Museu da Pessoa

Do Exército para a vida

autoria: Museu da Pessoa personagem: Kurt Forkert

Projeto Memória Votorantim - Nossa gente faz história
Depoimento de Kurt Forkert
Entrevistada por Judith Zuquim e Giselle Ellen
São Paulo, 03 de março de 2005
Realização Museu da Pessoa
Depoimento MV_HV032
Transcrito por Susy Ramos
Revisado por Teresa de Carvalho Magalhães

P/1 – Então, senhor Kurt, para a gente começar, o seu nome completo, local e data de nascimento.

R – Kurt Forkert, _________ no estado de Saxônia, Alemanha.

P/1 – Que região, que lugar da Alemanha?

R – É mais ou menos de seis quilômetros da fronteira com a República Tcheca.

P/1 – É uma cidade? Como é essa cidade?

R – É a fronteira com a República Tcheca. É montanhosa, então lá tem cidadezinhas encravadas naqueles vários fundos, então até existia, na época, mineração de ferro. Ali tem águas de, banhados de águas que nascem da rocha, ali formou, como se chama em português? Um balneário de, como Poços de Caldas, vamos dizer.

P/1 – O senhor passou a sua infância nessa cidade?

R – É, passei ali.

P/1 – E o seu pai fazia o que?

R – O pai era fazendeiro, um fazendeiro. Ali aconteceu justamente como eu já disse, naquelas montanhas aconteceu uma catástrofe horrível em 1927, sete de julho, quando eu tinha sete anos. Ali a cidade de mais ou menos 3500 habitantes foi completamente arrasada, morreram mais ou menos 120 pessoas. Eu tinha sete anos, meus irmãos mais novos, nós fomos todos levados, tirados, tinha perigo de doenças porque ali matou tudo, bichos, tudo. As crianças normalmente ali, como também as lojas, foram inundadas. De manhã estavam as caixas de chocolate, tudo ali, as crianças, nós fomos lá, até um grande perigo de epidemias, então as crianças foram deslocadas para a capital. As famílias ricas, ficamos mais ou menos uns três, quatro meses, mais ainda. Para voltar depois para nossa cidade.

P/1 – Nessa época o senhor não estudava ainda?

R – Não, não estudava. Eu comecei na escola, no primário, em 1926, então, depois de 1933 até 1938 eu fiz um estágio no escritório da minha profissão: topografia. Fui chamado em 1939, logo no início da guerra, para servir na Força Aérea.

P/1 – Vamos voltar um pouquinho. Como o senhor entrou nessa área de topografia?

R – Justamente, o pai tinha conhecimento de um engenheiro agrimensor, na cidade, mais ou menos uns 11 quilômetros distantes da minha cidadezinha. Aqui entrei no escritório dele para fazer um tipo de estágio para me preparar na minha profissão, que nem hoje. Quando acabaram os quatro anos de estágio começou a guerra, fui chamado para servir no Exército, na Força Aérea, mas no início, naturalmente, fiz tudo o que os soldados tinham que fazer, tinham que ensinar, dar o tiro, ninguém sabia de nada, ali começou. Primeiro foi nessa cidade, Hanover, depois foi na Ilha de Tci, no norte da Alemanha, depois foi na Grécia. Na Grécia peguei um tifo, ali fiquei mais ou menos um mês no hospital, fiquei com 45 quilos, aí voltei para a Alemanha, foi em 1941. O problema lá era que se você passa naquele Exército mais de um mês no hospital, tinha direito de fazer a recuperação na Alemanha, de duas semanas, ou três semanas. Então me mandaram para lá, para a Alemanha, ali eu tive muita sorte, tinha um tio meu que trabalhava no Quartel General da Força Aérea, então ele falou com o chefão de topografia, este chefão foi muito bonzinho, disse: “Olha aqui, eu preciso muito de você na topografia, mas acontece que se eu chamo você agora, daqui a duas semanas vamos para a Rússia. Me parece que o seu estado, depois de mais de um mês no hospital, e quase morrendo de tifo, acho que não é muito bom para você. Você vai ficar aqui, eu vou falar com meu sucessor, ele vai chamar você.”. E aconteceu, acabou a guerra para mim, então eu comecei a me formar dentro da Força Aérea, da engenharia. Eu fiquei até o fim na engenharia de agrimensura. Esse Quartel General da Força Aérea ficou na capital da cidade de Dresden. Quando houve aquele ataque de 13 de fevereiro de 1945, quando foi destruída toda a cidade histórica daquela cidade, eu estava lá ainda, eu vi, ainda ajudei a queimar as montanhas de mortos ali, tudo queimado, e as bombas de fósforos que jogavam na cidade. Até na minha casa, que tem um quadro da catedral da cidade de Dresden, que foi completamente destruída, caiu tudo, agora, por coincidência, depois de 60 anos, esta capital está sendo inaugurada, mês de julho agora, demorou 60 anos. Até os ingleses, eu vi, já fui lá, doaram uma cruz de ouro de 5,5 metros de altura que está colocada em cima. Houve também esta ajuda no ano passado quando foi levantado um guindaste para levantar a cúpula, que foi trabalhada embaixo, enorme cúpula, foi levantada 100 metros de altura com o guindaste, colocada em cima da.... Hoje, comparando com a igreja antiga que tem na minha sala a foto, a igreja antiga, eles fizeram um serviço fantástico! Todas as pedras caíram no chão, ruínas, foram todas catalogadas, numeradas, usaram, todo esse negócio foi feito com base, foi tudo feito aí.

P/1 – E o senhor, então, chegou a fazer algum curso técnico?

R – Técnico dentro do Exército. Tem documento aqui que eu fui formado no Exército.

P/1 – E o senhor lembra dessa época em que o senhor viajou, foi até a Grécia? O que o senhor fazia, como era a vida de um jovem...

R – Isso tudo ali não tinha nada de... Eles colocavam nós dentro do trem, levavam-nos para a Grécia, então na Grécia para ir ao campo de aviação, na cidade de Atenas, é uma cidade que chama Canamaq, então nós fomos. Eu peguei esse tifo, me parece que a comida sem lavar muito, uvas, lá tem muita uva, peguei um tifo horrível. Na minha sala, me lembro ainda, todos meus colegas, mais de 30 anos de idade, não aguentaram, morreram tudo. Na primeira vez morreram 30 pessoas na minha sala, mas eu tinha na época só 21 anos, então eu consegui sobreviver.

P/1 – E a sua família, durante a guerra, onde eles ficaram?

