Museu da Pessoa

Disposição para a vida

autoria: Museu da Pessoa personagem: Maria das Graças de Araújo Ximenes

P/1 – Graça, bom dia.

R – Bom dia.

P/1 – Graça, pra gente começar eu gostaria que você me dissesse o seu nome completo.

R – Maria das Graças de Araújo Ximenes.

P/1 – E onde você nasceu, Graça?

R – Eu nasci em Nepé.

P/1 – Em Nepé?

R – Eirunepé.

P/1 – Qual a data do seu nascimento?

R – Dia 11 de junho de 52.

P/1 – E o nome dos seus pais?

R – Era Francisco Rosa Ximenes de Araújo e Maria José Ximenes.

P/1 – Eles eram de Eirunepé?

R – Eram.

P/1 – A sua família toda era de lá.

R – Era.

P/1 – E o que eles faziam?

R – Eles trabalhavam com negócio de borracha, de seringa.

P/1 – Seu pai era seringueiro.

R – Era. Então a produção deles, acho que era negócio de borracha.

P/1 – Vocês ficaram lá até?

R – Eu saí de lá quando eu tinha só dois anos de idade porque meu pai morreu. Meus avós já moravam pra cá, aí mandaram buscar minha mãe porque nós éramos em seis irmãos, eu era a menor, doentinha, e minha mãe não tinha a possibilidade de ficar lá e me criar. Aí ela foi prum interior que tem por aí, pro Marrecão. Quando chegou lá meus avós pediram à minha mãe pra me criar porque eles tinham recursos e minha mãe me deu pros meus avós. Foram eles que me criaram.

P/1 – Os seus avós por parte de mãe ou de pai?

R – De pai.

P/1 – Parte de pai. E eles eram de Marrecão?

R – Eles moravam no Marrecão.

P/1 – O Marrecão era o quê, era uma comunidade?

R – É uma comunidade, João? É uma comunidade.

P/1 – E como foi a sua infância?

R – Rapaz, minha infância não foi muito boa porque eu tava trabalhando direto na roça, na juta. Pra mim não foi muito boa, melhorou depois que eu vim pra cá, pra Manaus. Uma tia minha veio pra Manaus e como ela queria trabalhar, ela tinha um casal de gêmeas e ela pediu que eu viesse para cuidar das meninas. Foi quando eu arranjei um marido aqui, me casei, tive cinco filhos. E de lá eu to pra cá, na comunidade Nossa Senhora de Fátima.

P/1 – A sua tia morava aqui na comunidade?

R – A minha tia? Não, morava em Manaus mesmo.

P/1 – Em Manaus mesmo. E quantos anos você tinha quando você foi pra casa da sua tia?

R – Eu tinha 19 anos.

P/1 – E como foi a primeira vez em Manaus? Você lembra qual foi a sua impressão?

R – Não, não foi muito boa porque eu não saía pra nenhum canto, eu só era de casa, às vezes ia pra igreja. Porque a minha tia trabalhava e eu não conhecia Manaus, eu não ia sair pra andar sozinha em Manaus. Então realmente só ficava em casa.

P/1 – E como era Manaus naquela época?

R – Rapaz, era um pouco mais diferente do que é agora porque era pouco bairro que tinha, pouco mesmo. Aí que Manaus foi aumentando.

P/1 – E qual foi o bairro que a senhora foi morar?

R – No Crespo.

P/1 – E a senhora ficou ajudando a sua tia?

R – É, eu ajudava ela porque ela tinha duas filhas gêmeas, aí ela trabalhava na fábrica de juta e eu tomava conta das meninas.

P/2 – A senhora falou que trabalhou na juta quando era mais nova?

R – É, eu trabalhei na juta, no Marrecão, antes de vir pra Manaus.

P/2 – Como era esse trabalho na juta?

R – É assim, é uma árvore que eles plantam na várzea, a gente corta pra colher aquela fibra pra fazer saco.

P/2 – E a senhora fazia que trabalho com a juta?

R – A gente lavava aquela fibra pra fazer o fardo pra poder vender.

P/2 – Quantos anos a senhora tinha quando a senhora fazia esse trabalho?

R – Eu tinha uns nove anos.

P/2 – Trabalhou muito tempo na juta?

R – Trabalhei. Trabalhei na roça.

P/2 – E na juta quanto tempo a senhora trabalhou, a senhora lembra?

R – Eu acho que eu trabalhei... Nós saímos pro Marrecão, pra cá, eu tinha uns nove anos, eu trabalhei uns cinco anos, mais ou menos, na roça, na juta. É por isso que hoje em dia eu não me atrapalho com negócio de trabalho não, minha amiga, eu trabalho mesmo.

P/1 – E Graça, só você que foi morar com seus avós, dos seus irmãos?

R – Eu tinha outros parentes lá também, tinha tia, tinha tio, tinha irmão.

P/1 – Foram todos seus irmãos.

R – É. A família toda.

P/1 – Ficou lá no Marrecão.

R – É.

P/1 – E eles também trabalhavam na Juta?

R – Trabalhavam porque o custo de vidas deles, era a juta e a roça, aí eles tinham que trabalhar.

P/1 – E quando você foi pra Manaus, pra casa da sua tia, você que escolheu ou foi sua tia que pediu?

R – Ela mandou me buscar. Eu morava com minha avó em Manacapuru, aí minha tia veio pra cá, pra Manaus, porque o marido dela estava trabalhando no SPC, de segurança, e ela queria trabalhar pra ajuda a criar as meninas. Aí foi que ela mandou me buscar para eu tomar conta das meninas dela.

P/1 – E a senhora gostou de ter ficado lá em Manaus.

R – É, gostei porque pelo menos eu não voltei mais pro interior (risos), fiquei por aqui.

P/1 – E a senhora chegou a estudar?

R – Eu estudei, mas só que não foi aquelas grandes coisas porque onde eu tava não tinha escola, era longe, por isso que eu não estudei.

P/1 – Mas a senhora estudou onde?

R – No Marrecão.

P/1 – No Marrecão?

R – No Marrecão.

P/1 – E como era a escola? A senhora frequentou uma escola?

