Museu da Pessoa

Da Bahia ao mundo: uma vida de ideais

autoria: Museu da Pessoa personagem: João Pinto Rabelo

Projeto Fundação Banco do Brasil
Depoimento de João Pinto Rabelo
Entrevistado por _________
Brasília, 01 de fevereiro de 2006
FBB_HV021_João Pinto Rabelo
Transcrito por Écio Gonçalves da Rocha
Revisado por Leonardo Dias de Paula

P – Boa noite.

R – Boa noite.

P – Eu gostaria de primeiro agradecer o senhor estar participando do nosso projeto de resgatar a memória do Banco do Brasil e perguntar pro senhor o seu nome, o local e a data de nascimento.

R – João Pinto Rabelo. Nasci na cidade de Barra na Bahia no dia 28 de dezembro de 1942.

P – Qual o nome dos seus pais?

R – Eliodoro Rabelo e Augusta Pinto Rabelo.

P – Qual a atividade que eles exerciam?

R – Eram comerciantes, pequenos comerciantes na cidade ___

P – Ambos trabalhavam no comércio?

R – Ambos trabalhavam no comércio.

P – Qual a origem da sua família? Sempre foram da Bahia ou vieram de algum outro lugar?

R – Não, ambos foram da Bahia. Minha avó foi índia, dizem que foi catada na tribo lá, alguma coisa assim parecido. ____________

P – Você tem irmãos?

R – Tenho sete irmãos.

P – Sete irmãos. Você podia falar sobre cada um deles? Como é que era a infância no meio de sete irmãos no interior da Bahia, como é que era esse período?

R – Naquele tempo o pessoal não tinha muito juízo, né? Aqui não tinha televisão, então a diversão devia ser aumentar a família, certamente. Então o meu irmão mais velho também trabalhava no comércio com os pais. O segundo também, Alberto, é o mais velho, o Amerindo (?) segundo. Ambos depois vieram trabalhar em Juiz de Fora. O terceiro, a minha irmã, já está no mundo espiritual, Albertina. A quarta mora em São Paulo hoje, Antônia. A quinta é Amélia, que é enfermeira em Belo Horizonte, foi diretora da Escola de Enfermagem, mas também já retornou de volta lá pro mundo espiritual. A quarta, Josefina, mora aqui em Brasília, tem dois filhos. Eu sou o sétimo e o meu mais novo irmão chama Lauro, mora em Belo Horizonte, trabalha na Coca-Cola. Então é uma família numerosa. Naquele tempo na cidade pequena a vida era muito limitada até porque as opções eram diferentes de hoje, mas com muita beleza porque o interior tem histórias lindíssimas da cultura própria, das tradições, que eu vejo com muita pena que essas coisas estão se perdendo, não se resgatou essas coisas. O Divino Espírito Santo, Congo, Reis, festa de São João, essas coisas bonitas que um povo mais desarmado, que não tinha violência. Naquela época nas cidades todo mundo era família, todo mundo era amigo e havia um quê de inocência e de romantismo na história daquela gente lá na margem do Rio São Francisco que tem história muito singular na vida do país. Mas depois eu fui pra Juiz de Fora, que os meus irmãos estavam lá. Minha irmã estava lá em Belo Horizonte, ela tinha acabado de fazer o curso de Enfermagem, estava fazendo Psicologia e depois fez Medicina. E muito idealista, essas coisas de ideal. Não há como medir essas coisas, são muito pessoais. E eu fui pra Juiz de Fora estudar, estudei em Juiz de Fora na Academia. Fiz parte de, naquele tempo havia muita motivação política dos jovens, a União dos Estudantes de Juiz de Fora Secundaristas. A gente trabalhou muito com algumas coisas que incomodaram um pouco a situação porque foi um período em que as empresas que produziam livros, as editoras, elas mudavam a cada ano os livros pra poder ganhar dinheiro. Comerciante pensa muito assim, né? E nós estávamos muito incomodados que tinha crianças jovens, pobres, que não tinham como pagar livro. Então nós criamos em Juiz de Fora o primeiro banco de livro da história do Brasil, me parece que é o primeiro. Então Juiz de Fora é uma espécie de uma capital da região ali de Bicas, Santos Dummont, aquela zona lá. E nós criamos um banco gigantesco, saímos naquelas cidades todas colhendo livros usados. Então os estudantes depositavam nesse banco de livros, recebiam um recibo, e à medida que a gente ia tendo livros nós devolvíamos. Com isso nós forçamos na época as diretoras (?)

a abaixar o preço dos livros pra beneficiar estudantes pobres. Então eu sempre tive uma vida meio ligada a esse tipo de coisa, gosto desse tipo de ação, embora a nossa formação política não era propriamente partidária, era mais do ponto de vista dos ideais mesmo. E houve um problema complicado na época, as escolas aumentaram os preços muito grande e nós fizemos um protesto em Juiz de Fora, coisa curiosa. Fizemos um protesto, em vez de fazer greve nós fizemos, a Santa Casa de Juiz de Fora tinha uma carência grande de sangue. Então nós fizemos uma campanha, foi uma coisa inédita, nós conseguimos oito mil litros de sangue na época, os estudantes doaram sangue como protesto. Então, um protesto bonito, convenhamos que era. Mas depois eu fiz concurso do banco, o banco achou que devia me mandar pra Bahia e eu voltei pra São Félix que é uma cidade histórica. São Félix é uma cidade curiosa, ali foi o primeiro movimento pela independência do Brasil. Tem uma ponte que foi inaugurada por Dom Pedro chamada, no Rio Paraguaçu, do lado da cachoeira que chamava _____. Dom Pedro esteve ali, fundou, ele que inaugurou a ponte. Transferiu, lá hoje está sendo resgatado, o Ministério da Cultura está recuperando aquilo ali que é um patrimônio histórico importante. Dom Pedro esteve ali hospedado, despachou, a Casa da Moeda esteve lá. Ali é terra de Ana Néri, Ana Néri esteve lá. Tem um museu riquíssimo de obras sacras. E o primeiro movimento do Brasil, que a Bahia é um país diferente, tudo na Bahia é diferente. E a Bahia, Cachoeira foi o primeiro movimento dos portugueses. Naquele tempo o Rio Paraguaçu transitava muito, era um ponto de transição de mercadorias. E ali, os portugueses foram ali na época que estava o primeiro movimento e lá em Cachoeira foi a primeira revolta. Acho que os portugueses beberam um pouco além do limite o pessoal fez a primeira revolta, é o que consta na história. Mas ali em São Félix, do outro lado do rio, tinha na época as maiores fábricas de charuto do Brasil, a Sueli de Maia Costa Pena (?), que inicialmente eram todas alemãs. Com a guerra essas fábricas propriamente fecharam quase todas, restou apenas Leite Alves (?) e Sueli (?).

P2 – Como chama? Eu não entendi.

R – Sueli (?) que ainda é muito famoso no Brasil. Então era Mannesman, Costa Pena (?), Sueridic (?) e Leite Alves (?). Os alemães foram perseguidos por causa da guerra, deixaram todos naquela situação compreensivelmente complicada, e sobrou a Sueli (?) em Cachoeira, São Félix, Cruz das Almas, Maragogibe, eles têm várias indústrias por ali. Em São Félix e Cachoeira ficaram apenas a Leite Alves (?). Eu trabalhava no banco de manhã, naquele tempo o banco tinha as agências rurais que funcionava das sete até as 13 horas. Na parte da tarde, interior tem muita carência de professores. Então já dava aula em dois colégios e era diretor escondido do banco da fábrica de charutos. Porque? Não era bem por causa do dinheiro. Claro que dinheiro é sempre bom.

P2 – Você se tornou diretor da fábrica de charutos?

R – De charutos.

P2 – Escondido do banco?

R – É, porque na verdade não era formal, era informalmente porque ali era o charuto feito à mão. A máquina fazia apenas aquela parte central do charuto, cortava etc. E o charuto era feito de maneira diferente. A mulher faz na perna dela, na coxa. Então tem o fumo Bahia, arapirá (?), que é o fumo de dentro do rolo do fumo em si, do charuto. Então eu fui ____ que dá aquela imagem bonita do fumo. É um fumo nobre, que é produzido em Cruz das Almas e é produzido em Cruz Alta no Rio Grande do Sul. E ali era uma cidade muito pobre, a Cachoeira. Nós tínhamos uma preocupação ali porque nós tínhamos mais de 500 mulheres, só mulher trabalha com isso. A gente tinha a preocupação de aquela gente ia ser desempregada se fechasse a fábrica, estava numa situação difícil. Então nós chegamos na fábrica mais pra aquela gente poder se aposentar, ter dignidade, ter o seu salário. Que nós tínhamos 500 na fábrica e mil que trabalhava em casa. Ela levava aquela cota e recebia o seu rendimento. Conseguimos na época salvar a fábrica, pagar. Tinha muitos débitos, previdência, IPI etc, e a gente conseguiu regularizar e exportar bastante charuto, cigarros. E eu dava aula no colégio. Mas no colégio da Cachoeira nós tínhamos uma grande preocupação porque era uma cidade pequena e pobre, e 80% dos vereadores eram analfabetos. Aquilo era uma coisa que mexia muito com a gente.

P – O senhor poderia registrar só o período?

R – Em 1966, 67, por aí, até 70, alguma coisa assim. Os vereadores eram quase todos analfabetos. Então nós, e aquela cabeça retrógrada. Uma cidade histórica como Cachoeira é uma espécie de Ouro Preto, tanto que hoje é um patrimônio tombado. Então nós começamos com os estudantes: “Vamos fazer uma mudança aqui”, e começamos o trabalho pra criar uma faculdade ali pra dar oportunidades aos jovens. Começamos ali, a terra de Ana Néri, que afinal de contas Ana Néri é uma figura importante na história do Brasil. E queríamos resgatar e criar uma escola de Enfermagem, conseguimos criar e conseguimos tombar. Hoje Cachoeira é patrimônio da humanidade. Foi um trabalho enorme. E criamos o Museu do Fumo junto com um professor da Universidade da Bahia, a UFBA. Porque o fumo no Brasil, quando iniciou na época, diz a história, no Brasil o fumo naquela época tinha a mesma perseguição que tem hoje a maconha, estava começando. Então os padres levavam, quando voltavam pra Portugal, diz a tradição que levava costurado na batina fumo, que era caríssimo na Europa, como a maconha hoje. Então eles eram perseguidos. Então a maneira de vender e levar, porque era um produto de muito rendimento. E ali então nós criamos um museu pra contar essa história que não estava documentada, como surgiu o fumo no Brasil etc. Aí a região ____ importante aquela região ali. Depois, tem uma igreja linda lá em Cachoeira que é a única, ao que se sabe, no Brasil, que os santos, inclusive o Cristo, têm olho rasgado. Eu digo olho rasgado, é olho oriental. E as imagens são de olho oriental, que os olhos são orientais. Diz a tradição que lá nessa igreja, embaixo era onde fazia, tinha muito ouro na região. Eles pegavam aquele ouro, fundia. E lá a 10 quilômetros tinha uma cidadezinha chamada Belém, era um vilarejo que tinha um convento de freiras. Então a tradição diz que eles produziam e tinha um canal, pelo menos o Instituto de Cultura da Bahia disse que tem esse canal embaixo, espécie de um túnel onde eles levavam o ouro e saia lá por essa cidadezinha de Belém. Ia pra Portugal o ouro. Fundia o ouro ali embaixo, na própria igreja, que naturalmente tinha alguns encontros reservados lá, é o que diz a história. Pelo menos eu vi uns documentos lá de fetos (?) dizendo alguma coisa por aí. Então é uma história rica de histórias. A região é uma região muito rica nessa história toda, mas aí, a despeito de tudo isso, muito pobre. Toda a região _____ é pobre, infelizmente. Porque o produto, o cidadão que compra e exporta impõe o preço etc. O Banco do Brasil, nós estamos lá. Nós éramos uma agência pequena, de 30 funcionários. Trabalhava com gente da roça, gente humilde, e nós achamos que aquilo era uma coisa que nós tínhamos que contribuir pra ____. O quê que a gente fez na época? Nós, o Governo estava lançando um projeto chamado, era um projeto de mudança agrícola no Brasil. Eu até imagino que hoje o agronegócio começou nesses pequenos experimentos que foram ocorrendo pelo Brasil afora. E na época o Governo lançou um projeto em que você conseguia emprestar, as pessoas começavam a pagar no sexto ano. Era um projeto lindo para o pequeno produtor. Nós tínhamos até então feito o que? Nós pegávamos aquelas pequenas propriedades, financiava quase que impostamente. Financiava a máquina de costura para a mulher aprender a costurar, melhorar a qualidade de vida e melhorar a renda da família. E financiava a vaca parida. Falava: “Só emprestamos dinheiro pra comprar a vaca parida porque com a vaca parida o seu filho vai ter leite, você vai melhorar a sua renda etc”. Então a gente fazia esse tipo de trabalho de visita. Essa é uma coisa bonita do Banco do Brasil da época. Mas aí esse financiamento do banco. E nós conseguimos pegar aquela gente, começava a pagar 10% no sexto ano, 15% no sétimo, 20% no oitavo, até chegar a 10 anos, 12 anos. Então todo investimento ele tinha 12 anos pra pagar, e aí você começa a melhorar a qualidade de vida. Mas aí na região _____, e os pequenos proprietários produziam o que? Feijão, milho, mandioca e fumo basicamente, que era exportador. Mas aí aquela região, era a sobrevivência difícil daquela gente. Então nós fizemos uma pesquisa, nós éramos assim muito ousados, fizemos uma pesquisa e concluímos que 75% do frango comido na Bahia vinha de São Paulo, e nós achávamos aquilo um absurdo. Como é que a Bahia, um estado tão grande, tem que vir todo o frango de São Paulo? E fizemos uma pesquisa se ali na região não teria um microclima próprio pra criar aves e descobrimos uma cidadezinha chamada Conceição da Feira que o clima era apropriado pra criar aves. Aí fomos lá tentar convencer o cidadão que criar galinha podia ser uma coisa melhor do que plantar fumo. Eles: “É um absurdo, doutor. Imagina, eu sempre plantei fumo, meu avô, meu pai. Não vai dar certo criar galinha”. Então nós não podíamos, nós funcionários, tomar empréstimo do banco. Então, nós fomos com ele. Olha, como é que nós elegemos esse cidadão? Ele tinha 212 afilhados, e todos ali da região. Pra gente mudar a região tinha que contaminar positivamente o líder, olha que maluquice. Então nós tiramos documento em cartório, “se o seu empréstimo (?) não der certo nós pagamos”. Então ele começou com 200 pintinhos. Fomos buscar em São Paulo 200 pintinhos, olha que maluquice. E todos os dias nós íamos olhar se os pintinhos estavam vivos, toda a tecnologia que a gente não dominava. Hoje a cidade tem produtor que sozinho produz mais de 500 mil aves. Então foi um projeto bonito, que depois virou uma cooperativa. Tínhamos que comprar máquina pra fazer, não dá pra pegar linha de faca mais, tinha que ter matador mecânico, depois caminhões pra vender em Salvador etc. E depois começamos a mesma coisa com cítricos. Em Salvador estava surgindo o pólo industrial de Aratu e precisava de sucos de laranja e de frutas, e nós começamos a estimular a produção de laranja e de outras frutas na cidade de Cachoeira. Então é uma vida assim meio, a gente foi agitando a cidade e depois nós queríamos mexer na Câmara de Vereadores que tinha muito analfabeto. Como é que vamos fazer isso? Vou pegar os meninos, melhorar o nível deles e ajudá-los a virar políticos. Então o quê que a gente fazia? O melhor aluno que tiver eu dou emprego lá na fábrica, eu era diretor da fábrica Leite Alves (?), desde que ele tivesse nota boa e desde que ele seja candidato. Então nós fomos conseguindo mudar um pouco a estrutura da cidade, colocar gente nova pra ser vendedores, e a motivação que a gente teve foi criar uma banda. Então não tinha dinheiro e nós, porque em Salvador na época tinha competição das bandas do interior da Bahia. Então nós começamos, a banda começou com dez instrumentos, chegamos a 120 instrumentos, tudo assim comprado na base da promoção, fazendo festa, carregando mesa na cabeça, aquelas coisas de falta de juízo mesmo, né? Nós chegamos até a fazer um Concurso Miss do Vale do Paraguaçu porque na época era moda, _____, aquela ______ baiana. E depois foi aquela, uma gaúcha, depois teve uma outra Bahia. A outra era Marta também na Bahia, Marta Vasconcelos, algo assim. E ela foi lá em Cachoeira. A gente juntou 22 cidades, fizemos um concurso lá de Miss, ela foi coroar. Então tudo isso a gente conseguia dinheiro pra ajudar porque a gente ia, comprava ______ par de sapato, a gente tinha que fazer tudo.

