Museu da Pessoa

Dedicação, esforço e autodidatismo

autoria: Museu da Pessoa personagem: Heimar Ximenes

Projeto Farma Brasil
Depoimento de Heimar Ximenes
Entrevistado por Luís André do Prado e Solange da Cunha Ramos
Estúdio Telecentro
Rua Fiandeiras, 465
São Paulo, 9 de outubro de 1995
Realização Museu da Pessoa
Entrevista: FR_HV013
Transcrito por Marina D’Andréa
Revisado por: Nataniel Torres

P/1 - Gostaria que o senhor começasse fazendo a sua apresentação, dizendo o seu nome completo, data de nascimento e local.

R - Meu nome é Heimar Ximenes, nasci no dia 4 de maio de 1927, no Rio de Janeiro.

P/2 - E os seus pais, os nomes deles e as origens.

R - Meu pai se chamava Heitor, Heitor Ximenes, e minha mãe herdou o nome de família e também passou a chamar-se Maria Ximenes. Meu pai e minha mãe nasceram em Petrópolis, no Rio, meu pai era artesão, de relojoaria, meu pai era espanhol, de origem grega, e de uma brasileira de origem alemã. Sou uma verdadeira liga das nações, como conseqüência. (risos) Completei, a pergunta?

P/2 - Se quiser falar mais alguma coisa, pode falar.

R - Não, acho que...

P/1 - Bom, o senhor nasceu no Rio de Janeiro. O senhor teve outros irmãos, filho único?

R - Não, eu tenho uma irmã e um irmão. Dois homens e uma mulher.

R - Como é que o senhor se recorda da infância. Onde foi que o senhor nasceu, em que bairro cresceu? Fala um pouquinho pra gente desse período.

R - Olha, a minha infância teve altos e baixos, porque meu pai era um artesão, de relojoaria, tinha fases de ter rendimentos bons e fases em que tudo parou, praticamente. Ele foi muito bem sucedido no transcorrer da guerra, da II Guerra Mundial, porque não tinha importação e isso foi muito favorável pra ele. Favorável pra família, também. A família se beneficiou daquele ganho adicional que entrava em casa. Por isso, eu pude estudar, meu irmão pôde estudar, a minha irmã ainda era jovenzinha, ela tem uma diferença de 13 anos pra mim, e cheguei a fazer parte do ginásio, quando o trabalho começou a escassear; ele teve que mudar, inclusive, de estratégia de trabalho, de fazer outras coisas, e ele me chamou e me pediu, me falou que eu iria ter que trabalhar, porque não estava dando pra fazer escola paga. Isso me deu um choque violento, sabe, porque eu tinha, eu tinha pretensões, de estudar e ganhar a vida de uma maneira mais confortável. Muito trabalho, mas pouco sacrifício. Eu fui, mas continuei estudando à noite. Só que no meu tempo, no Rio, não tinha ginásio no subúrbio, onde eu morava, em Ramos; na época não tinha ginásio no subúrbio e eu tinha que freqüentar o ginásio no centro da cidade, perto da Avenida Rio Branco, inclusive. Fui trabalhar, arranjei emprego numa firma boa, de gente que vocês devem conhecer de nome, a família Byington, meu diretor era o Alberto Byington Jr., que foi deputado aqui em São Paulo, ah... foi deputado federal, estadual, agora não me recordo. Então, trabalhei lá quatro anos, mas não pude agüentar o estudo.

P/1 - Quantos anos o senhor tinha?

R - 15 anos.

P/1 - E qual a sua atividade?

R - Eu comecei como boy, não tinha nenhum preparo, nada. Comecei como boy. _________ na empresa. Logo fui, eu era...trabalhava no departamento de compras dessa firma e eu era muito expedito, pensava rápido e fui agradando. Uma vez o seu Alberto Byington, ele tinha o gabinete dele em São Paulo, no Rio, na Esplanada do Castelo, e ele perguntou, ele estava precisando, independente da secretária, ele precisava de um rapaz que pudesse andar na rua, e ele tendo confiança naquilo que a pessoa ia fazer. E me indicaram, eu fui lá. Aí ele conversou comigo, se agradou, e fiquei com ele lá, trabalhando. Depois, não sei porque saí de lá. Também eu tava querendo crescer, né? E eu fui trabalhar como auxiliar de escritório na mesma firma. Fiquei lá uns quatro anos. Briguei com o chefe, porque... ele falou, e eu não gostei. E repliquei. E aí ele veio me bater. Não bateu, me ameaçou pra quebrar a cara. Eu falei pra ele, não me lembro exatamente se foi isso, né: "Pra quebrar a minha cara você vai ter que crescer mais". E aí eu saí, saí da firma, né? Fui ao Ministério do Trabalho, dei queixa, perdi, não é? E aí chegou a fase do exército. E eu não pude arranjar custeio, arranjar emprego. Naquele tempo era bem mais difícil do que hoje. Aí fui trabalhar com uma tia minha que tinha uma firma de compra e venda de imóveis comerciais. Fiquei lá uns quatro ou cinco meses. Vender, não vendi porque eu era muito garoto pra sair vendendo. (risos) Aí fui pro exército. Servi o exército sete meses. Eu dei sorte, consegui me livrar, primeira coisa que eu cheguei lá foi entrar no curso de cabo, porque eu não queria tirar a guarda de madrugada, fuzil no ombro. Aí passei no curso, fui o primeiro colocado, e comecei a tirar serviço de sargento de dia, sargento da guarda também tirava como cabo, e fiz uma amizade muito boa com os oficiais, só tinha um oficial que era duro, um oficial da Escola Militar. Os outros eram todos oficiais da Reserva, oficiais de quadros da Reserva, e tinha um capitão da minha companhia, que ele deu sorte, ele tinha três cabos lá muito bons, tá? Pessoal instruído e... deixa eu ver, houve uma baixa. Com sete meses, o governo mandou baixar. Não sei se era falta de dinheiro pra pagar o pessoal, mandou dar baixa no... particularmente nos cabos, né? E nós éramos em três. Então, ele ficou meio sem jeito, o que é que eu vou fazer?, um deles... capitão, faça um sorteio. Quem ganhar, ganhou, quem não ganhar... Ele fez o sorteio e eu ganhei, aí me livrei do exército, já tava com 18, 19 anos, qualquer coisa assim. Consegui emprego rápido, eu escrevia à máquina, nesse tempo que eu fiquei com o Byington, no gabinete dele, e não tinha muita coisa pra fazer, era só pra ele, então ficava mais tempo ______ da secretária. Aí eu fui fazer um curso de datilografia, e eu pedi a ele: "Doutor Byington, quando não tiver nada pra fazer o senhor deixa usar a máquina aí que eu estou aprendendo datilografia?" "Pois não, pode usar, à vontade." E eu treinava o dia todo. (risos) Saía duas ou três vezes pra ele, e... Então, quando eu saí do exército, arranjei um emprego de faturista, ganhava salário mínimo. Aí, olha como fico emocionado falando, é um pouco... me toco muito comigo mesmo. São momentos importantes. Então, eu fui pra lá, trabalhei três dias, porque eu, antes de me candidatar ________ uma coisa assim o nome da firma, eu tinha escrito uma carta pra ________ me oferecendo como datilógrafo. E aí veio o convite deles pra eu aparecer lá, pra fazer um teste. Aí fui e pedi demissão. Eu tinha tanta certeza de que como datilógrafo eu ia ser aprovado, que eu pedi demissão. "Bom, se o senhor quiser escrever a carta, mas acho que não tem necessidade." Três dias, não tinham dado nem entrada nos meus papéis. Então, tá bom. Antes eu tinha perguntado ao meu chefe qual era a possibilidade de eu crescer na firma. Aí ele virou e disse: "Ói, Ximenes, eu vou te dar só uma informação. Eu sou noivo há dez anos. Não consigo casar". Virei as coisas e fui no departamento de pessoal. (risos) E saí de lá, fui na GE, fui aprovado, eu tinha pedido 1.200 reais, cruzeiros naquela época, e eles me ofereceram 1.500. Fiz um belíssimo teste, e 1.500 com uma condição: eu só poderia sair da GE depois de seis meses de trabalho. É, tudo bem, eu posso até não sair nunca, vai depender de mim, e vai depender dos senhores também. Então, comecei trabalhar, trabalhei bem, dali passei a ter responsabilidade sobre a biblioteca, era um laboratório de produtos isolantes, tinta isolante, e depois comecei a tomar conta do almoxarifado, e um belo dia, e tinha um outro departamento que o americano dirigia, que era de trepilação de fios para fios incandescentes, né, tungstênio. O secretário tinha saído. Eu... aliás, não perguntei a ele, perguntei ao meu chefe _____ e o chefe foi e perguntou a ele. Disse: "olha, eu vou aguardar, não vou botar ninguém agora, só vou te dar o lugar o dia que você me escrever uma carta em inglês pedindo o lugar". Tudo bem. Entrei pra Cultura Inglesa e dois meses depois eu fiz uma cartinha pra ele e ele me deu o lugar. É muito detalhe que estou falando?

P/1 - Não, à vontade.

R - Então fui pra esse departamento, me dei bem, eu era trabalhador, não tinha medo de trabalho, gosto, eu gosto de trabalhar. Estou aposentado, mas não fico parado, não. Não preciso trabalhar, mas eu gosto. Primeiro gosto do trabalho, depois gosto de ter dinheiro pra gastar. (risos) Você não tem dinheiro, tem um negócio e, pôxa, e agora, que é que eu vou fazer? Então eu gosto de ter dinheiro pra gastar, não gasto à toa, mas gasto com aquilo que eu gosto.

P/2 - Antes de o senhor continuar com a GE, gostaria que recordasse como é que era o Rio do seu tempo de juventude e que coisas o senhor fazia além do trabalho. Deve ter tido amigos, lugares que freqüentava, como era?

R - Deixa eu ver se consigo responder. Meus amigos eram da escola enquanto eu pude freqüentá-la. Uns dois amigos que tive, foi assim como conseqüência de namorada.

P/2 - O senhor era muito namorador?

R - Não muito, mas não ficava atrás também. (risos) Eu tinha um pouco de medo de compromisso. Mas eu tinha, tinha amigos bons, até hoje são amigos, uns já morreram, infelizmente, e foi como conseqüência de amizades da minha mãe. Eu fui conhecendo rapazes, depois conhecendo o noivo da irmã desse rapaz, e nós fizemos amizade muito boa, todos os sábados e domingos estávamos juntos, íamos ao futebol, o pai dele tinha um sítio, nós íamos lá, foi meus principais amigos nessa fase da minha vida. Depois, eu fui obrigado a parar os estudos, parei no terceiro ano de ginásio. Não é que eu não tivesse condições de pagar, só, é, como lhe disse, não tinha ginásio no subúrbio. Então eu trabalhava na Esplanada do Castelo e minha escola era na Rua São José, pertinho, pertinho, só que tinha um agravante: eu ganhava pouco e se almoçava, não jantava. Viajava de bonde, que levava uma hora e quarenta minutos pra ir do Largo de São Francisco até onde eu morava. Me cansava, né? Eu me lembro que uma ocasião, devia ser uma sexta-feira, (risos) eu peguei o bonde e dormi até o fim da linha. Ai eu fui, chegou no fim da linha, eu saltei e falei pro condutor, que me acordou: "Vem cá, que horas é que tem bonde aí? Ah, agora só amanhã de manhã, rapaz." Era uma hora da manhã. (risos) Aí eu fui a pé até em casa. E tava lá meu pai pra lá e pra cá me esperando, coitado.

P/1 - Ele era muito preocupado, um pai muito rigoroso?

R - Não. Meu pai era um cara espetacular. Era um conselheiro. Você, aproveitava se quisesse. _________, _________ : "Vocês têm que tomar conta da vida de vocês, a minha etapa já passou. Quer um conselho, eu dou, se vocês acharem que precisam. Você tem que fazer a sua vida. Daqui a pouco posso não estar por aí." Meu pai foi um grande homem. Um grande exemplo. Posso dizer que me pautei muito nas minhas decisões pelos exemplos que meu pai me deu. E conselho, claro, né? Bom, depois não pude mais estudar, primeiro porque o dinheiro não dava, segundo que o organismo não agüentava também. Ou bem trabalhava ou bem estudava. Depois, 3 ou 4 anos depois já começou a aparecer escolas, com mais, assim, mais audaciosas, com cursos de ginásio, naquela época, hoje é segundo grau, né? Mas aí eu já tinha... perdi um pouco do pavio. E continuava ganhando pouco. Aí entrei na GE, cresci lá, de secretário do departamento lá, depois de algum tempo, fazendo uma série de coisas boas, interessantes, tenho muitas cartas de elogio da GE, e do próprio chefe, um americano que gostava muito de mim também. Eu passei a tomar praticamente conta do departamento, numa situação de desespero lá, o americano viajando nos Estados Unidos, naquele tempo pra chegar até o Brasil levava um mês. Era navio, avião não, já existia. (risos) E o chefe, o outro chefe, o engenheiro que ele tinha deixado, foi fazer uma viagem ao Paraná e lá ficou, com malária, a pior delas. Então o outro, o vice, o subgerente lá, tava muito quieto. Eu sou meio espalhafatoso pra falar, ouviu?, (risos) e ele me chamou. O que é que eu posso fazer. Olha seu "______________ eu tenho dois mecânicos muito bons. ________, desenho, _________, eu tenho dois ______ autorizado ________. O caso era montar. Um tem apartamento , eles compravam o fio da lâmpada, semi trefilado, né? Porque _______ e tungstênio não funde. Então aquilo é martelado até ficar num fio e daí então ele vai pra trefilagem, trefilando por fieiras cada vez menor vai transformando aquilo em fiozinhos e aí a fieira já é de diamante, (?) Eu já lia um pouco de inglês e fui fazer um curso de uma semana de desenho industrial pra mim poder entender, _______________. _______ o dia todinho, saí de lá pronto pra poder aplicar o que eu tinha aprendido. E graças a Deus deu certo. Nós conseguimos montar toda a fábrica, só não pusemos pra funcionar porque essa não era, nós não tínhamos gente, era gente que deveria ser admitida. Aí fui promovido, pelo conhecimento de desenho que eu tive, tal, o meu departamento era quase uma oficina, de montar, passar no torno, aí me promoveram pra comprador só especializado, para identificar peças que tinha que fazer fora, peças que lá dentro não podiam ser produzidas, e elas vinham à minha mão com o desenho, e pedido de quantidade, e tal, depois expandiram um pouquinho mais, pra outras áreas. Fiquei na GE nove anos. Saí, eu tinha, nessa época, minha filha tinha tido paralisia infantil, três ou quatro semanas depois tinha surgido a vacina, a primeira vacina, Sabin, não me lembro mais o nome. E aquilo me perturbou muito a vida, passei um ______, achava que ganhava pouco, acabei saindo. Pra eles foi de interesse porque eles estavam muito preocupados com o, a lei de estabilidade _______ anos e meio era o limite pra ter que sair, então eles imediatamente concordaram. Tivemos uma discussão, _____ porque eles fizeram uma série de coisas que eu não concordava. E saí de lá, fui trabalhar numa firma nacional como diretor de compras, mas me desiludi logo, porque o patrão gostava muito de bajulação. E não tinha lugar pra mim. E aí depois de três meses, eu falei com ele: "Olha seu _______" - o nome dele - eu vim pedir demissão, estou ganhando pouco, não dá pra mim carregar minha família do jeito que eu quero. Eu tenho obrigação de dar conforto aos filhos que eles não pediram pra vir, sabe, eu é que tenho que cuidar deles". "Ah, bom, vai sair agora que estou pensando em te dar um aumento de 25%", eu ganhava 10 mil cruzeiros Aí pensei: "Se cada vez que precisar de aumento tiver que pedir demissão, vou ficar aí seis meses pedindo demissão". Então... "Não é isso que eu quero, é muito difícil subir na sua firma, vou ter que falar claro, porque o senhor é muito sensível a bajulação". Falei, talvez até pro bem dele. "E eu não sei fazer isso, não gosto e não sei." E aí saí. E me candidatei à Johnson.

P/2 - Antes de o senhor entrar na Johnson, eu queria que o senhor voltasse um pouco à sua vida pessoal, se não for problema pro senhor. O senhor disse que tinha uma filha e queria saber como o senhor conheceu sua esposa, e como foi o namoro, o casamento...

R - Conheci minha esposa na GE. Ela era funcionária, trabalhava no Departamento Pessoal. Na época que casei ela ainda estava na GE. Saiu. Naquele tempo era do machão, né? Mulher que se prezasse, marido não deixava trabalhando. (risos) Fiz questão que ela saísse. E conheci lá. Namoramos e em dois anos casamos. O dinheiro era apertado, eu morava com os sogros, mas, depois de casado, ainda fiquei... dois, três anos ________, talvez. E... eu vendia roupas, comprava roupas, quando começou a aparecer aquelas roupas de nylon, camisa de nylon, horrível, que não tinha poro, a transpiração não saía, né? E não precisava passar. Se passasse furava, né? (risos) Fui até feirante ainda trabalhando na GE. Eu comprava coisas... eu me lembro que uma vez eu fui numa rua lá, dos turcos, e arrematei uma gaveta toda cheia de camisas, camisas _______, tá? Uma parada pra levar pra casa, e fui vender na feira de Caxias, uma feira muito famosa lá no Rio, não sei se por aqui já ouviram falar. Levei um mês mais ou menos vendendo aquilo. E fazia loteria esportiva, só não roubei. E nunca tive ímpeto. E fui ficando na GE.

P/1 - Voltando ainda um pouquinho, como era o lazer da juventude do seu tempo, a gente tem muito essa imagem do Rio ligada à praia, né? Era o ponto de encontro, como era?

R - Olha. Eu morava no subúrbio, então a parte Zona Sul era a parte mais procurada. Não sei se naquele tempo era, porque também não era fácil você se deslocar até a orla de Copacabana, porque não tinha condução direta. Os ônibus vinham até a cidade. Não tinha ligação. Você tinha que chegar até a cidade, trocar de ônibus pra ir até Copacabana, também não tinha muitos ônibus pra lá, porque tinha uma rede de linha de bonde muito boa, os ônibus iam do Largo da Carioca até Copacabana. Mas não iam até o Largo São Francisco, que era só pra bonde da Zona Norte. E o Largo da Carioca, a chamada... como é que ele chamava?, chamavam... onde tem o Edifício Central hoje, na Avenida Rio Branco, 152, né? Então não era fácil. Eu conheço só a praia do subúrbio, Praia de Ramos, essas eu conheço. Era fã de praia, jogava futebol, isso não abria mão. Gostava de nadar, eu atravessava a nado da Praia de Ramos até a Ilha do Governador, ainda não tinha ponte. Primeiro atravessava pra ilha de Bom Jesus, depois... eram duas etapas. Agora, quem podia freqüentar a praia e estivesse perto, aí bem, era Copacabana, que estava sempre cheia. Não era o que é hoje. A população cresceu muito né? Gostava de andar, de visitar amigos, mesmo depois de casado, minha mulher também gosta muito de sair.

P/2 - Mas o lazer principal era esporte, então?

R - Só esporte. Tinha cinema, que era muito procurado, porque o Rio era muito limitado em termos de lazer. O conceito de excursão, de subir o morro, de escalar, isso ainda era assim muito incipiente. Talvez aquele pessoal de muito dinheiro, não era quem eu conhecia, né?

P/1 - Essa imagem do Rio, de violência, era outra coisa, né? Tinha essa idéia do Rio da malandragem...

R - É, qualquer cidade grande, e o Rio é uma cidade grande há muito tempo, como São Paulo. Eu me lembro, quando eu namorava minha mulher, tava eu e meu cunhado, ele namorava a irmã da minha mulher, e um dia de sábado, quando saíamos das casas das noivas, e nós íamos pra cidade, fazer farra, né? Mas já era uma outra fase da vida, né? E onde nós atravessamos a linha do trem pra pegar um ônibus pra ir pra cidade, quando íamos atravessando a linha do trem, tinha um bolo na frente. Quando fomos chegando, eles abriram. Meu cunhado era médico, meio boboca, sabe, não tinha essas malandragens toda, né? Então dei um empurrão nele e disse: "Corre que nós vamos apanhar". (risos) Eu estava vendo que eles estavam batendo numa pessoa escura lá na frente junto com uma mulher que ele estava. E saí correndo. Mas o sangue me subiu, fiz sinal pra um ônibus, entrei pela porta da frente, saí pela de trás, procurando uma polícia, quando saltei pela porta de trás, veio um cajado, pronto. Aí estragou a minha vida. Peguei e fui atrás. _________. Quando chegou na porta da minha _______ eu falei: "Nós estamos indo pra um lugar bandido". Disse: "Eugênio, eles vão dar a volta e vão cercar a gente". Nós estávamos na porta de um outro médico, também amigo nosso. Aí veio um, quem é que é homem aí, e o rapaz escuro que estava apanhando também veio junto com a gente, (risos) e eu falei pro meu cunhado: "Pula, que eu pulo atrás". Eu era mais ágil que ele, sabe?, "Senão, vamos apanhar". Ele pulou, quando os caras vieram, pulei atrás. E aí, eles não invadiram. O escurinho também pulou. Bom, tinha disso, sabe? Mas, naquele tempo era muito difícil ter um negócio desses em outro lugar. Aquilo foi muito eventual. Agora, hoje não. Hoje eu tenho medo. O que eu fazia, por exemplo, quando contei que uma noite andei seis quilômetros a pé, ninguém me agrediu, estava todo o mundo dormindo. Hoje não ando nem mil metros. Prefiro ficar esperando até de manhã.