R – Minha família ficou lá na cidade onde eu nasci. Depois, quando a guerra acabou, praticamente eu podia ainda, tinha sorte ainda porque, como já disse, esse ataque à cidade de Dresden, onde foi destruída toda essa cidade histórica, então, como estive lá, fui chamado pelo comandante geral para fazer uma viagem para o Mar do Norte, onde a Siemens tinha preparado uns aparelhos que garantiam acertar um alvo de até 90% de precisão, me mandaram fazer um teste. Eu fui lá, foi também em fevereiro de 1945, então cheguei à noite lá, fui obrigado a testar 23 vezes, super secreto. Finalmente cheguei no chefão, ele disse para mim: “Venha aqui!”, ele me pegou: “Olha lá embaixo pela janela.”, olhei ali, tal, soldados escavando buracos: “O que estão fazendo ali?”, “Eles estão se preparando porque os russos vão chegar já, já. E você pode esquecer de fazer testes aqui, você pode voltar hoje mesmo.”. Eu voltei, voltei à minha unidade, onde estava ali com engenheiro, e quando cheguei à noite eles já tinham preparado todos os aparelhos topográficos, tudo em cima de caminhão para fugir dos americanos. Ali estava avançando os americanos, então nós montamos naqueles caminhões, nosso chefão era perinence, ele disse: “Camaradas, nós vamos agora Perin, vamos ajudar a defender a nossa capital.”. Passamos a noite, passamos as ruínas da, não chegamos mais do que em um bosque enorme onde estava o acampamento da fábrica Junkas, é aquela de aviação, eles tinham um acampamento, mas abandonado, já fugindo também. Nós ocupamos esse acampamento e ficamos lá dentro todo mundo; quando tentamos sair, os ingleses já tomaram conta de todas as estradas; saindo do bosque já veio um speed fire para vigiar as estradas. Não tem mais jeito de escapar, então nós aguentamos ali mais ou menos duas ou três semanas, então o chefão: “Olha aqui, está acabando a comida. O que vamos fazer? Precisamos uns três voluntários para arrumar comida.”. Ao contrário do meu pai que já tinha dito para mim: “Filho, se você entrar agora naquele Exército, você nunca faz negócio voluntário.”, mas eu percebi que minha única chance de escapar de um final horrível, eu levantei a mão, mais dois camaradas também foram escolhidos, eles nos deram três bicicletas para voltar naquela cidade onde saímos, mas já com os perigos: de bicicleta na estrada, com os aviões! Graças a Deus tinha um camarada que tinha 54 anos, ele ficou com medo, cada vez quando chegavam ingleses, ele jogava a bicicleta e correu para se esconder em um bosque de 100 ou 200 metros do lado, mas nós, dois moços ali, ficamos embaixo de árvores. Paramos com as bicicletas, eles não viram. Chegamos finalmente, via L tem uma “coroa” de 200 metros, para chegar do outro lado; ali tem oficial dos pioneiros encarregado de detonar o barco, porque estavam chegando lá os americanos. Nós chegamos lá: “Pára aí, não estoura não!”, “Não, vocês não podem entrar mais ali! Os americanos estão chegando!”, “Justamente por isto nós fomos indicados para destruir documentos secretos.”, “Ah, sim. Entra ali!”, entramos. Essa foi a última viagem, nós fomos naquela cidade onde entraram à noite os americanos. Eu com meu colega, nós entramos na mesma casa, onde já morávamos, embora foram todos soldados, mas fomos alojados, naquela época, em casas particulares. Essa casa, onde morava, era enfermeira, então a enfermeira, logo quando nós entramos, ele pegou um lençol de cama, colocou uma cruz vermelha em cima, pendurou na frente da casa. Nós olhamos pelas janelas, os americanos chegaram, entraram em todas as casas, pegaram muita gente também. Essa casa de bandeira, com a cruz azul, não entraram. Primeira coisa que fiz, eu tinha 21 anos, eu queimei meu uniforme, a arma, coloquei um papel de plástico, lá tinha um closet aquele antigo, de madeira, então preguei embaixo da privada. Talvez essa casa tem hoje ainda, talvez esteja lá hoje ainda. Arrumou uma calça curta porque com 20 anos, peguei meu passaporte, passaporte não tinha porque eles tinham já, nós jogamos fora, mas eu precisei correr uma carteira do banco onde constavam meus dados pessoais. Como nasci em 1920, falsifiquei o zero em oito, pensei: “Vão verificar alguma coisa, vão perceber que estou com 17 anos.”. De fato me ajudou muito depois, nós ficamos naquela casa, mais ou menos no início de maio de 1945, o companheiro de 50 anos deixou crescer a barba para parecer mais velho, eu fiz barba muito bem para ficar mais novo, ele disse: “Tenho que tentar chegar na casa da minha família.”. A família dele morava em Bamberg, na Bavária, mais ou menos uns 300 quilômetros. Nós pegamos bicicleta, fomos já pelos americanos, soldados americanos, desviando, desviando, e cheguei na periferia da cidade dele, na parte de Bamberg, disse: “Agora vou deixar você, você já conhece melhor essa cidade do que eu.”. Deixei ele ali, eu voltei para chegar na minha terra. Minha terra, era Bavária ainda, eu vou para a Saxônia. Quando andei na autoban, que chama-se autoban que vai de Bavária para Saxônia, eu vi na minha frente um outro rapaz, com chapéu de palha, eu pedalei para encontrar com ele, ele perguntou: “Aonde você vai?”, “Eu vou para casa agora”, “Você está louco, não pode! Ali é guerra ainda, se a SS pega você, você fica pendurado na mesma hora, não pode! Vai na minha casa, eu moro aqui.”, eu aceitei, nós fomos juntos com a bicicleta procurar a casa dele que estava perto da fronteira da Bavária. Ali chegamos à noite, passamos dentro de um posto de artilharia dos americanos, os americanos: “Puxa vida!”, quiseram cortar os pneus das nossas bicicletas. Chegou o oficial ali, o comandante, disse: “Essas bicicletas vocês pegam, têm que colocar aqui no depósito da prefeitura e depois da guerra vocês podem pegar de volta.”, nós deixamos ali, andamos à pé. Vem aquele negócio, quando andamos à pé, chega um viaduto enorme ali, tem um sentinela no início, um americano, e no fim também! Aquele primeiro nos deixou passar, o último pediu documentos. Mostrei documentos, nasci em 1928, então expliquei para ele: “Estou aqui, o Hitler me pegou ali, e já faz cinco anos que não vejo minha mãe.”, “Vocês têm que ficar aqui esperando comigo até três horas da tarde. Às três horas vai chegar o sargento que vai controlar os sentinelas.”, então sentamos embaixo do viaduto e conversamos com esse soldado americano, que era, eu me lembro ainda, de Kentucky. Foi das 10 horas da manhã até às três horas, ficamos mais ou menos familiarizados com ele ali. Ele contou negócio dos filhos no Kentucky, nós contamos a nossa história ali, pontualmente três horas chegou o jipe com aquele oficial que estava controlando os sentinelas. Mandou entrar no jipe, das janelas das casas, a mulherada: “Coitados, pegaram mais dois.”, nós fomos embora no jipe. Fomos até o comando dos americanos, nós ficamos lá embaixo, no jipe, com o motorista, o outro rapaz entrou no comando, mais ou menos uns 20 minutos voltou, pegou o jipe, nos levou 30 quilômetros para a frente, nos soltou: “Agora estão livres!”. Esse praticamente foi o fim da guerra, uma tremenda sorte! Depois eu voltei para minha cidadezinha e me casei, me casei em 1945, em 8 de setembro. Justamente na cidadezinha onde fui, os russos combinaram na Conferência de Jarda(?), na época, com Stálin, que os russos vão pegar o estado da Saxônia e os americanos vão parar na fronteira com o estado da Bavária, mas nós, neste momento, fomos uns 30 quilômetros dentro da Saxônia juntamente com os russos. Pensamos: “Agora tem que arrumar jeito para fugir aqui.”, os russos, aqui não demorou também não; à noite bateram na porta, eu abri, foram uns três, quatro russos, eles perguntaram: “O Vienense está aqui?”, eu pensei, porque o meu colega que me levou, o nome dele era, o nome de Áustria, ele chama Ystva, mas para russo falar Ystva é complicado, então eles, Viena, eles perguntaram pelo Vienense. Ele ouviu que falei com os russos, chegou ali, aconteceu que os russos foram soltos por ele, o meu colega foi destacado para tomar conta dos russos presos no último tempo da guerra; ele tinha tratado muito bem os russos então eles souberam que ele voltou e visitaram ele. Quando eles viram ele: “Vamos ser amigos.”,