P – Peraí. O senhor já era da Fundação Banco do Brasil com 20 anos de idade.

R – Eu acho que eu estou imaginando aqui _____ sem saber.

P – Era, porque o senhor já passou pelo movimento estudantil em Juiz de Fora. Peraí, muita calma.

R – ________

P – Não, porque a gente tem que... Não, está maravilhoso. Mas assim, primeira coisa. Porque que sua família foi pra Juiz de Fora? Tem alguma motivação?

R – Os meus irmãos estudavam lá.

P – Mas eles foram, escolheram Juiz de Fora? Como foi isso?

R – Eles foram porque Juiz de Fora é uma cidade nova, e Juiz de Fora hoje continua sendo uma cidade muito importante. Juiz de Fora é uma cidade deliciosa pra viver, é uma espécie de uma capital da Zona da Mata de Minas. Porque Minas é muito específico. Tem o Norte de Minas que é muito pobre, o Sul de Minas que é muito rico, a região do Triângulo é o gado, Uberlândia etc, e a Zona da Mata que é Juiz de Fora. Juiz de Fora na época competia com Belo Horizonte, depois é que Belo Horizonte deslanchou. Mas Juiz de Fora era uma cidade que tinha orgulho. Até o pessoal de Belo Horizonte chamava que era os cariocas da roça. As pessoas se consideravam muito mais cariocas do que propriamente mineiras, havia essa disputa.

P – E como é que surge a idéia do senhor fazer o concurso do Banco do Brasil? Porque que o senhor escolheu essa carreira? Como é que foi isso?

R – Eu morava em Juiz de Fora e Juiz de Fora era uma cidade que tinha uma Universidade excelente, sempre teve. Juiz de Fora tem um nível cultural muito bom. E quando o Brasil estava nascendo na área de laticínios lá tinha uma faculdade chamada Laticínio Cândido Tostes que era o melhor queijo do Brasil, lingüiça. Formava técnicos em veterinária, agronomia etc, escola de Engenharia muito boa. E eu cheguei em Juiz de Fora, a minha origem é de família humilde, pequenos comerciantes. E em Juiz de Fora eu trabalhei nessa empresa, mas aquele salário modesto, que não dava futuro. E o Banco do Brasil na época era o grande emprego do Brasil. Então eu fiz o concurso pra, naquele tempo chamava Fiscal do Imposto de Renda que era o melhor salário do Brasil. Passei, incrível né? Nunca entrei, porque naquele tempo você tem que fazer o concurso ter padrinho. Eu não tinha padrinho. Então eu fiz o concurso pra Coletor Federal, que era um cargo que acho que acabou. Era uma espécie de coletoria que arrecadava o dinheiro do governo. Passei e também não consegui entrar. E em Belo Horizonte estava surgindo empresas de águas, tipo Caesb aqui em Brasília. Eu fiz o concurso, passei também. Todo concurso eu fazia que eu queria ter alguma coisa que me desse o mínimo de segurança pro futuro. E o Banco do Brasil era essa certeza, a seriedade do banco, o banco tinha uma tradição, era um bom salário na época. E nós fizemos o concurso em Juiz de Fora e o banco, por razões que eu não entendi, mandou pra Bahia de volta. Então eu voltei pra Bahia, São Félix, que fica a 100 quilômetros de Salvador, e comecei a minha vida bancária lá.

P2 – Bancária e muito movimentada.

R – É claro que não fui eu só, era um grupo.

P – Como era a sua relação com os amigos da agência?

R – Nós éramos 36 e em seis meses chegamos a 19 funcionários novos, em seis meses, do Rio de Janeiro, de São Paulo, de Belo Horizonte, do Rio Grande do Sul, do Espírito Santo, todo mundo com curso superior, cabeça cheia de idéias, idealismo no Brasil. Foi quando estourou a revolução. Eu morava em Juiz de Fora quando houve a Revolução de 64, e a revolução é um negócio complicado porque estudante era perseguido, aquela coisa. E como eu era líder estudantil, na Rua Halfeld, não sei se você conhece Juiz de Fora. Na Rua Halfeld em Juiz de Fora era onde o pessoal tomava cafezinho, os políticos passam por ali. E era muito frio na época. Então ali as organizações de estudantes das universidades ficavam em Juiz de Fora, tinha umas galerias que ligam as ruas. Eram todos ali, os diretórios. E a Polícia do Exército na época prendeu todo mundo ali dessa maneira, foi uma coisa bárbara. E ali em Juiz de Fora nasceu o dedo duro _____ por ali, eu saía. Bastava indicar que podia ser corrupto que a pessoa... Corrupto não, na época era comunista. Nessa época, comunista prendia, um não gostava do outro. Então o Quartel General do Exército em Juiz de Fora foi uma coisa bárbara, prendeu muita gente. E os estudantes ficaram todos muito sobressaltados. Eu próprio fiquei uns 30 dias fora, com medo, imagina, com medo de ser preso porque todo mundo pra ser preso bastava que alguém dissesse. Então muitos colegas, eu era secundarista na época, mas muitos colegas secundaristas, especialmente universitários, muitos foram presos na revolução. Ninguém sabe exatamente o que aconteceu, mas muitos foram presos, alguns torturados. E lá eu fiz o concurso do banco. Eu concluí que eu não tinha vocação pra política, nunca quis ser político. Fiz o concurso do banco e fui pra Bahia fazer essas coisas que nós acabamos de falar.

P2 – Muito interessante.

P – Pra quem não tinha vocação até que __________

P2 – Sim, exatamente. Então o senhor fica em São Félix até 72, quando vai pro Rio de Janeiro?

R – Pro Rio de Janeiro, exatamente.

P2 – Como é que é voltar, ir morar num lugar grande, finalmente, uma capital?

R – Foi uma experiência muito, eu fiquei no Rio pouco tempo, que a direção do banco estava no Rio e na época o Governo estava estimulando que os órgãos do Governo viessem todos pra Brasília. Era uma maneira de garantir Brasília porque havia muita gente dizendo que Brasília não daria certo. Os parlamentares, a maioria não queria ir pra Brasília, achava que era um sonho do Juscelino meio fora da realidade. Então houve muitos esforços de fazer a capital voltar pro Rio. Então no Rio de Janeiro eu estava lá em 64, 1968, foi aquele período do AI-5, os estudantes na Rio Branco jogavam bola de gude, os cavalos da polícia ficavam patinando lá e caía, foi um período agitado. Mas eu não entrei nisso não, eu já estava no banco, precisava manter o emprego, então não entrei nessas coisas. Até porque foi um período muito curto que eu fiquei no Rio de Janeiro.

P – Porque o senhor saiu de São Félix? Foi requisição, foi...

R – É, primeiro porque São Félix era uma província pequena. Eu concluí que se eu ficasse em São Félix eu ia ser gerente do banco algum dia, numa agência pequena daquela ali. Eu tinha aspirações outras, então eu ia ser gerente como a maioria dos colegas que conseguem chegar a gerente, que é o pico da carreira no ponto de vista da agência. Mas eu tinha aspirações de alguma coisa a mais, queria continuar estudando. Eu tive que fazer um curso, Salvador fica a 120 quilômetros. Então quando eu fiz Administração eu ia a Salvador todos os dias e voltava. Era 120 quilômetros, mais 120 quilômetros pra voltar.

P – O senhor fez o curso então quando estava em São Félix?

R – É, o primeiro curso que eu fiz foi lá. Então era um esforço muito grande, 240 quilômetros todo dia pra ir e voltar, dormia muito pouco, trabalhava na fábrica, dava aula, era uma vida assim muito agitada. E a gente fazia campanha pra banda, fazia festa pra conseguir dinheiro pros meninos pobres e fazia todo esse trabalho de motivação política. Dava cursinho pra estimular gente pobre a fazer concurso, que eles não podiam. E havia em Cachoeira uma coisa assim muito chocante, o índice de tuberculose era altíssimo. Toda região fomagera (?) o nível de tuberculose é muito alto porque as pessoas não se alimentam direito e elas terminam mascando fumo. Não sei se vocês conhecem fumo de rolo. Fumo de rolo é o que faz, a pessoa corta e faz aquele cigarrinho. Então é uma maneira de ele manter o estômago ocupado, ele tem a sensação de plenitude, sensação que o estômago está cheio. Porque? Aquilo provoca salivação e ele não sente a fome. Ele não podia comer, não tinha dinheiro. Então aí termina, como ele não alimenta bem, ele termina tendo alto índice de tuberculose. Toda região fomagera é assim. Então na época lá a gente começou a tentar ajudar essa gente, e na cidade os hospitais tem que ter alguém que entenda de como tratar a tuberculose. Aí nós conseguimos fazer, junto lá com os médicos amigos nossos: “Vamos fazer um trabalho, ver se consegue ajudar essa gente”. Aí precisava conseguir auxílio em Salvador. A ONU tinha um programa de saúde, alguma coisa assim, através do IMS (?), e ela se propôs a treinar alguém que tivesse curso superior de Enfermagem e que pudesse ______ o médico. Minha mulher era a única enfermeira na região inteira. Então ela foi pro Rio, fez um curso, especializou em tuberculose e nós criamos um ambulatório lá em Cachoeira. Só que as pessoas não ficavam boas, tomava remédio não ficava boa. Porque? Porque não alimentava, então o remédio não dava resultado. Aí nós tivemos que fazer campanha pra dar cesta básica. Naquele tempo não era cesta básica, era feira. Então fazia feira, alimento pra aquela gente. Então a gente ganhava muito dinheiro pra época porque a gente tinha emprego no banco, tinha emprego de duas escolas que eu dava aula e ainda tinha o emprego da fábrica de cigarrilhas, de charutos. Então o dinheiro da gente era praticamente pra ajudar essa gente. E foi um trabalho gratificante, eu não tenho nenhum arrependimento. Foi bom, pra mim pessoalmente foi bom. Mas eu queria, tinha aspiração de melhorar na vida, na vida pessoal, e fui pro Rio. Que a direção do banco, claro, era a matriz do Banco do Brasil que estava migrando pra Brasília. Naquela época quem vinha pra Brasília tinha direito de um imóvel pelo preço de custo. Então se você, além de você comprar um imóvel pelo preço de custo ainda tinha quatro ou cinco salários, algumas coisas assim pra ajudar. E eu fui morar inicialmente na Asa Norte. O banco tinha construído ali umas casas, eu morei ali uma temporada. Depois eu construí uma casa no Lago, eu sou meio cigano, né, uma casa no Lago Norte. Morei lá um período, depois vendi que eu ia pro exterior, comprei na 303, fui pra Porto, Portugal, Assunção, voltei...

P2 – Calma, calma, volta. Pausa, vamos chegar em Brasília primeiro. Chegando em Brasília...

P – O senhor chegou ao Rio de Janeiro e foi cumprir que funções lá?

R – Fui trabalhar de Recursos Humanos no banco.

P – Na área de RH. O senhor ficou muito pouco?

R – É, no Rio ficamos um ano mais ou menos, porque eu vim pra Brasília.

P – Aí o senhor, havendo oportunidade, o senhor solicitou transferência pra Brasília?

R – É porque havia vantagens, até porque a direção do banco toda viria pra Brasília, e a gente sabia que o Governo, mais cedo ou mais tarde essas vantagens iriam acabar. Porque antes de mim, quem chegou antes tinha a famosa dobradinha, o pessoal ganhava dois salários, quem veio uns anos antes, que motivou o pessoal a vir aqui. Brasília era toda vazia. Então quando a minha vez já não tinha essas vantagens. Tinha a vantagem de comprar o imóvel a preço de custo e tinha a vantagem de ganhar quatro ou cinco salários pra mudança, que sobrava alguma coisa sempre. Aí eu trabalhei na área de Recursos Humanos uma temporada, depois fui trabalhar na Administração do banco. O banco na época estava promovendo algumas mudanças importantes, porque o Banco do Brasil era muito pesadão, era aquele banco meio vencido do ponto de vista da imagem do banco. E o departamento chamado Depae (?) promoveu uma mudança drástica no banco. Por exemplo, caixa executivo é uma criação do Banco do Brasil. Antigamente, pra você ir no banco pedir um extrato tinha que encher um papelzinho, ia no caixa, o caixa ia na listagem lá. Se o computador desse problema não saia. Então era feito naquelas máquinas enormes, vencidas. E aí você ia pedir um extrato, ia lá, o cara anotava ali, o caixa ia anotando o número do cheque, os depósitos que você fazia. Era uma coisa muito desatualizada. Aí foi quando surgiu o Centro de Processamento de Dados do banco, que era nesse departamento que nós trabalhávamos. E começamos um trabalho de implementar no banco essas mudanças tecnológicas, que o banco criava, formava técnicos que nós chamávamos implantadores. Implantadores, implantar essas modernidades em todo o Banco do Brasil. E foi quando começaram as primeiras máquinas eletrônicas no banco, e o sistema de caixa, capacitação do pessoal do banco etc.

P – Nessa área o senhor veio trabalhar aqui em Brasília?

R – Em Brasília.

P – Como é que foi chegar em Brasília? Qual o impacto que o senhor teve com a cidade? Brasília é uma cidade diferente. O senhor viveu uns anos no interior da Bahia, Juiz de Fora, mas Brasília é diferente de tudo.

R – Eu tinha vindo conhecer Brasília um ano antes, de férias, e por incrível que pareça eu me empolguei com Brasília na época. É aquele negócio, aqui é o meu chão. Fui pra Brasília e achei que era boa em termos de futuro, e a minha mulher gostou demais. Tinha dois filhos pequenos, e eu achei que era bom pros filhos, pro futuro deles. E vim, foi uma experiência muito boa, gosto de Brasília, é a minha segunda terra, não me imagino fora daqui. Pode até sair, nunca se sabe, mas eu criei raízes em Brasília, os filhos foram crescendo. Eu fiz outro curso na UDF (?), depois fui fazendo outros cursos e fui crescendo no banco. Trabalhei, depois eu fui pro gabinete do presidente.

P – Como é que foi o convite pra ir pro gabinete do presidente?

R – Nesse período esse departamento que eu estou falando que é inovador, o chefe desse departamento, chamava chefe na época, ele era um homem, Rogério Soares Teixeira, era um homem de uma visão macro. E ele tinha uma equipe muito boa. Assumiu a presidência do banco o Dr. Carlos Figueira (?) que depois virou Ministro da Fazenda, e ele convidou pra chefe de gabinete dele, o presidente, o chefe do meu departamento, que disse que iria desde que na consultoria técnica da presidência viesse __________ dele, chamava Assis Agostinho Calieri (?). Alguém deve ter falado o sobrenome dele por aí. Então ele veio como Consultor Técnico. E aí todos os dois trouxeram equipes. Nessa equipe eu fui convidado pra vir pra presidência. Porque? Porque eu trabalhava, nessa época nós estávamos muito interessados em fazer o banco crescer. E eu que viajava pelo Brasil inteiro negociando com Petrobrás, estava saindo a Nucleobrás, Eletrobrás, esses “brás” aí pelo Brasil. E a gente queria que o Banco do Brasil assumisse esses recursos dessas grandes empresas. Então hoje nós temos postos em todas as refinarias, terminais marítimos, as empresas da Petrobrás, transporte. E eu conhecia bem a Petrobrás por dentro, a estrutura dela. E fomos negociando instalar agências do banco, postos, nesses locais onde os caminhões iam buscar combustível, nas refinarias. Eu conheci todas as refinarias na época. E montamos uma empresa, uma agência de câmbio no edifício sede da Petrobrás no Rio, ali perto da Catedral do Rio, ali naquela parte, BNDS, Petrobrás. Ali nós tínhamos um posto que na época o maior movimento de câmbio no Brasil era ali naquela agência, porque o Brasil importava muito petróleo, na época parece que importava mais de 50%. Era um volume altíssimo, eu não me recordo. E nós montamos aquilo ali. Tinha essa relação muito estreita com a Petrobrás. E foi quando nós começamos a fazer, que a Petrobrás tinha um trabalho social bonito na época e nós achamos que podia, quem sabe, evoluir pra alguma coisa assim. Aquela idéia também de nacionalidade. A Petrobrás é um símbolo muito importante daquele Brasil que precisava se emancipar etc. Mas cheguei a Brasília e me dei bem em Brasília, na presidência, na época era uma coisa profundamente importante na minha carreira.