P/2 - Olhando assim à distância, como o senhor se vê como adolescente, um adolescente que teve que trabalhar muito cedo?

R - Trabalhador eu sempre fui. Depois que eu conheci minha mulher, nessa altura eu tinha 20 anos, comecei a me relacionar com os parentes e respectivos noivos, todo o mundo era noivo naquela época. Esse médico que eu falei, que é meu cunhado hoje, todos os sábados íamos pra cidade e saíamos. Em nossas farras, fazíamos tudo o que não pode ser feito. (risos) Beber, não. Comecei a beber um pouco depois que eu vim pra São Paulo. Aí eu ganhava muita bebida, o que é que eu ia fazer? (risos) Eu gosto ainda de beber, mas não posso mais beber como bebia. Não quer dizer que me embriagasse. Sou diabético e já tive coma, depois que saí da Johnson. E aquilo me assustou muito. E eu estava viajando, na estrada, e se não é a minha mulher, eu tinha morrido. Ela pegou a direção e ela nunca tinha andado na estrada. Andou mais de 200 quilômetros. Eu vinha de Goiás, comecei a passar mal em Anápolis. Bebo uma garrafinha de cerveja se for numa festa, posso tomar duas ou três doses de uísque, mas é ali. Um mês depois não vou beber mais. É, controlo. Tomo insulina todo dia.

P/1 - Mas, naquela farra deu pra compensar bastante?

R - É que eu era muito vigiado. A minha mulher morava numa rua e eu numa outra. Então tinha que ter muito cuidado, e outra coisa, eu gostava muito dela, e até hoje adoro minha mulher, sou apaixonado pela minha mulher até hoje, é uma grande mulher, uma grande pessoa, uma mulher de uma personalidade espetacular. Então, eu tinha que respeitar, não podia falhar, porque se ela me visse fazendo qualquer coisa... (risos) Ela largava mesmo, né? (risos) Depois é uma questão de respeito. Você não pode fazer as coisas na cara da pessoa que confia em você. Mas não fui assim grande farrista, não. Fiz o que eu acho que devia ser feito. Gosto de amigos, fiz amigos na indústria farmacêutica no Rio, aqui em São Paulo. Eu tenho um amigo no Rio, um dos melhores, que é presidente da Sanofi Winthrop, com sede no Rio, e nós pouco nos vemos. E quando nos vemos vamos pra um restaurante. Ele não vai na minha casa, diz que o uísque que tenho que beber é dele. (risos) Tenho poucas, mas boas amizades. É muito difícil ter um sábado que eu não seja convidado pra uma ou outra festinha, no condomínio que moro, de casas, muito bom e gostoso, em Jacarepaguá, gente muito fina, é raro um sábado que não tem uma brincadeira. Estou muito satisfeito lá. Eu gostaria também de estar em São Paulo.

Adoro São Paulo. Me adaptei, fui muito feliz, e tive muita sorte em São Paulo. É claro que trabalhei pra burro, eu tava falando não sei com quem, que viajei muito, cansei de viagem. Mas mesmo assim, eu continuaria. Minha mulher me cobrava, mas eu também estava querendo mudar de vida. Há certas coisas que não gostei... Você chega a um ponto onde sente que se ficar, cai. Eu fui numa reunião nos Estados Unidos ouvi coisas... não que me deixaram zangado, mas que comecei a pensar: "Pôxa, estou insistindo num negócio que não vai dar, melhor eu sair da frente, eu tô de rolha aqui." Aí eu falei com o gerente geral, lá mesmo: "Toma providência, porque se eu tiver...", eu tinha muitas propostas, "Se eu tiver uma proposta daqui pra frente, dependendo da qualidade da proposta, vou sair". Seis meses depois ele voltou a conversar comigo, acertamos os ponteiros, saí muito bem, não tenho nada contra a Johnson, se tivesse não estava aqui, vim porque gosto da filosofia de trabalho da Johnson, da alma da Johnson. Ela é uma empresa que tem alma, tem um código, um credo que a pessoa que entender, não deixa a Johnson. Ela deixa, mas não vai entender. A grande maioria que tem lá dentro... Saliba, ele começou no Departamento Pessoal, fez administração de empresas, depois pediu pra se afastar, acho que foi, nesse tempo ele não trabalhava comigo, foi inclusive ajudado pela Johnson, ficou dois meses afastado pra fazer o Master em administração de empresas. Voltou, pediu pra ir pra área farmacêutica, eu o levei e aí foi se desenvolvendo, passou por todas as etapas e hoje é o presidente. Não sei se é a Cilag, só, acho que está com as duas. O gerente geral da Johnson é a Pauline e da Cilag é o Rubens. Foi um menino que trabalhou, viajou comigo pros Estados Unidos e Canadá. Então esse é o tipo de empresa que você gosta, investe, sem querer. Acredita naquilo. Ela não te promete, te acena: "Ói, aqui tem essa oportunidade."

P/1 - Vou pedir um minutinho pra trocar a fita.

R - Pois não.

[Fim da fita 1 - Lado A]

P/1 - Bom, retomando, como o senhor chegou até a Johnson, depois da GE?

R - Fui pra essa firma, uma concessionária da Chevrolet, e saí. Pedi demissão por causa dos rendimentos baixos, incompatíveis com as necessidades da minha família. Fiz uma carta. Eu fiz uma carta, fiz um anuncio no jornal. Fiz a carta, respondi a carta, fui chamado, fui entrevistado, aí eles me deram um material pra estudar literatura de produtos científicos, produtos médicos. Era o Hydrax, outra da Vagi-Sulfa, e Pré-Gel. O Hydrax era um hidratante, o Vagi-Sulfa era um antivaginal, e o Pré-Gel era um anticoncepcional, com ingredientes que inibiam a evolução dos espermatozóides, prejudicavam a corrida dos espermatozóides. Era uma vaga de propagandista. Aí eles me deram as literaturas, tinha uma separata também, que é um trabalho médico, e aí eu chamei meu cunhado médico, se ele poderia me ajudar, que eu não conhecia nada de medicina. E ele ficou um dia inteiro comigo. No dia seguinte, fui à entrevista. Não fui mal, mas cometi um erro. Só percebi depois. Eu, no final da entrevista, tirei um cartãozinho de um rapaz que eu não conhecia e que tinha trabalhado na Johnson, pra falar no nome dele, que pode abrir mais espaço pra você. Foi o contrário. Aí senti nitidamente na hora e pensei a bobagem que tinha feito. Fui embora. Aí começou a passar o tempo e ninguém ligava. Um dia liguei pra lá e o chefe do escritório disse: "Ele está em São Paulo, numa convenção". Pedi o telefone e liguei pra ele em Valinhos. "Ah , o senhor está me telefonando aqui, estou trabalhando". Disse: "Olha, me desculpe, fiquei preocupado que o senhor ia demorar muito e estou interessado na vaga". Ele disse: "Então vá no tal dia". E dei sorte. Quando cheguei, ele tinha acabado de demitir um dos novos que... (risos) Aí, fui admitido. E fui ganhar mais do que ganhava na GE. Mais uns 20%, mais ou menos. Da Johnson lembro, era 800... cruzeiros, não!, oito mil cruzeiros, e mais cinco de ajuda de custo. Eu ganhava 11 na GE. Não sei o que representava hoje. Naquela época não tinha também nenhuma idéia do valor do dólar em relação ao cruzeiro. Até fiquei curioso agora. (risos)

P/1 - Dava condição de um bom padrão de vida, tinha comissão?

R - Dava, e tinha comissão. A comissão era fixa, mas era global, venda global, dividida ________. Você tinha prêmios. O que você superasse o seu objetivo ganhava 5% de prêmio, que não recebia na hora. Ele era cumulativo, chegava um tanto, a empresa adiantava um valor. No outro mês, se você também ultrapassasse um determinado limite, recebia outro valor, e o resto ia sendo acumulado para o pagamento do seu saldo no final do ano. Valia a pena por dois motivos, primeiro que a orientação era muito boa, você sabia exatamente o que estava fazendo, apesar de ser ainda, podemos dizer, tupiniquim, porque a indústria farmacêutica estava começando a explodir. Então muita coisa precisava ser mudada e a Johnson estava acompanhando. Então comecei a revolucionar. Os que estavam na empresa faziam seis visitas. Comecei a fazer 13, 14, fui até uma vez assediado por um vendedor, que há pouco tempo encontrei, era gerente regional no Rio de um laboratório suíço, não me lembro o nome agora, mas, na verdade, eu comecei em agosto. E ganhei, segundo mês, eu fiz venda acima das cotas estabelecidas todo o mês, que eram de cotas diferentes. Eu me lembro que nessa época eu tinha um Mercedes 39. Não vendi porque comecei a trabalhar de vendedor e eu tinha zonas muito longe, acho que a Johnson não tinha dez homens no Rio, se tivesse. E eu tinha Avenida Rio Branco, Avenida Presidente Vargas, Vale do Porto, Catumbi, Praça da Bandeira, São Cristóvão, 24 de Maio, Bom Sucesso e Ilha do Governador. Imagine pra fazer isso em 30 dias! (risos) Então o carro me ajudou muito. Até que abriu as duas rodas (risos), ah, joga isso fora. (risos) O fato é que eu fui me dando bem, vendendo bem, cobrindo minhas cotas, assimilando muito bem, eu mesmo fiquei admirado, assimilava muito bem patologia, fisiologia, eu conhecia tudo, e estudava muito. Chegava, via os filhos, conversava um pouquinho com a mulher, sentava na poltrona pra estudar aspectos do corpo humano e produtos também. E ainda separar as fichas pra fazer o itinerário do trabalho do dia seguinte. Mas valeu.

P/1 - Como era a estrutura da Johnson no Rio naquela época?

R - Quando eu entrei ela ficava na Rua Uruguaiana, esquina da Presidente Vargas, 12° andar. Duas salas bem pequenas, se comparada com outros laboratórios e com a própria Johnson, que tinha, por exemplo, produtos populares, que ficava na Avenida Rio Branco, era um andar inteiro. Foi um começo difícil pra própria Johnson, pra própria Divisão Farmacêutica.

P/1 - Como era o grupo de funcionários? Eram só os vendedores?

R - Tinha um gerente regional e eu, quando entrei ele era gerente distrital, mas logo foi promovido a regional. O Montenegro era um, e tinha um outro Fidalgo, era o meu superior. E o Martins, que foi promovido, ele tinha sido transferido para Belo Horizonte, lá fez o trabalho que precisava fazer, e acho que por interesse dele, ele voltou ao Rio. Um chefe excelente e excelente indivíduo pra se conviver. É talvez uma das melhores pessoas com quem trabalhei na minha vida. Já faleceu. Tinha um amor à Johnson também muito grande.

P/1 - O material publicitário daquela época mudou em relação a hoje?

R - Não sei como é que está. Não me parece que tenha mudado muito porque a base de você conversar com o médico, é o contato, a visita. Você não pode levar um livro pra conversar com o médico, tem que levar material simples, objetivo, com informações, até muitas observações, desde que interesse ao médico. Pra trabalhar como vendedor-propagandista tem que ser maschio, porque não é fácil. Até você conquistar o médico leva um tempo. É claro que depois, com o chão que vai fazendo, tudo fica mais fácil pra você. Você quer ver um exemplo? Eu nunca tinha visitado um médico a não ser pra fazer consulta. Então, esse Fidalgo, que era um gozador, ele foi me levar pra campo _______ e aí fomos num bairro, ali perto do cais do Porto, fomos visitar uma médica, não me lembro o nome agora, que era escura. E eu não sabia. Aí ele me deu a pasta e ela abriu a porta, e aí perdi a voz. Eu esperava uma branca, né? E ela era escura. Não tenho nada contra, mas é que não esperava, né? Então, você não pode fazer isso. É um ser humano como outro qualquer. Você não pode ter essa reação. Não sei te explicar. É uma profissão muito gostosa depois que você aprende bem e tem interesse. Você ganha dinheiro, hoje não sei se tem comissão ou são prêmios, lá; tinha um mínimo garantido, naturalmente, mas o fato é que passei a ganhar dinheiro. E quanto mais eu ganhava, mais trabalhava, porque sabia que estava trabalhando no meu benefício. Ganhava a empresa, ganhava eu. Uma outra ocasião, eu fui num ambulatório médico, estava uma escurinha, na porta conversando, e eu disse, dá licença, a doutora Jandira ... esqueci o nome, viu? A doutora Jandira sou eu. (risos) Imagine só, né?

P/1 - E havia algum médico que não gostava de propagandista?

R - Sempre há. À medida que ele vai acostumando com você, se ficar no setor muito tempo ele vai te aceitando, mas sempre tem um lado que de vez em quando ele dá um chega pra lá. Não é como o médico que entende que o propagandista é útil pra ele, tanto quanto ele pode ser pro propagandista. Eles vão se atualizando. Tem muitos trabalhos médicos que são levados a ele, que nas revistas médicas eles não vão encontrar nunca. Porque ele não tem tempo de estar procurando, de ler revistas médicas. Aí, fiquei como vendedor um ano e quatro meses, aí fui promovido a supervisor, o que me deu um pouco mais de liberdade de trabalho porque comecei a ver muita gente fazendo o mesmo trabalho e pude ganhar de A, de B, de C, pra ver o que era bom pra todos. Aí formei uma equipe boa, tive um gerente muito bom, interessado na firma e nas pessoas que eram interessadas em aprender. Fazia o diabo, mas tinha que trabalhar. De supervisor fiquei mais ou menos quatro ou cinco anos, entre 1958 e 1966. Em vendas, supervisor.

P/1 - Como eram feitos os planos, tinha virada de plano, como funcionava, tinham treinamentos novos?

R - Ah, tinham treinamentos todo o... mesmo que o produto em promoção no mês anterior, no ciclo de trabalho do mês seguinte, tinha treinamento. Sempre tem que ter uma informação nova, uma que venha do campo, que o médico criticou; às vezes, o médico tinha razão. Então tinha que fazer mudanças pra todo o mundo, não só pra aquele que encontrou aquele médico. Então tinha treinamento toda a virada de ciclo, fora o treinamento que o supervisor tinha que dar. Ou aquele que já era antigo e estava precisando de uma assistência, ou o novo, que precisava mais da presença do supervisor ao lado dele, porque no campo é muito mais fácil, porque se pega o erro na hora e se corrige. Depois disso, eu fui promovido a gerente geral, não fiz o estágio de gerente regional. Vim direto pra São Paulo. Em 1966 então, mudei pra São Paulo. Fiquei aqui até 1986 quando achei que estava atrapalhando alguém e a mim mesmo, talvez, e fui embora. Voltei pro Rio sem querer, porque era desejo da minha mulher, e eu não quis contrariá-la, porque ela não fez isso de reclamar quando veio pra cá, e ela não gostava.

P/1 - Como foi a mudança no sentido pessoal, foi morar onde?

R - Eu fui morar na... onde tinha a estação do bonde, Vila Mariana. Morei um ano lá. Aí aconteceu o estabelecimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, e eu optei. A Johnson, pra quem era optante, indenizou o tempo que correu com a Lei da Estabilidade. Não sei se ela pagou em parcelas, qualquer coisa assim. Aí tava fazendo um ano que eu estava morando na Vila Mariana e o aluguel ia aumentar muito e o condomínio também. Eu peguei aquele dinheiro, falei com minha mulher e decidimos procurar um apartamento pra morar. Apartamento, naquele tempo, era luxo em São Paulo, custava uma nota violenta, (risos) agora é o contrário, não consegui comprar o apartamento dentro das nossas possibilidades. Aí o corretor era muito vivo e disse que tinha uma casa aqui na José Maria Lisboa, zona nobre, né?, que o proprietário quer vender com rapidez. "Ele está doidinho pra vender." Fomos ver, e tal, conversamos com o proprietário, ele pediu 40 mil. Tinha 20 mil, e fiz uma contraproposta, 18 mil eu dava de entrada, e os dois mil precisava pintar um pouquinho, eu tinha que comprar umas coisas pra dentro de casa também. E foi comigo, gostou da conversa comigo, e fechamos negócio. Paguei, um... Tabela Price, era 750. O que eu ia pagar de aluguel, mais um tanto de condomínio, fui pagar a prestação da casa. Comprei a casa, morei lá seis anos, depois eu comprei um imóvel em construção também ali perto da Maria Lisboa, morei lá 14 anos, não lembro a rua, e daí saí da Johnson e voltei pro Rio.

P/1 - Voltando a Johnson aqui, na área de farmácia, como sentiu a estrutura maior, o ambiente de trabalho, as pessoas...

R - Bom, primeiro lugar, as pessoas já me conheciam. Vinha a reuniões de supervisor, convenções, e a gente tinha assim um contato, não só nas convenções, mas também de idas de... gerente de produtos, do gerente de vendas da época que era o Pinto, depois passou pra gerente de relações de mercado, mas mesmo assim a gente continuou com entrosamento com o pessoal. Não tive problemas. Eu tive dúvidas de outros supervisores, mas não vi nisso nada de maldade, porque a carta, que sem querer eu peguei, de um supervisor pro outro, ele queria ver como ia ficar, (risos) não achei que aquilo tinha maldade nenhuma, acho que aquilo era uma manifestação justa saindo de supervisores de equipe para uma, não puseram nem gerente de venda, puseram supervisor de vendas. Então, pra amenizar, né?, talvez assim eu tivesse a mesma reação. Por que não eu? Mas, veja, eu não fui o primeiro a ser convidado. Outros foram consultados e não aceitaram. Eu na primeira vez também tive um problema com a minha sogra, e que influiu na minha mulher. Eu, como não quero decepcionar a minha mulher de jeito nenhum, pensei vou ficar, vou dizer não. Mas, olha bem o que vai acontecer, estamos no início da vida profissional no ramo, e tem uma chance pra subir mais degraus. Mas, não aceitei. Dois meses depois o Pinto voltou ao Rio, e me convidou. Aí não pensei duas vezes, dei a palavra. ______ pra minha mulher, e disse: "Olha, vou te falar uma coisa que você não vai gostar. Não tenho nenhuma intenção de te ofender, eu ______, _________. ________ está me _______". Aí ela aceitou. Esse foi o único... não foi nem problema, né?, foi uma ameaça de problema. Minha vinda pra São Paulo pode ter um ou outro que não tivesse gostado, que se achasse merecedor, é justo. Todos estão trabalhando pra crescer, ganhar mais dinheiro, subir, então é justo que a pessoa fique um pouco chocada. Mas não, problemas, não. Sempre me trataram bem, eu tentei fazer a coisa de maneira a não ser um intruso, né? Então fui devagar... pra dizer a pura verdade. Eu fui sendo aceito sem querer, pelo menos que eu tenha percebido. E se percebi, acho que também já esqueci. (risos) Me dei muito bem em São Paulo. Gente muito boa, grupo muito bom, espetacular, Alfredo Mendes Filho, acho, não sei se ouviu falar, ele era da Farmacêutica, depois passou pra Relações Públicas da firma, né? O Sanches ________ também durão, mas um coração desse tamanho. Mas, duro. Bom, ele diz uma vez só: "Olha, não vai fazer." E não adianta argumentar, porque ele vai te provar por A mais B que no momento não é isso. Me dei muito bem com ele também. Adoro o Sanches. De muito tempo. O Pinto também foi o meu primeiro chefão, vamos dizer assim. Até agora parece que ele ainda colabora com a Johnson, né?

P/1 - Com relação ao seu trabalho em si, não muda nada com relação à nova equipe, né, os métodos, nesse momento da vinda pra São Paulo?

R - Não, não mudou em nada, A vaga estava se fazendo por promoção do Pinto. Ele estava indo pro lugar que o Sanches tinha, que ele tinha sido promovido a presidente. Ele foi pro lugar do Sanches, na Divisão Farmacêutica, e eu vim pro lugar dele, mas não mudou nada.

P/1 - E qual era a estrutura naquele momento em São Paulo, quantos funcionários tinha?

