Museu da Pessoa

Fé e vida

autoria: Museu da Pessoa personagem: Tadeu Freire Pontes

Entrevista de Tadeu Freire Pontes
Entrevistada por Luiz Egypto
23/03/2021
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número SINPRO_HV008
Transcrito por Aponte
Revisado por Luiz Egypto


0:00
P/1 – Bom dia Professor! Obrigado por ter aceitado nosso convite! Local e a data do seu nascimento?
R - Luiz eu tenho 52 anos, vou fazer 53 anos de Secretaria de Educação agora em abril,

Tadeu Freire Pontes. Eu sou cearense, nascido em 27 de junho de 1968, no ano que não acabou.

0:49
P/1 – O local do seu nascimento qual é?
R - Eu nasci em Ipueira, Ceará, estado do Ceará, fica aproximadamente 300 km de Fortaleza.

1:04
P/1 – Qual o nome dos seus pais?
R - Raimundo Galvão Pontes e Maria Auxiliadora Pontes.

1:19
P/1 – Qual era a atividade dos seus pais professor?
R - Era agricultor, trabalhador rural, meu pai é um nordestino, minha mãe teve 11 filhos, sobrevivemos 8 às agruras da seca, Em 1984 migramos para cá.

1:40
P/1 – O senhor conheceu os seus avós?
R – Conheci! Paternos e Maternos.

1:46
P1 – O senhor podia dizer o nome deles, por favor?
R - O meu vô materno era Raimundo Rufino Freire, mas tinha o codinome de Raimundo Piauí, e minha avó materna era Maria Luiza Freire, meu avô paterno é José Galvão de Abreu e minha vó Maria Nazaré Galvão.

2:16
P/1 – Na família se falava das origens dos seus avós, de onde eles vieram o que eles faziam? Que histórias o senhor teria para lembrar sobre isso?
R - Tem sim um histórico, minha família é longeva, a maioria passa dos 87 anos, então eles sempre traziam essa memória histórica dos bisavós, tataravós um pouco da história do estado, a gente vivencia aquela cultura interiorana, da fogueira, sentar no alpendre. Então era um ambiente ainda longe da tecnologia, da energia, as pessoas se reuniam e sentavam sempre para partilhar um pouco de tudo isso. A contação de história, aqueles mais antigos, os causos, as mentiras comuns na nossa cultura lá, aquelas histórias dos valentões, das doenças. Um pouco eu ainda ouvi quando criança.
3:30
P/1 - Como é que era sua casa lá em Ipueiras?
R – Nossa casa era uma casa de taipa mesmo, aqueles casebres, inclusive a casa que meu pai nasceu era uma casa de taipa, mas depois meu pai construiu uma casa já com esse tijolo feito artesanalmente, de adobe. Então a partir da minha segunda infância 7, 8 anos a gente já morou nessa casinha melhor, o piso era de cimento, mas aquela realidade do interior, do Nordeste que só veio mudar recentemente nos governos progressistas, nem banheiro tinha. Então água era de cacimba no riacho, aquele buraco, cavava ou cacimbão que nós cavávamos até dar água e fazia aquela parede de tijolo que a gente chamava de empedramento, de baixo até em cima. Hoje chamam de cisterna, mas para nós nordestinos é cacimbão.

4:37
P/1 – O senhor podia descrever a casa, como é que era o interior da casa? Como é que ela se distribuía? Como é que os cômodos se distribuíram?
R – Sim, existia um alpendre de frente, um alpendre de uns 2,5m de altura, com uns 10 de comprimento que era a casa, aqueles peitorilzinho meia parede, tinha uma sala grande que era onde os homens dormiam, aí tinha uma sala de jantar média, de uns... Talvez de três por três, ao lado tinha um quarto, que lá chamam de alcova, era o quarto de dormida dos meus pais, tinha mais um quarto com um pequeno corredor e uma cozinha. Móveis eram mesas, banco de pote, fogão a lenha, não tinha nada de... e um rádio, rádio a pilha na época aqueles rádios.

5:40
P/1 - Os irmãos tinham obrigações dentro de casa, sua mãe dava tarefas para vocês?
R – Sim, mas dentro de um padrão que não eliminava a infância, nós tínhamos atividades, por exemplo, às vezes meu pai ia plantar, ele ia fazendo as covas em carreira, a gente ia jogando as sementes, enterrando, buscava lenha, as vezes buscava água numas latas para pôr nos potes, mas meus pais nunca nos tiraram da... Eu fui alfabetizado aos 12 anos, formalmente quando eu fui para escola, porque eu tinha uma irmã, ainda tenho uma irmã mais velha que sabia ler e escrever ela alfabetizou a nós, os irmãos todos e as pessoas do lugar. Então quando chegou no nível que a gente não tinha mais condição de continuar estudando em casa, é que eu fui para cidade, o meu primeiro registro escolar formal, numa escola foi na quinta série. Na minha casa também tinha aula de Mobral, eu lembro como se fosse hoje, na década de 70, meio início da década de 70, a prefeitura deu um lampião, minha irmã dava aula nesse Mobral, que era um projeto na época dos militares e minha mãe dava aula de catecismo. Então de uma certa forma eu vivenciei um pouco esse ambiente educacional, mesmo sem formalismo.

