Daí comecei a minha vida ativa, político-administrativa no Flamengo.

P/1 – Em que ano?

R – Só vendo ali na data do Fadel Fadel.

P/2 – Seu Luís, eu gostaria de perguntar qual foi primeiro jogo que o senhor assistiu aqui no Rio de Janeiro.

R – Por incrível que pareça, foi um jogo Botafogo e Madureira, Botafogo 11x1.

P/2 – Como é que foi, Seu Luís?

R – Eu estava na praia de Copacabana, jogando voleibol. Saí de lá [quando] eram quatro horas da tarde. Eu morava em Copacabana, era o lugar mais perto; era Botafogo e o jogo foi no campo do Botafogo, aí resolvi ver o jogo Botafogo e Madureira. E assisti esse jogo, 11x1 Botafogo, mas o meu pensamento sempre foi o Flamengo.
Naquela época, eu passei a... Não tem um campo de futebol no Rio de Janeiro que eu não conheça, fui a todos eles: Madureira, Bangu, Olaria, todos. Eu não perdia jogo do Bangu, do Flamengo.
Depois, as coisas na vida da gente modificaram muito; a idade chega, as conveniências comerciais, trabalho... Fiquei mais atrelado às coisas administrativas do Flamengo. Eu gosto de futebol, não nego isso, mas gosto mais do esporte amador. Hoje não existe mais amadorismo porque, naquele tempo, o cara que era amadorista vestia a camisa do Flamengo de graça, por amor. Hoje não, hoje é tudo pago.
Eu fui me afeiçoando. Fiquei no atletismo do Flamengo muitos anos, como vice-presidente, como diretor.
Eu comecei no atletismo com um presidente chamado Ivan Drumond, que foi uma figura exponencial no Flamengo, um homem que deu a sua vida ao Flamengo. Já é falecido né, [fui] muito amigo dele. Fiquei gostando e fui tomando gosto.
Veio a política, Hélio Maurício é que me introduziu na política do Flamengo. Eu trabalhei... Hélio Maurício, nessa época, era vice-presidente de médico... Não, era diretor médico do Basquete do Flamengo na época áurea do Flamengo. Quando foi dez vezes, [por] dez anos seguidos campeão, com Canela dirigindo o basquete, o Hélio me botou diretor do basquete. Daí por diante não saí mais, trabalhei mais com uns seis, oito presidente do Flamengo.
Hoje estou aposentado de cargo. Não quero cargo, ajudo...

P/2 – Como era a sua vida profissional e a vida no Flamengo?

R – Eu era vendedor e tinha facilidade... Não tinha obrigação de marcar ponto, nem tinha obrigação de dar produtividade, mas eu dava produtividade. Como eu não marcava ponto, eu podia chegar a hora que eu quisesse, ir para onde eu bem entendesse e frequentava o Flamengo sempre. Eu andava, virava, mexia, mas sempre vinha ao Flamengo.

P/1– O senhor era vendedor de quê?

R – Material elétrico, da casa chamada Casa Titus - ainda hoje existe -, que foi fundada em 1930, na Revolução de 1930. E aqui estou hoje, já sou benemérito; se não morrer até novembro, devo ser Grande Benemérito. Espero pelo menos, pelo menos eu... Meu currículo está dando para isso, até agora.
Estou hoje... Hoje eu já passei... Já trabalhei com muitos presidentes do Flamengo, conheço a história de quase todos eles, das suas atividades como presidente. Mas acho que o atual presidente do Flamengo - não é que eu seja amigo pessoal dele - tem tudo para fazer o Flamengo o maior clube do mundo, porque é um cidadão competente, trabalhador, obstinado e tem um fator que muito o ajuda: sorte. E na vida da gente são três coisas que são essenciais: saúde, sorte e fatalidade. Quem tem saúde e sorte nada mais precisa; a fatalidade é inexorável, quando ela chega ninguém escapa. Mas esse cidadão tem tudo para ser o maior presidente do Flamengo, mesmo porque… Muita gente pode até não gostar de ouvir dizer isso, mas sou conhecido aqui como um sujeito desabrido, eu não tenho papas na língua. Eu digo aquilo que é bom para o Flamengo, faço aquilo que é bom para o Flamengo, nem poupo caras, seja ele o Papa, se ele for contra o Flamengo ou proceder contra o Flamengo. Nem escolho ambiente nem lugar para dizer.
Ele tem tudo para ser um grande presidente, já disse isso a ele e acredito que ele vá ser. É um obstinado e tem sorte. Ele pegou o Flamengo um caos. Cléber deixou o Flamengo… Meu amigo, Cléber Leite, mas eu não vou negar isso. E ele já, a sorte já o ajudou; trabalho também, então, muito. Ele já ganhou dois campeonatos em seis meses; Cléber passou quatro anos e ganhou um, mas teve gente que passou muito mais e não ganhou nada.

P/1 – Então, vamos recuar um pouquinho no tempo...

R – Vamos.

P/1 – O senhor estava dizendo então que começou na gestão do presidente Fadel Fadel a trabalhar no esporte amador. Quem eram os atletas do Flamengo destacados dessa época que o senhor começou?

R – Você fez uma pergunta ideal. O maior atleta do Brasil em todos os tempos, desde que Cabral descobriu, [se] chama José Telles da Conceição. Nós o tiramos do Vasco, ele vivia lá, de tamanco, a pão e laranja. Gilberto Cardoso o tirou de lá e o trouxe para o Flamengo; Gilberto tinha fascínio por Zé Telles.
Zé Telles foi um atleta que nunca fez menos de trinta pontos numa competição de atletismo no Flamengo. Ele era recordista sul-americano de cem metros rasos, 110 com barreira, duzentos metros rasos, que era a prova dele, quatro por cem, salto de altura, salto de distância e quatro por quatrocentos. Ele foi o primeiro homem na América do Sul que pulou 2,01 [metros] na altura; o recorde dele na prova de duzentos e de cem [metros] passou mais de vinte anos para ser batido na América do Sul. E ainda fazia o decatlo, que são dez provas.
Ele tinha pavor de fazer por causa do salto com vara, era péssimo no salto de vara - era a única coisa que ele era ruim. Muito inteligente, escrevia bem e gostava do Flamengo. Depois dele, veio a grande atleta feminina Érica Lopes, cognominada a “gazela sul-americana”; foi recordista três ou quatro vezes nos cem metros, 110 com barreira, uma atleta fenomenal. Hoje… É viva, fui eu que a trouxe para o Flamengo. Ela era gaúcha, veio para o Vasco; o Vasco prometeu emprego a ela, ela não arranjou emprego, eu arranjei e está até hoje no Flamengo.
Depois veio o grande atleta do Flamengo chamado Sebastião Mendes, corredor de fundo, 1500, oitocentos, 1500, três mil metros tipo _____ e dez mil metros. Grande atleta! Esse foi o único atleta feito desde pequeno no Flamengo. E eu quero ressaltar aqui que era um atleta extraordinário, gostava muito dele. O Flamengo o ajudou muito. Ele hoje é um funcionário da prefeitura aposentado. Eu o ajudei, digo isso com humildade, ajudamos muito a ele, eu e o filho dele, e hoje ele não fala comigo, mas eu tenho que reconhecer, ele foi um grande atleta, mas por indisciplina dele...
Se for para a natação, tenho que citar Piedade Coutinho. Não sei se já ouviram falar em Piedade Coutinho, uma das maiores nadadoras da história do Brasil. Maria Elisa, Patrícia Amorim foram grande atletas do Flamengo. Patrícia, até hoje, é coordenadora do esporte amador do Flamengo, Patrícia foi um fenômeno. Maria Elisa Guimarães é... Teve Armando Silva, um velocista, teve João Pires Sobrinho, grandes atletas... Fora outras pessoas. Nessa época começamos a trabalhar no atletismo, o Flamengo não tinha condição de dar nem sapato, nem meia para os atletas. Nós é que custeávamos. Fizemos um grupo de dez ou doze e nós é que financiávamos o atletismo: roupa, alimentação, médico; era um grupo de pessoas, éramos eu, Ricardo Dick, Ivan Drumond, Emanuel Leite Lobo), Antônio Moreira Leite. Ivan Drumond era o vice-presidente. Nós sustentamos o atletismo muito tempo.