R - Vocês estão machucando a minha memória. Só aquelas fotografias, destrinchar...(risos) Ah, bom, tinha o Alfredo, que ainda tava na área de promoções, ele era o chefe. Acho que ele era o chefe de Propaganda e Vendas... eu tinha, três, quatro gerentes de Produto, um gerente de Pesquisa de Mercado, tinha dois médicos, mas se reportavam ao Pinto, na época, tinha um auxiliar, uma secretária, o auxiliar que controlava todo o movimento da Força de Vendas, despesas, prêmios, tudo isso era ele que fazia. Hoje também está aposentado. Na época, era essa estrutura, e mais a Força de Vendas, que devia ter uns 120 vendedores. Isso cobria São Paulo e Brasil, com as regionais também. Aí nós fomos mudando, com o crescimento da linha de produtos, chegamos à conclusão que o número de distribuidores era muito pequeno. Precisava ter mais distribuidores, um brigando contra o outro, naturalmente honestamente, para a gente poder ampliar. Um distribuidor só na área, ele está sozinho, entrega quando quer, se o cara pede dois ele manda seis. Dois brigando é diferente. Tem que dividir por dois. E eles estão ganhando a mesma coisa, e se eles estão ganhando a mesma coisa, nós vendendo em dobro Então nós expandimos o corpo de distribuidores.

P/1 - E quais as estratégias da empresa pra estimular o vendedor a conseguir mais prêmios?

R - O prêmio, eu te falei um pouco mais de tempo depois, né? O prêmio de... de produção, acima do objetivo de venda, ganhava 5%, cada vez que ______ 100 reais ou 100 mil, ganhava 5% sobre cem, e quando ele chegava num determinado valor, ele recebia um pouco, e o restante ficava acumulado pro final do ano. E outros tipos de prêmios, fazia concursos de vendas sobre determinado produto... não vingou muito, mas chegamos a dar geladeiras, te falo. O dinheiro que fala a verdade. Pessoal se esforça mais em relação ao dinheiro, que às vezes o cara já tem geladeira, né? Hoje, então, nem se fala né? (risos) Alguns prêmios especiais, prêmios de final do ano, a Johnson pagava um bônus, independente do prêmio, achou que é só isso, mas era é um valor, sabe, significativo, não era um prêmio. Claro, quem não produzia não ganhava. Ou o camarada corria pra produzir, ou o supervisor tinha que tomar uma decisão. Se ele não produz, está insatisfeito. Se está insatisfeito, vai contagiando a equipe, uma erva daninha não se pode deixar no canteiro. Se não, morre tudo. A filosofia de trabalho lá é você trabalha, vende, e ganha. Quando eu era supervisor, muita gente me barrava na rua pedindo pra arranjar um emprego. Eu não posso arranjar, mas tenta, vai lá, se inscreve, vai ser avaliado e analisado, e se você tem condições, te admitem. Agora, você é que tem que se vender, não adianta eu ir lá.

P/1 - Em termos de abertura de mercado, como foi no seu tempo? Havia mercados que ainda estavam virgens, que a Johnson ainda não estava no Brasil, foram feitas novas tentativas de abertura de mercado?

R - O mercado... veja, uma coisa é você que vai abrir mercado, né? O potencial. Às vezes, tá lá e as pessoas não vêem. Esse exemplo que lhe dei de ter mais distribuidores, em áreas de potencial, esse exemplo que lhe dei foi uma tentativa de expandir as vendas. Você tem um negócio, você tem uma área com não sei quantos mil clientes. Mas você só está atendendo 600, ou mil, se amanhã vier outro pra brigar contigo, vai brigar onde tem milho pra ele poder comer. Então tu vai vendo outro ____ que tu não viste há mais tempo. Evidentemente o mercado é uma coisa que você tem que fazer com muita freqüência. Você não pode ficar pensando “bom, fulano é meu cliente”, mas você pode perder o cliente. É o caso do médico. O gerador de vendas na indústria farmacêutica é o médico, não é o farmacêutico, o farmacêutico obedece o receituário do médico. Se bem que tem gente que troca. Mas isso é... nada, né? Então aquele que gera a venda do produto, que é realmente ético, que é o receituário médico, é o médico. Depois pode haver procura espontânea. À medida que o médico, que é quem populariza o remédio, o receituário. Não é o laboratório, é o médico. O laboratório não vai anunciar um produto, não é ético. A freqüência do receituário dos médicos, não é um médico só, vai popularizando o produto. O paciente, como a venda de produtos farmacêuticos aqui é venda livre, apesar de estar lá venda sob receita médica, então o paciente... depois, se tem um parente que está precisando de remédio, “ah, eu tenho um bom, da Johnson, assim, assim”, e o cara vai lá e compra. Eu faço isso. Então, o médico é o sustentáculo da venda, do laboratório. Sem ele receitar...

P/1 - Então, quer dizer, abrir mercado significa convencer o médico?

R - Sim, e você tem que fazer todo o dia o recenseamento do seu território. Quer sejam novos médicos ou novas farmácias; se você não fizer isso, você fica com o mercado desse tamanhinho. Não vai expandir nunca. __________ (risos)

P/1 - Eu estava falando também de mercado em termos de Brasil, se já estavam controlando o país inteiro, né?

R - Controlando em termos de presença do homem que visita o médico. Nós já tínhamos algum distribuidor, especialmente no Norte, acho que o Sanches é que foi o pioneiro, que eu sei. Foi lá, abriu novos distribuidores, vendeu mercadorias, teve condições talvez melhores na época pra poder chegar mais depressa, né? No Sul, acho que... não sei. A história que sei do Sanches foi porque me contaram, o pessoal, porque depois que passei a gerente geral, viajei muito. Eu ficava 20 dias viajando. Eu tinha Bahia, Pernambuco, Belém, e de vez em quando ia a Manaus. Não ia em toda a viagem, porque lá tinha um mercado ainda expandindo. As primeiras viagens que fiz ainda não tinha Zona Franca. Logo depois é que... Então a expansão desse mercado que sabia que existia, é você chegar lá e ver. É o que foi feito, porque eu saí, eu não tinha regional naquela área, mas logo depois promovi um supervisor muito bom, que trabalhou na Johnson muito tempo, e ele, com o grupo dele, foi penetrando lá no Interior, em cidades que iam crescendo, evoluindo, com médicos. O crescimento das vendas foi constante. Nuns lugares melhor, em outros pior, mas, valeu.

P/2 - Mas geograficamente essa abertura foi mais Norte e Nordeste?

R - Já estava, mas mesmo assim nós incrementamos. Como o próprio Interior de São Paulo. Ele começou a crescer, a gente já tava lá dentro. E tinha distribuidor. Só que o crescimento do Interior...o interior, hoje não sei, porque não tenho dados, mas quando estava aqui já deu pra sentir que no interior dava pra vender mais que na Capital, quando eu saí, já vendia. O interior de São Paulo era a galinha de ouro. E tá aí, né? Provado. Você passa por São José do Rio Preto, é um... um refresco pros olhos. Você passa pela Anhangüera, observa Ribeirão Preto , e depois atravessa pro lado de Minas, pronto. Acabou. Não tem nada. Fora Uberaba, tal. Uberlândia, talvez esteja até melhor que Uberaba, e antes era o contrário. Eu me lembro que logo que vim trabalhar em São Paulo, fui fazer uma visita a Uberlândia, fui levar uma doação lá pra uma escola de medicina, pra ser usada no combate à Doença de Chagas, né? E o problema era grave naquela ocasião. Disseram: "O senhor não sabe o risco que uma pessoa de fora tem aqui, se não tomar cuidado." _________ o descaso.

P/1 - O senhor costumava voltar para o campo, pra ver como estava?

R - Sempre, sempre. Eu podia ir a qualquer setor. Pelo menos _________. A não ser agora no final, porque as responsabilidades cresceram muito, e o sujeito não tem pra onde sair. Mas enquanto eu era gerente de vendas, e _________ como gerente de mercado, eu ia muito. Onde eu ia pelo menos com um homem eu saía. E depois foi piorando a situação. (risos) Não dava mais tempo.

P/2 - O senhor se lembra de um caso pitoresco, engraçado, na sua vida?

R - Ter, tem. Teve. Só que (risos) não estou me lembrando agora. Teve, sim. Eu tive muitas coisas gozadas que no momento realmente... Mas no passado, isso tem mais de 20 anos, a situação era diferente, então você admitia vendedores que realmente deixavam a desejar. Mas era o melhor que você podia encontrar. Uns eram grandes produtores, embora com limitações de conhecimento, mas eram grandes vendedores. Então, você sempre tinha uma coisa gozada, uns que comiam um negócio pensando que era outro (risos) e coisas assim.

P/1 - E em termos de campanha de produto. Quando um produto novo ia ser lançado havia toda uma estratégia, né? Que campanha o senhor se recorda que foi mais interessante, que envolveu, que criou uma expectativa, enfim...

R - Olha, eu estou correndo risco falando isso aí. Mas nós tivemos alguns produtos que deixaram a desejar em termos de, não efetividade em si, mas alguns com um pouquinho de rejeição médica, porque alguns clientes também rejeitavam. Isso deu um pouco de trabalho. E pesa na imagem do produto. O médico é uma faca muito afiada. Corta o ______ e corta a carne. Mas eu vou falar de sucesso. Um dos produtos...

P/1 - Vou pedir só um minuto, a gente troca a fita e volta a falar.

R - Ah, pois não.

[Fim da Fita Dois - lado B]

P/1 - Então vamos retomar pelo sucesso. O senhor estava falando dos produtos...

R - Ah, certo. Nós tivemos vários produtos. Pra te dizer a verdade, foi muito difícil acontecer na Johnson produtos que não tivessem um resultado considerado desejado. Muito difícil. Enfim, acontece em qualquer empresa, não me lembro quais, ou por uma falha de promoção, talvez, ou porque não atenderam aquilo que o médico tinha como expectativa, pode acontecer. Mas posso lhe afiançar que os produtos que foram pro mercado, a grande maioria, em índice muito significativo, foi bem aceito, bem receitado. É claro que com o tempo, vão aparecendo novas drogas, e essas novas drogas vão interferindo em drogas que já estão no mercado há muito tempo. Às vezes, elas nem são melhores, mas a promoção é boa, bem feita, então ela briga pra se sustentar. Outras vezes elas... Algumas vezes as antigas são realmente superadas por alguma coisa nova. Temos aí todos os dias drogas novas sendo descobertas na TV, que diz encontraram um medicamento pra controlar a AIDS, é uma revolução, uma doença que está castigando o mundo. É uma revolução médica, se tiver um fundamento científico, a procura vai ser grande. Pode ter acontecido assim, mas, veja, não estou acompanhando há dez anos o que está acontecendo na Johnson. No meu tempo, nós tivemos, mas não era uma coisa que tenha dado prejuízo.

P/1 - Qual o produto que marcou época?

R - Cadê aquela lista? (risos) Deixa eu ver... não vai ser fácil, não. Por exemplo, um produto que, isso lá pra 1958, por aí, foi o lançamento do Rarical. É um produto muito conhecido, não sei como está hoje, porque não acompanho. Mas foi de aceitação fácil, particularmente quando foi lançado o Rarical com vitaminas.

P/1 - O senhor participou do lançamento do primeiro Rarical?

R - Do lançamento, não. Eu trabalhei no campo. Quando eu entrei, o primeiro Rarical já estava no mercado. Mas, tinha poucos meses. Depois, participei do lançamento do Rarical com vitaminas. Participei, mas como supervisor. Depois participei de uma porção de outros lançamentos, Resprin, por exemplo, que hoje está até na promoção popular, foi um produto que fez um sucesso tremendo, vendeu horrores. Era um produto bom, uma fórmula simples, bastante efetivo, e um balanço muito bom na formulação. Foi um produto que agradou em cheio a classe médica, foi receitado por pediatras; primeiro o Resprin infantil, depois o Resprin comprimido.

P/1 - O senhor falou dos boletins de motivação. O que eram? Como funcionavam?

R - No princípio era sacudir o interior do vendedor. Todo o mundo gosta de ser chamado atenção positivamente, alguma coisa que vai beneficiar um trabalho dele. Então, no outro dia estava lendo uns, eu estava procurando as fotografias, eu em uma parte do armário de fotografias, boletins, que fiz, guardei, foi de minha autoria, achei que tinha o direito de ficar com eles, pelo menos, pra olhar de vez em quando. (risos) Então esse boletim, um colaborador, o irmão do Sanches, Manuel Sanches, mandou numa ocasião uma relação de objeções, onde dizia: "O mau vendedor ____ não foi exatamente isso ______. Objeções: "Eu não vou fazer isso porque não vai dar certo. Ah, isso eu já fiz duas ou três vezes ______ Mas, isso não é hora de fazer isso." Então ele relacionou 40 dessas objeções. Eu pensava, inspirava a gente _______ outra pessoa. Que eu tava pegando fogo. Eu gostava da minha função, gostava do meu trabalho. Então, eu olhei, pensei e disse: "Puxa, isso aqui pode dar um boletim." Aí fiz um livro com Ali Babá e os 40 ladrões. Comecei falando do Ali Babá, que era uma história muito conhecida, mas... que tal se a gente transformasse a história do Ali Babá e os 40 ladrões e fizesse uma análise das 40 objeções que vou relacionar abaixo? Aí fui relacionando e __________. Ali Babá é história, mas o que nós falamos em cima é realidade. Não é com objeções que se ganha, pelo contrário, a objeção forma um obstáculo e você tem que fazer é uma porta aberta pra você... É mais ou menos isso, não sei exatamente todo o texto, né? Então fiz esse boletim... (suspiro) e o que mais... Fiz muito boletim, fiz muito boletim

P/1 - Mas foi uma iniciativa do senhor?

R - Não, minha. A maioria minha, o Pinto deixou alguns que eu adaptei depois, mas eu colocava lá embaixo, o que eles chamam de boletim número tal, e aproveitei também os que eram bons e mereciam ser reimprimidos. Agora, a grande maioria foi meu, meu mesmo, direto. Uma ocasião eu tava trabalhando como vendedor aqui em São Paulo, e eu fui sair com um vendedor, já faleceu, coitado, e trabalhei com ele, visitei uns seis médicos naquela tarde. Lá pra Zona Norte. E toda a nossa orientação era de trabalhar o médico, não importa que falasse só de um produto. O ideal seria falar de três, mas, que se falasse bem. Não pode falar de dois bem, fala de um. No transcorrer da visita, observei que falava, no primeiro produto, _________, doutor, para finalizar, eu quero falar com o senhor tal, tal, tal. Não falei com ele no meio do trabalho, porque ia perturbar. Aí, no final do trabalho, chamei, vem cá _______: "Seu trabalho está muito bom. Até é o segundo terço do trabalho." "Mas por quê?" "Porque você provoca um desligamento do médico no momento que você fala: 'Doutor, pra finalizar...' acabou a propaganda. _____________________, você está perdendo o teu tempo e o material que você está deixando. Você não interessou o médico”. É natural, isso é geral, eu posso até apostar com você que eu, no tempo de propagandista, talvez tivesse feito a mesma coisa. Só que naquela época, não era eu que iria observá-la. Então, tenho que te criticar, porque é geral. É geral mesmo. Aí, eu disse: "Olha, faz o seguinte: você faz no médico o mesmo trabalho que você fez hoje. No finalizando, você presta muita atenção no médico, na fisionomia e no olhar do médico, pra saber se eu tenho razão. Depois você faz como estou te dizendo. E você vê se o médico vai se desligar" _________. No dia seguinte ele me ligou. (risos) Falei com o médico agora, perdi ou ganhei? Não, nós ganhamos. Então, isso foi motivo de um boletim pra mim. Procurei, e não achei. Porque mexi isso tudo essa semana quando soube que vinha pra cá, não sabia se era pra trazer os boletins ou não era, por sorte eu trouxe uns aí que serviram, mas não trouxe nada... Boletins, esses eram de promoção, né? Não sei porque _________ me pediu também. Então, a razão do boletim é essa. Por exemplo, encerramento de ano importante, porque o encerramento do ano é a coisa mais importante pra uma empresa. Se os objetivos não estão cobertos, estão correndo risco, o último mês é o último mês. Você tem que tirar a diferença dos 11 anteriores. Então isso era motivo de um boletim, pra adiantar como fazer, e isso é importante que atinja o vendedor.

P/2 - Como o senhor traçaria um perfil do bom vendedor?

R - Sabe o que é? Tem vendedor que depende da... ainda existe um vendedor na Johnson, no Interior da Bahia, Feira de Santana, não sei o nome dele, mas o apelido é Gogó. Ele tem um negócio aqui assim... Ele vende como ninguém, e não fala. Não fala uma palavra. Nem o nome do produto. Conversa com o médico, mas o nome do produto... E taí ganhando prêmios, hoje não sei. Mas até a época que eu saí, ele era campeão de vendas. Agora, só faz... taí, em outro setor ele vai pra baixo, vai pra zero. O que é que eu vou falar pra esse homem? Qual é o perfil que eu posso fazer (risos) usando ele como exemplo? Mas, vamos dizer. Eu tenho que me usar, porque fica difícil fazer o perfil de um vendedor com base em nada, tá certo? Mas acho o seguinte: primeira coisa, interesse pelo que tá fazendo. Não adianta arranjar um emprego pra ganhar dinheiro se você não tem interesse pelo que você faz. Você não vai ganhar. Você tem que conquistar receituário pra ganhar dinheiro; salário, pode até ganhar alguma coisa, porque o produto vende sozinho também. O produto está na farmácia, ele vende, também em conseqüência do trabalho do elemento do outro território. Se o cliente mora nesse, quem vai vender é a farmácia do território onde o cliente mora. Então... vende sozinho. Agora, é interesse pra ser bem sucedido. O cara que briga por ele está sempre motivado, preciso que ele tenha automotivação para ganhar dinheiro. É como te disse e vou voltar a repetir, eu tinha um vendedor no Rio, quando eu era supervisor, que era um cão pra trabalhar. Sabe como é que eu o admiti? Porque no Rio os médicos, em São Paulo também deve ser igual, tem médicos que vão pro consultório muito tarde. Em geral, esses é que têm as melhores clínicas. Fica assim... Então, tinha vezes que eu saía com o vendedor orientando, o meu melhor trabalho com o vendedor era no campo, não adianta. Fazia uma reunião, fazia um discurso e dava treinamento. É claro, você vai lá, vai motivar, vai incentivar, isso é básico. Então, eu marquei com esse vendedor uma entrevista na minha casa, que eu não podia voltar ao escritório porque tinha um médico às 9 horas pra visitar com o vendedor. Eu queria ir visitar com aquele vendedor, independente de outro, que nós fizemos no mesmo dia. Cheguei em casa 11 horas, ele estava na porta me esperando... 11 horas; olhei pra cima, tudo apagado, (risos) a família tava dormindo. (risos) Eu disse: "Não, eu vou te entrevistar. Deixa eu só dar uma subida". Subi, minha mulher estava deitada, ela estava acordada, e eu disse: "Ói, vou trancar a porta aqui que vou entrevistar um rapaz aqui". Entrevistei e admiti ______________. Agora é assim. Das 7 da manhã, às 9 da noite. Perguntei pra ele, não me lembro mais o nome dele: "Desde que horas você está aqui?" "Cheguei eram oito e meia. Estou até agora aqui." Disse: "Fez bem. (risos) Se você não tivesse ficado, não ia falar contigo". (risos) Então, é difícil você formar um perfil, mas, ideal é ter boa cultura. Cada dia você tem que falar melhor com o médico. Porque os médicos, hoje, eles, as clínicas particulares vão crescendo, nível de cultura científica do médico também vai crescendo. A qualidade do cliente que vai no consultório dele também vai crescendo. Então, é preciso ter cultura pra entender o médico. Porque ele vai conversar contigo. É preciso ter educação, saber o momento de falar e o momento de fechar a boca. Às vezes não é o momento de falar com o médico quando ele manifesta ou dá algum sinal, ele desconcentra de você, já não está querendo mais te ouvir. Você tem que saber o momento certo de se despedir. “Boa noite, o senhor foi muito gentil, me deu mais tempo do que eu esperava, mas volto aí outro dia”. Não força, porque... então precisa ter, sempre, capacidade de estabelecer a hora do chega, não está mais na hora... Trabalho duro. O cara que quer ganhar dinheiro tem que trabalhar. Dizer que trabalha, mas não leva dinheiro pra casa... Porque se não vende, não leva dinheiro. Tem que ser trabalhador, tem que ficar até as 9 horas. Tem cliente, tem farmacêutico que só atende depois do jantar. Então você tem que ir lá depois do jantar. Quem não vai, não vende. E se apresentar bem. Uma aparência razoável, boa, isso seria básico. Tem laboratório que paga muito mal, então é muito difícil o vendedor... não sei hoje, eu estou fora do negócio há dez anos, então estou falando de dez anos atrás. Tempo que ainda tinha dinossauros, (risos) e hoje fica mais difícil até mesmo formar um perfil. Se possível, falar uma língua, porque tem situações que você precisa; isso não é obrigatório, mas é desejável.