7:13
P/1 - E como é que as crianças se divertiam, como é que eram as suas brincadeiras de infância?
R – Pescar de anzol no riacho, triângulo, aquele ferro que a gente enfiava um pedaço de borracha no chão e tentava iscar, subir em pé de manga, comer melancia no roçado, pião, corda, peteca que a gente fazia de palha de milho, bola que a gente fazia bola de meia, enrolava pano, depois é que a gente conseguiu aí brincar num campinho de futebol. E final de semana era futebol, quando a gente conseguiu se organizar, ter uma bolinha, mas a infância mesmo, era pescar, brincar, correr, andar a cavalo, montar em carneiro, caçar de estilingue, baladeira, ambientalmente não era recomendado, mas a gente fazia isso, até que era a carne que conseguia para comer na época de seca.

8:21
P/1 - E como é que foi essa mudança da roça para cidade, quando o senhor foi para a cidade foi morar aonde? Como é que foi esse essa transformação para um garoto daquela idade?
R - Eu cheguei aqui com 16 anos, eu tenho irmão mais velho, que ele já veio para cá, ele serviu as forças armadas, ele foi quem abriu os caminhos para nós. Então ele veio morar com um tio, depois ele trouxe dois irmãos. Porque a que a gente fazia esse percurso, morava na roça, ia e vinha de bicicleta a 12km estudar, então era um turno na escola o outro ajudava meu pai nos afazeres. Com o tempo, um amigo do meu pai doou uma casa para nós morarmos na cidade, então o mais velho sempre levava o próximo, e aí viviam dois na cidade e voltavam no final de semana. Vinha de Ipueiras que era o município, onde tinha a escola para o interior, e aí quando terminava a oitava série, migrava para Brasília. Então esse meu primeiro irmão que estava aqui, trouxe o segundo irmão, o Tarcísio, depois trouxe o Ivan, quando chegou à época de eu vir, minhas duas irmãs que já estavam estudando comigo no interior, não podiam ficar só, porque meu pai vivia do trabalho agricultura, e aí em razão disso, delas não poderem ficar só, aí migramos, completando a migração da família – eu, meu pai, minha mãe e minhas duas irmãs – em dezembro de 1984. Aí meus irmãos já tinham uma razoável estabilidade, porque eles tinham vindo já de emprego, pagavam aluguel, e aí meu pai vendeu umas coisinhas que tinha lá, com as economias dos meus irmãos aqui, nós conseguimos comprar uma casinha em Taguatinga. E aí de lá para cá a gente tem residência própria. E aí eu fui para universidade, fez 20 anos na universidade, fiz três graduações, duas especializações, um irmão foi ser militar, outro fez faculdade, todos fizemos faculdade.

10:34
P/1 – E como é que foi a viagem de Ipueiras para Brasília? Como é que foi esse trajeto?
R – Nós ainda viemos de ônibus, ônibus comum, e aí foram dois dias e meio. Nós saímos de lá uma quinta-feira ao final da manhã, e chegamos na madrugadinha de sexta para o sábado aqui. Então viajamos quinta a noite, sexta o dia todo e uma parte da noite. Chegamos na antiga rodoviária, 21 de dezembro de 1984, lembro como fosse hoje: chovia, fazia frio, foi o primeiro contato com a escada rolante, com esse mundo que a gente não conhecia nada, semáforo, essas coisas minimamente urbanas.

11:27
P/1 - Ainda no tempo de Ipueiras na sua escola alguma professora ou professor que tivesse marcado a sua lembrança, de quem você se lembra até hoje?
R – Os que me corrigiam, porque como eu era da roça, uma cultura meio rústica, e eu fui para o espaço urbano, o que hoje chamam de bullying, eu sofria muito; a escola me puniu muito. Para sobreviver, eu tive que ser uma pessoa um pouco violenta na escola: eu brigava muito, porque eu era do interior, nasci num lugar chamado Arroz, eles me chamavam “Caboclo do Arroz”, de “Passa Fome”, porque era aquela pequena burguesia da cidade, filho de comerciante, de prefeito. O meu pai quando ia às reuniões ele ia de forma simples, a cavalo, com chapéu de palha, roupas simples, então eles me humilhavam. Como a escola não tinha orientação pedagógica, os professores não sei se não sabiam, ou se omitiam, e aí eu brigava muito nos intervalos, [nas aulas de] Educação Física, até para defender minhas irmãs também. Eu fui suspenso muitas vezes na escola, chegou ao ponto da minha mãe dizer que eu não ia prestar, e meu pai dizia que tinha que continuar. Então tinha os desfiles de Sete de Setembro, muitas vezes eu fui suspenso, pulava o muro da escola para ir estudar, mas já estava suspenso, aí sobrepunha uma suspensão a outra, Mas em termos de conhecimento eu sempre me sobressaia. Deus foi muito generoso comigo e a escola me salvou.

13:09
P/1 – Professor, o que aquele garoto Tadeu queria ser quando crescesse?
R – Eu sempre tive a imagem forte do meu pai, de um homem íntegro, trabalhador, desbravador, sem vícios, e como eu tinha a imagem dos meus irmãos... Que eu percebia que a escola era um caminho de sobrevivência, então eu não tinha assim muita ideia. Eu tinha um misto da cultura rural, mas não tinha a cultura urbana, então inicialmente eu tinha a expectativa da imagem daquele meu pai, o homem forte, agricultor, um caipira, é tanto que eu mantenho a cultura dele, eu tenho roça aqui em Brasília, tenho uma roça no Ceará. Eu gosto da cultura rural, eu acho que a terra integra mais a pessoa, uma dimensão mais holística. Então a escola ela permeou minha vida academicamente, intelectualmente, mas eu ainda mantenho aquela identidade cultural. É tanto que eu como professor eu vou as assembleias com chapéu de couro, a minha linguagem é de nordestino, eu tenho uma identidade em todos esses aspectos. Também aqui eu não tive muita orientação, eu fui fazer o curso de Matemática sem saber o que era um vestibular, a escola não preparava, não tinha pais, os professores ainda tinham muito pouca orientação, a chance também da universidade no início era dificílima. Então eu fui fazer Matemática, por acaso eu gostei, me identifiquei com os filósofos, depois fui para a Engenharia da Computação, depois fui para o Direito, eu sou advogado militante. Então assim, eu consegui unir os saberes, não ficar na individualização da especialização, e a minha vida como educador sempre proporcionou essa mistura de cultura e de saberes das ciências humanas e das ciências exatas.