P2 – É, Sr. João, o senhor tem uma carreira de ascensão dentro do Banco do Brasil muito rápida.

R – Relativamente sim.

P – Relativamente sim. A que o senhor atribui esse sucesso?

R – Eu tive um pouco de sorte e também dedicação. É claro que pra tudo você tem que ter um pouco de sorte, a oportunidade. Nesse momento em que o Rogério, que foi Chefe de Gabinete do Presidente Chibite (?), o Calhara (?) que era Consultor Técnico, ele era o meu chefe e me convidou pra ir. Então foi a oportunidade pra subir. Então aí a presidência foi, o Rischbieter

tem uma visão muito de largueza, de crescimento, e começou a abrir muita agência do banco no exterior. Então ele começou a abrir, porque o Brasil precisava exportar, criar mercado. E aí ele foi abrindo agência pra tudo que é lado, e o banco começou a expandir no exterior. E nossa área ajudava na agenda (?) do presidente, fazer os estudos, preparar esses negócios todos, programar a viagem do presidente. E o presidente era um homem de cabeça muito aberta. Então nós chegamos ______

P2 – Nessa época já era o Camilo Calazans ou não?

R – Ainda era o Rischbieter . Depois veio o Colin, depois veio o Cariara (?) e depois veio o Camilo Calazans. O Camilo Calazans foi o último presidente que eu trabalhei, e depois dele já veio o Berard que era outro que ficou, eu fiquei semanas com ele. Aí eu já estava nomeado para Lisboa. Porque o Camilo, posso abrir um parêntese, né?

P2 – Claro.

R – O Camilo foi diretor do banco, naquele tempo tinha diretores regionais, e ele se encantou com um cidadão chamado, que foi Ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega. E trouxe o Maílson pra Brasília, o Maílson é um homem inteligente, preparado, cresceu no banco. E depois o Maílson tinha idéias muito próprias em relação à economia do país. Foi Ministro da Fazenda na _____ porque o Delfim Neto quando virou Ministro, o Ministério... Naquele tempo o Governo estava muito desestruturado e ele fez um gabinete enorme com gente do Banco do Brasil basicamente. Porque o próprio Banco Central nasceu dentro do Banco do Brasil, o primeiro quadro era todo do Banco do Brasil, que era a Sumoc (?) antiga. Então toda gente, quem montou aquilo foi só o Banco do Brasil. E Delfim levou muita gente do Banco do Brasil e do Banco Central, pro gabinete dele, e o Maílson é um deles, que era um rapaz inteligente. Mas aí o Maílson tinha idéias próprias sobre a economia do país etc, e começou a entrar em choque com o pessoal do banco. E o Camilo, que já era diretor, alguma coisa, ele conseguiu levar o Camilo pro exterior. O banco tinha criado um banco chamado Eurobrás, que era o banco brasileiro com alguns países ou outros, inclusive os europeus, pra conseguir fundos pra ajudar o Brasil a desenvolver. E ele foi pra, ficou lá em Londres como diretor da Eurobrás e absorveu aquela experiência da Tatcher, estado mínimo, a economia, privatizar tudo.

P – ________

R – Exatamente. Então ele veio com essas idéias de lá, que o Brasil tinha. E um problema que tinha, que ele sempre combateu, era a famosa conta-movimento. Ele até editou um livro agora chamado ‘O futuro chegou’, muito interessante. O Maílson é muito bom, vale a pena ler o livro. E o Maílson veio com essas idéias que primeiro pra arrumar a economia do Brasil, as finanças, política fiscal, política monetária, tinha que começar a reestruturar como a economia do país deveria acontecer. E ele batalhou muito para criar, encerrar a conta-movimento. A conta-movimento era um cheque aberto que o Banco do Brasil sacava o quanto quisesse do tesouro. O Governo queria ajudar o usineiro, o Banco do Brasil é que tinha a autorização de sacar. O Governo queria não sei o que, o Banco do Brasil tinha autoridade porque ele era também autoridade monetária. Inicialmente ele tinha sido emissor, ele emitia, depois perdeu isso aí. Mas ele, de qualquer maneira, de certo modo ele é emissor porque podia sacar o que quisesse do tesouro. Então o Brasil jamais poderia, eu acho que o Maílson estava absolutamente correto, mas _____ do banco certa dificuldade. O banco perdeu muito a sua rentabilidade. Havia um temor que o banco pudesse até ter risco de fechar, de privatizar etc. Então o Camilo foi convidado pelo Funaro no Governo Sarney, e foi o Plano Cruzado que deu aqueles problemas. Depois veio o Bresser Pereira que foi Ministro também da Fazenda. João e Maria, feijão com arroz, aquelas coisas não deram certo. Depois veio o Maílson. O Maílson era secretário executivo do Ministério. E era eu que secretariava as reuniões da diretoria do banco. Eu estava no Rio de Janeiro na reunião de diretoria de manhã e à tarde a reunião do Conselho de Administração do Banco, que na época eram ex-presidentes, e o Camilo era o presidente já. E isso o telefone tocou, eu fui atender, era o Maílson, pra falar com o Maílson, com o Camilo, e o Camilo foi demitido naquele dia ali no telefone. É um negócio assim, uma experiência que eu tive irônica. O Camilo foi demitido por telefone.

P – O senhor conheceu o Camilo Calazans?

R – Eu era sub-chefe do gabinete dele.

P – Ele é uma figura que é muito marcante. Os entrevistados aqui colocam, às vezes uns encaram de uma maneira, outros de outra, mas todos de uma maneira geral colocam a figura do Camilo como fundamental na mudança de rumo que o banco vai ter, quer dizer, ele vai inclusive pensar na criação da Fundação Banco do Brasil, do Centro Cultural Banco do Brasil, a perda da conta-movimento, a reestruturação do banco. Ele vai fazer uma série de coisas. Como é que o senhor vivenciou esse momento?

R – Olha, o Camilo é um homem profundamente simples. Ele na verdade tinha sido convidado pelo Tancredo pra ser o presidente do banco. Ele tinha, _____ guarda ainda isso hoje, tinha o ____ do Tancredo nomeando ele presidente do banco com data de primeiro, que o Tancredo assinou tudo isso antes, claro. É sempre assim que acontece. Só que o Tancredo teve aquele problema, aquele episódio que ele terminou morrendo. Assumiu o Sarney, mas manteve o Camilo. E o Camilo tinha base política importante. Ele era um homem que transitava muito bem no meio político, e ele entendia que, ele sabia que o banco teve uns riscos. Havia um esforço em privatizar o Banco do Brasil, havia realmente um trabalho dos grandes bancos. E o Camilo entendeu que ele precisava preservar isso. Houve até um esforço na época de achatar salário do banco. Fica uma coisa escandalosa em relação ao Banco Central, que foi uma coisa muito complicada. E nesse período nós estavamos lá no gabinete do Camilo e ele fazia muita articulação pra tentar reverter, foi quando surgiu a chamada Caderneta Verde, que era a poupança rural, mudou depois, tinha só a Caixa que é poupança normal. Porque nós tínhamos que ter fundo. Como é que o banco vai viver se o banco não tem dinheiro? Era a conta-movimento que fechou, tirou do Banco do Brasil o Maílson, e o Maílson tinha choque com o Camilo, tinha muita briga os dois. E nesse período, quando o Camilo caiu, enquanto ele estava no governo ele falou: “Eu tenho que criar alternativas”. Foi aí que estava surgindo no Brasil os famosos bancos múltiplos, caderneta de poupança, depois a financeira, depois a corretagem. Foi aí que o banco começou a virar um conglomerado. E o banco teve problemas, que o banco tinha que viver do seu próprio esforço, não podia sacar do tesouro. Mas o Camilo fez um trabalho a meu ver gigantesco de valorização do banco. O salário, os funcionários estavam muito desmotivados porque houve um achatamento violento no salário do pessoal. Eu me recordo que nós tínhamos combinado com o Camilo, como eu que cuidava disso no banco, como é que nós vamos fazer pra reverter isso. Então na estratégia que nós montamos, nós não vamos fazer nada de grande se a gente não melhorar o padrão de salário do pessoal do banco. Todo mundo estava muito desmotivado, salário muito baixo, o pessoal vendendo coisas pra melhorar o salário. Foi um período muito difícil. Então nós tivemos a idéia, na época o banco tinha 66 deputados funcionários do banco. Tinha um governador que era o Cafeteiro que na época era amigo, era ligado ao Sarney os dois. O Sarney era presidente da República e o Cafeteiro era governador. Tinha mais dois ou três senadores que eu não me recordo e nós convidamos todos os políticos. Como o Camilo transitava muito bem, nós programamos: “Vamos fazer um encontro pra conscientizar esses parlamentares que o banco corria risco e o país perderia muito porque os bancos privados não têm interesse em apoiar o produtor, a exportação, coisas dessa natureza”. Na época não tinha, e ainda hoje os bancos privados não estão interessados em agricultura. Agora sim tem o agronegócio, mas antes era cultura de risco realmente, porque o Brasil não tinha irrigação, não tinha tecnologia. Era São Pedro, São Pedro era quem definia o resultado da produção. Se ele abrisse a torneira bem, senão a coisa complicava. Então o Camilo, nós reunimos nesse dia e fizemos um dossiê enorme, pegamos, que tinha leis que o Banco Central, eu não me recordo o nome do cidadão que era o presidente do Banco Central, e ele era do Bradesco, era vice-presidente do Bradesco, e ele começou a trabalhar duramente contra o Banco do Brasil. Havia um projeto de esvaziamento do banco. Então o Camilo, nós reunimos esses parlamentares. Tínhamos programado tudo e o Camilo, me recordo que eu estava no banco e o Camilo estava em Curitiba. Na véspera ele me ligou: “Olha Rabelo, vazou”. Não sei como o jornal lá de Curitiba descobriu, era uma coisa super reservada. E nós conseguimos fazer essa reunião com os parlamentares, e na hora que eles foram chegando nós recebemos todos eles, pegamos as meninas e mandamos todas pro salão. Não querem mulher feia de jeito nenhum. Todas muito bem vestidas, recebia lá, levava no gabinete do presidente, o melhor drink (?) que o banco tinha. Aí nós _____ a lei diz isso. O Banco Central mudou, e houve casos dessa natureza. O Banco Central mudava a norma prejudicando o banco. Quando terminou aquilo ali todo mundo estava consciente que havia todo um programa de prejudicar o banco. Teve um almoço e na época, no momento eu me lembro que o Cafeteiro ali chegou na hora pra, que era governador do Maranhão, ligou pro Sarney, e o Sarney diz: “Olha, venha encontrar comigo hoje e traga o Camilo”. Nós já estávamos com o decreto pronto equiparando o funcionário do Banco do Brasil ao Banco Central. Naquela noite o Sarney assinou. Aí o pessoal, moral lá em cima, diz: “Agora vamos que vamos, vamos levantar esse banco”. E tínhamos uma coisa curiosa porque os militares tinham muito poder na época. Ainda no governo Sarney, tem muito poder ainda os militares. Então nós precisamos conquistar os militares pra poder, a idéia do idealismo, os militares tinham sempre idéia de pátria, né? Aí nós começamos a convidar os ministros militar pra almoçar no banco. O ministro me parece que era o Leônidas, se não me engano, do Exército.

P – General Leônidas.

R – Leônidas, isso. Aí pegamos ________ cintura de verde que foi lá. Que coisa maluca, né? Depois disso foi da Marinha, as meninas todas de branco, e foram...

P2 – Era só as mulheres, né, que vocês faziam esses...

R – Era pra ajudar na recepção, receber. A figura feminina é sempre muito mais simpática, né? Eu me lembro que o chefe do SNI era o General... O SNI tinha uma força incrível, né? O chefe do SNI era o General Mamede, e nós tínhamos um colega lá que era genro dele. Aí convidamos o General Mamede pra ir lá no banco pra almoçar com o presidente. Fizemos um almoço assim top de linha. Digo: “descubram o quê que esse cara gosta de comer”. Nós descobrimos isso tudo. A gente ganhava o cidadão pelo estômago também, né? Pra ajudar o banco, que o banco _________ riscos. E aí descobrimos que ele era da Paraíba, gostava de comer pitu, pitu é um camarão grande, carne de sol, arroz doce. Nós tínhamos uma cozinheira no banco espetacular. Então era almoço, aquela coisa tudo formal. As coisas dos militares eram muito formais. E recebeu muito bem o presidente, os diretores almoçamos lá. E carne de sol, mandou buscar manteiga de ____, naquela época Brasília não tinha. Mandou buscar pitu em Pernambuco. “Olha, você me da um jeito de mandar esses pitus pra Brasília não sei como”. E se viu que lá ele lembrou da mandioca, aquelas coisas do Nordeste do Brasil. Ele era nordestino. Ele ficou sensibilizado, disse: “Pô, se eu soubesse tinha trazido a minha mulher”. Nós serviu arroz doce. Arroz doce era, no banco fazia um arroz doce, e ele disse: “A minha avó fazia isso, eu me lembrava, mas nunca mais tinha comido”. Então nós servimos arroz doce, aquela coisa do Nordeste. Aí o Camilo olhou pra mim, eu digo: “Camilo, avisa a ele que eu vou manda pra casa dele”. Quando ele chegou em casa já tinha carne de sol, tinha coisa, tinha o arroz doce. Então a gente ganhava as pessoas pela simpatia mesmo. E aí nós fomos criando um clima de simpatia no banco pra despertar que o banco era importante pro país. Não era só o privilégio do nosso salário, era uma instituição importante dentro do país.

P – O Siqueira comentou que nesse período ele foi encaminhado pra COPEX (?).

R – Ele era diretor do banco, o Siqueira.

P – Exatamente. Essa criação daquele fundo pra construção de casas do Exército foi também fruto desse...

R – Foi fruto porque na verdade os militares precisavam criar uma estrutura, porque eles não têm casa de modo geral porque, como militar viaja muito, nem todos têm a prudência de fazer uma poupança pra comprar imóvel. Alguns não tinham, pelo menos. Então eles queriam ter um fundo, alguma coisa que ajudasse eles a poupar o recurso, e o banco tinha a experiência financeira que eles não tinham. Então o banco deu funcionário, deu a tecnologia, deu a experiência e deu a sua estrutura. Estava dentro desse contexto de mostrar pra eles que tinham o poder que precisava preservar o banco, um instrumento necessário pra vida nacional. O Brasil estava com uma agricultura rudimentar, muito modestas, e quem investiu na agricultura foi o Banco do Brasil até hoje senão... O agronegócio hoje nasceu daquele esforço.



P2 – É nesse contexto também que surge o Fundec, né?

R – O Fundec surgiu desse período, o Fundec e o Fipec. O Fundec era pra essas pequenas, é um projeto lindo de comunidades rurais etc. É um fundo enorme. E o Fipec era para pesquisas científicas e tecnológicas.

P2 – O senhor sabe como foi o insight pra surgir esse, pra criar esse Fipec primeiro?