P/1 - Então, vamos retomar a sua trajetória. O senhor foi então gerente de mercado, gerente de divisão hospitalar, gerente de mercado e operações farmacêuticas, gerente geral de mercado. Quer dizer, até a sua saída da empresa o senhor ficou cuidando de mercado.

R - Quando eu saí, era gerente geral da Cilag.

P/1 - Sempre na farmacêutica e sempre cuidando de mercado, não é isso? O que o senhor diria que aconteceu de importante na Johnson na sua carreira?

R - Não sei o que você chama de importante.

P/1 - O senhor é que elege.

R - Acho que todo o tempo que passei na Johnson pra mim foi importante. Tive muitas oportunidades e briguei por elas. Se briguei certo, sempre vai ficar uma dúvida. Acho que poderia ter conquistado mais do que conquistei. Embora não me sinta decepcionado, a gente sempre quer mais, né? Eu estaria bem mais eufórico, se eu tivesse chegado a uma posição melhor do que aquela que conquistei. Pra mim todos os fatos foram importantes. Por exemplo, tivemos um problema sério com um produto que foi obrigado a ser retirado do mercado. É possível que tenham ouvido falar e lembrem do produto ainda. A Johnson lançou nos Estados Unidos um produto excelente na sua ação de controle da dor, chamado Zomax. Uma ocasião, o produto estava indo muito bem, ainda não estava totalmente distribuído no mercado, porque a demanda era muito grande. Uma ocasião, estou na casa de um amigo, jogando pôquer, o telefone me toca. Não sei como eles conseguiram o telefone de lá. (risos) Quando quer vai, né? Então a pessoa me fala que o Zomax está sendo tirado do mercado por efeitos secundários. Provocava... sonolência, qualquer coisa assim. _________. Então precisava tomar providências. Primeiro foi o Sanches que me achou. Aí ele disse: "Fala com o Paulo Costa nos Estados Unidos, que ele tem uma coisa muito séria pra falar com você". Aí eu disse pro meu amigo Artur, “vou ligar pros Estados Unidos, e quando vier a conta você me avisa que eu reembolso”. Aí o Paulo disse “precisa tirar do mercado porque está dando essas reações assim, assim, assim”, isso era uma sexta-feira. “A partir de amanhã nós temos que ter essa ação aí no Brasil pra até domingo já estar todo o mundo, nosso corpo de vendas, avisado. Porque vocês devem colocar um anuncio no domingo que o produto está sendo retirado do mercado, nós vamos mandar o texto praí, e isso é fundamental que seja feito dessa forma”. Aí eu vou ligar pro Sanches. "Seu Sanches, nós temos que, amanhã de manhã, fazer isso assim, assim, assim, assado, o senhor toma as providências?" "Eu tomo, mas eu quero o senhor lá também." "Não, eu vou lá." O Sanches chamou o Alfredo, que era o Relações Públicas, o Alfredo chamou a agência de propaganda, eu passei a mão no telefone no sábado... o Campos também, o médico, foi pra lá pro escritório, eu passei a mão no telefone e falei com todos os supervisores do Brasil naquele dia. De um jeito ou de outro consegui. Mandei até chamar na casa dele, através de um vizinho, um supervisor da Bahia. Isso foi coordenado de tal forma que nós saímos do escritório à meia-noite, mas o anúncio já estava no jornal de todo o Brasil através da agência. Não tivemos uma reação negativa da classe médica, nenhuma. Tivemos muita televisão lá no escritório, filmando, perguntando, mas médico, nenhum. Isso pra mim, era uma vitória, que você poderia considerar vitória negativa. Não é, aquilo foi uma demonstração da nossa capacidade de reagir nos momentos certos, e com a velocidade necessária. Isso é uma vitória nossa, não minha. Mas eu participei, fui o início do estopim da coisa, né? ________________ com todo o mundo. Mas, pra mim, foi uma vitória. O que é que eu poderia te dizer mais como vitória... (pausa) Tanto no profissional como no pessoal. Olha, pra mim, (pausa) quando comecei a trabalhar na Johnson, acho, eu já falei pra você aqui, eu bebia conhecimento. A maior vitória pra mim foi eu ter conquistado o lugar de supervisor, foi no início da minha carreira ________ no tempo que eu conquistei uma porção de gente também _________________ com todo o direito de mudar(?) Isso eu não esperava. O Pinto saiu comigo pra me analisar, entrei no consultório do médico, ele não queria atender, isso na Rua México, que quando eu era vendedor trabalhava também no centro da cidade, e por insistência minha com a secretária, eu dei o cartãozinho, tinha falado com esse médico uma vez só. Aí, acho que foi mais vitória do médico do que minha, (risos) então, entrei na sala, cumprimentei: "O senhor tá bom, o seu Pinto, gerente de vendas da Johnson", tal, comecei a conversar com ele, nós tínhamos um produto, se chamava Gentersal. Ele era um produto pra candidíase vaginal, mas ele... e era à base de um elemento que fazia o creme quase roxo. E o creme, pra trabalhar com bisnaga suja, suja. Mas ele disse: "Mas não saí, o Ximenes". "Sai. Sai sim." Peguei a toalha dele... não saiu nem da sua mão nem da toalha. "Da toalha sai, da minha mão vai custar um pouco." (risos) "Você é um chato, viu?" "Não, doutor porque a cliente reclama que suja." "Diz que se não sair lhe dou uma dúzia de toalhas." "É pra valer?" "É pra valer." Então, isso me deu o lugar de supervisão. Porque o Pinto disse: "Eu nunca vi trabalhar assim, Ximenes. ______ isso foi espontâneo, isso não foi nada planejado." Você tem que estar pronto pra toda coisa que te falam. Qualquer situação você tem que estar preparado. A minha conquista pro lugar de supervisão me abriu o caminho pra mim continuar na Johnson. Porque eu não ia ficar, se não tivesse sido promovido, não naquele momento, né? Mas uma oportunidade você perde, outra oportunidade você perde, na terceira você não tem mais, é difícil. Então foi uma das emoções maiores que tive na Johnson, aquilo me trouxe sangue novo. Agora, com relação ao trabalho, assim, de um ponto de vista de empresa, foi muita emoção você escolher uma... (risos) Sabe? Eu vim pra São Paulo. Quando cheguei em São Paulo, eu vim, eu não vim como gerente de vendas, eu vim como supervisor geral de vendas porque tinham outros regionais que também almejavam a posição, é claro. O cara tá lutando pra crescer, aquilo me doeu um pouco, mas, bom, eu entendi. Eu era supervisor, tinham dois ou três regionais naquela época almejando... não foi consultado e, não quis. Ficou só um. A mulher não quis, e era um gaúcho. Se fosse pro Rio, mas São Paulo, falei, “bom, vai ficar em Porto Alegre mesmo”. (risos) Isso aí me contaram. Agora (pausa) eu fui almoçar na firma, restaurante da firma, e sentei, e vi o Pinto e o Sanches, chegou o presidente, o Lúcio ___________, bacana. Mas ó, cacetada dele era pra valer, tá? Sentou. O Pinto... ele me conhecia. Me conhecia porque andava com ele no Rio, quando precisava alguma coisa do Rio eu encontrava com ele lá. Me apresentou, aí ele: "Olha, parabéns, mas vê lá o que você vai arranjar, hein, rapaz. Está vindo da supervisão e o seu negócio está andando muito bem." (risadas) Então acho que essa foi uma conquista, eu mostrar pro Sanches que podia conviver. Até um dia que fiz um boletim sobre um produto que estava com problemas, um boletim orientando o pessoal e motivando, ele me chamou lá e disse: "Ximenes, parabéns, gostei muito do boletim que você fez." E eu quase perguntei a ele quando é que eu chego a presidente. (risos) Eu tive outras emoções, ouviu? Homenagens de colegas, de companheiros, que você não pode, às vezes, nem deixar transparecer a emoção, que senão fica fraco. Um cara que recebe uma homenagem e se comove, começa a correr lágrimas dos olhos, controle muito fraco. Mas isso me emocionou bastante. A Johnson, não tenho nenhuma queixa da Johnson, sabe? Pessoas lá dentro, talvez, mas a Johnson, como um todo, pelo contrário, eu só ganhei, porque acredito muito. Não fui procurar outro lugar pra trabalhar porque não me aceitariam, porque quando eu saí dali eu já estava com 60 anos. É muito difícil arranjar. Abri uma distribuição de produtos Johnson, e o Collor fechou. É. Eu vinha bem, eu já tava com quatro anos, cinco anos a empresa funcionando quando o Collor entrou e aí fez aquele "seqüestro", não mandou nem um bilhetinho pra nós dizendo quanto é que custava o dinheiro de volta. E aquilo me deu uma cacetada violenta, porque tinha dívidas pra pagar e o dinheiro _________. Hoje __________ eu estava na mesma situação. Como eles tinham a quem cobrar, eu tinha que cobrar quem não pagava, que era o farmacêutico. Eles tinham a quem cobrar, ameaçando com o corte da distribuição. Aquilo me abalou, muito. E não me deu chance de recuperar, eu tive que botar dinheiro do meu bolso, perdi muito dinheiro. Logo no final de 1991, ele dá um aumento pra indústria farmacêutica de 50%. Ah! Aí, Congresso em cima dele, ele cancelou o aumento. Eu já tinha recebido mercadoria com o preço novo, não aceitaram de volta. Eu tinha que vender cem, pra pagar 150. Aí eu desisti, fechei a firma. Não sei se saí do enredo.

P/2 - Não, não. A gente já está chegando na conclusão, não sei se o senhor tinha colocado alguma coisa sobre viagens... Das viagens que fez qual o senhor achou mais interessante?

R - Posso ter achado algumas mais interessantes, outras não tanto, mas foram muitas, então fica difícil eu... Eu viajava muito. Uma ocasião eu saí da São Paulo, uma segunda-feira à noite e cheguei em... não foi Bruxelas, aquela outra cidade da Bélgica, que é porto de mar. Eu cheguei lá às 7 horas da noite. Cansado, com fome, porque ______ fui dormir. No dia seguinte, a limusine foi me pegar lá às 8 horas; eu fui pra firma, a filial da Johnson né, Janssen Farmacêutica, fui pra uma reunião, tal, terminou às 6 horas, comi um sanduíche, peguei um táxi, fui para Paris, antes pra Bruxelas, e de Paris vim pra São Paulo. E cheguei aqui esbagaçado. Foi útil, mas não foi, porque você está trabalhando, cansado, com sono. Seu pensamento sai um pouco dos trilhos, né? Agora, eu tive diferentes reuniões, seminários em São Paulo, não foi, foi com a Johnson, mas não foi com a farmacêutica, não foi nem seminário, eu fui a um treinamento. Tinha sido promovido pra Divisão Hospitalar, e eles fizeram um programa pra mim, e o antigo gerente da Divisão Hospitalar tinha se demitido e meu chefe me transferiu pra lá, que era o __________ na época. Eu fui pros Estados Unidos, fiquei oito, nove semanas. Duas semanas, três semanas trabalhando com vendedores, pra ver como é o mercado, o tipo de approach e os produtos, também. Eu fui lá pra trazer produtos novos pra cá, que ainda estava bem incipiente. E depois fui treinar, conhecer produtos mais duas semanas, na ________ treinamento da Johnson. Então isso foi útil pra mim, me trouxe muito benefício. Uma outra ocasião, a grande verdade é que a maioria trouxe benefício. Em determinadas horas, não te agrada, mas, se você tira a água, e vê o que é que sobra, foi sempre útil, porque o pessoal tem muito interesse, são pagos pra isso e se interessam, porque também o prestígio deles está em função do aproveitamento de quem está treinando. Então, foram muito boas reuniões que participei, até com apresentação pra outros países. Já fui ao Peru, e eu quando mexi nesse negócio, aproveito pra mexer em tudo. E eu tava vindo, eu fui no Peru, um americano, que tava dirigindo a área farmacêutica do Pacífico, ligou e disse: "Ói, Ximenes, você conhece bem o mercado e eu sei que você pode fazer o que vou te pedir. Eu quero que você me avalie o potencial do Peru". Me deram a dica, né? País complicado, muito controle de matéria-prima, aumenta de preço todo dia, então eu fui lá, fiquei três semanas. Ali peguei e comecei a visitar os ________ dos outros laboratórios. Um caos! O negócio estava ruim pra burro, não podia importar matéria-prima, eles é que faziam a importação, e eles vendiam pras indústrias farmacêuticas, eles estavam ganhando dinheiro nas costas dos outros, e os impostos muito grandes e fui conversar com o ministro da Saúde e eles tinham um grave problema de desidratação, onde nós tínhamos o produto pra eles, mas faltava dinheiro. E eu perguntei: "Mas, ministro, como é que o senhor vai planejar pra resolver, ou pelo menos amenizar, essa situação tão difícil?" "Só mudando o presidente." (risos) "O senhor não falou pra mim não, hein? ( risos) Mas a finalidade de quase todas as reuniões do Exterior foi aprendizado. Outras, foi mais discussões de mercado, onde aliás, nós contribuímos muito. Me lembro que numa ocasião fui com a Pauline na Bélgica, estudamos lá um produto que ia ser trabalhado, ia ser lançado no mercado, e fizemos as nossas _______. Então, ficamos em contradição com a apresentação de outros companheiros de outros países. Mas a forma como nós colocamos foi aceito como parte de razão. Tudo ninguém dá. Pra nós, foi uma gratificação, não porque eles concordaram, mas é que nós fizemos uma análise correta. Fomos felizes. Pudemos evitar que saísse alguma coisa ruim, que depois daria problema pro produto no mercado. Conseqüentemente a empresa, como um todo, também saiu bastante satisfeita com isso.

P/1 - Bom, eu queria concluir , acho que vamos ter que trocar a fita...

R - Só quero... estou sendo útil?

P/1 - Muitíssimo.

[Fim da Fita1 - Lado C]

P/1 - Queria que o senhor fizesse assim um balanço desses 28 anos de Johnson, quase 30 anos. Valeu a pena?

R - Eu acho que valeu, sabe? Porque 28 anos só fica quem gosta, e só aceita quem acha que tá certo. Eu te contei o início da minha vida. Eu sempre fui muito ligado a medicina, uma das coisas que eu pretendia fazer era medicina, se bem que na minha época era muito difícil. Só tinha uma que era do governo. E pro governo, só de capacho. Tenho um primo, da minha idade, que se formou __________ na época que eu gostaria de entrar, mas ele tinha uma vantagem que eu não tinha. Medicina não tinha de noite, nem sei se hoje tem, naquele época não tinha. Eu tinha que trabalhar, eu não conseguia trabalhar sem... pra ganhar, pra estudar medicina, porque não tinha tempo. Então, sempre gostei da matéria. Depois, comecei entrosar com o meu cunhado, que é médico, e aí passei a conhecer um monte de médicos, passei a freqüentar a casa. Às vezes, ia pro consultório, pro hospital. Isso, tenho essa impressão, me trouxe assim uma, sei lá, uma idéia de... ele tinha sido propagandista-vendedor também o meu cunhado, quando estava estudando medicina. Ele era assessor de um laboratório no Rio, um laboratório pequeno. E... então eu também falava muito com ele e isso foi me, sabe, abrindo interesse. Quando entrei na Johnson eu disse: "Bom, aqui é pra ficar, eu não sei o que posso conseguir, mas vou brigar; porque eu tinha conversado com o gerente, queria saber... Eu, quando entrei na Johnson, tive uma oferta, que já tinha trabalhado antes, mas custou muito a vir a resposta. Uma firma aqui de São Paulo de solda ponteada. É o que se usa no carro, né? Aquilo estava começando a aparecer no Brasil. Eu vim a São Paulo, conversei com o dono em Santo André, na época, hoje eu não sei, e ele aceitou, que pensasse um pouco e tal, me deu o folheto, depois então eu ligasse pra ele, conforme fosse ou eu vinha aqui ou ele ia lá. E mais outras apresentações. Fiquei entre a cruz e a caldeirinha. Trabalhando na Johnson e com a cabeça a metade no outro negócio. Numa reunião, que esse Martins, meu chefe, chamava de lavagem de roupa suja, de vez em quando ele brigava lá com o pessoal e tinha... (risos) ele chamava o pessoal na reunião e ali falava o que ele queria. Ou o que achava que deveria falar. E quando foi a minha vez, disse: "Ói, Matias, o meu caso é muito pessoal e acho que não vai interessar aos rapazes aqui, eu queria falar com você em particular". "Ah, tudo bem." Acabou a reunião e então expliquei a ele o que estava acontecendo. Eu estava gostando muito da Johnson, mas que tinha uma oportunidade que não era pra deixar de pensar. O que eu queria dele era saber “como é que estou em relação ao trabalho que faço, que oportunidades posso esperar da Johnson, porque, sabe, eu não quero ficar trabalhando um pedacinho aqui, não vou sair porque o outro lugar é melhor. Eu quero ficar num lugar onde possa construir o meu negócio, a minha vida, sustentar, educar, criar meus filhos. Então eu gostaria de saber de você se existe essa possibilidade”. Aí ele falou “bom, você vai continuar assim?” Eu disse: "Olha ________________, né? Se você continuar assim, Ximenes você cresce na Johnson. Você é o tipo do homem que a Johnson está interessada." Tudo bom. Aí eu disse pra ele o que é que eu tinha: "Olha, acontece isso, assim, assim, eu vou deixar de lado, eu vou me dedicar à Johnson"; e fiz... Dei toda a força que eu tinha e fiz... Então, acho que, não sei, me apaixonei, mesmo. Se um dia houver uma oportunidade, remota, né?, você, pergunte a minha mulher o que eu fazia pra estudar e trabalhar. Eu tenho, até hoje...tenho essa poltrona, larga assim, pegava uma tábua, botava entre os braços, pegava os livros e estudava. Pegava as fichas dos vendedores, que eles tinham, entregavam à tarde pra ver o que tinham feito. Em cada uma fazia uma observação. Você esqueceu de, você tem que tratar o médico de maneira diferente, na próxima vez presta atenção nisso. Eram seis vendedores, e todo dia eram umas 60 fichas mais ou menos que eu tinha... porque quando passei a supervisor, eles passaram a fazer mais visitas, né? Eu exigi. Em compensação, também, eles passaram a vender mais. Então, me dediquei de corpo e alma. Não estou arrependido não. Não posso ficar arrependido. Ganhei muito dinheiro. Ganhei dinheiro da Johnson aqui, ganhei dinheiro dos Estados Unidos, ganhei dinheiro de bonificações, ganhei... ações, o Collor é que tirou tudo. (risos) Mas que eles me deram, deram. Então, não estou arrependido. Se tivesse arrependido uma vez, eu saía. Eu não ia ficar num lugar que não me agrada. Não sou disso. Se não me agrada, não sei fingir. Estou te falando isso de coração. Se eu tiver uma coisa contra você, eu posso demorar um pouco, mas uma hora vou encontrar coragem pra te falar. Não tenho porque esconder. Eu falo pra minha mulher, quando tenho uma coisa pra falar com ela, e se eu acho que ela não vai gostar, é verdade que o rodeio é bem maior, (risos) mas eu falo pra ela. E eu aceito. Se você tiver uma coisa contra mim, e se você colocar de forma que eu consiga entender, e se for necessário, eu peço desculpa. Sempre fui assim. Não mudei nada, nada. Não tenho nada contra ninguém. O que passou, passou. E eu só tenho mágoa de uma pessoa. E eu não ___________ ela. Não falo com ela. Ela me fez um negócio muito, muito desagradável, mas ela sabe disso, ela sabe que tenho mágoa dela. O resto, graças a Deus, estou em paz com o mundo. Se eu não entrar no céu é por falta de vaga. (risos) Eu não ambiciono nada de ninguém, não invejo ninguém, acho que cada um tem a sua vida e você tem que estar feliz com aquilo que tem, porque se for muito ou pouco, precisa ver onde é que entra você, com aquilo que conseguiu. Então, não sou invejoso, né? Se o cara está indo muito bem, eu faço votos que ele continue indo bem, não tenho, sabe, o vizinho de lá vive a vida dele e eu vivo a minha. Ele vive do jeito que ele quer, eu vivo do jeito que eu quero. Não tenho nem um pouquinho de inveja. (risos) Se pagasse, né? Bom, mais alguma coisa?

P/1 - Não, só se o senhor quiser complementar...

R - Não, eu... não tenho. Eu me esforcei o máximo pra ser útil. Às vezes me entusiasmo, me empolgo, posso até não demonstrar, mas você percebe pela prolixidade. Eu costumo dizer, antigamente, quando tinha menos experiência de falar com pessoas, costumava dizer pro pessoal nas reuniões, convenções ou mesmo festas, tinha muita dificuldade pra começar a falar. Muita. Agora, a maior dificuldade é pra parar, eu não sei quando é que eu vou parar. (risos) Eu me entusiasmo, né?

P/1 - Mas valeu muito a pena, queria agradecer ao senhor por ter vindo, foi muito útil.