R – Era uma escolinha, a professora ia nas casas matriculando os alunos e a gente ia estudar com ela, em casa mesmo.

P/1 – A senhora tem alguma lembrança dessa professora, dessa escolinha?

R – Tenho, tenho uma lembrança dela. Era morena, alta. De vez em quando passa no pensamento da gente, tudo quando a gente era criança passa. Era muito legal no interior. A gente jogava bola, a gente brincava de corda na hora do recreio, era muito legal mesmo. Hoje em dia as crianças não fazem isso em colégio, não brincam de bola, não pulam corda, nem nada. Eu que digo pros meus meninos: “Acho que vocês não puxaram a mim, não”. Eu tenho uma garota, uma moça; moça não, já é mãe de dois filhos, a caçula. Tem 27 anos. Eu digo pra ela: “Elaine, minha filha, você não puxou pra sua mãe, não” “Por que, mamãe?” “Porque eu era muito danada”. Eu era pior do que homem pra gostar de bola, de papagaio, de tudo eu gostava. Uma vez eu tava no campo puxando papagaio quando meu pai, meu pai não gostava de jeito nenhum que a gente puxava papagaio, nem andar de bicicleta ele gostava, dizia que quem andava de bicicleta era homem. Aí eu fui pro campo puxando papagaio, meio-dia. Rapaz, quando eu vi o velho chegar perto de mim eu só fiz: “Torá o papagaio”, o papagaio ia na carreira (risos).

P/1 – Mas papai era o seu avô?

R – Era.

P/1 – Você chamava seus avós?

R – É porque ele me criou. Eu fui acompanhar eles com dois anos, era o meu pai.

P/1 – E como ele era?

R – Ele era bem branco, os olhos dele bem assim. Mas ele era ainda mais alto do que esse senhor, bem brancão ele era, dos olhos bem azuis. Era daqueles cearenses mesmo, eu tinha um medo dele que só! Eu peguei uma surra dele, mas foi uma surra, colega.

P/2 – E por quê? O que você fez pra tomar essa surra?

R – É porque ele veio Manacupuru fazer um rancho. Nesse dia tinha chovido e nós íamos pra beira do rio pegar os materiais porque ele tinha feito compra. Ele tinha comprado um saco de farinha de tapioca. Eu escorreguei, não era naqueles plásticos de agora, era naquele saco de papel, aí eu derramei o saco. Minha amiga... Não foi porque eu quis, foi escorrego. O saco estava molhado, espocou e a farinha de tapioca (risos). Foi a única surra que eu peguei, não peguei mais.

P/1 – Graça, você disse que ele era cearense.

R – Ele era cearense.

P/1 – Então a sua família por parte de pai era...

R – Toda cearense.

P/1 – Toda cearense. Eles vieram por causa do trabalho?

R – É, acho que porque onde ele tava não tava mais dando certo, negócio da borracha, aí tem que procurar a melhora dele,

amiga?

P/1 – E eles começaram a trabalhar com juta.

R – Com juta.

P/1 – Com juta.

R – Com juta e roça.

P/1 – E Graça, quando você tava em Manaus você tinha 19 anos, você já era uma moça. E os namorados?

R – Arranjei um e foi o único marido. Tá com 12 anos que ele morreu, eu sou viúva. Só que eu já tenho outro (risos). Ele é pai dos meus cinco filhos.

P/1 – E como foi? Como a senhora conheceu?

R – Rapaz, eu conheci assim, o meu tio trabalhava com o SPC, ele era segurança, e ele também trabalhava lá, ele era segurança. Aí conheci ele, gostei dele e nós nos casamos. Casamos, nos juntamos, eu não sou casada. Vivi 14 anos com ele, aí ele adoeceu, morreu.

P/1 – E foi um amor à primeira vista?

R – Amor à primeira vista (risos).

P/1 – A senhora comentou, quando eu perguntei o nome da senhora, como a chamavam, a senhora falou de Loura.

R – É, o pessoal gosta de me chamar de Loura.

P/1 – Esse apelido vem desde essa época?

R – Desde quando eu era pequena porque meus cabelos nunca foram pretos, eu sempre fui loura.

P/1 – E você puxou esse biotipo de quem?

R – Eu acho que foi do meu pai porque a minha mãe não era loira, ela era morena. A minha mãe, vai fazer dois anos que ela morreu. A verdadeira. Porque a minha avó, que me criou, faz mais tempo que ela morreu. A minha mãe vai fazer dois anos agora, em maio, que ela morreu.

P/1 – E Manaus tinha festas? No seu período de adolescência como vocês se divertiam?

R – Eu já gostava desse meu namorado e a gente andava em festa.

P/1 – E como eram as festas?

R – Era bem legal mesmo, não é como hoje em dia. Hoje em dia ninguém pode mais ir pra uma festa que é assalto, é tudo o que o pessoal faz com a gente. Naquele tempo não tinha nada disso não, minha amiga, a gente saía tranquilo, não acontecia nada, mas agora não pode nem sair de casa mais.

P/1 – Mas descreve pra gente como eram essas festas. Tinha festas de santos?

R – Não, festa assim, tocada mesmo.

P/1 – Era o quê? Que tipo de música?

R – Era guitarra, violão, saxofone. O pessoal gostava muito de saxofone. Tocava e a gente dançava.

P/1 – A senhora gostava de dançar?

R – Eu gosto de um forró (risos).

P/2 – E era forró que tocava?

R – Tocava tudo. Até agora mesmo aqui na Fátima, aí na frente, tem uma sedezinha. Eu e meu marido gostamos muito, agora não porque ele tá com um problema nas pernas também, uma tal de osteoporose e não tá podendo, mas ainda ontem ele disse: “Eu to indo na festa endireitar meu joelho”, eu digo: “Vamos embora”. Ele gosta de uma festa, meu marido, ele que eu to com ele agora.

P/1 – E Graça, e em Manaus, além da senhora estar ali ajudando a tia da senhora, a senhora chegou a trabalhar fora?

R – Não. Depois que eu estava com meu marido que eu fui trabalhar de empregada.