R – Foi no tempo do Camilo. O Camilo tinha idéia de, ele era um homem que tinha idéias muito sociais. Então ele começou o que? Vamos estimular jovens estudantes a pesquisar. E teve uma experiência importante aqui em São Paulo, eu esqueci o nome da cidade em São Paulo, stevia. Hoje stevia é gostosa, mas na época era um gosto ruim. E a stevia é, se eu não estou equivocado, 200 vezes mais doce do que o açúcar de cana, com a vantagem de não ter problema pra saúde. Só que o Brasil, o Brasil é uma coisa curiosa. Nós não registramos isso na patente, e depois o Paraguai e outros países começaram a mandar pra Suíça, pra Alemanha, pro Japão. Mas aí o banco financiava a planta, estimulava a pesquisa e depois financiava a preço barato a planta lá pra pequena indústria, foi quando começou a surgir no Brasil a stevia. É um exemplo apenas, a gente tem muitos outros. E nesse meio tempo surgiu a idéia da Fundec que era ajudar a comunidade do interior do Brasil a se estruturar. Hoje existe no Brasil, eu não sei o número, na fundação certamente tem esses números, algumas dezenas ou centenas de municípios que nasceram assim, do trabalho do Fundec, foi organizando a comunidade, foi organizando. Eu me lembro, por exemplo, que eu fui inaugurar uma parte do Fundec em Rio Grande do Sul, eu não me recordo mais a cidade, que o Brasil na época toda a maçã praticamente era argentina ou chilena . Eu me lembro, não sei se vocês se lembram do período. Porque o Brasil não tinha tecnologia. Nós tínhamos maçã na época da safra, depois, ela tem uma vida muito curta, acabava. E no Rio Grande do Sul, com o apoio do Fipec nós fizemos uma pesquisa e concluímos que era possível criar no Brasil o sistema que a Argentina já tinha, a Europa tem, como preservar a fruta. E aí, pelo Fundec, eu esqueci o nome da cidade, fica ali na Serra Gaúcha. E é um sistema que você colhe a uva, a pêra, a maçã, é uma região de frutas nobres, que todas elas têm uma vida muito curta. Então você colhe a planta e ela fica numa temperatura tal que ela fica seis meses sem estragar, uma temperatura ideal. Então nós financiamos pelo Fundec, treinamos o pessoal e colocamos lá dentro. O cara vinha com seu caminhão e colocava lá, depositava lá. Quando o mercado melhorava ele vinha, tirava, ela estava pronta pro mercado. Então esse é um dos exemplos muitíssimos que a Fundação Banco do Brasil fez, o Fundec melhor dizendo. Do Fundec nasce a idéia da fundação. O Camilo achou que estava na hora de juntar isso tudo, os dois, e criar a fundação, que na verdade foi o Fundec primeiro que virou fundação, depois é que o Fipec mais tarde veio. Ele ficou um período independente.

P2 – Mas, Sr. Rabelo, o senhor não tem lembrança de qual foi o motivador pra criação do Fipec, que é em 79?

R – A motivação básica eu não sei, eu sei que o banco tinha a preocupação, eu era ainda funcionário que não participava da intimidade dessas decisões, era estimular o jovem, o jovem estudante brasileiro. Como hoje por exemplo, você vai na Grande São Paulo, na área de tecnologia tem inúmeras empresazinhas que nasceram assim, porque a gente tinha o incentivo e ele termina criando coisas. Hoje de tecnologia avançada tem muita empresa que nasceu assim de estudante. A idéia era essa, era estimular a inteligência nacional ou formar a inteligência nacional pra fazer a Universidade voltar pro mercado, não ser só a Universidade do estudo livresco, mas fazer pra coisas reais em benefício da sociedade. E a fundação ajudou. E a Embrapa, ninguém pode negar que a Embrapa deu contribuições e das gigantes pro Brasil. Muitíssimos projetos da Embrapa foram financiados pela Fundação Banco do Brasil, inicialmente pela Fundec e Fipec e depois pela Fundação Banco do Brasil, porque o banco era muito lucrativo. Ele tirava 2%, me parece que era 2 pro Fipec, 2 ou 3 pro Fundec, e financiava esse projeto de Embrapa e outros órgãos de pesquisa nacional. Então a Embrapa se beneficiou muitíssimo de pesquisas do banco. De certo modo eu interrompi um pouco isso quando eu estava na Fundação Banco do Brasil.

P2 – Mas antes, quando o senhor estava ainda no banco, assim, como assessor do gabinete do presidente, tem algum projeto que o senhor tenha uma lembrança maior, que o senhor tenha um orgulho ou alguma coisa do tipo assim?

R – Olha, na época do banco eu estava tão envolvido em salvar o banco, essa era a preocupação nossa, que a gente estava vendo o banco desmilinguir, a gente via que o banco estava correndo risco. E nós tínhamos umas reuniões envolvendo muita articulação política. Nós tínhamos uma casa do banco aqui no Lago Norte, ____ cinco, chamava casa cinco. É onde tinha esses encontros reservadíssimos do banco pra negociar coisas. Porque o Camilo estava consciente que seria o ministro da Fazenda. É até um pouco da história do Brasil. Nessa época nós convidamos o Delfim Neto, o Simonsen. Teve uma mulher aí famosa que virou ministra, era a...

P – Zélia Cardoso de Melo.

R – Zélia. Antes da Zélia teve uma outra. Vou tentar lembrar o nome dela, é uma mulher brilhante. E cada mês nós tínhamos um figurão desse dando bola pro nosso executivo. O executivo fazia a nova cabeça do banco, e todo mês. E a gente, todos os cenários indicavam que o Sarney não conseguiria ampliar o mandato dele, porque ele ampliou o mandato, né? Todo cenário indicava que ele não conseguiria. Então o Camilo é que foi convidado pra ser ministro no lugar do Maílson e não aceitou. Porque? Porque o Sarney estava naquela fase da inflação de 50, 60, chegou até a 80%. O Camilo não interessa em ser ministro agora porque o Sarney não vai chegar aos seis anos e você vai pegar o país numa situação, você vai se queimar. E o banco estava tão bem, tinha feito um trabalho de tal ordem, nós chegamos a ter 32% do mercado bancário, a ponto do governo mandar parar. “Para, senão quebra o sistema”. Que o banco chegou num ponto de satisfação, de motivação, que a gente viajava pelo Brasil inteiro, aquele negócio de vamos que vamos. Havia um, e o Camilo foi esse ponto de agregação.

P – Como é que nesse momento, não sei se o senhor já parou pra fazer isso em algum momento, às vezes tem uma pergunta diferente. Aquele menino que sai da Bahia, Juiz de Fora, aí vai trabalhar na Bahia e começa ____, de repente está trabalhando ao lado do presidente do Banco do Brasil articulando, quer dizer, uma revitalização do banco. Como é que você se sentiu naquele momento?

R – Eu me senti uma peça da engrenagem, porque não era eu apenas, era um grupo que tinha a motivação de ajudar o banco, e o presidente era o grande motivador.

P – Te dava uma satisfação pessoal?

R – Tinha a satisfação pessoal porque o banco, hoje o banco é um banco grande, mas o Banco do Brasil na época tinha muito mais presença na vida nacional. Porque? Porque o Brasil era um Brasil pequeno economicamente. Os empregos bons eram muito poucos. Hoje não, você tem inúmeras empresas enormes, brasileiras e estrangeiras, e o mercado se alargou, o que é bom para o país. Mas o banco era um dos empregos top do país na época, e se você ajudando um banco desse. E a gente tinha a visão que o Banco do Brasil era um dos grandes símbolos do país, e o Brasil precisava do banco, a nossa visão era essa, sobretudo porque o Homem do Campo, e o Fundec trabalhava exatamente com o Homem do Campo. O campo é que ia ser a redenção do Brasil porque havia uma idéia equivocada que tem que industrializar, a roça é coisa do passado, coisas dessa natureza, casa velha tem que derrubar. E o Camilo teve a ousadia, na época o Rio de Janeiro, aquele miolo do Rio estava podre de corrupção, de violência, de coisas dessa natureza. E corrupção moral, prostituição etc. E ali o Camilo colocou o Centro Cultural exatamente naquele ambiente mais promíscuo do Rio de Janeiro, que ali, aquelas ruelas ali de prostituição do mais baixo nível, de cachaça, botequim. E o Centro Cultural veio num momento de altíssimo nível. Eu não sei exatamente como é hoje, mas no meu tempo que eu era Conselheiro lá nós recebíamos 180 mil pessoas/mês visitando o Centro Cultural Banco do Brasil. Foi uma referência. O banco tem, a maior biblioteca econômica do Brasil está lá, a coleção de moeda nossa é melhor do que a do Banco Central e por aí afora. Então ali era ressurgir o Brasil, a gente sonhava um pouco com essas coisas, economicamente, na área rural e na área da cultura. O Centro Cultural era referência. Hoje você vê aquela parte na 25 de Março ali perto da Getúlio Vargas e Rio Branco, depois o veio Correio, veio a Casa Brasil França, recuperou aquela região do miolo do Rio de Janeiro.

P – Como, esse momento do presidente Sarney é meio crítico, foi quando o Calazans foi...

R – Ele foi convidado pra ser ministro e não aceitou.

P – ... não aceita e depois ele é demitido.

R – É, pelo Maílson que era o ministro.

P – É o novo ministro do Sarney, ele assume.

R – Ministro da Fazenda.

P – E o senhor havia comentado também que já estava em vistas de sair pro Porto, pra Portugal. Como é que surge essa oportunidade?

R – Eu tinha aspirações de conhecer o exterior. O banco ________

exterior era tão pouca gente, ainda hoje são pouquíssimos, até porque na época o banco tinha 180 mil funcionários, hoje tem 80, 90, algo assim. Então o exterior era 40, algo assim, um pouco mais, um pouco menos, 40 e poucas. E trabalho no exterior era o mais alto privilégio do banco. Você ganhava muito bem, você ganhava em dólar. No Brasil inflacionário o dólar era uma coisa importantíssima, você fazia um pé de meia, conhecia outra cultura, e agregar valores culturais também, e experiência. Aí eu fui com o Camilo uma vez à Assunção conhecer, que ele ia fazer uma viagem de trabalho. E o banco na época tinha aviões, tinha jatinhos. Eu fui com ele. Conheci Assunção, mas fiquei muito preocupado porque Assunção era muito atrasado na época, eu achei que pros meus filhos não era bom. Mas nesse meio tempo que está cai não cai o Camilo diz: “olha, Rabelo, você quer o que?” Eu digo: “Eu quero passar uma temporada no exterior, e acho que vai me agregar conhecimento etc”. E surgiu a vaga exatamente em Lisboa. Mas eu estava ali reservado ________. Mas chegou a hora que ele diz: “Olha, você quer ir mesmo? Surgiu a vaga e não pode deixar aberto, tem seis meses”. Aí eu aceitei, me nomeou, mas eu fiquei ali esperando, porque eu estava _____ apoio pra ele. Mas aí com a demissão do Camilo, aí precipitou tudo. Eu fui pra Lisboa. Eu confesso que no primeiro momento estranhei muitíssimo, uma dificuldade muito grande de adaptação porque é uma vida muito diferente da nossa. E houve um período complicadíssimo porque o Cavaco Silva que era o primeiro ministro, hoje é o presidente da República, o Cavaco Silva tinha horror de brasileiro, não gostava de brasileiro de jeito nenhum. E Portugal estava entrando na comunidade, ele achava que era a grande chance de Portugal, que Portugal saía de uma ditadura pesada de 42 anos de Salazar. O país tinha a polícia chamada Pig (?), a polícia do Estado, e que praticamente, dizem lá que toda família tinha um espião do governo. Tanto que hoje mudou, principalmente Lisboa que é mais cosmopolita. Mas você chegava perto de uma pessoa: “Você podia me informar onde é que fica a Avenida Liberdade?” A pessoa lhe olhava: “Portanto”, eles sempre começavam a frase com portanto, “Portanto eu tenho a impressão, eu acho que se eu não estou enganado é...”. Ele conhecia aquilo ali porque era a cultura do medo da famosa Pig (?). Todo mundo, ninguém afirmava nada, ninguém falava a não ser do tempo. Chegava: “O tempo está ruim, o tempo está horrível”. Falava de futebol e tempo, só isso, que todo mundo tinha medo do governo. Então é um país que passou por uma fase macabra. Aí veio a Revolução dos Cravos, Mário Soares virou presidente da República. Ele foi um grande agregador, o pai da pátria, e o Cavaco Silva era primeiro ministro. Só que o Mário Soares esteve no Brasil exilado, ele e mais algumas autoridades lá. E Portugal na época não tinha dentista, era o médico que fazia uma especialização chamada estomatologia (?). E ele, como o Brasil estava muito bem na odontologia ele convidou pra ir alguns dentistas. Convidou 200, foram dois mil. Aí houve um problema de competição, esse foi o problema. Na verdade, foi a briga de mercado. Aquele negócio de dentista, dentista foi só a gota d’água porque nesse período você vê os dois maiores shoppings de Lisboa e do Porto é brasileiro. Tem ______, brasileiro, informática, cirurgião plástico. O Brasil está muito bem nessa área de cirurgião plástico. Pega a mulher, descasca e praticamente faz outra, não é isso? A medicina avançou muito, cardiologia. E foi essa gente toda, e junto com eles os dentistas. Aí uma briga de mercado.

P2 – Sr. Rabelo, a gente já está com uma hora de entrevista, vou propor a gente tomar um copinho de água.

R – Perfeito.

P2 – Porque a gente tem que focar essa última hora na fundação. O senhor ficou dois mandatos, né? Então eu proponho que a gente foque bastante na fundação agora porque senão o senhor não vai conseguir falar nada, né?

R – Perfeito.

P – Sr. João, o senhor é extremamente atuante no movimento Camilo Calazans, nas empresas (?) do Camilo Calazans, e ele decidiu pela criação da fundação. Muitos contaram a história clássica que ele pergunta aos conselheiros como é que seria, todo mundo é contra, é contra, é contra. Ele bate e fala: “Não, quando é que a gente começa?”

R – É, foi imposição mesmo.

P – Então como é que foi essa história?

R – O Camilo é nordestino, região pobre, e achava que a fundação era o papel social do banco. Enquanto o banco, a economia ajudava o pequeno produtor e ajudava o país a crescer, ele achou que o banco, pelos resultados que tinha, tinha que ter um trabalho. Que o pessoal do banco sempre foi muito voltado pro social, isso é história do banco. Quando o Betinho começou o trabalho contra a fome e a miséria, 3250 comitês de cidadania, 2500 eram do Banco do Brasil. Então isso está inerente no pessoal do banco. Porque? Porque no meu tempo nós íamos pra roça ajudar aquele homem simples do campo. Então o Camilo, que veio também disso, ele achava que o banco tinha esse dever, e aí encarregou o Dr. Amílcar, que é Amílcar Martins, que era acho que assessor especial dele, algo assim, e que junto com a Assessoria Jurídica montou o Estatuto da Fundação Banco do Brasil, viu como é que se estruturava. Aí ele levou pro Conselho de Administração. Quem presidia o Conselho de Administração era o Ministro da Fazenda ou o secretário, na época chamava secretário geral, esse era o nome, depois mudou pra secretário executivo. E aí eu aprovei e começou. Na época era muito complicado, a Cootec (?) fazia parte, o presidente do Banco era o presidente da Fundação, era uma estrutura muito confusa que mudou depois da intervenção do Ministério Público. Foi _______ Maurício.

P – O Maurício Teixeira.

R – O Maurício e o Calliar (?) que era o presidente do banco. Primeiro o Calliar (?) é uma figura humana extraordinária, e junto com o Maurício tiveram a humildade de conversar muito com o Ministério Público, de ouvir muita coisa que nem deveriam, mas ouviram. Mas teve a humildade e ajudou a fundação a estourar, senão teria acabado a fundação.

P – O senhor vai pra Portugal, Porto. O senhor falou que sai de Lisboa também?

R – Lisboa. Fiquei ao todo circulando entre as duas cidades. Aí vim pra Assunção.

P – Assunção, Paraguai, ou era o Paraguai ali?

R – O banco precisava de gente com experiência de Europa, como é que Portugal entrou na comunidade etc, como é que a gente viu a transformação de Portugal. Aí eu vim pra Assunção porque iam tratar de Assunção e o banco queria gente que tivesse experiência. Então eu vim pra Assunção. Logo depois veio o outro de Buenos Aires, o meu colega que trabalha lá, e depois veio o outro pro Uruguai. Fiquei dois anos em Assunção e depois eu vim pra, voltei a Brasília pro gabinete do presidente.

P – Em que ano o senhor retorna a Brasília?

P2 – 94.

R – 94, é isso aí.

P – O senhor participa da equipe de transição do Fernando Henrique, né?

R – O banco, nós tínhamos um projeto político no banco no tempo do Calliar. Então eles estimulavam através da Anabb, surgiu a Anabb.

P – O quê que seria a Anabb?