R - Ah, pra Johnson eu venho. A hora que você quiser, não tem problema não. Se ela sempre precisasse de mim, eu voltava pra São Paulo. (risos)Projeto Farma Brasil
Depoimento de Heimar Ximenes
Entrevistado por Luís André do Prado e Solange da Cunha Ramos
Estúdio Telecentro
Rua Fiandeiras, 465
São Paulo, 9 de outubro de 1995
Realização Museu da Pessoa
Entrevista: FR_HV013
Transcrito por Marina D’Andréa
Revisado por: Nataniel Torres

P/1 - Gostaria que o senhor começasse fazendo a sua apresentação, dizendo o seu nome completo, data de nascimento e local.

R - Meu nome é Heimar Ximenes, nasci no dia 4 de maio de 1927, no Rio de Janeiro.

P/2 - E os seus pais, os nomes deles e as origens.

R - Meu pai se chamava Heitor, Heitor Ximenes, e minha mãe herdou o nome de família e também passou a chamar-se Maria Ximenes. Meu pai e minha mãe nasceram em Petrópolis, no Rio, meu pai era artesão, de relojoaria, meu pai era espanhol, de origem grega, e de uma brasileira de origem alemã. Sou uma verdadeira liga das nações, como conseqüência. (risos) Completei, a pergunta?

P/2 - Se quiser falar mais alguma coisa, pode falar.

R - Não, acho que...

P/1 - Bom, o senhor nasceu no Rio de Janeiro. O senhor teve outros irmãos, filho único?

R - Não, eu tenho uma irmã e um irmão. Dois homens e uma mulher.

R - Como é que o senhor se recorda da infância. Onde foi que o senhor nasceu, em que bairro cresceu? Fala um pouquinho pra gente desse período.

R - Olha, a minha infância teve altos e baixos, porque meu pai era um artesão, de relojoaria, tinha fases de ter rendimentos bons e fases em que tudo parou, praticamente. Ele foi muito bem sucedido no transcorrer da guerra, da II Guerra Mundial, porque não tinha importação e isso foi muito favorável pra ele. Favorável pra família, também. A família se beneficiou daquele ganho adicional que entrava em casa. Por isso, eu pude estudar, meu irmão pôde estudar, a minha irmã ainda era jovenzinha, ela tem uma diferença de 13 anos pra mim, e cheguei a fazer parte do ginásio, quando o trabalho começou a escassear; ele teve que mudar, inclusive, de estratégia de trabalho, de fazer outras coisas, e ele me chamou e me pediu, me falou que eu iria ter que trabalhar, porque não estava dando pra fazer escola paga. Isso me deu um choque violento, sabe, porque eu tinha, eu tinha pretensões, de estudar e ganhar a vida de uma maneira mais confortável. Muito trabalho, mas pouco sacrifício. Eu fui, mas continuei estudando à noite. Só que no meu tempo, no Rio, não tinha ginásio no subúrbio, onde eu morava, em Ramos; na época não tinha ginásio no subúrbio e eu tinha que freqüentar o ginásio no centro da cidade, perto da Avenida Rio Branco, inclusive. Fui trabalhar, arranjei emprego numa firma boa, de gente que vocês devem conhecer de nome, a família Byington, meu diretor era o Alberto Byington Jr., que foi deputado aqui em São Paulo, ah... foi deputado federal, estadual, agora não me recordo. Então, trabalhei lá quatro anos, mas não pude agüentar o estudo.

P/1 - Quantos anos o senhor tinha?

R - 15 anos.

P/1 - E qual a sua atividade?

R - Eu comecei como boy, não tinha nenhum preparo, nada. Comecei como boy. _________ na empresa. Logo fui, eu era...trabalhava no departamento de compras dessa firma e eu era muito expedito, pensava rápido e fui agradando. Uma vez o seu Alberto Byington, ele tinha o gabinete dele em São Paulo, no Rio, na Esplanada do Castelo, e ele perguntou, ele estava precisando, independente da secretária, ele precisava de um rapaz que pudesse andar na rua, e ele tendo confiança naquilo que a pessoa ia fazer. E me indicaram, eu fui lá. Aí ele conversou comigo, se agradou, e fiquei com ele lá, trabalhando. Depois, não sei porque saí de lá. Também eu tava querendo crescer, né? E eu fui trabalhar como auxiliar de escritório na mesma firma. Fiquei lá uns quatro anos. Briguei com o chefe, porque... ele falou, e eu não gostei. E repliquei. E aí ele veio me bater. Não bateu, me ameaçou pra quebrar a cara. Eu falei pra ele, não me lembro exatamente se foi isso, né: "Pra quebrar a minha cara você vai ter que crescer mais". E aí eu saí, saí da firma, né? Fui ao Ministério do Trabalho, dei queixa, perdi, não é? E aí chegou a fase do exército. E eu não pude arranjar custeio, arranjar emprego. Naquele tempo era bem mais difícil do que hoje. Aí fui trabalhar com uma tia minha que tinha uma firma de compra e venda de imóveis comerciais. Fiquei lá uns quatro ou cinco meses. Vender, não vendi porque eu era muito garoto pra sair vendendo. (risos) Aí fui pro exército. Servi o exército sete meses. Eu dei sorte, consegui me livrar, primeira coisa que eu cheguei lá foi entrar no curso de cabo, porque eu não queria tirar a guarda de madrugada, fuzil no ombro. Aí passei no curso, fui o primeiro colocado, e comecei a tirar serviço de sargento de dia, sargento da guarda também tirava como cabo, e fiz uma amizade muito boa com os oficiais, só tinha um oficial que era duro, um oficial da Escola Militar. Os outros eram todos oficiais da Reserva, oficiais de quadros da Reserva, e tinha um capitão da minha companhia, que ele deu sorte, ele tinha três cabos lá muito bons, tá? Pessoal instruído e... deixa eu ver, houve uma baixa. Com sete meses, o governo mandou baixar. Não sei se era falta de dinheiro pra pagar o pessoal, mandou dar baixa no... particularmente nos cabos, né? E nós éramos em três. Então, ele ficou meio sem jeito, o que é que eu vou fazer?, um deles... capitão, faça um sorteio. Quem ganhar, ganhou, quem não ganhar... Ele fez o sorteio e eu ganhei, aí me livrei do exército, já tava com 18, 19 anos, qualquer coisa assim. Consegui emprego rápido, eu escrevia à máquina, nesse tempo que eu fiquei com o Byington, no gabinete dele, e não tinha muita coisa pra fazer, era só pra ele, então ficava mais tempo ______ da secretária. Aí eu fui fazer um curso de datilografia, e eu pedi a ele: "Doutor Byington, quando não tiver nada pra fazer o senhor deixa usar a máquina aí que eu estou aprendendo datilografia?" "Pois não, pode usar, à vontade." E eu treinava o dia todo. (risos) Saía duas ou três vezes pra ele, e... Então, quando eu saí do exército, arranjei um emprego de faturista, ganhava salário mínimo. Aí, olha como fico emocionado falando, é um pouco... me toco muito comigo mesmo. São momentos importantes. Então, eu fui pra lá, trabalhei três dias, porque eu, antes de me candidatar ________ uma coisa assim o nome da firma, eu tinha escrito uma carta pra ________ me oferecendo como datilógrafo. E aí veio o convite deles pra eu aparecer lá, pra fazer um teste. Aí fui e pedi demissão. Eu tinha tanta certeza de que como datilógrafo eu ia ser aprovado, que eu pedi demissão. "Bom, se o senhor quiser escrever a carta, mas acho que não tem necessidade." Três dias, não tinham dado nem entrada nos meus papéis. Então, tá bom. Antes eu tinha perguntado ao meu chefe qual era a possibilidade de eu crescer na firma. Aí ele virou e disse: "Ói, Ximenes, eu vou te dar só uma informação. Eu sou noivo há dez anos. Não consigo casar". Virei as coisas e fui no departamento de pessoal. (risos) E saí de lá, fui na GE, fui aprovado, eu tinha pedido 1.200 reais, cruzeiros naquela época, e eles me ofereceram 1.500. Fiz um belíssimo teste, e 1.500 com uma condição: eu só poderia sair da GE depois de seis meses de trabalho. É, tudo bem, eu posso até não sair nunca, vai depender de mim, e vai depender dos senhores também. Então, comecei trabalhar, trabalhei bem, dali passei a ter responsabilidade sobre a biblioteca, era um laboratório de produtos isolantes, tinta isolante, e depois comecei a tomar conta do almoxarifado, e um belo dia, e tinha um outro departamento que o americano dirigia, que era de trepilação de fios para fios incandescentes, né, tungstênio. O secretário tinha saído. Eu... aliás, não perguntei a ele, perguntei ao meu chefe _____ e o chefe foi e perguntou a ele. Disse: "olha, eu vou aguardar, não vou botar ninguém agora, só vou te dar o lugar o dia que você me escrever uma carta em inglês pedindo o lugar". Tudo bem. Entrei pra Cultura Inglesa e dois meses depois eu fiz uma cartinha pra ele e ele me deu o lugar. É muito detalhe que estou falando?

P/1 - Não, à vontade.

R - Então fui pra esse departamento, me dei bem, eu era trabalhador, não tinha medo de trabalho, gosto, eu gosto de trabalhar. Estou aposentado, mas não fico parado, não. Não preciso trabalhar, mas eu gosto. Primeiro gosto do trabalho, depois gosto de ter dinheiro pra gastar. (risos) Você não tem dinheiro, tem um negócio e, pôxa, e agora, que é que eu vou fazer? Então eu gosto de ter dinheiro pra gastar, não gasto à toa, mas gasto com aquilo que eu gosto.

P/2 - Antes de o senhor continuar com a GE, gostaria que recordasse como é que era o Rio do seu tempo de juventude e que coisas o senhor fazia além do trabalho. Deve ter tido amigos, lugares que freqüentava, como era?

R - Deixa eu ver se consigo responder. Meus amigos eram da escola enquanto eu pude freqüentá-la. Uns dois amigos que tive, foi assim como conseqüência de namorada.

P/2 - O senhor era muito namorador?

R - Não muito, mas não ficava atrás também. (risos) Eu tinha um pouco de medo de compromisso. Mas eu tinha, tinha amigos bons, até hoje são amigos, uns já morreram, infelizmente, e foi como conseqüência de amizades da minha mãe. Eu fui conhecendo rapazes, depois conhecendo o noivo da irmã desse rapaz, e nós fizemos amizade muito boa, todos os sábados e domingos estávamos juntos, íamos ao futebol, o pai dele tinha um sítio, nós íamos lá, foi meus principais amigos nessa fase da minha vida. Depois, eu fui obrigado a parar os estudos, parei no terceiro ano de ginásio. Não é que eu não tivesse condições de pagar, só, é, como lhe disse, não tinha ginásio no subúrbio. Então eu trabalhava na Esplanada do Castelo e minha escola era na Rua São José, pertinho, pertinho, só que tinha um agravante: eu ganhava pouco e se almoçava, não jantava. Viajava de bonde, que levava uma hora e quarenta minutos pra ir do Largo de São Francisco até onde eu morava. Me cansava, né? Eu me lembro que uma ocasião, devia ser uma sexta-feira, (risos) eu peguei o bonde e dormi até o fim da linha. Ai eu fui, chegou no fim da linha, eu saltei e falei pro condutor, que me acordou: "Vem cá, que horas é que tem bonde aí? Ah, agora só amanhã de manhã, rapaz." Era uma hora da manhã. (risos) Aí eu fui a pé até em casa. E tava lá meu pai pra lá e pra cá me esperando, coitado.

P/1 - Ele era muito preocupado, um pai muito rigoroso?

R - Não. Meu pai era um cara espetacular. Era um conselheiro. Você, aproveitava se quisesse. _________, _________ : "Vocês têm que tomar conta da vida de vocês, a minha etapa já passou. Quer um conselho, eu dou, se vocês acharem que precisam. Você tem que fazer a sua vida. Daqui a pouco posso não estar por aí." Meu pai foi um grande homem. Um grande exemplo. Posso dizer que me pautei muito nas minhas decisões pelos exemplos que meu pai me deu. E conselho, claro, né? Bom, depois não pude mais estudar, primeiro porque o dinheiro não dava, segundo que o organismo não agüentava também. Ou bem trabalhava ou bem estudava. Depois, 3 ou 4 anos depois já começou a aparecer escolas, com mais, assim, mais audaciosas, com cursos de ginásio, naquela época, hoje é segundo grau, né? Mas aí eu já tinha... perdi um pouco do pavio. E continuava ganhando pouco. Aí entrei na GE, cresci lá, de secretário do departamento lá, depois de algum tempo, fazendo uma série de coisas boas, interessantes, tenho muitas cartas de elogio da GE, e do próprio chefe, um americano que gostava muito de mim também. Eu passei a tomar praticamente conta do departamento, numa situação de desespero lá, o americano viajando nos Estados Unidos, naquele tempo pra chegar até o Brasil levava um mês. Era navio, avião não, já existia. (risos) E o chefe, o outro chefe, o engenheiro que ele tinha deixado, foi fazer uma viagem ao Paraná e lá ficou, com malária, a pior delas. Então o outro, o vice, o subgerente lá, tava muito quieto. Eu sou meio espalhafatoso pra falar, ouviu?, (risos) e ele me chamou. O que é que eu posso fazer. Olha seu "______________ eu tenho dois mecânicos muito bons. ________, desenho, _________, eu tenho dois ______ autorizado ________. O caso era montar. Um tem apartamento , eles compravam o fio da lâmpada, semi trefilado, né? Porque _______ e tungstênio não funde. Então aquilo é martelado até ficar num fio e daí então ele vai pra trefilagem, trefilando por fieiras cada vez menor vai transformando aquilo em fiozinhos e aí a fieira já é de diamante, (?) Eu já lia um pouco de inglês e fui fazer um curso de uma semana de desenho industrial pra mim poder entender, _______________. _______ o dia todinho, saí de lá pronto pra poder aplicar o que eu tinha aprendido. E graças a Deus deu certo. Nós conseguimos montar toda a fábrica, só não pusemos pra funcionar porque essa não era, nós não tínhamos gente, era gente que deveria ser admitida. Aí fui promovido, pelo conhecimento de desenho que eu tive, tal, o meu departamento era quase uma oficina, de montar, passar no torno, aí me promoveram pra comprador só especializado, para identificar peças que tinha que fazer fora, peças que lá dentro não podiam ser produzidas, e elas vinham à minha mão com o desenho, e pedido de quantidade, e tal, depois expandiram um pouquinho mais, pra outras áreas. Fiquei na GE nove anos. Saí, eu tinha, nessa época, minha filha tinha tido paralisia infantil, três ou quatro semanas depois tinha surgido a vacina, a primeira vacina, Sabin, não me lembro mais o nome. E aquilo me perturbou muito a vida, passei um ______, achava que ganhava pouco, acabei saindo. Pra eles foi de interesse porque eles estavam muito preocupados com o, a lei de estabilidade _______ anos e meio era o limite pra ter que sair, então eles imediatamente concordaram. Tivemos uma discussão, _____ porque eles fizeram uma série de coisas que eu não concordava. E saí de lá, fui trabalhar numa firma nacional como diretor de compras, mas me desiludi logo, porque o patrão gostava muito de bajulação. E não tinha lugar pra mim. E aí depois de três meses, eu falei com ele: "Olha seu _______" - o nome dele - eu vim pedir demissão, estou ganhando pouco, não dá pra mim carregar minha família do jeito que eu quero. Eu tenho obrigação de dar conforto aos filhos que eles não pediram pra vir, sabe, eu é que tenho que cuidar deles". "Ah, bom, vai sair agora que estou pensando em te dar um aumento de 25%", eu ganhava 10 mil cruzeiros Aí pensei: "Se cada vez que precisar de aumento tiver que pedir demissão, vou ficar aí seis meses pedindo demissão". Então... "Não é isso que eu quero, é muito difícil subir na sua firma, vou ter que falar claro, porque o senhor é muito sensível a bajulação". Falei, talvez até pro bem dele. "E eu não sei fazer isso, não gosto e não sei." E aí saí. E me candidatei à Johnson.

P/2 - Antes de o senhor entrar na Johnson, eu queria que o senhor voltasse um pouco à sua vida pessoal, se não for problema pro senhor. O senhor disse que tinha uma filha e queria saber como o senhor conheceu sua esposa, e como foi o namoro, o casamento...

R - Conheci minha esposa na GE. Ela era funcionária, trabalhava no Departamento Pessoal. Na época que casei ela ainda estava na GE. Saiu. Naquele tempo era do machão, né? Mulher que se prezasse, marido não deixava trabalhando. (risos) Fiz questão que ela saísse. E conheci lá. Namoramos e em dois anos casamos. O dinheiro era apertado, eu morava com os sogros, mas, depois de casado, ainda fiquei... dois, três anos ________, talvez. E... eu vendia roupas, comprava roupas, quando começou a aparecer aquelas roupas de nylon, camisa de nylon, horrível, que não tinha poro, a transpiração não saía, né? E não precisava passar. Se passasse furava, né? (risos) Fui até feirante ainda trabalhando na GE. Eu comprava coisas... eu me lembro que uma vez eu fui numa rua lá, dos turcos, e arrematei uma gaveta toda cheia de camisas, camisas _______, tá? Uma parada pra levar pra casa, e fui vender na feira de Caxias, uma feira muito famosa lá no Rio, não sei se por aqui já ouviram falar. Levei um mês mais ou menos vendendo aquilo. E fazia loteria esportiva, só não roubei. E nunca tive ímpeto. E fui ficando na GE.

P/1 - Voltando ainda um pouquinho, como era o lazer da juventude do seu tempo, a gente tem muito essa imagem do Rio ligada à praia, né? Era o ponto de encontro, como era?

R - Olha. Eu morava no subúrbio, então a parte Zona Sul era a parte mais procurada. Não sei se naquele tempo era, porque também não era fácil você se deslocar até a orla de Copacabana, porque não tinha condução direta. Os ônibus vinham até a cidade. Não tinha ligação. Você tinha que chegar até a cidade, trocar de ônibus pra ir até Copacabana, também não tinha muitos ônibus pra lá, porque tinha uma rede de linha de bonde muito boa, os ônibus iam do Largo da Carioca até Copacabana. Mas não iam até o Largo São Francisco, que era só pra bonde da Zona Norte. E o Largo da Carioca, a chamada... como é que ele chamava?, chamavam... onde tem o Edifício Central hoje, na Avenida Rio Branco, 152, né? Então não era fácil. Eu conheço só a praia do subúrbio, Praia de Ramos, essas eu conheço. Era fã de praia, jogava futebol, isso não abria mão. Gostava de nadar, eu atravessava a nado da Praia de Ramos até a Ilha do Governador, ainda não tinha ponte. Primeiro atravessava pra ilha de Bom Jesus, depois... eram duas etapas. Agora, quem podia freqüentar a praia e estivesse perto, aí bem, era Copacabana, que estava sempre cheia. Não era o que é hoje. A população cresceu muito né? Gostava de andar, de visitar amigos, mesmo depois de casado, minha mulher também gosta muito de sair.

P/2 - Mas o lazer principal era esporte, então?

R - Só esporte. Tinha cinema, que era muito procurado, porque o Rio era muito limitado em termos de lazer. O conceito de excursão, de subir o morro, de escalar, isso ainda era assim muito incipiente. Talvez aquele pessoal de muito dinheiro, não era quem eu conhecia, né?

P/1 - Essa imagem do Rio, de violência, era outra coisa, né? Tinha essa idéia do Rio da malandragem...

R - É, qualquer cidade grande, e o Rio é uma cidade grande há muito tempo, como São Paulo. Eu me lembro, quando eu namorava minha mulher, tava eu e meu cunhado, ele namorava a irmã da minha mulher, e um dia de sábado, quando saíamos das casas das noivas, e nós íamos pra cidade, fazer farra, né? Mas já era uma outra fase da vida, né? E onde nós atravessamos a linha do trem pra pegar um ônibus pra ir pra cidade, quando íamos atravessando a linha do trem, tinha um bolo na frente. Quando fomos chegando, eles abriram. Meu cunhado era médico, meio boboca, sabe, não tinha essas malandragens toda, né? Então dei um empurrão nele e disse: "Corre que nós vamos apanhar". (risos) Eu estava vendo que eles estavam batendo numa pessoa escura lá na frente junto com uma mulher que ele estava. E saí correndo. Mas o sangue me subiu, fiz sinal pra um ônibus, entrei pela porta da frente, saí pela de trás, procurando uma polícia, quando saltei pela porta de trás, veio um cajado, pronto. Aí estragou a minha vida. Peguei e fui atrás. _________. Quando chegou na porta da minha _______ eu falei: "Nós estamos indo pra um lugar bandido". Disse: "Eugênio, eles vão dar a volta e vão cercar a gente". Nós estávamos na porta de um outro médico, também amigo nosso. Aí veio um, quem é que é homem aí, e o rapaz escuro que estava apanhando também veio junto com a gente, (risos) e eu falei pro meu cunhado: "Pula, que eu pulo atrás". Eu era mais ágil que ele, sabe?, "Senão, vamos apanhar". Ele pulou, quando os caras vieram, pulei atrás. E aí, eles não invadiram. O escurinho também pulou. Bom, tinha disso, sabe? Mas, naquele tempo era muito difícil ter um negócio desses em outro lugar. Aquilo foi muito eventual. Agora, hoje não. Hoje eu tenho medo. O que eu fazia, por exemplo, quando contei que uma noite andei seis quilômetros a pé, ninguém me agrediu, estava todo o mundo dormindo. Hoje não ando nem mil metros. Prefiro ficar esperando até de manhã.

