Museu da Pessoa

Entre o nascimento e o desmatamento

autoria: Museu da Pessoa personagem: Gustavo Alberto Bouchardet da Fonseca

Projeto SOS Mata Atlântica 18 Anos
Depoimento de Gustavo Alberto Bouchardet da Fonseca
Entrevistado por Rodrigo Godoy e Claudia Leonor
São Paulo, 22/01/2005
Realização Museu da Pessoa
Código do depoimento: SOS_HV041
Transcrito por Tatiana Dias
Revisado por Ligia Furlan

P/1- A gente vai perguntar de novo seu nome completo, o local e a data de nascimento.

R- Gustavo Alberto Bouchardet da Fonseca. Nasci em Belo Horizonte, em 25 de outubro de 1956.

P/1- E o nome dos seus pais, Gustavo?

R- Gustavo Dermeval da Fonseca e Marisa Bouchardet da Fonseca.

P/1- Você tem origem francesa? De onde vem o sobrenome?

R- A história era que o meu bisavô era francês, exatamente. Meu bisavô era francês, daí a origem do nome Bouchardet da minha mãe.

P/2- E vocês todos são de Belo Horizonte?

R O meu pai é de Diamantina e minha mãe de Ubá, mas se casaram em Belo Horizonte. Em 1956 eu nasci, e em 1957 nós mudamos para Brasília, antes da inauguração de Brasília. Meu pai, o pai dele era primo do Juscelino Kubitschek, presidente da época. Ele formou-se em odontologia na UFMG [Universidade Federal de Minas Gerais] e foi pedir um emprego para o presidente, para o tio, e ele falou: “Você é um jovem, e jovem tem que ir pra Brasília”. Ai nós fomos pra lá e ele foi trabalhar no hospital da construção da cidade, chamado Cidade Livre em Brasília, que era o acampamento da construção de Brasília. Então eu quase não cresci em Belo Horizonte, cresci nos acampamentos de construção de Brasília. Então fiquei lá, fiz universidade lá.

P/2- Então sua vida se deu em Brasília?

R- Exato. E meus pais ficaram por lá também, meu pai foi pioneiro de Brasília, do Clube dos Pioneiros de Brasília, essa coisa toda.

P/1- Quais são as lembranças de quando você brincava em Brasília, nos acampamentos, como era?

R- Com certeza, eu me lembro vividamente. Quando eu estava com dois, três anos, meu pai tinha uma lambreta – na época não tinha carro –, então eu ia em pé, à frente da lambreta, e minha mãe atrás. A gente comprava querosene, porque não tinha luz elétrica ligada às casas, nem dos profissionais que eram mais qualificados, todo mundo morava meio junto. Depois nós mudamos pro primeiro prédio de apartamentos que foi construído na Superquadra 304 Sul, e era uma coisa muito interessante. Eu me lembro disso porque o meu playground, como eu disse, era prédio em construção, buracos de elevador, uma coisa até perigosa, pensando em retrospecto. Mas foi muito bom crescer lá, era uma cidade fácil e todo mundo se conhecia, e com o tempo isso foi se perdendo. Hoje em dia não tem nenhuma semelhança com o que era antes, mas foi um aprendizado muito interessante. E naquela época tinha aquela concepção de “a cidade é socialista”, que foi Lúcio Costa meio que bolou essa coisa. Então, no prédio de apartamento que a gente morava, o vizinho era motorista da Câmara, o outro vizinho do lado era ministro do Supremo, o outro era copeiro do Palácio. Mas depois de um tempo, o mercado foi ajeitando essas coisas, as pessoas foram vendendo pra ganhar um pouco de dinheiro, foi valorizando, foram morando cada vez mais longe e daqui a pouco tudo voltou ao que é.

P/2- E deu no que deu.

R- Mas naquela época era interessante, foi muito bom.

P/1 – E a paisagem? O que te chamava atenção?

R- Era aquela coisa do Cerrado, aquela coisa da terra vermelha, era muita poeira. Minha mãe ficava desesperada, porque toda hora a gente estava brincando na rua, chegava e estava coberto de poeira vermelha, e nunca conseguia ficar com a casa limpa. E aqueles chamados Lacerdinhas, que eram redemoinhos de poeira que davam no meio do Cerrado, a meninada quando via aquele negócio, entrava no meio e negócio, “tchu”, voltava com cabelo todo vermelho, voltava pra casa pra mãe limpar. Então era como morar em uma roça que estava em construção, era morar em um acampamento de construção mesmo, então foi muito interessante.

P/2- E seus estudos iniciais se deram em Brasília?

R- Eu entrei na Universidade de Brasília pra estudar Geologia, que era um curso, na época, bastante concorrido. Era financiado pela Petrobras, então era um curso que seis meses antes de você formar, já era recrutado pela Petrobras. E a maioria das pessoas terminavam trabalhando em plataforma de petróleo, que estava crescendo naquela época a coisa da Bacia de Campos. Eu queria, na realidade, estudar Biologia. Eu sempre quis estudar Biologia, inclusive no curso cientifico eu gostava de Biologia, era monitor de Biologia. Chega aquela hora, os pais meio que influenciam: “Mas esse negócio de Biologia vai dar dinheiro? Vai ser professor e tal.” Aí Geologia era um curso que dava mais dinheiro, então eu acabei fazendo. Mas como eu entrei na Universidade muito cedo, por uma série de razões também... Por causa de Brasília eu entrei na Universidade com 14 anos.

P/2- 14?

R- Porque quando chegou em Brasília, não havia Jardim de Infância, então eu entrei no primeiro ano, um ano e meio mais novo do que deveria entrar. E depois não teve aquele negocio daquela quinta série, não existia também, porque os colégios ainda não estavam estruturados pra isso. E depois criaram um negócio chamado de intensivo, sei lá, que fazia o científico em dois anos, e eu fiz e acabei entrando na Universidade, mas meio por acaso. Então, quando eu estava quase para me formar em Geologia, eu não estava querendo formar, estava querendo continuar aquela lengalenga de ser estudante, porque era gostoso ser estudante, aí eu mudei o curso para Biologia. Eu não queira sair pra trabalhar na plataforma de petróleo, ai eu continuei, fiquei na Universidade quase seis anos.

P/2- Isso foi, então, com 18 anos, quando aconteceu essa mudança? 17 pra 18 anos?

R- Exato. Eu me formei com 20 anos.

P/2- Por que Biologia?

R- Não sei se é porque me fascinou, eu sempre fui atraído por bicho, por coisas mais ligadas à natureza. Talvez porque em Brasília a gente estava sempre em contato com um ambiente natural muito rico, então me fascinou, o funcionamento, a fisiologia dos seres humanos, dos animais. E também me atraiu a questão da ecologia. E na época que eu estava na Universidade, era uma época muito conturbada politicamente, era o auge da ditadura. Eu lembro que na Universidade de Brasília, houve pelo menos três invasões da policia. Eu fui preso já, fui enfiado em camburão, levado, aquelas coisas de greve de estudante. E a minha consciência social estava muito mais ligada à natureza do que propriamente a algum movimento mais sindical ou partidário. Então eu era, digamos assim, um socialista ligtht, porque eu era mais assim... Mais esotérico na parte de conservação da natureza e tal, mais ecológico. E eu entrei na parte de Biologia já mais ligado a essas coisas.

P/2- E aí você conseguiu a sua meta de continuar vinculado à Universidade por mais tempo? Ou você se formou e foi trabalhar?