P/1 – É mesmo? Do bolso?

R – Do nosso bolso. O Flamengo sempre deu o maior número de atletas para Pan-americano, isso em termos de Brasil - Pan-americano, Sul-americano, Olimpíadas. O Flamengo chegou a dar uma vez 72% de atletas que foram para uma Olimpíada. Eram do Flamengo.

P/2 – O senhor acompanhava esses atletas?

R – Sempre. Hoje o acompanhamento é um pouco diferente. Naquele tempo nós fazíamos uma verdadeira paparicagem, como se faz com criança. Subíamos morro pra levar comida para os atletas e pra família deles.

P/2 – Como assim?

R – Porque eram atletas pobres, família passando dificuldade e eles precisavam se alimentar, dormir bem. Pelo menos tem alimentação, nós é que dávamos a alimentação [a] muitos deles. Aquele atleta que era pobre, ia casar [e] não tinha nada, a gente dava o enxoval dele, era um negócio de pai para filho.
E também, naquela época, era diferente o pensamento. Hoje é tudo profissionalizado, você vê atleta de voleibol ganhando cinquenta, trinta mil reais por mês. Naquele tempo, era por amor à camisa do Flamengo. E note-se que o Flamengo tem um título que ninguém tem mais no Brasil: o Flamengo é pentacampeão carioca de atletismo. Eu participei desses cinco campeonatos.
Naquele tempo existiam quatro grandes estrelas, potências no atletismo: eram Flamengo, Fluminense, Botafogo e Vasco. Isso era uma guerra. O Vasco chegou até a sequestrar... O Vasco não, o Carlito Rocha, que foi um grande ligeiro do Botafogo, certa vez sequestrou um corredor nosso, para não correr no campeonato.

P/2 – Como assim?

R – Ele sequestrou o crioulo, era um crioulo amigo nosso. (risos) Ele sequestrou o cara... O cara não sabe... A competição era sábado e domingo, ele o sequestrou, desapareceu com ele [no] sábado e domingo. Ele não correu, mas nós ganhamos (risos).
Eram equipes fortíssimas, superfortes. O Flamengo é o maior ganhador do Troféu Brasil de atletismo do Brasil, Campeonato Carioca, eu não tenho conta.
É... Não é presunção isso que eu vou dizer, é apenas para fazer justiça, doa a quem doer, eu não tenho esse negócio comigo. Ali tem uma estátua do Buti, foi um grande treinador; ele aparece ali com uma estátua. Como se trata de uma estátua, entende-se que ele foi o maior do mundo. Não foi! Ele é um grande treinador, mas o grande ganhador do Flamengo foi Edgar Augusto Santos _____, esse foi o grande ganhador do Flamengo. Com um agravante, porque o Buco correu em regatas aqui mais de dez anos sem competidor; não tinha competidor, ele ganhava tudo. O Vasco ganhava tudo. O Buco correu aqui... Aliás, o Flamengo ganhava tudo, mas porque não tinha competidor: o Vasco não era adversário, o Botafogo não era adversário, o Guanabara não era adversário. O Edgar não, jogou com equipes imensas do Vasco, do Botafogo, do Fluminense, equipes famosíssimas, mas o Flamengo ganhou. Tem o maior número de campeonatos cariocas, o maior número de Troféu Brasil na história do atletismo brasileiro.

P/1 – Senhor Maia, o senhor poderia falar um pouquinho sobre o basquete do Flamengo ainda nos anos 40, 50...

R – A época áurea do basquete do Flamengo foi na época do Kanela, Togo Renan Soares. Canela era originário do Botafogo, isto é, treinou o Botafogo; se desentendeu lá com um cartola do Botafogo, chamava-se... Há pouco eu falei o nome dele, Carlito Rocha. Veio para o Flamengo. Quem trouxe Kanela para o Flamengo foi o associado e Grande Benemérito Antônio Moreira Leite, que é o nome desta sala.


Kanela foi... Teve uma atividade de mais de trinta anos no basquete. Kanela, nessa época, era treinador de basquete dos cadetes da aeronáutica no Campo dos Afonsos. Ele tem um prestígio fabuloso.
Kanela era um homem que gastava todo... Quase... Parte do seu ordenado da aeronáutica - ele era funcionário da aeronáutica, da Escola de Cadetes dos Afonsos, e do Flamengo - com alimentação dos atletas do basquete. Ele trazia aqueles pacotes de carne, verdura e legumes para os atletas do basquete, a vida dele era o Flamengo. Kanela tem uma história linda no Flamengo, era um sujeito às vezes truculento, mas prestou grandes e relevantes serviços ao Flamengo.
A vida do Kanela era o Flamengo. Foi ele quem treinou esse time que tinha Algodão, que tinha Alfredo da Mota, é... Aquele time que foi decacampeão; foi dez anos campeão. Zé Mário, hoje almirante reformado, Godinho, Mário Hermes, que hoje é almirante reformado, foram grandes atletas do Flamengo [por] dez anos. Depois disso, ele foi várias vezes treinador, mas já... A idade foi... Ele foi caindo um pouco, nesse interregno vieram outros técnicos, mas ele sempre militando no Flamengo. Foi uma figura de certa proeminência política no Flamengo.
Kanela talvez tenha sido o elemento que mais angariou votos para a primeira eleição do Márcio Braga. Kanela teve um trabalho monstruoso político, até porque ele era uma pessoa muito solidária, prestativo, agora truculento!
Conta-se até uma história de Kanela, que havia um jogo de basquete do Flamengo muito importante e ele não queria que o jogo fosse aqui, um negócio mais ou menos assim. Ele queria que o jogo fosse em outra quadra melhor e quando chegou o adversário para jogar aqui não pôde [jogar] porque ele mandou molhar a quadra toda. Não choveu nem nada, ele mandou molhar a quadra toda. (risos)
Ele era muito cheio de coisas da natureza, mas era um homem de bem, trabalhador, deu muito ao Flamengo. Ajudou muito ao basquete, inclusive financeiramente. Era um cidadão notável, um grande flamenguista.