P/2 - Olhando assim à distância, como o senhor se vê como adolescente, um adolescente que teve que trabalhar muito cedo?

R - Trabalhador eu sempre fui. Depois que eu conheci minha mulher, nessa altura eu tinha 20 anos, comecei a me relacionar com os parentes e respectivos noivos, todo o mundo era noivo naquela época. Esse médico que eu falei, que é meu cunhado hoje, todos os sábados íamos pra cidade e saíamos. Em nossas farras, fazíamos tudo o que não pode ser feito. (risos) Beber, não. Comecei a beber um pouco depois que eu vim pra São Paulo. Aí eu ganhava muita bebida, o que é que eu ia fazer? (risos) Eu gosto ainda de beber, mas não posso mais beber como bebia. Não quer dizer que me embriagasse. Sou diabético e já tive coma, depois que saí da Johnson. E aquilo me assustou muito. E eu estava viajando, na estrada, e se não é a minha mulher, eu tinha morrido. Ela pegou a direção e ela nunca tinha andado na estrada. Andou mais de 200 quilômetros. Eu vinha de Goiás, comecei a passar mal em Anápolis. Bebo uma garrafinha de cerveja se for numa festa, posso tomar duas ou três doses de uísque, mas é ali. Um mês depois não vou beber mais. É, controlo. Tomo insulina todo dia.

P/1 - Mas, naquela farra deu pra compensar bastante?

R - É que eu era muito vigiado. A minha mulher morava numa rua e eu numa outra. Então tinha que ter muito cuidado, e outra coisa, eu gostava muito dela, e até hoje adoro minha mulher, sou apaixonado pela minha mulher até hoje, é uma grande mulher, uma grande pessoa, uma mulher de uma personalidade espetacular. Então, eu tinha que respeitar, não podia falhar, porque se ela me visse fazendo qualquer coisa... (risos) Ela largava mesmo, né? (risos) Depois é uma questão de respeito. Você não pode fazer as coisas na cara da pessoa que confia em você. Mas não fui assim grande farrista, não. Fiz o que eu acho que devia ser feito. Gosto de amigos, fiz amigos na indústria farmacêutica no Rio, aqui em São Paulo. Eu tenho um amigo no Rio, um dos melhores, que é presidente da Sanofi Winthrop, com sede no Rio, e nós pouco nos vemos. E quando nos vemos vamos pra um restaurante. Ele não vai na minha casa, diz que o uísque que tenho que beber é dele. (risos) Tenho poucas, mas boas amizades. É muito difícil ter um sábado que eu não seja convidado pra uma ou outra festinha, no condomínio que moro, de casas, muito bom e gostoso, em Jacarepaguá, gente muito fina, é raro um sábado que não tem uma brincadeira. Estou muito satisfeito lá. Eu gostaria também de estar em São Paulo.

Adoro São Paulo. Me adaptei, fui muito feliz, e tive muita sorte em São Paulo. É claro que trabalhei pra burro, eu tava falando não sei com quem, que viajei muito, cansei de viagem. Mas mesmo assim, eu continuaria. Minha mulher me cobrava, mas eu também estava querendo mudar de vida. Há certas coisas que não gostei... Você chega a um ponto onde sente que se ficar, cai. Eu fui numa reunião nos Estados Unidos ouvi coisas... não que me deixaram zangado, mas que comecei a pensar: "Pôxa, estou insistindo num negócio que não vai dar, melhor eu sair da frente, eu tô de rolha aqui." Aí eu falei com o gerente geral, lá mesmo: "Toma providência, porque se eu tiver...", eu tinha muitas propostas, "Se eu tiver uma proposta daqui pra frente, dependendo da qualidade da proposta, vou sair". Seis meses depois ele voltou a conversar comigo, acertamos os ponteiros, saí muito bem, não tenho nada contra a Johnson, se tivesse não estava aqui, vim porque gosto da filosofia de trabalho da Johnson, da alma da Johnson. Ela é uma empresa que tem alma, tem um código, um credo que a pessoa que entender, não deixa a Johnson. Ela deixa, mas não vai entender. A grande maioria que tem lá dentro... Saliba, ele começou no Departamento Pessoal, fez administração de empresas, depois pediu pra se afastar, acho que foi, nesse tempo ele não trabalhava comigo, foi inclusive ajudado pela Johnson, ficou dois meses afastado pra fazer o Master em administração de empresas. Voltou, pediu pra ir pra área farmacêutica, eu o levei e aí foi se desenvolvendo, passou por todas as etapas e hoje é o presidente. Não sei se é a Cilag, só, acho que está com as duas. O gerente geral da Johnson é a Pauline e da Cilag é o Rubens. Foi um menino que trabalhou, viajou comigo pros Estados Unidos e Canadá. Então esse é o tipo de empresa que você gosta, investe, sem querer. Acredita naquilo. Ela não te promete, te acena: "Ói, aqui tem essa oportunidade."

P/1 - Vou pedir um minutinho pra trocar a fita.

R - Pois não.

[Fim da fita 1 - Lado A]

P/1 - Bom, retomando, como o senhor chegou até a Johnson, depois da GE?

R - Fui pra essa firma, uma concessionária da Chevrolet, e saí. Pedi demissão por causa dos rendimentos baixos, incompatíveis com as necessidades da minha família. Fiz uma carta. Eu fiz uma carta, fiz um anuncio no jornal. Fiz a carta, respondi a carta, fui chamado, fui entrevistado, aí eles me deram um material pra estudar literatura de produtos científicos, produtos médicos. Era o Hydrax, outra da Vagi-Sulfa, e Pré-Gel. O Hydrax era um hidratante, o Vagi-Sulfa era um antivaginal, e o Pré-Gel era um anticoncepcional, com ingredientes que inibiam a evolução dos espermatozóides, prejudicavam a corrida dos espermatozóides. Era uma vaga de propagandista. Aí eles me deram as literaturas, tinha uma separata também, que é um trabalho médico, e aí eu chamei meu cunhado médico, se ele poderia me ajudar, que eu não conhecia nada de medicina. E ele ficou um dia inteiro comigo. No dia seguinte, fui à entrevista. Não fui mal, mas cometi um erro. Só percebi depois. Eu, no final da entrevista, tirei um cartãozinho de um rapaz que eu não conhecia e que tinha trabalhado na Johnson, pra falar no nome dele, que pode abrir mais espaço pra você. Foi o contrário. Aí senti nitidamente na hora e pensei a bobagem que tinha feito. Fui embora. Aí começou a passar o tempo e ninguém ligava. Um dia liguei pra lá e o chefe do escritório disse: "Ele está em São Paulo, numa convenção". Pedi o telefone e liguei pra ele em Valinhos. "Ah , o senhor está me telefonando aqui, estou trabalhando". Disse: "Olha, me desculpe, fiquei preocupado que o senhor ia demorar muito e estou interessado na vaga". Ele disse: "Então vá no tal dia". E dei sorte. Quando cheguei, ele tinha acabado de demitir um dos novos que... (risos) Aí, fui admitido. E fui ganhar mais do que ganhava na GE. Mais uns 20%, mais ou menos. Da Johnson lembro, era 800... cruzeiros, não!, oito mil cruzeiros, e mais cinco de ajuda de custo. Eu ganhava 11 na GE. Não sei o que representava hoje. Naquela época não tinha também nenhuma idéia do valor do dólar em relação ao cruzeiro. Até fiquei curioso agora. (risos)

P/1 - Dava condição de um bom padrão de vida, tinha comissão?

R - Dava, e tinha comissão. A comissão era fixa, mas era global, venda global, dividida ________. Você tinha prêmios. O que você superasse o seu objetivo ganhava 5% de prêmio, que não recebia na hora. Ele era cumulativo, chegava um tanto, a empresa adiantava um valor. No outro mês, se você também ultrapassasse um determinado limite, recebia outro valor, e o resto ia sendo acumulado para o pagamento do seu saldo no final do ano. Valia a pena por dois motivos, primeiro que a orientação era muito boa, você sabia exatamente o que estava fazendo, apesar de ser ainda, podemos dizer, tupiniquim, porque a indústria farmacêutica estava começando a explodir. Então muita coisa precisava ser mudada e a Johnson estava acompanhando. Então comecei a revolucionar. Os que estavam na empresa faziam seis visitas. Comecei a fazer 13, 14, fui até uma vez assediado por um vendedor, que há pouco tempo encontrei, era gerente regional no Rio de um laboratório suíço, não me lembro o nome agora, mas, na verdade, eu comecei em agosto. E ganhei, segundo mês, eu fiz venda acima das cotas estabelecidas todo o mês, que eram de cotas diferentes. Eu me lembro que nessa época eu tinha um Mercedes 39. Não vendi porque comecei a trabalhar de vendedor e eu tinha zonas muito longe, acho que a Johnson não tinha dez homens no Rio, se tivesse. E eu tinha Avenida Rio Branco, Avenida Presidente Vargas, Vale do Porto, Catumbi, Praça da Bandeira, São Cristóvão, 24 de Maio, Bom Sucesso e Ilha do Governador. Imagine pra fazer isso em 30 dias! (risos) Então o carro me ajudou muito. Até que abriu as duas rodas (risos), ah, joga isso fora. (risos) O fato é que eu fui me dando bem, vendendo bem, cobrindo minhas cotas, assimilando muito bem, eu mesmo fiquei admirado, assimilava muito bem patologia, fisiologia, eu conhecia tudo, e estudava muito. Chegava, via os filhos, conversava um pouquinho com a mulher, sentava na poltrona pra estudar aspectos do corpo humano e produtos também. E ainda separar as fichas pra fazer o itinerário do trabalho do dia seguinte. Mas valeu.

P/1 - Como era a estrutura da Johnson no Rio naquela época?

R - Quando eu entrei ela ficava na Rua Uruguaiana, esquina da Presidente Vargas, 12° andar. Duas salas bem pequenas, se comparada com outros laboratórios e com a própria Johnson, que tinha, por exemplo, produtos populares, que ficava na Avenida Rio Branco, era um andar inteiro. Foi um começo difícil pra própria Johnson, pra própria Divisão Farmacêutica.

P/1 - Como era o grupo de funcionários? Eram só os vendedores?

R - Tinha um gerente regional e eu, quando entrei ele era gerente distrital, mas logo foi promovido a regional. O Montenegro era um, e tinha um outro Fidalgo, era o meu superior. E o Martins, que foi promovido, ele tinha sido transferido para Belo Horizonte, lá fez o trabalho que precisava fazer, e acho que por interesse dele, ele voltou ao Rio. Um chefe excelente e excelente indivíduo pra se conviver. É talvez uma das melhores pessoas com quem trabalhei na minha vida. Já faleceu. Tinha um amor à Johnson também muito grande.

P/1 - O material publicitário daquela época mudou em relação a hoje?

R - Não sei como é que está. Não me parece que tenha mudado muito porque a base de você conversar com o médico, é o contato, a visita. Você não pode levar um livro pra conversar com o médico, tem que levar material simples, objetivo, com informações, até muitas observações, desde que interesse ao médico. Pra trabalhar como vendedor-propagandista tem que ser maschio, porque não é fácil. Até você conquistar o médico leva um tempo. É claro que depois, com o chão que vai fazendo, tudo fica mais fácil pra você. Você quer ver um exemplo? Eu nunca tinha visitado um médico a não ser pra fazer consulta. Então, esse Fidalgo, que era um gozador, ele foi me levar pra campo _______ e aí fomos num bairro, ali perto do cais do Porto, fomos visitar uma médica, não me lembro o nome agora, que era escura. E eu não sabia. Aí ele me deu a pasta e ela abriu a porta, e aí perdi a voz. Eu esperava uma branca, né? E ela era escura. Não tenho nada contra, mas é que não esperava, né? Então, você não pode fazer isso. É um ser humano como outro qualquer. Você não pode ter essa reação. Não sei te explicar. É uma profissão muito gostosa depois que você aprende bem e tem interesse. Você ganha dinheiro, hoje não sei se tem comissão ou são prêmios, lá; tinha um mínimo garantido, naturalmente, mas o fato é que passei a ganhar dinheiro. E quanto mais eu ganhava, mais trabalhava, porque sabia que estava trabalhando no meu benefício. Ganhava a empresa, ganhava eu. Uma outra ocasião, eu fui num ambulatório médico, estava uma escurinha, na porta conversando, e eu disse, dá licença, a doutora Jandira ... esqueci o nome, viu? A doutora Jandira sou eu. (risos) Imagine só, né?

P/1 - E havia algum médico que não gostava de propagandista?

R - Sempre há. À medida que ele vai acostumando com você, se ficar no setor muito tempo ele vai te aceitando, mas sempre tem um lado que de vez em quando ele dá um chega pra lá. Não é como o médico que entende que o propagandista é útil pra ele, tanto quanto ele pode ser pro propagandista. Eles vão se atualizando. Tem muitos trabalhos médicos que são levados a ele, que nas revistas médicas eles não vão encontrar nunca. Porque ele não tem tempo de estar procurando, de ler revistas médicas. Aí, fiquei como vendedor um ano e quatro meses, aí fui promovido a supervisor, o que me deu um pouco mais de liberdade de trabalho porque comecei a ver muita gente fazendo o mesmo trabalho e pude ganhar de A, de B, de C, pra ver o que era bom pra todos. Aí formei uma equipe boa, tive um gerente muito bom, interessado na firma e nas pessoas que eram interessadas em aprender. Fazia o diabo, mas tinha que trabalhar. De supervisor fiquei mais ou menos quatro ou cinco anos, entre 1958 e 1966. Em vendas, supervisor.

P/1 - Como eram feitos os planos, tinha virada de plano, como funcionava, tinham treinamentos novos?

R - Ah, tinham treinamentos todo o... mesmo que o produto em promoção no mês anterior, no ciclo de trabalho do mês seguinte, tinha treinamento. Sempre tem que ter uma informação nova, uma que venha do campo, que o médico criticou; às vezes, o médico tinha razão. Então tinha que fazer mudanças pra todo o mundo, não só pra aquele que encontrou aquele médico. Então tinha treinamento toda a virada de ciclo, fora o treinamento que o supervisor tinha que dar. Ou aquele que já era antigo e estava precisando de uma assistência, ou o novo, que precisava mais da presença do supervisor ao lado dele, porque no campo é muito mais fácil, porque se pega o erro na hora e se corrige. Depois disso, eu fui promovido a gerente geral, não fiz o estágio de gerente regional. Vim direto pra São Paulo. Em 1966 então, mudei pra São Paulo. Fiquei aqui até 1986 quando achei que estava atrapalhando alguém e a mim mesmo, talvez, e fui embora. Voltei pro Rio sem querer, porque era desejo da minha mulher, e eu não quis contrariá-la, porque ela não fez isso de reclamar quando veio pra cá, e ela não gostava.

P/1 - Como foi a mudança no sentido pessoal, foi morar onde?

R - Eu fui morar na... onde tinha a estação do bonde, Vila Mariana. Morei um ano lá. Aí aconteceu o estabelecimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, e eu optei. A Johnson, pra quem era optante, indenizou o tempo que correu com a Lei da Estabilidade. Não sei se ela pagou em parcelas, qualquer coisa assim. Aí tava fazendo um ano que eu estava morando na Vila Mariana e o aluguel ia aumentar muito e o condomínio também. Eu peguei aquele dinheiro, falei com minha mulher e decidimos procurar um apartamento pra morar. Apartamento, naquele tempo, era luxo em São Paulo, custava uma nota violenta, (risos) agora é o contrário, não consegui comprar o apartamento dentro das nossas possibilidades. Aí o corretor era muito vivo e disse que tinha uma casa aqui na José Maria Lisboa, zona nobre, né?, que o proprietário quer vender com rapidez. "Ele está doidinho pra vender." Fomos ver, e tal, conversamos com o proprietário, ele pediu 40 mil. Tinha 20 mil, e fiz uma contraproposta, 18 mil eu dava de entrada, e os dois mil precisava pintar um pouquinho, eu tinha que comprar umas coisas pra dentro de casa também. E foi comigo, gostou da conversa comigo, e fechamos negócio. Paguei, um... Tabela Price, era 750. O que eu ia pagar de aluguel, mais um tanto de condomínio, fui pagar a prestação da casa. Comprei a casa, morei lá seis anos, depois eu comprei um imóvel em construção também ali perto da Maria Lisboa, morei lá 14 anos, não lembro a rua, e daí saí da Johnson e voltei pro Rio.

P/1 - Voltando a Johnson aqui, na área de farmácia, como sentiu a estrutura maior, o ambiente de trabalho, as pessoas...

R - Bom, primeiro lugar, as pessoas já me conheciam. Vinha a reuniões de supervisor, convenções, e a gente tinha assim um contato, não só nas convenções, mas também de idas de... gerente de produtos, do gerente de vendas da época que era o Pinto, depois passou pra gerente de relações de mercado, mas mesmo assim a gente continuou com entrosamento com o pessoal. Não tive problemas. Eu tive dúvidas de outros supervisores, mas não vi nisso nada de maldade, porque a carta, que sem querer eu peguei, de um supervisor pro outro, ele queria ver como ia ficar, (risos) não achei que aquilo tinha maldade nenhuma, acho que aquilo era uma manifestação justa saindo de supervisores de equipe para uma, não puseram nem gerente de venda, puseram supervisor de vendas. Então, pra amenizar, né?, talvez assim eu tivesse a mesma reação. Por que não eu? Mas, veja, eu não fui o primeiro a ser convidado. Outros foram consultados e não aceitaram. Eu na primeira vez também tive um problema com a minha sogra, e que influiu na minha mulher. Eu, como não quero decepcionar a minha mulher de jeito nenhum, pensei vou ficar, vou dizer não. Mas, olha bem o que vai acontecer, estamos no início da vida profissional no ramo, e tem uma chance pra subir mais degraus. Mas, não aceitei. Dois meses depois o Pinto voltou ao Rio, e me convidou. Aí não pensei duas vezes, dei a palavra. ______ pra minha mulher, e disse: "Olha, vou te falar uma coisa que você não vai gostar. Não tenho nenhuma intenção de te ofender, eu ______, _________. ________ está me _______". Aí ela aceitou. Esse foi o único... não foi nem problema, né?, foi uma ameaça de problema. Minha vinda pra São Paulo pode ter um ou outro que não tivesse gostado, que se achasse merecedor, é justo. Todos estão trabalhando pra crescer, ganhar mais dinheiro, subir, então é justo que a pessoa fique um pouco chocada. Mas não, problemas, não. Sempre me trataram bem, eu tentei fazer a coisa de maneira a não ser um intruso, né? Então fui devagar... pra dizer a pura verdade. Eu fui sendo aceito sem querer, pelo menos que eu tenha percebido. E se percebi, acho que também já esqueci. (risos) Me dei muito bem em São Paulo. Gente muito boa, grupo muito bom, espetacular, Alfredo Mendes Filho, acho, não sei se ouviu falar, ele era da Farmacêutica, depois passou pra Relações Públicas da firma, né? O Sanches ________ também durão, mas um coração desse tamanho. Mas, duro. Bom, ele diz uma vez só: "Olha, não vai fazer." E não adianta argumentar, porque ele vai te provar por A mais B que no momento não é isso. Me dei muito bem com ele também. Adoro o Sanches. De muito tempo. O Pinto também foi o meu primeiro chefão, vamos dizer assim. Até agora parece que ele ainda colabora com a Johnson, né?

P/1 - Com relação ao seu trabalho em si, não muda nada com relação à nova equipe, né, os métodos, nesse momento da vinda pra São Paulo?

R - Não, não mudou em nada, A vaga estava se fazendo por promoção do Pinto. Ele estava indo pro lugar que o Sanches tinha, que ele tinha sido promovido a presidente. Ele foi pro lugar do Sanches, na Divisão Farmacêutica, e eu vim pro lugar dele, mas não mudou nada.

P/1 - E qual era a estrutura naquele momento em São Paulo, quantos funcionários tinha?