P/1 – E como era esse trabalho?

R – Eu trabalhava em cozinha, na Sanyo, ajudante de cozinha. Eu trabalhei quatro anos na Sanyo.

P/1 – E o marido da senhora trabalhava com o quê?

R – Ele era motorista.

P/1 – E vocês chegaram a ter filhos?

R – Cinco. Tenho quatro filhos homens e uma mulher.

P/1 – E como foi a vida de ser mãe, ter criança, cinco filhos e trabalho? A senhora trabalhava fora também?

R – Trabalhava porque minha sogra morava comigo e tomava conta dos meus meninos. A mãe dele sempre morou comigo, aí eu trabalhava. Ela ficava com os meninos. Nessa época que ela morou comigo eu só tinha dois filhos, aí eu trabalhava.

P/1 – E a senhora sempre gostou de cozinhar. Como surgiu?

R – Rapaz, foi assim, eu tinha uma prima que trabalhava nessa fábrica, aí a patroa disse que queria uma pessoa pra ajudar a trabalhar. Como ela me conhecia ela foi lá comigo. “Mana, tu não quer ir trabalhar?” “Onde?” “Na Sanyo. A dona Isismar tá precisando de uma pessoa pra trabalhar”. Eu nunca tinha trabalhado, aí eu insisti pro meu marido: “Não, porque não sei o quê, mulher que vai trabalhar arranja marido” “Que arranjar marido, eu vou trabalhar”. Aí ele trabalhava na MultiR nessa época, ele vinha de 15 em 15 dias. E aí nesse dia ele ia viajar, já ia pra trabalhar. Eu disse: “Eu vou lá experimentar trabalhar, se der certo eu fico, senão”. Nessa armação eu fui, tinha o transporte que vinha buscar a gente, vinha deixar. Nessa armação eu passei quatro anos na firma. As pessoas gostavam de mim, meu patrão gostava muito de mim. Eu sei que eu passei quatro anos trabalhando nessa firma.

P/2 – Era de que essa empresa?

R – Eles faziam negócio de peça de rádio, esses negócios assim. Era montadora, que eles chamam. Eram mais de duas mil pessoas que trabalhavam nessa fábrica, negócio de montagem de peça de rádio, de televisão.

P/2 – E tinha o refeitório.

R – Tinha o refeitório.

P/1 – E qual foi a diferença da senhora ter saído de casa, assim, no sentido de deixar os filhos com a sogra da senhora e começar a trabalhar? A senhora sentiu a diferença, além do ganho econômico, do salário?

R – A gente só sentia assim uma diferença porque quando eu chegava eu tinha que lavar roupa, tinha que passar. Ela só tomava conta da comida dos meninos, eu tinha que deixar tudo pronto. Quando eu chegava eu já ia pro banheiro e olha, na roupa. Aí quando era de manhã eu já ia trabalhar, quando eu chegava de novo ia pro ferro, pra deixar tudo passadinho antes aquela monta. Agora não faço mais isso, não (risos).

P/1 – E depois que a senhora saiu de lá, a senhora foi trabalhar em outro lugar?

R – Eu trabalhei em outro restaurante, no Lica Refeições, eu passei dois anos na Lica. Era a mesma profissão, cozinhar também. Ajudante lá. Depois da Lica Refeições eu fui pro Educante, trabalhar com um senhor que chamava Almeida, só que mataram meu patrão.

P/1 – Mataram ele?

R – Mataram. Ele era, o pessoal dizia assim, eu não acredito não porque foi uma coisa rápida. Eu saí lá do restaurante era umas seis horas, aí como eu era responsável por botar o feijão no fogo, eu me esqueci de pedir pro rapaz tirar o feijão e deixar separado que quando eu chegasse lá de manhã colocava o feijão lá no fogo. Quando eu cheguei no centro, lá na Praça da Matriz, eu liguei pra esse meu patrão, eram dois, o gerente e o dono, e os dois eram Almeida. Aí eu disse assim: “Almeida, deixa o feijão fora que quando eu chegar de manhã eu ponho no fogo”. Ele disse: “Dona Graça, a senhora não sabe de uma coisa” “O que é?” “Tá no rebuliço aqui. Veio um cara aqui, atirou o finado Almeida e ele tá pro pronto socorro”. Eu disse: “Não brinca, rapaz, agora o finado Almeida tava em cima do restaurante”. Porque a cozinha era embaixo e tinha um bar em cima. Foram lá no bar, dizem que o cara ainda pediu um refrigerante, tomou e atirou nele. Mas eu acho que foi acerto de contas porque dizem que esse nosso patrão devia uma carne pro pai do rapaz que atirou nele. Mas é assim, como a firma comprava a comida da gente, que a gente vendia, mas pra pagar de 15 dias, a firma. Aí o filho do dono achou que o patrão tava enganando pra ele, aí ele falou: “Rapaz, é o seguinte, você sabe que eu sou acostumado a comprar do teu pai e pagar, mas é assim, a firma paga pra gente poder pagar o dono.”. Aí ele achou que o finado Almeida tava enganando o pai dele. Aí ele foi lá e metralhou o cara, matou o dono. Desde esse dia eu não trabalhei mais empregada, eu fiquei com trauma de ver.

P/1 – E dona Graça, quando a senhora veio pra cá, pra comunidade Nossa Senhora de Fátima, nesse período a senhora tava trabalhando, tava em Manaus, é isso?

R – É, estava em Manaus. Mas quando eu vim pra cá eu tava trabalhando por conta própria, eu tinha um bar, aí eu trabalhava com bar. Foi o tempo que meu marido morreu, eu arranjei outro rapaz e nós tínhamos um bar. Aí eu tinha uma vizinha que morava lá perto de casa, no Nova Esperança, ela disse: “Dona Graça, tem uma comunidade aí que estão dando terreno”. O nome dela era Érica. “E aí, Érica, como é que foi que tu conseguiu esse terreno?”, aí ela me disse. Eu disse: “Então eu vou fazer o seguinte, eu vou fechar o bar num domingo e a gente vai lá contigo ver se a gente consegue um terreno”. Ela disse: “Tá”. Eu vim e consegui esse terreno e ela nem ficou aqui, quem ficou fui eu. Vai fazer 25 anos que eu to aqui.