“Vai lá com o outro, vamos comer bem, beber bem!”, nos levaram, os dois, para onde os russos acamparam. Os russos tinham matado um boi, parece da velha romana: touro em cima da mesa, um boi de carne cozida, eles comendo com as mãos, com copo de água, de vodka, então nós fomos obrigados a acompanhar eles ali, mas percebemos também, como eles bebem muito e nós podíamos ficar bêbados, então demos um jeito para sair logo. Falamos com eles, eles fizeram presente para nós, o colega ganhou uma capa de um oficial do exército do Hitler e eu ganhei outra coisa. Nós fomos para casa, e disse: “Agora o que vamos fazer para fugir deles?”, “Nós já temos meia dúzia de sacos de feijão, de arroz, podemos organizá-los ali para levar todo esse mantimento para o lugar dos americanos, é difícil, precisamos carregar.”, então chamamos os outros, os russos. “Precisamos de um carrinho.”, “Ah, amigos, nós vamos roubar dos seus patrícios um carro.”. De fato, chegaram à noite, no escuro chega um carro roubado, entregaram esse carro para nós, eles não souberam, obviamente, que vamos usar para fugir. Carregamos todos os sacos de mantimentos que tinha, fomos embora. Quando nós chegamos perto da fronteira com os americanos, chegou um caminhão do exército nosso, tudo cheio de coisas lá em cima, entre outras coisas, dois cofres pesados. O motorista e o oficial de nosso Exército, ele nos parou: “Vocês não podem indicar para nós como nós chegamos na região dos americanos?”, meu colega morava na região, ele conhecia bem a região: “Eu sei como. Você sozinho não vai achar não, mas eu só mostro o caminho para vocês se você concordar dividir tudo que está em cima do caminhão.”, quando chegamos lá, os americanos: “Não, não tem problema nenhum!”. Fomos lá, conseguimos chegar nos americanos, primeira coisa abrimos esses cofres, dividimos, me parece, uns 60 mil marcos, foi muito dinheiro naquela época. Pensamos, agora acabou mesmo a guerra. Nós começamos, na mesma hora a pensar o que íamos fazer. Atualmente, naquela região, na fronteira Bavária/Saxônia tinha muita indústria de lingerie, os depósitos estavam cheios de roupa de mulher, mas faltava comida. Nós pegamos nosso dinheiro ali para viajar para Bavária, um estado que tem muita agronomia, aí compramos batatinhas, manteiga; voltamos, trocamos esses mantimentos em troca de roupa fina de mulher. Essas roupas que as mulheres já nem sabiam mais que existem, essas roupas de seda, com essas roupas conseguimos fazer todos os negócios aqui. Nesta região percebemos que não tem chance de, pensamos: “Vamos fazer uma viagem para a Bavária.”, mas naquela época estava tudo restringido, não pode viajar, somente durante o dia, mas nós pegamos um trem de carga e fomos até a Bavária. Quando chegamos à noite lá, os americanos tinham imposto que todo alemão deve desaparecer da rua até as 10h da noite. Chegamos, como vamos dormir agora? Nos adiantamos pelos campos, a turma da Bavária tem uma espécie de campo para guardar aqueles negócios de madeira para secar o capim, então negócio de madeira, seca o capim, depois tem uns ranchos, eles colocam lá dentro. Nós percebemos, cada fazendeiro tinha esse rancho, todos os ranchos estavam ocupados e todos eles, percebemos que tinham mulheres alemãs e americanos lá dentro, porque as mulheres foram lá infelizmente para ganhar mantimentos, então dormiam com os americanos, mas não achamos um rancho vazio. Finalmente achamos um, estava todo cheio dessa madeira, para dormir fomos obrigados a tirar esses negócios para fora, dormimos ali. De madrugada acordei, olhei lá fora, vi o fazendeiro chegando, ai, ai, ai, nós tentamos recolocar os negócios, mas não conseguimos. Eram esses ranchos pequenos e esses negócios de madeira para secar capim era tão complicado, não conseguimos recolocar lá dentro. O fazendeiro chegou, ele falou: “Eu tenho agora denunciar vocês no comando americano senão fico fuzilado se não entrego vocês.”. Agora conversamos. O meu colega era um químico, um professor da Universidade de Dresden, ele tinha uma fábrica de sabonete, tinha segurado alguns galões de óleo de rosas, ele carregava no bolso dele, e eu tinha uma mala de roupa fina. Nós conversamos mais ou menos uma hora, duas horas com esse fazendeiro para ele nos soltar. Eu com roupa de mulher, ele com negócio de perfume de rosa, conseguimos dobrar ele, então ele pegou o negócio, rapidamente andamos no bosque, subimos o morro para procurar algum lugar para arrumar negócio para comer, o meu colega tinha mais de 100 quilos, nas montanhas ali disse: “Veja bem, eu não aguento mais. Você vai fazer o seguinte, vou ficar aqui, tem um banco, tem até uma água, então você pode subir, talvez você vai encontrar algum anjo lá em cima para arrumar comida.”. Ele ficou sentado, eu subi mais meia hora, entrei em um pasto, enxerguei uma casa, a mulher, a dona do rancho já me viu, disse, quando entrei: “Meu senhor, infelizmente, tem muita gente fugitiva da guerra aqui, tem tanta gente, eu não tenho nada para dar de comer.”, “Mas, minha senhora, acredito que é difícil para muita gente agora aqui, mas tem coisas que a senhora faz tempo que não vê mais.”, abri a minha mala, quando viu os negócios de seda (risos), então pegou, ela me alimentou, deu tudo de linguiça, manteiga, queijo, leite. Quando acabei de comer, chamou os cinco filhos, colocou em fila, cada um: “Obrigado, senhor”, “Obrigado, senhor”, falei: “Minha senhora, tenho um colega que não aguentava subir até aqui, mas ele está esperando lá embaixo...”, ainda deu comida para ele, guardei para ele. Ele comeu também, nós praticamente escapamos dos americanos, senão todo mundo ficava preso na época. Agora começou a guerra com a Rússia, todo mundo: “A guerra acabou!”.

P/1 – Entendi!

R – Para nós acabou, todo mundo sabia, o resto foi. Ele já lutou, esse louco do Hitler, já lutou em qualquer lugar, ainda quando Rússia, estava, na mesma hora sabemos que não dava mais jeito.

P/1 – E depois? A gente precisa chegar no momento que o senhor decide chegar ao Brasil.