R - Vocês estão machucando a minha memória. Só aquelas fotografias, destrinchar...(risos) Ah, bom, tinha o Alfredo, que ainda tava na área de promoções, ele era o chefe. Acho que ele era o chefe de Propaganda e Vendas... eu tinha, três, quatro gerentes de Produto, um gerente de Pesquisa de Mercado, tinha dois médicos, mas se reportavam ao Pinto, na época, tinha um auxiliar, uma secretária, o auxiliar que controlava todo o movimento da Força de Vendas, despesas, prêmios, tudo isso era ele que fazia. Hoje também está aposentado. Na época, era essa estrutura, e mais a Força de Vendas, que devia ter uns 120 vendedores. Isso cobria São Paulo e Brasil, com as regionais também. Aí nós fomos mudando, com o crescimento da linha de produtos, chegamos à conclusão que o número de distribuidores era muito pequeno. Precisava ter mais distribuidores, um brigando contra o outro, naturalmente honestamente, para a gente poder ampliar. Um distribuidor só na área, ele está sozinho, entrega quando quer, se o cara pede dois ele manda seis. Dois brigando é diferente. Tem que dividir por dois. E eles estão ganhando a mesma coisa, e se eles estão ganhando a mesma coisa, nós vendendo em dobro Então nós expandimos o corpo de distribuidores.

P/1 - E quais as estratégias da empresa pra estimular o vendedor a conseguir mais prêmios?

R - O prêmio, eu te falei um pouco mais de tempo depois, né? O prêmio de... de produção, acima do objetivo de venda, ganhava 5%, cada vez que ______ 100 reais ou 100 mil, ganhava 5% sobre cem, e quando ele chegava num determinado valor, ele recebia um pouco, e o restante ficava acumulado pro final do ano. E outros tipos de prêmios, fazia concursos de vendas sobre determinado produto... não vingou muito, mas chegamos a dar geladeiras, te falo. O dinheiro que fala a verdade. Pessoal se esforça mais em relação ao dinheiro, que às vezes o cara já tem geladeira, né? Hoje, então, nem se fala né? (risos) Alguns prêmios especiais, prêmios de final do ano, a Johnson pagava um bônus, independente do prêmio, achou que é só isso, mas era é um valor, sabe, significativo, não era um prêmio. Claro, quem não produzia não ganhava. Ou o camarada corria pra produzir, ou o supervisor tinha que tomar uma decisão. Se ele não produz, está insatisfeito. Se está insatisfeito, vai contagiando a equipe, uma erva daninha não se pode deixar no canteiro. Se não, morre tudo. A filosofia de trabalho lá é você trabalha, vende, e ganha. Quando eu era supervisor, muita gente me barrava na rua pedindo pra arranjar um emprego. Eu não posso arranjar, mas tenta, vai lá, se inscreve, vai ser avaliado e analisado, e se você tem condições, te admitem. Agora, você é que tem que se vender, não adianta eu ir lá.

P/1 - Em termos de abertura de mercado, como foi no seu tempo? Havia mercados que ainda estavam virgens, que a Johnson ainda não estava no Brasil, foram feitas novas tentativas de abertura de mercado?

R - O mercado... veja, uma coisa é você que vai abrir mercado, né? O potencial. Às vezes, tá lá e as pessoas não vêem. Esse exemplo que lhe dei de ter mais distribuidores, em áreas de potencial, esse exemplo que lhe dei foi uma tentativa de expandir as vendas. Você tem um negócio, você tem uma área com não sei quantos mil clientes. Mas você só está atendendo 600, ou mil, se amanhã vier outro pra brigar contigo, vai brigar onde tem milho pra ele poder comer. Então tu vai vendo outro ____ que tu não viste há mais tempo. Evidentemente o mercado é uma coisa que você tem que fazer com muita freqüência. Você não pode ficar pensando “bom, fulano é meu cliente”, mas você pode perder o cliente. É o caso do médico. O gerador de vendas na indústria farmacêutica é o médico, não é o farmacêutico, o farmacêutico obedece o receituário do médico. Se bem que tem gente que troca. Mas isso é... nada, né? Então aquele que gera a venda do produto, que é realmente ético, que é o receituário médico, é o médico. Depois pode haver procura espontânea. À medida que o médico, que é quem populariza o remédio, o receituário. Não é o laboratório, é o médico. O laboratório não vai anunciar um produto, não é ético. A freqüência do receituário dos médicos, não é um médico só, vai popularizando o produto. O paciente, como a venda de produtos farmacêuticos aqui é venda livre, apesar de estar lá venda sob receita médica, então o paciente... depois, se tem um parente que está precisando de remédio, “ah, eu tenho um bom, da Johnson, assim, assim”, e o cara vai lá e compra. Eu faço isso. Então, o médico é o sustentáculo da venda, do laboratório. Sem ele receitar...

P/1 - Então, quer dizer, abrir mercado significa convencer o médico?

R - Sim, e você tem que fazer todo o dia o recenseamento do seu território. Quer sejam novos médicos ou novas farmácias; se você não fizer isso, você fica com o mercado desse tamanhinho. Não vai expandir nunca. __________ (risos)

P/1 - Eu estava falando também de mercado em termos de Brasil, se já estavam controlando o país inteiro, né?

R - Controlando em termos de presença do homem que visita o médico. Nós já tínhamos algum distribuidor, especialmente no Norte, acho que o Sanches é que foi o pioneiro, que eu sei. Foi lá, abriu novos distribuidores, vendeu mercadorias, teve condições talvez melhores na época pra poder chegar mais depressa, né? No Sul, acho que... não sei. A história que sei do Sanches foi porque me contaram, o pessoal, porque depois que passei a gerente geral, viajei muito. Eu ficava 20 dias viajando. Eu tinha Bahia, Pernambuco, Belém, e de vez em quando ia a Manaus. Não ia em toda a viagem, porque lá tinha um mercado ainda expandindo. As primeiras viagens que fiz ainda não tinha Zona Franca. Logo depois é que... Então a expansão desse mercado que sabia que existia, é você chegar lá e ver. É o que foi feito, porque eu saí, eu não tinha regional naquela área, mas logo depois promovi um supervisor muito bom, que trabalhou na Johnson muito tempo, e ele, com o grupo dele, foi penetrando lá no Interior, em cidades que iam crescendo, evoluindo, com médicos. O crescimento das vendas foi constante. Nuns lugares melhor, em outros pior, mas, valeu.

P/2 - Mas geograficamente essa abertura foi mais Norte e Nordeste?

R - Já estava, mas mesmo assim nós incrementamos. Como o próprio Interior de São Paulo. Ele começou a crescer, a gente já tava lá dentro. E tinha distribuidor. Só que o crescimento do Interior...o interior, hoje não sei, porque não tenho dados, mas quando estava aqui já deu pra sentir que no interior dava pra vender mais que na Capital, quando eu saí, já vendia. O interior de São Paulo era a galinha de ouro. E tá aí, né? Provado. Você passa por São José do Rio Preto, é um... um refresco pros olhos. Você passa pela Anhangüera, observa Ribeirão Preto , e depois atravessa pro lado de Minas, pronto. Acabou. Não tem nada. Fora Uberaba, tal. Uberlândia, talvez esteja até melhor que Uberaba, e antes era o contrário. Eu me lembro que logo que vim trabalhar em São Paulo, fui fazer uma visita a Uberlândia, fui levar uma doação lá pra uma escola de medicina, pra ser usada no combate à Doença de Chagas, né? E o problema era grave naquela ocasião. Disseram: "O senhor não sabe o risco que uma pessoa de fora tem aqui, se não tomar cuidado." _________ o descaso.

P/1 - O senhor costumava voltar para o campo, pra ver como estava?

R - Sempre, sempre. Eu podia ir a qualquer setor. Pelo menos _________. A não ser agora no final, porque as responsabilidades cresceram muito, e o sujeito não tem pra onde sair. Mas enquanto eu era gerente de vendas, e _________ como gerente de mercado, eu ia muito. Onde eu ia pelo menos com um homem eu saía. E depois foi piorando a situação. (risos) Não dava mais tempo.

P/2 - O senhor se lembra de um caso pitoresco, engraçado, na sua vida?

R - Ter, tem. Teve. Só que (risos) não estou me lembrando agora. Teve, sim. Eu tive muitas coisas gozadas que no momento realmente... Mas no passado, isso tem mais de 20 anos, a situação era diferente, então você admitia vendedores que realmente deixavam a desejar. Mas era o melhor que você podia encontrar. Uns eram grandes produtores, embora com limitações de conhecimento, mas eram grandes vendedores. Então, você sempre tinha uma coisa gozada, uns que comiam um negócio pensando que era outro (risos) e coisas assim.

P/1 - E em termos de campanha de produto. Quando um produto novo ia ser lançado havia toda uma estratégia, né? Que campanha o senhor se recorda que foi mais interessante, que envolveu, que criou uma expectativa, enfim...

R - Olha, eu estou correndo risco falando isso aí. Mas nós tivemos alguns produtos que deixaram a desejar em termos de, não efetividade em si, mas alguns com um pouquinho de rejeição médica, porque alguns clientes também rejeitavam. Isso deu um pouco de trabalho. E pesa na imagem do produto. O médico é uma faca muito afiada. Corta o ______ e corta a carne. Mas eu vou falar de sucesso. Um dos produtos...

P/1 - Vou pedir só um minuto, a gente troca a fita e volta a falar.

R - Ah, pois não.

[Fim da Fita Dois - lado B]

P/1 - Então vamos retomar pelo sucesso. O senhor estava falando dos produtos...

R - Ah, certo. Nós tivemos vários produtos. Pra te dizer a verdade, foi muito difícil acontecer na Johnson produtos que não tivessem um resultado considerado desejado. Muito difícil. Enfim, acontece em qualquer empresa, não me lembro quais, ou por uma falha de promoção, talvez, ou porque não atenderam aquilo que o médico tinha como expectativa, pode acontecer. Mas posso lhe afiançar que os produtos que foram pro mercado, a grande maioria, em índice muito significativo, foi bem aceito, bem receitado. É claro que com o tempo, vão aparecendo novas drogas, e essas novas drogas vão interferindo em drogas que já estão no mercado há muito tempo. Às vezes, elas nem são melhores, mas a promoção é boa, bem feita, então ela briga pra se sustentar. Outras vezes elas... Algumas vezes as antigas são realmente superadas por alguma coisa nova. Temos aí todos os dias drogas novas sendo descobertas na TV, que diz encontraram um medicamento pra controlar a AIDS, é uma revolução, uma doença que está castigando o mundo. É uma revolução médica, se tiver um fundamento científico, a procura vai ser grande. Pode ter acontecido assim, mas, veja, não estou acompanhando há dez anos o que está acontecendo na Johnson. No meu tempo, nós tivemos, mas não era uma coisa que tenha dado prejuízo.

P/1 - Qual o produto que marcou época?

R - Cadê aquela lista? (risos) Deixa eu ver... não vai ser fácil, não. Por exemplo, um produto que, isso lá pra 1958, por aí, foi o lançamento do Rarical. É um produto muito conhecido, não sei como está hoje, porque não acompanho. Mas foi de aceitação fácil, particularmente quando foi lançado o Rarical com vitaminas.

P/1 - O senhor participou do lançamento do primeiro Rarical?

R - Do lançamento, não. Eu trabalhei no campo. Quando eu entrei, o primeiro Rarical já estava no mercado. Mas, tinha poucos meses. Depois, participei do lançamento do Rarical com vitaminas. Participei, mas como supervisor. Depois participei de uma porção de outros lançamentos, Resprin, por exemplo, que hoje está até na promoção popular, foi um produto que fez um sucesso tremendo, vendeu horrores. Era um produto bom, uma fórmula simples, bastante efetivo, e um balanço muito bom na formulação. Foi um produto que agradou em cheio a classe médica, foi receitado por pediatras; primeiro o Resprin infantil, depois o Resprin comprimido.

P/1 - O senhor falou dos boletins de motivação. O que eram? Como funcionavam?

R - No princípio era sacudir o interior do vendedor. Todo o mundo gosta de ser chamado atenção positivamente, alguma coisa que vai beneficiar um trabalho dele. Então, no outro dia estava lendo uns, eu estava procurando as fotografias, eu em uma parte do armário de fotografias, boletins, que fiz, guardei, foi de minha autoria, achei que tinha o direito de ficar com eles, pelo menos, pra olhar de vez em quando. (risos) Então esse boletim, um colaborador, o irmão do Sanches, Manuel Sanches, mandou numa ocasião uma relação de objeções, onde dizia: "O mau vendedor ____ não foi exatamente isso ______. Objeções: "Eu não vou fazer isso porque não vai dar certo. Ah, isso eu já fiz duas ou três vezes ______ Mas, isso não é hora de fazer isso." Então ele relacionou 40 dessas objeções. Eu pensava, inspirava a gente _______ outra pessoa. Que eu tava pegando fogo. Eu gostava da minha função, gostava do meu trabalho. Então, eu olhei, pensei e disse: "Puxa, isso aqui pode dar um boletim." Aí fiz um livro com Ali Babá e os 40 ladrões. Comecei falando do Ali Babá, que era uma história muito conhecida, mas... que tal se a gente transformasse a história do Ali Babá e os 40 ladrões e fizesse uma análise das 40 objeções que vou relacionar abaixo? Aí fui relacionando e __________. Ali Babá é história, mas o que nós falamos em cima é realidade. Não é com objeções que se ganha, pelo contrário, a objeção forma um obstáculo e você tem que fazer é uma porta aberta pra você... É mais ou menos isso, não sei exatamente todo o texto, né? Então fiz esse boletim... (suspiro) e o que mais... Fiz muito boletim, fiz muito boletim

P/1 - Mas foi uma iniciativa do senhor?

R - Não, minha. A maioria minha, o Pinto deixou alguns que eu adaptei depois, mas eu colocava lá embaixo, o que eles chamam de boletim número tal, e aproveitei também os que eram bons e mereciam ser reimprimidos. Agora, a grande maioria foi meu, meu mesmo, direto. Uma ocasião eu tava trabalhando como vendedor aqui em São Paulo, e eu fui sair com um vendedor, já faleceu, coitado, e trabalhei com ele, visitei uns seis médicos naquela tarde. Lá pra Zona Norte. E toda a nossa orientação era de trabalhar o médico, não importa que falasse só de um produto. O ideal seria falar de três, mas, que se falasse bem. Não pode falar de dois bem, fala de um. No transcorrer da visita, observei que falava, no primeiro produto, _________, doutor, para finalizar, eu quero falar com o senhor tal, tal, tal. Não falei com ele no meio do trabalho, porque ia perturbar. Aí, no final do trabalho, chamei, vem cá _______: "Seu trabalho está muito bom. Até é o segundo terço do trabalho." "Mas por quê?" "Porque você provoca um desligamento do médico no momento que você fala: 'Doutor, pra finalizar...' acabou a propaganda. _____________________, você está perdendo o teu tempo e o material que você está deixando. Você não interessou o médico”. É natural, isso é geral, eu posso até apostar com você que eu, no tempo de propagandista, talvez tivesse feito a mesma coisa. Só que naquela época, não era eu que iria observá-la. Então, tenho que te criticar, porque é geral. É geral mesmo. Aí, eu disse: "Olha, faz o seguinte: você faz no médico o mesmo trabalho que você fez hoje. No finalizando, você presta muita atenção no médico, na fisionomia e no olhar do médico, pra saber se eu tenho razão. Depois você faz como estou te dizendo. E você vê se o médico vai se desligar" _________. No dia seguinte ele me ligou. (risos) Falei com o médico agora, perdi ou ganhei? Não, nós ganhamos. Então, isso foi motivo de um boletim pra mim. Procurei, e não achei. Porque mexi isso tudo essa semana quando soube que vinha pra cá, não sabia se era pra trazer os boletins ou não era, por sorte eu trouxe uns aí que serviram, mas não trouxe nada... Boletins, esses eram de promoção, né? Não sei porque _________ me pediu também. Então, a razão do boletim é essa. Por exemplo, encerramento de ano importante, porque o encerramento do ano é a coisa mais importante pra uma empresa. Se os objetivos não estão cobertos, estão correndo risco, o último mês é o último mês. Você tem que tirar a diferença dos 11 anteriores. Então isso era motivo de um boletim, pra adiantar como fazer, e isso é importante que atinja o vendedor.

P/2 - Como o senhor traçaria um perfil do bom vendedor?

R - Sabe o que é? Tem vendedor que depende da... ainda existe um vendedor na Johnson, no Interior da Bahia, Feira de Santana, não sei o nome dele, mas o apelido é Gogó. Ele tem um negócio aqui assim... Ele vende como ninguém, e não fala. Não fala uma palavra. Nem o nome do produto. Conversa com o médico, mas o nome do produto... E taí ganhando prêmios, hoje não sei. Mas até a época que eu saí, ele era campeão de vendas. Agora, só faz... taí, em outro setor ele vai pra baixo, vai pra zero. O que é que eu vou falar pra esse homem? Qual é o perfil que eu posso fazer (risos) usando ele como exemplo? Mas, vamos dizer. Eu tenho que me usar, porque fica difícil fazer o perfil de um vendedor com base em nada, tá certo? Mas acho o seguinte: primeira coisa, interesse pelo que tá fazendo. Não adianta arranjar um emprego pra ganhar dinheiro se você não tem interesse pelo que você faz. Você não vai ganhar. Você tem que conquistar receituário pra ganhar dinheiro; salário, pode até ganhar alguma coisa, porque o produto vende sozinho também. O produto está na farmácia, ele vende, também em conseqüência do trabalho do elemento do outro território. Se o cliente mora nesse, quem vai vender é a farmácia do território onde o cliente mora. Então... vende sozinho. Agora, é interesse pra ser bem sucedido. O cara que briga por ele está sempre motivado, preciso que ele tenha automotivação para ganhar dinheiro. É como te disse e vou voltar a repetir, eu tinha um vendedor no Rio, quando eu era supervisor, que era um cão pra trabalhar. Sabe como é que eu o admiti? Porque no Rio os médicos, em São Paulo também deve ser igual, tem médicos que vão pro consultório muito tarde. Em geral, esses é que têm as melhores clínicas. Fica assim... Então, tinha vezes que eu saía com o vendedor orientando, o meu melhor trabalho com o vendedor era no campo, não adianta. Fazia uma reunião, fazia um discurso e dava treinamento. É claro, você vai lá, vai motivar, vai incentivar, isso é básico. Então, eu marquei com esse vendedor uma entrevista na minha casa, que eu não podia voltar ao escritório porque tinha um médico às 9 horas pra visitar com o vendedor. Eu queria ir visitar com aquele vendedor, independente de outro, que nós fizemos no mesmo dia. Cheguei em casa 11 horas, ele estava na porta me esperando... 11 horas; olhei pra cima, tudo apagado, (risos) a família tava dormindo. (risos) Eu disse: "Não, eu vou te entrevistar. Deixa eu só dar uma subida". Subi, minha mulher estava deitada, ela estava acordada, e eu disse: "Ói, vou trancar a porta aqui que vou entrevistar um rapaz aqui". Entrevistei e admiti ______________. Agora é assim. Das 7 da manhã, às 9 da noite. Perguntei pra ele, não me lembro mais o nome dele: "Desde que horas você está aqui?" "Cheguei eram oito e meia. Estou até agora aqui." Disse: "Fez bem. (risos) Se você não tivesse ficado, não ia falar contigo". (risos) Então, é difícil você formar um perfil, mas, ideal é ter boa cultura. Cada dia você tem que falar melhor com o médico. Porque os médicos, hoje, eles, as clínicas particulares vão crescendo, nível de cultura científica do médico também vai crescendo. A qualidade do cliente que vai no consultório dele também vai crescendo. Então, é preciso ter cultura pra entender o médico. Porque ele vai conversar contigo. É preciso ter educação, saber o momento de falar e o momento de fechar a boca. Às vezes não é o momento de falar com o médico quando ele manifesta ou dá algum sinal, ele desconcentra de você, já não está querendo mais te ouvir. Você tem que saber o momento certo de se despedir. “Boa noite, o senhor foi muito gentil, me deu mais tempo do que eu esperava, mas volto aí outro dia”. Não força, porque... então precisa ter, sempre, capacidade de estabelecer a hora do chega, não está mais na hora... Trabalho duro. O cara que quer ganhar dinheiro tem que trabalhar. Dizer que trabalha, mas não leva dinheiro pra casa... Porque se não vende, não leva dinheiro. Tem que ser trabalhador, tem que ficar até as 9 horas. Tem cliente, tem farmacêutico que só atende depois do jantar. Então você tem que ir lá depois do jantar. Quem não vai, não vende. E se apresentar bem. Uma aparência razoável, boa, isso seria básico. Tem laboratório que paga muito mal, então é muito difícil o vendedor... não sei hoje, eu estou fora do negócio há dez anos, então estou falando de dez anos atrás. Tempo que ainda tinha dinossauros, (risos) e hoje fica mais difícil até mesmo formar um perfil. Se possível, falar uma língua, porque tem situações que você precisa; isso não é obrigatório, mas é desejável.

P/1 - Então, vamos retomar a sua trajetória. O senhor foi então gerente de mercado, gerente de divisão hospitalar, gerente de mercado e operações farmacêuticas, gerente geral de mercado. Quer dizer, até a sua saída da empresa o senhor ficou cuidando de mercado.