R Não. Aí o interessante foi que eu comecei a trabalhar em Biologia, na realidade, em um laboratório de Neurobiologia, um laboratório muito bom, inclusive, de pesquisa de ponta, de mapeamento de neurônios. Então o trabalho no laboratório era pegar diferentes tipos de animais, principalmente gatos e cachorros. Gatos principalmente, porque se mapeava muito o córtex visual, tem modelos de visão bastante interessantes para isso. O que você fazia era pegar os pobrezinhos dos gatos, abria, tirava a tampa do cérebro, olhava um lugar lá, punha os eletrodos e tal e ficava estimulando e mapeando isso na tela. Aí começou essa mania de pesquisa com primatas, com macacos. E se começou a trabalhar com sagui, esses mico-estrelas, que são muito comuns por aí. E meu trabalho como estagiário do laboratório era ir tentar capturar esses bichos, trazer para o laboratório e criar uma colônia autossuficiente desses saguis para experimentos, esses experimentos eram terminais. Eu fui muito ao ambiente natural e comecei a me interessar muito pelo comportamento desses animais na natureza, mais do que no próprio laboratório. Aí eu comecei a trabalhar comportamento animal e com primatologia, como a gente chama. Nesse momento foi criada uma Estação Ecológica pelo IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística], uma estação que eles têm em Brasília, que era inicialmente uma garagem central dos veículos do IBGE que faziam trabalho no campo. Acabou que eles herdaram do Governo Federal uma área muito grande que se tornou muito importante com a urbanização de Brasília, como uma reserva mesmo. Eles criaram uma estação de pesquisa lá e eu fui contratado pelo IBGE logo que eu formei. Tinha uma colônia de macacos e tal e eu comecei a mexer com isso lá no IBGE. De lá eu fui fazer pós-graduação nos Estados Unidos, na Universidade da Flórida. Fui fazer mestrado em um curso que tinha acabado de ser estabelecido, que ligava conservação da natureza com objetivos mais interdisciplinares, como meio ambiente humano e essa coisa toda, um curso muito interessante. Fiz mestrado lá nessa área de ecologia e conservação e depois eu fiz doutorado na mesma Universidade, mas mais na área de ecologia de vida silvestre. Trabalhei muito com mamíferos, eu sou especialista em mamíferos, comunidades de mamíferos. Meu trabalho foi na Mata Atlântica... Na realidade, daí vem a questão da Mata Atlântica. Aliás, as minhas pesquisas eram com fragmentação, isolamento e diminuição de Mata Atlântica, que resulta em perda de biodiversidade, e meu grupo de trabalho eram comunidades de mamíferos. Então a ideia era tentar ver quais espécies são mais propicias a serem perdidas em ecossistemas quando você restringe a área e isola essas áreas. Com essa informação você poderia, por exemplo, criar estratégias de conservação para aquelas espécies que demandam mais atenção e mais esforços para conservação. Tem outras que se dão bem em ambientes antropizados, não tem muito problema. Então a ideia era fazer isso. Eu fiz um trabalho bastante grande, de vários anos, e continuei fazendo, ainda tenho vários alunos que trabalham... Eu estou licenciado da Universidade, mas eu continuo com meu laboratório lá, tenho vários alunos de mestrado e doutorado que eu continuo orientando, portanto, eu venho sempre aqui. Mas então eu fiz esse trabalho na Mata Atlântica, minha tese de doutorado lá, e voltei para a Universidade, me contrataram na UFMG [Universidade Federal de Minas Gerais] e mudei para Belo Horizonte. Então de Brasília para Belo Horizonte e dos Estados Unidos para Belo Horizonte.

P/2- Isso foi em que ano?

R- Foi em 1985. Na realidade, o que aconteceu foi que eu vim fazer o trabalho de campo da minha tese de doutorado, em 1983, e aí resolvi trabalhar com mono-carvoeiro, com o muriqui, que tinha uma estação ecológica em Caratinga, Minas Gerais. Eu assisti uma palestra do professor Célio Vale, que também é uma pessoa associada à SOS Mata Atlântica desde o início. Naquela época pensava-se que o muriqui tinha desaparecido da Mata Atlântica, e ele redescobriu, entre aspas, essa população em uma mata em Caratinga que o fazendeiro tinha conservado. E isto deu notícia e tal, saiu na Veja, foi uma coisa bem interessante. Eu me lembro do Célio, que é uma figura muito interessante, desse tamanhozinho assim, enérgico, com olhos azuis, meio doidinho e em um congresso da Sociedade Brasileira de Progresso da Ciência em Brasília, e ele mostrando um vídeo que ele tinha acabado de filmar. Aquele negócio, toda aquela expectativa, “Redescobriram o maior macaco das Américas!” Era um vídeo muito ruim, em super oito, bem tremido, mas foi uma comoção danada, o auditório lotado. Eu falei: “Eu quero estudar esse bicho”. Aí eu fui logo depois pro Célio e falei: “Célio, meu nome é tal e eu estou procurando um tema para a minha tese, e gostaria...”. Ele falou: “Vão, vão, não sei o que. Você vai ficar na minha casa, eu te pego não sei aonde...” E ele realmente fez isso, e acabou que eu fui fazer esse trabalho lá. Nesse momento, o Célio era professor nesse mesmo departamento, e abriu uma vaga. Ele me estimulou a fazer o concurso, eu fiz o concurso, passei, e depois fui completar meu doutorado fora, e aí voltei pra Universidade. Nesse momento ele também estava interessado em criar um curso de pós-graduação que a gente chama de Biologia da Conservação, que é essa área de Biologia Aplicada. A conservação, como na minha tese, como eu estava explicando, era um trabalho científico, mas voltado a perguntas diretas, voltadas à estratégia de conservação, e não existia nenhum curso de pós-graduação. Como eu estava recém regresso de um curso que tinha essas características, eles acharam que eu podia ajudar, então eu comecei a trabalhar na montagem desse curso, e acabou sendo o primeiro curso de Biologia da Conservação no Brasil. Foi inaugurado em 1989 e já formou hoje, mais de 150 estudantes em nível de mestrado e doutorado. Um curso muito bom, com vários professores e que continua até hoje. Então essa foi à razão pra eu ter ido para a UFMG. E nesse papel, na UFMG, a gente começou a trabalhar muito com o lado das Organizações não Governamentais. Não só porque ela tem um papel importante no impulsionamento dessas estratégias de conservação, geradas por ciência e por trabalho técnico, mas também porque houve uma necessidade da gente começar a internalizar recursos que financiariam projetos que a gente tinha interesse de fazer, tanto de pesquisa quanto de conservação no campo. Nesse momento, a gente teve contato, por exemplo, com aquela que na época era a maior organização, eu diria a única de expressão no Brasil que lidava com conservação, era a Fundação Brasileira da Conservação da Natureza no Rio de Janeiro, mas na época ela era dirigida pelo Almirante Ibsen, que também é conselheiro da SOS Mata Atlântica e por uma série de razões políticas internas e outros fatores, a FBCN acabou ficando complicada de se trabalhar. E a gente tinha uma necessidade, em primeiro lugar, de internalizar recursos externos para financiar bolsas de estudantes, garantir veículos do curso de pós-graduação, na UFMG, e também de outros projetos que a gente queria fazer. A gente acabou criando, então, a Fundação Biodiversitas em 1989, também em Belo Horizonte. Hoje ela é também uma organização bastante expressiva no cenário nacional, principalmente na área de espécies ameaçadas. A partir daí também a gente começou a interagir um pouco com outras ONGs, inclusive com a SOS Mata Atlântica, que naquela época também estava iniciando seus trabalhos, era uma organização bem jovem naquela época. Essa é aquela interface entre ciência e a parte mais aplicada, mais de ativismo político.

P/2- No inicio da década de 80, fim de 70, como era o movimento ambientalista no Brasil? Você já tinha contato com algum grupo, tinha conhecimento de algum grupo? Como era?

