Museu da Pessoa

Da Hungria para o Brasil

autoria: Museu da Pessoa personagem: John Frederick Konig

Farma Brasil - Johnson & Johnson
Depoimento de John Frederick Konig
Entrevistado por Luis André e Carmem Natale
São Paulo, 11/10/1995
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista nº FR_HV009
Transcrito por Rosália Maria Nunes Henriques
Revisado por Genivaldo Cavalcanti Filho

P/1 - Ok, então vamos começar. Eu queria que o senhor abrisse o seu depoimento se apresentando. O seu nome, data e local de nascimento.

R - O meu nome é John Frederick Konig. Nasci em Budapeste, Hungria em 1927. Mais ou menos em 35 meus pais saíram da Hungria e acabei a minha formatura como jovem na Inglaterra. De 35 até 51 toda parte de escola, de universidade eu fiz na Inglaterra. Eu me formei em 47 como engenheiro mecânico pela Universidade de Londres e infelizmente logo antes da minha formatura o meu pai faleceu, então tinha que rapidamente sair pelo mundo pra ganhar o sustento pra mim, pra minha mãe. Infelizmente, ela também veio a falecer dois anos depois, mas eu tinha aqui no Brasil parentes: uma tia, tio e dois primos. Eles me convidaram a vir aqui. Tinha 23 anos, não sabia nada a respeito do Brasil. Toda juventude foi também durante uma época de guerra bastante restrita, mas eu sabia que não queria voltar pra trás, não queria voltar pra Hungria, então simplesmente peguei o navio e vim pra cá sem falar uma palavra da língua. Mas felizmente os meus parentes me ajudaram e logo eu arrumei um emprego numa indústria inglesa, Imperial Chemical Industry e à noite estudava português e assim se foi.
Um pouco antes de sair da Inglaterra encontrei a pessoa que depois virou a ser a minha esposa, então em 53 eu voltei pra Inglaterra, nos casamos e voltamos junto pra Brasil.

P/1 - Eu queria que o senhor falasse um pouco dos seus pais e das suas origens, quer dizer, seus avós. O senhor chegou a conhecer, que informação o senhor tem deles?

R - Eu conheci a mãe da minha mãe; do lado do pai, ele perdeu a mãe dele com cinco anos de idade e foi criado por um tio e o avô. O meu avô paterno foi morar na Alemanha, eu nunca cheguei a conhecê-lo. Como eu saí da Hungria com oito anos, essa parte de família eu não conheço muito; na Inglaterra a gente estava só, não tinha parentes. A minha vida de família começou aqui no Brasil com meus primos, com meus tios. Foi aqui que eu comecei ter um com ambiente de família maior, de amigos porque, claro, durante a guerra na Inglaterra a gente vivia muito fechado. Tinha bombardeios, tinha racionamento, não podia se movimentar, então realmente lá foi estudo e pouca diversão, pouca vida social.

P/1 - O senhor é filho único?

R - Eu sou filho único, sim.

P/1 - E o seu pai, qual era a atividade dele?

R - O meu pai era inventor. Ele começou a ter ideias novas e procurou sair um pouco do ambiente muito restrito da Hungria, porque a Hungria é um país pequenininho, ainda mais com a depressão em 29 e 30. Ele teve outras atividades, participou de algumas indústrias e não sei que mais. Mas no fim, como eu o conheci, ele vivia de inventos dele na área de publicidade, de propaganda; formou, patenteou essas coisas que ele inventou, formou empresas para comercializá-las. Ele foi bastante bem-sucedido até que veio a guerra; a guerra acabou com todo esse tipo de atividade. Durante a guerra ele foi praticamente sustentado por um colega que o apoiava financeiramente, mas muito modestamente porque não tinha muito onde gastar dinheiro durante a guerra. Estava tudo racionado: comida, roupa; viajar nem pensar e a gente estava querendo só sobreviver.
Infelizmente ele foi um fumante pesado e faleceu em 47 de câncer de pulmão. Naquela época não tinha operações, não tinha nada. E a minha mãe também, dois anos depois faleceu, então eu fiquei sozinho. Realmente, não tinha muitas opções: ficar na Inglaterra sozinho, voltar pra Hungria, que estava meio destruída ainda pela guerra e vir para o Brasil, que era um grande desconhecido mas pelo menos tinha mais esperança para futuro.
Isso veio agora, em retrospecto; naquela época eu não estava pensando muito. Eu estava lá: "Bom, vai pro Brasil. Tudo bem, vamos lá, vamos conhecer os primos que nem conhecia” - os meus tios eu encontrei na Hungria em 48, quando ainda voltamos para uma visita rápida. E assim foi.
Eu cheguei, eles me acolheram na casa deles. Comecei a aprender português, comecei a ter aulas, procurar emprego. A gente era jovem, 23 anos, não tinha responsabilidade nenhuma.

P/1 - Eu queria saber se eles eram irmãos do seu pai, parentes pelo seu de pai e por que é que eles vieram pro Brasil, os seus tios?

R - Não, eram parentes por parte da minha mãe e eles vieram para o Brasil porque... Vieram em 29, também por causa das condições econômicas da Hungria.
O meu tio tinha uma pequena indústria, mas não via nenhum futuro. Ele tinha um amigo que já estava aqui no Brasil e esse amigo o convidou pra vir tentar uma vida nova, uma vida melhor. Vieram em 29 e também lutaram muito, porque não era fácil. Em 29 São Paulo tinha meio milhão de habitantes, era uma cidade relativamente pequena mas eles conseguiram formar uma vida. Formou os dois primos, um dos meus primos é engenheiro agrônomo, inclusive professor da universidade lá, como chama? Em Campo Grande, Universidade de Agronomia. E o outro, engenheiro mecânico, fez uma carreira longa no Moinho Santista, também já se aposentou. A gente se adaptou muito bem, o Brasil estava crescendo.

P/1 - Como eram os nomes dos seus tios?

R - Grassman.
P/1 - Grassman?

R - Sim.

P/1 - E que memórias o senhor tem da Europa, do período em que o senhor esteve lá morando, lembra só de guerra mesmo?

R - Realmente, a guerra estourou em 39 e Londres foi durante muito tempo bombardeada. Toda noite a gente deitava e não sabia se ia acordar no dia seguinte. E racionamento… Eu ia pra escola, poucas escolas estavam abertas em Londres. Justamente o meu pai achou uma e nós fomos morar próximo a dessa escola. Andava de bicicleta pra escola, ia de manhã e voltava, almoçava em casa. A bicicleta era o meio de transporte, porque carro nem pensar. Chuva, frio, bicicleta. (risos)

P/1 - E o Brasil, como foi a sua chegada? Que impressão o senhor teve de São Paulo, a adaptação...

R - Foi um choque, não? Um choque cultural, porque ainda em 59 a Inglaterra estava bastante influenciada pela guerra - a Inglaterra ficou na bancarrota com a guerra. Eu cheguei aqui e comi uma banana a primeira vez em oito anos, desde 39 que não comia uma banana. Aquela fartura de frutas e comida, que ainda estava racionada em 51 na Inglaterra.
A primeira impressão foi essa, a primeira mudança climática drástica, porque na Inglaterra é um clima horrível: chuva, frio, raros são os dias de sol. Aqui, naquela época, eu não sei… Acho que o clima talvez mudou, mas naquela época estava aqui um clima bastante agradável. São Paulo era uma cidade pacata, a gente andava tranquilo, assalto nem pensar. Como jovem a gente andava, saía à noite, tomava um drinque, alguma coisa; [às] duas horas da madrugada andávamos na Avenida São João, esquina de Ipiranga.
Foi tranquilo, não tinha problema. Eu fui para a escola à noite para estudar português, então muitas vezes eu andei a pé de volta. Meu primeiro emprego foi num escritório na Praça da República e meus parentes moravam no Bom Retiro, atrás da Estação da Luz, então muitas vezes eu fui a pé, tranquilo à noite. Não tinha essa preocupação de segurança pessoal, que hoje em dia a noite sai e nem para num farol porque não sabe quem vai encostar num carro com um cano de revólver e já viu.
É diferente. Tinha bonde aberto. Aquilo pra mim era tudo novidade, porque na Inglaterra era tudo fechado por causa do clima. As lojas são fechadas, aqui não, está tudo aberto, essa movimentação. É diferente. Foi difícil [se] adaptar, também a gente jovem se adapta rápido.

P/1 - E a relação com os brasileiros, a possibilidade de relacionamento pessoal foi fácil ou demorou mais?

R - Não. Veja, o relacionamento foi mais na área de trabalho porque os imigrantes têm tendência de se aglomerar entre eles, então os amigos dos meus parentes foram também outros imigrantes, colônia húngara. Depois eu me casei com uma holandesa, então realmente eu não tinha [que] me incentivar a continuar esse relacionamento com a colônia húngara.
No serviço a gente tinha contatos com todos, do faxineiro até diretor; uma vez que consegui falar não tinha mais problemas.