P/2 – O senhor tem algum jogo de basquete que.....

R – Tenho. O jogo que Gilberto morreu no Maracanãzinho, com a cesta do Guguta. O Flamengo perdia esse jogo pro Tijuca; o Guguta fez… Terminava-se em dois, três segundos: Guguta fez a cesta, o Flamengo ganhou e o Gilberto teve um enfarte. Morreu no pronto-socorro, ali no Souza Aguiar.

P/2 – O senhor estava nesse jogo?

R – Estava. Quem socorreu ele foi Hélio Maurício, que era o maior amigo dele, Hélio Maurício Rodrigues de Souza. Gilberto Cardoso Filho... Gilberto Ferreira Cardoso, Cardoso Filho é o filho.

P/1 – E já que a gente está falando de basquete, e o Algodão?

R – Algodão foi a figura ímpar do basquete do Flamengo. Algodão vinha de Campo Grande, naquela época - era uma viagem daqui a São Paulo - pra treinar e jogar. Eu fui muitas vezes, depois de jogo, deixá-lo em Campo Grande. Certa vez, eu também me perdi em Campo Grande e cheguei em casa quase de manhã, sem saber vir para casa. Mas era uma figura fantástica [o] Algodão, ainda hoje é.

P/2 – Quer dizer, o senhor tinha uma relação muito íntima com os jogadores, levava pra casa...

R – É, me dava... Não. O basquete... Eu tinha mais no atletismo, no basquete daquele tempo eu era muito mais moço. No atletismo sim, eu era...

P/2 – Era uma mistura de pai, de amigo, de companheiro, mas brigava também, era uma coisa que tinha muita cobrança?

R– Não, o Flamengo foi quem inventou escolinha de esporte.

P/1– Ah, é?

R – É! O Flamengo foi quem inventou. Eu quero humildemente dizer isso, que quem inventou fui eu, Ênio Figueiredo, que foi do voleibol, Paulo Emanuel da Hora Matta, professor de vôlei e Ivani Monteiro, [que] ainda hoje é meu amigo. Nós é que fundamos a escolinha. O aluno pagava dois reais, na época, dois cruzeiros, para frequentar as escolinhas do Flamengo.

(PAUSA)

P/1– Senhor Maia, voltando, o senhor estava dizendo que o Flamengo foi pioneiro nas escolinhas?

R – Ah, foi quem inventou.

P/2 – Mas qual foi a ideia? Quer dizer, por que vocês inventaram?

R – A ideia é que nós precisávamos fazer atletas do vôlei, do basquete, do atletismo. Começamos com o voleibol. Foi na minha época, nessa época, que nós trouxemos para o Flamengo a Isabel e a Jaqueline. Isabel vocês sabem quem é; Jaqueline vocês sabem quem é, inclusive Jaqueline é campeã olímpica. Jaqueline tem um título que ninguém vai mais ter no Flamengo. Ela com doze anos foi laureada, com doze anos ela ganhou onze campeonatos no Flamengo, porque jogava em todas as categorias; pequenininha era um fenômeno. Isabel e Jaqueline, elas deram nome. Isabel me deu muito trabalho.

P/1 – Ah, é?

R – É. Deu muito trabalho, porque não gostava... Nós arranjávamos um colégio pra ela, mas ela não frequentava o colégio, então eu tinha que levar Isabel lá e falava: “Isabel vai estudar, Isabel....”. É uma ________, quero muito bem a ela, gosto muito dela.
O Flamengo só é poderoso porque mesmo nas desídias, mesmo nos desencontros de ideias, quando chega o _______ todo mundo se une. Por isso que é temerário fazer comparações de homens, de atletas, de pessoas que são Flamengo, que trabalham pro Flamengo, que ajudam o Flamengo, porque todos têm a sua parcela - pequena, média, grande, ínfima que seja -, mas colaboram, são unidos. Por isso que o Flamengo tem 39% da população brasileira - não é invenção minha, é invenção da Placar, do IBGE, dessas empresas de pesquisa, IBOPE etc. 39% da população brasileira, isso representa mais ou menos 36 milhões de pessoas no Brasil, isso não é brincadeira.

P/1 – É uma torcida imensa.

R – É muito grande, um poderio gigantesco. Único no mundo que tem isso. Nem o Real Madrid, nem o Barcelona tem isso.

P/1 – Seu Maia, vamos falar um pouquinho do atletismo agora? A gente falou do basquete. Você podia então contar um pouco como foi o seu trabalho no atletismo, que atletas...

R– No atletismo foi... O Flamengo não tinha condições de sustentar, arcar com as despesas do atletismo, então nós constituímos um grupo. O técnico chamava-se Edgar Augusto Santos. Juntamos oito ou dez pessoas, todos se cotizavam para ajudar, para custear. A maioria pagava, todos pagavam, mas uma maioria… Um grupo era para pagar, ajudar financeiramente e outro, para trabalhar. Ia aos treinamentos, aos campeonatos, viaja com o clube quando ia disputar e assim nós estivemos no Flamengo até que a coisa foi melhorando, o clube foi melhorando e passou a dar material, passou a dar mais assistência; o atletismo subiu vertiginosamente porque também, naquela época, todo mundo queria disputar pelo Flamengo. Onde tinha Zé Teres, onde tinha Sebastião Mendes, onde tinha Érica Lopes, onde tinha Armando Silva, todo mundo queria ir para o time ganhador, ninguém gosta de ir pra time perdedor. E o Flamengo era uma equipe famosa, daí o sucesso desses inúmeros campeonatos: Troféu Brasil, Campeonato Carioca, Campeonato Brasileiro.

P/1– O senhor podia contar um pouquinho como era uma competição do Troféu Brasil?