R – Existia, como eu disse, a FBCN, mas o movimento ambientalista organizado era muito insipiente. Eu lembro que quando eu estava na Universidade, eu, junto com dois outros colegas e um português meio maluco que tinha uma editora, nós editamos a primeira revista de meio ambiente no Brasil, que chamava, por acaso, Meio Ambiente. Eu lembro que, inclusive, eu fui, registrei o nome lá no INPI [Instituto Nacional da Propriedade Industrial], ninguém ainda tinha a noção daquilo, era uma coisa muito recente, e a gente se voluntariou para fazer. Saiu provavelmente uns três ou quatro números, e os números eram mais legais ainda: conservação, espécies ameaçadas. Eu fazia muito trabalho de tradução de coisa que eu encontrava em publicações do exterior, porque não tinha muito material pra gente fazer isso aqui no Brasil. E acabou que não teve muito mercado naquela época, e o editor acabou ficando meio frustrado, ele queria vender a coisa e acabou transformando a revista para um lado mais esotérico, e virou aquela ecologia, sabe? Meio “Planeta”, sabe aquela revista “Planeta”? Então eu falei: “Esse negócio aí não vai funcionar muito bem, não”. Eu não sei que fim levou a revista, mas era um indicativo de que não havia ainda uma consciência muito forte, e o movimento não estava muito organizado. Eu acho que a questão da Amazônia começou a dar uma dimensão internacional, um foco internacional pro Brasil, principalmente na década de 80, e quando houve a antecipação da Rio-92 – que na realidade a Rio-92 começou a ser articulada em meados da década de 80 –, eu lembro que eu participei de uma reunião em 1988 em Bogotá que era organizada pelo World History Institut, que estava tentando desenhar uma estratégia mundial da conservação, que estava já antecipando o conteúdo a ser discutido na Rio-92. E isso começou a gerar uma série de expectativas e uma série de oportunidades através das quais alguns grupos ainda insipientes de pessoas começaram a se organizar como entidade. Então, como eu disse, existia a FBCN, existia uma ou outra organização, mas o grande boom de criação de ONGs ambientalistas foi em antecipação à Eco-92. Depois houve um decréscimo, na realidade. Eu fiz um trabalho com o Luís Paulo Pinto, que trabalha na Conservação Internacional há uns quatro, cinco anos atrás, olhando esses números. Houve pelo menos 2000 organizações criadas durante aquele período, e acredito que agora não deve haver mais do que umas 500 espalhadas por aí, que são ligadas mais à conservação. Tem outras organizações que estão ligadas com a parte social que tem uma inserção nesse diálogo, mas, ligadas à conservação, são bem menos hoje em dia do que naquela época. Então eu acho que a questão da Amazônia, a questão da Mata Atlântica também, acho que na parte de capacitação do pessoal, que é uma coisa que é bom ficar registrado. O Brasil fez, naquela década de 70, 80, acho que uma decisão muito interessante. Acho que, naquela época, até meio visionária, de tentar formar uma capacidade técnica nas Universidades na parte de Biologia da Conservação, da qual eu fui parte, mandando uma série de profissionais jovens para estudar no exterior pagando bolsas de CNPq, de Capes. Tinha um programa agressivo com relação a isso, e foram várias dezenas de pessoas, que hoje estão aí reproduzindo esse treinamento em outros cursos. Cláudio Pádua, que foi meu contemporâneo na Universidade da Flórida, hoje também tem uma instituição que treina várias pessoas. Então houve uma formação de capacidades de uma massa crítica de pessoas aqui no Brasil, que por sua vez replicou. Como eu disse, em 1989 não existia nenhum curso de pós-graduação nessa área no Brasil, hoje existe o Fórum de Cursos de Pós-Graduação em Ecologia, que são 13 Universidades com cursos de pós-graduação em Ecologia. Isso, por sua vez, gerou uma quantidade bastante grande de profissionais jovens que estão não só fazendo um trabalho de pesquisa e trabalho de conservação no campo, como também um trabalho engajado que acaba tendo uma dimensão societária bem maior. Você tem, por exemplo, a Sociedade Brasileira de Primatologia, Sociedade Brasileira Ornitologia, Sociedade Brasileira de Herpetologia, Sociedade Brasileira de Ecologia, Sociedade Brasileira de Zoologia, e por aí vai. E cada um desses, você vai aos encontros, tem pelo menos 500 a 1000 pessoas, senão mais. Eu tive uma surpresa muito grande, eu fui fazer a palestra de abertura do Congresso Brasileiro de Mastozoologia – Biologia de Mamíferos – há dois anos na PUC [Pontifícia Universidade Católica] de Minas Gerais, deviam ter pelo menos umas 1200 pessoas, e você olhava, só gente jovem, estudantes e tal. Então essa questão do treinamento de pessoal partiu de uma política governamental naquela época que realmente gerou um potencial, um resultado muito grande. Eu acho que a combinação da conscientização do problema, a publicação do problema perante a sociedade através de ONGs, através da própria mídia, a interpretação da dimensão do problema vindo de pesquisas que por sua vez também encontravam eventualmente espaço em jornais e revistas... O interessante, por exemplo, eu acho extremamente fascinante que uma das poucas revistas televisivas – como os americanos falam –, como o Fantástico e o Globo Repórter... O Globo Repórter virou só ecologia, e obviamente deve ter alguma dimensão de público ali, IBOPE, que faz com que eles se concentrem naquilo, que é um fenômeno interessante. Então eu acho que houve uma combinação de diferentes fatores que levaram ao entendimento dessa questão e a capacidade de ação sobre esse problema que não existia há 20 anos atrás. Eu estou agora em uma posição na Coservation International, em Washington, que me faz viajar para diferentes lugares. Nós estamos com programas em 42 paises, então eu estou indo para lugares tão diversos como China, Camboja, México, Guatemala, Madagascar, África do Sul e no Brasil, obviamente aonde eu venho mais. E achava que fazer conservação no Brasil era muito difícil. Hoje eu acho que fazer conservação no Brasil é a coisa mais fácil do mundo, porque a gente tem uma capacidade instalada muito boa. Existe, como eu disse, a dimensão na mídia, essa coisa. Quando que um evento como esse, que aconteceu com essa freira cinco dias atrás, iria gerar um pacotasso de medidas ambientais? E o interessante é que o pacote não está vindo com um verniz de resolução de problemas sociais ou de resolução de problemas fundiários, necessariamente, ele vem com um verniz ambiental, o que é muito interessante, porque se podia pintar de uma maneira diferente de você achar que o governo Lula ia fazer uma coisa mais do lado social do que do lado ambiental, mas está fazendo isso do lado ambiental. Então, voltando ao que eu estava falando, aqui tem essa capacidade instalada, tem a consciência, enquanto que você vai a países como Nova Guiné, não tem um nativo com grau alto em nenhum ramo de Biologia, de Antropologia. A dificuldade que a gente tem pra achar um contador descente, que possa absorver recursos do exterior, em uma ONG que a gente queira fortalecer, é uma coisa que a gente tem que importar da Austrália ou importar de outro lugar. Então é muito difícil, mesmo com recursos, não consegue sair do lugar. Isso mostra a necessidade vital de treinamento de gente e mobilização de capital humano. Sem capital humano a gente não vai muito pra frente. Acho que isso tem que ser feito em todas as áreas. Se o Brasil começar investir mais sério nessa questão da educação, ou se não investir mais sério, a gente vai conseguir fazer muito pouco para o potencial do país ir pra onde deveria, como fez Coreia, como fez outros países. Eu vejo o fascínio dos estrangeiros da minha área quando vêm ao Brasil, se deparam... Vendo, conversando, interagindo com essa comunidade ambientalista e de cientistas de conservação, realmente é uma coisa que eles não entendem que existe. Passamos agora cinco dias em uma reunião entre o staff da Conservação Internacional mais várias dezenas de parceiros da organização em Belo Horizonte e mais gente do nosso escritório de Washington. E a qualidade do nosso pessoal que está lá de antropólogos, de biólogos, de sociólogos é impressionante, e são todas as pessoas relativamente jovens. Agora a gente está começando a exportar isso, está levando essa tecnologia, essa experiência para outros países que a gente trabalha também, tanto é que a organização hoje tem uma presença de brasileiros muito forte, ou brasileiros ou de pessoas que passaram a vida toda aqui e se formaram aqui, que estão dirigindo diferentes partes da organização. É a primeira organização internacional que tem uma influencia bastante forte, tanto na liderança quanto também no seu seio de brasileiros, com uma atuação a nível internacional.