R – Associação Nacional dos Funcionários do Banco do Brasil. Fui um dos fundadores. A Anabb surgiu pra ser o braço político do banco, foi espontâneo dos funcionários. A gente achava, se nós não tivéssemos um braço político, nós não poderíamos ajudar o banco porque havia um esforço em achar que o banco corria risco de ser privatizado. Então a Anabb começou um grupo pequeno, eu fiz parte do grupo. E criamos, a associação começou tímida, modesta, em contato com parlamentares. E a gente apoiava e estimulava no corpo funcional: “Vote nesses caras que são do banco”. Chegamos a ter esse número de mais de 60 deputados funcionários do banco. Estimulamos vereadores, estimulamos prefeitos, e foi um período bonito do banco. Hoje a Anabb é enorme, não sei se você conhece na W3 (?). A Anabb nasceu assim de insatisfação do grupo lá com essa realidade, e sabendo que o presidente tem limitações políticas. E inclusive se você pegar o documento da Anabb eu sou apenas fundador, mas eu nunca apareço porque eu estava no gabinete do presidente. Então era o contato lá, mas não podia estar ativamente na direção dela. Foi um período bonito do banco.

P2 – Bom, isso é 94, né? Depois 95 o senhor vai pra fundação. De quem que é o convite, como é que surge isso?

R – A transição do período Calliar pra o Ximenes. Falava-se se o Calliar ia continuar no banco, mas não tinha nada concreto. E o Marlom era um contato. O Marlom era um colega que trabalhou na Secom do banco, Secretaria de Comunicação Social do banco. Mas depois o Fernando Henrique entendeu que deveria ser o Ximenes. O Governo queria montar, queria recuperar os bancos públicos e entendeu que tinha que colocar, o Ximenes tinha sido presidente do Banco Central, era um homem experiente. Foi do BIC (?), muita experiência. Ele pegou o Banco do Brasil e deu liberdade a ele de montar, na época o Ministro deu liberdade de montar a equipe que ele quisesse pra poder arrumar realmente o banco. Então ele montou a equipe técnica, que a meu ver o banco deve muitíssimo a essa equipe. Contrariou muito os funcionários porque criou o famoso PDV e o banco deu uma murchada de mais de 30 mil funcionários em pouco tempo. Foi um período assim agressivo em relação à estrutura e à cultura da casa. Mas era necessário que fizesse isso. Foi um período que o banco, a gente teve que injetar sete bilhões no banco. Na época era muitíssimo dinheiro e o banco saiu realmente, a meu ver essa administração do Ximenes foi profundamente competente nisso aí, e corajosa.

P – E o senhor com o Banco do Brasil, com a Fundação Banco do Brasil, como é que vai acontecer essa...

R – Quando eu peguei a fundação ela tinha 35 milhões de reais, na época, de saldo aplicado no mercado. Ela gastava, o orçamento dela anual era 18, 20 milhões/ano. A fundação tinha as cláusulas pétreas. É o que? Educação, saúde, ciência e tecnologia, assistência social, cultura, são cláusulas que dentro da lei não pode mudar. E nós pegamos a fundação, ela patrocinava, tudo que ela fazia era 100% do valor. O Ximenes falou: “Rabelo, eu preciso salvar o banco. Se você continuar gastando 20 milhões você vai ter exatamente dois anos de fundação e ela morre. Então eu não vou poder da um centavo pra fundação. Você tem que se virar e arrumar um meio de a fundação sobreviver ou então você vai ser o coveiro da fundação”. Então eu peguei a fundação, era o Maurício que tinha me entregue a fundação, e fui, a primeira coisa que eu fiz foi reunir os funcionários e dizer: “Olha, a fundação tem esse dinheiro, eu preciso dar um jeito de salvar a fundação e eu preciso de apoio”. Tive que tomar algumas medidas duras, contratei _____ Campos pra fazer uma revisão estrutural na fundação. O Maurício não gostou muito na época, ele ficou meio aborrecido porque eu tinha montando uma estrutura que na visão dele era a melhor, só que era cara. Então eu contratei _____ Campos e junto com o órgão técnico do banco nós fizemos a revisão da estrutura, deu uma enxugada pra reduzir custo fixo, e concluiu que ela já não poderia mais financiar 100% dos projetos. Geralmente o banco financiava 90, a fundação 90, 80, e a fundação dava esse valor todo. Era um valor muito alto. Então eu calculei que eu precisava de algum modo focar a fundação porque todas as agências do banco escreviam projeto pra fundação. Gerente do país inteiro mandava, era um volume louco, enorme, de papel e eu não tinha como administrar um negócio desse, muito caro. E a fundação, ninguém sabe, só o Fundec chegou a ter mais de dois mil projetos.

P2 – Financiava todos ao mesmo tempo?

R – Tudo ao mesmo tempo. Era uma loucura fazer um negócio desse, e na época os computadores não eram tão avançados quanto hoje. Então eu digo: “Tem que focar a fundação daqui pra frente pra reduzir custo e a fundação aparecer um pouco e ajudar o banco”. Foi aí então que nós tivemos a idéia de buscar: “Então vamos ver se a gente foca. Esse ano vai ser cultura e saúde, esse ano vai ser”, a gente ia criando focos. Podemos até atender a pequenos projetos soltos, mas vou focar cada ano em alguma coisa. E aí nesse período o banco precisava muito se firmar financeiramente. E nós, junto com o banco, é um trabalho muito estreito com o banco. Primeiro o nosso negócio em benefício do banco foi no Rio Grande do Norte. Fui lá no governador: “Governador, nós estamos, o senhor está...”. Na época o governo brasileiro estava absorvendo, dentro da política fiscal e monetária, de que maneira sanear as finanças do país, e aí o governo absorveu toda a dívida mobiliária dos estados. Era um volume enorme. Foi aí que criou a base pra hoje a lei fiscal, lei de responsabilidade fiscal. Tinha que passar por essa fase. Então o governo pegou os estados, e aí proibiu, daí pra frente o estado não pode ter dívida, só com autorização do Tesouro e dentro de alguns critérios. Então pra isso o Governo Federal absorveu a dívida de todos os estados, dívida com o próprio Tesouro e dívida externa, ficou tudo no Tesouro Nacional. E aí então interessava ao Banco do Brasil absorver essa dívida, administrar essa dívida que era rentável pro banco e ser o banqueiro do Estado, que começou o processo de privatização dos bancos estaduais. Então nós fomos no Rio Grande do Norte e conversamos com o governador. O governador eu sei que tinha bancos privados e a Caixa Econômica estava interessada em pegar a conta do Estado. “Mas o quê que eles vão lhe dar? Dava algumas vantagens ao Banco do Brasil”. “O quê que o senhor quer fazer aqui no Estado?” Eu digo: “Olha, o palácio que ______, que era o Palácio do Governo”. Ele disse que era, por sinal hoje ele é o relator da CPI dos Bingos, era Governador de então. Ele diz: “Olha, eu gostaria de transformar aquilo num Centro Cultural, que o Banco do Brasil tem no Rio, etc”. Aí nós fizemos um levantamento, gastamos lá na época um milhão de reais, era muito dinheiro pra época, transformamos aquilo num Centro Cultural. Aqui tem história de Câmara Cascudo que é uma figura importante ali na região. E programamos a inauguração nos dias de Natal, porque a cidade de Natal tem esse nome porque nasceu no dia de Natal, é a história de Natal. Então nós programamos fazer uma coisa diferente ali e pegamos crianças de escola pública, fizemos um pouco parecido com Curitiba. Nas janelas todas, aqueles prédios antigos restaurados ficam lindos. As crianças ali e fizemos um palco enorme e estilizamos o Bumba meu Boi, outras coisas, o folclore do Nordeste, para o Natal. Quando foi meia noite do dia 22 ou 23, eu estava na praça, apagou as luzes todas e nós distribuímos aquela coisinha de luz assim pras pessoas, e a garotada saiu na janela cantando Noite Feliz. Foi um negócio assim que eu chorei, todo mundo chorou, aquelas coisas bonitas, né? E daí pra cá, Natal, que não tinha nenhuma tradição natalina, virou hoje uma coisa importante no Natal, e aquilo é um foco importante. Aí nós pegamos a dívida imobiliária do estado com o Tesouro e pegamos as contas, funcionários, impostos, tudo era do Banco do Brasil. Depois negociamos com o Maranhão, era a Roseana Sarney que era a governadora. Fomos lá, recuperamos o Palácio dos Leões que é a sede do governo, gastamos um monte de dinheiro, pegamos as contas. Depois tivemos no Mato Grosso, que era o Dante de Oliveira.

P – E o seu criador, né?

R – ___________ recuperamos, e naquela escola estudou o Marechal Rondon, estudou Felinto Miller e estudou o próprio governador. Então recuperamos aquilo tudo, móveis, e fomos lá inaugurar. Tem até uma placa lá com o meu nome, até hoje deve ter isso. E aí começamos depois Palácio dos Leões, Palácio Cotingí (?), aqui em Brasília.

P – O Teatro Nacional.

R – Recuperamos o Teatro Nacional, gastamos muito dinheiro, que ali tem 30 anos sem nenhum reparo. Então estava tudo, cupim comeu os camarins, o palco, a combinação. Nós reviramos aquilo de perna pro ar e inauguramos ali, fizemos a Orquestra Sinfônica Nacional que está sem instrumentação.

P – Academia Brasileira de Letras.

R – Academia Brasileira, a casa de Machado de Assis. Eram 100 anos de academia e pela primeira vez tinha uma mulher presidente, ____________ academia era Nélida Piñon , aquela mulher brilhante. Posso abrir um parêntese aí?

P – Pode.

R – Nélida Piñon assumiu a academia e chegou na fundação no dia em que tinha pedido, eu sabia que ela queria fazer uma festa de 100 anos. E chegou lá e diz: “Olha, nós não temos dinheiro e nós gostaríamos de fazer uma bela festa de 100 anos da fundação, os imortais, os documentos, aquela biblioteca gigante, aquilo tudo jogado. Eu queria informatizar aquilo tudo de uma maneira que guardado, documentado, tudo num ambiente fechado”. ________. Então nós restauramos a casa de Machado de Assis e gastamos toda essa documentação, contratamos uma empresa. Hoje você chega lá, pega a obra de _____, pega um CD e trás tudo pronto. Foi uma coisa linda que nós fizemos lá. E Nélida Piñon, o dia que ela foi à fundação nós perguntamos o que ela queria. Eu já sabia, eu tinha sondado o quê que ela queria. Então ela diz: “Olha, eu precisava desse guia (?) no máximo em 60 dias porque senão não vai dar tempo”, já tinha uma data marcada, “vai estar lá o Fernando Henrique, vai estar lá o presidente de Portugal, presidente da Espanha e da Galícia”. Eu já estava com os papéis até preenchidos: “Só leva isso aqui. Se me devolver amanhã, nessa semana eu libero o dinheiro”. Então criamos uma relação bonita. Aí fui mostrar a fundação pra ela, ela ficou muito assim sensibilizada. E era uma terça feira, e coincidentemente era o Dia Internacional da Mulher. Aí levei ela pro auditório, quando cheguei lá nós estávamos com a fundação inteira lá reunida. Aí cantamos os parabéns pro Dia Internacional da Mulher. Era o dia do chá na academia, nós fizemos um chá lá pra ela e entregamos uma porção de _____ e criamos assim uma relação muito bonita com Nélida Piñon que era presidente da academia. Depois ela me deu uma condecoração, aquelas coisas que os órgãos fazem, que é a medalha de Machado de Assis.

P2 – Sr. Rabelo, agora estruturalmente na fundação o senhor faz mudanças na forma de atender os projetos, o senhor faz a estruturação do quadro. Quantas pessoas o senhor tem que demitir da fundação?

R – Não demitimos ninguém.

P2 – Ninguém?

R – Porque? Porque o banco estava em reestruturação também, então nós negociamos com o banco. Nós vamos ter que reduzir, enxugar a fundação, mas só vou liberando o pessoal à medida em que o banco for absorvendo. Então o banco combinou conosco, que o banco como é que funciona? Se tem uma vaga de gerente, supervisor e caixa, ele faz uma espécie de concorrência interna. Então o banco comprometeu conosco que daria preferência pro pessoal da fundação. Então todos foram assim encaminhados, não houve realmente ninguém prejudicado nesse período. Mas enxugamos sensivelmente a fundação pra reduzir custos. E pagava um aluguel caro ali na Boca Vermelha (?), no escritório comercial. O trânsito, estacionamento complicado. E ali ainda tinha prostituição ali no fim do dia, era Ximenes difícil. Aí eu fui convencer o Ximenes de comprar uma sede, e o Ximenes não queria: “Não Rabelo, não tem clima pra isso não”. Aí eu pensei que lá no Centro Cultural do banco, o banco tinha um projeto de fazer uma creche. O Niemeyer projetou, os alicerces estão enterrados ali. E ______ está prontinha, é só levantar. A Veja tinha feito uma campanha contra o banco pesada porque aquele prédio do banco na época era um prédio assim considerado suntuoso, que era um prédio moderno. Ele achou que não tinha clima. E fomos sondando outros aqui em Brasília até descobrirmos aquele ali que o prédio, aqueles andares, era da Cassida Prevê (?), que é o nosso primo rico a Prevê (?). Enquanto o Paulo Otávio, que era o dono do resto, cobrava na época dois milhões e 700, alguma coisa assim, por andar, com 15 vagas ou 12 vagas, nós compramos pelo preço de custo, um milhão e 300, alguma coisa assim, e 30 e tantas vagas. Aí a diretoria autorizou, o Conselho Curador autorizou, nós compramos ali os dois andares.

P – E como é que foi a ida pro Number One, a compra da casa própria?

R – Olha, foi uma coisa linda, primeiro porque era nossas raízes, nossa sede, nosso chão. Que o mão (?) vermelha era aquele carpete antigo, então derramava café, aquelas coisas feias que ficam. E nós fizemos aquilo com carinho. Pedimos a um arquiteto do banco: “Nós queremos que não tenha cara de banco, queremos cara de fundação”. Então uma estrutura leve, bonita, enxuta. Daí pra frente até os funcionários se sentiram melhor porque um ambiente de satisfação, ambiente gostoso, alegre. A fundação tem uma história muito bonita. E as mulheres ficaram mais perfumadas naturalmente porque o ambiente era todo motivador. E aí nós começamos, vamos mudar a fundação, e reunimos com todos eles, todo mundo participava, e começamos fazendo: “Vamos buscar dinheiro fora”. “Como?” “Vamos fazer, buscar parcerias. Nós somos melhores do que o governo pra trabalhar porque tem a estrutura do banco, é mais rápido”. O governo quando dá dinheiro pra um hospital, uma escola, ele dá o dinheiro, o dinheiro some na estrada. A fundação não dá dinheiro, no meu tempo não dava dinheiro, aprovava projetos. Então, por exemplo, se você vai ajudar um hospital sozinho a comprar equipamentos, ele tem que trazer pelo menos três orçamentos. A nossa agência tem que dizer que a obra existe, que é séria, que a instituição funciona. E nós aprovamos aqui dentro os estudos, a estrada, o hospital, a prefeitura fica autorizada a comprar o material e quem paga é o banco depois de ver que está instalado. Então eu tive até o dissabor de ver muitos prefeitos dizer: “Ah, se é assim eu não quero”, você imagina. Então a escolinha, hospitais, coisas dessa natureza, nós nunca dávamos dinheiro. Então com isso nós começamos a disciplinar isso e fizemos um convênio, na época, com o Fat. Foi uma batalha pra convencer o Fat que nós éramos um canal importante e conseguimos 30 milhões do Fat, era mais dinheiro do que nós tínhamos. Conseguimos esse dinheiro do Fat, depois fizemos um convênio com o Ministério do Trabalho, o ministro era o Dornelles. Antes era o Paulo Paiva, depois o Dornelles. E mostramos pra ele que nós podíamos ajudar o Ministério a cumprir o seu trabalho melhor que o governo porque a gente tinha o banco pra fiscalizar etc. E fomos fazendo convênios. Eu sei que chegamos a ter, quando eu entreguei a fundação quatro anos depois nós tínhamos 146 milhões em caixa, de 35 pra 146, e atuando fortemente no país inteiro. Porque aí chega um ponto que eu não gastava um centavo da fundação. Porque? Porque eu prestava serviço pra tanta gente no país, Ministério da Saúde, Ministério do Trabalho, Fat e por aí afora, que eu pegava os meus projetos e dava pra eles. Então a minha contrapartida era o meu Recursos Humanos, só, e meus equipamentos e meu espaço. Depois nós entramos com, eu fui falar com o Cristóvam, que nós pagávamos impostos, eu digo pro Governador. E eu me lembro que o secretário da Educação queria, todo ano a fundação patrocinava alguma coisa da Escola de Música de Brasília. A Escola de Música foi o Banco do Brasil que fez, desde o prédio até todos os instrumentos. Eu digo: “Olha, o senhor veio buscar dinheiro. Nós estamos prontos desde que o governador nos dê o título de Utilidade Pública”, eu não tinha Utilidade Pública. Eu digo: “Olha, a fundação ajudou o HDB (?) com muitos equipamentos, o agarrã (?), a agassú (?)”.