R – Então, como a gente foi instruído pela Força Aérea, fomos mais ou menos uns 20, 30 engenheiros, quando nós percebemos que a guerra estava perdida, este doido, esse Hitler vai fazer muita besteira ainda, então nós pensamos: “Nós temos que fugir daqui!”. Nós combinamos com os colegas que quem sair primeiro da Alemanha chama o outro. De fato ali não vi mais ninguém, todo mundo sumiu. Um colega, sem eu saber, ele conseguiu arrumar um serviço no Rio de Janeiro; ele viajou para o Rio de Janeiro, eu estava especializado em aerofotometria, ele foi para o Rio e me mandou um contrato, para a Alemanha comunista, de um emprego no Rio de Janeiro. Um contrato que ninguém conseguia ler porque era em português, eu aqui na Saxônia, quem vai falar português? Peguei o trem, viajei para a Universidade de Berlim para traduzir em alemão. Ali também não era possível de saber se o negócio para mim era interessante, o pagamento, porque não sabia quanto vale o cruzeiro, não sabia. Ele mencionou um salário em cruzeiro, eu não sabia se era muito, se era pouco. Eu não assinei o contrato, mas estava preparado para viajar para lá: “Mas como vou fazer agora? Tenho que fugir dos russos”, é um negócio muito complicado porque eles estabeleceram, os russos, uma faixa de três quilômetros entre os americanos, é a zona russa, de três quilômetros. Nesta faixa de três quilômetros na fronteira só podia entrar quem morava ali, mas para fugir tem que atravessar esta faixa. Encontrei um colega meu, ele disse: “Olha aqui, eu conheço um rapaz, ele estava junto comigo durante a guerra que mora lá naquela região. Você escreve para ele como se fosse você que conheceu, você escreve qualquer coisa para ele”. Eu escrevi uma carta para ele, como se fosse amigo dele, que vou visitar ele, mas não esperei peguei o trem e viajei para lá. Quando chegamos perto daqueles três quilômetros, todos os passageiros do trem olhavam para mim como fugitivo, fica comigo: “Você vai fugir?” “Não!”, porque eu fiz tudo para ninguém perceber que eu tenho a idéia de fugir, levei uma escova de dente e nada! O dinheiro, tinha costurado, escondido, então ele disse: “Aqui tem dois postos de russos muito rigorosos, se você anda aqui, eles vão perceber que você quer fugir.”, “Não, eu não quero fugir. Quero visitar um colega meu”. Eles perceberam que estava mentindo. Quando parou o trem ali, antes de chegar na zona, todo mundo já sabia, todo mundo saiu, tinha outros que também tentavam fugir, mas eles preferiram fugir à pé do que chegar dentro daquela zona com o trem, mas eu achei não, eu vou continuar mentindo. Fui lá, chegamos no fim da estação, todo mundo olha, dá uma fria. Peguei, fui andando para chegar na cidade, canseira, russos fizeram vistoria para ver se tinha alguma coisa, não acharam nada, mas sabendo que tem outra parada muito rigorosa, eles deixaram andar. Cheguei na segunda, ali tinha que tirar tudo: sapato, meia, e perguntaram: “Onde você vai?”, “Eu quero visitar um colega meu que serviu comigo durante a guerra...”, aí tive sorte. Eles pegaram o telefone, ligaram para a prefeitura, sabendo que eu menti. Não! “Ele mora ali, o homem mora ali”. A sorte minha foi que me soltaram, não mandaram ninguém comigo. Fui andando à pé, cheguei naquela casa deste chamado amigo, a mulher dele abriu e fez para mim: “O meu marido não está, está viajando”. Se tivessem mandado algum russo comigo! “Vamos fazer o seguinte, você vai no restaurante, espera até ficar escuro, ali vou mandar o meu filho de dez anos, ele vai mostrar o caminho”. Fui no restaurante esperar até ficar escuro, chegaram dois moleques de mais ou menos dez anos, dizem: “Nós vamos agora, o senhor fica aqui esperando, nós vamos lá embaixo na fronteira, no fim da cidade” – um córrego era a fronteira – “Nós vamos, ali, os postos dos russos estão vigiando a divisa. Nós vamos sondar quando os russos passam e quando eles passam sabemos que vai demorar mais ou menos uma hora para voltar, então nós voltamos, pegamos o senhor, depois vamos lá.”. Os dois moleques ali: “Agora! Agora!”, fomos lá e eu pulei no córrego. “O senhor está vendo essa luz no fundo de cinco quilômetros ou mais?”, “Ah, sim!”, “Esta é sua orientação. Sempre vai naquela luz, não volta aqui porque estão os russos, só ali são os ingleses.”. Eu andei naquele escuro, de repente não vi mais a luz, e agora? Me sentei no chão: “O que vou fazer agora?”, decidi andar mais um pouquinho, chegou um barranco, logo percebi em cima do barranco um trilho de estrada de ferro. Subi o barranco, lá a estrada de ferro, foi justamente o que tirou a luz da frente. Quando subi vi a luz de novo, consegui ainda andar mais ou menos uma hora para chegar naquela luz, achei uma placa: “Cuidado, você anda no setor dos russos.”, mas essa já era, a Rússia já era dos ingleses, alemães festejando, bebendo em um bar ali, daí eu peguei o trem para pegar um parente meu em Frankfurt, para ficar uma noite com ele. Ele levou um susto porque naquela época não tinha serviço. “Pelo amor de Deus, você aqui! Não tem serviço.” “Não se preocupa, não. Não tem problema nenhum, vou somente ficar uma noite aqui depois vou continuar.”. Porque sabia que meu colega que foi naquela época estava passando na Bavária, ele era um judeu, ele é um rapaz muito bom, ele já tinha arrumado uma pequena fábrica, ele levantou logo depois da guerra, para produzir brinquedos para as crianças. Brinquedo de madeira, assim, ele fez, vendeu muito bem, mas aconteceu que em 1949 teve a reforma de dinheiro, cambial, de repente na Alemanha tinha tudo que até agora não tinha. Esses brinquedos de crianças que ele fez, de madeira, ninguém quis mais comprar, mas ele tinha um estoque enorme no armazém, mas esse estoque foi obrigado a pagar impostos. Quando cheguei na casa dele já percebi, primeiro dia tocou a campainha, gente da fiscalização do imposto. Eu cheguei lá para ganhar um pouco de dinheiro para viajar para o Brasil, porque eu não tinha dinheiro, eu falei: “Posso ficar um pouco com você aqui? É mês de outubro, mês de fevereiro eu vou viajar para o Brasil, mas eu preciso ganhar dinheiro.”, “Não, fica aqui, não tem problema nenhum!”. Eu, embora não conhecesse nada desse serviço de soldagem elétrica, eu entrei na fábrica dele, à noite trabalhei lá para soldar, ele já tinha mudado a produção para material de cozinha, panelas... Eu consegui fazer solda elétrica. Trabalhei à noite com ele e quando acabou a noite eu fui dormir na casa dele e dormi na cama que a filha de 17 anos, ela foi obrigada a sair para ir no ginásio de manhã, ela saiu da cama dela, eu entrei ali para dormir. Imagina, um dia, como toda noite trabalhava na fábrica, entrei ali, cansado, puxei o cobertor para cima, de repente se jogou uma pessoa em cima de mim. Eu pensei naquela menina (risos), tirei o cobertor, foi o namorado dela (risos), ele me beijou, não percebeu, ele pensava que a menina estava dormindo ainda ali. Ele: “Pelo amor de Deus, me promete, não fala para ninguém.” (risos), não falei para ninguém. Isso foi em 1950, só contei quando meu amigo completou 80 anos, isso foi agora em 1986, fui convidado para a Alemanha, viajei para a Alemanha, essa família muito famosa, todo mundo, todo mundo ali, então contei essa história com esse rapaz.

P/1 – O que o senhor imaginava que ia encontrar no Brasil? O que o senhor sabia?

R – Para mim, a miséria na Alemanha era tão grande, não tinha problema nenhum porque tudo que vai acontecer vai melhorar, porque a Alemanha estava completamente destruída. Meu amigo lá, no último dia, para embarcar para o Brasil, me falou, acho que foi dia 10 de fevereiro. Eu peguei o carro dele, ele me pegou com um velho DKV para me levar para Frankfurt, no aeroporto, mas antes, como não tinha dinheiro, o chefão, o futuro chefão do Rio, ele tinha um cunhado que era presidente de uma grande firma da Alemanha, MAN, então ele morava em um palacete na cidade de Frankfurt. O futuro chefão aqui no Rio tinha me avisado para trazer alguma coisa da Alemanha para ele no Rio, mas eu não sabia dessas condições na Alemanha porque eu fugi sem nada. O meu amigo, o judeu: “Está vendo o que nós fazemos aqui? A produção só serve para conservar família. Vamos fazer o seguinte, vamos visitar aquele cunhado do seu futuro chefão do Rio, vamos conversar com ele, vamos explicar a situação.”, “Você me conhece, eu não consigo visitar esse homem ali, de pedir emprestado dinheiro.”, “Deixa comigo, eu vou fazer.”. Ele era dez anos mais velho do que eu, já tinha viajado pelo mundo, era um fantástico rapaz, chegamos na casa dele. Um palacete enorme, logo ao contar a situação ele disse que o único filho faleceu na guerra, só tinha lá a mulher e ele, então quando o amigo tocou esse negócio de dinheiro: “Vamos falar depois, não tem problema não. Eu não sou pobre, não tem problema nenhum. Quanto você precisa?”, eu já tinha feito uma conta: “450 marcos.”, “Ah, não, vai no escritório, pega. Eu ainda desejo que esse dinheiro te traga muita sorte no Rio. Se isso acontecer, fico muito satisfeito, e também receberia esse empréstimo de volta, mas senão, esquece! Não preciso desse dinheiro”. Mas esse dinheiro dele, praticamente me ajudou. Quando cheguei aqui, entrei aqui na CBA, em 1951, eu trabalhei dois anos no Rio Juquiá, na região aqui das hidrelétricas, já levantei minha casa própria; em 1953 já montei minha casa no Brooklin, onde moro hoje ainda. Esse dinheiro que ele me emprestou me trouxe sorte, eu mandei de volta para ele. Ele mandou uma carta achando impressionante a minha sinceridade para depois de quatro anos devolver o dinheiro para ele. E convidei ele para visitar minha casa em São Paulo, mas infelizmente ele já era mais velho, faleceu, mas ali foi minha...

[troca de fita]

P/1 – Mas o senhor não veio direto para a CBA, o senhor veio para outra empresa?

R – Fui para o Rio.

P/1 – Como chamava essa empresa?