P/2- E desde quando você está na Conservation?

R – A Conservation International aqui no Brasil nasceu no meu laboratório, e a historia é meio interessante. O Russell A Mittermeier que é o presidente da Conservação Internacional, trabalha para a WWF [World Wide Fund for Nature], queria abrir um programa do WWF no Brasil, e abriu um programa pequeno em 1987. Foi logo que a SOS foi criada. Inclusive, um dos primeiros dinheiros grandes que a SOS recebeu foi da Fundação MacArthur, através de um projeto em comum com a Conservation International e umas duas outras ONGs brasileiras. Aí ele, logo em 1989, mudou para Conservation International e passou a ser presidente. Então, de um dia pro outro, a WWF virou Conservation International. Depois ela mudou, abriu outra coisa, mas eles não tinham muitos recursos. Como eu estava como professor universitário e conhecia o Russell muito bem, de trabalhar com ele em trabalhos de campo com macacos, a gente começou a trabalhar em nome da Conservação Internacional. Utilizamos alguns desses recursos para financiar estudantes de pós-graduação para que o trabalho de campo que eles faziam pudesse ser feito ou em áreas, ou em problemas, ou em espécies que tivessem interesse para a conservação. Então era um programa barato, com muito resultado, porque não precisava pagar ninguém; meu salário já estava sendo pago pela Universidade, os estudantes tinham bolsa ou da Capes ou do CNPq, e eles só precisavam de um dinheirinho para ir a campo e poder fazer o trabalho. Esse foi o meu envolvimento, mas continuei como professor da Universidade, e continuo ainda licenciado, ligado diretamente à Universidade até hoje.

P/2- Então esse foi seu contato inicial com a Conservation?

R- Exato.

P/2- Isso foi, então, em 1987?

R – A Conservação Internacional foi criada em 1987. O Russell veio para a Conservação Internacional em 1989, e eu me tornei o diretor da Conservação Internacional no Brasil a partir de janeiro de 1992. Ele me pediu para assumir essa parte toda e eu continuei associado à Universidade nesse mesmo período.

P/2- E sobre a atuação da Conservação no Brasil? Como foi esse início de atuação? Você disse que ela foi parceira da SOS, fale um pouco sobre isso.

R - Foi também muito ligada à Mata Atlântica, porque ela ainda tem um viés bastante grande para a conservação de espécies ameaçadas de extinção. O Russell, pessoalmente, tinha um interesse muito grande por primatas, e ele é especialista em primatas, então a gente começou a trabalhar muito com projetos ligados à conservação de espécies. E como a maior parte das espécies ameaçadas está na Mata Atlântica, algumas no Cerrado e menos na Amazônia, a gente teve uma ênfase inicial muito mais ligada à Mata Atlântica. Como eu estava falando antes, o primeiro recurso considerável que a gente conseguiu foi através da Fundação MacArthur, que veio até o Russell A. Mittermeier para pedir a ele que orientasse ou dessas ideias de como fazer um programa em escala mundial de conservação de biodiversidade que tivesse algum foco. E nesse momento o Russell tinha acabado de concluir uma reanálise de conceitos de hotspot de biodiversidades, que é uma combinação de critérios ligados à concentração de espécies endêmicas, espécies de distribuição restrita que estejam em grau de ameaça mais elevado devido à destruição de habitat. Eram, naquela época, 25 áreas que já foram devastadas mais de 70% e que concentram no mínimo 1500 espécies de plantas que são consideradas endêmicas a determinado ambiente. Essas áreas seriam de alta prioridade mundial, então esse foi o foco da Fundação MacArthur. O Russell trouxe a Fundação MacArthur para visitar um desses hotspots que seria a Mata Atlântica, então veio a SOS, veio a Fundação Biodiversitas, de Belo Horizonte... Tinha mais uma que eu não estou me lembrando agora, que também foi objeto desses investimentos iniciais, mas acho que foi no sul da Bahia, o IESB [Instituto de Educação Superior de Brasília], se não me engano,

a Conservação Internacional, porque ela era estabelecida nos Estados Unidos, ela passou a ser o agente fiscal desse projeto para a SOS. Então, só por razão da engenharia financeira, administrativa, esse primeiro contato foi feito com a SOS. A SOS tinha, obviamente, já um nome, e sempre investiu muito na parte de comunicação, tem um conselho que tem muita experiência e capacidade de desenhar campanhas, então essa coisa de campanhas foi um pouco o alvo desse primeiro projeto. Eu acho que tinha também componentes ligados à conservação do Lagamar. Ah, eu esqueci! A outra área era da SPVS, a Sociedade de Proteção da Vida Selvagem, de proteção ambiental do Paraná, que era Guaraqueçaba, essa estação. Então foi a partir daí que houve um primeiro contato com a SOS. Nessa época, depois eu passei a lidar mais com a parte de treinamento de pessoal, a parte universitária. Vamos dizer assim, a retomada do contato com a SOS depois que esse projeto acabou, foi pela minha ex-esposa, que acabou sendo diretora da SOS no período que eu acho que foi de 1993 a 1994. E o meu filho, que na época devia ter 11 ou 12 anos, ficava muito na sede na SOS, correndo, o Belô gostava muito dele. Então eu tinha um sentimento muito de carinho pelo staff de lá, porque estavam, de alguma forma, cuidando do meu filho, que eu não podia cuidar diretamente, porque eu estava morando em outra cidade. Passei a conhecer mais pessoalmente e comecei também a ficar bem amigo da Márcia e tal. Depois disso, eu diria que o próximo evento que eu acho que o mais significativo da minha associação com a SOS Mata Atlântica, foi quando Roberto Klabin me ligou e falou... Deixa eu ver quando foi... Provavelmente em 1996, talvez um pouquinho antes, em 1994. Ele disse o seguinte: “Você está construindo uma organização muito boa, Conservation International, e eu estou dirigindo a SOS. Eu tenho pouco recurso para muita coisa. Que tal se a gente fizesse um manager das duas organizações? Vamos explorar uma fusão e tal?”. Eu falei: “Eu não sou necessariamente avesso a qualquer conversa, mas vamos pensar”. Aí fiz umas perguntas básicas: “A SOS vai se tornar uma organização nacional? Vai expandir o foco? Vai trabalhar na Amazônia, por exemplo?”. Então começaram a aparecer umas perguntas de caráter mais prático. Mas tivemos mais reuniões e acabamos, Roberto e eu, organizando uma série de encontros entre funcionários das duas organizações pra pensar onde residiam as vantagens comparativas, porque éramos organizações... E onde é que podíamos aspirar trabalhar juntas? Que recursos adicionais nós poderíamos esperar obter em função de uma aproximação maior? E isso deu origem ao que se chama hoje da Aliança para a Conservação da Mata Atlântica, que é essa associação entre Conservação Internacional e SOS que já existe há cinco anos, comemorou seu quinto ano agora. Demorou uns dois ou três anos pra gente desenhar a coisa, e foi muito bem conversado. Eu acho que isso aproximou muito as duas organizações, e é hoje um programa muito grande. São dois milhões de dólares por ano através da Aliança, e criou um senso de confiança mútua muito grande, a minha cola maior com a SOS foi através desse processo. O Roberto foi muito carinhoso comigo, há uns três anos atrás, acho que teve uma comemoração dos 15 anos da SOS, e teve uma cerimônia no Ibirapuera, eles passaram lá uns diplomas, não sei o quê, e ele me chamou para me homenagear por causa dessa contribuição. Então a gente tem muito contato. Ele é presidente do Funbio, e eu fui conselheiro e vice-presidente do Funbio, que é o Fundo Brasileiro de Biodiversidade. Então a gente tem uma história bastante próxima.