P/1 - E como é que começa a sua carreira profissional? O senhor chega aqui e logo depois que aprende a dominar a língua o senhor já consegue um emprego?

R - Sim. Eu comecei a trabalhar como desenhista, não precisava falar muito. Fiquei como desenhista um certo tempo, depois consegui um emprego melhor com a ICI que é uma companhia inglesa. Eles deram um certo valor pela minha formação em inglês britânico e lá a maioria da diretoria era expatriado ou brasileiros que falavam muito bem o inglês também.
Eu fui envolvido na fábrica de pano couro. Naquela época, estofamento de cadeiras era feito não com plástico, mas com um pano revestido com um material plástico - um tipo de plástico, mas não era PVC ainda; era um a base de nitrocelulose.
A ICI tinha uma fábrica no Tatuapé. A fábrica era um terreno enorme e lá estava tudo, não tinha nem pavimentação nas ruas, muitos operários vinham a cavalo, deixavam o cavalo pastar lá no terreno. (risos) Lá tinha ampliações, modernizações, tinha meus contatos com os operários brasileiros.
Foi a primeira experiência de prática, de colocar coisas que até ali eu só tinha trabalhado como projetista, com papel. Comecei a ver como é quando sai do papel pra realidade. Isso [é] muito valioso para engenheiro porque muitas vezes o papel aceita tudo, mas a realidade é outra. As coisas têm que funcionar e só funcionam através das pessoas, isso é a grande lição que tem que aprender. As escolas, em geral, não ensinam a importância do relacionamento humano, [a] importância [de]

como lidar com o operário, obter a cooperação dele, a lealdade dele, [para] que ele cumpra o que tem a fazer e faça bem, senão ele faz de qualquer jeito. Aí você liga o vapor, vaza em todo lado e canto e tem que refazer tudo. É muito importante isso porque são as pessoas que fazem as coisas acontecerem.

P/1 - Bom. Vamos continuar então com o seu desenvolvimento profissional.

R - Sim. Aí...

P/1 - Nessa altura, o senhor já tinha casado também.

R - Não, ainda não. Nessa época eu era solteiro, ainda estava fazendo o meu namoro por carta.

P/1 - Por carta.

R - Por carta. Em 53 eu voltei, nós casamos e voltamos juntos. Foi uma lua de mel muito agradável, a bordo de um navio navegando pelas águas tropicais. Como resultado a nossa filha nasceu logo depois então... (risos) Já estava eu, a filhinha.
Descobri uma grande verdade, que dois não vivem pelo mesmo salário que um e o pessoal do ICI não era muito simpático, então eu consegui uma outra colocação no [Laboratório] Squibb. E lá eu tinha a sorte de trabalhar por um grande engenheiro, o senhor Adolfo Winterall, que era de origem alemã mas se naturalizou americano. Ele foi o gerente de projeto da fábrica de penicilina da Squibb e estava com problemas porque a obra estava atrasada e estava na reta final; noventa por cento já estava lá, mas aqueles últimos dez por cento estavam demorando, então ele resolveu contratar engenheiros próprios para ele, para assumir a fase final da montagem. Nem sei como fiquei sabendo, mas fui lá e ele me entrevistou. Ele disse: "Aqui tem o fluxograma da fermentação. Leva pra casa, amanhã você volta às sete horas e você vai me explicar como funciona a fermentação." Eu nunca tinha visto coisas dessas, mas eu conheci bem encanamento, trabalhei em refinarias de óleo. .

P/1 - É porque a sua formação é engenharia mecânica, acaba entrando para uma área de engenharia química.

R - Exatamente.
Fiquei lá, estudando. [Às] sete horas em ponto estava lá e expliquei para ele como é que eu imaginava que estava funcionando. Ele gostou: "Bom, não é cem por cento, mas vou te explicar: essa aqui é uma coisa assim." Ele me contratou, então dito, feito. Acabamos a montagem da fermentação, aquilo estava funcionando, mas tinha problemas em outra área da refinação de penicilina, então ele me passou desse lado para o outro lado. "Agora você terminou isso, agora termina o outro." Fui lá terminar o outro, começou a funcionar, tudo bastante bem.
Mas como eu estava dizendo, tinha um grupo de americanos que vieram pra dar a partida na fábrica, pra transferir a tecnologia de produção. Esse pessoal estava louco pra voltar pra casa, porque a obra estava atrasada. Ele veio aqui pra três semanas, já estava há três meses no Brasil.
Quando terminou a parte de obra eu fiquei meio parado, então eles: "Você fala bem inglês. Pegue esses livros, manuais de produção, dê uma estudada e volte. Daqui uns dias a gente conversa." Eu fui com aqueles manuais de produção: "Como fazer penicilina em dez aulas práticas". (risos)
Fiquei lá, estudando - o equipamento eu conhecia porque tinha acabado de cuidar da montagem. No fim, disseram ok, então passaram alguns dias comigo [e] "muito obrigado, tchau e benção."
Eles se foram embora e eu fiquei lá. (risos) Com um grupo de pessoas que nós acabávamos de contratar e que não sabiam de nada, não sabiam o que é que era uma válvula, torneira. A gente começou aquele treinamento em turnos de 24 horas, não era só… Porque fermentação não para, o micróbio não tem horário, então o micróbio começa a se reproduzir e vai embora, até que come todo o alimento dele e produz a penicilina. Quando terminava tinha que passar aquele caldo onde tem a penicilina, tinha que passar pra extrair a penicilina, então não tinha horário - [era] turno de 24 horas, sete dias por semana. Eu, naquela época, não tinha carro, então às vezes era obrigado a passar uma noite lá, junto com o pessoal.
Mas foi bem, tão bem que os rendimentos eram muito acima do esperado. Acabávamos produzindo tanta penicilina que não podia vender, ficou um depósito abarrotado de penicilina. [Foi] uma decisão muito penosa, porque tinha que parar e paramos durante noves meses. Muito daquele pessoal que a gente contratou, selecionou, treinou com muito trabalho, calor e amor, carinho, tinha que dispensar.
Eu fiquei e mais uma pessoa ficou na fermentação, mais um engenheiro; ficamos lá de prontidão, para quando começasse tudo de novo. Eu fiquei nove meses assim, simplesmente fazendo manutenção nos equipamentos, rodando de vez em quando. E o resto do tempo eu passei na área de produção farmacêutica. Foi bom pra mim, aprendi mais algumas coisas.
Realmente, nós reiniciamos [o trabalho], mas o Brasil foi difícil para um engenheiro jovem com família pequena. Tive um convite, uma casualidade para ir trabalhar nos Estados Unidos.

P/1 - Antes do senhor passar pro Estados Unidos, eu queria que o senhor descrevesse um pouco como era o período político econômico brasileiro. Como é que o senhor via, já com um tempo de vivência no Brasil, as possibilidades de futuro aqui.

R - Esse foi o meu problema, havia inflação. Eles aumentavam o meu salário frequentemente, mas nunca chegava lá. (risos) Se eu tivesse ficado provavelmente teria conseguido alguma coisa, mas estava um pouco desanimado com essa situação e já que me ofereceram… A empresa de engenharia que fez a montagem da Squibb me convidou pra trabalhar para eles, porque viram o meu trabalho. Gostaram do que eu fazia e me ofereceram um posição lá, que me permitiu emigrar para os Estados Unidos, porque tinha que ter um emprego, tinha que ter alguém que dava garantia de emprego pra chegar lá, não? Eles fizeram isso.
Eu fiquei com eles um certo tempo, mas eu estava… Era trabalho de novo em projetos. Como tigre que já saboreou sangue, eu gostei mais da atividade realmente de fazer a coisa acontecer na vida real, não só no papel. E aí eu tive chance de entrar na Pfizer, que procurava pessoas para as fábricas novas que estavam em construção na Argentina, no Brasil e na Turquia. Eles não fizeram nenhum compromisso para mim que eu ia voltar pro Brasil, mas obviamente eu tinha já um razoável domínio do português e conhecia as coisas aqui.
No fim, tinha uma emergência na Argentina. Tinha que fazer uma parte da fábrica funcionar, então tinha um pessoal que ia pra lá pra ficar e eu fui lá como reforço. Eles queriam, falavam: "Três semanas, quatro no máximo. Você vai, deixa a sua família aqui nos Estados Unidos e volta, depois você vai para o Brasil quando as coisas estiverem prontas." Eu falei: "Eu conheço um pouco de como que é três, quatro semanas. Eu não vou deixar a minha família” porque nos Estados Unidos também não tinha parentes, não tinha ninguém.

P/1 - Vocês moravam onde lá?

R - Em New Jersey, em Salt Orange. Eu falei: "Não, não vou deixar." Foi meio chato, eles não queriam e no fim concordaram. Então pegamos um avião, naquela época um Lock _______.