R– O Troféu Brasil reúne - ainda hoje é assim - reúne as melhores expressões dos Estados, então, é sempre escalada uma capital: Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Porto Alegre. Aquelas equipes mais fortes, aqueles clubes mais fortes, é determinada uma época para a disputa do Troféu Brasil e vão para lá disputar. Reúnem todo mundo e vão para lá disputar.
O Flamengo, talvez, seja o recordista do maior número do Troféu Brasil do atletismo. Eu me lembro até de um fato muito curioso: cheguei uma vez em São Paulo num Troféu Brasil na pista do Tietê, um grande clube. No dia do desfile de abertura, a equipe que tinha menos atleta tinha vinte; o Flamengo tinha 13, oito homens e cinco mulheres, aí um diretor do Tietê me perguntou: “O que vocês vieram fazer aqui com treze pessoas?” Eu digo: “Você vai ver o que a gente vai fazer.” Mas só tinha cobra! Era primeiro, segundo, no máximo quarto, era a nata do atletismo! Era Peres, era Armandinho, era João Pires Sobrinho, era essa gente toda; não tinha pra ninguém. Isso custou muito trabalho e muito dinheiro, muito trabalho e muito dinheiro.

P/2– Esses jogos tinham torcidas de atletismo?

R – Tinham, tinham.

P/1– Como era? E qual era o papel da torcida? Como era o papel da torcida?

R– O clubismo. O Tietê tinha seus torcedores, o Pinheiro tinha seus torcedores, o São Paulo tinha seus torcedores. Era como o futebol - sempre de menor escala porque futebol ainda é o carro chefe, a torcida é muito maior no futebol -, mas as grandes emoções que eu tive na minha vida e alegria foram nas vitórias no esporte amador.

P/1– O senhor podia lembrar uma grande alegria...

R– Eu me lembro. Eu entrei para trabalhar no atletismo... Quando Wilton Santos era presidente. Havia um jogo Flamengo e Vasco no Maracanã, jogo decisivo para o Flamengo e decisivo para o Vasco, e logo nesse mesmo dia, domingo, era decisão do Campeonato Carioca de atletismo, na pista do Vasco, no campo do Vasco.
Nós saímos do Maracanã e fomos pra o campo do Vasco. O campeonato está empatado, decidido no quatro por quatrocentos, já começava a escurecer. Antes disso, houve uma briga de dirigentes, de atletas, muito grande. Nessa briga também o Flamengo saiu vitorioso, empatou pra decidir no quatro por quatrocentos, que é a grande prova depois do quatro por sete e o _____. O quatro por quatrocentos do Flamengo era Paulo Cabral da Fonseca, Ulisses Laurindo dos Santos, grande atleta, Armando e o Zé Telles da Conceição, o último homem. O Vasco não quis fazer a prova porque alegava que estava escurecendo, nós batemos o pé firme e fomos pra a disputa. Primeiro homem: Paulo Cabral da Fonseca, que corria cem metros, mas foi correr quatrocentos metros; no terceiro homem o Flamengo já levava vantagem, aí entregaram o quarto homem ao Zé Telles. Foi o que aconteceu: Flamengo na cabeça.
Houve uma briga terrível. Eu digo: “Vou entrar nesse negócio aqui, isso é que eu gosto.” Aí entrei no atletismo e não saí mais. Fazia gosto, dava prazer; atletas disciplinados, que vestiam a camisa do Flamengo por amor.
O Telles foi um grande sacrificado porque ele era bom demais, não podia abrir mão dele. É brincadeira, em uma competição o sujeito correr e fazer quatro provas em velocidade, brincadeira isso. O Tião Mendes chegou à competição em que ele fazia cinco mil metros, depois dez mil metros e três mil metros de ________. Uma barbaridade, nós levávamos balão de oxigênio para o Tião, pra recuperá-lo, para poder correr. Grande atleta!

P/1– Balão de oxigênio...

R – Levávamos balão de oxigênio para lá. No intervalo a competição continuava, a gente esperava a outra vez dele e ele no oxigênio, para retemperá-lo. Grande atleta!

P/2 – As competições eram geralmente onde?

R– Eram, geralmente, no campo do Vasco, no campo do Fluminense, na pista do Vasco, na Pista do Fluminense... E posteriormente, no advento do Célio de Barros, fizemos muitas competições no Célio de Barros, que é um grande estádio sim, de atletismo.

P/1– Seu Maia, a gente podia falar um pouco da natação?

R– Na natação eu posso lhe citar alguns nomes famosíssimos na natação do Flamengo. A primeira seria Piedade Coutinho, foi a grande nadadora do Flamengo.

P/1– Isso em que década, a Piedade?

R. – Olha, sinceramente não me ocorre agora. Eu tenho tudo anotado isso em casa, mas não tenho. Depois veio Maria Elisa Guimarães, antes veio Luísa Parente, depois, recentemente, veio Patrícia Amorim. Patrícia é um fenômeno; com aquele tamanhozinho dela, ela teve recorde agora que passaram dez ou doze anos para ser batidos, bateram agora recentemente. Ela, hoje, é coordenadora da natação do Flamengo, grande atleta!
Essas foram as grandes figuras da natação do Flamengo. Homens tiveram o Xuxa, que é recente. Teve o atleta, um bom, razoável atleta de natação, que muita gente do Flamengo não sabe, mas ele foi treinador: chama-se Francisco Silbert Sobrinho, que foi deputado estadual aqui umas cinco ou seis vezes. Foi atleta nadador do Flamengo.

P/2– O Flamengo foi um...

R– Manuel Reis foi grande nadador do Flamengo, essas foram as grandes expressões do... Rômulo Arantes – Rominho, o menino foi um fenômeno; o pai era treinador e ele, nadador do Flamengo. O pai, em determinada época, desentendeu-se aqui e foi ser treinador do Vasco, mas ele não foi para o Vasco, ficou no Flamengo. Rômulo Arantes Filho, mais conhecido como Rominho, esse foi grande atleta, atleta, sensacional! Deu muitos campeonatos ao Flamengo.
Hoje tem uma geração nova aí, muito boa. O Flamengo está fazendo um trabalho de base na natação muito bom, muito bom mesmo.

P/1 – E Seu Maia, já que a gente está na água, e o remo?

R –

Ah, o remo é uma glória para o Flamengo. O Flamengo é o clube carioca que tem mais títulos de remo. Remadores fantásticos. André Gustavo Richer foi presidente do Flamengo, foi remador do Flamengo, ____ Teixeira de Menezes foi remador do Flamengo, o próprio _____ foi remador do Flamengo. Assis foi grande remador do Flamengo, Nelson Parente Filho foi grande remador do Flamengo... O atual vice-presidente de remo, Valdir Cuntes, um grande remador do Flamengo - na minha opinião, o maior deles. Raul Bagattini, que hoje é presidente da Federação de Remo, grande remador do Flamengo, laureadíssimo.

P/1 – O Flamengo veio do remo, né?