R – Serviço Aerofotogramia, cujo iniciador da aerofotogrametria no Brasil foi um austríaco que, por ser austríaco, não podia trabalhar no tempo da guerra aqui, não podia. Ele foi obrigado a arrumar um Brigadeiro da Força Aérea Brasileira para funcionar como presidente da firma. Eu trabalhei com ele naquele escritório, como depois logo percebi que esse contrato, esse que me mandou para a Alemanha, o salário não era muito grande coisa, e quando eu cheguei lá ele já ofereceu mais, esse negócio, sabia que... Mas nos primeiros dias encontrei na avenida lá no Rio, sempre tomava um chopp ali, um rapaz, um engenheiro tcheco que trabalhava para a AIG, uma companhia alemã no Rio. Nós conversamos: “O que você ganha?”, eu mostrei para ele: “Você está louco! Você pega avião e procura a Companhia Brasileira de Alumínio, eles precisam de profissionais bons para tocar para a frente o projeto de hidrelétrica para a fábrica de alumínio.”, foi um achado ter encontrado ele. Então ele percebeu, ele pediu licença, eu falei para ele: “Eu podia ficar doente um dia, mas eu quero só visitar São Paulo, eu peço, o senhor me dá um dia de licença?”, ele me deu. Peguei o avião, cheguei sem falar nada de português, mas ele já tinha me falado no Rio: “Se você chegar em São Paulo, vai ser muito simples encontrar pessoas que falam alemão.”. Quando eu cheguei aqui em frente ao correio, de fato eu vi um casal de alemão, então perguntei: “Onde está a Companhia?”, eles me indicaram, fui até a Companhia, o doutor Antônio não estava na Companhia ainda, eu conversei com doutor Dalsbor(?) que foi o diretor técnico da Votorantim, e o doutor Miguel. Os dois me contrataram, mas quando eles colocaram essas fotos aqui na mesa, eu percebi que o negócio era pesado. O doutor Dalsborg(?) me perguntou: “Quanto você quer para trabalhar nessa região?”, eu podia exagerar porque tinha um emprego lá no Rio, eu pedi mais umas três vezes mais do que contrato do Rio, ele disse: “Pelo amor de Deus!”, o doutor Dalsbor(?), diretor da Votorantim: “Nem eu ganho isso!”, eu disse: “Por menos eu não vou enfrentar esse mato não! Muito obrigado, até logo!”. “Espera um pouquinho, não tem outro jeito?”, “Tem, outro jeito tem!”, “Como?”, “Vocês me fornecem todo o pessoal de ajudante no mato, barracas, todo o negócio, e me paga por quilômetro de picada.”, “Quanto você quer por quilômetro de picada?”, fiz para ele, “Quando pode começar?”, aí comecei em 1º de novembro. Em 21 dias eu voltei e ganhava o dobro do que tinha pedido porque tenho, naturalmente, 31 anos, muita prática no Exército, tudo serviço de precisão, não podia falhar: “Então nesse mato, você ganha horrores aqui.”, ele falou para mim. Ele fez um relatório do que fiz, eles mandaram todo mundo embora de topografia, fiquei empreiteiro exclusivo da CBA. Começamos a papelada, depois de 30 anos de serviço tive aposentadoria até a CBA me, tenho o documento, recebeu para minha aposentadoria. Naquele mato ali, aper não existia, somente o ônibus meio quebrado, daqueles de... talvez conheça, quando chovia não tinha jeito para chegar no Juquiá. Ali tem que arrumar mulas, mulas em cima dos mulas, às vezes tinha todo mundo que sair do ônibus e empurrar ele para chegar perto de Juquitiba, Juquitiba sem ligação para nada, estrada de terra. Ali eu montei no burro, andei, andei até o lugar em cima de burro. Mas como agora, o serviço de topografia, abrir picadas, naquele tempo não tinha computador, informática, tem que trabalhar no campo, tem que desenhar, tem que calcular, tudo sozinho. Eu fui obrigado a arrumar uma maneira de deixar a turma de abrir picadas enquanto eu desenhava e calculava em São Paulo. Agora com esse problema, eu falei com eles: “Como vou fazer? Vou chegar no dia em Juquitiba? Vocês estão dentro do mato, como vou achar vocês?” “Ah, não tem problema nenhum, senta naquele burro ali, este burro vai lá onde nós estamos.”. Imagina, não sei por que chamam os burros de burro, é mais inteligente do que nós, sempre fiz isso: me sentei, deixam o burro lá parado, em Juquitiba, montei em cima, esse burro foi lá no mato, zigue-zague, dentro do mato, de picadas, eu cheguei a pensar: “Nunca!”. Às vezes viajei à noite, quando eu voltei de dia fiquei assustado como o burro passa na pirambeira, porque o burro não vai andar quando não tem buraco das patas onde ele anda, se não acha os buracos ali ele não vai. Sempre anda assim, esse negócio, algum dia o doutor Antônio quis visitar uma futura obra da Alecrim. A Alecrim já é, nós começamos as hidrelétricas em cima aqui na região do França, depois Fumaça, depois Barra, depois Porto Raso, depois Alecrim; na época do Alecrim ele fez questão de visitar a futura usina, convidou os engenheiros italianos que foram os projetistas das usinas para visitar. Ele me pediu para organizar esse negócio, eu organizei um jipe, chegamos lá em cima, em Itapira, uma altura de 1200 metros, a usina é em 200. Então tem que descer a serra, o doutor Antônio já saiu do jipe, eu falei para ele: “Doutor Antônio, com esses sapatinhos senhor vai enfrentar o mato?”, “Você acha que sou criança?”. Ali ele foi obrigado a enfiar os pés naqueles buracos dos burros, tudo cheio de água, em 500 metros os sapatos já não tinha mais. “Viu doutor Antônio, e agora? Agora pode ajudar minha experiência do exército da Alemanha, durante a guerra, vamos rasgar uns saquinhos de açúcar, vamos amarrar seus pés ali, tem 20 quilômetros para frente”. Fizemos isso, então ele andou, depois de cada 500 metros ele pegou uma cãimbra daquele, doutor Miguel estava junto, doutor Miguel é médico, deu um copo de água e açúcar para ele, chegamos lá embaixo no Rio. À noite tinha arrumado um anjo, falei com a turma: “Você tem que fechar porque tem muitos mosquitos pelo Rio, mata tudo fechada”, para eles arrumar tudo direitinho, chegamos lá com nossos burros. Soltamos os burros. O engenheiro Noé, também já foi dizendo, o engenheiro Noé também era professor da Politécnica italiana, ele tinha o costume, quando se assustava, uma cobra, uma coisa: “Ih!” (risos), sempre fazia isso, então nessa noite para dormir no rancho, ele: “Faça um favor, abra essa janela porque é muito calor aqui dentro.” “Ah, engenheiro, o senhor vai sofrer pelos mosquitos à noite.”, “Ah, prefiro mosquitos, abra.”. Abri, nós dormimos, durante à noite, aquele grito dele: “Iihhh!”, “O que é?”, um burro lambeu a cara dele porque dormia perto da janela, lambeu (risos). No outro dia, visitamos o lugar ali, passamos mais ou menos uns 15 quilômetros, eu tinha organizado um barco para doutor Antônio levar, porque chovia em todas as cachoeiras, tem uma diferença de nível de 400 metros, então nós, durante as seis, sete usinas que fizemos, aproveitamos essas cascatas. Eu fui obrigado a chamar um barco de Juquiá para subir até os pés cachoeiras para pegar doutor Antônio e levar para o carro dele. Ali começou ainda a chover, um frio ainda, doutor Antônio chegou lá, já pensei: “Ele andou tão devagar ali, nós vamos chegar no barco no escuro, o barqueiro não vai esperar.”, daí larguei ele, fui para a frente, procurei ir para a frente, corri e consegui parar ainda o barqueiro. Quando doutor Antonio chegou lá, ele parece um prisioneiro da Rússia, jogou uma capa em cima dele, com esse negócio de saco de açúcar, então ele deitou lá um pequeno campo, mandou na mesma hora: “Quero comprar, procura o proprietário, quero comprar esse lugar aqui!”. E de fato comprou, hoje ainda tem esse lugar aí. Esse foi o primeiro encontro do Antônio comigo lá no mato.

P/1 – Que ano que foi isso?

R – Isso foi mais ou menos, acho que 1970, por aí, 1972.

P/1 – No início o senhor fez os levantamentos topográficos para as usinas e para a CBA especificamente, para a implantação da CBA?