O avião saía de Nova Iorque e ia parar em Caracas, Caracas para São Paulo, São Paulo para Montevidéu, Montevidéu [para] Buenos Aires - umas 32 horas de viagem de avião. (risos) Com duas filhas pequeninhas, foi uma aventura, mas tudo bem, chegamos e ficamos cinco meses lá.
Não queriam me deixar sair nem depois de cinco meses, mas o pessoal do Brasil estava começando [a ficar] ansioso, porque tinha o serviço aqui que era o meu serviço, fui contratado para isso.
No fim, nós saímos, viemos, desde aquela época que a gente estava mais ou menos radicados em São Paulo, de maio de 59. Aí começou a nova aventura de Guarulhos, a fábrica de tetraciclina, terramicina, é a marca da Pfizer. Já tinha conseguido juntar alguns dos meus velhos companheiros da Squibb, então tinha um time mais ou menos formado de pessoas que entendiam alguma coisa. Então foi muito mais fácil, entrei na fase final de obras, construção.
Tive as maiores brigas com o pessoal de projetos porque eles queriam plantas convencionais e eu falei: "Não, eu quero planta isométrica porque o montador não entende bulhufas da planta convencional. Você entende, mas o montador e o encanador não entende." Com muito custo consegui convencê-los a fazer plantas isométricas, porque eu já conhecia o nível médio [do] encanador brasileiro. E realmente foi um grande sucesso, a montagem foi perfeita, o start up foi perfeito - não tinha aqueles traumas que nós tivemos na Squibb, de ficar lá noites e tal. Aí realmente o planejamento compensa, compensa gastar mais tempo no planejamento e desfrutar isso depois na hora do vamos ver. Claro, tinha pequenos problemas,

mas era muito suave, o start up foi bastante suave.
Fiquei lá como gerente de produção da refinação. Depois tinha um colega, um americano que era gerente da fermentação e tinha um diretor industrial. O gerente de fermentação voltou para os Estados Unidos para outras… Inclusive foi para o México, para a Pfizer. E eu fiquei lá como gerente industrial da área de produção básica de antibióticos, depois [de] um certo tempo assumi toda a direção industrial, inclusive a parte farmacêutica.
Depois houve mudanças de política da empresa e eles queriam gradativamente contratar todo mundo aqui no Brasil. Eu era ainda contratado do exterior, então eu fui assumindo uma parte menos operacional e mais técnica. Aí que eu fui para a diretoria técnica, já era membro do comitê executivo da empresa, então eles inventaram de me transferir, promover para Hong Kong - eles procuravam um vice-presidente industrial e da área de Ásia. Quem era área Ásia? Área Europa, área América Latina, área Ásia. Eu falei pra eles: "Olha, eu conheço bulhufas da Ásia, eu conheço Europa, conheço América Latina. Mas porque justo eu na Ásia?" "Não, mas é lá que é a vaga."
Morar em Hong Kong, não tinha escola suficiente, teria que mandar as filhas para um colégio na Inglaterra, nos Estados Unidos, quer dizer, desmanchar a família e assumir residência num avião, porque cuidar de fábricas na Austrália, Nova Zelândia, Indonésia, Paquistão, Índia, Japão, não era para mim. Eu já viajei suficiente na minha vida, queria ficar enraizado num país. Aí que entra a ironia do destino, né? Eu realmente larguei doze anos de uma carreira muito bem sucedida na Pfizer para manter a família unida. Resultado: minha filha maior mora nos Estados Unidos, minha filha menor mora em Toronto, Canadá. (risos) É a ironia do destino.

P/1 - São duas filhas?

R - E o filho mora aqui em São Paulo.

P/1 - Bom, pelo menos ele quis ficar.

R - Pelo menos isso. Mas acho que falo mais com as filhas pelo telefone que ele que está aqui. (risos)
Eles apreciam e sempre dizem: "Olha, pai, o fato que nós ficamos até os nossos anos de formados num lugar sem ser desmanchada a família pra nós é muito valioso", então eu me sinto satisfeito na parte familiar. Na parte profissional também, porque a Johnson pra mim foi uma experiência realmente muito compensadora, em todos os sentidos.
Então vamos lá, estamos em 59. Eu vi por uma casualidade um anúncio no jornal - aliás, nem [fui] eu que vi, foi o presidente da Pfizer, que sabia da minha angústia desse recusar. Então ele disse: "John, você viu aquele anúncio no jornal de hoje? Diretor de manufatura” - director of manufacturing, estava em inglês até o anúncio. "Não, não vi." "Interessante, quem será que está procurando isso?" Então a noite fui lá, procurei no jornal director manufacturing _______ international corporation, quer dizer, talhado para mim.
Tudo bem, mandei um currículo e ficou lá semanas sem... Uma noite tocou o telefone, era o senhor Michael Norris. "O seu anúncio e tal, interessante." Acho que isso [foi] em agosto. Conversamos, foi ótima a conversa e fomos para outra entrevista, já com o senhor Sanches. Aí veio alguém dos Estados Unidos da área industrial, técnico pra avaliar mais as qualidades técnicas, foi muito boa a entrevista. Veio uma terceira e finalmente fizeram uma proposta de eu entrar na Johnson, mas eu tinha ainda férias a vencer então falei: "Olha, eu sei [que] quando eu entrar nisso não vou nem ter tempo de pensar por uns dois anos, então eu vou tirar as minhas férias." A vaga estava aberta há mais de um ano porque a pessoa se aposentou, estava o senhor Honores cuidando das coisas, entrou outra financeira e tal. Então ótimo, ficamos assim.
Eu tirei as minhas férias, depois apresentei a minha demissão e em primeiro de dezembro de 59 - não, 69 - entrei na Johnson. E como disse, entrei como director [of] manufacturing, que seria diretor industrial. Entrei já no nível do comitê executivo porque eu falei pra eles: "Olha, a tarefa que eu estou prevendo precisa ter um nível de autoridade que senão não adianta, não vai." Porque eu tinha que mudar uma certa mentalidade industrial dentro da Johnson.
A Johnson, como eu já lhe disse, era conhecida como empresa de BO, vendas fantásticas, marketing excelente, mas a produção não conseguia manter o fluxo de mercadoria para o mercado. E lógico, a empresa sofre com isso porque uma venda perdida nunca se recupera. Parece mentira, mas é verdade.

P/1 - E acontecia isso.

R - É. Perdeu uma venda, o cliente compra uma outra marca, acaba gostando da outra marca, sabe? É realmente um freio na empresa. A tarefa que eu enfrentei era justamente soltar o freio e tive realmente muito apoio do senhor Sanches e dos outros executivos, porque precisava de apoio e apoio financeiro.
A empresa tinha bastante dinheiro e nós estávamos com projeto de transferir toda a produção de São Paulo para São José. Já estava com algumas obras planejadas e depois eu fiz uma reestruturação dentro da área industrial. Por exemplo, a Johnson não tinha um departamento de engenharia, só tinha manutenção e a manutenção na Johnson naquela época era... Bom, quebrava um rolamento, pegava um rapaz com bicicleta: "Vai lá na Rua Piratininga e compra um rolamento igual a esse." (risos) Enquanto isso, estava lá parado tudo e o rapaz de bicicleta comprava, trocava.


Nós mudamos, criamos um departamento de engenharia, quer dizer, a manutenção, a engenharia industrial, a engenharia de utilidades, a engenharia civil. Contratei um engenheiro chefe, que por coincidência foi meu engenheiro na Pfizer. Realmente foi uma coincidência porque eu abri, anunciei a vaga, recebi 39 respostas e um telefonema. E o telefonema era do meu antigo engenheiro na Pfizer. "Olha, John, você está procurando engenheiro?" Eu falei: "Procuro, mas eu preciso ser honesto com a empresa e com você. Eu tenho 39 currículos. Eu vou avaliar, vou entrevistar alguns e você eu já conheço, não preciso entrevistar." No fim, acabei contratando-o,

porque realmente o achei melhor candidato. E ele realmente fez um excelente serviço pra Johnson.

P/1 - Senhor Konig, o senhor falou em situação de manutenção de equipamentos. A empresa já fazia suas máquinas naquele período? Porque a Johnson sempre produziu maquinário próprio.