P/1 – Mas dona Graça, a senhora veio pra cá depois que morreu o patrão da senhora, que a senhora abriu o bar e ficou com esse estabelecimento?

R – Depois que esse meu patrão morreu?

P/1 – É.

R – Ixi, eu passei foi tempo morando em Manaus ainda, trabalhando no meu bar mesmo.

P/1 – Ah, a senhora então abriu...

R – Foi.
P/1 – Conta essa história pra gente de como a senhora decidiu ter um negócio da senhora.

R – Eu arranjei um rapaz que já trabalhava num bar. Ele trabalhava em bar e fornecia comida, negócio de sopa de manhã pro pessoal. Nós trabalhamos foi tempo ainda antes de vir pra cá. Eu acabei porque ele bebia, aí não adiantava eu ficar lá no bar vendendo e ele aqui enchendo a cara. Aí eu me desgostei, acabei com o que tinha lá e vim pra cá, morar pra cá.

P/2 – Ele tinha o bar já.

R – Tinha o bar. Aí ele veio pra cá. Nós estávamos construindo a nossa casa aqui, aí ele ficava aqui e eu ficava lá no bar. Só que eu achava ruim porque só ficava o meu garoto, um garoto que eu tinha de 12 anos e a menina de sete. Então pra mim ficava muito perigoso eu trabalhar a noite todinha com o bar e ele aqui. Aí eu falei pra ele que eu ia acabar com o bar e vinha morar pra cá com ele, aí eu acabei com tudo lá e vim embora pra cá.

P/1 – Dona Graça, quando a senhora abriu o bar a senhora já tava viúva?

R – Já.

P/1 – Já?

R – Já.

P/1 – Como que aconteceu?

R – De eu ficar viúva?

P/1 – É.

R – Meu marido tirou um tumor do cérebro e era maligno. Quando ele foi operar já tava avançado, aí não deu jeito. Abriram a cabeça dele pra tirarem o tumor que estava grande, aí teve problema. Ele ainda viveu mais uns oito anos com a cabeça assim, depois que tiraram o tumor, mas ele não enxergava. Como era câncer. Depois o câncer tomou conta do corpo dele, não teve jeito.

P/1 – E a senhora decidiu então abrir o bar pra ter uma renda?

R – Não. Esse rapaz, quando eu gostei dele, ele já tinha esse bar.

P/1 – Ah, a senhora começou a ter o bar porque ele já tinha.

R – É, ele já tinha esse bar. Quando eu gostei dele, ele já tinha esse bar.

P/1 – E como a senhora conheceu ele?

R – Rapaz (risos), conheci ele dentro do supermercado. Eu fazia umas compras, dei com ele lá, ele botou os olhos em cima de mim (risos). É como a vizinha falou, quando eu era mais nova eu encantava os caras (risos). Agora não dá mais pra encantar com 62 anos (risos).

P/1 – A senhora continua bonita. Esses olhos aí!

R – É, acho que encantava. (risos).

P/1 – Mas como ele se aproximou? Então já lá no mercado já se apresentou pra senhora?

R – Eu tava com o carrinho de compra, botando as mercadorias dentro do carrinho e ele se aproximou de mim. Conversando comigo ele disse assim, como foi que ele disse? Tava eu e a minha menina pequena comigo. Ele começou a conversar comigo e perguntou de mim, aí eu falei que eu tava viúva. Ele disse que queria conversar comigo. Eu, tá muito bem. Eu peguei as compras, levei pro caixa e ele pagou as compras (risos), começamos a se gostar e pronto (risos).

P/1 – E as crianças gostaram dele?

R – Gostaram, ele tratou muito bem delas. Tá aí, tá tudo criado, graças a Deus, foi um padrasto bom, não tenho queixa dele, não.

P/1 – Aí a senhora foi trabalhar no bar com ele. E como era o bar, a rotina de trabalho da senhora lá? A senhora ficava no atendimento ou ficava na cozinha?

R – No atendimento mesmo.

P/1 – E vocês vendiam bebidas...

R – Comida.

P/1 – O que a senhora preparava lá?

R – Era carne guisada, frango assado, peixe frito. Tinha um churrasqueiro que fazia todas as noites peixe assado, o pessoal vinha comprar churrasco.

P/1 – Ele fazia também?

R – É, ele fazia. Um cozinheiro legal mesmo.

P/1 – Vocês ficavam até tarde da noite com o bar?

R – Até umas dez, 11 horas. Quando tinha movimento a gente ficava até mais tarde, mas quando não tinha a gente fechava.

P/1 – Onde era o bar?

R – Nova Esperança.
P/1 – Nova Esperança? Ah. E começando a história da comunidade, essa vinda, vocês compraram o terreno aqui e ele veio primeiro pra cá.

R – É, ele veio pra cuidar da casa enquanto eu ficava trabalhando no bar.

P/1 – Vocês construíram uma casa então aqui. A senhora falou que tem um sítio, foi sempre aquele terreno?

R – É, esse sítio aqui.

P/1 – E os filhos da senhora estavam estudando lá em Manaus.

R – É, os meus estavam em Manaus porque eu tenho uma casa em Nova Esperança, eu não vendi. Lá onde o pai deles morreu. Os quatro estão lá, só a minha menina que eu trouxe pra cá porque ela tem dois filhos e eu que estava criando. Ela é deixada do marido, arranjou outro e eu não quis que ela levasse os dois meninos. Aí tava comigo. Como agora eu achei que o negócio tava muito pesado pra mim, que eu cuidava deles, levava pro colégio, vinha trabalhar, trabalhava no sítio, eu achei que tava muito pesado. Ela lá não tava trabalhando, nem tava estudando, aí eu conversei com ela. Ela disse: “Mamãe, a senhora faça uma casa lá que eu vou morar lá pra tomar conta dos meninos” “Tá”. Aí eu fiz essa casa e ela tá lá tomando conta dos meninos, um de dez anos e uma de seis, é um casalzinho que ela tem.