R – Tudo começou com o remo, só tinha remo. E o Fluminense só futebol, mas no futebol do Fluminense tinha quatro ou cinco jogadores que eram Flamengo; eles saíram do Fluminense e fundaram o futebol do Flamengo. O Mário Filho dizia que o Flamengo, inveridicamente, era filho do Fluminense, quando não era. O Flamengo é mais velho oito anos que o Fluminense, como é que o Fluminense é filho do Flamengo?

P/1 – O senhor assistia as competições de remo? Onde é que elas aconteciam?

R– Aqui na Lagoa; as antigas não, eu não estava nem aqui. Sempre foi aqui na Lagoa, isso aqui era um pardieiro. Hoje nós temos um centro de treinamento de remo, de competição de remo... Essa ______ você sabe onde é, né? Você atravessa aqui por baixo e vai sair lá na Lagoa; ninguém tem isso no mundo, uma garagem de remo saindo dentro da Lagoa. O Vasco atravessa duas ruas para chegar lá na Lagoa (risos). Mas não é? Atravessa duas ruas ali, pra chegar na Lagoa. O Flamengo não, sai direto da sede, onde são guardados os barcos, pra dentro da Lagoa.

P/1– E a torcida ficava onde?

R – Ah, ficava à margem da Lagoa, em vários pontos. Na Fonte da Saudade, daqui da rampa do Flamengo. Nessa época, não tinha estádio de remo, há algum tempo que o fizeram. A meu ver está estrategicamente mal colocado, mal construído, deveria ter mais de um ponto de torcida para acompanhar. Aqui você acompanha a saída e a chegada só, o percurso é que é o interessante de você ver em uma competição de remo. É um esporte limpo, não depende de ninguém, depende de si próprio.

P/2 – Mas a torcida ficava ali em pé?

R– Em pé, em vários pontos da Lagoa. O esporte que depende só de si, propriamente dito, é a natação. No remo também, alguns pares que são de uma pessoa só, outros de são de dois, de quatro, de oito. Mas o remo é um esporte muito limpo... Finalmente está dentro d’água, a tendência é limpar-se, né? (risos)

P/1 – E a gente ainda não falou do vôlei, né?

R – Ah, o vôlei do Flamengo... O Flamengo teve, se não estou enganado, sete ou oito campeonatos femininos de voleibol, diretos, onde teve... Grandes figuras do voleibol. Teve uma figura exponencial que [se] chamava Leila Peixoto de Castro, essa foi a grande jogadora de voleibol do Flamengo. Teve a Carmen, foi grande jogadora de voleibol do Flamengo, tem inúmeras… Numerar é até missão... São tantas que eu até me esqueço.
Ainda hoje, muitas delas são vivas, tiveram épocas áureas no Flamengo de voleibol, fantásticas...Principalmente no tempo de Gilberto Cardoso. Gilberto era um presidente que se o Flamengo tivesse dez competições durante a noite, nem que fosse para passar cinco minutos, ele ia em todas elas. Era um maníaco pelo Flamengo, a vida dele era o Flamengo; nem que fosse para passar cinco minutos, olhava, dava presença e ia para outra competição, mas corria todas elas. Foi um cara que morreu pelo Flamengo, terminou morrendo de um infarto por causa do Flamengo. Daí ter essa estátua aí, muito merecidamente.

P/1 – Existiram na história do Flamengo outras pessoas que tiveram uma morte assim...

R – Não.

P/1 – Tão gloriosa...

R – Não. Morrer assim, de repente, pelo Flamengo só conheço o Gilberto. Deve ter... Muita gente deve ter tido infarto por aí, mas não chegou ao meu conhecimento.

P/2– O Senhor fala das atletas mulheres e dos atletas homens. Havia uma diferença de relacionamento entre eles na sua época? Vocês se relacionavam...?

R– Não. As mulheres e os homens do Flamengo do atletismo, no vôlei, no basquete, sempre foram muito unidos, muito solidárias, muito mesmo. Isso deve ter sido um elemento de força esportiva. Eram muito unidas, muito mesmo, não tinham problemas. Hoje, as coisas estão todas mudadas, os costumes são outros... No esporte amador, profissional.
Mas o grande... O esforço que o Brasil faz, que os clubes principalmente fazem pelo esporte amador, tinha que ser mais recompensado pelo governo, ajudar muito mais o esporte amador, por isso é que o Brasil não é tão desenvolto no esporte amador. O futebol tem tudo, o esporte amador nada. Você encontrar um patrocinador de um esporte amador hoje é uma dificuldade. Tá aí agora mesmo, essa menina, Isabel tá querendo montar um time de voleibol para disputar pelo Flamengo e não encontra patrocinador. O Flamengo também não pode patrocinar tudo, é um esporte deficitário, muito caro; futebol não, futebol tem tudo a tempo e a hora. Você vê, um jogador medíocre ganha fortuna, mas eu espero que os poderes públicos ainda vejam isso, com certo… Com olhares diferentes.

P/1 – Seu Maia, em relação aos torneios olímpicos, o senhor podia falar um pouco das pessoas que conquistaram medalhas pelo Flamengo?

R– Olha, eu confesso que eu recordo pouco... Eu me lembro do Telles, que ganhou medalha de bronze na Olimpíada. Alguns remadores que ganharam o Pan-Americano de remo eram remadores do Flamengo. Houve uma época em que a equipe, os barcos do Pan-Americano é que representava o Brasil, a maioria era do Flamengo. Esse Vandique _____ é um dos ganhadores de medalha de ouro no Pan-Americano. Já dos Ibero-americanos não tenho recordação nenhuma _____. Mas posso dizer que na maioria dessas competições, o maior número de atletas eram do Flamengo. Houve olimpíada que o Flamengo deu mais [de] 70% das equipes: remo, voleibol, basquetebol, atletismo, eram atletas do Flamengo.
É muito caro, o futebol. O esporte amador não sabe como é que o Flamengo consegue até hoje manter esse horror de esporte olímpico, pagando. A despesa é muito grande, mas pode ser que apareça alguém... Alguém que queira patrocinar. O próprio governo tinha a obrigação de fazer isso, ele não quer fazer a mocidade praticar esporte. É muito injusto o que se faz com o esporte amador no Brasil, eu acho.

P/1 – Seu Maia, o assunto acaba sempre caindo um pouquinho sobre no futebol...

R – É, tem que cair.

P/1 – Eu queria que o senhor contasse qual foi o primeiro título no futebol que o senhor viu o Flamengo conquistar.

R– O maior título... O primeiro título que eu vi o Flamengo conquistar foi em 1942, tricampeonato... Não, 1944, tricampeonato, o Flamengo foi campeão [em] 42, 43 e 44, tricampeão. Eu vi a partida final Flamengo e Vasco, aqui na Gávea, com o famoso gol do Valido.