P/2- E desde 1999 você é vice-presidente executivo? Como é que é essa história?

R- Não, isso é outra história, é outro intervalo interessante. Em 1998 o maior doador da Conservação Internacional, na história da organização, foi Gordon Moore, que foi o fundador da Intel. Ele acabou sendo o maior acionista da Intel, é um bilionário, na época ele era a terceira ou quarta pessoa mais rica do mundo. Ele é um cientista, obviamente, desenvolveu, inventou o micro chip, que deu origem a essa revolução que a gente já vê hoje. E ele gosta muito de conservação, nos ajudou muito, em muitas coisas. Propiciou-nos recursos para adquirir a fazenda Rio Negro, no Pantanal, onde foi filmada a novela Pantanal, que estava ameaçada de ser desmembrada em fazendas de gado e a gente conseguiu entrar, comprar e transformar numa RPPN [Reserva Particular do Patrimônio Natural], que tem uma operação de ecoturismo e tal. Mas ele gostava muito do Brasil, eu tive contato com ele e a gente propôs a ele criar um centro de pesquisas aplicadas em conservação associado à Conservation International, porque a Conservation International foi, na realidade, fundada e construída por pessoas que tinham uma formação científica e acadêmica forte. Então são pessoas que tiveram mais ou menos a mesma história que eu tive, e apesar da gente fazer isoladamente pesquisas, a gente não estava aproveitando da possibilidade de juntar esses esforços e desenvolver uma agenda de pesquisa mais forte, direcionada e focada, a gente precisava de dinheiro para fazer isso. Eu apresentei a proposta e o Gordon resolveu ampliar, doou 35 milhões de dólares para criar um centro de pesquisa que se chama Centro de Pesquisa Aplicado em Biodiversidade e me convidaram para dirigir esse centro. Eu fui pra lá em 1999 para fundar o Centro, então eu contratei uma pessoa que dirigia o Centro de Áreas Mínimas em Manaus, um projeto que estudou fragmentação em Manaus, e mais uma pessoa. Então três pessoas a gente construiu o Centro que hoje tem 70 pessoas e é um dos maiores centros de pesquisa em conservação de biodiversidade no mundo. Tem mais de 40 doutores e tal, e uma rede de diferentes intuições associadas à pesquisa também em nível mundial, e lá eu fiquei até 2003. Nesse momento eles me pediram para assumir a direção de todos os programas regionais da Conservação Internacional, além do próprio Centro. Então, na realidade, eu passei a ter uma função mais executiva na direção dos programas dos 42 países, mais a parte de ciência, mais a nossa parte de investimentos. A gente tem uma série de fundos de aplicação à conservação, um deles é o Fundo para Áreas Críticas, que inclusive a SOS tem um projeto grande com eles, e isso foi há dois anos.

P/2 – Gustavo, a Amazônia ocupa um lugar bastante grande no imaginário internacional.

R- Exato.

P/2- Muito se fala sobre a Amazônia, “Pulmão Verde”. E sobre a Mata Atlântica, ela hoje é motivo de ação internacional maior, mais abrangente, ou não?

R – Ela é muito mais conhecida do que era antes. A Amazônia sempre vai ser a grande floresta tropical do mundo, não tem como evitar isso. Agora, como comunidade, a gente acabou construindo uma imagem sobre a Mata Atlântica que transcende a questão só de destruição ou a dimensão da floresta, com uma dimensão mais abrangente, mais complexa. Eu acho que a Mata Atlântica tem características que incluem coisas que a Amazônia nunca vai ter, necessariamente. Como as maiores cidades grudadas com florestas riquíssimas, num ambiente cultural muito diverso, uma história muito rica e com um desafio, chegou ao ponto de quase levar a exterminação de um bioma muito rico. Eu tenho falado isso sempre nos últimos três, quatro anos, que eu estou vendo uma realidade bem diferente para a Mata Atlântica. Eu estou querendo construir essa imagem internacionalmente para a Mata Atlântica. Primeiro esse hotspots que eu acho que vai sair do buraco, que eu acho que já vi pior e que vai começar uma trajetória ascendente. Temos que começar a olhar alguns dos dados que a gente acabou de lançar em um livro que é o estado da Mata Atlântica, está em inglês e está sendo traduzido agora em português, ilustra tudo que eu acabei de falar. O crescimento da capacidade de pessoal, o crescimento da conscientização, o crescimento das Unidades de Conservação, o conhecimento da natureza do problema e da capacidade de resolução, de reagir e também as ações completas. Então eu já vejo hoje, indo ao campo, que a regeneração natural está tomando conta de alguns lugares que foram abandonados ou deixados propositadamente para regeneração natural. E a gente já viu isso acontecer em outros lugares do mundo, historicamente na Europa, áreas que estavam totalmente desmatadas e hoje está mais florestada do que ela foi. Mas a diferença é que lá a biodiversidade é muito pequena, lá a perda biológica foi relativamente pequena em comparação com o que a gente pode perder aqui, ou que poderia perder aqui. A dimensão da biodiversidade é muito mais aguda nesses ambientes tropicais, biologicamente ricos, como é a Mata Atlântica. Então acho que a gente pode construir uma imagem da Mata Atlântica, de maneira muito mais positiva do que a gente vai poder construir a Amazônia nos próximos anos, porque a Amazônia agora vai sofrer problemas seriíssimos. Antes da gente conseguir ter um panorama mais positivo da Amazônia, a gente vai ter crises, depois de crises, depois de crises, porque a gente está enfrentando justamente essa dimensão da fronteira, a incapacidade do governo e dos agentes sociais de ter uma resposta mais efetiva. E eu acredito que é quase que inevitável que a gente vá ver uma capacidade de reação maior, e eu diria mais efetiva para a Amazônia, porque a dinâmica de formação de fronteira é sempre a mesma. A gente não consegue ter como sociedade uma influencia efetiva na ordenação de uma paisagem, antes que a fronteira passe, antes que o turbilhão Tsunami atrapalhe tudo, porque à medida que a fronteira avança, você começa a ter um pouco mais de ordenamento, as instituições começam a se consolidar, o Ministério Publico cria um escritório, a estrutura do governo começa a ficar um pouco melhor, e aí essas coisas começam a se ajeitar. Mas na mentalidade da fronteira, você não consegue fazer muita coisa. Então isso foi só uma digressão para falar que a gente vai conseguir construir a Mata Atlântica agora em uma outra direção, ao fato que a Amazônia vai viver uma parte muito mais negativa nos próximos dez, 15 anos.

P/2 – Voltando só um pouquinho, na época que a SOS Mata Atlântica foi criada, em 1987, você teve conhecimento da fundação nesse momento do nascimento? Você já tinha contato com as pessoas que vieram a atuar na Fundação anteriormente a criação dela própria? Fala um pouquinho sobre isso.

R – Eu lembro da cerimônia de fundação da SOS. Eu conhecia bem pelo menos duas pessoas que foram chave na criação da SOS, que foi o Fabio Feldmann e o José Pedro. Posteriormente, gente como o Capobianco, eu conheci nesse movimento ambientalista ligado a Mata Atlântica. Mas eu tive, nesse período, fora essa inserção que eu tive através Conservação Internacional que veio posteriormente a isso, naquele momento, menos contato. Era uma coisa muito mais... Eu diria paulista, do que regionalista. Acho que talvez até hoje seja uma organização [mais] paulista do que regional, eram pessoas essencialmente daqui, e era um grupo que já se conhecia, um grupo que vinha de trabalhos anteriores, eu era meio externo a isso, então eu não participei muito dessa discussão.