P/2 – Graça, quando você resolveu vir pra cá e fechou o bar como vocês faziam? Tinha outro trabalho aqui?

R – A gente trabalhava aqui.

P/2 – Onde?

R – Na roça. Começamos a plantar roça aqui.

P/2 – E o que vocês plantavam dava pra ter alguma renda? O que vocês plantavam?

R – A gente plantava banana, abacaxi, roça. A farinha dá dinheiro, minha amiga.

P/1 – Vocês produziam farinha.

R – Era, farinha.

P/2 – Ele também?

R – Também.

P/2 – Os dois trabalhavam direto na roça e preparavam a farinha também?

R – É. E vendia aqui mesmo pros comerciantezinhos que estavam morando aqui. A gente vendia de repente, fazia três, quatro sacos por semana.

P/1 – Eram só vocês dois trabalhando?

R – Era. Mas tem os vizinhos que a gente paga pra ajudar a gente aqui. Esses que moram aqui, querem ganhar diária e a gente paga. Temos até hoje, eu ainda pago porque não estou podendo roçar meu sítio, aí tenho que arranjar dinheiro e pagar.

P/2 – Continua com plantação?

R – Continuo. Só que tem muita pupunha, pupu, tucumã, mari, tem muita planta. Esse ano eu quero ver se faço pelo menos umas duas quadras pra plantar roça. Roça não, macaxeira, porque macaxeira a gente vende por saco.

P/2 – O que é roça?

R – A mandioca da farinha, a gente faz farinha. E a macaxeira não, a gente vendendo por saco ainda é melhor. Eu to pensando, se eu arranjar gente pra roçar, vou mandar roçar duas quadras.

P/1 – E Graça, houve muita transformação dessa época quando a senhora veio no início pra hoje aqui na comunidade Nossa Senhora de Fátima?

R – Muita, minha amiga. Depois que chegou essa energia melhorou demais. Porque quando nós viemos pra cá, nós usávamos vela. Não sei se você sabe o que é lamparina.

P/1 – Sim.

R – Gelo nós comprávamos de saco aí na beira, vinha um rapaz vender gelo e a gente comprava pra poder manter a carne e o peixe no gelo. Hoje em dia olha só, nós temos energia, lá em casa tem três freezers, uma geladeira. Ainda não to aposentada, mas graças a Deus não passo fome porque eu sei me virar. Eu vendo roupa, trabalho na sorveteria, vendo fruta. Eu não tenho vergonha de sair com o carro vendendo fruta, não tenho não, minha amiga. Eu rebolo mesmo. Eu quero é ter dinheiro. Tem rico que tem vergonha de vender, eu não tenho, não.

P/1 – E Graça, como começou o empreendimento, a participação da senhora no grupo aqui?

R – Aqui com a Daniele?

P/1 – Isso, com a Daniele.

R – Olha (risos). Teve uma inauguração ali na fábrica aí ela trouxe as amostras de sorvete. Eu conheci o marido dela há muito tempo, mas não tinha conhecimento com ela. Aí ela trouxe aquele sorvete e no dia da inauguração que teve na fábrica nós provamos o sorvete gostoso. Depois ela chegou em nós e falou, se não ia dar certo se nós montássemos uma cooperativa de mulheres. Aí como tem muita mulher aqui que não trabalha fora e quer ter seu dinheirozinho porque esse negócio de estar pedindo dinheiro de marido não é bom não,

amiga? Eles querem saber pra tudo, porque a gente quer. Aí elas chegaram com a Daniele, vamos formar a sorveteria, vamos. Aí começamos.

P/1 – Mas já havia um grupo de mulheres?

R – Não. Ela trouxe um pessoal lá do Consulado numa casa que tem bem aqui, da dona Terezinha. Aí como a Daniele já tinha falado pra ela foram chamando quem queria se associar pra cooperativa e aquelas mulheres todas queriam. Hoje em dia somos em dez, mas nem todas as dez estão trabalhando agora, não sei porque. Acho que umas estão trabalhando fora, tem muitas também que, tem uma menina com nós que tem uma garotinha, mas a garotinha dela estuda, aí ela não pode estar direto aqui com nós. Aqui diretamente comigo tem só três trabalhando direto, a dona Sandra, a Rosinha e eu. Mas são nove mulheres que têm ainda. Aí eu sei que, aí a dona Eliasir veio, fez uma festinha ali e foi que começou esse grupo. Uma lida ali também que foi ensinado o sabor do sorvete, aí ela deu as notas todinhas e nós estamos levando em frente.

P/1 – E como foi esse início? Vocês foram convidando outras mulheres, a Daniele mostrou ali já a ideia do sorvete. E como foi esse início da organização?

R – A gente foi chamando, uma amiga chamando a outra...

P/1 – Vocês tinham reuniões?

R – Tinha.

P/1 – Onde vocês se reuniam?

R – Depois que nós começamos a montar a sorveteria é aqui mesmo.

P/1 – Mas já existia esse espaço então?

R – Já. Aí o dono aqui era um restaurante, só que pra ele não deu certo, não sei se é porque ele vendia muito caro, não sei. Aí o Consulado alugou isso aqui pra nós e nós estamos aqui. O Consulado é que paga isso pra gente.

P/1 – E Graça, nessa ideia de fazer o sorvete, como que a senhora participou? A senhora foi também na produção, pensou em sabores de sorvete? Como foi a participação da senhora nessa ideia de fazer uma sorveteria?

R – A Daniele que foi a nossa cabeça pra fazer o sorvete. Ela deu a, como é que se diz?

P/1 – A receita.

R – A receita. Aí dessa receita aí...

P/1 – A senhora começou a trabalhar na produção do sorvete. Como se faz esse sorvete?

R – Olha, nós colocamos a polpa, colocamos leite, creme, açúcar, aí nós batemos. O primeiro processo a gente bate, bota no balde, depois a gente torna a bater e põe nos copinhos.

P/1 – E os equipamentos, como vocês conseguiram?

R – Olha, o Consulado que deu pra gente.

P/1 – O Consulado da Mulher. A senhora chegou a fazer algum curso?