P/1– Gol polêmico aí, né?

R– É, mas que o Vasco que inventou essa polêmica. O Valido nunca se apoiou em Argemiro. Ele era um cidadão alto, Argemiro baixo; ele saltou mais alto do que ele e encostou o peito dele nas costas do Argemiro. Não empurrou Argemiro, não fez nada. Ninguém tem culpa nenhuma do Barqueira ter engolido um frango, isso faltava dois ou três minutos. Num cruzamento de um ponta esquerda, chamado Vevé, que era paraense... Faltando dois ou três minutos. Foi um fenômeno como ponta esquerda.

P/1– É?

R– Era um fenômeno de ponta esquerda. Nesse jogo muita gente tremeu - eu, por exemplo, não acreditava, porque o time do Vasco era muito melhor. E o Flamengo tinha acabado de vender Domingos da Guia, pensou nisso? O Flamengo tinha acabado de vender Domingos da Guia para o Corinthians; jogou Quirino, que era um medíocre beque, mas tinha muita raça e vontade de ganhar. Nós ganhamos de 1 a 0. Eu... Essa Gávea, nós construímos em quinze dias uma arquibancada do lado de cá, em alvenaria, pra não perder o mando de campo.

P/1 – Em quinze dias?

R– Em quinze dias nós construímos um pedaço da arquibancada - não aquela de concreto, a do lado de cá, para poder não perder o mando de campo e para o jogo ser aqui. E de fato foi aqui. O Vasco levava isso de barbada, como levava o campeonato desse ano.

P/1 – É meio parecida a história então...

R – É, mas naquele tempo o negócio era mais acirrado.

P/1 – Era mais acirrado?

R – É. Ultimamente essa preocupação do Vasco, do Flamengo... Eu não diria nem que é uma desídia, foi tudo forjado pelo Eurico. O Vasco é um grande clube, sempre foi um aliado do Flamengo porque são as duas maiores forças, por que brigar? São eles que mais pesam, são Flamengo e Vasco que têm as maiores torcidas, têm os melhores times. Ele não, ele criou um ódio mortal do Flamengo, não pode ser um desportista um homem desses.
Eu posso não gostar do Vasco, mas eu tenho que dar o valor que o Vasco tem. O Vasco é um grande time. Tem mentalidade de colônia porque são portugueses, né? Mas isso não quer dizer nada, o importante é que está no Brasil.

P/1 – Seu Maia, vamos falar um pouquinho da vida do senhor. A gente falou muito do Flamengo. O senhor trabalhou durante toda a sua vida nesse ramo do material elétrico?

R – Trabalhei 27 anos em materiais elétricos. Anteriormente eu trabalhei em administração empresarial em Natal e em Mossoró - pela ordem, Mossoró e Natal. No Rio de Janeiro, só trabalhei na Casa Pitus, só tive esse emprego. Eu só tive dois empregos na minha vida - três empregos, aliás. Aqui trabalhei 28 anos.

P/1 – O senhor se casou com uma carioca?

R – Não, com uma norte-riograndense...

P/1 – Então era uma namorada antiga?

R – Não, conheci aqui.

P/2 – Era flamenguista ou virou flamenguista?

R–

Não, era flamenguista, porque se também não fosse não casava comigo. (risos)

P/2 – Ah, é? Essa era uma exigência?

R– É. Lá em casa todo mundo pode ser o que quiser, desde que seja Flamengo. (risos)

P/2 – Até os netos?

R – Todos eles, todos eles.

(PAUSA)

P/1 – Então, seu Maia, o senhor estava contando que se casou com a sua esposa, que conheceu aqui no Rio...

R – É...

P/1 – Qual o nome dela?

R – Maria Geisa Vanderlei Maia.

P/1– E então, torcedora do Flamengo?

R– Claro! Não podia ser de outro jeito. (risos)

P/1 – E vocês tiveram quantos filhos?

R– Dois filhos, eu tenho um casal. Uma moça casada, com três filhos homens, com 44 anos e um filho de 38 anos, solteiro, que mora comigo. Ela mora em São Paulo.

P/2 – Eles eram tão ligados ao Flamengo como o senhor?

R– Não, os três netos são Flamengos, mas não têm muita ligação porque moram em São Paulo. Meu filho é sócio-proprietário, mas raramente ele vem aqui, ele não é muito ligado a vir aqui porque tem outros costumes de diversão. Ele vem aqui em época de eleição, vota naquele candidato que eu mandei votar... (risos) É voto de cabresto. (risos)

P/2– Mas o tema Flamengo era um tema constante na sua casa?

R – Claro!

P/2 – O senhor discutia com a sua mulher por coisas do Flamengo?

R – Não, porque ela não ligava muito, não era muito ligada. Eu é que sempre fui arraigadamente destemido torcedor. Hoje não, torço, gosto, mas não é como antigamente. Também o tempo passa, a idade chega e as coisas vão amainando, né?

P/1 – O senhor poderia contar então o que tem um jogo célebre de um Fla-Flu, aqui na Lagoa?

R – Eu não me lembro da data...

P/1 – Ah, é?

R – Mas era um Fla-Flu decisivo, que ambos tinham que ganhar.... Alguém... O Flamengo ou o Fluminense tinha que ganhar pra ser campeão. O Fluminense fez 1 a 0 já perto de terminar o jogo - uns vinte minutos, por aí -, e não chutou mais bola para dentro de campo, chutava a bola para dentro da Lagoa. Então ficou conhecido como Fla-Flu da Lagoa, mas nós tínhamos pessoas lá, dentro da Lagoa, para retornar a bola. Acabou o Fluminense ganhando.

P/2 – Porque a Lagoa era pertinho...

R – Era pertinho, margeava o campo. Essa Lagoa, essa água ia até ali, naquele estacionamento. Isso aqui nós aterramos, essa área todinha aqui, a metade dela nós aterramos. Esse muro de pedra que tem aqui todo. Nessa época, abriu... Estavam fazendo a construção do túnel de Santa Bárbara, eles tinham que jogar essa pedra longe daqui, então nós conseguimos que eles pusessem essas pedras no Flamengo, de graça. Eles economizavam gasolina dos caminhões, diminuía, não andavam tanto e jogavam aqui no Flamengo, e aqui nós pusemos uma britadeira, fomos quebrando pedra, fazendo o muro e cercamos o Flamengo. Fundou-se, fizemos uma sociedade chamada Sociedade do Muro. Eu dei, nessa época, uma cota de dez contos de réis. E muramos... O muro do Flamengo é todo de pedra, não custou nada ao Flamengo, foi tudo da pedra de Santa Bárbara.

P/1 – Ué, que interessante...

R – É... Para eles foi um ótimo negócio, para o Flamengo foi excelente.