15:07
P/1 - Quando foi a primeira vez que o senhor entrou em sala de aula, para dar aulas, qual foi o primeiro dia? Como é que foi o primeiro dia?
R – Foi no segundo semestre de 1991, eu entrei como contrato temporário. Como eu já estava no terceiro semestre da universidade, já estava me preparando para terminar a licenciatura curta, já tinha um pré-estágio, e aí eu fui para uma escola pública. Quando eu cheguei em Brasília eu comecei a dar catequese aqui na igreja católica, eu já tinha uma vivência de relações humanas, de formação de identidade com a juventude, participei das Comunidades Eclesiais de Base, já militava politicamente desde o interior do Ceará com os trabalhadores rurais, na resistência, então eu não tinha uma compreensão intelectual, de formalizar essa luta da classe trabalhadora. Quando eu cheguei em Brasília tudo isso convergiu, e aí entrou o sindicato também na minha militância educacional e política.

16:21
P/1 - Antes do SINPRO qual foi o seu primeiro contato com o movimento social? Como é que isso se deu?
R – Comunidades Eclesiais de Base, e eu sempre li Leonardo Boff, Frei Beto, Marilena Chauí, a história dos militantes. Então eu tinha conhecimento da ditadura, o que tinha sido a ditadura, o ano de 1968, li a biografia do Che Guevara, do Fidel Castro, dos brasileiros que lutaram, eu conhecia já alguns expoentes, o próprio Lula, eu conheci o Lula em 1978, ouvindo falar dele no rádio, quando ele foi preso nas primeiras greves, eu vi os políticos aparecendo de eleição em eleição, no Ceará. Então eu já tinha um pensamento mais com viés de esquerda, de repulsa a ditadura. Brasília consolidou a minha formação política a partir dessa efervescência, educação, igreja; eu sempre fui para igreja progressista, nunca gostei dessa igreja que só canta, só reza, nunca separei fé da vida.

17:33
P/1 - E como foi a sua aproximação com o SINPRO, como se deu?
R – Assim que eu assumi como efetivo na Secretaria de Educação, já me sindicalizei. Eu tinha três dias de secretaria, já fiz a minha primeira greve, então as pessoas diziam que novato não podia fazer greve. Mas lembro de vários companheiros que passaram pela direção, inclusive lembro dos companheiros que me sindicalizaram, que visitaram a escola. Fortalece você ver a unidade dos trabalhadores com todas as divergências, nunca é unânime, mas aquela primeira greve consolidou o meu desejo de militância e eu nunca furei uma greve. O sindicato tem 42 anos, eu sou um dos professores que fez greve de fome, sete dias dentro da catedral, já me algemei, já ocupei aquele anexo do Buriti várias vezes em momentos de greve, vi companheiro enfartar, ser carregado nos braços, companheiro ser preso no Eixão. Quando eu estudava na escola pública no ensino médio aqui, eu tinha uma professora que ela me levava pra frente do Buriti, eu ajudava jogar bola de gude para derrubar o cavalo da PM, quando eles partiam para cima dos professores, eu era estudante ainda. Então isso me ajudou muito a ter todo o encantamento com os educadores.

19:05
P/1 - Essa primeira greve que o senhor se referiu, se deu quando?
R - Foi em 1992. Nós tivemos greves enormes, 69 dias, 72 dias, 45 dias. Eu já fiz greve sozinho numa escola, greve de 69 dias, de eu começar a greve sozinho, e ficar sozinho, e repor sozinho.

19:35
P/1 - E de onde vem essa energia? De onde é que vem essa convicção?
R - Da participação, quem não milita, quem não participa, se sente fragilizado, assim, como eu conheço a luta da classe trabalhadora desde o século 18, início do movimento sindical, a luta das mulheres, a história do sindicato para firmar democracia aqui em Brasília. Sempre foi um sindicato atuante, que combateu militarismo, antes do sindicato ser sindicato, quando era Associação, a história dos primeiros professores que se organizaram. Professor Libério e tantos outros, os ex-diretores do sindicato que eu conheço a história de todos eles, eu nunca me distanciei do sindicato, quando... Eu tive na direção do sindicato três anos, mas eu sempre fui delegado sindical, antes de ir para direção, depois que eu saí atualmente eu sou delegado sindical na minha escola. Então eu nunca me distanciei da luta, porque não tem vida sem resistência, sem luta, no sentido etimológico e político da expressão.