R – Já fizemos muitos. Já fizemos bem uns três lá no Consulado. Negócio de alimentação, higiene, tudinho nós já tivemos.

P/1 – A senhora ia pra Manaus então.

R – É, a gente vai pra Manaus. Quando tem curso lá no Consulado ela liga pra gente e a gente vai.

P/1 – E no momento que a senhora já tava trabalhando com o grupo a senhora deixou o bar, a senhora já não tinha mais o bar.

R – Já tinha deixado o bar fazia era tempo (estala os dedos).

P/1 – A senhora deixou lá em Manaus, a senhora não chegou a abrir um bar aqui?

R – Não, não. Deixei lá mesmo, acabei por lá mesmo.

P/1 – Mas a senhora chegou a pensar em montar um bar aqui?

R – Não, não. Nunca quis mais não.

P/1 – A senhora só ficou se dedicando ao sítio da senhora.

R – É. Pra mim não dá mais pra lutar com bêbado não (risos). A paciência já não dá mais, não.

P/1 – A senhora já passou por apuros lá no bar?

R – Não, não. Graças a Deus nunca houve.

P/1 – E aqui, já com o grupo, a senhora lembra se nesse período que a senhora estava junto com a Daniele e com as outras mulheres, quando vocês estavam pensando o nome? Ou o nome já apareceu também, já foi proposto.

R – Nada! (risos) Foi tanta cabeça procurando nome pra esse sabor.

P/1 – E qual o nome?

R – Qual foi o primeiro nome, Daniele?

Daniele – Sabores da Floresta.

P/1 – Sabores?

R – Da Floresta. Aí não deu certo, parece que já tinha outra firma com esse nome, aí fomos procurar outro. Aí até que conseguimos esse dali da placa.

P/1 – E qual é esse?

R – Sabores do Tarumã.

P/1 – Ah. E o Tarumã o que é?

R – Rapaz, esse pessoal diz que é uma fruta. Eu realmente não sei se é uma fruta.

P/1 – A senhora não conhece então o tarumã.

R – Não.

P/1 – E agora, pensando os sorvetes, vocês começaram com um sabor só ou já começaram com esses sabores que vocês têm hoje?

R – Começamos com muitas porque tem época que tem muita fruta, e todas as frutas que dá pra gente fazer o sorvete a gente faz. Só que nessa época agora tem pouca fruta.

P/1 – Então vocês fazem de acordo com a estação.

R – É.

P/1 – E lá no início vocês começaram com as mulheres, começaram a produzir o sorvete. Vocês imediatamente já conseguiram esse espaço pra poder vender e comercializar?

R – É.

P/1 – E como foi a recepção desse sorvete? As pessoas gostavam do sorvete, elas compravam?

R – Compravam. Compram muito, minha amiga. Eles gostam de sorvete. Porque o nosso sorvete é só a fruta, a gente come e sente o sabor da fruta, é por isso.

P/2 – Quem compra, Graça?

R – Todas as pessoas compram.

P/2 – Daqui da comunidade?

R – Daqui da comunidade.

P/2 – Eles vêm comprar aqui?

R – Eles compram aqui, a gente vai ali pra balsa, onde vocês saltaram. A gente coloca na caixa e vai pra lá, não dá é tempo. Por exemplo, hoje tá tendo futebol ali no campo. Pode ir pra lá com o carrinho que não dá é tempo.

P/1 – A senhora vai também com o carrinho?

R – Vamos.

P/1 – Todas as mulheres vão pra lá.

R – É. Só não estamos hoje porque vocês estão aqui, não sei se as meninas não vieram, acho que só depois do meio-dia que elas vão pra lá, mas a gente vende bastante lá no campo, bastante mesmo.

P/1 – A senhora comentou que a senhora foi ao Rio de Janeiro. Conta essa história pra gente.

R – Rio de Janeiro foi bom, eu gostei da feira de lá.

P/1 – Qual foi a feira? A senhora lembra do nome?

R – Não me lembro, não.

P/1 – Mas eram vários empreendedores?

R – Era. Era muito mesmo.

P/1 – Foi a primeira vez que a senhora saiu daqui?

R – Foi.

P/1 – Foi a primeira vez que a senhora viajou de avião.

R – De avião. Eu tinha medo. Na hora eu quis recusar a viagem, mas daí, como eu não queria deixar a parceira ir só, era eu mesmo. Aí depois que entrei no avião me tranquilizei e fui embora (risos).

P/1 – E o Rio de Janeiro? O que a senhora achou?

R – Gostei. As partes que nós andamos foi legal. Fomos lá no Cristo Redentor. Eu tinha um medo de subir lá onde tava ele, mas na hora tive coragem (risos), tirei foto, foi legal, legal mesmo.

P/1 – E vocês conheceram outros produtores, outros produtos?

R – Aham. Em feira a gente conhece muito amigo também.

P/1 – Vocês fizeram muitos contatos?

R – Já tinha uns colegas que a gente já tinha visto em outra feira, que a gente tava participando da feira do Cassam, do CIGS, a gente conhece muito produtor do pessoal que estava na feira também. Tinha um rapaz, a Daniele não veio comigo, ela ficou lá pra vir no outro dia, eu vim na companhia dele. Se eu tivesse vindo sozinha eu tinha achado ruim sair lá do aeroporto pra vir pra casa porque nós chegamos parece que uma e meia, duas horas, aí não tinha como eu vir do aeroporto pra cá, pra Nova Esperança. Mas como ele estava com o carro dele lá, aí ele me trouxe em casa. É um amigão mesmo.

P/1 – Veio pelo Ramal então, pela estrada.

R – Não, lá em Manaus mesmo. Do aeroporto até Nova Esperança ele me trouxe no carro dele. Ele tava com o carro dele lá. Aí veio um outro senhor de Lábrea que também tava participando da feira, aí ele tava aqui em Manaus e os dois foram me deixar lá em casa.

P/1 – Ah, porque a senhora tem a casa lá em Nova Esperança.

R – Tenho.

P/1 – Então nesse dia a senhora dormiu lá.

R – É, dormi lá em casa.

P/1 – Quem está morando lá agora?