P/2 – E sobre o Maracanã, Seu Luís, o senhor foi à inauguração? Qual foi o primeiro jogo que o senhor assistiu lá?

R – Não, não me lembro do primeiro jogo... Eu me lembro do jogo [em] que tive a maior decepção de minha vida, como todos os brasileiros. Foi no dia dezesseis de junho de 1950, eu vi mais de 250 mil pessoas chorando. O Brasil jogava uma final com o Uruguai, franco favorito; jogava por um empate, virou ganhando de 1 a 0 e foi perder de 2 a 1. A primeira vez que eu vi um time acovardado e até hoje eu não me conformo. Se vocês tiverem a oportunidade, vejam os gols que o Barbosa engoliu.

P/1 – O senhor acha que ele falhou?

R – Tremendamente. O segundo gol, então, foi uma barbaridade. O Brasil jogou avacalhado porque a coragem, a raça, decide partidas. Flamengo decidiu domingo na raça, jogou porque não tinha time pra enfrentar o Vasco, ou melhor, o time do Vasco é muito melhor, mas o Vasco sempre treme quando joga com o Flamengo. Foi o que aconteceu domingo: recuou, foi jogar pelo empate, com medo, deixou o Flamengo fazer 1 a 0. Foi um gol de sorte, mas a sorte na vida da gente é tudo, quem tem sorte puxa por ela. Se aquele cara não se mexe, a bola tinha batido nele e tinha desviado. É o segundo gol que ele faz, é o segundo campeonato que ele faz o Vasco perder; perdeu um do mundo lá no Japão e perdeu domingo para o Flamengo, porque se ele fica em pé a bola bate nele. Só entrou porque desviou nele, a bola ia para fora.

P/1 –

O senhor tá falando do Nasa, né? (risos)

R – Do Nasa, imbecil!

P/2 – O senhor, agora em junho...

R – É... Claro...

P/2 – O senhor assiste pela televisão sempre os jogos do Flamengo?

R– Assisto, isso eu assisto. Hoje eu não tenho mais coragem e disposição para ir a Maracanã. Esse negócio de assalto, arrastão, indisciplina. Eu me irrito muito [com] o juiz de futebol, porque eu acho que deviam ser punidos dos seus graves erros. Mas na tevê é muito bom ficar em casa sentado vendo jogo, um bom jogo, né?

P/2– Tem algum ritual?

R– Não, não. Hoje eu já não tenho preparo físico de torcedor para ver um jogo do Flamengo. Duro, duro, vejo um pedaço, paro, outro pedaço, paro. Antigamente não, [era] diferente.

P/1– Senhor Maia, nós estamos chegando ao fim de nossa entrevista. Eu queria que o senhor contasse sua experiência de... O senhor tem uma profunda preocupação com a memória do Flamengo e está inclusive escrevendo um livro?

R– Já escrevi, eu e o professor Jacinto de Paiva Neto. Eu não tô querendo valorizar porque quem enaltece a noiva é o noivo e vice-versa, mas dificilmente o Flamengo vai fazer… Poderá até fazer, mas com os dados que nós temos vai ser difícil. Jacinto fez um trabalho de chinês, ele folheou mais de 2.500 páginas de atas do Flamengo, desde a primeira ata, em 1895 até 1998. Isso não é brincadeira, não.
Essa é uma grave falha do Flamengo, não ter sua memória. Tem histórias imensas, fantásticas, até rocambolescas se quiserem falar, mas muita gente jogou fora. Eu vi gente jogar aqui arquivos do Flamengo fora, fotografias, recortes, muita matéria escrita. Eu fui recentemente, no ano passado, embaixo da arquibancada, onde tinha um arquivo morto; eu vi o estrago que fizeram no arquivo do Flamengo, é um crime.
Edmundo é que está fazendo bem, fazendo essa memória do Flamengo. A memória do Flamengo, de qualquer clube, ela é importante, dos menores aos maiores fatos, sendo que o Flamengo é... Tem uma peculiaridade, é um clube de paixão. Você nunca deve decidir as coisas com paixão, o Flamengo é clube de paixão, amor, tá entendendo? E acontece muita coisa que, às vezes, a gente não conta pra não molestar ninguém. Às vezes, até por conveniência, conveniência qualquer, porque tem histórias fantásticas do... De amor pelo Flamengo.
Eu tenho visto coisas... Eu viajei muito com o Flamengo nesse país, chefiando delegações. Vocês podem perfeitamente avaliar isso, mas poderão fazer uma avaliação rapidamente, quando você sai.... Se você tiver saído na rua depois do jogo de domingo, a alegria do povo, a quantidade imensa de pessoas com a camisa do Flamengo. Eu fui vendedor e vi a reação dos meus clientes quando o Flamengo ganhava; eu vendia mais, era mais bem recebido, compreendeu? Isso no Rio de Janeiro todo, no subúrbio do Rio de Janeiro, em todo o Rio de Janeiro.
É brincadeira. Você chega, por exemplo, numa cidade como Natal. Eu conheço bem, tem lá um clube chamado ABC, um clube quase centenário. Todo ano eu vou lá passear. O presidente do ABC, que é meu amigo, disse: “Ó Maia, nós instituímos aqui o cartão Bradesco, você sabe a popularidade do ABC aqui.” O cartão do Flamengo é mais vendido do que o ABC e é mesmo. Se vai ao Nordeste, o maior reduto de flamenguista do Brasil está no Norte/Nordeste, um negócio avassalador. Você vai aqui em Santa Catarina, quando o Flamengo vai jogar lá, é brincadeira.
Eu só espero que o Flamengo preserve isso. Só preservará com vitórias e com a postura pessoal dos homens que dirigem, porque, às vezes, você põe… Uma grande entidade pode pagar com má direção, por falta de postura moral, política de quem tá dirigindo. A paixão desvairada pode levar o sujeito às raias do desatino, a paixão tem conduzido muita gente a maus caminhos, precisa ter equilíbrio.
Eu estou certo, absolutamente convicto: conhecendo a história do Flamengo como eu conheço - com certeza há alguém que conheça mais do que eu - eu estou absolutamente convicto de que o Flamengo vai ser, dentro em breve, um dos maiores clubes do mundo. Esse atual presidente tem tudo pra fazer isso. Ainda tem alguns fariseus que tentam, que não querem perder o mando político, mas a política não tem dono. O panorama se modifica a cada hora que passa, mas ele tem tudo para ser um grande presidente, porque é trabalhador, é obstinado e é sortudo, ele tem sorte. Eu sempre digo para ele: não decida no ímpeto, não decida por paixão, não decida por raiva, não decida pelo coração; se decida pela honradez, pela justiça.
A pessoa injustiçada hoje pode ser reconhecida mais tarde e trazer frutos; há um momento que traz frutos negativos, mas há momentos que traz frutos positivos. É preciso que as pessoas tenham um equilíbrio e eu digo “não tem”, “ele não tem”; eu acho que ele tem. Também sempre [fui] muito amigo dele, quero muito bem a ele. Gosto muito dele pessoalmente, mas já disse a ele: “Ande direito, porque na primeira que você fizer errado tô fora, tô aqui para te ajudar.”
As vaidades, às vezes, modifica a personalidade das pessoas e levam o sujeito às raias do desatino, mas é um clube fácil de administrar porque na hora que todo mundo quer passar por cima, todo mundo se une, não se divide; divide-se momentaneamente. Resta ele saber levar isso. Enfim, bola para frente.