R - Sim, sim. Fazia algumas máquinas mais simples, sim. Tinha uma oficina, tinha pessoas muito competentes assim como profissionais, como é que vou dizer? Crashman, quer dizer, pessoal que fazia as coisas. O que faltava lá era uma administração técnica desse conhecimento todo.
Realmente, o nível de mão de obra na área de manutenção foi muito boa e nós aproveitamos bastante esse conhecimento, esse nível. O que não tinha era uma direção técnica de um outro nível - por exemplo, eu criei um depósito de material de reposição, porque não tinha. O pessoal estranhou: "Puxa vida, você vai gastar três milhões de dólares comprando todas essas peças, ficar lá parado pra que?" "Pra que? Porque justamente quando quebra alguma coisa as duas horas da madrugada você conserta na hora e continua produzindo.” Ainda mais em São José dos Campos, não tinha Rua Piratininga perto, e era longe de bicicleta de São José até a Rua Piratininga pra buscar uma peça, né? (risos) Então tem que implantar uma outra filosofia.
Na nova fábrica de São José nós fizemos uma infraestrutura de utilidades de água, de ar comprimido, de força. A fábrica vivia parando por queda de força, por que? Porque estava ligada numa rede de onze mil volts, uma rede de média tensão. Com a transferência tínhamos carga suficiente pra justificar uma ligação na rede de alta tensão, de 120 mil volts. Fizemos uma subestação, fizemos ligação com a rede e aí milagre! Não parou mais a fábrica por causa de força. É claro, isso custa dinheiro e custa capacidade técnica para gerenciar tudo isso.
Tinha uma torre de água e uma roldana, onde passava uma boia que mostrava o volume de água na caixa. Às vezes a roldana ficava presa, a bóia não descia; a água descia e o pessoal não percebia que estava esvaziando a caixa, não ligava a bomba submersa para encher o tanque. Aí a fábrica para por falta de água, falta de água na caldeira, não tem vapor, quer dizer, vivia com essas coisas. Então nós fizemos uma infraestrutura como se faz uma casa, um edifício, você tem que ter estacamento é isso que nós fizemos, junto com o engenheiro que eu admiti.
Esse trabalho custava muito dinheiro, óbvio, e não aparecia, estava tudo embaixo do chão. E às vezes o pessoal vinha: "Onde está todo o dinheiro?" "Está lá embaixo no chão. A fábrica não para mais por falta de força, por falta de água, por falta de ar comprimido." "De fato, de fato." Então esse tipo de trabalho que necessitava fazer, né?
A mesma coisa com pessoas: nós tínhamos ótimos mecânicos, eletricidade não tinha muita coisa, instrumentação nem se ouvia falar. No caso da água, ao invés de uma boia você colocava lá um aparelho, um instrumento que ligava a bomba automaticamente, né? Mas ninguém sabia como instalar um instrumento, como manter um instrumento, então nós trouxemos instrumentistas. Nós fizemos alguns ajudantes pra eles, então formamos um... Hoje em dia é informática, mas eu estou falando de quê? Vinte, trinta anos atrás. Naquela época eram instrumentos pneumáticos, eletrônicos, não tinha informática ainda. E tudo isso dava uma infraestrutura pra a Johnson que permitiu aquele crescimento que houve.
O mercado não parou, o Brasil estava naquela época de milagre brasileiro, 1970 até quantos anos. O senhor Sanches pegou, embalou. Ele foi realmente uma pessoa [pra quem] eu tiro o chapéu. Ele tinha uma coragem e tinha um peito, ele investia nas baixas e lucrava nas altas. Ele é fantástico, ele deu muito apoio, soltou o dinheiro. Gastava dinheiro lá que não está escrito, mas o rendimento foi que em dez anos a Johnson cresceu de trinta milhões de dólares a trezentos milhões de dólares de vendas. Em dez anos.

P/1 - Entre 60 e 70.

R - Exato, entre 70... Quando eu entrei? Entre 70 e 80, essas décadas foram um crescimento vertiginoso. Claro, foi uma equipe que fez, pessoal de vendas, mas o que deu aquela infraestrutura foi esse trabalho que nós fizemos lá em São José, [a] transferência dos equipamentos. Não só transferir equipamentos velhos, mas colocar equipamentos novos, com maior produtividade, maior eficiência, melhor qualidade. Tudo isso foi feito.

(PAUSA)

P/1 - Vamos lá, teremos oportunidade de entrar na Farmacêutica. Eu queria que o senhor contasse pra gente como era a Farmacêutica quando o senhor entrou na empresa.

R - Quando eu entrei o diretor de marketing da Farmacêutica era o senhor José Augusto Pinto e ele cuidava basicamente de vendas, propaganda, promoção. Toda essa parte da Farmacêutica, a parte da fábrica, foi subordinada ao senhor Fermino Yamashiro. Quando eu entrei como diretor industrial, o Fermino respondia a mim com alguns outros das outras áreas. Logo percebi que o Fermino era muito bom profissional e com os meios que ele tinha, que não era muito, fazia realmente o que [se] pode esperar. Eu tinha outros problemas muito maiores em outras áreas, então realmente eu não dedicava muito atenção à produção farmacêutica naquela época porque não precisava. O Fermino estava dando conta, nos comunicávamos. Mas...

P/1 - O que é que representava a produção farmacêutica naquele período dentro da estrutura da empresa?

R - Eu não sei de valor, mas como problemas apresentava pouco. (risos) Os problemas eram dos outros setores. A única coisa que dava uma certa carga de trabalho era o projeto da nova fábrica, porque estava prevista uma nova fábrica mas não de alta prioridade. A maior prioridade foi para transferir as partes da Johnson que estavam sempre ficando inundadas - a parte de algodão, a parte de fio dental, escova, um monte de coisas que ainda estavam em São Paulo. Isto foi uma prioridade porque a produção farmacêutica estava no andar superior, então tinha problema apenas de acesso de pessoas, não tinha aquele problema de inundar, molhar os motores etc.
Quando eu entrei achei já um projeto feito, mas preferi fazer um projeto mais avançado tecnicamente. Logo depois de entrar, eu viajei pros Estados Unidos pra conhecer algumas fábricas farmacêuticas da Johnson. Colhi as opiniões, fui junto com o arquiteto Minerbo, que era um dos sócios do Minerbo Fuchs, que fez a construção da fábrica. Desenvolvemos o projeto para a nova fábrica e eu estava responsável também pelas construções naquela época, então a construção ficou toda comigo, uma parte de equipamentos novos e alguma parte de equipamentos nós íriamos transferir.
Ao mesmo tempo, foram construídos novos edifícios para controle de qualidade e centro de pesquisa. Essas foram inauguradas em meados de 73 e justamente naquela época, em 71, a Johnson se dividiu em duas divisões operacionais: uma da profissional que era Farmacêutica, o Eticon, Diagnóstico, Dental e Veterinária e a outra era toda a health care, quer dizer, saúde, produtos, Modess, essas coisas, fio dental, toda a parte de consumer. Eu fiquei inicialmente com o consumer, porque estava ainda na fase de transferência, de estabelecimento das operações em São José; quando terminou mais ou menos a fábrica da Farmacêutica, eu passei para a Farmacêutica.

P/1 - Eu queria que o senhor me dissesse quais as características desse projeto. O que é que ele trazia de novidade pra época?

R - Ah, bom. Da fábrica?

P/1 - Da fábrica.

R - Primeiro, a fábrica original era um tipo de salsicha: entrava matéria prima numa ponta, transformava em produto acabado aqui e saía produto terminado na outra ponta.

Era mais ou menos a convencional, mas depois eu achei mais interessante o formato de U: você tinha um depósito que servia tanto pra matéria-prima como produto acabado; conforme as necessidades tinha um espaço, um depósito. E ao lado tinha a parte de transformação, então o material entrava, transformava e saía. Então a vantagem [é] que você tinha uma doca, uma rampa para recebimento de caminhões. Você podia, por exemplo, fazer despacho da mercadoria de manhã e receber matéria-prima à tarde. Era uma maneira eficiente de... E usava as mesmas pessoas, porque sempre o faturamento era durante à noite, o despacho de mercadoria sempre de manhã cedo e [se] concentrava durante algumas horas, então aquele pessoal da ponta fica parada. (risos)
Esse pessoal recebe mercadoria, [mas] também não é todo dia. Então você tem um depósito, um chefe supervisor de depósito, um cardexista; você evita uma série de duplicações de pessoal. O gerenciamento de material, tanto de matéria-prima como material acabado fica dentro de um grupo e nessa parte de serviços você permite ampliações também porque se no seu depósito você tem uma ponta e a outra ponta, o do meio é difícil ampliar.
Quando você... Em vez de fazer uma salsicha que custa mais caro, o prédio numa área você tem mais parede, você faz uma quadra, aí você tem um mínimo de parede para máximo de área. É uma série de vantagens. Realmente, foi bem aceito isso, pra não dizer que a fábrica demorou 25 anos sem precisar fazer grandes mudanças. Agora há pouco começaram as grandes modificações de

