Museu da Pessoa

De Israel para Higienópolis

autoria: Museu da Pessoa personagem: Gad Yshay

P/1 – Sr. Gad, você pode falar o seu nome completo, data e local de nascimento?

R – Sim. Meu nome é Gad Yshay, nasci em 16 de abril de 1931, em Israel, Jerusalém. Mês que vêm vou fazer aniversário.

P/1 – Sus pais também nasceram em Jerusalém?

R – Meu pai sim. Minha mãe nasceu na Rússia, e foi para a Rússia, onde conheceu o meu pai.

P/1 – Porque ela saiu da Rússia?

R – Não sei. Para imigrar, passar uma vida em um estado de Judeus. Israel recebia muita imigração judaica, de todos os lugares do mundo. Muitos imigrantes da Rússia e Bukhara iam para lá, para formar um estado novo, e recebiam muitas regalias.

P/1 – Seus avós paternos são da onde?

R – São da Iugoslávia e por parte da mãe são da Macedônia, fronteira com a Grécia. Eles imigraram para Israel para viver com outros Judeus. As imigrações eram muito fortes. Na minha juventude, na época da guerra, só existiam 500 mil israelenses, onde os jovens de uns dezoito anos tomavam a defesa de Israel.

P/1 – O que os seus avós maternos faziam?

R – O meu avô veio da Rússia com muito dinheiro. Ele construiu uma casa enorme em Jerusalém, onde morou, e também construiu seis habitações parecidas com apartamentos, que eram alugadas. A cozinha era do outro lado, havia uns trinta, quarenta metros de distância entre a cozinha e as casas construídas. Eu me lembro muito bem do meu avô porque ele me passou muito conhecimento de vida. Eu morava em Tel-aviv e ele em Jerusalém, nesta casa grande. Lá eles (avô e avó) criaram 12 filhos que depois se espalharam por Israel, Tel-aviv e outros lugares.

P/1 – E o seu avô paterno, o que fazia?

R – Ele faleceu quando meu pai tinha uns 3 anos. Minha avó ficou viúva e passou muitas dificuldades. Alguns filhos deles migraram para os Estados Unidos, saindo então de Israel.

P/1 – E o seu pai, o que ele fazia?

R – (suspiro). Meu pai era marceneiro e artista. Fazia portas entalhadas, com desenhos muito bem formados. Meu pai era marceneiro de primeira mão. Ele trabalhou na casa em que minha mãe morava, a conheceu e acabaram se casando. Depois se mudaram para Tel-aviv, pois achavam a praia de lá muito legal . Eu nasci em Jerusalém, justamente para ter suporte da família de lá, que era bem de vida.

P/1 – Mas ai você passou a infância em Tel-aviv?

R – Depois de uns seis meses do meu nascimento a minha mãe voltou, pois o meu pai estava trabalhando em Tel-aviv.

P/1 – Como era a casa de Tel-avivi, em que você passou a infância?

R – Era uma casa no centro de Tel-aviv. Não no centro que é hoje mas, (pausa), vamos falar (pausa), na fronteira com Arabes (Arábia Saudita), mais ou menos. Era uma casa simples, sem nada de luxo. Começaram como imigrantes e lutaram (no sentido de trabalhar) juntos.

P/1 – E lá ele trabalhava como marceneiro?

R – Sim, sim. A vida inteira.

P/1 – Ele tinha uma marcenaria?

R – Tinha uma fábrica com quatro sócios. Eles faziam aquelas janelas, que levantam para cima....

P/1 – persianas.

R – Sim, persianas. Passou um tempo, os Árabes jogaram uma bomba na janela, lá por cima, e pegou fogo na fábrica toda. Tínhamos seguro, mas como todo seguro, o prejuízo não foi coberto. Cada um dos sócios saiu da sociedade e trabalhou por si. Meu pai continuou com um deles, imigrante da Polônia. Trabalharam juntos, mas depois não deu certo. Meu pai saiu de lá e entrou para o exército para trabalhar como marceneiro. Ficou no exercito até o fim da vida.



P/1 – Como era a infância em Tel-aviv? Do que você brincava?

R – A gente brincava de tiros .

P/1 – Tiros de arma mesmo?