R – Somente empenho específico para projeto de Juquiá. Fiz tudo, túneis, tudo esse negócio fizemos ali. Em 1964, eu fui registrado com carteira, dessa vez, do trabalho na Votorantim, eu comecei a organizar o patrimônio do Grupo inteiro, tanto que eu talvez seja a única pessoa que conhece todas as propriedades da Votorantim no país, não tem outro, porque fiz questão quando peguei o serviço, pedi a lista, fiz questão de conhecer todas as propriedades. Como também tem muita gente aqui no escritório e também já me avisaram “Toma cuidado!” porque tem muita safadeza, eu tenho que arrumar serviço para contornar meu serviço de topografia, para não apanhar eu fui obrigado a arrumar um arquivo, percebi que a topografia aqui no Brasil, naquela época, só funcionava no Morro da Conceição, no Rio, com Exército. Serviço topográfico do Exército Brasileiro, então eu fiz amizade com Generais do Morro da Conceição para conseguir arquivo de coordenadas. O sistema de coordenadas, na época, vocês não entendem esse negócio de sistemas de coordenadas, mas eu vou chegar aqui ainda, para fazer uma planta de aerofotometria precisa um sistema de coordenadas, e na época foi um negócio muito complicado! Para determinar um ponto fixo no chão como início de um sistema de coordenadas; fomos obrigados a trabalhar à noite, trabalhar com relógio de precisão, indo por lá os segundos para arrumar o anuário astronômico, todo esse negócio entrava ali para determinar um ponto porque a nossa referência sempre são estrelas, o nosso sistema de coordenadas é amarrado nas estrelas. Nós fizemos, quando entrei na Companhia no Rio, nós trabalhamos no projeto do Rio São Francisco, ali fizemos todo o sistema, nós mesmos estabelecemos o sistema de coordenadas, Sistema Gauss. Sistema Gauss, um matemático alemão que estabeleceu esse sistema na Europa, mas Europa é muito pequena, tem fusos de três graus, então como o Brasil é enorme, três graus foi, Exército Brasileiro mudou para seis graus. Começamos a colocar marcas de concreto para ter marcos fixos para esse sistema, por coincidência estas regiões que o Exército mapeou foram justamente por coincidência onde caíam as concessões minerais da Companhia, as propriedades da Companhia no nordeste, no Rio, Paraná, fronteira de Uruguai. Os Generais me arrumaram coordenadas que podia usar, tanto que no oitavo andar aqui tem um arquivo de mais ou menos cinco mil processos, está tudo georreferenciado desde o início, os meus serviços foram georreferenciados. Aqui ou se faz nada, mas se faz alguma coisa, faz super. Agora, no ano passado soltaram uma lei, chama 10.677, para georreferenciar do serviço de topografia para finalmente tirar fora essa bagunça que existe aqui. Quem fez as escrituras das propriedades são os advogados, um advogado interessado em fazer confusão, então ele faz o negócio mais complicado possível para depois ganhar dinheiro em cima desta confusão. Com essa nova lei vai ser evitado porque vai copiar mais ou menos o que está sendo feito na Alemanha há muito tempo.

P/1 – Por que o senhor foi para a área de patrimônio? O senhor saiu da área de...?

R – Porque o patrimônio, a base do patrimônio é a topografia, é justamente, ninguém sabe, a topografia é serviço pioneiro para qualquer coisa. Você não compra um terreno sem topografia, o doutor Antônio não produz nenhum grama de alumínio sem topografia. Tudo começa com topografia. Para a fábrica levantar precisa, levantar do solo tem que ter nivelamento, setor, seja o que for, tudo é topografia, então depois o tempo estava correndo, em 1964 os americanos se colocaram para colaborar com os brasileiros, foi estabelecida a rede de triangulação sobre todo o país. São pontos de marcos concretos, na época, não era como hoje que é eletrônico, os pontos de triangulação são todos nos picos mais altos, são sempre elevados para ser avistados de um ponto para outro. 50 quilômetros não é, tem que ter a vista boa, ali começou o sistema universal de coordenadas que usamos de 1964 para cá. Para mim era simples porque eu já trabalhava em um sistema, acontece que se têm dois pontos fixos, agora os mesmos dois pontos fixos têm outro sistema, é simples para fazer uma transformação de um para outro. Tanto que, justamente meu arquivo hoje, quando eles soltaram essa nova lei, estou lutando com o Incra para explicar para eles que é um absurdo um Grupo como o Votorantim praticamente estar obrigado a fazer todo o serviço de georreferenciamento de novo. Imagina! Quem vai pagar isto? Como meu arquivo está completo aqui, basta transformar, só isso, mas ainda estamos tentando evitar porque, claro, eles têm razão porque tem poucos grupos industriais que têm a vantagem organizada como eu fiz, geralmente está bagunçado, eles têm que ser rigorosos para exigir as coisas, mas quando existe, tudo o que fiz está tudo de mapa de aerofotogrametria. Nós fizemos, embora até eu combinei com o doutor Antônio, fizemos muita coisa talvez de, aerofotogrametria exige a licença do Exército, da Força Aérea, mas eu tenho sempre amigos no Rio que me ajudaram, fizemos coisas que não devemos fazer, mas fizemos.

P/1 – O senhor falou que havia engenheiros italianos, o senhor que havia vindo da Alemanha... Havia muitos técnicos estrangeiros aqui na Votorantim nos anos 1970, nos anos 1960?

R – Não, não. O único que foi diretor da Votorantim, doutor Dalsborg, tem o outro, doutor Hoffman, ele também, da parte da eletricidade tem Hoffman, acho que só, não tem mais ninguém. Então, depois, quando levantamos a fábrica, doutor Antônio chamou alemães. Me lembro ainda, uma vez tinha contratado um engenheiro boliviano, para pegar ele no aeroporto peguei meu carro, peguei ele no aeroporto, mas naturalmente o boliviano não sabia que no dia de ontem, eu fiz o exame para carteira de motorista, então primeiro dia depois, com perua, eu peguei ele. Não existia a 23, passei a Nove de Julho, quando chega na Praça da Bandeira, na altura naquela época, eu entrei à direita atravessando o Rio Santo Antônio, onde tinha o bonde, mas não dava para chegar ali do bonde não, porque entrei ali na Nove de Julho para chegar no hotel, Hotel São Paulo, este hotel abandonado perto da, vocês conhecem ali? Ali eu fui obrigado a atravessar esse bonde, então eu corri atrás de um carro, o carro acelerou e eu não sabia por que, eu também acelerei, mas ele acelerou para passar ainda em frente de um bonde que passava. Ichii, ali todo este povo, tudo cheio, levei um susto! Consegui desviar, o boliviano nem percebeu, quando cheguei no hotel ele falou para mim: “Doutor, o senhor está muito bem de volante, deve ter muito tempo de motorista. Você andou como...”, (risos) mas eu não falei nada para ele, se falava que tinha feito a carteira um dia antes, caía de costas ainda naquele dia. Podia ser uma tragédia porque pegava todo o lado do bonde.

P/1 – E o seu trabalho como responsável pelo patrimônio, como era? O senhor ficou de 1964 até?

R – Até 1996.

P/1 – O senhor pode falar um pouquinho?

R – De 1964 a 1996 eu cadastrei todo o serviço da Votorantim, e ainda preparei topógrafos residentes nas fábricas porque não podia tomar conta de tudo. Eu arrumei uma turma de topografia na fábrica de alumínio, outra na fábrica de cimento da Votorantim, outra em Minas, outra na Barra Mansa, tudo. Os meus topógrafos têm uma lista de propriedades, eu trabalhei junto com os advogados, advogados especializados em patrimônio, e como já disse, patrimônio sem topografia não funciona, então nós fomos vendo as plantas, fazendo as descrições das áreas, e meus arquivos estão aqui, tanto que doutor Ermírio mandou fazer toda, deixar tudo aqui, mandou, na mudança de 1996 para cá, para não deixar o arquivo na mão da Votorantim, fica aqui. Isso aí.

P/1 – Esse trabalho com o patrimônio deve ter mudado dos anos 1960 para hoje, e quais são as diferenças?

R – Prefiro não falar mais nada, não quero ter encrenca com os colegas, só posso dizer não funciona.

P/1 – O senhor trabalhou mais diretamente com o doutor Antônio?

R – Só!

P/1 – Só com o doutor Antônio?

R – Só! Eu tinha somente doutor Antônio, até às vezes ficava meio chato para mim porque ele: “Forkert, vai à fábrica para mim!”, eu cheguei na fábrica, os engenheiros ficam meio: “O que você faz aqui?”, doutor Antônio quer, então eu fui lá. Doutor Antônio deve ter percebido muitas vezes, eu tenho muita prática, eu dei um palpite aqui que ia dar tudo certo. Até hoje, mas hoje doutor Antônio não tem mais tempo para topografia, na época eu viajei quase todo mês com ele, viajei com ele; uma vez fomos fazer uma visita em uma usina de manganês, perto de Sabará, chegamos lá de manhã, às 10 horas, passamos uma estrada de ferro no meio da montanha, mais ou menos 1300 metros de altura, o rio lá embaixo, 700, então a estrada de ferro passa no meio. Chegamos às 10 horas, um calor, o doutor Antônio com roupa leve: “Onde está o jipe?” “Está lá embaixo!” “Vamos lá!” “Doutor Antônio, vamos lá agora? Chamamos jipe depois, meio-dia.” “Ah, eu quero ele!”, estava lá, quem não conhece doutor Antônio! Então desceu comigo ali, quando subimos vimos o serviço, estava tudo certinho, nós subimos ali, ele suando, eu falei: “Doutor Antônio, esse serviço de topógrafo é muito difícil.”, falou sabe o quê? “Você devia pagar para mim porque esse suor tira todos os tóxicos do corpo!”. (risos)

P/1 – E qual o senhor acha que foi o trabalho mais difícil que o senhor fez?