_______, ISO 9000. Acho que 25 anos é um período até razoável para um projeto. Conseguimos ampliar depósitos. E também na área farmacêutica você pode ampliar a produção, você tem uma máquina que faz comprimidos, mil por minuto; você pode trocar e no mesmo espaço uma outra máquina que faz dez mil por minuto. Então você amplia a produção não pelo espaço, mas pelo tipo de equipamento que você coloca. Em compensação, [para] matéria-prima, material acabado você tem que ter espaço físico porque tudo bem, você pode manusear seu inventário, dobrar a produção não quer dizer que vai dobrar a quantidade de matéria-prima, mas aumenta pelo menos trinta por cento; a mesma coisa com o material terminado, então tendo espaço para ampliar aquilo sem mexer no outro você ganha. É um projeto que realmente provou-se pelo tempo que deu certo.
A transferência também foi uma aventura, porque na Farmacêutica aqui em São Paulo tinha umas senhoras… A dona Miquelina, por exemplo: tradicionais, mulheres, senhoras que trabalhavam, [que] moravam lá perto no bairro, vinham à pé, há muitos anos trabalhando. Mudar pra São José, nem pensar. Então contratamos pessoas lá em São José, alugamos ônibus e trouxemos essas senhoras, mulheres, moças - que seja - para São Paulo. Elas ficavam ao lado da turma velha e voltavam à noite. Fizemos isso acho que durante um mês ou dois meses, então [foi] um treinamento para pessoal. Quando nós transferimos tudo, então essas pessoas, entre aspas, eram treinadas, só que uma coisa era trabalhar junto com uma pessoa que já sabia e outra coisa trabalhar sozinha, né? (risos) Claro, a gente estava preparado, fizemos inventários para compensar as baixas de produção, mas foi penoso e infelizmente nem todas essas pessoas que nós treinamos aguentaram o tranco de fazer a coisa. O Fermino apanhou bastante durante essa fase porque ele era o gerente da fábrica, responsável pela produção.

P/1- Você falou do caso da dona Miquelina, por exemplo. O que de especial envolveu essa funcionária?

R - Quem, a dona Miquelina? Bom, acho que ela tem quarenta anos de casa, ela trabalhou muito tempo lá. Ela veio para São José. Eu não sei se ela chegou a residir em São José porque na hora da mudança nós colocamos um ônibus à disposição, um ou dois para pessoas que tinha problemas de mudar; eram pessoas que nós dávamos valor justamente pelo tempo de casa. Então durante muitos anos tinha ônibus saindo de São Paulo e voltando, esse pessoal, e acho que a dona Miquelina estava entre essas pessoas.
Voltando à Farmacêutica, o Fermino também mudou para São José e acho que houve um problema de adaptação da família dele. No fim ele se desligou da empresa, voltou pra São Paulo para uma outra empresa como gerente da produção farmacêutica. Mas nós tivemos - da minha parte, pelo menos - um ótimo relacionamento. Não se ele vai dizer a mesma coisa... (risos) Mas eu acho [que] fomos bem e trabalhamos bem juntos.
Tive que contratar um outro, promovi uma pessoa, o Armando - acho que primeiro foi o Ivo, o Ivo Radesca assumiu. O Ivo, que era da pesquisa e desenvolvimento, que entrou como gerente de produção. O Ivo também é uma pessoa fora de série, um conhecimento de causa enorme. Ele fez trabalhos fantásticos pra Johnson de adaptar fórmulas que vinham do exterior para as condições brasileiras. Mas não era tanto o homem de produção, era mais realmente o homem de desenvolvimento de pesquisa. Depois de um certo tempo, nós o deixamos voltar para desenvolvimento e e promovemos o Armando Pencionalo. Ele acabou saindo algum tempo depois que eu me aposentei, não sei exatamente as circunstâncias e depois voltou, voltou para gerenciar a Johnson em Jaguariúna. E depois aquela fábrica foi desativada, ele voltou para São José e agora é diretor industrial consumer e continua na Johnson. Também é um excelente profissional.
Bom, comecei na Farmacêutica na área industrial. Depois, aos poucos, eu recebi outras incumbências, recebi a área veterinária porque eu já tinha experiências de produtos veterinários na Pfizer. Depois assumi o gerenciamento dos produtos diagnósticos, divisões menores, mais pra gente ganhar experiência em áreas diferentes, não técnicas. Eu respondia ao senhor Bill Bexter e o Bill me deu muito apoio nessas coisas. Eu também fiz uns cursos complementares de marketing; eram coisas muito novas para mim, porque [durante] todo aquele tempo anterior eu sempre me ocupava na área técnica industrial.
Acho que [em] 75, 76 está naquele coisa que eu lhe disse. Eu assumi como gerente geral da área, toda a área Farmacêutica, já com responsabilidade na área financeira. Tinha um excelente gerente financeiro, o senhor John Canyon; é um inglês que trabalhou comigo durante muitos anos; O Walter respondia a mim como gerente de controle de qualidade e o Ivo, o Walter, o John Canyon e o Armando Pencionalo. Depois tinha o Ximenes, na área de vendas. Eu realmente tinha toda a parte farmacêutica sob a minha responsabilidade, respondendo ao senhor Bexter que tinha essa e mais a Eticon. Aquele organograma mostra essa situação.
P/1 - Isto foi em 71 quando a primeira divisão da Farmacêutica, administrativa?

R - Não, isso foi... A minha parte foi mais tarde, antes tinha o senhor José Augusto Pinto e o Fermino respondendo ao senhor Bexter. Eu entrei na área industrial e depois de um certo tempo o senhor José Augusto Pinto foi na Abifarma, ele assumiu; o Johnson achava interessante que tivesse uma pessoa dentro da Abifarma ligado à Johnson e a Johnson, acho que até subsidiava o José Augusto Pinto nessa posição. Ele ficou muitos anos como diretor, presidente da Abifarma, que é a associação das indústrias brasileiras, das indústrias farmacêuticas, então fiquei lá como responsável por tudo isso.
Foi uma experiência muito valiosa, porque dá uma visão global de que é um negócio. Não é só fabricar coisas, não é só vender coisas. Tem toda a parte financeira, fluxo de caixa, importância de… Como que tudo isso fecha, o negócio todo. Isso é extremanente valioso.

P/1 - E foi em que ano então que o senhor assume a gerência?

R - Como?

P/1 - Em que ano que o senhor assume?

R - Eu acho que foi em 76.

P/1 - E como era a situação da empresa naquele momento?

R - Bom, a situação da Farmacêutica era bastante difícil porque a indústria farmacêutica, como um todo, sofria uma repressão do governo em termos de controle de preços muito violenta, muito violenta mesmo. Conseguir uma rentabilidade foi muito difícil, então nós fizemos de tudo pra controlar despesas, controlar custos. Ainda assim, [em] alguns anos nós fechamos no negativo porque simplesmente...



P/1 - Era deficitária a empresa?

R - Eu acredito que durante certos anos foi, a parte farmacêutica, entendeu? A parte consumidor tinha menos problemas, porque lá tinha controle de preços mas era menos severo. O governo tinha um... Queria a todo custo controlar os preços dos remédios; já que as maioria das empresas na indústria farmacêutica são estrangeiras, realmente foi fácil pra ele. Não tinham um lobby, né? Procura fazer isso com os frigoríficos ou na área alimentícia ou na área têxtil, onde a grande maioria são grupos nacionais; eles montam lobbies e fazem um trabalho político,

conseguem fazer muita coisa. A indústria automobilística, por exemplo, apesar de ser estrangeira é tão grande que consegue também se impor pela magnitude. A farmacêutica não tinha nem o tamanho pra fazer um lobby pesado nem, vamos dizer, as ligações políticas de conseguir.
Na verdade, ele foi injusto. De um lado o aumento de matéria prima, aumento de material de embalagem, aumento de mão-de-obra. Não tinha controle, então as nossas despesas subiram e os nossos preços não. Então fica sempre aquele... Ficamos sempre [em] uma compressão muito pesada e [com] isso foi muito difícil conseguir um resultado financeiro. O resultado de venda, no volume de vendas nós tínhamos bons resultados; [em] posição no mercado a Johnson conseguiu se colocar entre os dez maiores, agora rentabilidade... Depois tinha os problemas internos também da Johnson porque as nossas matérias-primas, as mais modernas vinham da Jansen Farmacêutica na Bélgica. E a Jansen tinha os seus preços de vendas, mas depois houve pirataria em outros países - na Itália, na Argentina, que vendiam o mesmo produto por um décimo porque eles não tinham que gerar caixa pra sustentar uma máquina de pesquisa e desenvolvimento que a Jansen sustentava. Essas pessoas simplesmente copiavam a coisa e vendiam. A gente foi pra Cacex pra importar uma determinada matéria prima a preço Jansen e aí o pessoal do Cacex puxou um outro processo: "Olha, esse pessoal está importando da Argentina por um décimo do preço". Então explicar isso como lá?
No fim, senhor Sanches, o Paul Jansen concordaram em montar uma fábrica de síntese aqui no Brasil. Isso ficou também sob a minha responsabilidade porque eu tinha experiência na síntese química da Pfizer, então eu tinha que ir lá para o pessoal da Jansen e fazer uma proposta pra eles: "Bom, você me transfere a sua tecnologia e em compensação você perde o seu mercado." (risos)

Mas não tinha opção, porque manter o negócio farmacêutico só baseado em produtos importados naquela época era impensável. Fizemos a fábrica: foi, naquela época, um investimento de cinco milhões de dólares, que hoje equivale a vinte milhões de dólares. E foi feito de green field, compramos um terreno. O senhor Sanches inclusive fechou o negócio, oitocentos e tantos mil metros quadrados. Fizemos tudo em dezoito meses e o Paul Jansen veio para inaugurar viu aquilo. Ele disse: "Olha, nós nunca teríamos conseguir fazer isso na Europa nesse prazo de tempo."