P/2 – Mas foi uma notícia que reverberou não só localmente, a criação da Fundação?

R – Eu acho que ela teve, claro, um significado nacional, mas, de fato, ela permaneceu muito nesse âmbito restrito por algum tempo, eu acho, os projetos eram mais paulistas. Para conseguir chegar a ter uma atuação nacional, eu acho que teve que chegar quase que até a Eco-92. Eu lembro exatamente, talvez um divisor de águas aí tenha sido a criação da Rede de ONGs da Mata Atlântica e a SOS teve uma participação muito central através do Capobianco. Eu lembro da assembleia de criação da Rede de ONGs da Mata Atlântica, foi em uma daquelas tendas durante a Eco-92, do Fórum Global, no Aterro do Flamengo. E, como sempre, aquelas ONGs brigando, “quem é que vai fazer isso?”, “quem é que está conspirando para ser o diretório executivo?” Eu lembro exatamente daquele movimento que juntou pela primeira vez ONGs que eram minúsculas, que eram do Pernambuco, Alagoas e com outras que eram mais fortes, do Rio de Janeiro, de Minas, em uma visão mais regional ou mais abrangente da Mata Atlântica. E a SOS tinha já um avanço maior, uma capacidade maior de atuar no espaço político, no espaço de mídia, e acabou por abrigar a gerência da Rede. A Rede eu acho que influenciou a SOS, inclusive, a se forçar a pensar mais fora dessa casca do estado.

P/2 – E a sua ligação com a SOS sempre foi através da Conservação? Você não fez parte da Fundação SOS diretamente, sempre foi como parceiro, não é?

R – Foi sempre como parceiro, e depois, justamente como eu disse, através da construção da Aliança com a SOS, que é um programa institucional, é mais que uma parceria, mais que uma interação, é um programa que é um pedaço da Fundação que é um pedaço da Conservação Internacional, que, nesse caso, há uma inserção bem mais central. Mas eu nunca participei de conselho.

P/2 – E sobre a Aliança? Você falou, mas você podia falar um pouquinho mais pormenorizado sobre como se deu essa criação e quais foram os principais projetos iniciais que vocês deram andamento?

R- A gente trabalhou com “n” ideias, quer dizer, teve mais ideias do que, no final, a gente conseguiu concretizar. Acho que a nossa ambição era potencializar mutuamente as nossas vantagens comparativas. A SOS tinha e ainda tem uma capacidade instalada de realizar campanhas, de mobilizar mídias, de fazer barulho com relação a determinados eventos ou dados e coisas do gênero. E a Conservação Internacional é uma organização mais científica, que tem a capacidade de gerar os dados que vão ser os formadores de eventos, formadores de fatos, que podem ser mobilizados em termos de campanha. Então isso foi uma das áreas que a gente trabalhou muito, e a gente tem um programa de espécies ameaçadas que trabalha muito essa questão. A outra foi a parte de trabalhar com proprietários particulares. A Mata Atlântica, hoje em dia, o que sobrou que ainda precisa ser protegido, está na mão de particulares. Então o instrumento de Reservas Privadas do Patrimônio Natural, as RPPNs, é um instrumento muito efetivo, e esse foi um programa bem privilegiado, e foi financiado hoje com recursos bastante consideráveis. E são varias dezenas de RPPNs que ou foram criadas, ou que estão sendo fortalecidas através dessa parceria, com investimentos sérios. Teve um trabalho também de conscientização e produção de material didático, de campanhas em estradas. Também trouxemos a SOS para o âmbito da Conservação Internacional nos Estados Unidos. O Roberto esteve em várias reuniões do nosso conselho, ele apresentou a SOS, então houve uma possibilidade de abrir mais a imagem da SOS em nível internacional que a gente pode e deve fazer. Mas ainda é um projeto jovem, ele acabou de completar cinco anos, eu acho que pela sua idade ele é extremamente bem sucedido, mais do eu esperava que fosse. Porque essas parcerias, elas necessitam de muito carinho e muita desconfiança, e de não olhar para as coisas que não funcionam, olhar mais pras coisas que funcionam, relevar às vezes desentendimentos. Então o pessoal teve essa capacidade de trabalhar esquecendo as dificuldades e focando nas coisas que estavam dando certo, e isso foi trabalho muito bom, eu acho, inclusive, que merece ser descrito como foi feito. Porque parcerias mal sucedidas entre ONGs de conservação nesse país, são quase regra, não é? E a SOS nunca foi uma organização muito fácil de trabalhar. Ela foi sempre liderada por personalidades muito fortes, por pessoas que têm um ego muito grande e que têm uma opinião muito forte a respeito de quase tudo, e tanto na presidência quanto no conselho, tendem a divergir frequentemente. Inclusive, essa aliança, foi debatida “n” vezes no conselho “por que isso, por que aquilo, qual a motivação? Quem está ganhando, quem está perdendo?” O Roberto teve a persistência de levar aquilo pra frente, e foi surpreendente o resultado. Hoje eu estou afastado do dia a dia, da dinâmica das ideias que nesse momento estão encubadas, mas eles estão sempre muito animados e muito cheios de ideias. Eu acho que está indo pra frente.

P/2 – E das campanhas que a SOS desenvolveu ao longo desses 18 anos, tem alguma que tenha te marcado de maneira especial ou alguma que você se lembre por algum motivo específico?

R- Acho que não tem dúvida que a mais importante – e é a recorrente –, é exatamente a do monitoramento do desmatamento. Acho que é um trabalho que a Márcia Hirota tem feito com isso, e é exemplar. Ela é sempre geradora de notícias, mas ela gera não só noticia, gera ação. Toda vez que vai haver um anúncio dos últimos dados de desmatamento da Mata Atlântica, quais são os municípios, qual é o estado, eu lembro exatamente do lançamento disso no estado do Rio de Janeiro há alguns anos, talvez dois ou três anos atrás. O estado estava um caos, e foi o campeão do desmatamento da Mata Atlântica, e resultou realmente na mudança de gente de governo, teve um efeito bastante grande. Acho que, se eu fosse isolar a contribuição maior da SOS nessa questão de influir em políticas de uso da terra e de chamar atenção, é o projeto da SOS com o INPE. Depois têm aqueles outros que são mais ligados à interação com o público em geral, como as campanhas nas rodovias, distribuição de mudas de plantas, de árvores. Isso tudo tem um efeito pontual bastante simpático, que as pessoas gostam, mas como não são sistemáticos, tendem a se diluir com o tempo. Mas, sem dúvida, a questão do monitoramento é fundamental, eu acho. Se a SOS não tivesse feito aquilo, ela seria muito mais vazia de conteúdo e muito menos efetiva do que foi.

P/2- E hoje, qual é a relação da SOS com a Conservação Internacional? Existem projetos em comum além da aliança? Como está o contato entre as duas instituições, atualmente?

R – A Aliança é o principal meio de a gente atuar com a SOS. Eu acho, então, que tem pouca coisa que gira externamente a isso, porque a gente resolveu que, na Mata Atlântica, vai atuar em conjunto com a SOS. Tudo o que a gente faz com a SOS é através da Aliança, não tem muito sentido a gente fazer isso fora desse contexto, inclusive através de outros mecanismos que a CI [Conservação Internacional] tem. Como eu disse, a gente tem três fundos financeiros ligados a investimentos em conservação na Conservation International, como um todo, a partir da nossa sede. Um é chamado Fundo Mundial para Conservação, Conservation Fund, que é destinado à criação de novas Unidades de Conservação. Isso começou com o capital inicial de 100 milhões de dólares. A gente já está mais ou menos na metade do gasto disso, mas em escala mundial. O segundo é um fundo menor, de micro crédito para produtores rurais ou para empresários que queiram trabalhar modelos alternativos de baixo impacto, como o ecoturismo, como sistemas agroflorestais e coisas do gênero. E por último, um fundo que é uma parceria da Conservação Internacional, Banco Mundial, Fundação MacArthur, governo do Japão e o Fundo Mundial do Meio Ambiente, GEF, administrado pela própria CI para, principalmente, ONGs em áreas de hotspots, e tem um investimento grande desse CEPF através da aliança em que a SOS é parceira grande, hoje em dia.