20:48
P/1 – O senhor conheceu o Olímpio Gonçalves Mendes?
R – Sim! Tive a satisfação de conhecê-lo e tenho respeito à dedicação dele a memória, toda a história, gratidão.
21:01
P/1 – O senhor poderia descrevê-lo? Como ele era? Como é que era a convivência com ele?
R –A minha convivência com ele não foi como diretor foi como professor e militante. Ele sempre foi uma pessoa simples, não era assim um homem de brilhantismo intelectual, de formulação, mas uma pessoa muito centrada, de consciência política. Ele sabia da importância dele nesse processo histórico de firmar e de organizar uma categoria, uma classe para a luta. Então sem muitas condições, que tinham hoje, porque a gente não tinha as representações políticas que nós temos hoje, uma Câmara Legislativa, uma Câmara Federal, então no ambiente militar ele foi muito ousado, muito corajoso, valente eu diria no sentido da expressão e conseguiu organizar e firmar uma entidade que permeia aí 42 anos de história, é quase a história de Brasília. Não dá para se pensar em Brasília, sem pensar no Sindicato dos Professores.

22:15
P/1 - Eu gostaria que o senhor explorasse um pouquinho mais isso que acabou de dizer? Isto é, a atuação dos SINPRO transcendendo as pautas corporativas.
R – Sim, eu lembro a nossa luta pela implementação da faixa de pedestre, nós tínhamos uma Câmara Legislativa, a primeira legislatura com pessoas que eram formadoras de opinião, que tinham poder econômico, sem querer expô-lo, mas citar um ex-deputado distrital o Vigão [Wigberto Tartuce] que era um jornalista que tinha um programa nas rádios, o ex-senador Luiz Estevão, e tantos outros que foram pessoas que se opunham à faixa de pedestre. E aí com a coincidência do governo Cristovam, embora tenha sido um governo que nós tivemos embate com ele. Mas o Correio Braziliense e o governo Cristovam, se uniram e a faixa de pedestre foi uma conquista histórica em Brasília e nós professores a abraçamos em sala de aula, no cotidiano acadêmico, apoiávamos. E na luta pelas Diretas Já o sindicato já atuava e atuou, sempre, qualquer classe trabalhadora, dos rodoviários, da saúde, nós nunca fomos indiferentes a nenhuma luta. Eu lembro da primeira marcha dos trabalhadores rurais sem terra, que eles foram recebidos com flores no Eixão, o sindicato deu todo apoio logístico, sempre. A luta das mulheres, a Marcha das Margaridas, qualquer movimento político, a Marcha dos 100 mil, eu discursei na Esplanada pelos professores, lembro como se fosse hoje! A luta contra os governos do saudoso governador Joaquim Domingos Roriz. Lembro quando o sindicato fez uma camiseta que tinha a ex-deputada Eurides Brito, senador Luiz Estevão, na camiseta. E o Luiz Estevão conseguiu busca e apreensão na sede do sindicato, a polícia foi lá, se eu não estou enganado foram até a gráfica que fizeram a camiseta. Por isso que eu digo que não dá para olhar para Brasília, sem olhar o Sindicato dos Professores, atividade de todos os professores. Quando eu digo sindicato, essa classe que forma opinião, que prepara gerações aqui em Brasília, não se restringe aos diretores, mas a história do Sindicato dos Professores e a capacidade de formulação política que ele tem com uma categoria, que também tem uma péssima formação política. Sai da Universidade sem uma consciência política, mas aqueles que militam vão se formando politicamente. E o sindicato supre inclusive essa ausência da universidade, uma universidade burguesa, bancária, capitalista e o sindicato concebe uma formação política, continua, sobretudo na militância.

25:34
P/1 – Toda essa movimentação transforma o sindicato em algo mais do que um representante apenas de interesses corporativos.
R - Sem dúvida! Nós encampamos uma campanha por paz nas escolas, foi um momento que nós tivemos aí situações, de crimes cotidianos. Por mais de uma vez o sindicato sempre transcendeu esta pauta coorporativa apenas de direitos e deveres. Eu lembro que nós nos opusemos à construção do estádio aqui em Brasília, desse elefante branco que nós temos aí, por mais de uma vez nós abraçamos aquele estádio antigo, dizíamos que não era necessário. Então era um olhar político do que viria a construção daquele estádio, como é público hoje o desfecho de tudo aquilo. Que faria falta para saúde, para educação, coisas desse tipo. Nós tínhamos necessidades mais emergentes na sociedade de Brasília, que não justificaria a construção daquele estádio, mesmo dentro de um projeto de copa do mundo, e olimpíadas, mas até porque nós não temos tradição de futebol, já tinha o estádio no Gama, tinha um Serejão aqui, tinha um estádio no Guará, tinha um no Sobradinho, porque precisaria tanta força para erguer isso ali no centro de Brasília, e hoje ter o destino que tem? O sindicato anteviu isso politicamente, se opôs e bateu.