R – Mais difícil foi uma outra história. O doutor Antônio, na hora de comprar a mina de zinco no Vazante, ele deixou escapar uma parte desta mina, mas pediu a concessão. Um colega do pai dele, senador, era senador de Alagoas, ele pegou essa parte de Minas com uma fábrica no Rio. Quando sai do Ministério de Minas um decreto do Presidente da República para marcar a jazida nossa, é o seguinte, tem marcação que deve ser feita com colunas de um metro e meio de altura em cada esquina da jazida, mas eu não sabia que essas colunas vão atingir à fazenda do alagoano. Doutor Antônio me disse: “Você coloca, você consegue colocar esse negócio lá dentro?” “Consigo!” “Como?” “É da minha profissão, deixa comigo!”. Pegaram um negócio aqui, o alagoano mantinha uma turma de espingardas para vigiar todo, tudo vigiado de arame farpado, mas eu precisava colocar as colunas lá dentro. Mas eu consegui colocar as marcas lá dentro com minha prática, então voltei, entreguei para o doutor Antônio: “Você fez o serviço?” “Fiz.” “Mas como? Eu vou lá, tenho que ver!” “Mas doutor Antônio, não pode, temos que nos arrastar no chão.” “Quero ver!”. Fomos lá juntos no Vazante, quando chegamos a uns 200 metros do arame farpado nós dois rastejamos por baixo do arame farpado, era lá as marcas colocadas, daí tudo bem. Passou o tempo, a nossa jazida, o nosso geólogo da jazida fez amizade com o geólogo do alagoano. Um certo dia, o senador alagoano marcou um churrasco na fazenda dela com os geólogos nossos, então o geólogo nosso é amigo meu, ele falou: “Você está convidado? É hoje?” “Mas não vai dar certo não.” “Como não?” “Não vai dar certo não.” “Esse tempo já passou de encrenca com o alagoano, somos amigos.”, eu fui lá na fazenda do alagoano. Quando cheguei perto dele, cumprimentei toda a turma, quando chega a família: “Você não! Você está expulso!” (risos). Ele não me perdoou por ter colocado os marcos dentro da fazenda dele, não sabia de que jeito eu consegui porque estava tudo vigiado com espingarda, ninguém sabia como eu fiz. Isso foi meio perigoso, mas é apagar o fogo mesmo. Na época, ainda bem no Juquiá, nunca consegui levar um advogado no mato porque tudo ameaça de espingarda, tudo jagunços, só uma vez eu consegui levar um novo advogado, era muito gordo, ele, o chefão mandou ele comigo no Juquiá. Ele sofreu ali, nós andamos, eu sempre ligeiro, já estava acostumado, uma vez me lembro, estava na frente, o peão me alcançou: “Doutor, volta aqui porque o advogado está jogado no chão, não consegue mais...”. Foi a única vez que consegui levar um advogado dentro do mato. Este coitado, poucas semanas depois, ele fez uma viagem com os dois filhos e a mulher para Pirapora, vocês conhecem a estrada para Pirapora? Conhecem? Tem uma ponte lá embaixo saindo de Barueri, passa uma ponte lá embaixo, naquela ponte ele bateu com um caminhão, morreram todos no carro.

P/1 – O senhor é um alemão que está há mais de 50 anos no Brasil, trabalhando em uma empresa brasileira, eu queria que o senhor falasse um pouco sobre isso, sua relação com o Brasil, com os brasileiros, com uma empresa brasileira...

R – Como já disse, para mim, quando eu vim aqui, conheci os brasileiros, eu achei, até hoje estou achando ainda, nem vou puxar saco de ninguém, mas o Brasil poderia ser um país maravilhoso, melhor que todo o mundo porque aqui tem tudo que precisa, o que não precisa tem só pouquinho das vezes. Meteorologia ajuda, por outro lado tem todos os minérios que existem, não precisa, essa conversa de passar fome não existe, tenho amigo meu que chegou em 1939 aqui, ele se alimentou dois anos só de banana, não morreu não. Quando ele pegou emprego depois de dois anos, ele tão satisfeito com o primeiro salário, ele foi no restaurante almoçar, ficou doente porque o estômago não estava acostumado, só banana. País fantástico, se não tivesse essa safadeza política, o Brasil, desde o início, nunca pensava, talvez como muita gente vem aqui e quer voltar para a Alemanha, aqui é melhor, não tenho dúvida. Também o povo é muito mais, porque o povo brasileiro não sofreu, veja bem, como nós. Eu perdi tudo, o pai perdeu tudo, o avô perdeu tudo, sempre o dinheiro acaba. Quando vim para cá, deixei tudo ali, tudo ficou lá; o pai a mesma coisa, Primeira Guerra Mundial, ele perdeu dente, os dedos dos pés, então o brasileiro não tem esse, a mentalidade do alemão é diferente do que nós aqui, completamente diferente. O brasileiro é mais leve, claro. O meu genro é juiz de direito, mas como funcionário público ele nunca saiu do país: “No Brasil tem as mulheres mais bonitas do mundo.”, mas eu digo: “Você nem viajou, como você vai dizer uma besteira desta?”. Aqui concordo com você porque a brasileira tem a vantagem de vestir leve, porque o clima deixa; a mulher alemã tem que vestir essa roupa horrorosa, esse sapato pesado, mas em geral a mulher bonita em todo o mundo existe.

P/1 – Qual o senhor acha que é o papel da Votorantim no desenvolvimento do país?



R – Como?

P/1 - Qual o senhor acha que é o papel da Votorantim no desenvolvimento do país? Do Brasil.

R – Bom, doutor Antônio está, todo dia mostra aqui, o brasileiro, como brasileiro tem que trabalhar para levantar esse país. Ele está mostrando, melhor coisa que doutor Antônio não existe, ele é um brasileiro mesmo, se todo mundo fosse como ele, sempre. Eu não me lembro de ele me negar alguma coisa que pedi, tecnicamente, sempre estamos no último, né? Agora, em... Um equipamento de quase 100 mil dólares para acompanhar o progresso da informática, exemplo como esse estamos sempre em dia. Temos que trabalhar, se todo mundo faz como ele, não tem problema não, somente a política não ajuda.

P/1 – E o que o senhor acha que mudou na Votorantim de 50 anos para cá?



R – Mudou tanto porque, veja, começa com as coisas mais simples de condução, quando chegava o alumínio, quando começamos em 1953 e 1954 de levantar a fábrica, claro, o empresário sempre está pensando em fazer economia, mas às vezes a economia estraga os negócios porque o doutor Moraes, na época, ele contratou uma firma de Sorocaba para levantar a fábrica de alumínio. Não sei, eu estava no mato, só vim a saber depois, quando passei lá, eles levantaram peças para as primeiras áreas, como se fosse, para depois fechar o espaço com tijolo, mas veio um vento ali, derrubou todos os negócios já levantados, tudo no chão. São coisas, lá no Juquiá, para movimentar a primeira usina não era simples, não tinha eletricidade, tinha que desviar o rio, sem força elétrica. A Companhia comprou da Light um gerador antigo, até começar a funcionar demorou pelo menos dois anos, a Companhia perdeu muito dinheiro ali, mas são as coisas. É como já disse, as minhas viagens no início, muitas vezes de madrugada, em cima de caminhão de galinha, com frio, mês de julho, quando saltei em Santo Amaro fui correndo para a minha casa procurar um chuveiro quente, em cima de caminhão. A diferença que estou percebendo desse início, o transporte, as estradas, é muito. Uma vez, foi um engenheiro da Siemens que foi chamado para trabalhar um pouco aqui na Siemens, ali na Anhanguera, então ele morava na minha casa, para chegar na Siemens demorou mais de uma hora; imagina, não tinha Marginal, não tinha nada; hoje em dia, muita coisa foi feita, melhorou muito.

P/1 – Tem mais alguma coisa que o senhor gostaria de falar, gostaria de enfatizar?