P/2- Dentro das suas funções no CI, você tem a possibilidade de conhecer lugares diversos, ambientalmente falando. Quais são os principais problemas ambientais, em sua opinião?

R – Problemas ambientais são... Permeiam a nossa vida de todas as maneiras. Mas o Conservation International é uma organização que tem como missão a conservação de biodiversidade. O que isso significa para nós? Significa concentrar esforços naqueles objetivos de conservação que vão resultar em um maior retorno possível, de evitar a extinção por unidade de recursos que a gente possa conseguir direcionar. Isso significa duas coisas, em primeiro lugar, olhar em escala mundial onde se concentram maior número de espécies; em segundo lugar, o que a gente chamaria de insubstituíveis, espécies que só ocorrem naquele lugar, se forem perdidas ali, serão perdidas mundialmente. Isso é outra coisa interessante também de se observar, de ressaltar, é que a nossa organização busca objetivos globais. Existem objetivos meritórios em todas as escalas, quer dizer, a gente tem, sei lá, uma casa e está interessado em conservar seu quintal, deixar ele bonito. Aquilo é um objetivo seu, mas não necessariamente é o objetivo do seu município ou do seu estado. A nossa missão é conservar coisas que vão desaparecer do mundo se a gente não trabalhar direito. E isso significa concentrar nesses hotspots de biodiversidades, que são altas concentrações de espécies endêmicas em ambientes que estão como a Mata Atlântica, em estado muito precário para perder a maior parte da sua cobertura natural. O outro lado dessa estratégia é concentrar no que a gente chama de grandes áreas naturais do mundo, que a gente chama de biodiversidade, que são essencialmente a Amazônia, a Bacia do Congo e Ilha de Nova Guiné. Esses lugares ainda não são hotspots, mas estão passando por um processo, como por exemplo, o Sul da Amazônia, de “hotspotização”, digamos assim, rápido. Quer dizer, essas áreas, se a gente não atuar agora, elas vão se tornar Mata Atlântica, vão se tornar Cerrado, vão se tornar Madagascar em pouco tempo. E aí o esforço necessário para reverter esse processo vai ser muito maior do que se a gente agir agora. Quanto mais cedo a gente conseguir reverter esse processo, mais barato e mais eficiente vai ser o resultado. Então a gente tem essas duas áreas de atuação, nas áreas sem riqueza e áreas muito ricas, ainda não ameaçadas. Por que a gente considera, nos problemas ambientas, que concentrar em biodiversidade é mais importante? Talvez não seja o mais importante como o nosso futuro do planeta daqui a, digamos, 100 anos. Talvez não seja tão relevante para as nossas próprias vidas hoje do que o que a gente já vai passar com essa mudança climática daqui a 100 anos se a gente não fizer nada hoje. Mas é o único problema ambiental no mundo que é irreversível, se a gente deixar, se a gente abdicar de agir agora que a gente tem as condições, sabe que o problema existe... A gente pode, ainda, agir. A gente sabe aonde é que estão acontecendo esses problemas, a gente vai abdicar de conviver como uma sociedade planetária, dos nossos filhos e netos conviverem com essa mesma riqueza biológica, de aproveitar dessa mesma riqueza biológica que agente conseguiu experimentar? Então esse é o problema, hoje, ambiental mais sério, porque ele só vai acontecer agora. Quer dizer, é um problema que tem começo e tem fim, porque nos próximos 50 anos a gente vai ver isso. Felizmente, está havendo uma conscientização internacional de que esse problema é um problema sério. Foi feito um acordo dentro do âmbito da cúpula de Johanesburgo, dos governos que estavam lá, 180 países de comprometerem-se a reduzir – na linguagem oficial –, reduzirem significativamente a perda de biodiversidade terrestre até 2010 e marinha até 2012. Isso também foi ligado a um comprometimento da Convenção de Biodiversidade, de criar um programa de Unidade de Conservação agressivo de áreas protegidas, também até 2010, e aproveitar esse sistema até 2010, 2012 para as áreas marinhas. Isso foi feito um compromisso em setembro de 2004. Finalmente, depois de 12 anos, a Convenção de Biodiversidade resolveu fazer alguma coisa sobre Unidades de Conservação. Unidades de Conservação é um instrumento mais efetivo para lidar com esse problema. Então, grande parte da resposta que a gente tem para problemas de crise de biodiversidade, são as Unidades de Conservação em diversas categorias, mas são áreas protegidas. Vai ser interessante ver daqui a pouquinho, mais de um ano, o Brasil sediar a reunião da Convenção de Biodiversidade, em maio de 2006. O Brasil foi o pai e a mãe da Convenção de Biodiversidade, e se sente um pouco daquilo... Vai querer fazer um show bem interessante. Então está na hora da gente, da SOS, por exemplo, começar a pensar em como vai levar a questão da Mata Atlântica ou como, talvez, utilizar essa visão de um futuro mais próspero para esse ecossistema para ser mostrado no cenário internacional como exemplo. Eu acho que esse é o problema maior, é o problema de curto prazo, e por isso ele é prioritário, porque tem um começo e fim que a gente pode ver. Agora, a gente tem que dar sustentabilidade para esses investimentos. Se você só conservar uma Unidade de Conservação na Serra do Mar, que seja totalmente circundada por um ambiente degradado, as áreas vão se degradar por dinâmica ecológica própria, elas tendem a implodir, como a gente chama, esses fragmentos. As árvores que estão externas começam a ressecar, sopra o vento, insolação, e tendem a diminuir as bordas, eventualmente diminuir a própria efetividade dessa Unidade de Conservação. Você tem que ter também um sistema mais apropriado externo, as zonas tampão. Essas zonas tampão, por sua vez, interagem com o espaço dominado pelo homem, porque a gente precisa fazer o que a gente precisa fazer, como agricultura, como domicílios, como água, e assim por diante. Esses são os aspectos de sustentabilidade que precisam ser trabalhados. Obviamente em longo prazo, mas também as bases precisam ser lançadas agora. Eu acho que a Mata Atlântica está em um momento muito interessante para trabalhar as duas coisas juntas. Boa parte das áreas que devem ser conservadas – porque são insubstituíveis –, que precisam de Unidades de Conservação, ou já foram conservadas ou já foram identificadas. Então resta alguma coisa a ser feita, mas estas lacunas vão ser gradativamente preenchidas sem muito problema. O que precisa fazer agora é o seguinte: como é que a gente vai conseguir ter suprimento de água decente para essas megacidades que a gente construiu? Como é que a gente vai ter possibilidade de qualidade do ar que vai ser suficiente para as nossas demandas? Como a gente vai conseguir educar essas crianças dentro de um sistema educativo que vai gerar uma próxima geração de profissionais que tenham mercado dentro de um modelo de desenvolvimento que seja menos predatório? Então essas são as grandes perguntas de sustentabilidade que são dadas a partir de um contexto onde as prioridades mais imediatas já foram trabalhadas. Então acho que a gente tem esse espaço. Hoje em dia, a gente não tem como falar em conservação, em recursos aquáticos na Amazônia. Tem muita gente que fala que a Amazônia é muito importante porque tem 80% de toda a água do mundo, que toda a água do mundo está na Amazônia. Mas e daí? É aquela coisa, a gente, como espécie humana, o nosso sistema econômico funciona como em oferta e demanda. As coisas quase nunca são valorizadas, a não ser que elas estejam em um gargalo muito grande de oferta e demanda. E é claro que a gente tem que entender isso, tentar reverter, porque nenhuma sociedade vai ser sustentável se não entender que o objetivo de curto prazo deve ser domado. Só que a gente nunca vai conseguir domar 100% disso. O Eddie Wilson, que é um dos maiores pensadores, um dos maiores biólogos que já existiram depois do Darwin, foi o melhor, ele ainda está vivo, e foi do nosso conselho, está com 70 e poucos anos, provavelmente ainda fantástico. Ele diz uma coisa muito interessante: “Grande parte da nossa evolução biológica como espécie, se deu em um contexto absolutamente diferente do que a gente vive hoje. Então a nossa mente é paleolítica, é uma mente que foi selecionada para pensar em curto prazo, pra gente viver até os 20, 22 anos. Foi uma coisa de, no máximo possível, reprodução e morte, porque era aquilo que era. A ideia de se viver 40, 50 anos, 60, 70 e agora 100 anos, é absolutamente ridícula do ponto de vista evolutivo de pressão seletiva. Então a gente tem uma mente paleolítica, as nossas instituições são medievais e a nossa tecnologia é divina, é uma combinação explosiva. A gente consegue transformar com essa tecnologia, coisas assim. O nosso impacto é enorme, o impacto antes era muito pequeno, mas a nossa mente é de curto prazo”. Então é uma combinação tipo a soja entrando na Amazônia. Aquilo ali é uma mente paleolítica do André Maggi da vida, com uma tecnologia divina, soja que cresce até em cabeça de careca, e com umas instituições medievais que não conseguem dominar aquele processo, não conseguem disciplinar aquele processo. Então, o que a gente precisa aprender, é como chegar e olhar a Amazônia antecipadamente, olhar cenários que são reais, mas que ainda não foram concretizados, pra gente agir agora. A gente sabe, a gente tem instrumentos que conseguem modelar, hoje em dia, o que vai acontecer em uma região se uma estrada for aberta, a gente sabe exatamente o que vai acontecer. Exatamente não, a gente tem boas ideias, a gente sabe disciplinar esse processo, gerar cenários e agir em cima desses cenários, antes mesmo que eles se descortinem. Eu não sei se eu respondi a sua pergunta também, e não sei mais do que eu estava falando.