R – Não. Eram só brinquedos. Brinquedos que faziam “pum!” . Eram coisas de crianças. Depois que cresci, ai sim, entrei para o partido, aonde começou a minha preparação militar.

P/1 – Você tinha mais irmãos?

R – Tinha mais dois.

P/1 – Vocês eram em três?

R – Éramos em três.

P/1 – Você era o mais novo?

R – Eu sou o maior.

P/1 – Você brincava com os seus irmãos? Do que, além de dar tiros?

R – Brincava muito. Como meu pai era marceneiro, além de portas ele fazia carrinhos, coisas para andar. Tudo simples, mas muito bonitinho e firme (resistente). A gente brincava com muitas coisas feitas por ele. Também se compravam coisas de fora. Eram muitos brinquedos para brincar.

P/1 – E vocês tinham uma educação religiosa?

R – (suspiro). Especial não. Tínhamos cantos religiosos.

P/1 – Você cantava na sinagoga?

R – Só algumas frases, que tinham para as crianças subir.

P/1 – Você lembra o que você falava?

R – Lógico.

P/1 – Você pode falar pra gente?

R – Em hebraico?

P/1 – É.

R – Até hoje vou para as sinagogas judaicas, da cabala. Não sei se vocês aqui já ouviram a palavra cabala. A cabala é muito famosa, não por mim, mas por minha mulher e por causa da filha dela, que é também cabalista. Ela nasceu no Brasil, mas não está mais. Hoje ela é cabalista lá em Israel e está dando aulas cabalistas para Israel e Tel-aviv.

P/1 – Vamos voltar um pouquinho. Lá em Tel-aviv, com quantos anos o senhor foi à escola?

R – Fui no jardim. Lá tinha um jardim muito lindo. E de lá entrei na escola Allianz. Já ouviram falar? É uma escola francesa, muito famosa no mundo inteiro. Fiquei lá um ano, porém não aprendi nada. Francês e hebraico são dois mundos diferentes. Como ninguém na minha família falava francês, eu não praticava. Depois disso, passei para uma escola normal em Israel. Fiz oito anos e com doze (anos), passei para o ginásio. Depois entrei para fazer faculdade de pedagogia, mas fiquei só seis meses. Não gostei pois achei que era uma coisa mais para frente.



P/1 – Quando o senhor era pequeno, do que mais gostava na escola?

R – Eu gostava de tudo. De todas as matérias. Depois passei e tive todos os documentos que se precisava para ter a minha vida própria.

P/1 – O senhora falou que morava perto da fronteira com os Árabes.Como era a convivência?

R – Absolutamente normal. Eles passavam do nosso lado com asnos trazendo mercadorias da área deles. Traziam coisas, por exemplo: uvas, laranjas, sei lá! Coisas para fazer negócios. Em Tel-aviv tinham muitas lojas. Algumas vezes havia brigas, mas como em qualquer lugar. Era uma convivência normal.

P/1 – Mas foram eles que jogaram fogo na loja do seu pai?

R – Ah sim! A gente não soube o porque. Mas pegou fogo e os quatro sócios se separaram.

P/1 – Mas porque eles teriam jogado?

R – Vingança, ciúmes. Porque a loja foi construída na área de Tel-aviv, entre árabes e judeus. Cada um tinha a sua parte. Mas isso foi normal, absolutamente normal. Nessa época estavam lá os ingleses e a polícia, mas depois eles saíram. Muitas coisas mudaram. Israel cresceu, chegaram milhões de pessoas. Como eu falei, Israel era tão pequena, éramos 500 mil mais ou menos, e os árabes na mesma quantidade. Conflitos e brigas eram normais, com a polícia de um lado e de outro, mas tudo normal.

P/1 – Como era na sua casa? Quem exercia a autoridade?

R – Naqueles tempos a mulher era de casa. Normal. Até alguns tempos por aqui também. Agora a mulher está indo trabalhar, coisas do mundo moderno.

P/1 – E como eram as comidas?

R – Comidas muito bonitas, gostosas.

P/1 – Quais era?

R – Batata, feijão e outras coisas que a gente come até hoje. Tinha verduras, frutas, etc. Lá em Israel têm frutas maravilhosas! A laranja de lá era até exportada para foram. Eram muito doces, muito legal. Bonita também. Tinha de tudo.