27:15
P/1 – Professor como é que se deu a luta sindical no momento em que Brasília era governada por governos, digamos aliados, Cristovam Buarque e Agnelo Queiroz, como é que se deu esse embate sindical com governos que teoricamente estariam a favor da luta dos professores?
R – Em relação a esses dois governos, o governo do professor Cristovam foi nossa primeira experiência aqui de um governo minimamente progressista, embora o Cristovam tenha vindo para o Partido dos Trabalhadores, para encher um vácuo. O Cristovam nunca foi uma pessoa de pensamento de esquerda, no sentido das tradições políticas brasileiras de PDT, PCdoB, PCB, PT, hoje o PSOL e tantos outros, o PSTU, PCO. Ele era um acadêmico, intelectual, mas por viés de centro-esquerda, de centro-direita pra direita. E ele demonstrou isso na história dele no Parlamento. E aqui em Brasília nós tivemos uma contradição, que uma parte de ex-lideranças nossas foram para o governo também, e uma parte da categoria, entendia que como era o governo aliado a nós... “Eu votei, fiz campanha”. Que nós não devíamos confrontar... Mas é que eu quero abrir um parêntese e fazer uma defesa da entidade SINPRO, parte da categoria militante, e parte da direção, nunca subordinou a entidade Sindicato dos Professores ao governo de plantão, nós sempre defendemos a autonomia, independência, frente a qualquer governo. É tanto que esse governo Ibaneis [Rocha], nós não tivemos um confronto ainda direto com ele, dada as características da pandemia. Mas nós nunca passamos um governo em Brasília sem embate, todos eles, todos os governos, [Joaquim] Roriz, os que foram transitórios, do [Rogerio] Rosso, do Wilson Lima, [Rodrigo] Rollemberg, que foi um fracasso – eu considero um dos piores governos que nós tivemos para educação em Brasília, único mérito que ele disse que teve foi não ter atrasado o salário, mas inicialmente, os trabalhadores trabalharam. Com o Agnelo [Queiroz] a gente avançou em algumas pautas, fizemos duas greves no governo Agnelo, mas eu ainda acho que o governo Agnelo, mesmo nesse contexto de embate, ainda foi melhor do que o governo Cristovam. E nem se compara com o Rollemberg no papel de educação. Esse agora eu espero um confronto: acho que já passou do tempo, é um governo que não prioriza a educação, é irmã siamesa do governo federal, politicamente é muito autoritário, às vezes afronta o Judiciário, o Ministério Público, e dado o contexto da pandemia o sindicato não tem tido muita força, infelizmente. O sindicato vem sobrevivendo e tem dialogado, é tanto que a pasta da Educação já teve me parece que esse é o terceiro ou o quarto secretário, esse atual secretário, eu acho ele mais bem intencionado que os anteriores, mas tem muitas dificuldades. A nossa terceira parcela do plano de carreira, não há projeto pedagógicos e o governo Ibaneis é um governo autoritário, no sentido político da expressão, ele não tem perfil de diálogo.

30:58
P/1 - Professor como é que deu a sua inserção na direção do sindicato, já era sobre a forma colegiada, já era sobre a forma ainda presidencialista, como é que começou essa vinculação orgânica?
R – Os militantes vão aparecendo normalmente, então às direções, a partir das visitas na escola e da dinâmica do movimento paredista, eles vão percebendo as lideranças. Eu nunca fui ausente, eu sempre fui delegado sindical, sempre presente, então a direção faz esse movimento de ir identificando as lideranças, depois tem aquelas discussões políticas. Quando eu fiz parte da direção eu fiz como independente que pela Regional de Ceilândia, que eu sempre dei aula em Ceilândia, sempre tive nesse circuito aqui Ceilândia, Taguatinga. Então eu fui de forma independente, mas as composições das direções elas se dão num contexto político partidário. Nós temos alguns pensamentos políticos que predominam na direção, algumas correntes, forças, isso é legítimo, não tem nada de anormal. E quando eu estive na direção foi como independente, mas eu sempre transitei, dialoguei com todo mundo e não tenho dúvida que contribui. Tenho desejo de voltar para a direção do sindicato. Eu fui liberado na minha época, eu tinha já 40 horas, hoje uma parte dos professores, eles trabalham 20 horas, para não perder o direito à aposentadoria, porque no governo [José Roberto] Arruda mudou-se a legislação, e no governo Fernando Henrique. Então é uma perseguição à classe trabalhadora – “eu não libero os dirigentes sindicais” – para a gente viver esse limbo, e essa fragilidade. Hoje os professores que estão na direção do sindicato, os companheiros, eles têm um vínculo de 20 horas pelo menos na Secretaria [de Educação]. Na minha época eu fiquei as 40 horas liberado, eu visitei todas as regionais, eram 500 e poucas escolas, Planaltina, Gama, Ceilândia, eu visitava 30 escolas em Ceilândia, três turnos e ajudava nas outras regionais.

33:16
P/1 – Como é que o senhor avalia a atuação do SINPRO hoje, nesse momento que nós estamos vivendo?
R – Eu gosto de ser leal, eu acho que hoje o sindicato ele vive um colegiado deformado. Eu não sei se o presidencialismo faria bem, mas quando nós temos um colegiado e temos uma ou duas foças políticas com supremacia na direção, isso empobrece a discussão política, dialética. Você às vezes tem decisão por maioria apenas, e é uma maioria que ela não é qualificada, no sentido dialético. Às vezes é uma decisão que por você ter no colegiado maioria e por um princípio democrático, quem tem a maioria decide. Mas nós precisaríamos avançar com maturidade numa discussão dessas, para aglutinar forças, porque os momentos que a classe trabalhadora vive são desafiadores no mundo inteiro. A uberização do trabalho... Em Brasília nós temos 10 mil professores de contrato temporário, São Paulo hoje e outros estados aí, chega a 50, 60, 70% da categoria.

Todos com precarização: chega o final do ano rompem o contrato, governo leva dois, três meses para pagar a rescisão trabalhista, e quando é no próximo ano faz um novo contrato. É preciso uma análise do custo-benefício dessa efemeridade. Então isso precariza a educação. A educação é carreira, devia ser carreira de estado, atividade essencial, então quando se precariza uma relação do educador, nós não somos instrutores, treinadores, nós somos educadores no sentido paulofreiriano e dialético da expressão.