P – O Teatro Nacional.

R – O Teatro Nacional, o Museu da Poeira (?) e do Som que é lá no Bandeirante. Esse helicóptero da polícia aí foi da Fundação Banco do Brasil. Eu digo: “Olha, tudo isso, eu não vou dar dinheiro pro senhor se o Governador não resolver esse problema”. Aí ele marcou encontro com o Cristóvam, nós fomos lá, levamos uma planilha: “Governador, está aqui”. E no tempo de República tem sentido um negócio desse?

(Pausa)

R – ... chamou lá ____ própria e no dia seguinte estava _____. Depois nós conseguimos da República Federal, depois conseguimos registro no Cnes que dá isenção de tributos. Com isso nós não pagamos Cpmf, que era um valor importante, pedimos todos os atrasados e fomos capitalizando a fundação. E com esse foco, nós fomos criando foco aqui, criou muito problema no banco por causa disso. Nós criamos um projeto, chamava o Projeto Memória, que foi esses prédios que eu estou falando, depois o Teatro Nacional etc. Nós estamos, a Catedral de Brasília, começamos a Catedral de Brasília porque a Catedral de Brasília era um projeto muito ousado. O que acontece? O cimento trabalha um pouco. A umidade agora deve estar a 80, 90, chega na seca da 12, 14, 15. Então aquilo...

P – Os vitrais.

R – Contrai e descontrai. O ferro trabalha quase, pouquíssimo. Ele não tem o mesmo compasso de dilatação do cimento, e o vidro dilata zero. Aí é por isso que o vidro rompe. Então nós já tínhamos gasto, antes o Maurício, não sei quem foi, já tinha gasto lá um monte de dinheiro, e aí quebrou tudo de novo. Mas nós descobrimos que Milão tinha um clima parecido com Brasília e tem um vidro que as bordas são “borrachosas”, daria pra fazer em Brasília. Então eu cheguei a assinar um convênio com o Almoriz (?) que na época era governador antes do Cristóvam. O ministro _____ da Cultura, o arcebispo de Brasília, que é o que aposentou, o Dom não sei o que, esqueci o nome dele, Dom Valcon (?) e o padre da Catedral que hoje é monsenhor, esqueci o nome dele. Então fizemos um convênio pra recuperar a Catedral, e fazer a Curia que seria do lado da Fazenda agora. Começamos a trabalhar nesse sentido. Fizemos o convênio, a fundação daria um milhão, o governador daria 800 mil, o Ministério da Cultura daria alguma coisa. Eu sei que no final era pra gente recuperar a Catedral como um todo. E aí nós começamos a negociar com o Palácio do Planalto, nós íamos recuperar o Palácio do Planalto, os anexos, são quatro anexos, a Granja do Torto e o Palácio Jaburu que era do vice-presidente. A idéia do Fernando Henrique era transformar a Granja do Torto num local pra receber dignitário estrangeiro. Quando viesse um presidente de um país ao invés de ficar num hotel ficaria lá, um local agradável pra receber essa gente. Então nós estávamos negociando para recuperar o Palácio do Planalto, Palácio da Alvorada, todo esse conjunto do governo. Eu queria o que? Era colocar o nome da fundação em todos esses projetos, todos esses grandes monumentos de Brasília, primeiro pra dar prestígio à fundação e segundo porque a fundação ganhava dinheiro. A lei permite, nós aprendemos como apresentar projetos com isenção fiscal, a lei de incentivo à cultura que era a lei Sarney, lei _____. A lei permite que quem conduz pode ganhar de 10 a 15% pra administrar o projeto. Então quando nós recuperamos o Teatro Nacional eu não coloquei um centavo da fundação. Registramos o projeto no Ministério da Cultura, fui lá: “Presidente, olha, a Banco do Brasil...”, cartão está pagando imposto de renda, o Banco do Brasil Financeira está pagando imposto de renda. O Banco do Brasil está ___ porque que não dá renúncia fiscal? A lei permite, dá pra fundação. Então nós captamos todas as empresas do Banco do Brasil.

P2 – E qual foi a vantagem que os projetos realmente da área social tiveram com essa capitalização da fundação?

R – As vantagens é que nós começamos a fazer coisas concretas, não um projetinho de dez mil reais aqui outro acolá. Vamos fazer coisas substantivas pra isso. Então na área do Projeto Monumento, era Memória, nós fizemos por exemplo a casa onde nasceu Castro Alves. Tinha um negócio lá caindo aos pedaços em Cabaceira na Bahia, nós fizemos o Navio Negreiro exatamente como era na época, contratamos uma empresa especializada, com todos aqueles escritos de Castro Alves. Recuperamos a escola, a memória dele toda de Castro Alves é um orgulho naquela região. Fizemos pelo Brasil afora. O ano passado, na exposição, todo o pessoal do banco vestiu uma camiseta de Castro Alves que nós mandamos desenhar. Distribuímos milhares de cadernetas, de livretos, de fitas, de DVDs pelo Brasil afora para perpetuar a memória do país. Era sempre uma data cheia, 150 anos de Castro Alves. Depois no ano seguinte 150 anos de Rui. Nós recuperamos a casa de Rui lá no Rio de Janeiro, fizemos um trabalho semelhante. Depois fizemos 50 anos da morte de Monteiro Lobato. Nós recuperamos o Sítio do Pica-pau Amarelo, recuperamos o uniforme dos meninos, teatro local, vestimos o pessoal e distribuímos pelo Brasil afora milhares de camisetas, de folhetos, toda escola do Brasil recebeu material sobre Monteiro Lobato. No ano seguinte foi os 500 anos do Brasil, foi o Cabral, o Viajante do Rei, exatamente. Então quando eu saí quem conduzia foi a Heloísa no finalzinho, mas nós é que montamos todo o projeto, né? E aí nós fizemos na área da saúde. A área da saúde a gente queria _____ possa ajudar o Brasil. Nós já tínhamos uma experiência que não é minha, é de alguém anteriormente que eu não sei quem foi, lá em Curitiba porque o Rischbieter

tinha sido presidente do banco e ministro e ele era o curador da Santa Casa de Curitiba. E a fundação na época financiou todo o equipamento e treinou no exterior o pessoal pra fazer transplante de medula. Eu fui lá depois pra ajudar na inauguração. Aí não foi mérito meu, o trabalho foi do colega lá. E aí eu vi lá hoje Curitiba ainda faz 60% do transplante de medula do Brasil, imagina bem. Porque o câncer de medula, eu era ignorante na época, ainda sou, mas eu não conhecia nada disso, eu achava que medula tinha que abrir o cidadão e tirar aquele troço todo. Não é nada disso, o câncer se dá numa parte da medula, e ali o médico e enfermeiro especializado ele dá ali um bombardeio de uma substância lá qualquer, de raios, que mata aquele troço. E aí já tira da parte boa e implanta ali naquela parte, ou então pega de um doador. A pessoa fica careca. Eu fui lá ver aquelas crianças, o pessoal ficou impressionadíssimo. Então fez uma experiência. Surgiu a idéia, junto com o Edson Ferreira, eu falei: “Vamos fazer um projeto do câncer infantil”. Aí começamos com o ministro da Saúde que era um gaúcho, eu esqueci o nome dele, e depois o Serra, foi o que antecedeu o Serra. Fizemos um convênio pra desenvolver o projeto. E o projeto, criamos um conselho de gente que entendia realmente disso, que tinha uma médica do Inca, representando o Inca, Inca é Instituto Nacional do Câncer. E tinha uma de Campinas, uma senhora lá, doutora, uma mulher bonita, esqueci o nome dela, mas idealista com o câncer infantil, Dra. Madalise, Brandalise (?), uma das maiores especialistas em câncer infantil. Um lá de São Paulo que era Graac , um hospital. Aqui de Brasília, uma senhora do Hospital de Brasília e uma de Salvador. Então criou-se o conselho de eminências para desenhar o projeto. Desenhamos o projeto, agora onde buscar recursos? A lei permite que a seguradora estabeleça um estipulante, quer dizer, alguém que beneficia dos resultados. Nós colocamos a fundação, conseguimos com o Edson, que ele gostava da fundação, e o Ximenes

que era o presidente, destinar uma parte. O projeto final eram 30 milhões, eu não me recordo mais se veio todo o dinheiro. Aí nós concluímos, como é que, o desenho desses médicos que nós participávamos, como é que funciona na Alemanha, como é que funciona nos Estados Unidos, começamos a pesquisar. O Brasil não tinha estatística, mas levantamos que no Brasil entrava por ano cerca de dez mil crianças com câncer, e morriam quase todas. Porque? Porque o médico não treinado diagnosticava erradamente a criança, porque a sintomatologia do câncer infantil é parecida com doença de infância, é um gânglio infartado, coisa dessa natureza, que o médico acha que é caxumba, que é uma coisa na virilha da criança. Então dá remedinho e a doença toma conta. Então a experiência internacional, se você diagnosticar precocemente o câncer você salva a criança, 80% das crianças. Daí nós criamos...

P – E aí surgiu o Criança e Vida.

R – Surgiu o Criança e Vida, e criamos oito centros no Brasil. Treinamos centenas ou milhares de médicos, enfermeira, radiologista, equipamos esses hospitais com a fiscalização dessas pessoas e do Inca, que era o órgão do governo que fiscalizava. Que é um projeto lindíssimo, a meu ver o banco precisava divulgar melhor isso aí. Então isso foi o foco de saúde. Depois nós criamos um foco do Homem do Campo. O Homem do Campo, imagina bem, nós queríamos fazer uma experiência com o Homem do Campo que ia substituir o Fundec, porque o Fundec era inviável, o Fundec financiava em 12, até 18 anos. Não há como você financiar. Eu não tinha dinheiro pra você deixar imobilizado durante 18 anos. Eu tive oposições enormes na fundação, mas conseguimos. Havia um prefeito de Paracatu, que era um colega do Banco Central aposentado, Manuel Borges. E ele estava fazendo uma experiência lá chamada Educar Plantando, foi na fundação. Como a gente estava querendo fazer uma experiência no campo, nós conversamos com ele e dissemos: “Vamos trabalhar juntos, vamos desenhar juntos. Vamos contratar PUC São Paulo”, que tinha uma senhora lá, esqueci o nome da professora, que era idealista, e o Professor Frei de Recife que é um sábio. Então eles dois é que montaram esse projeto, eles e esse outro que eu vou falar. Chegamos em Paracatu, vamos começar então por onde? Vamos levantar no campo o que é que aquela gente quer, fazer uma estatística com a Universidade de São Paulo, com a PUC São Paulo. E aí diz: “Olha, eu quero educação pros meus filhos”. Então nós começamos a criar estrutura organizacional. Então eu não compro um trator pra você, compra pra todos juntos, divide o custo. Você não precisa do trator o tempo todo. Não faz um curral pra você, faz um curral pra coletividade. Nós vamos fazer um local pra vocês passarem o domingo, casar filho, jogar biriba, conversar etc. E depois que eles estavam organizados: “Agora que vocês estão organizados, qual é a aspiração?” “A aspiração é uma escola para os nossos filhos”. Então o Professor Frei diz: “Olha, vamos fazer uma coisa nova no Brasil”, porque a professora dava aula primeiro ano, segundo ano, terceiro ano, quarto ano, oitavo ano, Geografia, História, Matemática, mas que ninguém aprendia e ninguém ensinava. Então o Professor Frei é que criou a idéia do pólo, idéia dele. Então vamos pegar aqui na região, cria uma escola completa em que a professora de Educação Física era só Educação Física, História era só História, Geografia era só Geografia. Então nós montamos uma rede de Kombis que passava nas pequenas propriedades, pegava as crianças, levava pra estrada vicinal. Aí vinha o ônibus, pegava as crianças e levava pra escola. Aí o nível escolar foi lá em cima. Como está tudo isso montado, a prefeitura apoiando, naturalmente. “Mas agora está tudo pronto, melhorou o nível de escola, qual o outro problema?” “A outra agora é alimentação das crianças”. Porque a merenda escolar vinha iogurte, bolacha, coisas que a criança da roça não estava acostumada a comer e não gostava. Então, como tinha Universidade no meio a lei permitia que a gente pudesse sair da lei de licitação, e aí, com autorização do Tribunal de Contas nós começamos a pegar dinheiro do Ministério e entregar direto na escola. A professora que pagava a escola. Então, ao invés de comprar iogurte, nós vamos levantar. “O senhor produz o que?” “Eu produzo queijo, eu produzo leite, eu produzo mandioca, eu produzo milho, uma pamonha, eu mato uma vaca por semana etc”. “Então o senhor vai fornecer comida pra escola do seu filho”. Aquilo que ele planta, ele ajuda a fazer. Então a criança vinha com a carne ou com queijo, ou com ovo, etc, e a prefeitura fiscalizava e pagava diretamente com a diretora, o pai da criança. Aí nós pegamos: “Vamos melhorar o rendimento da criança?” A criança é alimentada, corada, bonita. Aí vamos melhorar. Então vamos pegar e vamos pegar ____ e fazer um convênio, examinar o sonho de todos eles, o quê que estava faltando, pra melhorar a produtividade. A produtividade foi assim. Aí a criança já não conseguia comer tudo. Nós criamos uma feira em Paracatu, uma feira do produtor pra vender os excedentes. Aí surgiu um problema, está até resolvido. Está resolvido, a escola está bem, a alimentação está bem, o homem do campo melhorou a renda dele. Qual é o outro problema? Saúde. Eu tenho que pegar o cavalo, vou pra estrada, esperar o ônibus. Fico lá, o médico não atende, sobrecarrega a cidade e fico dois, três dias e deixo o negócio à toa. Aí nós pegamos com a prefeitura, compramos dois ônibus, adaptamos gabinete dentário, gabinete médico, uma sala de parto dentro do ônibus, e toda sexta e sábado esses ônibus, o cidadão sabia que o ônibus ia passar lá. Então a mortalidade infantil aqui no Brasil, a média é de 42%, no Nordeste chega a 52%. Lá caiu pra 2% porque começou a fazer o pré-parto, aquela orientação, aquela coisa bonita. Então ele sabia que naquele dia o ônibus passava. Ele não ia mais pra cidade e ele começou a atender essa comunidade, o ônibus todo equipado pra isso. Depois de resolvido o problema, dizia: “E agora?” “Agora são os velhinhos que pedem esmola na rua”. Então vamos contratar um advogado, a Universidade ajudando, a PUC São Paulo, conversar com um por um desses velhinhos. “Está na rua porque?” Não tinha aposentadoria. Aí os que podiam, nós fomos aposentando, o advogado cuidava disso. Os que não podiam nós pegamos uma casa em Paracatu. Se conversar com o atual diretor executivo da Fundação, ele foi prefeito logo depois lá, o Paraca, criou a Casa da Cultura. Recuperamos a Casa da Cultura e os velhinhos se reuniam ali. “O senhor sabe fazer o que?” “Eu sei trabalhar com madeira e com artesanato”, “Eu sei trabalhar com palha”, “Eu sei fazer biscoito”. Então ali os velhinhos se encontravam, e a cidade começou, nós divulgamos, festa de aniversário, festa de casamento etc, encomendava dos velhinhos, e eles começaram a vender coisas pra cidade. Eu me lembro que o ministro da Cultura era Arrido Porto (?), foi ministro da Cultura, ele foi lá. Eu fui lá com o ______ que era da executiva da Comunidade Solidária e o Ximenes que era presidente do banco, e nós almoçamos lá com um velhinho de 80 anos tocando violino. Precisa de ver como é que ficou bonito isso. Depois: “E agora?” “Agora criança de rua, vamos cadastrar todas essas crianças”, e descobrimos que a maioria eram crianças da roça que vinham pra ficar na casa da tia e depois viravam meninos de rua. Aí nós criamos uma escola que eu não sei se ainda existe, nos arredores, e a criança fica ali. Ao invés de dormir na rua dormia lá, estudava lá. E depois começou: “Agora você vai aprender a criar galinha pra ajudar o seu pai lá. Então você vai aprender a fazer tela. No mercado tem tela, mas eu quero que você aprenda a fazer tela pra você se ocupar, ter uma profissão”. E o garoto aprendia, fazia tela, aprendia a criar galinha e ajudava o pai. Então Paracatu zerou menino de rua, zerou velhinho pedindo esmola, e o Paraca fez um trabalho excelente como prefeito da cidade. Aí nós criamos ____ pelo Brasil afora, e aí vamos criar o Homem do Campo, o projeto foi esse. Selecionamos três cidades, três municípios por estado, e fizemos uma reunião aqui em Brasília com os gerentes e os prefeitos e fizemos um trabalho. Aí peguei do meu gerente de lá _____ funcionários. “Eu quero que você vá pro Piauí, pra Bahia, pra Paraíba. Vai lá porque eu não quero funcionário aqui no meu gabinete só lendo friamente o papel. Vai ver a realidade do Brasil”. Então teve gente que andou em cima de caminhão sentado num saco de farinha, teve gente que dormiu em rede, teve gente que chegou num lugar que não tinha sanitário, o sanitário é qualquer lugar, o outro ali participando do processo, pra você ter idéia de como era o interior do Brasil. Então eles viram a realidade brasileira efetivamente. E nós montamos o projeto Homem do Campo nessa filosofia, que a idéia era multiplicar. Tanto que lançou no Palácio do Planalto com presidente da República Fernando Henrique Cardoso, lá na fundação ainda tem os documentos até hoje. Foi um projeto lindo que nós lançamos. Depois junto com a própria PUC São Paulo e com o Professor Frei nós criamos o projeto ABB Comunidade. O banco tinha mil e duas ABBs que nós achamos que poderíamos, nós já tínhamos alguns ensaios nessa direção. Vamos formalizar isso junto com a Fenab que é a federação de ABBs. Aí começamos a criar o ABB Comunidade que a PUC São Paulo desenhou. A criança não vai brincar, ela vai cumprir uma grade. Então a criança que estuda de manhã e à tarde e vice e versa. Aí recebeu material, alimentação, uniformes, sapatinho, boné etc, e tinha assistência médica e dentária, e ia numa grade: “Hoje você vai ter futebol e tênis”, e todo dia reforço alimentar e reforço escolar. Nós treinamos professores, monitores e tudo. Chegamos em 46 mil crianças, eu não sei quanto que é hoje.