R - Quando eu saí, era gerente geral da Cilag.

P/1 - Sempre na farmacêutica e sempre cuidando de mercado, não é isso? O que o senhor diria que aconteceu de importante na Johnson na sua carreira?

R - Não sei o que você chama de importante.

P/1 - O senhor é que elege.

R - Acho que todo o tempo que passei na Johnson pra mim foi importante. Tive muitas oportunidades e briguei por elas. Se briguei certo, sempre vai ficar uma dúvida. Acho que poderia ter conquistado mais do que conquistei. Embora não me sinta decepcionado, a gente sempre quer mais, né? Eu estaria bem mais eufórico, se eu tivesse chegado a uma posição melhor do que aquela que conquistei. Pra mim todos os fatos foram importantes. Por exemplo, tivemos um problema sério com um produto que foi obrigado a ser retirado do mercado. É possível que tenham ouvido falar e lembrem do produto ainda. A Johnson lançou nos Estados Unidos um produto excelente na sua ação de controle da dor, chamado Zomax. Uma ocasião, o produto estava indo muito bem, ainda não estava totalmente distribuído no mercado, porque a demanda era muito grande. Uma ocasião, estou na casa de um amigo, jogando pôquer, o telefone me toca. Não sei como eles conseguiram o telefone de lá. (risos) Quando quer vai, né? Então a pessoa me fala que o Zomax está sendo tirado do mercado por efeitos secundários. Provocava... sonolência, qualquer coisa assim. _________. Então precisava tomar providências. Primeiro foi o Sanches que me achou. Aí ele disse: "Fala com o Paulo Costa nos Estados Unidos, que ele tem uma coisa muito séria pra falar com você". Aí eu disse pro meu amigo Artur, “vou ligar pros Estados Unidos, e quando vier a conta você me avisa que eu reembolso”. Aí o Paulo disse “precisa tirar do mercado porque está dando essas reações assim, assim, assim”, isso era uma sexta-feira. “A partir de amanhã nós temos que ter essa ação aí no Brasil pra até domingo já estar todo o mundo, nosso corpo de vendas, avisado. Porque vocês devem colocar um anuncio no domingo que o produto está sendo retirado do mercado, nós vamos mandar o texto praí, e isso é fundamental que seja feito dessa forma”. Aí eu vou ligar pro Sanches. "Seu Sanches, nós temos que, amanhã de manhã, fazer isso assim, assim, assim, assado, o senhor toma as providências?" "Eu tomo, mas eu quero o senhor lá também." "Não, eu vou lá." O Sanches chamou o Alfredo, que era o Relações Públicas, o Alfredo chamou a agência de propaganda, eu passei a mão no telefone no sábado... o Campos também, o médico, foi pra lá pro escritório, eu passei a mão no telefone e falei com todos os supervisores do Brasil naquele dia. De um jeito ou de outro consegui. Mandei até chamar na casa dele, através de um vizinho, um supervisor da Bahia. Isso foi coordenado de tal forma que nós saímos do escritório à meia-noite, mas o anúncio já estava no jornal de todo o Brasil através da agência. Não tivemos uma reação negativa da classe médica, nenhuma. Tivemos muita televisão lá no escritório, filmando, perguntando, mas médico, nenhum. Isso pra mim, era uma vitória, que você poderia considerar vitória negativa. Não é, aquilo foi uma demonstração da nossa capacidade de reagir nos momentos certos, e com a velocidade necessária. Isso é uma vitória nossa, não minha. Mas eu participei, fui o início do estopim da coisa, né? ________________ com todo o mundo. Mas, pra mim, foi uma vitória. O que é que eu poderia te dizer mais como vitória... (pausa) Tanto no profissional como no pessoal. Olha, pra mim, (pausa) quando comecei a trabalhar na Johnson, acho, eu já falei pra você aqui, eu bebia conhecimento. A maior vitória pra mim foi eu ter conquistado o lugar de supervisor, foi no início da minha carreira ________ no tempo que eu conquistei uma porção de gente também _________________ com todo o direito de mudar(?) Isso eu não esperava. O Pinto saiu comigo pra me analisar, entrei no consultório do médico, ele não queria atender, isso na Rua México, que quando eu era vendedor trabalhava também no centro da cidade, e por insistência minha com a secretária, eu dei o cartãozinho, tinha falado com esse médico uma vez só. Aí, acho que foi mais vitória do médico do que minha, (risos) então, entrei na sala, cumprimentei: "O senhor tá bom, o seu Pinto, gerente de vendas da Johnson", tal, comecei a conversar com ele, nós tínhamos um produto, se chamava Gentersal. Ele era um produto pra candidíase vaginal, mas ele... e era à base de um elemento que fazia o creme quase roxo. E o creme, pra trabalhar com bisnaga suja, suja. Mas ele disse: "Mas não saí, o Ximenes". "Sai. Sai sim." Peguei a toalha dele... não saiu nem da sua mão nem da toalha. "Da toalha sai, da minha mão vai custar um pouco." (risos) "Você é um chato, viu?" "Não, doutor porque a cliente reclama que suja." "Diz que se não sair lhe dou uma dúzia de toalhas." "É pra valer?" "É pra valer." Então, isso me deu o lugar de supervisão. Porque o Pinto disse: "Eu nunca vi trabalhar assim, Ximenes. ______ isso foi espontâneo, isso não foi nada planejado." Você tem que estar pronto pra toda coisa que te falam. Qualquer situação você tem que estar preparado. A minha conquista pro lugar de supervisão me abriu o caminho pra mim continuar na Johnson. Porque eu não ia ficar, se não tivesse sido promovido, não naquele momento, né? Mas uma oportunidade você perde, outra oportunidade você perde, na terceira você não tem mais, é difícil. Então foi uma das emoções maiores que tive na Johnson, aquilo me trouxe sangue novo. Agora, com relação ao trabalho, assim, de um ponto de vista de empresa, foi muita emoção você escolher uma... (risos) Sabe? Eu vim pra São Paulo. Quando cheguei em São Paulo, eu vim, eu não vim como gerente de vendas, eu vim como supervisor geral de vendas porque tinham outros regionais que também almejavam a posição, é claro. O cara tá lutando pra crescer, aquilo me doeu um pouco, mas, bom, eu entendi. Eu era supervisor, tinham dois ou três regionais naquela época almejando... não foi consultado e, não quis. Ficou só um. A mulher não quis, e era um gaúcho. Se fosse pro Rio, mas São Paulo, falei, “bom, vai ficar em Porto Alegre mesmo”. (risos) Isso aí me contaram. Agora (pausa) eu fui almoçar na firma, restaurante da firma, e sentei, e vi o Pinto e o Sanches, chegou o presidente, o Lúcio ___________, bacana. Mas ó, cacetada dele era pra valer, tá? Sentou. O Pinto... ele me conhecia. Me conhecia porque andava com ele no Rio, quando precisava alguma coisa do Rio eu encontrava com ele lá. Me apresentou, aí ele: "Olha, parabéns, mas vê lá o que você vai arranjar, hein, rapaz. Está vindo da supervisão e o seu negócio está andando muito bem." (risadas) Então acho que essa foi uma conquista, eu mostrar pro Sanches que podia conviver. Até um dia que fiz um boletim sobre um produto que estava com problemas, um boletim orientando o pessoal e motivando, ele me chamou lá e disse: "Ximenes, parabéns, gostei muito do boletim que você fez." E eu quase perguntei a ele quando é que eu chego a presidente. (risos) Eu tive outras emoções, ouviu? Homenagens de colegas, de companheiros, que você não pode, às vezes, nem deixar transparecer a emoção, que senão fica fraco. Um cara que recebe uma homenagem e se comove, começa a correr lágrimas dos olhos, controle muito fraco. Mas isso me emocionou bastante. A Johnson, não tenho nenhuma queixa da Johnson, sabe? Pessoas lá dentro, talvez, mas a Johnson, como um todo, pelo contrário, eu só ganhei, porque acredito muito. Não fui procurar outro lugar pra trabalhar porque não me aceitariam, porque quando eu saí dali eu já estava com 60 anos. É muito difícil arranjar. Abri uma distribuição de produtos Johnson, e o Collor fechou. É. Eu vinha bem, eu já tava com quatro anos, cinco anos a empresa funcionando quando o Collor entrou e aí fez aquele "seqüestro", não mandou nem um bilhetinho pra nós dizendo quanto é que custava o dinheiro de volta. E aquilo me deu uma cacetada violenta, porque tinha dívidas pra pagar e o dinheiro _________. Hoje __________ eu estava na mesma situação. Como eles tinham a quem cobrar, eu tinha que cobrar quem não pagava, que era o farmacêutico. Eles tinham a quem cobrar, ameaçando com o corte da distribuição. Aquilo me abalou, muito. E não me deu chance de recuperar, eu tive que botar dinheiro do meu bolso, perdi muito dinheiro. Logo no final de 1991, ele dá um aumento pra indústria farmacêutica de 50%. Ah! Aí, Congresso em cima dele, ele cancelou o aumento. Eu já tinha recebido mercadoria com o preço novo, não aceitaram de volta. Eu tinha que vender cem, pra pagar 150. Aí eu desisti, fechei a firma. Não sei se saí do enredo.

P/2 - Não, não. A gente já está chegando na conclusão, não sei se o senhor tinha colocado alguma coisa sobre viagens... Das viagens que fez qual o senhor achou mais interessante?

R - Posso ter achado algumas mais interessantes, outras não tanto, mas foram muitas, então fica difícil eu... Eu viajava muito. Uma ocasião eu saí da São Paulo, uma segunda-feira à noite e cheguei em... não foi Bruxelas, aquela outra cidade da Bélgica, que é porto de mar. Eu cheguei lá às 7 horas da noite. Cansado, com fome, porque ______ fui dormir. No dia seguinte, a limusine foi me pegar lá às 8 horas; eu fui pra firma, a filial da Johnson né, Janssen Farmacêutica, fui pra uma reunião, tal, terminou às 6 horas, comi um sanduíche, peguei um táxi, fui para Paris, antes pra Bruxelas, e de Paris vim pra São Paulo. E cheguei aqui esbagaçado. Foi útil, mas não foi, porque você está trabalhando, cansado, com sono. Seu pensamento sai um pouco dos trilhos, né? Agora, eu tive diferentes reuniões, seminários em São Paulo, não foi, foi com a Johnson, mas não foi com a farmacêutica, não foi nem seminário, eu fui a um treinamento. Tinha sido promovido pra Divisão Hospitalar, e eles fizeram um programa pra mim, e o antigo gerente da Divisão Hospitalar tinha se demitido e meu chefe me transferiu pra lá, que era o __________ na época. Eu fui pros Estados Unidos, fiquei oito, nove semanas. Duas semanas, três semanas trabalhando com vendedores, pra ver como é o mercado, o tipo de approach e os produtos, também. Eu fui lá pra trazer produtos novos pra cá, que ainda estava bem incipiente. E depois fui treinar, conhecer produtos mais duas semanas, na ________ treinamento da Johnson. Então isso foi útil pra mim, me trouxe muito benefício. Uma outra ocasião, a grande verdade é que a maioria trouxe benefício. Em determinadas horas, não te agrada, mas, se você tira a água, e vê o que é que sobra, foi sempre útil, porque o pessoal tem muito interesse, são pagos pra isso e se interessam, porque também o prestígio deles está em função do aproveitamento de quem está treinando. Então, foram muito boas reuniões que participei, até com apresentação pra outros países. Já fui ao Peru, e eu quando mexi nesse negócio, aproveito pra mexer em tudo. E eu tava vindo, eu fui no Peru, um americano, que tava dirigindo a área farmacêutica do Pacífico, ligou e disse: "Ói, Ximenes, você conhece bem o mercado e eu sei que você pode fazer o que vou te pedir. Eu quero que você me avalie o potencial do Peru". Me deram a dica, né? País complicado, muito controle de matéria-prima, aumenta de preço todo dia, então eu fui lá, fiquei três semanas. Ali peguei e comecei a visitar os ________ dos outros laboratórios. Um caos! O negócio estava ruim pra burro, não podia importar matéria-prima, eles é que faziam a importação, e eles vendiam pras indústrias farmacêuticas, eles estavam ganhando dinheiro nas costas dos outros, e os impostos muito grandes e fui conversar com o ministro da Saúde e eles tinham um grave problema de desidratação, onde nós tínhamos o produto pra eles, mas faltava dinheiro. E eu perguntei: "Mas, ministro, como é que o senhor vai planejar pra resolver, ou pelo menos amenizar, essa situação tão difícil?" "Só mudando o presidente." (risos) "O senhor não falou pra mim não, hein? ( risos) Mas a finalidade de quase todas as reuniões do Exterior foi aprendizado. Outras, foi mais discussões de mercado, onde aliás, nós contribuímos muito. Me lembro que numa ocasião fui com a Pauline na Bélgica, estudamos lá um produto que ia ser trabalhado, ia ser lançado no mercado, e fizemos as nossas _______. Então, ficamos em contradição com a apresentação de outros companheiros de outros países. Mas a forma como nós colocamos foi aceito como parte de razão. Tudo ninguém dá. Pra nós, foi uma gratificação, não porque eles concordaram, mas é que nós fizemos uma análise correta. Fomos felizes. Pudemos evitar que saísse alguma coisa ruim, que depois daria problema pro produto no mercado. Conseqüentemente a empresa, como um todo, também saiu bastante satisfeita com isso.

P/1 - Bom, eu queria concluir , acho que vamos ter que trocar a fita...

R - Só quero... estou sendo útil?

P/1 - Muitíssimo.

[Fim da Fita1 - Lado C]

P/1 - Queria que o senhor fizesse assim um balanço desses 28 anos de Johnson, quase 30 anos. Valeu a pena?

R - Eu acho que valeu, sabe? Porque 28 anos só fica quem gosta, e só aceita quem acha que tá certo. Eu te contei o início da minha vida. Eu sempre fui muito ligado a medicina, uma das coisas que eu pretendia fazer era medicina, se bem que na minha época era muito difícil. Só tinha uma que era do governo. E pro governo, só de capacho. Tenho um primo, da minha idade, que se formou __________ na época que eu gostaria de entrar, mas ele tinha uma vantagem que eu não tinha. Medicina não tinha de noite, nem sei se hoje tem, naquele época não tinha. Eu tinha que trabalhar, eu não conseguia trabalhar sem... pra ganhar, pra estudar medicina, porque não tinha tempo. Então, sempre gostei da matéria. Depois, comecei entrosar com o meu cunhado, que é médico, e aí passei a conhecer um monte de médicos, passei a freqüentar a casa. Às vezes, ia pro consultório, pro hospital. Isso, tenho essa impressão, me trouxe assim uma, sei lá, uma idéia de... ele tinha sido propagandista-vendedor também o meu cunhado, quando estava estudando medicina. Ele era assessor de um laboratório no Rio, um laboratório pequeno. E... então eu também falava muito com ele e isso foi me, sabe, abrindo interesse. Quando entrei na Johnson eu disse: "Bom, aqui é pra ficar, eu não sei o que posso conseguir, mas vou brigar; porque eu tinha conversado com o gerente, queria saber... Eu, quando entrei na Johnson, tive uma oferta, que já tinha trabalhado antes, mas custou muito a vir a resposta. Uma firma aqui de São Paulo de solda ponteada. É o que se usa no carro, né? Aquilo estava começando a aparecer no Brasil. Eu vim a São Paulo, conversei com o dono em Santo André, na época, hoje eu não sei, e ele aceitou, que pensasse um pouco e tal, me deu o folheto, depois então eu ligasse pra ele, conforme fosse ou eu vinha aqui ou ele ia lá. E mais outras apresentações. Fiquei entre a cruz e a caldeirinha. Trabalhando na Johnson e com a cabeça a metade no outro negócio. Numa reunião, que esse Martins, meu chefe, chamava de lavagem de roupa suja, de vez em quando ele brigava lá com o pessoal e tinha... (risos) ele chamava o pessoal na reunião e ali falava o que ele queria. Ou o que achava que deveria falar. E quando foi a minha vez, disse: "Ói, Matias, o meu caso é muito pessoal e acho que não vai interessar aos rapazes aqui, eu queria falar com você em particular". "Ah, tudo bem." Acabou a reunião e então expliquei a ele o que estava acontecendo. Eu estava gostando muito da Johnson, mas que tinha uma oportunidade que não era pra deixar de pensar. O que eu queria dele era saber “como é que estou em relação ao trabalho que faço, que oportunidades posso esperar da Johnson, porque, sabe, eu não quero ficar trabalhando um pedacinho aqui, não vou sair porque o outro lugar é melhor. Eu quero ficar num lugar onde possa construir o meu negócio, a minha vida, sustentar, educar, criar meus filhos. Então eu gostaria de saber de você se existe essa possibilidade”. Aí ele falou “bom, você vai continuar assim?” Eu disse: "Olha ________________, né? Se você continuar assim, Ximenes você cresce na Johnson. Você é o tipo do homem que a Johnson está interessada." Tudo bom. Aí eu disse pra ele o que é que eu tinha: "Olha, acontece isso, assim, assim, eu vou deixar de lado, eu vou me dedicar à Johnson"; e fiz... Dei toda a força que eu tinha e fiz... Então, acho que, não sei, me apaixonei, mesmo. Se um dia houver uma oportunidade, remota, né?, você, pergunte a minha mulher o que eu fazia pra estudar e trabalhar. Eu tenho, até hoje...tenho essa poltrona, larga assim, pegava uma tábua, botava entre os braços, pegava os livros e estudava. Pegava as fichas dos vendedores, que eles tinham, entregavam à tarde pra ver o que tinham feito. Em cada uma fazia uma observação. Você esqueceu de, você tem que tratar o médico de maneira diferente, na próxima vez presta atenção nisso. Eram seis vendedores, e todo dia eram umas 60 fichas mais ou menos que eu tinha... porque quando passei a supervisor, eles passaram a fazer mais visitas, né? Eu exigi. Em compensação, também, eles passaram a vender mais. Então, me dediquei de corpo e alma. Não estou arrependido não. Não posso ficar arrependido. Ganhei muito dinheiro. Ganhei dinheiro da Johnson aqui, ganhei dinheiro dos Estados Unidos, ganhei dinheiro de bonificações, ganhei... ações, o Collor é que tirou tudo. (risos) Mas que eles me deram, deram. Então, não estou arrependido. Se tivesse arrependido uma vez, eu saía. Eu não ia ficar num lugar que não me agrada. Não sou disso. Se não me agrada, não sei fingir. Estou te falando isso de coração. Se eu tiver uma coisa contra você, eu posso demorar um pouco, mas uma hora vou encontrar coragem pra te falar. Não tenho porque esconder. Eu falo pra minha mulher, quando tenho uma coisa pra falar com ela, e se eu acho que ela não vai gostar, é verdade que o rodeio é bem maior, (risos) mas eu falo pra ela. E eu aceito. Se você tiver uma coisa contra mim, e se você colocar de forma que eu consiga entender, e se for necessário, eu peço desculpa. Sempre fui assim. Não mudei nada, nada. Não tenho nada contra ninguém. O que passou, passou. E eu só tenho mágoa de uma pessoa. E eu não ___________ ela. Não falo com ela. Ela me fez um negócio muito, muito desagradável, mas ela sabe disso, ela sabe que tenho mágoa dela. O resto, graças a Deus, estou em paz com o mundo. Se eu não entrar no céu é por falta de vaga. (risos) Eu não ambiciono nada de ninguém, não invejo ninguém, acho que cada um tem a sua vida e você tem que estar feliz com aquilo que tem, porque se for muito ou pouco, precisa ver onde é que entra você, com aquilo que conseguiu. Então, não sou invejoso, né? Se o cara está indo muito bem, eu faço votos que ele continue indo bem, não tenho, sabe, o vizinho de lá vive a vida dele e eu vivo a minha. Ele vive do jeito que ele quer, eu vivo do jeito que eu quero. Não tenho nem um pouquinho de inveja. (risos) Se pagasse, né? Bom, mais alguma coisa?

P/1 - Não, só se o senhor quiser complementar...

R - Não, eu... não tenho. Eu me esforcei o máximo pra ser útil. Às vezes me entusiasmo, me empolgo, posso até não demonstrar, mas você percebe pela prolixidade. Eu costumo dizer, antigamente, quando tinha menos experiência de falar com pessoas, costumava dizer pro pessoal nas reuniões, convenções ou mesmo festas, tinha muita dificuldade pra começar a falar. Muita. Agora, a maior dificuldade é pra parar, eu não sei quando é que eu vou parar. (risos) Eu me entusiasmo, né?

P/1 - Mas valeu muito a pena, queria agradecer ao senhor por ter vindo, foi muito útil.

R - Ah, pra Johnson eu venho. A hora que você quiser, não tem problema não. Se ela sempre precisasse de mim, eu voltava pra São Paulo. (risos)