35:20
P/1 - Continuando nessa linha professor, quais o senhor considera os desafios mais importantes colocados para o SINPRO proximamente.
R – O SINPRO é uma entidade corporativa, não dá para abrir mão dos direitos do trabalhador. Nós estamos passando de seis anos sem reajuste salarial, com um calote que já passou por dois governos, totalmente no governo [Rodrigo] Rollemberg e neste governo que já só tem um ano, ano que vem já é o apagar das luzes e que ele não prioriza a educação. Porque para priorizar a educação tem que passar pela valorização da classe trabalhadora, não tem como priorizar saúde, sem pensar no médico, no enfermeiro, no técnico, a polícia sem pensar em quem faz a segurança pública. Quem faz educação não é o prédio, é a classe de educadores. Então é importante a construção física da escola, mas é importante um projeto político pedagógico, uma identidade de Estado para educação. Então o sindicato tem que avançar nesse aspecto econômico, porque são quase 10 anos sem reajuste salarial, com uma decisão judicial que em primeira instância reconheceu o direito dos trabalhadores, aprovado na Câmara Legislativa, projeto de lei sem visto de iniciativa do Executivo, acordado. Então o sindicato tem que avançar nessas duas pautas. E no contexto da pandemia não dá para baixar a guarda: enquanto não tiver segurança sanitária para os estudantes, para os pais e mães de famílias que fazem educação, não dá para recuar, voltar para o trabalho presencial. A economia se recupera, vidas não se recuperam. O governo e nós educadores temos que ter isso em mente, economia se recupera em um ano, dois anos, incentivo, política fiscal, tem “n” variáveis para convergir depois há possibilidade de uma retomada da economia. Agora vida não! Emprego se recupera.

37:45
P/1 – Professor, eu não vou lhe pedir nenhuma bola de cristal, mas eu queria que o senhor refletisse sobre qual é o futuro da educação no Brasil, pós-pandemia, sobretudo?
R – A pandemia trouxe a imprescindibilidade dos educadores. Com o advento da tecnologia, se pensou que o educador seria substituído por pacotes online, por mercantilização, na expressão que o Pablo Gentili, educador argentino fala “mcdonalização” da educação. Então se achava, nesse viés capitalista, que a educação era um produto de mercado e que os professores seriam substituídos por qualquer empresa. Os pais, os estudantes e nós educadores, hoje, sempre tivemos, mas hoje a gente tem para a sociedade a reafirmação da importância e da necessidade do educador como orientador do processo educacional. Educação não é só conteúdo, ela é interação, ela é olhar, ela é escuta, ela é acompanhar uma criança, ouvi-la, perceber suas frustrações. Então professor interfere, depois do pai e da mãe, é quem mais passa tempo com as crianças e os jovens em sala de aula. Então nós temos uma responsabilidade enorme com o futuro, com desenvolvimento afetivo, emocional e intelectual. A pandemia ela trouxe essa não possibilidade de substituir o papel da educação, por mais que tenha esse viés aí de educação doméstica, domiciliar, isso aí é rótulo que não se sustenta, até talvez só a burguesia tivesse condição de fazer isso. E mesmo que tenha capacidade intelectual de dar aula, mas tem a interação, a criança, o jovem, ele precisa interagir. A primeira experiência democrática de qualquer pessoa é na escola, é lá que ele percebe que tem alguém que pensa diferente, tem família diferente, cabelo diferente, cor diferente, tamanho diferente, pensamento diferente. Então a escola, ela abre essa experiência democrática, e uma pessoa que não se se preparou minimamente para viver democraticamente, ele não vai ter relação com a esposa, com filho, com trabalho. A sociedade é democrática, dialética, diversificada e a escola traz essas possibilidades. E a pandemia trouxe uma evidência também da luta dos trabalhadores, o Estado se esforçou, mas os professores se viraram, eles se reconstruíram, quem não tinha domínio, hoje já tem um domínio parcial da tecnologia. Professores viraram artista, se fantasiam, dão aula, criam situações lúdicas e não abriram mão do seu papel educacional. Todos nós gostaríamos de estar presencialmente, vivendo, convivendo, conviver com o estudante, mas infelizmente esse ambiente remoto. Mas nós estamos de forma mais diversificada possível, com salas iguais a essa, com e-mail, com WhatsApp, às vezes nós até interagimos e conhecemos melhor o estudante do que presencial. Porque ele passa mensagem dizendo quem morreu, quais as perdas na família, o desemprego, pede ajuda. Você abre uma sala individualmente para um aluno que está com dificuldade, que às vezes na sala a gente não consegue atender individualmente. Então tem vantagens também nesse ensino remoto, nessa educação síncrona, e eu acredito que ela continuará, nós não podemos abrir mão, pensar seriamente na possibilidade, mesmo no contexto de normalidade, de educação presencial. Na escola que eu estou nós somos uma ilha lá, a gente já tem uma plataforma lá, um Moodle [sistema de código aberto para a criação de cursos online, também conhecido como Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA)] todos nós trabalhamos com educação à distância há mais de 10 anos. Mesmo no sistema presencial, cada professor tem um ambiente virtual, e a gente desenvolve uma sala e disponibiliza conteúdo e interage com os alunos por formulários, fórum, e-mail, videoaula.