R – Meus meninos.

P/2 – E a família aqui, quem está aqui. O que acham da senhora trabalhar dessa forma, viajar?

R – Eles gostam. Eu sou independente, eles não se importam não (risos). Quando eu digo que vou eu já estou indo. Nem o marido meu segura.

P/1 – E qual foi a mudança que esse empreendimento da senhora, do sorvete, trouxe pra vida da senhora?

R – Pra mim foi ótimo porque tem aquele rendimentozinho quando a gente tá trabalhando, que tem aquele dinheirozinho que já melhora pra gente.

P/1 – Houve um aumento da renda da senhora?

R – É.

P/1 – E quanto a esses cursos que a senhora falou que fez com o Consulado da Mulher, o que a senhora aprendeu? Tem alguma coisa que marcou a senhora?

R – Tem muita coisa que a gente nunca tinha feito que a gente aprende e acha legal. Legal mesmo.

P/2 – Mas o que, por exemplo, que você gostou muito?

R – Negócio de higiene, que a gente tem que trabalhar com higiene. Foi ótimo.

P/1 – E o marido da senhora, o que acha desse trabalho aqui com o sorvete?

R – Ele acha legal, ele não empata, porque se ele empatasse não ia adiantar nada. (risos) Ele acha legal.

P/2 – Ele participa de alguma forma, Graça?

R – Não, não.

P/1 – E se a senhora não fosse empreendedora, Graça, a senhora imagina o que estaria fazendo? Se não estivesse com o trabalho com o sorvete?

R – Rapaz, eu acho que eu estaria com a minha venda de roupa, como eu sempre estou.

P/1 – Ah, o que a senhora vende?

R – Eu vendo roupa.

P/1 – Mas que tipo de roupa?

R – Eu vendo calcinha, sutiã, toalha, lençol, capa de colchão.

P/1 – E onde a senhora compra?

R – Manaus.

P/1 – Ah, em Manaus. Tem alguma rua que a senhora compra?

R – Como é o nome daquele rua ali? Da Instalação, parece. Rua da Instalação.

P/2 – A senhora vai sozinha buscar a mercadoria?

R – Hunrum.

P/2 – Traz no barco?

R – Não, eu compro de pouco, de 300, 500 reais, aí trago de pouquinho.

P/1 – E a senhora vende pra quem?

R – Aqui mesmo, na comunidade. Já tenho minhas...

P/1 – A senhora já tem as clientes da senhora.

R – Você não viu uma andando com uma moto aqui? Desde ontem ela quer que eu leve as bermudas pra ela e eu ainda não tive tempo. Ela trabalha no colégio. Eu disse pra ela que eu ia trazer hoje de tarde pra ela, não sei nem sei ela não vai estar no colégio, acho que ela trabalha à tarde no colégio. Eu já tenho minhas...

P/1 – A senhora já tem a clientela da senhora.

R – Já.

P/1 – E essa clientela são as amigas ou a senhora chegou a ir à escola?

R – São as amigas mesmo.

P/1 – E a senhora, dona Graça, o que a senhora achou que o Consulado contribuiu para o empreendimento?

R – Elas nos dão apoio. Se não fosse elas a gente caminhava com as próprias mãos, mas tendo aquele apoio delas no que a gente precisar, elas estão prontamente a ajudar a gente.

P/1 – Vocês receberam algum tipo de equipamento?

R – Nós temos aquela coisa que está ali, foram eles que deram, sorteio do Dia das Mães, não, Natal. Teve sorteio lá, a gente é sorteado nas coisas pra gente trabalhar. Esse freezer que está aí também. A gente sempre tem ajuda delas.

P/1 – A senhora participa também da feira que tem ali na Whirlpool no dia 15 e no dia 30, vendendo sorvete?

R – Não, nosso sorvete estava pra ser vendido lá nos parques que tem pra lá, mas elas nunca mais levaram. Antes estava levando, a primeira vez nós começamos vendendo lá, mas aí foi feito um espaço pra vender lá e ficou do nosso sorvete sair daqui pra vender lá, mas elas nunca mais levaram.

P/1 – Graça, a divisão de renda, como vocês fazem até conseguir comprar o produto, a polpa, produzir, vender? Como vocês fazem essa divisão de tarefa e de renda também?

R – Nós fazemos assim: A gente compra material, aí faz o sorvete, a gente vende. As horas que a gente trabalha são marcadas no livro. Quando chega no mês a gente soma as horas, a gente paga, aí o restante que sobra a gente compra material pra trabalhar. Tá sendo assim agora.

P/1 – E os fornecedores, vocês já têm aqueles fornecedores fixos?

R – Como? Pra trazer pra gente?

P/1 – Isso, a polpa, por exemplo.

R – Agora eu to trazendo lá de casa, eu trago o cupuaçu lá de casa, eu trago tucumã. Buriti eu sempre compro de um rapaz que vende. A gente tá comprando aqui agora o açaí. Ainda ontem eu comprei quatro quilos de açaí, tem um senhor que vende o açaí aqui no carro e eu comprei. A gente tá comprando de pouco agora porque não tem muito produto, sabe? Primeiro tava cheinho, a gente comprava de bastante, mas agora tem pouca fruta. Agora que está aparecendo.

P/1 – Então vocês produzem de acordo com as frutas que tiver.

R – Maracujá tava caro na feira no mês passado.


P/1 – Graça, eu vou retomar uma pergunta que eu tinha feito antes porque a gente acabou não captando o som quando passou o carro. Houve alguma transformação no empreendimento de vocês com o apoio do Consulado da Mulher? Quais foram essas transformações?

R – É assim, nós temos aquele apoio, principalmente o lugar aqui são elas que estão pagando pra nós. Elas que dão apoio pra gente. Negócio de curso também dão apoio pra gente.

P/1 – Os equipamentos também?

R – É.

P/1 – Agora comercialização, vocês estão vendendo mais aqui?