P/1 – E quando o senhor era jovem, como se divertia?

R – Como eu falei, com doze anos já entrei para a carreira militar.

P/1 – Porque com doze anos?

R – Porque era o movimento das crianças. Tinham lá grupos onde se encontrava educação. Tinham grupos da direita, da esquerda, comunistas, socialistas, como o que estamos vendo hoje: cada um com a ideia que se identifica. E está crescendo, cada grupo educa os seus membros pelo seu caminho. Não é bom entrar nesse ponto aqui porque está muito longe de mim. Tinha carreira militar pela direta e esquerda, como PT (partido trabalhista) e PSDB (Partido da Social Democracia do Brasil) daqui . Mas parte disso era realmente para a educação. As famílias ficavam do lado das crianças, se preocupavam. Realmente a educação era muito legal.

P/1 – O que você aprendeu? Pegava em armas, o que fazia?

R – Esse treinamento era escondido, ainda no tempo dos ingleses. A gente saia para as montanhas de areia e montava granadas com caixas de sardinhas? Sucos? Não sei falar muito bem. Não era nada fabricado, era tudo feito manualmente. Colocavam-se dinamites dentro dessas latas. Se aprendia a fazer e a lançar essas granadas. Como eram jogadas no banco de areia, o som era retido, não se espalhava. Ficava tudo escondido lá. Aprendi a usar armas também.

P/1 – Com quantos anos? Uns 16?

R – Um pouco antes ainda. E foi assim. O tempo foi passando, a gente foi crescendo.

P/1 – Como o senhor foi preso com armas? Não se podia andar com elas?

R – (suspiro). Nós tínhamos um grupo que estava saindo para colocar bombas no trilho do trem, por onde os ingleses traziam armas. As armas que caiam para fora, a gente corria e pegava. A gente vivia com isso. Nesse tempo a gente era muito jovem, mas já dávamos suporte para essas coisas.

P/1 – O que estava acontecendo com os ingleses? Tinha algum conflito no momento.

R – (suspiro). Tinha, mas como eu era muito jovem, não estava participando, apenas fazia o suporte. Ia aos bancos para tirar dinheiro. Coisas normais que acontecem no mundo hoje também.

P/1 – Você participou de algum assalto a banco?

R – Diretamente não. Era mais pela presença. Poderia fazer algum tiro, se fosse necessário, mas não participei. Para fazer roubos a banco, entrava gente que sabia mesmo o que fazer, com armas e tal. Nada mais de especial.

P/1 – Os seus irmãos também participavam?

R – Não, os meus irmão não.

P/1 – E o que seu pai achava disso?

R – Ele ficava muito feliz. Essa era a nossa defesa e para a independência de Israel era realmente necessário. Tudo tinha razão.

P/1 – E até quantos anos o senhor ficou nesse treinamento?

R – Hum...Treinamento eu comecei com doze e fiquei até os quatorze. Depois que entrei no exército, ai já era outra coisa, né. Ai era pela independência de Israel. Quando eu fui preso, eu já era do partido.

P/1 – O senhor foi preso com quantos anos?

R – Dezesseis? Dezessete anos e meio, mais ou menos. Os meus documentos marcam quinze, quinze e meio, mais ou menos.

P/1 – Porque o senhor foi preso?

R – Porque? Porque estava com armas.

P/1 – Há foi naquele incidente dos ingleses?

R – Não. Tinham dois partidos Judeus. Um da direita e um da esquerda. Como aqui tem o PT (partido trabalhista) e PSDB (Partido da Social Democracia do Brasil). Normal. E sabe, cada um é cada um.

P/1 – E o senhor ficou quanto tempo no exército de Israel?

R – Fiquei uns dois anos e meio. Fiquei mais na parte administrativa, porque já tinha nível de estudo, etc. Mas também saia com o exército para dar suporte. Sabe, coisas de movimento. Nada de excepcional. Quando chamava, tinha que ir.

P/1 – Além do exército, o que o senhor fazia? Participava de baile, coisa de jovens?

R – Fazia de tudo. O exército de Israel foi o que mais ofereceu para o jovem. Preparava eles para ser generais, coisas de exército.

P/1 – Porque o senhor decidiu sair de Israel?