P/1– Estamos no finalzinho, você quer perguntar...

P/2– É. Eu queria perguntar para o senhor: se tivesse que definir hoje qual é o perfil de um flamenguista, o que é ser um flamenguista pro senhor?

R– Olha, caracterizar um flamenguista é quase um pleonasmo, eu dizer que sou um flamenguista. (risos) Porque todo flamenguista tem até fama de.... Inclusive arranjaram a expressão “Flamengo doente”. Não tem flamenguista doente,

não tem vascaíno doente, tem o grande flamenguista, o grande vascaíno, o grande fluminense, mas eu acho… Eu nunca vi um Flamengo mudar de clube, ele é superautêntico; pode perder o resto da vida, mas ele é Flamengo, é isso que caracteriza o Flamengo. Ele é Flamengo nas vitórias, nas derrotas e nos empates, ele está sempre torcendo pelo êxito do Flamengo. Ele é incapaz de... Ele pode fazer uma reclamação de um jogador que jogou mal, mas na hora que tocar no time dele, o Flamengo, ele reage, isso que eu acho... Eu acho os flamenguistas muito autênticos.


Eu conheço tantos fluminenses que já mudaram, tantos vascaínos que já mudaram, tantos botafoguenses que já mudaram... Eu há poucos dias fui a um médico; conversando com ele, meu amigo, ele disse assim: “Eu vou lhe fazer uma pergunta, mas não minta, meu amigo”. Eu conhecia a enfermeira dele. Eu disse: “Doutor Rômulo, vamos deixar as mentiras um pouco para o lado, e vamos conversar. O senhor gosta de futebol?” Eu disse: “Gosto.” Eu disse: “Qual é o seu clube?” Ele disse: “Eu sou Flamengo, mas minha mulher é botafoguense.” Digo a ele: “Para o senhor não ficar zangado eu vou mandar uma camisa do Botafogo para ela, mas vou trazer e uma camisa do Flamengo para você.” Ele: “Então você vai resolver um grande problema meu. Eu tenho um filho de seis anos, único. O avô dele é vascaíno e está querendo virar a cabeça do menino. Isto está me chateando muito, está me trazendo um problema, não reclamava, é meu sogro, meu amigo.” Eu disse: “Deixa que eu resolvo o problema.” No outro dia, vim aqui no clube, comprei uma camisa, uns brinquedinhos que tinha aí do Flamengo e mandei para o garoto. Senhor, eu não aguento mais o garoto, o garoto é mais Flamengo agora do que eu. (risos)
Eu tive um primo que morreu meu inimigo - nós éramos grandes amigos - porque eu só tinha uma filha e ele, Fluminense, vivia botando na cabeça da menina que a menina tinha que ser Fluminense. Um dia, eu falei sério com ele. Eu disse: “Olha, se você continuar fazendo isso, eu vou deixar de falar com você.” Ele continuou; eu nunca mais fui a casa dele, nunca mais falei com ele, também ele nunca mais mexeu com a cabeça da minha filha, que é uma flamenguista doente. Ela trabalha em São Paulo e quando o Flamengo ganha aqui, ela vai trabalhar com a camisa do Flamengo. Morreu meu inimigo.
“Mas rapaz, você ficou…” Fiquei. Por quê? Porque eu acho o seguinte: ele está usando de uma arma que o adversário não tem. Uma criança de quatro, cinco anos; ele, adulto, querer modificar o temperamento e a visão de uma criança e não respeitar a mim, que sou Flamengo, pô? Eu não ia fazer isso com o filho dele.
Eu tenho 29 sobrinhos. Tem um que é o preferido, é meu sobrinho e meu afilhado. Ele é Fluminense, mora em Natal, tem um filho com oito anos, o garoto é Flamengo doente, mas eu perguntei a ele: “Ele é seu filho. Ele é Flamengo e você é Fluminense. Eu sou Flamengo, você se importa de eu tratá-lo como Flamengo?” Ele disse: “Não. O senhor, além de meu tio e meu padrinho, tem toda a liberdade para acompanhar a liberdade de meu filho.” E o garoto é Flamengo doente, me telefona todo jogo do Flamengo, mas eu pedi ordem a ele para conversar como flamenguista com o garoto, porque eu não quero molestá-lo, tenho que respeitar a postura esportiva dele. Não vou fazer isso! Como é que eu vou cantar a cabeça de uma criança se é meu amigo, filho... O pai dele é outro clube, não vou fazer isso! Tem que respeitar. Assim vamos levando.

P/1– Seu Maia, para terminar eu queria perguntar como o senhor se sente dando esse depoimento que vai integrar o futuro Museu Histórico do Flamengo?

R– Olha, foi um prazer dar essa entrevista para vocês. Eu só... Isso... Pelo menos por um objetivo, pelo menos um é... Meu filho vai ter… Está moço, quando eu desaparecer, ele vai saber que eu dei um depoimento semi-histórico, ou pouco histórico, ou histórico, do Flamengo, no Flamengo, para o Flamengo do futuro e minha filha. E [para que] algumas pessoas, muitos amigos que eu tenho no Flamengo saibam que eu disse alguma coisa sobre o Flamengo. Mas tem muita gente que sabe mais do que eu, tem muita gente que está mais a par; não sei se a cabeça tá boa, porque a idade.... Eu, por exemplo, eu... Na feitura desse livro, eu e o Jacinto fomos a velhos, grandes e velhos flamenguistas. Mostra a fotografia, eles: “É, conheço, me lembro muito dele, mas não me lembro do nome.” Não adiantou nada.
Mas há um homem que vocês têm que ouvir sobre o Flamengo, que tem muito a contar sobre o Flamengo: chama-se Antônio Moreira Leite, que tem o nome dessa sala. Essa sala [se] chama Moreira Leite em homenagem a ele. Nunca foi presidente do Flamengo, mas é um homem que está com 88 anos, lúcido. Está começando a trocar a estação, mas é bom ouvi-lo logo. Terminou?

P/1 – Ainda não, eu queria agradecer ao senhor...

R – Não, não precisa agradecer...

P/1 - Pelo seu depoimento...