P/1 - Em que ano?

R - Começou em 73 e foi inaugurado em meados de quê? Fim de 74 e início de 75, uma coisa assim.
Eu também consegui contratar um elemento muito bom que já conhecia da Pfizer, doutor Breu; ele foi envolvido na parte de processo. Nós montamos uma pequena planta piloto em São José, então ele já começou a trabalhar lá. A Jansen era um empresa que fazia, inventava as drogas, mas muitas delas ela licenciava pra outras empresas para produzir, antes de ser comprada pela Johnson. E muitos produtos que nós íamos produzir a Jansen nunca produziu, então eles tinham o esquema de laborotário. Breu e o grupo dele então realmente tinha mque desenvolver o processo industrial baseado nisso, que é diferente - uma coisa é fazer um coisa em tubo de ensaio e outra fazer em tanques de mil litros.
Enquanto fizemos a obra, ele estava trabalhando lá no laboratório. Quando a fábrica estava pronta, foi bastante suave a transição para a produção. E nós já tínhamos bastante experiência entre ele e eu de montagem de fábricas. Tinha outro elemento que contratei, o senhor Paulo Mendes, que foi diretamente quem conduziu as obras lá porque eu naquela época estava mais preocupado com a Farmacêutica, as vendas. Eu sempre digo que foi uma obra que eu conduzi mais por telefone do que qualquer outra coisa.
Nós contratamos empreiteiras. Também no fim houve crises, desloquei o pessoal de São José e mandei uma tropa lá para consertar coisas que não estavam bem. Mas foi bem; uma fábrica, outra, foi desativada pela Johnson.

P/1 - Eu queria até que o senhor avaliasse o sentido desse investimento, quer dizer...

R - Exato. Bom, hoje em dia não ter mais razão de ser essa fábrica. São circunstâncias que mudam e a empresa tem que acompanhar isso. Ainda manter uma fábrica que produza em escala pequena quando você pode importar o mesmo produto por um preço menor do que você produz, porque é produzido em escala grande… São fatores econômicos desagradáveis, lógico. Foi uma fábrica construída com muito dinheiro, amor, carinho, sangue, suor e lágrimas. (risos) E depois, no fim, aquelas circunstâncias justificaram, mas em vinte anos muda a situação e realmente não há como sustentar isso financeiramente.
Tem que ter uma base financeira nessas coisas, porque se o negócio não for rentável não pode manter. A Johnson não pode se dar o luxo de manter uma fábrica como um hobby, né? É uma empresa pública, tem que responder pelos acionistas, então é isso. Isso aconteceu nos Estados Unidos também, [a] Johnson desativou certas atividades, saiu de certos mercados que não se deu bem. Faz parte do negócio; é triste, mas faz parte.

P/2 - E quais projetos chegaram a ser desenvolvidos lá em Sumaré? Os projetos.

R - Bom, projetos… Todos os produtos farmacêuticos, os ingredientes ativos: o mebendazol, licilacesina, miconazol e todas essas coisas que fazem base pra linha farmacêutica da Jansen, que é mais moderna.
Tinha uma linha desenvolvida aqui, como o Hidrax, o Rarical; essas são mais ou menos mistura de materiais disponíveis no mercado. Produtos da Jansen eram medicamentos, por exemplo, totalmente revolucionários. Hoje em dia você tem um problema de infestação intestinal e você toma um comprimido de Levanizol, o áscaris vai embora; você toma seis comprimidos de mebendazol e o resto vai embora. Antigamente isso era um grande problema, a pessoa ficou contaminada com vermes, aí dieta e não sei que mais pra se livrar. Hoje em dia isso é uma banalidade, houve enormes avanços na parte de anestesia.
Na parte de tratamento de problemas mentais, a Jansen começou com uma terapia totalmente inovadora, é incrível. O Paul Jansen, como pesquisador que realmente saiu, um dia ainda vai ganhar um prêmio Nobel por esse trabalho, sem dúvida. Ele que esvaziou os hospitais, os hospícios. Antigamente, [para] todos esses problemas a pessoa tinha que ser internada; hoje em dia, muitos problemas de distúrbios mentais podem ser controlados por medicamentos que a pessoa toma em casa e fica controlando. Quer dizer, [foram] enormes contribuições na área de medicina.
O Paul Jansen é uma pessoa que, por sua parte, entende bem a situação. Ele disse: "Muitas vezes, os laboratórios dos países desenvolvidos são criticados porque desenvolvem drogas para doenças do Primeiro Mundo". Quer dizer, problemas circulatórios, de coração, de câncer, essas coisas e não procura desenvolver medicamentos para problemas do Terceiro Mundo. Ele disse: "A resposta é muito simples. Os problemas do Terceiro Mundo não são problemas médicos, são problemas políticos. Noventa e cinco por cento dos problemas são resolvidos com água filtrada, esgoto, condições sanitárias e condições de moradia."
E é verdade. Se tivesse [isso] nesses lugares não teria problemas de vermes e de infecções, diarréia, esses problemas. Crianças no primeiro ano tem mortalidade infantil elevadíssima por causa da condições de higiene, condições de moradia, condições basciamente de água e esgoto. Claro, é um argumento que os políticos não gostam de ouvir, mas aí já entramos num outro campo que é política e não tem nada a ver com o depoimento de hoje.

P/1 - Bom, o senhor disse que assumiu a empresa e ela estava num momento de dificuldades...

R - Sim.

P/1 - Eu queria que o senhor dissesse quais foram, qual foi o plano de metas que o senhor colocou pra empresa e como o senhor avalia o desenvolvimento da empresa durante o período que o senhor esteve a frente dela, da Farma.

R - Basicamente, naquela época nós tínhamos algumas... O objetivo foi desenvolver a produção local dos ingredientes, diminuir o custo das importações, que ajudou bastante, tornar mais eficiente a operação toda da Farmacêutica. [A] produção nós automatizamos, padronizamos as embalagens - quer dizer, nós comprimimos os custos industriais e também tentamos controlar melhor os custos de vendas.
A Johnson trabalhou muito com distribuidores e tentamos… O distribuidor tinha uma margem razoável, porque eles mantinham… A Johnson tinha uma política de inventários mínimos, o pessoal tinha um custo de inventário. Então tentamos atender algumas grandes cadeias que estavam se formando naquela época, como a Drogasil, no sul, no norte; tentávamos nós mesmos atender, tentando diminuir o custo de venda. Isso foi bem, mas não conseguiu compensar aquela barreira de preços de vendas fixas e custos sempre subindo.
Tinha inflação, não era tanto mas era considerável, quarenta a cinquenta por cento ao ano. Os salários, nós sempre tínhamos uma política de manter o pessoal com o poder aquisitivo dentro do possível. Além daquilo que o governo sempre dava como aumento compulsor, a gente sempre… A Johnson tinha uma política e até hoje tem de cuidar do seu pessoal nesse sentido. Na fábrica nós fornecíamos assistência médica, tínhamos cooperativa, um restaurante, condução, uniformes; os benefícios para aquele pessoal mais humilde é muito importante, aquele almoço que ele comia na fábrica nós sabíamos que provavelmente era a refeição principal do dia. O pessoal comia à vontade. (risos) Um prato de feijão com arroz, outro prato com bife e batata e não sei o que mais, sabe? Isso foi tudo a preço absolutamente mínimo, subsidiado oitenta por cento pela Johnson.
Nós tínhamos programas de treinamento, apoiamos o pessoal que queria estudar. Nesse sentido nós tínhamos um custo social que não todas tinham. Alguns concorrentes nossos tinham, conseguiam uma margem melhor, mas nós sempre achamos na diretoria que isso foi uma coisa fundamental da empresa. A empresa tinha que cuidar dos seus funcionários, estimular os funcionários pra realmente dar o melhor que pode de si, das ideias, de produtividade. Eu acho que a Johnson foi - na minha época, pelo menos - bastante avançada e eu acredito que isso continua porque isso é uma política até que mundial. Segurança, por exemplo, qualidade, nós gastávamos uma fortuna em controle de qualidade; o produto feito no Brasil era igual a qualquer parte do mundo da Johnson. Não esperávamos o pessoal vir de fora pra dizer pra nós: "Não". Nós antecipamos, quando vinha uma auditoria nós não tínhamos o menor problema nesse sentido. Então esse...