R – Eu decidi porque quem estava tomando conta do petróleo de Israel eram os ingleses. Então a Inglaterra...(pausa)...desculpa, essa história não está marcada.

P/1 – Não tem importância.

R – Israel estava recebendo os ingleses para explorar petróleo. E então alguma coisa aconteceu. Não me lembro bem. Estou ficando cansado. Não me lembro bem o que aconteceu, mas os ingleses tiraram os israelenses que estavam responsáveis pela perfuração do petróleo. Eu trabalhei por cinco anos na empresa que fazia este trabalho. E com isso, se fechou a companhia. Israel não tinha como financiar e eu sai buscando emprego. Saí de Israel com 27 anos, buscando emprego no Brasil como chefe de produção de petróleo – cargo que eu tinha em Israel. Passei pela França, não gostei. Pensei em me mudar para Madagascar ou outro país árabe, mas me falaram: “não vai, se não eles matam você”. E pensei: “vou para o Brasil”.

P/1 – Você já tinha algum parente no Brasil?

R – Não. Só deus. Mas quando cheguei, já tinha endereço, que recebi da Petrobrás, no Rio de Janeiro, na avenida onde tinha a companhia de petróleo. E então me mandaram para a Bahia. Trabalhei lá um ano e meio, ganhei dinheiro muito bem. E ai, com dinheiro, pensei, chega! Vou me mudar para São Paulo.

P/1 – Mas o primeiro lugar que você chegou foi em São Paulo?

R – Não, primeiro fui ao Rio de Janeiro.

P/1 – E qual foi a sua impressão ao chegar no Rio de Janeiro?

R – Ah, fantástico! Olha, antes de chegar no Rio eu estava na França, vendo também companhias de petróleo. Um ambiente nada bom. Ai vim para o Brasil. Fiquei na Petrobrás por um ano e oito meses, uma coisa assim, e depois fui para a Bahia.



P/1 – E na Bahia, qual foi a sua impressão?

R – Maravilhosa! Olha, brasileiros não tem igual no mundo.

P/1 – E como você se virou com a língua?

R – Pra mim foi muito fácil, porque já ouvia muito espanhol em Israel. Olha, devem ter 50 línguas em Israel! . Porque chegam pessoas de todo o mundo. Israel era pequena, mas depois ficou 7 ou 8 milhões de judeus lá. Fala-se qualquer língua, e inglês, todo mundo gosta de falar. Trabalhei na Bahia um ano e oito meses e depois cheguei a conclusão que poderia voltar para São Paulo e fazer a minha vida sozinho.

P/1 – Porque você escolheu São Paulo?

R – Por que voltei ao Rio de Janeiro e não colou. Depois, já em São Paulo, me dei bem com os cariocas. Em São Paulo ganhei bastante dinheiro. Fiz indústrias, fiz aquele, fiz outros. E agora vou fazer oitenta e dois anos. Trabalhei com muitas coisas.

P/1 – Vamos voltar então. Para qual lugar de São Paulo você veio?

R – Primeiro no Bom Retiro. Fiquei lá pouco tempo, em uma casinha, vamos dizer, um apartamento, alugado. Depois fui crescendo, corre, corre, sou uma pessoa ativa.

P/1 – E o que você fez?

R – Muitas coisas! Fui até para Belo Horizonte fiquei lá por dois meses para vender roupas de porta a porta, tal tal tal. Eu fazia o que achava que daria dinheiro para eu sobreviver. Esse era o meu caminho. Ai fui vendo que aqui não dava, ali não dava, e voltei outra vez para São Paulo.

P/1 – Qual foi a primeira coisa que você faz aqui em São Paulo?

R – Hum...(pausa). Estou cansado.

P/1 – Quer parar um pouquinho?

R – Pode ser.

P/1 – O senhor se correspondia com os seus parentes de Israel? Mandava cartas? Como você falava com eles?

R – Sim. Nesse tempo eram só cartas, pelos correios. Depois é que as coisas melhoraram, já com telefonemas.

P/1 – E quando não tinha telefonema, o senhor escrevia carta?

R – Sim. A cada duas ou três semanas, um mês, depois dois meses . Foram diminuindo conforme aumentavam as minhas atividades aqui no Brasil.