42:16
P/1 – Professor, o senhor está diante de um jovem, de uma garota, de um garoto que resolveu ser professor: eu quero ser professor! O que o senhor diria para ele ou para ela?
R – Eu digo para os estudantes, eu escolhi ser professor educação me encanta, me emociona. A educação me salvou, e da minha família também. Eu sempre digo para eles: vale a pena se você não reduzir a educação a um viés econômico. Se você olhar educação com a dimensão de cidadania, de importância para o mundo, dentro de uma ética do cuidado, vale a pena ser educador. Agora, se você quiser um viés só econômico, é uma profissão que te dê condições econômicas de desfrutar, esbanjar, não escolha a educação. Mas a educação ela realiza qualquer pessoa, educação ela é ontológica, ela transcende. Eu escolheria ser educador quantas vezes eu tivesse oportunidade. Eu quando fiz licenciatura plena em matemática, Engenharia da Computação, com especialização em redes, eu fiz Direito, eu sou advogado militante, eu tenho escritório, mas tudo isso não me permite deixar a educação. Eu advogo no turno contrário, exerço a advocacia, consolidou também meu pensamento dos direitos humanos, dos direitos de garantias fundamentais, mas tudo isso é permeado e recheado pela educação. Eu não faço nada na minha vida, desprovido do aspecto formativo, encantador da educação. Eu tenho gratidão, nós estamos vivendo esse contexto no país de resistência ao distanciamento, porque ainda vivenciamos uma ignorância, não é só intelectual, é ignorância de cidadania, e um governo infelizmente que não exerce a responsabilidade que a sociedade merece quanto a isso. Pouco investimento na educação, na universidade, eu estava vendo semana passada uma jovem lá do interior do Ceará, passou no MIT [Massachusetts Institute of Technology], menina lá do interior do Ceará que começou nas Olimpíadas de Matemática. Então eu sempre digo para as crianças e jovens: vale a pena educar, estudar, tenha encantamento com as letras, leia. A educação liberta, educação faz bem, ela não faz mal, ela nos encanta. Nós temos um país que tem desprezo pela cultura, pela leitura, não ter apreço, os jovens perdem muito tempo com a tecnologia, só no aspecto do entretenimento. Ninguém é anacrônico, ninguém sataniza a tecnologia. Mas ela tem que ter uma razoabilidade na utilização, como instrumento de educação, de conhecimento, e não apenas de entretenimento, ter o papel do entretenimento, mas ter um papel educativo. Eu sempre digo, eu sou um apaixonado pela educação, os meus estudantes nunca me encontraram de mau humor em sala de aula, nunca, eu vou e saio para sala de aula feliz, se eu morrer dando aula, eu comparo como se eu morresse numa igreja rezando em oração.

45:55
P/1 - Muito bem professor, eu vou puxar agora um pouco para o plano pessoal, o senhor é casado?
R - Eu sou solteiro. Minha mãe tem 86 anos e Deus levou meu pai em 1994, então eu cuido da minha mãe, embora ela não exija que eu não tenha casado, mas eu moro com minha mãe, foi uma opção. Talvez ficar 20 e poucos anos na universidade... Família tem prioridades emergenciais, esposa filho, então eu tive que fazer uma espécie de sacerdote com a educação. Mas não tenho frustração nenhuma, ainda penso em casar.

46:45
P/1 – Professor, alguma coisa que o senhor gostaria de ter dito e não disse?
R - Eu amo essa entidade SINPRO, talvez estejam entre as duas, três siglas que eu mais tenho respeito. Tem muita divergência política, com direções que já passaram, com os companheiros da atual direção, mas eu tenho muito respeito a cada diretor do sindicato, a

todo mundo que passou lá, todo mundo que pôs uma sílaba, uma letra nessa história, e eu enquanto vida eu tiver eu estarei... Tem um companheiro da direção, o João Bosco, já foi diretor, ele dizia: “o SINPRO somos nós, nossa força e nossa voz”. Nós temos dificuldades, desafios com os erros políticos, às vezes encaminhamento da nossa entidade, mas seria infinitamente pior sem esse sindicato. Tudo que nós temos no contracheque de coordenação, de conquista, de organização política, passou pela organização dos conflitos que tiverem e que estão na direção do sindicato. Então tenho muito respeito, muito apreço, amo essa entidade, desejo ainda voltar para a direção do sindicato, ou na ativa ou como aposentado, mas sempre com desejo de construir. Até porque eu me sinto hoje mais qualificado, hoje eu sou advogado, militante, então hoje eu conheço do direito, do direito trabalhista, do direito administrativo, do direito penal. Então hoje eu consigo... A minha tese em Direito foi a corrupção como violação dos Direitos Humanos Fundamentais, sem “lavajatismo”, mas eu sempre achei a mal gestação do que é público como um dos crimes mais graves que tem para o tecido social, então quando eu defendia a tese da corrupção com violação dos Direitos Humanos Fundamentais, eu dizia que a corrupção é pior do que um homicídio, é pior do que um estupro, porque ela mina uma geração, um sonho, um projeto de país, não era nesse modismo da perseguição, do lawfare, usar o Direito, o Estado para perseguir, A, B ou C, violando as garantias fundamentais do devido processo legal. Então hoje eu me sinto muito mais qualificado para ajudar meus companheiros da educação e gerações futuras, porque eu já estou maduro intelectualmente, didático, então eu agregaria muito hoje, não é um pedido para voltar, mas eu tenho muito a contribuir ainda com a minha classe.