P/1 - Eu queria que o senhor falasse um pouco também agora de ambiente. Como era o ambiente dentro da Johnson, o relacionamento hierárquico entre funcionários e chefias?

R - Bom, não sei. Talvez eu seja um pouco inocente. Eu sempre achei um ambiente bastante produtivo, bastante estimulante. Nós tínhamos um grupo - claro, nós nos integrávamos, a Farmacêutica [se] integrava dentro da Johnson com toda a... Inclusive a parte financeira, foram consolidados os resultados.
Naturalmente, as pessoas são humanas. Onde tem ser humano há política, e sempre dentro de uma empresa existe política. Existem pessoas mais ambiciosas, existem pessoas menos ambiciosas, existem com pessoas personalidades mais marcantes, menos marcantes. Mas eu tive anos muitos felizes na Johnson, realmente, anos muitos felizes, muito produtivos. Eu aprendi muito, contribui muito, então acho que foi um relacionamento bastante equilibrado.
Eu fui tratado com bastante carinho pelo pessoal lá do exterior. Viajei muito, vi muitas fábricas e tinha responsabilidade, depois da Farmacêutica, para exportações. Viajei pelo mundo vendendo equipamento da Johnson, produtos da Johnson, com bastante apoio da própria matriz e especialmente do senhor Sanches aqui e do senhor Bexter, que me deu oportunidades de assumir esses cargos mais elevados dentro da Farmacêutica.
Realmente foi isso, eu não... Tem alguns que sobem, alguns que descem, alguns que partem, alguns que entram, mas isso é normal dentro de uma empresa qualquer. Quando surgiu essa ideia da minha transferência fora da Farmacêutica eu acho que foi válida. Apesar de ter feito o melhor possível, eu não sou homem realmente de marketing, eu sou mais confortável nas áreas técnicas, na área industrial. Achei que era bastante razoável a minha transferência para uma outra atividade, onde eu podia utilizar melhor aquilo que eu sabia melhor. Não é que não fui um bom gerente geral, mas eu não sou [um] excelente gerente geral e acho é importante que a empresa reconheça isso; foi dada uma oportunidade, eu dei uma performance, mas realmente não foi uma performance talvez adequada ao nível necessário. Então foi ótimo [terem] reconhecido isso e foi feita uma transferência para uma outra atividade onde pudia utilizar melhor os meus talentos.
Fui bem, porque a exportação estava meio parada. Incentivei bastante a fábrica de máquinas, conseguimos exportar máquinas imagina pra Alemanha, pros Estados Unidos, pra Canadá. O nível que nós atingimos nunca foi visto antes. Então foi mais ou menos...

P/1 - Qual era o cargo nesse momento que o senhor assume?

R - Aquele que estava no organograma. Assumi a parte, eu fiquei com _____ química durante um bom tempo ainda, depois eventualmente foi transferido dentro da unidade farmacêutica. Eu tinha a fábrica de máquinas, eu tinha a parte de novos projetos. Eu trouxe várias - tentei trazer, alguns eu trouxe, alguns eu não consegui - para o Brasil, divisões novas. A Johnson tinha uma divisão de tomografia, technical care, que já desativou nos Estados Unidos, mas a gente trouxe para o Brasil, vendemos algumas máquinas. Tinha a parte toda da construção civil, tinha uma série de obras que eu tocava.

P/1 - Nesse momento, a Johnson precisava importar máquinas ainda ou tudo já era feito aqui?

R - Nós já fazíamos para o nosso uso.

P/1 - Cem por cento?

R - Não, cem por cento não, mas a maioria. Tinha algumas coisas muito complexas que não podia fazer, mas a maioria da máquinas de fraldas, de Modess, de Band-Aid, de cotonetes, tudo isso nós fazíamos aqui.

P/1 - Remédios também? A parte de remédios.

R - Remédios não, [para] remédios são máquinas padrões, sabe? Uma máquina pra fazer comprimidos não tem nada diferente para uma empresa ou pra outra. As máquinas que nós fizemos foram pra produzir produtos pra Johnson mesmo - a máquina de Band-Aid é uma coisa específica, não? Máquina de fraldas é uma coisa específica.
Então tudo aquilo foi feito e depois precisávamos exportar, porque naquela época o governo olhava muito o que a empresa importava e o que exportava. E a Johnson não exportava quase nada, porque tinha fábricas de seus produtos quase em todo lugar, todos os países então não tinha muito... Mas fábricas de máquinas não tinha, então fomos nós vender máquinas.
Na América Latina está cheio de máquinas feitas no Brasil, o mercado natural nosso. E depois começamos a olhar mais afora, fomos pra África do Sul, Europa, Ásia. Nós colocamos máquinas da Johnson na Ásia e não sei mais que países. Eu mandava equipes nossas, montadoras, pra montar a máquina e sempre fizemos… Trazíamos gente pra treinar, aí nós levávamos a máquina, montávamos. Realmente demos todo o apoio técnico, matérias-primas e especificações. Não foi só uma máquina, foi um sistema de produção. E foi bem, chegamos a vender seis a oito milhões de dólares por ano só de máquinas.

(PAUSA)

P/1 - Bom, eu vou retomar pedindo só pro senhor me esclarecer um ponto que ficou ainda pra mim não registrado. A gente comentou antes lá em cima a respeito do primeiro momento em que a divisão administrativa não ainda legal da Farmacêutica [acontece] - isso acontece em 71, segundo o senhor me disse, não é isso?

R - Sim.

P/1 - E por que razão?

R - É quase uma política da Johnson Internacional de criar unidades de negócios para desenvolver mais rapidamente, porque quando está tudo junto há uma certa limitação do crescimento. Então, vamos dizer, se o diretor de marketing é responsável por tudo então ele não pode dedicar tanto tempo para um ou outro segmento e são mercados mais especializados. Por exemplo, a técnica de venda de produtos farmacêuticos é completamente diferente da técnica de venda de uma escova de dentes. Produto farmacêutico você não pode anunciar, você não atinge o consumidor. Você tem que ir através do médico, então você tem que fazer uma promoção propaganda para o médico fazer a receita para o consumidor, usar o seu produto. Ou no caso do Brasil, que tem muita automedicação, pelo menos você tem que chegar até ao nível do farmacêutico, porque o farmacêutico também recomenda o seu produto. No caso de uma escova de dente se vai pra televisão, se vai para supermercado, são mundos diferentes. E a produção também é diferente, produtos farmacêuticos são outras condições de trabalho, de assepsia, de limpeza.


Você realmente tem misturas, agora uma escova de dente é injeção de plástico, sabe? São mundos diferentes, então é bom que sejam feitas as divisões. Lógico que isso tem que ser acompanhado de um crescimento compensatório, porque você cria uma infraestrutura. Você tem um departamento de compras, você cria dois; você tinha um gerente de compras, você tem dois. você tinha um gerente financeiro, você tem dois. Há um aumento de despesas fixas que tem que ser compensado, às vezes, em termo razoável de tempo por aumento do negócio. Isso é bom quando a economia toda esta evoluindo; o que aconteceu na Johnson… Ultimamente, certas áreas eles consolidaram de novo porque a economia não evoluiu, não havia... Aumentou a concorrência dos importados, fraldas, por exemplo, é um caso típico. Então a [unidade de] fraldas de Jaguariúna eles não podiam sustentar porque a fábrica foi feita para um crescimento e não houve crescimento. Houve uma redução, Johnson perdeu market share, houve importados, entrou Procter & Gamble. Então é tudo...
Essas mudanças organizacionais são todas relacionadas às expectativas da decorrência futura do seu negócio. Se você vê uma perspectiva de ampliação -

porque naquela época, por exemplo, [em] 70, 71 começava a entrar os produtos da Jansen, não? Grandes produtos, grande novidades médicas. A perspectiva da Farmacêutica era bastante promissora, então justificava realmente dedicar um grupo só para desenvolver esse negócio. E do outro lado também houve bastantes perspectivas: a economia estava bem, o consumo estava aumentando, então justificava.

P/1 - O "milagre brasileiro".

R - "Milagre brasileiro". Então, realmente, isso é muito normal. Não sei se você vê nos jornais, Gazeta Mercantil, Fortune. Recentemente, a AT&T se dividiu em três partes, do outro lado Disney e Turner se juntaram. (risos) Então...

P/1 - Quando o senhor entra pra gerência geral era um momento mais crítico, o senhor está dizendo que a empresa estava até com déficit.

R - Sim, sim, estava.

P/1 - Houve uma junção da parte administrativa novamente nesse período ou não?

R - Não.

P/1 - Continuava?