P/1 – O que você escrevia nas cartas?

R – Acho que tudo o que era bom e melhor. Depois de 13 anos aqui no Brasil tive coragem de, pela primeira vez, fazer uma viagem para Israel. Retornei porque já tinha dois filhos e minha esposa estava grávida do terceiro. E então pensei. Quer dizer, eu com minha mulher, claro. Tomamos a decisão de fazer teste para crianças pequenas e voltar para Israel para ver o que iria acontecer. Eu tinha casa, apartamento, vendi tudo. Fiz um pacote e fomos viajar para ficar. Ficamos um ano e depois desse tempo o pessoal de São Paulo falou: “Gade, o que você está fazendo em Israel?”.

Falei: “até agora não fiz nada!”. Eu estava com muito dinheiro e pensava que poderia fazer aquilo que fazia no Brasil.

P/1 – Que era o que?

R – Eu fazia de tudo! Tinha fábrica, indústria, pessoas, tinha tudo!

P/1 – Fábrica do que?

R – De confecções.

P/1 – De roupas? Lá no Bom Retiro?

R – Isso. Depois sai do Bom Retiro e construi um prédio na Barra Funda também.

P/1 – Que tipo de roupa?

R – (suspiro). Feminina.

Fazia tecido e roupas. Mas ai começaram as crises, abriram-se fronteiras aqui no Brasil. Começou a ficar difícil.

P/2 – Isso na época do Collor (Fernando Collor de Melo, ex-presidente do Brasil)?

R – Sim. O Collor foi quem abriu a fronteiras para os países trazerem tudo o que eles tinham. Nessa época eu trabalhava com tecidos finos, sedas, algodão egípcio, eu estava sempre no topo. E então o Collor realmente abriu as fronteiras e destruiu todas essas empresas. Quem trabalha com seda, não pode vender a preço de algodão. A concorrência era dia e noite. E as pessoas gostavam dos tecidos que chegavam, que era como se imitassem os bons tecidos. Então não teve como aguentar, tive que fechar.

P/1 – Então vamos voltar, o senhor falou que vendeu o que tinha aqui e foi para Israel tentar a vida lá.

R – Sim, fiquei lá por um ano e os amigos de São Paulo ligaram perguntando o que eu estava fazendo lá. Disse que estava querendo comprar um caminhão para fazer cimento, um trabalho que eu vi que também não seria grande coisa. É uma grande coisa, muitas empresas fazem isso, mas para comprar, precisa de uma estrutura. Não é simplesmente fazer. O prédio da Barra Funda fui eu que construí. Era duas casas e ampliei. Trabalhavam lá mais de cem pessoas e fiz belos trabalhos.

P/1 – Ai você decidiu sair de Israel e voltar. E você construiu o que aqui?

R – Ai comprei um lugar para trabalhar não precisei mais ir ao banco para tirar dinheiro . Eu fechei todas as minhas firmas. Hoje não tenho mais nada de firmas.

P/1 – Aonde o senhor conheceu a sua esposa?

R – Aqui no Brasil, no Bom Retiro .

P/1 – Como foi?

R – Lá as mães e os pais já procuravam jovens da colônia. Éramos vizinhos. E então eu casei com uma das jovens que estavam aqui também. Não a conheci em Israel, conheci aqui.

P/1 – E ai vocês foram morar aonde?

R – Eu passei do Bom Retiro direto para Higienópolis. Eu era esperto. Não ficava dormindo no ponto. Ficava andando pelas ondas. Construi a minha vida, já estava com 53 anos.

P/1 – Como era Higienópolis quando o senhor mudou para lá?

R – Era igual é hoje. Claro, até hoje estão construindo. Aonde há um buraco para construir qualquer coisa, já estão trabalhando . O processo evolui sem parar. Mas hoje não estou fazendo mais nada. A partir da semana que vem, vou começar a ser síndico no prédio em que moro, quero trabalhar. Não posso ficar sem fazer nada.

P/1 – O senhor está no segundo casamento. A sua esposa faleceu quando?

R – Vinte, vinte....vinte e seis anos, uma coisa assim. Ai casei com a outra. Não tenho filhos com ela, mas ela tem duas filhas, uma inclusive está em Israel, é cabalista. Minha esposa também é. A outra filha dela agora casou, está grávida, a família está crescendo .