P – Hoje tem 53 mil.

R – 53, então melhorou um pouco, né? Mas nós levantamos na época, dava pra fazer 500 mil crianças. E nesse ponto o ministério do Trabalho nos ajudou muitíssimo, financeiramente. Mas todos esses recursos a gente buscava, ia atrás, não usava só o dinheiro da fundação, e o nosso pessoal participava. Então nós fomos criar esses focos assim pra viabilizar grandes projetos em benefício do país pra você não ficar pegando o dinheiro e colocando um pedacinho aqui, um pedacinho acolá. Nesse contexto é que a gente foi focando a fundação. Eu não sei se eu me recordo, estou lembrando de tudo, que é tanta coisa. Comecei a anotar alguma coisa aqui.

P2 – Faltou só o SOS Seca talvez pro senhor falar?

R – Fizemos a Seca porque no Brasil estava um problema complicado, era o problema da seca e o pessoal comia calango, lagartixa no Nordeste. E tinha uma cidadezinha na Paraíba que trouxe um problema. Olha, a cidade de Oliveira está nessa pobreza louca de fome, da seca, e a cidade tem 40% de pessoas com cólera. E morre, a cada 100 crianças nos primeiros dois meses morre 25% das crianças. Aí nós fizemos um convênio com Universidade, como é que nós vamos resolver esse problema? Fizemos um convênio com a Universidade e ela desenvolvia um aparelhinho que os navios da Marinha usam no alto mar pra tirar o sal da água.

P – O famoso ________

R – Dessalinizador, exatamente, uma coisinha pequena que custava dez mil reais na época, e implantamos lá em Oliveira. Tira todo o sal, além de tirar o sal tira aqueles microrganismos inconvenientes. Colocou em Oliveira, foi a primeira experiência. Seis meses depois a mortalidade infantil que era 25, era 25% que morria, abaixou pra dois ou menos de dois e zerou a cólera. Aí nós espalhamos no Nordeste todo, muitas cidades do Nordeste, foram quase 500 projetos que a gente implantou no Nordeste, com a pressão dos políticos. Os políticos queriam o que? Colocar aquela máquina em cima do caminhão e fazer discurso, e nós não dava colher de chá. Nesse ponto a gente era muito linha dura. Então esse projeto tinha um inconveniente que foi superado agora. Aquele sal era de tal densidade que onde ele passava a vegetação morria de tanto sal. Mas agora a fundação avançou depois com pesquisas e transformou aquilo pra criar peixe, pro gado alimentar, e colocamos um tipo de vegetação que gosta de sal, vegetação marinha que serve pra alimentação animal. Então eu gostava de ir pessoalmente nessas pequenas comunidades. Tem uma coisa que me marcou muito no Rio Grande do Norte. Nós fomos com o helicóptero do governador e o helicóptero acabou o combustível lá em cima, veio planando, foi um susto danado. Mas nós chegamos na cidade já seis horas. Quem trabalhava com motivação não tinha hora pra dormir. E você olha pra cidade toda reunida. Você pega e experimenta a água, é um gosto horrível aquela água salobra, aquela coisa desagradável. E quando sai da máquina é água potável pura normalíssima. “Meu Deus, eu não sabia, a água é uma coisa tão gostosa”, uma velhinha. Chegou assim, pegou na mão e disse: “Ô meu filho, eu queria tanto lhe beijar as mãos”. Eu fiquei emocionado, dei um abraço nela e digo: “Eu é que vou beijar as mãos da senhora”. Então é aquelas coisas gostosas que é a fundação, e o oportunismo de ter essa vivência bonita de você ajudar o país a avançar. Nós tivemos na fundação o projeto Banda que foi o Maurício que iniciou, nós demos continuidade. Apoiamos mais de 500 bandas no Brasil, aquelas furiosas do interior do Brasil. Cultura brasileira, né? E fizemos um projeto também. Na época eram os colégios da comunidade, chamava-se Senec (?). O Calliar (?) estudou num colégio desses, ele era de uma família muito pobre. Hoje tem faculdade. Então nós recuperamos muitíssimo, eu não me recordo o nome do colégio que recuperou. A fundação cuida dessas coisas todas, que a gente participou, a vivência na fundação.

P2 – Qual que o senhor acha que foi a marca que o senhor deixou lá, a assinatura que o senhor deixou na fundação, pessoal?

R – Eu diria que foi voltar a fundação pros grandes projetos, essa grandeza no pensar. Nós fizemos a primeira pista aí de Pelegaminíz (?). Eu fui lá pra Pelegaminíz, fizemos um ___ A única pista olímpica do Nordeste do Brasil era em ___ na Universidade, no campus. O Pelé foi inaugurar, o governador. Eu não quis que colocasse o meu nome lá, que eu achava que a fundação estava acima dessas coisas, eu queria. Então eu acho que a minha marca na fundação foi redirecionar a fundação pra esses grandes focos. Eu acho que a fundação e o banco têm um compromisso com a sociedade brasileira pra ajudar o país a ser melhor. E você tem que fazer coisas que marquem. O Projeto Memória deixou uma contribuição importante, o Projeto Saúde que é o câncer infantil, o Homem do Campo que eu não sei se eu continuo ou não, SOS Seca que foi uma solução importante. Nós chegamos até a avançar no SOS Seca porque a gente descobriu na época, pagamos pra isso e constatamos que o Nordeste tinha uma quantidade imensa de poços abandonados. Fazendo os poços, o Governo fazia e ficava por lá. Então nós fizemos um levantamento e concluímos que a que a gente poderia disciplinar, junto com o Governo, recuperar os que já existiam e não deixar fazer assim aleatoriamente. Então você ______ porque a informação da NPM (?) aqui é que o lençol freático lá embaixo é maior do que a Baía da Guanabara. Então precisava disciplinar aquilo ali e começar. O quê que o Nordeste tem? É a cultura do bode, que é um animal que come qualquer coisa, ele come jornal, come folha, só falta trepar na árvore pra comer, e ele resiste bem. Ia financiar o bode, houve até algumas experiências.

P – Atualmente foi inaugurado o “bodemóvel” pela fundação. É um carro que passeia pelas fazendas cuidando da genética, a melhoria genética do bode e aumentando a produtividade leiteira.

R – Eu não sabia disso. Que beleza, né? Nós tivemos uma cidadezinha lá no interior do Ceará, na beira do mar, que era uma escola de marinheiros. Marinheiro, marinheiro que navega por ali. E morreu aquilo ali. Então nós recuperamos. São coisas bonitas da fundação. Nós reconstruímos a escola, nós fizemos os barcos novamente como era antigamente, colocava um sensor, criamos uma fábrica de gelo, criamos a cooperativa. Então a fundação teve tanta coisa que, por exemplo, as quebradeiras de babaçu. 400 mil mulheres que são nômades, são os quatro estados do Brasil, os dois Mato Grosso, Maranhão e Tocantins basicamente. E elas vão catando. Havia um problema sério de crianças sem dedo, de mulheres com a mão cortada porque ela usava uma machadinha pra quebrar aquele troço que é muito duro. Então a gente negociou com elas. Vamos fazer uma coisa, junto com a Unicef na época, fazer uma coisa diferente. Vamos ver se a gente descobre uma máquina. Porque a média dela, ela quebrava 20 quilos. O animal, o jumento, tem aquele cesto do lado, chama bruaca no Nordeste, aqueles cestos, e era a produção dela. O marido estava tomando cachaça e dormindo e ela trabalhando com os filhos ali. Infelizmente era assim. Então nós começamos a adaptar, junto com a Unicef, vamos... E fizemos convênio com a Universidade do Maranhão e descobrimos, eles montaram uma máquina que quebrava 100 quilos e não mutilava a criança nem a mulher. Foi uma coisa linda. E aí a Unicef começou a pesquisar em São Paulo o que é que você pode fazer com babaçu, perfume, sabonete, tudo que você quiser, não perde absolutamente nada. Aí pegamos um ônibus e transformamos em escola. Como eles são nômades, a escola ia acompanhando as mães, e o hospitalzinho com a experiência de Paracatu. Então é um pouco de muita coisa que não daria o rendimento ______. A fundação certamente tem registro muito importante lá. Mas o que me orgulha na fundação é ter dado esse novo enfoque à fundação, não ser aquela coisa de partido político. Eu quero entender o meu país. Eu acho que o meu país está acima do deputado, do governador. Recebia todos eles lá, mas eu acho que o país, os objetivos macro, eu acho que o país tem que ter macro. Eu tive alguns problemas, por exemplo, com o homem que criou o Cpmf, o ministro, era ministro da Saúde, da Fundação Zerbini, o ministro... Ele que falou tanto que saúde precisava de dinheiro e o Cpmf surgiu com ele, que foi o ministro, eu vou lembrar o nome dele, Eu me lembro uma vez, ele queria um milhão e 100 pra comprar um equipamento, que hoje a gente sabe que hoje os grandes hospitais todos têm. É um equipamento que toda vez que alguém tem um infarto tem que abrir o peito do cidadão e abrir aquele troço lá e trocar aquelas coisas que estavam entupidas lá, as coronárias. E esse equipamento no Brasil era o primeiro que ia chegar, o segundo aliás. Tinha no Einstein

e tinha lá nas Clínicas, do Coração. É um equipamento que ele coloca pela virilha da pessoa, pela veia, e o computador vai levando, isso chama stent, e ele quando chega no local que tem, a veia entupiu, ele explode, solta uma bolinha que explode aquele coágulo e coloca uma mola. Aquela molazinha chama stent. Abre e aí circula normalmente. Não precisa abrir _____. Ele queria que a fundação desse. Aí eu fiz um levantamento, nós já tínhamos dado 12 milhões nos últimos seis anos. Aí eu falei: “Ministro, infelizmente eu não vou poder atender o senhor porque nós já demos nos seis anos 12 milhões. O senhor tem”, na época ele tinha 80 milhões, “o seu hospital tem 80 milhões aplicados no Bradesco. O senhor fez o convênio com a fundação, com a Cacique do Banco do Brasil e cobrou o mesmo preço que deu pro Bradesco e deu pro Itaú. Então nós só vamos mandar o dinheiro pro senhor se o senhor pegar o dinheiro e colocar no Banco do Brasil, senão não vamos, e renegociar com a Cacique”. Então a gente via muito o banco, defender o banco. “Mas eu não posso fazer isso”. “Então eu também não posso atender o senhor”. Então a gente enfrentava essa, não tinha medo de falar com autoridade. E ele falou com o presidente, o presidente me chamou lá. Eu expliquei o quê que era, mas enfrentamos essas dificuldades. Então a gente estava muito associado a ajudar o banco, fundação e banco era uma coisa só, essa é a nossa visão. Mas eu acho que o foco maior, que me orgulha mais, é dar esse novo enfoque à fundação.

P – Existiu algum fato mais engraçado ou curioso que o senhor passou vivendo nesses dias de Fundação Banco do Brasil? Alguma situação que o senhor viajou, alguma coisa inusitada nesse sentido?

R – É, eu tive esse negócio do helicóptero que foi um negócio meio assustador. Mas eu tive um problema com esse cidadão chamado Arruda que hoje ele quer ser governador de Brasília. Porque? Eu nem sei se deve falar essas coisas não, mas já que nós estamos falando.

P2 – Agora já começou, né?