R - Não, continuava. E depois, por exemplo, quando eu já estava me aposentando muita coisa... A Johnson ia realmente dividir, mas juridicamente. Eu acho naquele época de 85, 86, inclusive muitas funções que eu tinha iam ficar divididas. Eu realmente estava num ponto bom pra me aposentar porque eu já tinha um nível elevado demais para ficar com metade de um ou metade do outro. Pensamos até de talvez eu assumir um cargo em outro país, mas eu não tinha realmente mais vontade de fazer isso. Eu achei realmente que era um ponto bom, tinha 59 pra 60 anos, ainda tenho um tempinho para começar um trabalho meu e foi assim. Se eu tivesse esperado até 65, por exemplo, acho que eu não teria energia mais para começar uma fase nova de vida porque ser consultor é bem diferente de ser executivo e há uma curva de aprendizagem nisso. Passei por essa curva ainda com mais vontade do que se eu tivesse esperado até 65; acho que teria realmente me dedicado a xadrez ou qualquer coisa, não teria continuado na ativa.

P/1 - E o senhor passou a ser consultor da mesma área que é a área da indústria farmacêutica basicamente, não é isso? Pelo que eu vi.

R - Não, eu diria que é bem eclético, vem coisas... O que eu gosto mais, realmente, é trabalhar nessa área de indústrias, indústrias farmacêuticas, veterinárias; eu fiz alguns trabalhos interessantes, porque são tecnologias bem semelhantes. Mas surgiram problemas porque…
Por exemplo, um amigo meu me convidou. Ele tem uma grande indústria de plásticos, me convidou a dar uma olhada lá nas coisas deles. Eu não sou especialista em plástico, a gente reconhece problemas. Eu fui lá ver o número de produtos; ele produz, vende para a indústria automobilística a resina. As cores que ele oferece, ele tem umas pequenas plaquetas de cores. Aí falei: "Vamos pegar todas essas plaquetas de todas as cores." Pegamos uma sala duas vezes desse tamanho e nas três, quatro paredes enchemos de plaquetas. Tinha centenas e centenas, às vezes custava mais pra ele acertar a máquina pra produzir aquela cor do que o valor da venda. Então eu falei: "Você está cometendo um suicídio.” (risos) “Continuando assim você vende cem quilos… Você gasta mais de cem quilos para acertar, limpar a máquina, acertar a cor."
Então nós fizemos um plano de padronização, uma diferenciação de preço, porque ele vendia tudo ao mesmo preço. A gente viu que oitenta por cento das vendas eram de branco e preto, depois mais umas cinco, seis cores [que] chegavam a noventa e cinco por cento. O resto eram centenas de cores que não faziam nada para o negócio dele. Fizemos uma padronização, o tipo de coisa que a gente, pela experiência, pelo faro detecta.
Eu fiz um trabalho no Aché a mesma coisa com todo inventário. Falamos: "Bom, quantos meses de inventário vocês têm?" Aí me perguntaram: "O que é que é mês de inventário?" Então eu já sabia que tinha um problema. (risos) E tínhamos a solução. Mas cada caso é um caso, é fascinante, realmente.
Eu trabalho sozinho basicamente então não me preocupo demais, às vezes tenho menos serviço aí vou viajar, vou ver as minhas filhas, meus netos. [Se] tem mais serviço a gente fica aqui trabalhando. Está ótimo.

P/1 - Eu queria que o senhor lembrasse pra gente quais são foram os momentos de maior crise dentro da Farma ou da Johnson que o senhor passou.

R - Crise? Bom, crise talvez pessoal estava na área de exportação. De repente, apareceu o pedido de não sei quantos milhares de frascos de Shampoo Johnson de um distribuidor nosso, tradicional lá do Sul. Ele queria comprar isso para a exportação, para a Bulgária.
A Johnson tem uma certa política informal de não invadir mercados, então eu consultei o pessoal da Europa. Não era comum, nós nunca exportávamos xampu. Exportamos xampu paraguaio, sei lá, xampu Jonhson fazia em toda parte. [Era para a] Bulgária, aí falei com pessoal da Europa: "Entendemos isso? Bulgária não tem um tostão furado, não tem como pagar isso.” Mas não era nosso problema porque o cara ia comprar aqui e pronto. Então eu falei com ele: "Olha, Bulgária." "Não, isso é um negócio [em] que um trading que vai trocar cigarros por xampu" e não sei que mais. Eu não estava muito afim de fazer isso, aí veio uma certa pressão: "Bom, tradicional... O cara é muito amigo nosso, atende."
Bem, atendi. Uns meses depois eu começo a receber telefonemas frenéticos do pessoal da Europa: "A Johnson Itália está inundada de xampus do Brasil, como é que você podem fazer isso?" "Bom, eu não fiz, eu não vendi nada pra Itália." Eles estavam vendendo praticamente de graça esse xampu. Como que ia para Bulgária [e] aparece na Itália? Bom, o pessoal aqui não sabia de nada.
Fomos atrás e conseguimos a documentação de embarque através do Cacex. Descobrimos que esse xampu foi… Ah não, esse xampu ele pediu pra nós entregar em Santos e nós entregamos em Santos. E descobrimos que de Santos subiu pra São Paulo e foi de via área para Zurique; o preço de frete áereo custava mais do que o valor da mercadoria. E de Zurique sumiu. Então realmente a gente ficou mistificado, a única coisa que nós imaginamos [é] que eles fizeram empilhamento disso e no meio das pilhas colocaram outras substâncias pra disfarçar pelo cheiro do xampu, e aí foi uma coisa totalmente… Não precisa mais do xampu, então simplesmente jogaram no mercado.
Eu realmente… Eu fiquei muito constrangido porque eu não queria fazer e fui mais ou menos fui pressionado a fazer por pessoas inocentes também. Foi um episódio que me deixou, um episódio marcante porque eu nunca tive esse tipo de problemas antes, mas tem uma coisa, uma primeira vez pra tudo. A malandragem do pessoal é impressionante. Realmente, quando eu assumi essa parte comercial eu perdi a minha inocência porque na área técnica tudo bem, você recebe proposta de vendedor de equipamento: "Ah, o senhor quer quanto por cento?" "Quero tanto por cento." As pessoas mandam presentes e a gente manda de volta, tudo bem. Mas quando entra a área comercial a malandragem é impressionante, e talvez esse foi o meu problema porque eu não consegui entrar nisso, não consegui realmente dar conta, dominar isso. Talvez eu tenha entrado muito tarde.
O meu filho, por exemplo, ele tem empresa própria. Ele é homem de marketing, de comércio, negócio. Ele trata isso com uma capacidade fantástica que eu não tenho - não adianta, defeito de nascimento.

P/1 - Cada um tem o seu talento.

R - Exatamente, exatamente. O meu talento é em outro lado.

P/1 - Na área mais técnica, né?

R - Exatamente.

P/1 - Bom, eu vou aproveitar e, fazendo uma pergunta pra concluir, eu queria que o senhor fizesse um balanço, uma avaliação de todo esse seu trabalho na Johnson e a sua experiência de vida como um todo.

R - A Johnson foi uma grande oportunidade de desenvolvimento pessoal, técnico, que realmente foi uma coisa inédita. Poucas empresas conseguem evoluir tanto em tão pouco tempo como conseguiram na Johnson. Eu acho que fiz uma contribuição bastante significativa para isso.
Claro, não sei se talvez eles tivessem contratado outra pessoa talvez tivesse feito a mesma coisa ou mais, mas por uma coincidência de vida foi eu. E para mim foi uma experiência bastante valiosa, um desenvolvimento pessoal muito grande. Os trabalhos que eu faço agora de consultoria, como é que eu podia ter feito se não tivesse passado por toda gama de experiências que eu passei.
E eu tenho as recordações melhores dessas épocas. Eu sempre digo: trabalhei dezesseis anos na Johnson, mas vale por 32. (risos) E as amizades que eu fiz e que continuam, muitos - Paulo Mendes trabalhou comigo e hoje ele trabalha no Banco Mundial em Washington. A gente sempre encontra os velhos amigos, os contatos, é sempre uma experiência muito agradável. Quando eu me aposentei… Quando você aposenta você descobre quem são amigos do seu cargo e quem são amigos seus. (risos) E felizmente eu descobri bastantes pessoas que são, eram os meus que continuam dando apoio, chamando, trocando ideias. Então eu me sinto bastante tranquilo, realizado.
Vamos ver até quando a gente continua na ativa, mas eu acho que tenho uma experiência a transmitir e está sendo aproveitada ainda por pessoas que me convidam a participar com alguns trabalhos.

P/1 - Então ok, então muito obrigado pela sua participação, pela sua paciência de ter estado aqui com a gente.

R - Muito obrigado a você. Espero que algum coisa disso seja útil para o seu trabalho, para compor a imagem da Farmacêutica.

P/1 - Com certeza.

R - Ótimo, muito bom. Obrigado.