49:35
P/1 – Perfeito professor! Eu estou satisfeito! Como é que o senhor se sentiu participando dessa entrevista?
R - Com gratidão. A memória ela mantém viva, a memória não é nostalgia, a memória é celebrar, tornar presente. Então, é fundamental esse resgate, até para essas gerações novas. Nós temos vários professores que não conhecem 42 anos de luta dessa categoria, eles não sabem que professor já ficou algemado nos apóstolos da catedral [de Brasília], eles não sabem que professor fez sete dias de greve de fome, que professor já trilhou a Comercial, a W3, o Eixão, que nós já abraçamos o [palácio] Buriti, que nós já fizemos xixi em garrafa de refrigerante no Anexo, comendo só sanduíche, que professor já enfartou em movimento paredista, que nós já ficamos três, quatro dias dormindo no chão, que nós já ocupamos Câmara Legislativa, que professor já derramou sangue no Eixão, que professor já foi preso. Então essa história, esse espaço aqui resgata, e eu tenho certeza que outros companheiros vão trazer isso também, então isso é memória, é celebrar, tornar presente, não é passado; isso é formação política, isso nos ajuda a estar no estado de alerta em defesa da democracia, da sociedade, dos direitos e garantias fundamentais das minorias, porque nós somos minoria também enquanto classe trabalhadora, antes de ter organização. E hoje nós somos uma classe que temos uma entidade respeitada, que tem estrutura e que tem capacidade de organizar os trabalhadores para o embate, seja com quem for, qualquer governante de plantão.

51:27
P/1 – Professor, para finalizar me diga uma coisa, quais são os seus sonhos?
R - É ver esse país com dignidade, com educação para o filho do trabalhador, para o filho do ribeirinho, para o indígena, com respeito as minorias, aos negros, aos homossexuais, a população de rua, com geração de emprego, com educação de qualidade, com consciência política, que ninguém nunca mais testemunhe o retrocesso que nós estamos vivenciando na história política deste país. Porque às vezes eu me pergunto, como que uma sociedade conseguiu pisar tão em falso como foi pisado por parte da sociedade brasileira nesse último processo eleitoral, e não foi uma coisa só nacional, e tem alguns governadores, tem no governo federal, pessoas que jamais teriam condição de exercer um papel democrático numa sociedade civilizada e diante dos desafios que nós temos hoje com essa pandemia. Meu sonho é ter um país em que se respeite a dignidade humana, que a economia não venha em primeiro lugar, que venha a vida, que a gente olhe para uma pessoa em situação de rua e se movimente esse país para ajudar, para salvar, seja por doença mental, seja por o desarranjo familiar, seja por frustração, seja por qualquer coisa. E que nenhuma criança, nenhum adulto, fique fora da escola. Esse é o meu sonho como educador. Não é fora da educação, educação salva, liberta, ela traz o progresso econômico, traz saúde, traz tudo, traz qualidade de vida. Paulo Freire dizia que a educação sozinha não muda um país, mas um país não muda sem a educação. Não tem como nós destravarmos situações sociais de tráfico de droga, de criminalidade, de preservação ambiental, de tecnologia, de democracia, sem educação.

53:40
P/1 - Perfeito Professor! Eu lhe agradeço bastante a disponibilidade do seu tempo, agradecer a bela entrevista que o senhor nos concedeu e vamos em frente né, vamos tocar o barco que a vida assim nos exige.
R - Muita gratidão Luiz, a você e os companheiros aí da técnica, o Alisson e você pela generosidade, pelo respeito e por estar participando desse projeto tão belo que é tornar presente uma história tão linda que a história dos educadores de Brasília, que ela é muito mais do que isso, mas a gente evidenciou alguns pontos. Quero morrer na educação, gágá na educação.

54:30
P/1 – Teria assunto para uma semana de conversa, alguma coisa que o senhor queira acentuar, enfatizar?
R – Eu queria destacar a greve de fome que nós fizemos, foram sete dias na Catedral. Eu lembro que às 18 horas, o atual bispo auxiliar de Brasília, que era o monsenhor Marcony [Vinícius Ferreira] na época, ele era o pároco da Catedral, e durante o dia ele deixava a gente usar a catedral, usar os banheiros, mas à noite ele fechava catedral e nos punha ao relento, ali naquela descida. E eu dizia para ele: que o Cristo que eu seguia, não era o Cristo que fechava a casa para os seus filhos; que eu o respeitava como monsenhor, mas nós íamos para o relento com a dor do Cristo, com a dor das prostitutas, dos mendigos, dos pobres, que não eram acolhidos pela a sociedade na época da contemporaneidade de Cristo, e que ele acolheu. E nós esperávamos que a igreja nos acolhesse, era muito pouco só usar o banheiro da catedral. Mas com dinâmica, houve uma interferência do bispo emérito de Brasília, Dom [José Freire] Falcão e teve um desfecho para a greve, para gente reaver o ticket alimentação, que até hoje é de duzentos e pouco reais. E eu participei daquela greve, companheiros da UnB que já tinham feito 13 dias de greve, nos auxiliaram, eu perdi vários quilos, não me recordo quantos, foram sete dias com água de coco, só, e água mineral, mas eu faria de novo, não me arrependo. Faria quantas vezes fosse necessário para defender a educação. Lembro que a ex-deputada Maninha e o ex-governador Agnelo, ao final da greve, um dia já pela madrugada, me parece que foi uma sexta-feira, por volta de 3 horas da manhã. Eles foram lá nos orientar, que eram médicos, são médicos, como voltar a se alimentar e ir soltando o intestino. Nós começamos a greve eu acho que foram oito ou nove e terminamos três ou quatro, e graças a Deus eu resisti e não fiquei com nenhuma sequela. Valeu a pena!

56:52
P/1 – Que ano foi isso?
R - Essa greve foi no último governo do saudoso Joaquim Domingos Roriz, foi antes do governo Arruda, foi o último governo do Roriz, se eu não estou enganado, não sei se foi 2000, 2002, foi por aí.

57:23
P/1 - A gente descobre e checa essa data! Professor, muito obrigado, viu! Foi um prazer ouvi-lo
R – Eu que agradeço muito obrigado! Abraço fraterno!