R – Já começou. O que aconteceu? Quando nós re-inauguramos o Teatro Nacional aquilo estava parado. Estava tudo tão arrebentado, estava parado, as cadeiras furadas. Teve que trocar aquilo tudo, foi muito dinheiro, recuperar aqueles sofás todos, problema de acústica, o pessoal da Fundação Niemeyer, e era a Associação dos Engenheiros do Banco, os engenheiros _____. Quando nós fomos inaugurar o Teatro Nacional virou um problema de governo pela importância do Teatro Nacional em Brasília. E o presidente Fernando Henrique tinha assumido o compromisso conosco de inaugurar porque nós fomos lá. Quando fez a festa do Monteiro Lobato, nós fomos no Fernando Henrique com o sobrinho-neto do Monteiro Lobato, o Fernando Henrique nos recebeu. O Fernando Henrique inaugurou o nosso projeto Homem do Campo lá no Palácio e a medalha da cultura, que é a mais exclusiva do Brasil, são só 16 ou 15 pessoas, nós ganhamos por causa desse trabalho do Projeto Memória. Foi o presidente do banco, Ximenes, que recebeu lá no Palácio do Planalto. E nós tínhamos uma relação muito estreita com o Comunidade Solidária, dona Ruth. Nós tínhamos muitas reuniões no Palácio do Planalto, muitas reuniões na Granja do Torto, almoçamos muitas vezes com o Fernando Henrique, com dona Ruth, porque, isso nunca me envaideceu porque eu sabia que era o presidente da fundação, não era João Rabelo, a gente estava muito consciente disso. Assim como o dia que nós inauguramos os 100 anos da academia eu fui jantar na casa do Roberto Marinho, que o Ximenes não quis ir, mas eu sabia que era o presidente da fundação. Foi um negócio exclusivo, só tinha os acadêmicos, o Conde, Fernando Henrique, o presidente de Portugal, da Espanha e o ministro da Fazenda e o ministro da Cultura. Eu estava lá porque eu era o presidente da Fundação Banco do Brasil, eu estava muito consciente disso. Então eu tive um problema com o Arruda. Porque? Porque o Arruda queria que a Abadia (?) fosse governadora, e eu tinha, pela lei, como todos os ministros queriam ir nós contratamos a Gal e a Bethânia porque coincidiu com os 150 anos do Castro Alves. A gente estava com a exposição da vida dele lá no Teatro Nacional, aquela coisa linda, e a gente queria inaugurar com esse evento, tanto que a Bethânia começou recitando o Navio Negreiro, foi lindo realmente. Então as duas... Nós íamos trazer o Caymmi, mas o Caymmi cobrou tanto dinheiro que não deu. A gente queria os velhos baianos e os novos baianos, então trouxemos somente a Gal e a Bethânia. Na hora que está montando o programa, o Arruda colocou na cabeça do Fernando Henrique que ele ia prestigiar Cristóvam e me criou um problema porque existe um decreto que define o cerimonial quando tem autoridades governamentais. A parte mais nobre do Teatro Nacional, naquele bloco do meio, aquela parte tinha um corredor largo ali que fica as autoridades. Então, nós distribuímos as autoridades de acordo com o cerimonial, presidente da República, ministro de Estado, embaixador, os convidados etc. O primeiro dia foi só convidado, o segundo dia foi a sociedade, tinha um critério lá pra distribuir. E no primeiro dia ele queria que a Abadia (?) falasse. Pela legislação, quando fala o presidente ninguém fala, o presidente é a maior autoridade. Pode falar o presidente do banco, o governador, o presidente da República ou o ministro da Cultura. Então nunca é mais de três, assim diz a lei, quando está o presidente da República. Então nós montamos o cerimonial exatamente junto com o Ministério da Cultura, o decreto. Fiz tudo documentado, bonitinho. E o Arruda era líder do governo e queria, e se achava que era o tal. Ele telefonou pro banco reclamando que a Abadia (?) tinha que falar, ele tinha que falar, aquela coisa toda. E o Ximenes me telefonou lá, eu fui lá: “Presidente, nós estamos cumprindo aqui. Nós estamos fazendo o cerimonial de acordo com o, junto com o banco, junto com o Palácio do Planalto. Então eu vou lá conversar com o Arruda que eu não agüento mais”. Eu fui. Esse é um negócio que me desagradou profundamente. Quando eu cheguei, aquele famoso cafezinho do Senado. Ele era senador e líder do governo. E eu fui com a empresária que contratava a Gal e a Bethânia, que era conhecida ou amiga dele, e mais o gerente do banco, o banco tem três agências ali. Quando eu cheguei ele veio lá com o dedo em riste. Estava cheio, ACM, era presidente do Senado, aquela ______ toda. E eu cheguei ali e ele diz assim: “O senhor é um irresponsável”. Eu já estava no limite de impaciência com esses problemas que me davam. Peguei a minha pasta e saí. Aí o colega foi lá: “Ah, Rabelo, o que foi que houve?” Aí ele ficou assustado: “O quê que foi que houve?” “Se o senhor quiser tratar como gente civilizada, eu fico. Não sou seu empregado. Fiz concurso do banco, nunca lhe pedi nada, não preciso do senhor”. “Ah, mas o senhor fez isso sem me consultar”. “Nem tinha porque. Eu mandei um ofício pro presidente da República, está aqui uma cópia, mandei ofício pro ministro da Cultura, está aqui a cópia”. “Mas o ministro não _____”. Eu falei: “Isso é problema do senhor. O ministro é autoridade legal do Ministério da Cultura, e eu não preciso do senhor”. E ele: “O senhor há de convir que o senhor tem um cargo de confiança”. “Se o senhor quer dizer que vai me demitir, fala com o presidente. Fiz concurso do banco, todos os cargos que eu assumi foi por dignidade e conquistada, eu não precisei do senhor, nunca lhe pedi, nem lhe conhecia. Se o senhor não me respeitar eu vou embora”. Foi um negócio muito duro. “Mas e quanto à inauguração?” Eu digo: “Olha, o senhor me desculpe, o senhor é um incompetente político”. Eu estava tão, eu digo: “Eu vou ser demitido hoje”. Eu estava realmente que eu não agüentava mais: “O senhor é um incompetente político”. “O senhor ousaria...” “Não, estou ousando”. “Porque?” “O presidente da República se diz um agricultor”, e Fernando Henrique dizia realmente isso, inaugurou um teatro em São Paulo, Porto Alegre, não sei o que lá. “Na capital da República o senhor colocou na cabeça do presidente pra não ir porque o Cristóvam podia tirar proveito disso. Senador, se o Fernando Henrique não for, quem vai é o Cristóvam, ele vai ser a grande figura. E o senhor é um incompetente. Desculpe _________”. E o Fernando Henrique arrumou uma desculpa, não sei o que lá, e sumiram de Brasília no dia. Eu sei quando nós terminamos... Aí teve que arrumar um jeito do vice-presidente, que era o Marcos Maciel, que foi pra poder contornar a situação pra não ficar um negócio tão desagradável. Aí nós terminamos de montar o cerimonial era três horas da manhã e já estava estourado e cansado ______. Esse foi o negócio que mais me desagradou na fundação, esse negócio do Arruda aí. Eu confesso que eu cheguei a ser desrespeitoso, hoje eu reconheço, com o senador. Mas ele não me respeitou também, e eu não tinha porque me desculpar pra ele. O fato dele ser autoridade, eu também, no meu papel eu era autoridade também, eu não precisava dele, não estava pedindo favor a ele.

P2 – Seu Rabelo, avaliar a trajetória da sua trajetória na fundação, que é extremamente positiva, o senhor teria vontade de deixar uma mensagem pras pessoas que estão lá ainda?

R – Eu confesso que eu conheço muito pouco a atual presidente. Eu conheço, mas não tenho intimidade qualquer. A Heloisa me substituiu. Sinceramente eu nunca voltei à fundação no tempo da Heloisa porque eu tinha aquela preocupação de não achar que eu estava querendo interferir na administração dela, que eu estava querendo saber informações, que eu tenho por hábito, eu desligo e pronto. Meus amigos continuam amigos fora, mas lá nunca procurei saber, nunca liguei. Eu sei que ela fez uma coisa que me desagradou foi quando ela mudou. Nós tínhamos uma revista, chamava Viva Voz e ela mudou. Encontrei com ela na rua uma vez, eu falei: “Heloisa, se você comprasse a Veja você mudaria o nome da Veja? Marca é uma coisa que qualquer empresa preserva. Então não precisa ser muito intelectual, marca é uma coisa fundamental. A Rede Globo é Rede Globo, a Rede Tupi é Rede Tupi, a sua empresa é a sua empresa. Só quando você muda você preserva e cresce”. Ela mudou muita coisa que eu respeito, mas não estaria de acordo com ela. O Jacques Pener (?), que é o atual presidente. Eu conheço bem o Paraca, que foi prefeito de Paracatu e a gente fez alguns projetos juntos em Paracatu, mas eu conheço muito pouco Jacques Pener (?). Eu estive lá duas vezes ou três, duas vezes, com o pessoal do ministério do Turismo porque havia alguns trabalhos comuns de interesse, não conheciam a fundação e eu fui lá acompanhar o pessoal do Ministério. Não conheço, mas eu diria ao Jacques Pener (?), ele está no segundo mandato, volte a fundação para os grandes projetos. Nós tínhamos convênio com ministérios, com o Ministério da Justiça que hoje infelizmente perdeu. Nós perdemos uma chance única. Porque? Porque nós tínhamos no Brasil, na época a única tecnologia de digitais era da Fundação Banco do Brasil e junto Universidade do Paraná. Nós instalamos na nossa porta. O meu funcionário domingo, segunda-feira tinha um relatório de quem chegou, que hora que chegou. Nós fizemos uma experiência lá em Paraná porque a pessoa, era muito comum no Paraná, no Rio Grande do Sul, o indivíduo ia lá, trocava ______ e fugia. Então essa tecnologia a pessoa chegava e colocava o dedo. Na saída se não batesse podia segurar. Negociamos com a Previdência Social. Digo: “Olha, com isso nós vamos acabar com negócio de gente mal estar recebendo benefício da Previdência Social, acabar com a corrupção na Previdência Social”. O seguro desemprego tem centenas de pessoas, com isso aqui é digital, você não tem como evitar. Passaporte, se lá bateu o dedo, ______, pode prender que é bandido. A legislação brasileira da votação, negociamos com a Justiça Eleitoral. Em vez de ter aquele negocinho lá tem um sensor. Analfabeto vota pelo dedo. Evita que alguém vote no lugar do outro, e é barato. Então nós íamos colocar lá na Justiça Eleitoral, nas urnas, íamos colocar nas penitenciárias, nós íamos resolver o problema do desemprego que tem muito dinheiro desviado ____. A Previdência Social, esse cadastramento que estão fazendo aí, o dedo do cidadão, você pode igualzinho. Quando você digita, paga num posto de gasolina um combustível é a mesma coisa, agora é só o dedo. Mas aí tivemos uma dificuldade com o Ministério da Justiça pra transferir isso, porque ele já estava avançando uma pesquisa pra identificar a pessoa pela íris e depois pela formação do rosto, a idéia era nossa. E aí quando chegamos lá no Ministério da Justiça, aí dissemos: “Vamos começar pelo Rio de Janeiro”. Tinha uma lei no Brasil que nós íamos ter um documento só, a lei não pegou. Todo mundo ia ter um documento só pra valer pra tudo, como é em alguns países como Estados Unidos e outros países. Aí começamos no Rio de Janeiro, que no Rio de Janeiro o problema da identificação é tal nível de confusão que não se aproveita praticamente nada. Aí, na licitação nós não ganhamos, claro. Nós, era tecnologia brasileira, nós queríamos estimular a cultura brasileira, a pesquisa brasileira. E aí a IBM entrou lá e não sei por que caminhos eles cancelaram. Me dá um parêntese, por favor. Eu falei que, de certo modo, devia ter muitos projetos da Embrapa lá na fundação. Porque? Porque a Embrapa deu muita contribuição ao país, inegavelmente. Mas eu entendia que o processo não estava adequado. Porque? Nós financiávamos muitos projetos do Finep, da Embrapa e de outro órgão aí do governo. E eu cheguei um dia em Portugal, que era o presidente da Embrapa, em Portugal: “Olha, nós reprovamos muitos projetos, Universidade de Brasília, ______. Eu estou percebendo que um bom número de projetos que a gente está apoiando não tem nenhum objetivo social, não tem nenhuma expectativa de aplicabilidade. Então eu vou fazer uma proposta. Daqui pra frente eu não aprovo nada que eu não tenha a certeza que vai ter aplicabilidade no interesse do país”. “O que é que você propõe então?” “Eu vou criar um banco de tecnologia no Brasil. No Brasil não tem”. O pesquisador, hoje a maioria dos projetos que chegam lá é o professor da Universidade que ganha mal e precisa aprovar o projeto pra ganhar um dinheirinho a mais e publicar um trabalho. Então o que a gente quer? A gente quer um cientista. Nós vamos _______

pra ele ser cientista a vida inteira, pesquisador a vida inteira. Então existe a lei de pesquisa científica tecnológica. Aí eu falei com o presidente da Previ. A Previ é do banco, não sei se você sabe, e a Previ é dona, por exemplo, da maioria das elétricas, das telefônicas, do tubo Tigre e por aí afora. A Previ é maior que o banco muitas vezes. Eu conversei com um colega e disse: “Olha, o Brasil tem muitos problemas que você pode nos ajudar. Por exemplo, Balbina, Itaipu tem mais de 30 anos, a turbina está inteira. Em Balbina com 10 anos morria a turbina. Porque? Porque foi feito mal feito. Jogaram água quando tinha ainda as plantas, animais e gerou microorganismos que destroem as turbinas. Então você é dono das elétricas, vai fazer a renúncia fiscal como a lei de incentivo à cultura, passa pra fundação e nós vamos pesquisar pra resolver esse problema”. Telefone celular estava nascendo, isso aí vai ser uma revolução no Brasil. Então você é dono de uma delas, da uma renúncia fiscal pra nós e nós vamos criar um banco de tecnologia e o cientista vai pesquisar a vida inteira, vai ganhar o salário dele com a equipe dele, de Portugal, Nós vamos criar um banco de tecnologia. Eu dou dez milhões, a Embrapa dá dez milhões, o Finep dá dez milhões, o outro órgão dá dez milhões. Aí nós vamos criar uma equipe de notáveis que vão examinar esses projetos. Projeto que é bom vai ter lá. Nós sabíamos que o mundo ia precisar muito de frango. O Brasil vai explodir em frango, então vamos pesquisar frango. De que maneira? O frango cada vez fica mais jovem pra produzir. Vamos pesquisar soja, o Brasil vai explodir em soja. Então pesquisa soja, os derivados da soja. A Embrapa sabe fazer isso. Mas então você, nessa equipe que vai ter alguém seu, alguém da Finep, alguém da fundação e da Universidade vai definir que projeto nós vamos aprovar, e aí ele sabe que vai ficar um ano, dez anos, 20 anos pesquisando e nós vamos pagar pra ele. O resultado da tecnologia, do projeto aprovado, nós vamos fazer lá o registro no órgão próprio e a lei estabelece que o pesquisador tem um X ____ pra ele. Todo rendimento vem pra esse banco e aí nós vamos criar um grande banco no Brasil pra financiar tecnologia, e o pesquisador virar pesquisador realmente. Não consegui, essa é uma frustração que eu tenho, essa é a maior frustração que eu tenho, não conseguimos criar o banco de tecnologias no Brasil. Já falei demais, desculpa.

P2 – Tem alguma coisa que o senhor queira falar ainda, que a gente deixou de perguntar?

R – Nós começamos a desenvolver um projeto sobre a lepra no Brasil. Descobriram no Ministério da Saúde que lepra é um negócio facilmente curável. A lepra é uma doença social. Ela tem a imagem bíblica que dá essa coisa de horror, mas ela é curável. A lepra simples é igual a gripe, você cura simplesmente, é barato. E nós tentamos negociar com o Ministério da Justiça, mas já não teve tempo, eu já estava saindo da fundação.

P – Estava acabando.

R – Estava acabando.

P – Como é que o senhor avalia a importância desse trabalho de registrar a memória das pessoas e conseqüentemente da Fundação Banco do Brasil?

R – Eu acho importante registrar, sobretudo porque o Brasil não tem muita cultura da preservação da memória. Quando nós criamos o Projeto Memória, era preservar valor. No Brasil nós somos muito pobres de história. É que eu fui outro dia no Ceará, fui ver a casa de José de Alencar. Chorei lá de emoção, de tristeza. Eu já não estava na fundação, se eu estivesse eu assumiria aquilo ali porque o José de Alencar foi uma figura extraordinária. E é um campo assim, uma área enorme e muito mal cuidada. Poxa, uma figura como José de Alencar no Brasil. Então, infelizmente nós não temos a cultura de fazer essas coisas bonitas e valorizar a nossa história. Então eu acho que a idéia de preservar a memória da fundação é sobretudo porque eu não tenho dúvida que o Brasil está caminhando para cada dia mais valorizar o social, a responsabilidade social da empresa brasileira. O Banco do Brasil acho que é pioneiro nisso. Então eu acho que guardar isso, um dia o banco e outras empresas quiseram: “Como é que nós vamos fazer isso?” Tem a história da fundação. Não é porque eu passei por lá, eu tive o privilégio de passar pela fundação e contribuir nesse processo que não é meu. O mérito é de Camilo Calazans que teve a ousadia, de Maurício, de Calliar, e uma porção de gente passou por lá, essa massa de gente que passou. E eu dei a minha contribuição enquanto estava lá, com muito orgulho. Vou dizer uma coisa que você não sabe. Eu trabalhei na fundação quatro anos, que quatro anos são 24 meses, não é isso? 48 meses. 36 meses eu não recebi até hoje nada, pela vibração de trabalhar ali. Recebia só o meu salário de aposentado. Então você vê como é que aquilo era uma coisa tão vibrante que a gente se doava por inteiro na fundação. Então eu diria pros futuros meus colegas ou quem vier pra fundação: “Faça da Fundação Banco do Brasil aquilo que ela, dê asas para que ela voe, e ajude a construir o Brasil que nós teremos no futuro. Certamente tenho muito orgulho de tudo isso”.

P2 – Eu queria agradecer em nome da fundação e em nome do Instituto Museu da Pessoa o depoimento brilhante do senhor. Muito obrigada mesmo pela presença.

R – Muito obrigado.