P/1- Está ótimo! (risos)

P/2 – E Gustavo você acompanhou boa parte da História da SOS Mata Atlântica. Fazendo um balanço desses 18 anos [o que você] tira da Fundação?

R – Ela conseguiu de tornar a Organização Não Governamental ambientalista mais efetiva do Brasil. Eu acho que ela tem uma historia, uma combinação de coisas que a fizeram ter impacto muito grande. Acho que tem umas organizações que são muito fortes na área técnica e científica, na área de políticas. Às vezes a gente tende a criar ONGs que se tornam técnica demais, quase como se fossem departamentos acadêmicos de uma universidade, e meio que sai daquele papel que eu acho que elas têm de estarem servindo como interface com a sociedade, de estarem sempre levando assuntos novos à discussão. Eu acho que isso a SOS fez muito bem, e conseguiu fazer parcerias com cientistas, com organismos como o INPE para buscar esses dados, para trazer essas informações e mobilizar essa consciência. Eu acho que ela foi bastante efetiva, e pode, ainda, ser muito mais e, voltando ao que eu estou insistindo aqui nessa entrevista, de ser a porta voz de um problema que tem solução. Eu acho, inclusive, que seja provocativo, acho que a Mata Atlântica não está mais no estado do SOS, ela tem que sair da UTI, e talvez colocar as pessoas do conselho que têm uma cabeça boa, publicitários e tal, e dar um nome diferente para essa organização. Eu acho que a gente não [tem] mais que estar na UTI, tem é que fazer que a Mata Atlântica tenha uma visão muito mais inspiradora, muito mais emblemática da solução do problema do que o “SOS”. Mas isso é outra coisa.

P/2 – Pegando o gancho dessa sua última frase, onde você gostaria que a SOS estivesse daqui a dez anos? Como você gostaria de enxergar a Fundação daqui a dez anos?

R – Eu acho que a gente tem sempre que buscar fortalecer aquilo em que a gente é bom. Acho que ela é boa nessa questão de gerar consciência e de mobilizar ação política e ação pública. Se ela continuar fazendo isso e tecer essas parcerias... Como eu falei anteriormente, acho que um divisor de águas foi, realmente, a criação da Rede de ONGs da Mata Atlântica, porque a SOS teve uma penetração maior e uma maneira de sair desse espaço. Não é só culpa da SOS, se você está localizado em um determinado lugar, tende a ficar um pouco mais provinciano do que você deveria. Então, com ampliação disso, com essas alianças, se a SOS continuar a desenvolver e fortalecer essas alianças em relação às outras organizações e criar uma agenda propositiva para a Mata Atlântica do futuro, eu acho que seria a maior contribuição que ela poderia dar ao longo desses próximos dez anos. Décadas são boas de a gente pensar em termos de futuro e inspirar o que pode, por exemplo, acontecer com o Cerrado, outro grande hotspot que está desaparecendo do Brasil e hoje em situação muito pior do que a Mata Atlântica. Então essa experiência deve ser replicada.

P/2- Gustavo, tem alguma que talvez nós não tenhamos lhe perguntado que talvez você gostaria de registrar nesse depoimento?

R – Não sei, acho que não (risos).

P/2 – Então Gustavo, para finalizar, [queria que você] dissesse qual é o peso que a questão ambiental tem na sua vida.

R – Ela é central. Como eu disse, desde que eu estava buscando fazer alguma coisa qual a minha vida, eu estava mexendo lateralmente com meio ambiente, desde criar revistinhas de meio ambiente... E parte da minha formação ética teve uma forte influência da ecologia, tanto é que aquela fase nossa de juventude, de movimento universitário, movimento estudantil, eu fui sócio fundador do PT [Partido dos Trabalhadores], debitava em conta corrente. Eu nunca consegui que o PT aceitasse uma agenda ambiental forte nos núcleos que eu participei de fundação do partido em Brasília, e acabei saindo daquilo, porque vi que não estava indo a lugar nenhum dentro dessa agenda. Então sempre foi central para a minha vida essa visão, e acho que ela é a visão que vai fazer, eventualmente, que a gente consiga sobrevive como espécie nesse planeta de uma maneira decente, ou viver como espécie de uma maneira muito pouco decente. Eu acho que uma das tendências que a gente vê mundialmente nos próximos 50 anos a gente vai ter uma resposta pra essa pergunta, e as respostas vão ser muito polarizadas: ou vão ser umas respostas muito trágicas, ou vão ser coisas muito interessantes. Mas a gente vai ter que mudar um pouco a maneira, vai ter que controlar muito os nossos impulsos que, como eu falei antes, foram moldados para um ambiente muito diferente do que ele é hoje, foram moldados para uma população que era uma fração ínfima da população mundial hoje em dia. Então a gente tem que acabar percebendo que aquela proteção que a gente tem... Talvez nós, sentados aqui, temos a capacidade de comprar água mineral quando não se puder beber a água da torneira. Na realidade, o que a gente está fazendo nada mais é do que comprando o privilégio de ser o último a morrer de sede. Então, enquanto essa ideia – que é real – não ficar entranhada na cabeça das pessoas e a gente conseguir dominar... Eu não digo individualmente, mas institucionalmente, colocar um freio nessa forma que a gente tem de interagir com a base de recursos que a gente precisa ter para sobreviver, a coisa vai ser muito complicada. Essa coisa de comprar o privilégio de ser o último a morrer de fome não é um modelo muito interessante para o futuro.

P/2- Gustavo, muito obrigado pelo seu depoimento, a SOS agradece a sua contribuição.

R – De nada, o prazer é meu!