R – Não, você tem alguma pergunta? Tudo o que contei para vocês, podia ser melhor ainda, se podia ler, porque escrevi. Escrevi livros sobre isto, mas em alemão, mais ou menos...

P/1 – O livro conta o que?

R – O livro conta o meu tempo de 1939 até o fim da guerra, todos as minhas complicadas manobras para sobreviver. O pai disse, o meu pai, em 33 eu tinha 13 anos quando surgiu aquele desgraçado que chama-se Hitler, o pai disse: “Filho, vem aqui! Toma cuidado esse louco ali, ele vai dar muito problema.”, eu falei: “Pai, você é velho, você não entende de coisa nova.”, porque a juventude, estudante, gosta de pombo, de música, de pandeiros, esse negócio aí. Ele puxou a juventude, o Hitler, mas o pai me alertou: “Cuidado, ele é doido!”, ele falou. É praticamente, a palavra do pai possibilitou eu estar aqui, porque fiquei desconfiado, abri os olhos, fiz muita coisa, muita gente na Alemanha pensava que eu sou nazista, mas eu só fingi porque sabia, naquele sistema ali, que fazer negócio ativa, em fim, você tem que fazer só por trás. Fiz coisas horríveis aí que pode contar uma hora, tem muita coisa, porque naquela época acabou a guerra, todo mundo com fome, os russos nos chamaram para fazer a reforma agrária para eles. Eu trabalhava nos campos, na divisão das fazendas podando e sempre arrumava um pouco de material

para comer, manteiga, tudo. No fim de semana, quando fui para casa, sempre arrumei alguma coisa, mas também sou uma pessoa que conhece a reforma agrária, que aqui nunca pode dar certo como está fazendo. Porque eles copiam justamente a mesma coisa que o russo fez. O russo fez uma reforma agrária da seguinte maneira: nós dividimos as fazendas, cada peão recebeu 2,5 hectares da fazenda, recebeu proporcional os bichos, galinhas, porcos, e chegaram os engenheiros nós fomos atrasados: “Muito obrigada, agora vivemos bem.”. Mas acontece que um peão, como aqui, tem cinco crianças, três cachorros, uma enxada, nada mais! Trabalhou a vida inteira na fazenda como peão, trabalhar como peão é uma coisa, trabalhar por conta é outra. Aconteceu que trabalhou naquele pedaço que ele ganhou para alimentar a família, para a família estava muito bem. Mas 30 quilômetros distantes, a cidade de 600 mil habitantes morreu de fome. O russo percebeu isso e depois de dois anos da reforma desse tipo, que estão tentando fazer aqui, mudou completamente. Garantia o fornecimento de máquinas para agricultura, fez cooperativas que funcionam hoje ainda, e acho também que aqui devem fazer a mesma coisa. Me consta que tem pelo menos aqui 30% de terras férteis jogadas no mato sem acesso, sem acesso, sem posto de saúde, sem nada; deve-se fazer cooperativa, o governo tem que garantir fornecimento de, alugar as máquinas grandes para as cooperativas e arrumar assim a vida, porque um fulano que ganha; por coincidência também, nós estamos projetando uma usina no Rio Ribeira, quando chegamos na divisa, do lado esquerdo é do Paraná, do direito é São Paulo; ali entramos com a provável desapropriação em terras de colonos do Paraná, que ganhamos títulos, então eles: “Graças a Deus, chegaram a Companhia aqui não podemos vender essas terras.”. Para chegar lá, um sacrifício, o meu motorista quase não conseguia, não fizeram nada. Esse tipo de assentamento não resolve nosso problema porque mãe ou pai disse: “Filho, se você futuramente quer abrir um negócio particular, se você não tiver um fundo de economia, não começa, não.”, então cuidar desde o começo com zelo, estar dependendo somente de São Pedro, só a ajuda de São Pedro na agricultura, não me sai bem; se pega muita chuva ou menos chuva, já vai o ano que vem chorar, não pode comprar semente, não pode fazer nada. Nunca funcionou, não sei por que os governos fogem de ter que arrumar a infra-estrutura para funcionar esse negócio, senão não dá não.

P/1 – Senhor Kurt, eu queria que o senhor falasse dos seus filhos, se algum virou topógrafo ou não.

R – Não, não. O filho trabalha em eletrônica particular, e minha filha casou, como já disse, com um juiz de direito, trabalha no, o genro está no Fórum de Rio Claro.

P/1 – E sua esposa?

R – Infelizmente, esta é minha desgraça, estou trabalhando ainda somente, graças a Deus a Votorantim...

P/1 – Ela veio para cá? O senhor não contou essa história.

R – Eu viajei sozinho porque na época era muito difícil para atravessar a fronteira, então eu falei: “Você fica ali, eu vou lá, vou preparar e depois você vem.”, fizemos assim. Eu vim para cá, cheguei em fevereiro no Rio, mês de julho eu já tinha condições, mandei dinheiro para ela, ela veio sozinha.

P/1 – Os filhos já nasceram aqui?



R – Os dois são brasileiros, moramos em Niterói um pouco, depois mudamos para cá. Mas a minha mulher, uma esportista de primeira, quando ela chegou no mês de julho, frio no Rio, quando ela viu a primeira vez, porque Saxônia não tem mar, não tem, quando viu essa Guanabara ela fez questão de pular dentro da água. É uma nadadora muito excelente, eu não vou junto não! Um colega meu foi com ela dois quilômetros dentro da Guanabara, nadando ali. Essa mulher esportista, com muitas plaquetas que ganhou, de ginástica, em 1997 sofreu um derrame. Desde 1997 duas enfermeiras tomam conta lá, para eu poder trabalhar mais um pouco para sustentar todas as despesas.

P/1 – Muito bem. E o que o senhor achou do senhor dar esse depoimento para nós e o que o senhor acha da Votorantim fazer um Projeto de Memória?





R – Há pouco tempo falei com doutor Cláudio, disse: “Doutor Cláudio, acho eu falei para ele. Interessante, as revistas que estou lendo aqui do Grupo, ignoram que existe a topografia! Topografia é pioneira, nem o doutor Cláudio vai trabalhar com território da Companhia sem a topografia. Topografia é essencial.”, mas não tem outra. Já na própria guerra, qualquer coisa de artilharia, os negócios que foram mandados para a Inglaterra, sem topografia não era possível, nós calculamos com máquina de calcular a parábola para jogar negócio para ir na terra, é tudo, qualquer campo de aviação, tudo, sem topografia não dá! E aqui a mesma coisa.

P/1 – E o que o senhor achou de dar esse depoimento para nós?

R – Interessante, infelizmente podia ter mais tempo, podia preparar um pouco para falar mais no rumo certo, às vezes tem que começar aqui, aqui, mas é interessante, sem dúvida nenhuma. Espero que agora vocês vão fazer um pouco de propaganda para a topografia.

P/1 – Com certeza! Obrigada, seu Kurt.

R – Agora tem a topografia com a informática. A topografia foi tão desenvolvida no bom sentido, hoje com GPS praticamente você não precisa mais subir nem o morro. Tantas vezes, tinha o motorista em carro da Companhia, o motorista uma vez, lá em Santa Catarina, ele disse: “Pelo amor de Deus, o doutor está lá em uma pedreira de 300 metros de paredão.”, eu tinha procurado um ponto de triangulação lá no morro, fui obrigado a trepar lá no morro. A minha turma, três, quatro rapazes, eles estão acostumados, eles foram na frente, eu fui atrás; quando cheguei naquela pedreira não consegui parar, fui com as mãos na terra, o motorista estava lá embaixo: “Puxa vida! Vai cair agora.”, eles perceberam, voltaram e me puxaram. Tem essas coisas aí. Agora não tem mais, agora vai com o carro até o fim do caminho, GPS, e só! Até o início, o primeiro aparelho que compramos em 1989 foi complicado ainda. O início foram três satélites, então para pegar o satélite precisa uma lista de quando ele aparece, então muitas vezes trabalhava à noite, uma hora, duas horas, ele passava à noite, então hoje tem 30, pode colocar a qualquer hora, não tem mais problema. A precisão hoje já é milimétrica, não tem mais problema nenhum, mas tem que convencer que o meu serviço de georreferenciamento desde o início funcionou. Tenho que convencer eles porque eles não querem entender, eles querem fazer tudo de novo e não é necessário.

P/1 – Com certeza! Obrigada, senhor Kurt.

R – De nada!

[Fim da entrevista]