P/1 – E quais hábitos de Israel o senhor seguiu?

R – Acho que a minha vida mudou muito de Israel para cá. Muito mais oportunidades. O Brasil é enorme. Aqui se tem 200 milhões, em Israel são 7, 8 milhões (de pessoas).



P/1 – E o senhor ainda tem parentes lá em Israel?

R – Muitos. Tenho muitos parentes lá, porém, não muito próximos. Estou indo para lá nos próximos meses para visitar meus amigos, famílias e os meus quatros irmãos.

P/1 – O senhor falou que eram três. Depois nasceram outros filhos?

R – Dois irmãos faleceram. Um deles foi assassinado dentro da fábrica de confecções na Rua Vinte e Cinco de Março, em um assalto. Assaltos em fábricas não aconteciam no Brasil há uns 40 anos atrás.

P/1 – Antes do Bom Retiro o senhor tinha uma fábrica na Rua Vinte e Cinco de Março?

R – Sim, também confecção de tecidos, malhas. Eram malhas muito bonitas, tecidos novos lançados naquele tempo.

P/1 – Que tecido que era?

R – Barlow. A coisa mais linda que tinha. Até hoje se usa, mas de maneira diferente. No Brasil começou com importação dos Estados Unidos. Depois a nossa colônia trouxe máquinas para fazer o tecido e começamos a produzir malhas. Isso há muitos anos atrás.

P/1 – E os seus irmãos vieram para cá?

R – Esse era único. Enviei o corpo dele a Israel, a pedido da família. Fiz tudo o que eles queriam. Hoje ele está enterrado em Jerusalém. Um dos motivos que eu vou, é para ver a minha mãe, meu pai, todos eles já faleceram.

P/1 – E o senhor depois disso teve outros irmãos?

R – Não.

P/1 – O senhor falou que iria visitá-los. Acho que entendi errado.

R – Não eu não tenho mais irmãos.

P/1 – Vai visitar primos?

R – Primos, amigos. Vínculos não tenho mais como era no começo. Mas está bom.

P/1 – E o senhor tinha a confecção no Bom Retiro e na Rua Vinte e Cinco de Março?

R – Na Rua Vinte e Cinco de Março era um ponto de confecção. No quinto andar, tranquilo, com várias salas que tinha lá, com bastante espaço, se produziam confecções. Eu sai para fazer uma entrega de mercadoria e quando voltei, encontrei o meu irmão jogado no chão. Na hora ele estava preparando mercadorias para entregar e deram nele uma cacetada na cabeça. Encontrei ele no chão, sangrando, com quatro fraturas no crânio. Levei ele ao hospital, e lá ele faleceu (pausa).

P/1 – Tem quarenta anos essa história?

R – Uhum.

P/1 – E como era Rua Vinte e Cinco de Março há quarenta anos?

R – Era bastante amável. Turcos, Judeus, Romenos, vários. Era absolutamente normal. Cada um com o seu comércio, a parte dele. Mas sai de lá logo e fiz outros tipos de trabalho.

P/1 – Que outros tipos?

R – Hum, mas nção conta para ninguém! .

P/1 – Nunca. pode deixar.

R – Brincadeira. Não tem nenhum segredo. Eu paguei os meus impostos, todos certinhos até hoje, graças a Deus.

P/1 – Mas quais outros negócios depois da Rua Vinte e Cinco de Março o senhor abriu?

R – Hum. Acho que aquele negócio que construi o prédio mesmo, como chama mesmo?

P/1 – A sede?

R – Sim, fiz lá a sede.

P/1 – Quantas pessoas trabalhavam para o senhor?

R – Em torno de cem. As veze subia, as vezes descia. Com as crises, sempre tinham altos e baixos. Todo mundo ganhava e perdia dinheiro. Hoje ainda é a mesma situação. Sei que era um tempo bom. Hoje são mais impostos, mais impostos, mais impostos. Então hoje existem coisas que dão mais lucros. Mas hoje já estou fora disso e essas coisas não mais me interessam. Quando eu me desligava, eu abria outros caminhos. Hoje, graças a Deus, vivo bem. Não estou fazendo muitas viagens porque estou com seis netos, três filhos, família crescendo e crescendo. Fico mais tempo sentado em casa, cuidado das coisinhas que sobraram.