R – É. Em Manaus nós não estamos vendendo nas feiras porque o carro que não tem freezer pra levar pra feira, então fica difícil pra nós porque se nós tivéssemos um carro diretamente nosso, que fosse pra todas as feiras, porque são a cada 15 dias. 15 dias no Cassam, 15 dias no CIGS. A gente ia lá vender o nosso sorvete, só que não tem o carro certo pra ficar levando e trazendo os freezers da gente. A gente precisa dos freezers lá, aí fica difícil. Por isso que nós não estamos mais vendendo lá.

P/1 – Vocês recebem algum tipo de encomenda também? Vocês produzem por encomenda?

R – É, quando a gente dá o número do telefone as pessoas ligam pra gente e elas pedem a quantidade de sorvete e a gente vende. Ainda nessa semana teve um evento aqui de uma senhora aqui com um bocado de criança, ela comprou o nosso sorvete. Tem um senhor também ali no Livramento que pede da gente. Ele vende lá pro pessoal do colégio. A gente vende.

P/1 – E como é feita essa divulgação, Graça?

R – É assim, porque as pessoas já sabem o sabor do sorvete, então um comenta pro outro, comenta pro outro e assim vai.

P/1 – Ah, é de boca a boca.

R – Boca a boca. Ainda essa semana nós chegamos ali, aí tinha um senhor que disse assim: “Por que vocês não vieram essa semana pra cá, pra balsa?”. Olha, a chuva não deixa a gente trabalhar, quando tá chovendo ninguém trabalha. E, às vezes, eu lá em casa, como é só eu pra ir pra dentro do sítio atrás dos cupuaçus e fazer outras coisas, aí não dá tempo para eu descer pra vender na balsa. Aí a minha amiga aqui que também vende, às vezes, ela também não tem tempo de vir. Mas quando a gente tem tempo, que chega ali na balsa, a gente vende. “Poxa, estava com saudades do sorvete de vocês, vocês nunca mais vieram vender sorvete” “Não, se for por isso nós estamos aqui”. E de repente nós vendemos uma caixa, uns 30 nós vendemos. Aí chegou o rapaz da lancha lá e disse assim: “Vocês vão sair agora?”, eu disse: “Não, ninguém vai sair agora, não” “Mas tem sorvete aí?” “Aqui não tem mais, mas na sorveteria tem”. Ele disse: “Eu vou lá na marina, daqui mais um pedaço eu vou voltar e vou querer seis sorvetes” “Tá bom”. Aí quando ele foi lá na marina, eu disse pra Sandra: “Sandra, eu vou lá na sorveteria pegar o sorvete do rapaz” (risos). Eu peguei, ela disse: “Você é positiva” “Claro, quem quer vender não vai dizer não.” (risos) Aí eu peguei o sorvete pra ele. Mas vende bastante, olha. Saiu daqui pra vender a gente vende mesmo. O pessoal gosta mesmo do sorvete.

P/1 – E vocês têm uma rotina de produção, de venda?

R – Tem. Produção, por exemplo, agora como nós estamos vendendo devido ao campo aqui, nós batemos sorvete quinta-feira. Aí como as meninas foram pro campo mais tarde, conforme a gente vende a gente vai bater outro porque não pode deixar muito tempo por causa da luz também, que pode dar problema também. E também não pode deixar o sorvete muito tempo no freezer, tem que fazer e vender. Até por causa do capital, a gente tem que botar pra funcionar. (risos)

P/1 – E Graça, como vocês fazem com essa energia? É sempre assim ou não?

R – Menina, essa energia é um problema. Agora não, tem vezes que ela vai e não demora muito, mas já teve dia de passar mais de quatro dias sem luz aqui.

P/1 – E como vocês fizeram com a produção de vocês, vocês perderam?

R – Não, nessa época que vai assim ninguém tem quase o produto no freezer, não. Por isso que ninguém pede. A gente vai fazendo conforme a venda e a energia, a gente já com medo mesmo da energia, sabe?

P/1 – Então vocês não fazem muito.

R – É, ninguém faz muito. Por exemplo, quando faz 500 a gente bota pra vender que é pra não dar problema. Quando termina os 500 a gente faz de novo.

P/1 – Certo. E o que é importante pra senhora hoje?

R – Rapaz, pra te dizer bem sincera, eu ando bem legal mesmo. Importante pra mim, eu saio pra onde eu quero, chego a hora que quero, vendo sorvete. É legal.

P/1 – A senhora gosta então.

R – Eu gosto. Eu tenho um netinho que também adora vir pra cá. Aí quando eu fui na casa dele ele disse: “Vó, vou pra sorveteria” “Não vai, não” “Poxa vovó, deixa eu ir contigo um dia” “Não, não, não. Hoje não, outro dia tu vai”. E ele ficou lá querendo vir pra cá. Não sei se ele vai aparecer aqui porque ele tem bicicleta, ele gosta daqui. Eu tenho também uma netinha que gosta de sorvete, então ela vem perturbar aqui por sorvete, por isso que eu não gosto de trazer ela (risos).

P/1 – Tem um cupuaçu ali enorme, tá vendo?

R – É, tem muito, tá tendo ainda.

P/1 – Bem no foco ali.

R – Jambo também. Se você manter faz muito jambo aí, esse jambuzeiro aí.

P/2 – Lembra um pouco a mangueira, só que as folhas são menores da mangueira.

P/1 – É. Eu não vi nenhuma mangueira.

P/2 – Manga não tem aqui.

R – Não tá na época de manga, não.

P/2 – Mas tem.

R – Tem.

P/2 – Sorvete de manga é muito bom também.

R – É, nós fizemos. Fizemos de limão, é gostoso também. Aqueles camu camu que dão na beira da várzea.

P/1 – Graça, quais são seus sonhos hoje?

R – Meu sonho era eu acertar na Amazônia dá Sorte (risos).

P/2 – Mais algum?

R – Ajeitar a minha casa, fazer outra casa nova. Se Deus quiser nesse ano eu construo minha casa nova porque a minha já tá pedindo outra.

P/1 – Tá certo. Graça, o que você sentiu contando a sua história, conversando com a gente agora?

R – Eu me sinto feliz porque vocês vieram de tão longe pra conversar com a gente aqui, foi legal.

P/1 – A gente agradece então, obrigada.

R – De nada.