P/1 – O senhor tem algum hobbie que manteve durante a vida?

R – Ah sim! Jogo poker.

P/1 – O senhor sempre jogou?

R – Não vou falar que sempre, porque para poker você precisa de grupo. Sempre joguei em família. Na hebraica, por exemplo, se joga poker, mas nunca joguei lá. Vamos de casa em casa, mas muito familiar.

P/1 – O senhor ainda frequentou ou frequenta alguma sinagoga em especial?

R – Vou até hoje.

P/1 – Em qual o senhor vai?

R – A Cabala, na Rua Piaui. Eu vou lá, gosto de ouvir, ver, me encontrar com as pessoas. Acho que as pessoas que buscam sinagogas, igrejas, buscam algo para se conectar. Se não é para falar com Deus, fazem amigos também. Isso faz parte da vida. É muito legal, muito alegre, saio de lá sempre bem, com energias positivas. A gente ainda precisa carregar algo de bom.

P/1 – Se o senhor olhasse para trás, tem alguma coisa da sua vida que o senhor se arrepende?

R – Nada. Ao contrário. Estive e continuo sempre feliz. Recolhi minhas coisas porque não tenho mais força para fazer tudo, mas continuo feliz. Em cada tempo a gente faz o que pode, não é?! Eu podia pular me duas, três festas no mesmo dia, e fazia! Agora não tem muito mais aonde fazer festa. Só mesmo na casa dos meus filhos e netos. Está legal. Estou feliz e vou continuar feliz.

P/1 – O senhor tem um grande sonho?

R – Eu só quero ver os meus netos, que é o que mais me preocupa. O sistema do Brasil está muito difícil para o jovem ter espaço. Estou vendo como posso ajudar, mas para os jovem está difícil. Estão namorando, namorando, mas está difícil viver.

P/2 – Em 2012 o senhor esteve me Israel e tem uma foto com um amigo, que foi preso com você. É um amigo que você fala até hoje?

R – Até hoje. Ele está morando em Israel, numa cidade próxima de Tel-aviv, e está um pouco só. A sua mulher faleceu. Tem dois filhos, um religioso, o outro, sei lá o que, sei que ele está só. Como temos uma história de infância, somos amigos que não se separam. Eu telefono para ele a cada duas semanas. Se passam três semanas ele fala: “onde você estava?” . Coitado, ele está sozinho, mas coração: não tem igual. Vivemos muito juntos. Passamos altas e baixas. Ele principalmente, passou muitas dificuldades. Vou visitá-lo esse ano, se Deus quiser. Tenho outros irmãos, quatro irmãos, filhos, vou ficar lá uns 20 dias.

P/1 – E esses outros irmãos quem são?

R – São irmãos .

P/2 – Ele tem cinco irmãos. Não são cinco?

R – Quatro.

P/1 – Dois deles faleceram, não é?

R – Sim.

P/2 – Numa foto tinham algumas mulheres também, eram suas irmãs?

R – Aham, sim.

P/2 – As irmãs são vivas ainda?

R – Puff..

P/2 – Quer que eu pegue a foto, para o senhor saber de quem estou falando?

R – Olha, eu gostaria de falar mais, mas estou vendo que já estou cansado. Vocês estão repetindo coisas que já falaram antes, então estão me deixando meio grogue.

P/1 – O que o senhor achou de contar a sua história?

R – Acho que é uma coisa que nunca aconteceu. Uma oportunidade que me deixa muito feliz. Quero muito ver o que vai dar. Eu já pensava em dar a entrevista há muito tempo, vim no caminho pensando: “o que vou contar, o que não vou contar”. Mas não tem caminho, não vou fazer uma fantasia. Esse não é o meu tipo. Então é assim, Gad Yshay, é...bonzinho! .

P/1 – Eu queria agradecer o seu depoimento, em nome do Museu da Pessoa.

R – Agradeço vocês de todo coração. Estou muito feliz. Espero que para vocês também, que estão procurando este tipo de informação, vai dar luz!

P/1 – Vai sim! Muito obrigada.

R – Obrigado vocês.